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Um livro cada domingo. Nunca ouvira falar de Américo Cardoso Botelho (n.

1918), um
dos fundadores da Clínica do Restelo, ou seja, o actual Hospital de S. Francisco Xavier, em
Lisboa. Américo Cardoso Botelho, engenheiro de formação, chegou a Angola no dia 9 de
Novembro de 1975, para assumir funções na administração da Diamang, a contra-ciclo da
presença portuguesa no território (a independência do país verificou-se dois dias depois da
sua chegada). Durante 15 meses, pôde exercer o cargo de que estava investido, deslocando-
se com frequência ao Congo, Camarões, Botswana, Malawi e outros países africanos. Em
Fevereiro de 1977 foi preso, e preso ficou, sem culpa formada, até Agosto de
1980. Holocausto em Angola é o relato desses 30 meses de cativeiro, que o subtítulo
regista com exemplar secura: Memórias de entre o cárcere e o cemitério. Em 611 páginas
de grande formato, o autor dá testemunho do horror. Leram Purga em Angola (2007)
de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus? Pois o livro de Américo Cardoso Botelho — que
tem um capítulo de 68 páginas exclusivamente dedicado ao 27 de Maio de 1977, isto é, ao
impropriamente chamado Golpe Nitista, tema aliás recorrente ao longo da obra —
consegue a proeza de trazer à colação um coeficiente de horror ainda maior. A vertigem
totalitária do MPLA, as prisões em massa decretadas por Neto, o verdadeiro Estado dentro
do Estado que a DISA de facto foi em determinado período, a tortura de prisioneiros, os
julgamentos populares, os fuzilamentos frente às valas comuns, o papel dos cubanos na
repressão, e por aí fora. Enquanto o livro de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus,
porventura mais ideológico, tem enfoque na matança do 27 de Maio de 1977, o de Américo
Cardoso Botelho, predominantemente factual, começa antes e acaba muito depois,
fazendo grande angular sobre as circunstâncias que permitiram a barbárie. Dois
subcapítulos, ‘Testemunhas privilegiadas’ e ‘Fragmentos de Vidas’, recuperam histórias
individuais de vários portugueses apanhados pelo terror: entre muitos outros, Telles Grillo,
o major Costa Martins, Manuel Ennes Ferreira, Vasco Pereira, Maria do Céu Veloso, que
presumo seja Maria da Luz Veloso, pois os incidentes biográficos coincidem. ‘Memórias da
Coragem’ faz o mesmo do lado angolano. Ao longo do volume, as indispensáveis notas de
rodapé permitem estabelecer nexos e seguir o percurso (até aos dias de hoje) de quase
todos os protagonistas — fautores e vítimas — do Holocausto angolano. Para quem, como
Américo Cardoso Botelho, não é historiador, e tem a humildade de ficar
pelas memórias, Holocausto em Angola presta um inestimável serviço à memória
colectiva de portugueses e angolanos. A organização do índice permite um bom cotejo de
personagens e acontecimentos. Um apêndice reúne fac símiles de inúmera
correspondência oficial e oficiosa (cartas de Neto, Chipenda, Wandalika, Pio Deiana,
Marie-Gertrude Motema, Zeca Pinho, Rosa Coutinho, etc.), bem como outro tipo de
documentação. Um portfolio fotográfico completa o volume, que é prefaciado por Simão
Cacete. Longe de recensear a obra, limito-me a uma chamada de atenção. Uma coisa é
certa: a História vai-se fazendo. Blog – Da Literatura  Endereço electrónico 

HOLOCAUSTO em ANGOLA

A grande "invasão"

Fala este livro de um drama. Do meu - talvez o mais pequeno de todos. Do de todos
esses que conheceram o inferno prisional angolano nos anos que se seguiram à
independência, no contexto de uma guerra que encarcerou o povo angolano em
fronteiras de violência sem medida.  A máquina de guerra sustentou o poder do MPLA,
perpetuou uma luta fratricida e enredou na repressão o quotidiano de muitos, angolanos
e estrangeiros, fazendo da jovem nação campo de refugiados, deslocados e orfãos. Falo
de holocausto, não por desconsiderar aquele que a história contemporânea da Europa
viveu - o holocausto por antonomásia -, mas porque a desumanidade tamanha desse não
pode ocultar outros holocaustos que o curso dos anos somou à história de muitos povos.
Dessa nação angolana falo eu aqui, nação a fazer-se cujas dores não eram de parto mas
de luto por tantos filhos supliciados e exterminados com a ajuda de exércitos
estrangeiros.

Cubanos em Angola

Segundo muitos testemunhos, a "grande invasão" - aquela que vinha suportar a tirania do


MPLA - tinha começado antes da independência, oficializada e celebrada no dia 11 de
Novembro de 1975 (1). Assim, ainda antes da independência, estava em marcha a
máquina que viria a sustentar a hegemonia repressiva do MPLA (2), mesmo se nos
acordos mediados por Portugal se tinha reconhecido que FNLA, MPLA e UNITA se
constituíam como os únicos e legítimos representantes do povo angolano.

Os portos de Novo Redondo e de Porto Amboim conheceram uma excepcional actividade


aquando do desembarque de um enorme contingente de armamento vário e munições.
Grande parte do material vinha em barcos soviéticos e jugoslavos, mas, em regra, não
acostavam nos portos, o material era antes transferido para baleeiras que se dedicavam
à actividade piscatória. "Mobilização" era a palavra de ordem, naquelas paragens.
Trabalhadores dos mais diversos ramos, contratados nas fazendas, assalariados para a
adubação e para as colheitas, funcionários de diversos serviços, todos foram mobilizados
para apoiar esta importação de guerra. Os contingentes militares cubanos circulavam já,
como donos da situação, nos veículos que os portugueses haviam deixado pelo caminho.
As elites militares cubanas apareciam para orientar o destino de todo o armamento.

