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Pensar Direito n.

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Pode o Presidente da República, João Lourenço, ser subalterno do Presidente do seu Partido MPLA, José
Eduardo dos Santos?

- Fuga da Partidarização do Estado

1. Questões Prévias

Com a realização da IV Reunião Ordinária do Comité Central do MPLA, onde estiveram presentes o
Presidente do Partido MPLA, José Eduardo dos Santos e o Vice-Presidente do Partido, João Lourenço, e
os demais membros daquela estrutura partidária, colocou-se, em vários círculos, onde saliento o
universitário, várias questões. Desde logo, os estudantes inquietos, colocaram a questão de saber se, o
Presidente da República, João Lourenço, eleito por sufrágio universal e directo pelo Povo angolano para
exercer a principal função do Estado angolano, pode desempenhar outras funções? Outra questão que
não se quer calar, e amiúde ouve-se, é a de saber se o Presidente da República pode ser Vice-Presidente
do seu Partido? Ou dito de outro modo, o Presidente da República, João Lourenço, que acumula o cargo
de Vice-Presidente do seu partido, pode ser subalterno do Presidente do MPLA, José Eduardo dos
Santos? A última questão levantada nesta problemática, é a de saber se o Presidente da República deve
obediência ao seu Partido e, concomitantemente, ao Presidente desta organização? Na verdade, o que
os estudantes querem saber, e o público em geral, é se essa subalternização partidária, não viola a
Constituição da República de Angola e as demais leis em vigor.

E, por ser matéria de Direito Constitucional, sendo meu campo de investigação, aceitei o desafio
colocado pelos estudantes e responderei somente do ponto de vista jurídico. As questões políticas que o
tema levanta, cabe aos políticos e analistas abalizados cuidarem delas em sede própria.

Vou dividir o tema em quatro momentos: no primeiro momento, tratarei de teorizar a figura do
Presidente da República no sistema presidencial americano, no segundo momento, analisarei a inserção
dos partidos políticos no sistema Presidencial, no terceiro momento, cuidarei do sistema Presidencial
angolano; no quarto momento, farei uma análise sobre a despartidarização do Estado angolano e, por
fim, no quinto momento, responderei nas conclusões às questões colocadas e deixarei as
recomendações habituais.

Posto isto, vamos, seguramente, viajar tranquilos no mundo da Ciência Política Direito Constitucional.
2. O Presidente da República no Sistema Presidencial Americano

O Sistema Presidencial nasceu nos Estados Unidos da América com a revolução americana de 1776. Os
pais da independência americana, inspiraram-se na figura do Monarca Inglês para criar a figura
republicana mais poderosa do Mundo. Mas, quais são as características fundamentais do sistema
Presidencial americano? Passo de seguida em enumerá-las e explicitá-las telegraficamente.

2.1. Características Fundamentais do Sistema Presidencial Americano

O sistema Presidencial americano tem as seguintes características:

a) O Presidente da República tem legitimidade democrática (é eleito de forma indirecta);

b) o Congresso (Parlamento) tem igualmente legitimidade democrática (é eleito em eleições


democráticas);

c) o Congresso é bi-cameral (é formado pelo Senado e pela Câmara dos Representantes);

d) o Governo é de base presidencial (é o Presidente da República quem forma o Governo, embora


precise da aprovação do Congresso das pessoas a nomear);

e) o Presidente da República não tem poderes para dissolver o Congresso;

f) Vigora o princípio da separação de poderes (Executivo e Legislativo);

g) Há um controlo recíproco e interferência recíproca entre o Presidente da República e o Congresso


(mecanismo conhecido como check and balance, também designado de freios e contrapesos);

h) o Congresso pode destituir o Presidente da República, mediante o chamado mecanismo do


"impedimento" ou "impeachment";

i) o Presidente da República é o Chefe do Governo.


3. Os Partidos Políticos no quadro dos sistemas clássicos de governo

3.1. Razão de Ordem

Neste número vamos analisar o conceito de partido político, a sua evolução histórica e o
posicionamento nos três clássicos sistemas de governo: presidencialismo americano, parlamentarismo
britânico e semi-presidencialismo francês. Vamos examinar o comportamento dos partidos políticos em
Angola, desde a sua independência até ao momento.

3.2. Conceito

O termo “partido”, é particípio passado do verbo “partir”, que nesta acepção tem o sentido de dividir.
Por extensão de sentido, partido significa parcela da sociedade, representada por um grupo organizado,
legalmente formado, com base em formas voluntárias de participação numa associação orientada para
ocupar o poder político.

3.3. Evolução Histórica

A história dos partidos políticos remonta à Grécia e Roma Antigas. Nestas civilizações ocidentais antigas,
“dava-se o nome de partido a um grupo de seguidores de uma ideia, doutrina ou pessoa”. Contudo,
mais tarde, já em pleno século XVII, foi em Inglaterra que surgiu pela primeira vez, como instituição de
direito privado, com o objectivo de congregar partidários de uma ideia política. Nesta altura surgem dois
partidos históricos : o partido Whig e o partido Tory.