A obra de Juan F. Benemelis - Castro, subversão e terrorismo em África (Europress,


1986) - permanece como um dos testemunhos mais fortes dos bastidores da política
cubana para a África. Juan Benemelis, ex-Director do Ministério dos Negócios
Estrangeiros de Havana para as relações com a África, esteve em Angola e na Tanzânia -
desempenhou, mesmo, um papel de responsabilidade no golpe de Zanzibar. Nos anos
setenta, iniciou um percurso de dissidência que o conduziu à busca de asilo político nos
EUA (3). As informações que deixou registadas sobre a operação militar cubana são
preciosas:

Na noite de Setembro o barco cubano Vietname Heróico chega a Pointe Noire,


transportando 20 carros blindados, 30 camiões e 120 soldados cubanos, sendo aí tudo e
todos transferidos para o navio angolano Lunda-Luanda, com destino a Caxito, onde se
espera uma ofensiva. Em princípios de Outubro, chega outro contingente de Castro para
as forças armadas do MPLA, em barcos cubanos [...]. Nas noites de 16, 17 e 18 de
Outubro, dois transportes soviéticos AN-12 que, juntamente com três barcos cubanos,
serão utilizados na ponte aero-naval entre Pointe Noire e Angola. Simultaneamente,
pelo Lobito, chegam mais de 500 soldados cubanos com seis tanques. Uma semana
depois desembarca outro contingente de 750 soldados de Fidel e grande quantidade de
material de guerra, desta vez em plena luz do dia [...]. A 5 de Novembro, dia em que as
tropas especiais de Castro são enviadas por via aérea para Luanda, o
diário PRAVDA anunciava a decisão soviética por uma solução armada em Angola e,
consequentemente, a ruptura com os acordos de Alvor que estipulavam a independência
negociada [...]. Numa reunião entre Castro e Henrique dos Santos do MPLA, realizada
em Havana, é decidido declarar a independência unilateral que conceda a cobertura
jurídico-política à escalada militar soviético-cubana (4).
Segundo as informações apontadas por Benemelis, nos dia 11 de Novembro, dia da
declaração da independência por parte do MPLA, estavam já em Angola mais de 7000
soldados cubanos, presença que, no âmbito da «Operação Carlota» atingiu, em finais de
Dezembro, o número de 22000 e, depois, em Março, a soma de 37000 militares, com o
arsenal militar correspondente - em Fevereiro de 1976, o apoio logístico soviético
ultrapassa os 400 milhões de dólares, e o número de deslocados e refugiados, em
consequência da guerra, ronda os 750000 (5). Eu próprio pude verificar, quando cheguei
a Angola, no dia 9 de Novembro de 1975, ainda antes da cerimónia da independência,
que tinha já desembarcado um enorme contingente de cubanos no porto de Luanda (6).
Tropas e oficiais cubanos estavam agora instalados, com armas e bagagens, no Hotel
Presidente. Tratava-se de um edifício magnífico, situado em lugar privilegiado, junto ao
porto comercial de Luanda, o qual estava a ser preparado para uma inauguração com
pompa e circunstância. Pertencia a alguém cuja terra natal se avizinhava da minha, José
Cristovão, pessoa empreendedora que eu admirava já pelo que tinha realizado em
Portugal (7).

Era uma unidade hoteleira de última geração e a sua ocupação pelos militares cubanos
deitava por terra o futuro do empreendimento. Depois da ocupação permaneceram as
paredes e pouco mais - instalações sanitárias, louças, mobiliário, aparelhos diversos,
torneiras, tudo estava destruído ou desaparecido. Foi mais tarde reconstruído por uma
empresa brasileira (SISAL) e explorado pela cadeia Meridien. Só nessa altura os
angolanos puderam entrar naquele empreendimento hoteleiro. Após longas negociações,
José Cristovão conseguiu reaver o hotel, mas à boleia teve de aceitar como sócio o
Estado partidocrático angolano, com a cota de 20%, sem qualquer indemnização pelos
prejuízos anteriores.

Na obra referida, Juan Benemelis sublinha que, desde o seu planeamento, toda a
campanha angolana estará nas mãos de militares cubanos de carreira, sobretudo
daqueles que estudaram na URSS:
Se a operação Carlota se torna um verdadeiro teatro de operações e da experiência dos
comandos militares cubanos no que respeita à sua capacidade operacional, sob o ponto
de vista interno serve de trampolim a Raul Castro [...]. Para o seu plano de maior
envergadura em Angola, Castro conta com o seu ministro das Forças Armadas, Raul
Castro, o major general Senen Casas Regueiro, chefe do EM, o general Julio Casas
Regueiro, vice-primeiro-ministro das Forças Armadas e chefe da logística, os generais
Raul Diaz Arguelles, Arnaldo Ochoa, Raul Menendez Tomassevich, Leopoldo Cintras
Frias, Abelardo Ibarra (Furry), Jose Ramon Fernandez (el gallego), Armando Fleites
Ramirez, Lopes Cuba, etc (8).
Benemelis, conhecedor da situação angolana, refere que a unidade 3051, do exército
cubano, desembarcou em Luanda, a 19 de Setembro, transportada pelo navio almirante
Sierra Maestra (9). Mesmo sem estarem ainda recompostos da viagem marítima, os
militares foram colocados de imediato atrás dos tanques T-34 e T-35 que deviam
reforçar as defesas da capital. A infantaria, com a  mesma urgência, começou a cavar
trincheiras em redor da cidade. Tratava-se de preparar uma acção que visava a FNLA e
os seus apoiantes. Foi assim que Quifandongo conheceu a morte de tantos angolanos sob
o fogo de um exército estrangeiro. Aí, uma multidão de simpatizantes da FNLA pereceu
sob a violência de projécteis incendiários. Os tanques disparavam projécteis de
fragmentação despedaçando os corpos. Parte daquela multidão procurou a fuga,
correndo no sentido inverso aos disparos. Mas os mísseis de 122 mm perseguiam as suas
vítimas até uma distância de 20 quilómetros, com o auxílio de aviões de reconhecimento
- não raro, os MiG 21 desciam em voo picado participando no morticínio.

Estava em curso uma perigosa concentração de homens e equipamento cubano-soviético


tendo como alvo a Namíbia e Pretória. O exército de 50.000 homens de Fidel
transformar-se-ia na maior força militar extra-continental. A tese de Benemelis é clara:
a expansão militar de Cuba no continente africano era uma estratégia indispensável para
a sua sobrevivência, uma vez que permitia contornar algumas dificuldades que
decorriam da proximidade adversa dos EUA. Benemelis descreve este desígnio
geopolítico da seguinte forma: Havana fornece os soldados; os soviéticos os meios
logísticos; a República Democrática Alemã, o comando. O seu testemunho dá conta da
presença de 40.000 soldados estacionados em Angola e refere, sem equívocos, o seu
papel nos processos de limpeza política em favor do MPLA, com lugar cativo nas
execuções sumárias. Como sublinha Benemelis, o fuzilamento foi, para muitos, uma
morte «benigna», uma vez que a execução tomava formas de desumanidade difícil de
conceber - como o caso dos que, segundo a sua narrativa, foram lançados para a morte
de um helicóptero, em pleno voo.

É claro que Cuba levou, também, consigo as cicatrizes da guerra. Segundo dados que
circularam nos media, estima-se que morreram cerca de 2.289 militares cubanos e que
muitos milhares ficaram feridos durante essa intervenção que levou para Angola 377.033
soldados e 56.622 oficiais, para apoiar o poder de Luanda (cf. Público, 25-02.02).

A descida ao inferno angolano

Circunstâncias (...) conduziram-me às prisões angolanas, numa altura em que estava


profissionalmente ligado aos destinos da Diamang. Aí conheci e recolhi as narrativas dos
que experimentavam na carne e no espírito a violência de uma hegemonia partidocrática
sustentada pela violação constante dos mais elementares direitos, num Estado sem
direito. Aí me inteirei das dimensões tentaculares do poder do MPLA, poder que era uma
ameaça até para os angolanos que viviam fora do território angolano (10).

Perpectivas sobre um dos bimotores da Diamang.

O período em que estive na prisão coincidiu com um dos mais violentos na história da
independência da nação angolana. Recentemente, o historiador Carlos Pacheco referia-
se com justeza a esse tempo de brutalidades:

Nenhum militante do MPLA, supostamente tido como opositor a Agostinho Neto,


escapou a esta e a outras crueldades das forças militares e de segurança. Caso da DISA
(Direcção de Informação e Segurança de Angola, cujo director era o comandante Ludy
Kissassunda) que transformou as prisões e os campos de concentração em verdadeiros
infernos e onde, não raro, se espancavam os reclusos nas celas e nos pátios à vista de
toda a gente. Chegando mesmo a matar-se à queima-roupa. Havia agentes da segurança
que, com o maior despudor, se vangloriavam perante os presos, no decorrer dos
interrogatórios, feitos debaixo das maiores brutalidades, que se em Cuba se tinham
fuzilado 15 000 vermes (sic), em Angola podiam-se fuzilar muitos mais (11).

As afirmações sublinhadas, ouviu-as o próprio historiador da boca dos gentes Getoeira e


João Baião, durante um interrogatório de cerca de duas horas, no presídio de São Paulo,
em Luanda, na tarde do dia 31 de Maio de 1977. Segundo o testemunho de Carlos
Pacheco, os verdugos colocaram várias vezes um fuzil de fabrico russo em cima da mesa,
alegando que estavam ali para fazer "justiça sumária", segundo a vontade expressa de
Agostinho Neto. E o historiador continua:

Durante três anos mantiveram-se milhares de jovens nas piores condições possíveis, em
estado de maus-tratos. A penitenciária de São Paulo (Em Luanda), por exemplo,
abarrotava de presos políticos incursos em vários processos: 27 de Maio, Revolta Activa
(à Revolta activa pertencia a fina-flor dissidente do MPLA), OCA (Organização
Comunista de Angola), CAC'S (Comités Amílcar Cabral), e assim por diante (12).

Os odp's participavam nas barreiras de controlo e, como tinham um grande


conhecimento do terreno, eram muito eficazes. Às vezes "demasiado" eficazes, como
daquela vez em que o carro de um diplomata da Roménia, por não ter parado num
desses controlos, numa rua de Luanda, foi atingido, de tal forma que não sobreviveu ao
ataque. Eram também eles que se encarregavam de hastear, de manhã, e recolher, à
noite, a bandeira do MPLA em todo o território controlado por esta força política. Este
sistema de vigilância, implementado entre 1975 e 1991, tornou todos os angolanos
reféns do MPLA, no território angolano. Esta limitação drástica da liberdade de
circulação estava ao serviço do autoritarismo partidário e, não raro, serviu
arbitrariedades de todo o tamanho. Enquanto estive no Dundo, ao serviço da Diamang,
precisei de um salvo-conduto na área da companhia.
Durante os anos em que permaneci dentro dos muros das prisões angolanas, de 1977 a
1980, aproveitei toda a margem de manobra para fazer dessa estada um reservatório de
memórias. Tirando alguns períodos de repressão mais musculada, consegui alguma
liberdade de circulação dentro da prisão - eu era para grande parte dos presos e
carcereiros um cota inofensivo de quem poderiam obter algum tipo de ajuda. Um
problema inicial se colocava: como registar a informação. O leitor saberá que o universo
prisional é um antro de tabaco. Os invólucros dos maços de tabaco que todos deitavam
fora tornaram-se o pergaminho da minha memória, permitindo a anotação de tudo o que
ouvia e conversava com os companheiros de destino, num código por mim forjado, a
partir da minha já remota experiência militar (Departamento de Cifra do Quartel
General do Comando Militar dos Açores). Apontava grande parte do que ouvia e via
quando estava só - os períodos de recreio em que os presos viam televisão faziam parte
do conjunto de situações privilegiadas.