Entretanto, foi a partir da Revolução Americana (1776) e da Revolução Francesa (1789), que a
comunidade política dos países a nível global, começaram a organizar-se em partidos. A ideia de partido
político ganhou foros de cidade em todo o mundo. Todavia, são várias as formas que as organizações
partidárias se apresentam nas diferentes nações. Países há, curiosamente, que têm o modelo de
“Partido Único”, quando só um partido é aceite pela legislação de um país. A expressão “Partido Único”,
é uma contradição insanável, pois se é partido, coisa partida têm de ser várias. Exemplos de “partido
único”, é o caso do Partido Comunista Cubano (PCC), porém em Cuba, não há necessidade de estar em
algum partido para se eleger. A contrapor com a ideia de “Partido Único”, existe em vários países, o
chamado pluripartidarismo ou multipartidarismo. Em muitos países, partidos políticos que não são
aceites legalmente, continuam a existir de maneira informal e clandestina, aguardando uma reviravolta
política para se legalizarem, o que lhes permitirá participar em eleições. Os partidos políticos se
desenvolveram muito em todo o mundo no século XX, tornou-se comum, que um político,
primeiramente, faça carreira dentro de um partido politico e só quando chegar ao topo da carreira
dentro do partido politico, se lança como candidato a altos cargos políticos. Outros, por várias razões
têm preferido fazer políticas em ONG´s ou criando pequenos partidos políticos que possam controla-los
e se lançarem, através deles posteriormente a altos cargos políticos.

3.4. Os Partidos Políticos no Sistema Presidencial Americano

Durante a maior parte da sua história, a política estadunidense tem sido dominada pelo sistema
bipartidário. No entanto, a Constituição dos Estados Unidos nunca disse nada sobre a questão dos
Partidos Políticos, à época em que foi aprovada, em 1787, não havia partidos no país. A necessidade de
angariar apoio popular numa república levou à invenção dos partidos políticos na década de 1790. OS
cientistas políticos e historiadores dividem o desenvolvimento do sistema bipartidário estadunidense
em cinco eras. O actual sistema dos Partidos Republicano e Democrata, aparece na década de 1930, o
Partido Democrata se posiciona no centro-esquerda da política estadunidense, enquanto o Partido
Republicano se posiciona na direita. Há partidos pequenos também nos Estados Unidos e, de tempos em
tempos, elegem alguns representantes a nível municipal. O sistema presidencial americano varia de
acordo com a composição partidária no Congresso americano. Se o Presidente da República tiver a
maioria no Congresso, há uma concentração de poderes e o Congresso passa a ser uma “correia de
transmissão” ou “caixa de ressonância" do Governo. Se o Presidente não tiver a maioria no Congresso,
vigora o principio da separação de poderes e observa-se os mecanismos de freios e contrapesos.
Portanto, como o sistema de partido surgiu depois da Constituição americana, veio alterá-la. Por isso,
temos um sistema presidencial propriamente dito, quando o presidente não tiver a maioria no
Congresso, e temos um sistema presidencial com pendor parlamentar, quando o Presidente tiver a
maioria no Congresso (funciona como sistema parlamentar).

3.5. Partidos Políticos no Sistema Parlamentar Britânico

O sistema parlamentar teve a sua origem na Grã-Bretanha (Inglaterra). Este importante sistema de
governo apresenta as seguintes características principais:

a) O Primeiro-Ministro é Chefe do Governo;

b) O Governo é de base parlamentar;


c) O Primeiro-Ministro é o Chefe do Partido que ganha as eleições parlamentares (tem legitimidade
democrática);

d) Não vigora o princípio da separação de poderes – os membros do Governo (Ministros) são


simultaneamente membros do Parlamento (Deputados);

e) O Parlamento é bicameral (Câmara dos Lords e Câmara dos Comuns);

f) Há um controlo recíproco entre o Governo e o Parlamento, mediante os mecanismos do Voto de


Confiança (que o Governo pede ao Parlamento para continuar a governar) e a Moção de Censura (que o
Parlamento aprova para demitir o Governo);

g) A demissão do Governo implica a dissolução do Parlamento e marcação de eleições antecipadas.

Se, por um lado, nos reinos (Inglaterra e Espanha, por exemplo) os “soberanos reinam, mas não
governam”, por outro lado, nos países republicanos que têm este sistema de governo (Itália e Israel, por
exemplo), os Presidentes destas Repúblicas, para além de não serem, em regra, eleitos por voto popular
(são eleitos pelo Parlamento), não são Chefes do Governo.

Portanto, os partidos políticos desempenham um papel importante na governação, pois não há


separação entre as funções governavas e partidárias. Sao os partidos neste sistema, que influenciam
directamente a acção todo governo.

3.6. Os Partidos Políticos no Sistema Semi-Presidencial Francês

Este sistema semi-presidencial nasceu na França. Para acomodar os intentos do célebre General Charles
de Gaulle, os franceses criaram um sistema misto que a doutrina dominante convencionou denominar
de “sistema semi-presidencial”.

O sistema semi-presidencial apresenta as seguintes características principais:


a) O Presidente da República e o Parlamento têm legitimidade democrática (são eleitos por voto
popular);

b) O Governo é de base parlamentar;

c) O Presidente da República pode dissolver o Parlamento e marcar eleições antecipadas;

d) Vigora o princípio da separação de poderes ou de funções entre os diferentes órgãos de soberania;

e) Há o controlo recíproco entre Parlamento e o Governo (Moção de Censura e Voto de Confiança);

f) O Primeiro-Ministro é o Chefe do Governo.