O problema maior era a saída da prisão. Como sempre, estes regimes de violência
arbitrária são também alfobres de corrupção. Assim, segundo expedientes que só
conheci depois de sair de Angola, aqueles que me davam apoio faziam-me chegar à
prisão malas da TAP com comida, roupa, sapatos e medicamentos - com as malas vinham
muitos outros produtos pedidos, que eu nem chegava a ver, para satisfazer as
autoridades que favoreciam a sua entrada. Como entravam, também saíam. Dentro
desses sacos vinha ainda uma folha de cartão que lhes dava forma. Esse cartão foi o meu
veículo de transporte e comunicação. Ele era constituído por inúmeras folhas prensadas
que eu separava cuidadosamente. Depois voltava a juntá-las, mas agora com os meus
manuscritos codificados, no interior delas. A operação seguinte consistia em voltar a dar
à folha de cartão o seu aspecto original. Tudo era recomposto com o auxílio de um
pouco de cola e do peso do meu próprio corpo (até as capas de uma Bíblia foram, a
certa altura, um veículo insuspeito). Quanto aos sapatos, o procedimento era similar.
Descoladas as forras, enchimentos e solas, aí eram escondidos muitos apontamentos
cifrados. Seguiam um destino em tudo semelhante às malas. Os sapatos conheceram, no
entanto, uma ajuda suplementar, a dos zairenses. Estes eram a mão-de-obra usada na
prisão para a distribuição da comida e outros afazeres. Ofereci-lhes muitas vezes roupa
e sapatos. Muitos deles levavam-nos calçados para o Zaire, com material escondido, na
altura da sua libertação (quando fui posto em liberdade, viajei de Lisboa a Kinshasa para
recuperar toda essa informação). Assim, durante cerca de três anos e meio, emigraram
da prisão uns quatro mil apontamentos, narrativas do quotidiano, desabafos, pequenas
histórias de vidas, denúncias, um mar de observações e conversas que preencheu os dias
do meu degredo.

Quando conheci de novo a liberdade, a minha primeira missão foi descodificar todos
aqueles apontamentos, pois havia o risco de eu perder a memória de muitos dos
pormenores que eram essenciais para a interpretação daqueles fragmentos. Foram oito
meses de trabalho diário, realizado em Lisboa e Paris. O resultado foi uma vasta
documentação de recolha oral que fechei no cofre de um banco. Demorei vários anos
para ganhar a coragem e a disponibilidade necessárias para transformar em livro a
memória dessa experiência. O trabalho era gigantesco. Acabei por escolher dentro
dessas notas um determinado percurso. O que aqui se apresenta corresponde, assim, a
menos de metade dessas anotações.

Super Hércules C130 da Pacific Western Airlines (Canadá). O autor, com um dos


comandantes dos Hércules canadianos, no aeródromo da Diamang, no Dundo. 
São, portanto, páginas de memórias. As minhas, feitas dos rostos e das palavras dos que
me confiaram os seus medos e a sua coragem, as suas histórias vividas e contadas. Por
isso, também as deles, que aqui são honradas como se de mim fizessem parte, contando
o que de mais sagrado estimo.

A memória dessas noites em que a violência abria as portas de ferro das celas
sobrelotadas de gente e daquele cheiro dos dejectos humanos acumulados. O
chamamento dos nomes, os berros e pontapés, os passos de todos esses a caminho da
pior tortura - com vista à extorsão de informações ou à assinatura de autos forjados - ou
votados ao suplício mortal. As vozes de todos esses - uns mais contidos, outros mais
impertinentes -, de vinte e sente nacionalidades, de tez e línguas diversas, alguns deles
empurrados para a loucura. O choro dos que iam para a morte e o alívio dos que
descobriam que o nome chamado não era o seu.

Entre essas vozes, jovens estudantes na militante procura da pátria almejada, militância
não alinhada, carregando o pecado da discordância e, por isso, enclausurada entre os
muros do inferno prisional angolano. Outros, presos por tão pouco: a cobiça de uma
casa, um carro, um frigorífico. Os portugueses, porque alguém se queria apropriar dos
seus bens (alguns trouxeram, em troca, balas no corpo), sem um mínimo de respeito
pelos procedimentos diplomáticos (o mesmo desrespeito pela comunidade internacional
se descobriu em alguns fóruns internacionais como a OUA e a ONU, onde foram algumas
vezes solicitadas explicações aos poderes do MPLA.

A memória dos Comissários Provinciais de Malange e Benguela, que carregaram para a


ambulância, que os levou para o destino do fuzilamento, a pá e a picareta com que
haviam de cavar a sepultura. Dos 150.000 quiocos que ficaram sem médico durante mais
de um ano depois de as forças do MPLA terem encarcerado arbitrariamente um dos
médicos da Diamang. Dos presos seleccionados para o julgamento popular de Luanda,
em 1975, condenados antecipadamente ao fuzilamento, mortos aos bocados perante
uma multidão de dez mil pessoas transportadas para um estádio de futebol.