Na actualidade, são muitos os países emergentes, e não só, que adoptaram este sistema. Contudo, a
derivação para o presidencialismo é mais frequente e mais discutida do que a inclinação para o
parlamentarismo. De qualquer modo, observamos, hoje, vários países com sistemas semi-presidenciais,
ou mistos, com pendor presidencial (características mais acentuadas do presidencialismo). Era o caso de
Angola, com a Constituição de 1992.

Como se vê, os partidos políticos no sistema semi-presidencial, têm uma posição semelhante ao sistema
parlamentar. Não há uma separação entre as funções governativas e as funções partidárias, sobretudo
naqueles países em que o chefe de governo é o Primeiro-Ministro. Neste caso, apenas o Presidente da
República é apartidário, pois na qualidade de Chefe de Estado representa e atende o interesse todos os
cidadãos. Já o Primeiro-Ministro, na qualidade de Chefe de Governo, pode deixar-se influenciar pelo seu
Partido. É o caso de Portugal, em que não há separação da função governava da partidaria, mas o
Presidente da República Portuguesa não pode exercer funções partidárias.

3.7. Os Partidos Políticos nos sistemas de governo em Angola

3.7.1. Breve resenha histórica


Em Angola, os partidos políticos nasceram primeiramente num contexto de descolonização e visavam
apenas a proclamação da independência. Na verdade, eram movimentos revolucionários, que mais
tarde evoluíram para organizações partidárias jurídico-formal. Destaca-se no período colonial,
nascimento da FNLA, em 1954, o MPLA em 1956, a UNITA em 1961. Com a proclamação da
independência de Angola em 1975, o MPLA, e o surgimento da guerra civil entre os três movimentos de
libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA), o partido no poder ficou sozinho no sistema politico
angolano. A FNLA e a UNITA passaram para a luta de guerrilha e a FLEC desenvolvia acções militares em
Cabinda. Em 1977, ocorre uma revisão constitucional que transforma o MPLA em Partido do Estado
(Partido do Trabalho) e introduz-se o Sistema de “Partido Único”, que perdura até à revisão
constitucional de 1992, fruto do Acordo de Paz de Bicesse de 1991, que permitiu a abertura democrática
e a realização da primeiras eleições em Angola. No período de 1991 a 1992, surgiram uma pluralidade
de partidos políticos (centenas de partidos) que se juntaram a UNITA, MPLA e FNLA, participando alguns
nas eleições de Setembro de 1992. A FLEC nunca foi reconhecida pelo Estado Angolano, pois continua a
desenvolver acções militares na Província de Cabinda.

Com isso, podemos dividir os sistemas de governo angolano, de acordo com as revisões constitucionais
ocorridas em quatro momentos: no primeiro momento, em 1975 tínhamos um sistema de governo
presidencial, em 1977 passamos para um sistema de Partido Único de modelo socialista (saímos do
sistemas clássicos de governo), em 1992, voltamos aos sistemas clássicos e, desta feita, introduziu-se o
sistema de semi-presidencial, e no quarto momento, em 2010, introduziu-se o sistema presidencial. O
sistema presidencial que vigorou 1975-1977 não teve grande alcance pois o Partido MPLA era o único
partido no sistema politico angolano, embora a Constituição não proibisse a existência de outros
partidos políticos. No segundo momento, em 1975, a revisão constitucional formalizou o sistema
politico de Partido Único e foram mai de um década neste regime monopartidário, em que o Partido
confundia-se com o Estado, não havia separação entre as funções executivas e as funções partidárias,
não havia fronteira entre a Presidência da República e a Presidência do Partido. Com a abertura
democrática em 1991 e a aprovação da Constituição de 1992, surgem os dois momentos democráticos
que interessa desenvolver, o do sistema semi-presidencial de 1992 e o sistema presidencial de 2010,
que passo telegraficamente a explicitar.

3.7.2. O Sistema Semi-presidencial angolano na Lei Constitucional de 1992

A Lei Constitucional de 1992, consagrou para a República de Angola um sistema semi-presidencial, ou


misto, de geometria variável (poderia ter pendor presidencial ou parlamentar, de acordo com os
resultados das eleições e do protagonismo dos principais actores políticos).
No antigo sistema angolano (de 1992), se o partido do Presidente da República tivesse a maioria no
parlamento (Assembleia Nacional), então este sistema poderia apresentar dois cenários possíveis: o
primeiro cenário seria uma derivação do “parlamentarismo”, o poder executivo (nas mãos do Presidente
da República ou do Primeiro-Ministro) e o legislativo (Assembleia Nacional) estariam em perfeita
sintonia e não haveria o controlo recíproco; o Parlamento seria a “caixa de ressonância” do poder
executivo, a única diferença relativamente ao sistema britânico residindo na incompatibilidade entre os
cargos de Membro do Governo e Deputado à Assembleia Nacional; o segundo cenário seria uma
“degeneração do Presidencialismo” – O Presidente da República avocava o poder executivo
(transformando o Primeiro-Ministro em mero coadjutor), e, sendo irresponsável perante a Assembleia
Nacional, não haveria um verdadeiro controlo sobre a governação. Esta derivação do “Presidencialismo”
aproxima-se da ditadura, na medida em que o Presidente da República podia ainda dissolver a
Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas.

Por outro lado, se o partido do Presidente da República não tivesse a maioria na Assembleia Nacional,
podíamos também, teoricamente, ter dois cenários possíveis: o primeiro cenário seria uma aproximação
ao “Semi-Presidencialismo” puro, onde o Chefe do Governo seria o Primeiro-Ministro. A Assembleia
Nacional faria tranquilamente o controlo da governação, e o Presidente da República, mais do que um
simples “árbitro”, garantiria o respeito do cumprimento da Constituição, conservando alguns poderes
importantes, como a chefia das Forças Armadas, a orientação da diplomacia, e o controlo da feitura das
leis e de alguns actos governamentais (através do veto e da promulgação de actos normativos); o
segundo cenário seria uma aproximação ao “Parlamentarismo”, onde o Presidente da República seria
um perfeito “árbitro”, sendo jogadores apenas o Governo (chefiado pelo Primeiro-Ministro) e a
Assembleia Nacional.

Em todo o caso, as características essenciais do sistema de governo na Lei Constitucional de 1992


Angolana eram as seguintes:

a) O Presidente da República e a Assembleia Nacional teria legitimidade democrática directa;

b) O Presidente da República teria poderes para dissolver o Parlamento;

c) O Parlamento podia destituir o Presidente da República;

d) O Governo era de base presidencial (o Presidente da República formava o Governo);

e) O Primeiro-Ministro não era, forçosamente, do partido que ganhasse as eleições;


f) A demissão do Primeiro-Ministro implicava a demissão do Governo;

g) Vigorava o princípio da separação de poderes ou de funções;

h) Havia controlo recíproco entre Parlamento e Governo (Voto de Confiança e Moção de Censura);

i) O Parlamento era unicameral;

j) O Presidente da República era o Chefe do Governo.

Esta última característica apontada não é pacífica, nem foi sempre entendida do mesmo modo desde
que começou a vigorar a Lei Constitucional de 1992. Durante muito tempo e em vários círculos
(académicos, governamentais, jornalísticos, jurisdicionais, etc.), discutiu-se a questão da chefia do
Governo em Angola. Mas o Acórdão do dia 21 de Dezembro de 1998 do Tribunal Constitucional pôs fim
a esta discussão já que concluiu que “as competências do Presidente da República estabelecidas na Lei
Constitucional lhe atribuíam a proeminência na cadeia de comando do poder executivo, o poder de
direcção e chefia do Governo”.

3.7.3 O Sistema Presidencial na Constituição de 2010

Com a alteração da Constituição de 2010 e com a realização das eleições de 2017, onde ocorre pela
primeira vez a separação da pessoa do Presidente da República e do Presidente do Partido no poder.
Estamos diante de uma oportunidade única, de proceder à separação entre estas duas figuras. Mas
quais são as características do nosso sistema presidencial? De acordo com a nossa Constituição, o nosso
sistema Presidencial tem as seguintes características fundamentais :

a) O Presidente da República tem legitimidade democrática (é eleito, artigo 109º, 110º e 111º CRA);

b) a Assembleia Nacional (Parlamento) tem igualmente legitimidade democrática (é eleito em eleições


democráticas, artigo 142º e seguintes CRA);

c) a Assembleia Nacional é uni-cameral (artigo 141º, nº 2 CRA) ;

d) o Governo é de base presidencial (é o Presidente da República quem forma o Governo, artigo 108º, nº
1, artigo 119º alíneas d), j), k), artigo 120º, artigo 134º CRA);

e) o Presidente da República não tem poderes para dissolver a Assembleia Nacional, excepto no no caso
de auto-demissão que implica a dissolução da mesma nos termos do n. 2 do artigo 128 da CRA;
f) Vigora o princípio da separação de poderes (Executivo e Legislativo, artigo 2º, nº1 CRA );

g) Há um controlo e interferência recíproca entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional,


embora o Presidente da República não seja responsável perante a Assembleia Nacional (mecanismo
conhecido como check and balance, também designado de freios e contrapesos, artigo 119º, alíneas m),
o), p), artigo 120º, alínea c), i), artigo 124º, artigo 126º, artigo 129º, artigo 161º, alínea c), d), e), h), i),
m), artigo 162º, alínea b), c), d), artigo 171º, artigo 172º, artigo 173º CRA);

h) a Assembleia Nacional pode destituir o Presidente da República (artigo 129º, nº5, artigo 161º alínea
m) CRA);