A memória de narrativas inimagináveis, como a de um rapto realizado em Kinshasa,


patrocinado pelas forças do MPLA, aproveitando uma viagem oficial do Presidente
Agostinho Neto; como a dos militares presos que foram transportados nos Boeing 737 da
TAAG, amarrados ao chão do avião, cujos bancos tinham sido retirados; como a daquele
musseque de Luanda, Sambizamba, que conheceu depois do 27 de Maio (...) acções
bárbaras de demolição - visando particularmente os tidos por participar no golpe -, onde
ficaram soterradas mulheres e crianças; ou ainda como aquelas narrativas que se
referiam à deslocação de tantos adolescentes para Cuba para instituições de educação
que tinham a missão de os tornar pontas-de-lança dos planos de sovietização à escala
internacional. Tenha-se em conta que o imperialismo soviético se baseava no credo
leninista-trotskista da «revolução permanente». Nesse quadro ideológico, o caminho
para a vitória sobre o capitalismo, desbravado por revoluções internas abertas,
necessitava de agentes especializados (13).
Um Hércules canadiano numa deslocação aos Camarões (o autor com a tripulação).
Fenda da Tundavala
A memória dos que habitaram os gulags angolanos, a concentração da vergonha, a terra
que engoliu tanto sangue que não pôde ainda ser reclamado. Entre eles, esses campos
de morte: Moxico, São Nicolau (Bentiaba), Dundo (Canda, Lunda Norte), SAPU (Luanda),
Kibala (Cuanza Sul), Huambo, Damba (Malange), Liangongo, Capolo (Bié), Cavaco, Peu-
peu. Muitas das vítimas desta engrenagem de destruição são angolanos cujo paradeiro
continua desconhecido - alguns despejados no famoso precipício de Tundavala. Com o
desenrolar da guerra as estruturas de registo da população herdadas do tempo colonial
foram sendo destruídas, e os novos dispositivos eram muito frágeis e sujeitos à
corrupção fácil. Assim se tornou impossível ter dados fidedignos sobre a população
angolana, dificuldade acrescida pelas deslocações populacionais constantes,
desestruturadoras das famílias, forçadas pela violência da guerra. A situação facilitava a
perpetuação das arbitrariedades e o extermínio fácil. Ainda hoje é difícil apurar com
segurança todos os números do holocausto angolano. Com o desenrolar da guerra
fratricida, várias zonas do país ficaram sem controlo administrativo do Estado. Por isso,
muitos têm agora dificuldade em provar que são cidadãos angolanos.

A memória de todos aqueles sobre os quais se abateram os desígnios de limpeza política


do MPLA depois da falhada intentona de 27 de Maio de 1977. Os torturados do Ministério
da Defesa que alimentaram as filas de condenados e as valas de corpos fuzilados,
tráfego protegido pelo recolher nocturno e pelas ameaças dirigidas aos coveiros e a
todos os que eram fretados para esse exercício de limpeza rápida. O cemitério de
Mulemba e a barra do Cuanza, entre outros lugares de morte, clamam pela reposição da
justiça violada sistematicamente nessas noites que se seguiram ao 27 de Maio.

Crimes de guerra, crimes contra a humanidade

Quando iniciei a redacção deste livro tinha bem presente a convicção de que esta ampla
relação de factos e testemunhos pudesse adensar a urgência de perguntar por
responsabilidades face ao direito internacional. A imprescritibilidade dos crimes contra a
humanidade, de acordo com a respectiva convenção da ONU, estava no meu horizonte,
como estava a jurisprudência de Nuremberga (14). Não é minha missão, nem
competência, traçar os quadros de classificação dos inúmeros crimes de que este livro
dá testemunho. A outros deverá competir responder à premência dessa obrigação. Mas
não tenho dúvidas de que um tribunal internacional encontrará, entre estes factos,
matéria de investigação e acusação: execuções sumárias, torturas, prisões prolongadas
sem acusação formal, campos de concentração, condições prisionais inumanas, abusos
sexuais, o desaparecimento sem rasto de opositores ao regime de Luanda, negação dos
devidos direitos aos cidadãos estrangeiros, uso abusivo de barreiras de controlo policial,
destruição e pilhagem, bombardeamentos indiscriminados, entre outras matérias. É hoje
insuportável pensar que muitos dos responsáveis por crimes tão graves possam viver
descansados, uns protegidos pela imunidade, outros ainda com as rédeas do poder nas
mãos. É tempo de a justiça responder a tanta impunidade.
À entrada (fachada) das Nações Unidas (Nova Iorque).

O historiador Carlos Pacheco conta-se entre os poucos que persistem em não deixar
morrer a memória desse genocídio:

Este combate em defesa da memória do 27 de Maio, decerto partilhado por milhares de


vozes silenciosas, não é senão um combate pela verdade e defesa dos direitos humanos
contra as manifestações do regime de Luanda que se obstina em fazer crer a todo o
mundo ter como estratégia e determinação o aprofundamento da paz e reconciliação
nacional. Afinal, que paz e reconciliação contra o seu povo? Quando milhares de
angolanos trucidados pela máquina de terror do Estado no consulado de Agostinho Neto,
e até hoje desaparecidos, continuam ignominiosamente sepultados no pó do
esquecimento e votados à indiferença dos poderes públicos [...] O facto de os antigos
assassinos da DISA (polícia política), responsáveis por torturas e matanças no processo
de 27 de Maio, se passearem pelas ruas de Luanda e outras cidades cruzando-se com as
suas vítimas, e até cumprimentando-as (alguns estão em postos de direcção da
administração do Estado ou no Parlamento), não significa que a sociedade se tenha
apaziguado consigo mesma e aceite este estado de coisas. A impunidade destes
indivíduos, que o poder político defendeu ou ainda defende, não é tanto o que ofende
os cidadãos, mas o não se dar aos desaparecidos uma sepultura real ou simbólica,
fazendo-lhes justiça [...] Então que fazer? Para já, encorajar a constituição de uma
Comissão de Investigação das Ossadas [...]. A ninguém oferece dúvidas que este
trabalho de busca e identificação das caveiras e outros ossos vai demorar largos anos e
será fatalmente atravessado por inúmeros acidentes de ordem técnica. Senão mesmo de
ordem política. Ainda assim, vale a pena o esforço grandioso por meio do qual a
incipiente República angolana se poderá ressarcir das objecções e nódoas que a cobrem.
A coroar esta política contra o esquecimento, proponho que se crie o Campo dos
Mártires do 27 de Maio, no qual se deverá erguer um mausoléu com os ossos da
vítimas (15).

Os acontecimentos relacionados com a revolta do 27 de Maio constituem, em particular,


uma zona crítica na memória dos angolanos. Só a justiça poderá exorcizar esses
fantasmas. "O problema é devolver a memória aos desaparecidos", diz Carlos Pacheco,
"muitos salvaram-se, mas a maioria desapareceu, não se sabe onde estão essas pessoas,
onde estão os seus restos mortais" (16). A situação é ainda mais delicada pelo facto de
esses acontecimentos envolverem, de um modo diversificado, figuras que hoje são
consideradas emblemáticas na cultura angolana. O nome de Pepetela tem sido, com
alguma frequência, envolvido nesse esforço de reabilitação da memória. Apesar de,
publicamente, ter sublinhado que o seu papel no pós 27 de Maio se ter circunscrito à
gestão da informação, alguns, como Carlos Pacheco, perguntam-lhe o que fazia ele nos
interrogatórios, realizados sem qualquer conformidade judicial:

Ele participou nos interrogatórios. Ele esteve diante de mim, esteve totalmente
envolvido com aquele interrogatório que foi um verdadeiro processo de achincalha. Eles
tentaram achincalhar-me moralmente, ameaçaram-me. Eu não ouvi da parte de
Pepetela uma ameaça. Ele nunca proferiu uma ameaça, ou não ouvi. Outras pessoas,
como Ndunduma, o proferiram. O Ndunduma, já contei isto num artigo há uns anos,
num dado momento, levantou-se abruptamente, foi ao exterior da sala, e quando
regressou fazia-se acompanhar do comandante Rui Matos e de outros militares. E antes
do comandante Rui Matos ter falado, o Ndunduma disse que se eu não prestasse as
declarações que aquelas pessoas pretendiam, os militares tratariam de mim. Aquilo foi
uma sessão de humilhação, acusaram-me de muitas coisas, de ser da CIA, do KGB... Foi
uma sessão que o próprio Pepetela terá que esclarecer, uma vez que estava presente. A
postura moral dele perante os acontecimentos do 27 de Maio tem que ser muito bem
explicada por ele. Eu faço a seguinte pergunta: o Pepetela não sabia que a maioria das
pessoas, senão a totalidade, estavam naquela situação de presos ilegais, porque tinham
sido sequestrados, privados ilegalmente da sua liberdade? Tenho dúvidas que uma só
pessoa que fosse, tivesse sido presa por mandato judicial (17).
Parece claro que, para além das dimensões da violência que deu corpo à reacção ao
golpe nitista de 27 de Maio de 1977, o peso da névoa fere profundamente a memória de
muitos angolanos. Mesmo se predispostos para o perdão, não são menos exigentes
quanto à justiça. Veja-se este depoimento de Luís dos Passos, líder do Partido
Renovador Democrático:

Como um dos sobreviventes do 27 de Maio, tenho dito que podemos perdoar, mas nunca
nos esqueceremos deste acontecimento. Se assim fosse, estaríamos a esquecer a nossa
própria história e a darmos um apagão no nosso passado [...]. O que tem estado a
acontecer é que algumas reivindicações feitas por nós, através de contactos que temos
encetado com o MPLA [resultaram num] comunicado em que a Direcção do maioritário
refere a tomada de algumas medidas jurídico-legais de salvaguarda dos orfãos e viúvas.
Há pessoas que perderam os seus entes queridos e juridicamente a situação não está
resolvida, porque não têm certidões de óbito e outros deixaram bens sem estarem
declarados. Enfim, deve apurar-se quem são os orfãos e as viúvas (18).

Não quero repetir o inferno cujas portas este livro abre. Quero apenas deixar patentes
as razões da sua escrita, que poderia maldosamente ser lida como um acerto de contas.
Contas terão de prestar os actores que perpetuaram e porventura ainda hoje prolongam
um regime de violação permanente dos direitos mais elementares. A mim cabe-me dar
cumprimento ao dever de ser fiel à minha memória e à memória dos que confiaram em
mim durante a minha passagem pelas prisões angolanas. A desumanidade desses tempos
do meu cativeiro, de facto, prolongou-se, infelizmente, para muitos angolanos, no
tempo. Os ecos na Imprensa, aquém da dimensão dos problemas, continuaram a fazer-se
ouvir:

A Ordem dos Advogados portuguesa vai intensificar a pressão sobre o Governo de


Angola, devido aos casos de violação dos direitos humanos naquele país. A comissão dos
Direitos Humanos da Ordem elaborou um relatório preliminar com base nos elementos
testemunhais e documentais recolhidos nas últimas semanas de acordo com o qual
existem indícios sérios e legítimos que apontam para a total ausência de Estado de
Direito na República Popular de Angola [...] Outra situação referenciada no dossier é o
recrutamento forçado de homens e crianças levado a cabo por militares e polícias.
Contactada pelo Expresso, uma testemunha desses recrutamentos, citada no relatório
da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, declarou: [...] - No ano
passado vi cerca de 20 adolescentes a serem capturados, amarrados e guardados em
currais perto do Huambo. Os "caçadores" eram forças governamentais, com o objectivo
de os recrutarem coercivamente para a guerra (19).