4. Regime Jurídico dos Partidos Políticos

O nosso sistema político tem como base os partidos políticos. A nossa Constituição de 2010 deu
relevância a essa importante estrutura política, definindo as bases para a constituição do seu regime
jurídico. Assim nos termos do art 17º da CRA: “1. Os partidos políticos, no quadro da presente
Constituição e da lei,concorrem, em torno de um projecto de sociedade e de programa político, para a
organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participando na vida política e na expressão do
sufrágio universal, por meios democráticos e pacíficos, com respeito pelos princípios da independência
nacional, da unidade nacional e da democracia política. 2. A constituição e o funcionamento dos
partidos políticos devem, nos termos da lei, respeitar os seguintes princípios fundamentais: a) Carácter
e âmbito nacionais; b) Livre constituição; c) Prossecução pública dos fins; d) Liberdade de filiação e
filiação única; e) Utilização exclusiva de meios pacíficos na prossecução dos seus fins e interdição da
criação ou utilização de organização militar, para-militar ou militarizada; f) Organização e
funcionamento democráticos; g) Representatividade mínima fixada por lei; h) Proibição de
recebimento de contribuições de valor pecuniário e económico, provenientes de governos ou de
instituições governamentais estrangeiros; i) Prestação de contas do uso de fundos públicos. 3.Os
partidos políticos devem, nos seus objectivos, programa e prática, contribuir para: a) A consolidação da
nação angola na e da independência nacional; b) A salvaguardada integridade territorial; c) O reforço
da unidade nacional; d) A defesa da soberania nacional e da democracia; e) A protecção das liberdades
fundamentais e dos direitos da pessoa humana; f) A defesa da forma republicana de governo e do
carácter laico do Estado. 4.Os partidos políticos têm direito a igualdade de tratamento por parte das
entidades que exercem o poder público, direito a um tratamento imparcial da imprensa pública e direito
de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei.”
Por seu turno, a Lei nº2/05, de 1 de Julho, Lei dos Partidos Políticos, desenvolve regime jurídico desta
importante organização politica. Nos termos do artigo 1º, partido político é entendido como sendo, “…..
organizações de cidadãos, de carácter permanente, autónomas, constituídas com o objectivo
fundamental de participar democraticamente na vida política do País, concorrer livremente para a
formação e expressão da vontade popular e para a organização do poder político, de acordo com a Lei
Constitucional e os seus Estatutos e Programas, intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral
mediante a apresentação ou o patrocínio de candidaturas.”

Para a presente abordagem interessa-nos destacar do regime jurídico dos partidos políticos os seguintes
aspectos; os fins, igualdade de tratamento; principio democrático; prossecução pública dos fins;
constituição de Partido; requisitos de inscrição.

5. A desconformidade constitucional da alínea i) do artigo 2º da lei 2/05, de i de Julho, Lei dos Partidos
Políticos

Constatamos uma desconformidade entre a alínea i) do artigo 2º da Lei dos Partidos Políticos com os
princípios e normas da Constituição, se não vejamos. O citado artigo dispõe o seguinte : “Para a
realização dos seus objectivos os Partidos Políticos podem propor-se, designadamente, aos seguintes
fins” alínea i) influenciar a política nacional no Parlamento ou no Governo”.

Desde logo, a Constituição já não opera com a designação “Governo”. Esta expressão foi substituída na
Constituição de 2010, pela conceito de “Executivo”. Atendendo que a Lei dos Partidos políticos é
anterior à presente CRA, constatamos, desde já, este desajuste linguístico que urge corrigir. Contudo o
mais relevante é a desconformidade do conteúdo do referido artigo. Do que se extrai da letra da CRA, o
Presidente da República, enquanto titular do poder executivo, não se pode deixar influenciar por
qualquer partido politico (mesmo o partido ou coligação de partidos que o tenha proposto como cabeça
de lista para sua eleição do cargo). A CRA estabelece uma separação entre as funções do titular do
poder executivo e as funções partidárias. O Presidente da República deve governar para todos, embora
podendo cumprir o programa eleitoral que propôs aos eleitores, mas enquanto estiver no exercício do
seu mandato, não pode cumprir “ordens, orientações, nem qualquer influencia de nenhuma força
política”. E mais: o Presidente da República pode aplicar um Programa diferente do disposto pelo
Partido ou Coligação de Partidos que lhe deu suporte eleitoral. A Constituição não obriga o Presidente a
cumprir o programa eleitoral. Neste caso, levanta-se a questão da confiança política e as promessas
eleitorais, que possa defraudar os seus eleitores. Mas isso é uma questão política que não tratamos
nesta sede. É o que dispõe o artigo 108º da CRA que confere poderes “absolutos e exclusivos” ao
Presidente da República para o exercício da função executiva. Esta norma da Lei dos Partidos Políticos
deve ser considerada inconstitucional, por não estar conforme à referida norma constitucional, na parte
referente ao Governo, já que na Assembleia Nacional os partidos políticos podem influenciar os
deputados.
6. A Despartidarização do Estado Angolano

6.1. Razão de Ordem

Depois da saída da Presidência da República, do Engenheiro José Eduardo dos Santos, colocou-se a
questão da bicefalia na direcção dos destinos do País, pois o Antigo Presidente da República, continua a
presidir o partido que ganhou as eleições. O Partido do Presidente da República, Joao Lourenço, titular
do poder executivo, tem a maioria na Assembleia Nacional. Contudo, quem dirige este Partido não é o
Presidente da República. Esta questão ganhou contornos políticos que não interessam abordar nesta
sede, vamos apenas equacionar as questões jurídicas relevantes. E as questões são as seguintes: o que a
CRA dispõe relativamente à relação jurídica entre os representantes do Povo e os partidos políticos? ou
questionando de outro modo, há uma separação entre as funções de Presidente da República (que é
Chefe de Estado) e as funções partidárias? há separação entre as funções de Auxiliar do Poder Executivo
(membros do Executivo) das funções partidárias ? Há separação entre o mandato de Deputado à
Assembleia Nacional e a de respectivo dirigente do partido politico?

Vamos de seguida examinar o que dispõe a CRA a respeito das questões levantadas.

6.2. Presidente da República

De Acordo com a CRA, o Presidente da República é o principal órgão politico do Estado angolano e, por
este facto, coloca-lhe numa posição superior e confere-lhe um regime soberano onde o exercício das
funções presidenciais, devem ser exercidas de forma exclusiva, não podendo por isso, estar ligado a
qualquer outra função quer pública ou de caráter privado, incluindo a actividade partidária. Desse
modo, o Presidente da República não pode, no meu entender, exercer a actividade partidária. Para
defender esta minha posição mobilizo os seguintes argumentos constitucionais : a) O Presidente da
República é o Chefe de Estado, Titular do Poder Executivo e o Comandante-em-Chefe das Forças
Armadas Angolanas (art.108, nº1 da CRA); b) O Presidente da República não tem que ser membro ou
filiado do Partido ou Coligação de Partidos que propõem a sua candidatura (Art. 111º, nº2 da CRA); c)
No juramento o Presidente da República compromete-se solenemente no acto de posse, “cumprir e
fazer cumprir a CRA e as leis do país, defender a independência, a soberania, a unidade da nação e a
integridade territorial do país, defender a paz e a democracia e promover a estabilidade, o bem-estar e
o progresso social de todos os angolanos”. Não promete cumprir programas nem defender interesses
partidários (Art. 115º da CRA); d) As competências do Presidente da República são definidas na CRA,
exceptuando as que resultam das leis que a CRA remete (art.117º); e) Como Titular do Poder Executivo,
dentre outras funções, o Presidente da República, define a orientação política do país, dirige a política
geral do governo, define a orgânica e a composição do Poder Executivo e estabelece o número e a
designação dos Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado e Vic-Ministro define a orgânica
dos Ministérios e aprova o regulamento do Conselho de Ministros (art. 120´, a), b), d), e), f), g), h) da
CRA); f) Na qualidade de de Chefe de Estado, o Presidente da República, nomeia e exonera os Ministros
de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado e os Vice-Ministros, nomeia e exonera os
Governadores Provinciais e Vice-Governadores (artgº119º d) e j) da CRA).

Como se vê, a CRA confere poderes “absolutos e exclusivos” ao Presidente da República, enquanto
Chefe de Estado, ou como Titular do Poder Executivo. Nota-se, claramente, uma separação entre a
função de Presidente da República e a partidária. O legislador constitucional construiu uma figura de
Estado independente do partido politico. Os Partidos ou Coligação de Partidos propõem a candidatura,
mas no exercício do seu mandato o Presidente da República não está sujeito a influências dessas
organizações políticas. O Presidente da República pode cumprir o programa do Partido ou da Coligação
de Partidos, cabendo à formação política avaliar o seu desempenho do seu candidato no fim do seu
mandato. A interferência ao longo do mandato constitui uma violação às normas e princípios da
Constituição indicados. Nós estamos perante um sistema presidencial e, como vimos, neste sistema, o
Presidente da República, na qualidade de Chefe de Estado e, representando todos os cidadãos e os três
poderes políticos, está acima dos partidos, devendo única e exclusivamente ,em todas as suas funções,
estar sujeito apenas à Constituição, à Lei e à sua consciência.

Portanto, o Presidente da República não está obrigado a ouvir, participar nas actividades,
independentemente, da formação política que é oriundo. Há um principio fundamental em Direito
Público, que se traduz no seguinte : tudo o que não é permitido, é proibido. Se não é permitido ao
Presidente da República exercer funções partidárias, o mesmo não as pode exercer.

6.3. Deputado a Assembleia Nacional

O mandato de Deputado não obedece ao regime da incompatibilidade do Presidente da República acima


referido. O Deputado pode, nos termos do artigo 149º da CRA, exercer funções de dirigente partidário”.
Desse modo, não há uma efectiva separação entre a função parlamentar da função partidária. Assim, os
Partidos Políticos e Coligação de Partidos com assento na Assembleia Nacional, podem orientar, dar
ordens ou instruções nos termos da CRA, das leis aplicáveis e dos seus respectivos Estatutos aos seus
militantes ou representantes na Assembleia nacional. E essa minha tese é sustentada pelas seguintes
normas constitucionais : a) compatibilização do mandato de deputado com o de dirigente partidário
(art.149º alínea d) da CRA); b) existência de grupos parlamentares (art. 156º, nº2, alínea c) , artigo
1666º, nº1, artigo 173º, nº1).

Os grupos parlamentares representam a correia de transmissão das decisões políticas e orientação das
respectivas organizações partidárias,. Tal como nos sistemas parlamentares, aqui não ocorre a
separação das funções parlamentares e das funções partidárias. Tal como nos clássicos sistemas
presidencial (EUA) e parlamentar (Grã-Bretanha), não ocorre a separação de funções parlamentares e
de funções partidárias. Neste orgão de soberania não se pode falar de despartidarização do Estado. Os
Partidos aqui têm influência na formação da vontade política dos seus representantes.