A 15 de Janeiro de 1992, o Expresso dava a conhecer que, em Angola, foram


constituídas comissões de inquérito para averiguar o sucedido no pós-27 de Maio. Um dos
que tem voz na notícia, José Nunes, responsável pela investigação no Leste de Angola,
conta como centenas de homens pereceram sob a mira das armas comandadas por um
tal Maninga, chefe do "centro de recuperação" de Luena na Província do Moxico. Segundo
testemunhos recolhidos, os que escapavam não tinham condições de sobrevivência
alimentar, procurando muitas vezes, à noite, nos campos de abate, os corpos dos
executados para matar a fome (in «HOLOCAUSTO em ANGOLA, Nova Vega, 2007, pp.
20-32).
Notas:

(1) Alguns testemunhos falam de Setembro, outros de Outubro, identificando a chegada


dos cubanos a Angola. Mas Pezarat observa: "Foi só em 5 de Novembro de 1975 que, em
reunião do comité central, Cuba decidiu responder afirmativamente ao pedido do MPLA
e colocar em Angola, por via aérea, aviões fornecidos pela União Soviética, posicionando
em Angola milhares de militares cubanos de unidades organizadas, armadas e
equipadas". Descolonização de Angola: a jóia da coroa do império português, Lisboa:
Editorial Inquérito, 1991, 161. Como anotou Juan Benemelis: "Em 1975, entra em
funções o governo de transição angolano nascido dos acordos de Alvor, Portugal, 5 de
Janeiro, conseguidos no final do ano anterior, com a participação equilibrada de Lisboa,
da UNITA, da FNLA e do MPLA, com o compromisso da realização de eleições em
Novembro de 1975. Segundo os termos deste Acordo, visa-se o desarmamento das
tropas especiais formadas por catangueses e zambianos, ao serviço do exército colonial
português. No entanto, grande parte desses dois exércitos, assim como unidades
auxiliares de angolanos, seriam "trespassadas" ao MPLA, em Janeiro de 1975, por ordem
do Alto Comissário Rosa Coutinho, que autoriza o MPLA, para além do mais, a proceder a
recrutamentos na zona de Luanda. A introdução do armamento soviético a instrutores
cubanos a favor do MPLA continua, uma vez que se inicia a assistência prestada pelo
Zaire e Estados Unidos ao FNLA, desencadeando-se a guerra civil. Com as tropas cedidas
ao MPLA, por Coutinho, e com o armamento proveniente da URSS, além de certos
arsenais portugueses generosamente postos à disposição, Neto disporá dos recursos
necessários para bloquear o governo provisório, evitar as eleições e levar a disputa ao
plano militar". Castro, subversão e terrorismo em África, Europress, 1986, 224.

(2) O programa de hegemonia do MPLA permanecerá inseparável desse apoio militar


cubano. Os inimigos do MPLA tornaram-se inimigos dos Cubanos: "A morte do líder da
UNITA, Jonas Savimbi, inimigo das tropas cubanas entre 1975 a 1991 que apoiaram o
então regime marxista do MPLA em Angola, foi anunciada em Havana sem qualquer
reacção oficial. O Granma, jornal do Partido Comunista cubano, dedicou-lhe apenas uma
notícia breve em páginas interiores. A Juventud Rebelde, orgão dos jovens comunistas,
limitou-se a reproduzir um telex da agência a confirmar que o chefe do Galo Negro tinha
sido abatido em combate. O Governo de Fidel Castro não fez comentários" (Público,
25.02.02; ver também Expresso, 22.05.99).

(3) Segundo Benemelis "o terrorismo sempre figurou na agenda de Castro, ainda que se
tentem dificultar as evidências. Muitas das organizações que operavam nos anos sessenta
obtiveram treino, bases e inclusive instrução cubana. O PLO, as Brigadas Vermelhas, os
Tupamaros, os Montoneros, o comando Boudiaf e outras mais pequenas devem parte da
sua existência à generosidade de Fidel Castro", Juan Benemelis, Castro, subversão e
terrorismo em África, Europress, 1986, 191; cf. 262s.
(4) Ibid., 234-236.

(5) Cf. ibid., 248, 251.

(6) Estava já amplamente ultrapassado o acordo conseguido entre o MPLA e a FNLA em


Março de 1974.

(7) Actualmente Meridien.

(8) Ibid., 259.

(9) Cf. ibid., 241.

(10) "O medo e a revolta são sentimentos dominantes entre os jornalistas angolanos que
trabalham em Portugal, depois de o semanário O Independente ter noticiado a presença
em Lisboa de um «matador» - supostamente a soldo das autoridades de Luanda -, que
terá como alvos profissionais da comunicação social de Angola a residir em solo
português". Tal e Qual, 26.11.04.

(11) Carlos Pacheco, Repensar Angola, Lisboa: Vega 2000, 114.

(12) Ibid, 115.