6.3. Membros do Executivo

Sendo os membros do executivo meros auxiliares do Titular do Poder Executivo (Presidente da


República), exercem a sua actividade por delegação de poderes. Desse modo, o Vice-Presidente da
República, Ministros de Estado, Ministros e Secretários de Estado e Vice-Ministros, não podem ser
dirigentes partidários ou desempenharem outra função no seu partido. Podem continuar filiados, mas
não podem participar nas actividades, receber orientações, instruções ou ordens, relativamente à sua
função governativa. A separação entre o desempenho de funções delegadas no Executivo e as
partidárias são sustentadas pelos seguintes fundamentos constitucionais: a) exercem funções delegadas
pelo Presidente da República (artigo 108º da CRA), e o Vice-Presidente pode substituir o Presidente da
República em caso de impedimento, nos casos previstos pela CRA (artg 131º, nº3 e artigo 132º da CRA);
b) são unicamente responsáveis políticos perante o Presidente da República (artigo 139º); c) No regime
de incompatibilidade não se abre a excepção de dirigentes partidários como ocorre no regime dos
Deputados à Assembleia Nacional (artg. 138º). Pela exclusividade da função executiva, os Auxiliares do
Presidente da República, estão vedados pela CRA, tal como o Presidente da República, de exercerem
funções partidárias.

6.4. A Desconformidade Constitucional do Estatuto do MPLA

Após uma análise profunda ao Estatuto do Partido MPLA, surpreendemos, entre outras, duas normas
que não estão conformes a CRA. A saber : artigo 80º, número 3, alínea b) “pronunciar-se sobre a
composição orgânica e nominal do Executivo, submetidas pelo Presidente do Partido e a designação de
militantes do Partido e de cidadãos não militantes do Partido para o exercício de cargos ou de funções
de responsabilidade política a nível nacional;” e alínea k) do mesmo artigo “orientar e acompanhar a
execução da política do Partido pelo Executivo do Estado” .
A CRA como constatamos, confere poderes absolutos e exclusivos ao Titular do Poder Executivo, o
exercício do referido poder. Neste domínio, o Presidente da República não recebe orientações,
instruções, ordens ou qualquer influencia partidária, nem de qualquer outro tipo.

Por isso julgamos que as referidas normas estatutárias que referem a pronúncia dos órgãos do partido
sobre a composição do Governo, não estão conformes às normas constitucionais. Nenhum partido pode
ou deve pronunciar-se sobre a composição orgânica ou indicar membros do Executivo. Não tem
utilidade prática pois, o Presidente da República não deve obediência partidária na formação da sua
vontade política. Esta norma atenta contra o espirito e a letra da CRA, devendo por isso ser alterada
pelo Partido MPLA, ou deve o Tribunal Constitucional convidar o Partido em questã,o para aperfeiçoar o
seu Estatuto, corrigindo as referidas normas estatutárias inconstitucionais. O Presciente da República
deve exercer a sua função executiva distante da influência policia partidária. Por isso, não se pode
admitir normas estatutárias que contrariam este determinação constitucional. As decisões dos Partidos
devem ser públicas, daí que aguardamos o mais urgente possível, ver a correção sugerida, sob pena de
andarmos a violar gravemente a CRA.

6.5. A Força Normativa dos Factos

Há um aspecto importante estudado em Ciência Política e Direito Constitucional, que convencionou-se


designar a força normativa dos factos. Esta expressão significa que determinados factos, pela sua
relevância e força prática, impõe-se como se fosse lei, em determinado contexto. Foi o que ocorreu com
a partidarização do Estado angolano. Começou em 1975, quando o MPLA proclama a independência
unilateralmente, afastando os dois outros movimentos de libertação de Angola (FNLA e UNITA).
Reforçou e promulgou o sistema de partido único com a revisão constitucional de 1977 e mesmo depois
de 1992, com a abertura ao multipartidarismo, continuou na prática a funcionar como partido estado,
pois dispunha da maioria parlamentar e não havia separação entre o Presidente da República e o
Presidente do Partido. Este cenário politico foi trazido até às eleições de 2017, pois não houve grandes
alterações nas eleições gerais de 2008 e 2012. Contudo, o quadro mudou. O Presidente da República já
não é o Presidente do Partido: e agora como fica a força normativa dos factos?

Estamos perante a correlação de forças políticas e o que assistimos nos últimos dias demonstrou que o
partido sobrepõe-se ao Executivo. O Presidente da República, na pessoa de João Lourenço, e
simultaneamente Vice-Presidente do Partido MPLA, deixou-se submeter à influencia partidária e à
autoridade do Presidente do Partido, participando em reuniões partidárias que foram tornadas públicas,
numa situação subalterna. A presença do Chefe de Estado num reunião partidária não é apenas um acto
com cariz politico, como carrega em si o significado jurídico nada despiciendo. O Presidente da
República, como vimos, está acima da influência partidária e não pode desempenhar funções naquela
organização. Na verdade, a CRA veta esta possibilidade ao Presidente da República. Fruto da prática
constante e reiterada do antigo titular do Poder Executivo, o actual Presidente da República, não se
percebeu que está a incorrer em práticas proibidas pela Constituição que jurou defender. E o mais
agravante é que faz numa posição de subalterno, colocando-se numa posição que fere a soberania que
representa. A normatividade dos factos agora tem que ter outro sentido. É altura do actual Presidente
da República romper com as práticas inconstitucionais até aqui seguidas. O Presidente da República
deve estar fora do quadro partidário. Pode continuar a estar filiado ao seu Partido, mas não pode
exercer funções: é a própria Constituição que não o permite. O actual Presidente da República tem uma
soberana oportunidade de inaugurar uma nova era, em que a actividade do Presidente da República, se
aproxima a padrões universais do sistema presidencial. O Chefe de Estado neste sistema, representa
todos os cidadãos e não defende interesses partidários. Para além de ser um principio básico de
organização republicana, é o espirito e letra consagrado pela CRA.