(13) Sublinha Benemelis: «Nos anos sessenta e setenta, os interesses burocráticos


soviéticos chocam-se à volta do grave problema de como usar a força, especialmente
nas guerras locais como as de África. Uma doutrina e estratégia para os conflitos locais
já existia, de tal forma que puderam aplicá-la em 1975, no Cambodja, Angola e em
maior escala na Etiópia e no Afeganistão [...]». Juan Benemelis, Castro, subversão e
terrorismo em África, Europress, 1986, 195. Neste quadro, a campanha militar em
Angola estava ao serviço de um objectivo: «conseguir o domínio das principais fontes de
matérias-primas do Terceiro Mundo para influir no destino do Ocidente
capitalista». Ibid., 197.

(14) Cf. Jean-Marc Varaut, Le procès de Nuremberg, Ferrin, 1992. Sob a protecção do
anonimato que a Internet facilita, aumenta o coro dos que exigem, em relação a Angola,
justiça internacional: "À boa maneira do MPLA só falta culparem o colono por este
genocídio. Faço uma pergunta: porque é que um grupo de cidadãos angolanos não leva
os responsáveis por este genocídio ao Tribunal Internacional de Haia? Alguns dos
responsáveis ainda estão vivos, só que agora nenhum assume a culpa". "Como jovem
angolano, gostava que, de uma vez por todas, se acabasse com o nevoeiro do que foi o
27 de Maio. Não esquecendo-o, mas através do esclarecimento dos envolvidos, porque só
assim a História de Angola terá a página voltada".

AngoNotícias,www.angonoticias.com/full_headlines,php?id=10099 [on-line, 29.05.06].


"Não serve de nada ficarem calados. Muitas pessoas desapareceram, morreram sem
justificação, sem julgamento. O genocídio dos angolanos merece um esclarecimento. As
pessoas, os familiares querem saber, o que se passou - os corpos, valas comuns - para
fazerem certidões, etc.". "Pessoas foram mortas nuas e obrigadas a sentarem-se em
troncos afilados, puxaram-se unhas com alicates, estoiraram-se testículos, obrigaram a
comer o próprio cabelo e a beber urina. Muitos actos horríveis foram praticados por
estes nossos camaradas e irmãos que hoje querem passar por bonzinhos [...] Debaixo
daqueles fatos de deputados, de escritores e de pessoas que requerem sempre respeito,
houve sempre uma espada para picar e decepar um colega que não casasse com a sua
ideia, até mesmo para lhe retirar a casa ou a namorada, bastava ser tratado como
fraccionista para não voltar mais ao convívio familiar". "O 27 de Maio fechou casas
inteiras em Angola, particularmente em Luanda, Lubango, Malange, Uíge e outras. O
meu tio, por exemplo, foi atirado do helicóptero abaixo, no Uíge, pela DISA, do
MPLA". AngoNotícias, www.angonoticias.com/full_headlines,php?id=10099 [on-line,
29.05.06].
Estátua de Agostinho Neto no Huambo

(15) público, 29.05.04. Aproximadamente um ano depois, Carlos Pacheco sublinhava:


«Não é enterrando fundo, o 27 de Maio - como, por vezes, empoladamente se ouve
preconizar - que Angola ultrapassa as suas dissensões e ressentimentos [...] Já escrevi
uma vez e repito que a barbaridade desses crimes, cometidos pelo Estado entre 1977-79,
jamais poderá prescrever enquanto os factos não forem integralmente esclarecidos. São
delitos de efeito permanente que as resoluções da Nações Unidas sobre os direitos
humanos consagram. As vítimas são sobreviventes que carregam na memória o espectro
do terror que inflamou as prisões e os campos de concentração e onde foram submetidos
a todo o tipo de violações degradantes, incluindo a simulação de fuzilamentos. Quem
passou por esta última humilhação, ainda hoje relembra o pavor desse suplício com uma
leve tremura no corpo e na voz. Outros recordam os espancamentos medonhos nos
pátios das cadeias, infligidos pela soldadesca da DISA, que não se coibia de extravasar os
seus instintos mais cruéis na presença de todos os presos. A bestialidade e sadismo
desses assassinos não tinha limites [...]. Vítimas são também famílias inteiras. Em
número indeterminado, talvez milhares, espalhadas por todo o território. Vencido o
medo que as inibia em todos estes anos, eis que finalmente começam a manifestar-se.
Clamam por justiça pela perda de pais, tios e irmãos que desde então, permanecem
esquecidos da sociedade, sem rosto e sem nome» (Público, 27.05.05).

(16) AngoNotícias, www.angonoticias.com/full_headlines,php?id=10099 [on-line,


29.05.06]. No sítio electrónico podem ser encontradas reacções muito diversificadas à
entrevista que o Carlos Pacheco dá à AngoNotícias, muitas delas sublinham a
necessidade de levar as questões relativas aos massacres autorizados em Angola às
instâncias judiciais internacionais para que Angola deixe de ser um projecto adiado:
"devolvam os ossos dos 85.000 desaparecidos".

(17) AngoNotícias, www.angonoticias.com/full_headlines,php?id=10099 [on-line,


29.05.06].

(18) www.angonoticias.com/full_headlines,php?id=10099 [on-line, 29.05.06].

(19) Expresso, 24.06.00.

Continua

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Prólogo
"Não esqueçamos (...) que a palavra «liceu» pertence à tradição aristotélica, porque está
associada ao culto de Apolo, príncipe das nove musas e à vitória da humanidade sobre a
animalidade. Não é a técnica nem a ciência o que humaniza o homem, e se (...) o liceu não deve
ser mais do que um colégio das artes, temos de concluir (...) pela afirmação de que o liceu
nada será se não cultivar a mais alta e difícil das artes, que é a de filosofar".

Álvaro Ribeiro
Tópicos de acção do Liceu Aristotélico
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