7. Conclusão

Aqui trazidos, depois desta telegrafica viagem no mundo da Ciência Política e do Direito Constitucional,
resta-nos responder às questões acima colocadas : Pode, o Presidente da República, João Lourenço, ser
subalterno do Presidente do seu Partido MPLA, José Eduardo dos Santos? A resposta é negativa. O
Presidente da República é o Chefe de Estado e Titular exclusivo do Poder Executivo, nestas suas
qualidades, goza de independência e deve exercer as funções executivas sem influência ou interferência
partidária, nos termos referidos da Constituição. A CRA consagra uma clara separação entre a função
presidencial e a função partidária, não podendo o Presidente da República exercer qualquer outro tipo
de funções, públicas ou privadas, incluindo a partidária. Esta proibição é extensiva ao Vice-Presidente e
demais órgãos auxiliares do Presidente da República (Ministro de Estado, Ministros, Secretários, Vice-
Ministros). Apenas a função parlamentar é que pode ser cumulativa com a função partidária, podendo
os deputados serem, simultaneamente, dirigentes partidários e por via disso, receberem instruções ou
orientações nos termos da lei e do Estatuto dos Partidos em que se encontrem filiados.

Deve o actual Presidente da República inaugurar uma nova era, para romper com a força normativa dos
factos que se vai enquadrar no período de transição em curso.

8. Recomendações

- O Presidente da República deve exercer apenas as funções constantes na CRA, devendo deixar as
funções de dirigentes partidários (suspende enquanto cumpre o mandato, mantendo, contudo a
filiação) bem como o Vice-Presidente e demais membros do Executivo.
- O MPLA deve alterar as suas normas estatutárias, referente ao pronunciamento sobre a composição e
orientação do Executivo, nomeadamente a norma do artigo 80º alínea a) e k).

- Deve-se alterar a Lei dos Partidos Políticos ou declarar-se a norma do artigo 2º como inconstitucional.

Tudo isso só é possível,

Se Pensar Direito

BIBLIOGRAFIA

. CORREIA, Adérito, e Bornito de Sousa - Angola – História constitucional, Coimbra, Alme-

dina, 1996.

. FEIJÓ, Carlos maria - Problema actuais de Direito Público – contributo para a sua compreensão, Lisboa,
Principia, 2001.

. ARAÚJO, Raul - Os Sistemas de Governo de Transição Democrática nos PALOP, STVDIA IVRIDICA,
Coimbra, Coimbra Editora, 2000.

• CAETANO, Marcello - Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, tomo I, Coimbra, Almedina,
2003.

• CANOTILHO, J. J. gomes - Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7a edição, Coim- bra,


Almedina, 2003.
• LARA, António de sousa - Elementos de Ciência Política, 4a edição, Lisboa, Associação Académica da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1995.

• MIRANDA, Jorge - Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, 1990.

Comentário Jurídico da Semana n. 12

O que é um arguido? E quem pode ser arguido ?

- A propósito da constituição como arguido(s) , várias figuras da sociedade Angolana

1. Factos

A semana passada, a Procuradoria Geral da República, numa conferência de imprensa, anunciou a


constituição de arguido, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas de Angola (FAA), o
General Geraldo Sachipendo "Nunda", e mais quatros generais, cujos nomes não foram tornados
públicos, num processo que se convencionou a chamar-se de "Caso Burla de 50 bilhões de dólares"
(processo de tentativa de burla e defraudação ao Estado angolano, em 50 mil milhões de dólares
americanos). Neste processo, já foram detidos alguns cidadãos nacionais e de outras nacionalidades.
Ainda neste processo, foram constituídos arguidos, outras figuras da elite política Angolana,
nomeadamente o Dr. Norberto Garcia, Membro do Bureau Político do MPLA e porta voz do partido no
poder, e antigo Director da extinta Unidade para Investimento Privado (UTIP), o Dr. Belarmino Van-
Dúnen, conhecido professor universitário e analista político, ex-Presidente do Conselho de
Administração da extinta Agência para a Promoção de Investimento e Exportação de Angola (APIEX).
Num outro processo, denominado "Caso Burla de 500 milhões de dólares americanos”, foram
constituídos arguidos, outras figuras da elite política angolana, nomeadamente o ex-Presidente do
Fundo Soberano de Angola, Dr. José Filomeno dos Santos (vulgo Zenu), filho do antigo Chefe de Estado
angolano e ainda Presidente do MPLA, Eng. José Eduardo dos Santos, e o ex-Governador do Banco
Nacional de Angola (BNA), o Dr. Walter Filipe da Silva, entre outros intervenientes no processo.

2. Comentário
2.1. Razão de Ordem

Estes dois megas processos que estão a causar celeuma na sociedade, pois pela primeira vez na história
de Angola, altas figuras da elite política e militar, estão a ser indiciadas pela PGR pela prática de crimes
de natureza económica ou patrimonial. O mediatismo do processo, nesta fase de transição política,
tanto nos meios de comunicação social públicos e privados, bem como nas redes sociais, trouxe para o
léxico dos angolanos a palavra " arguido”, cujo significado jurídico nem sempre é entendido.

Vários amigos nas redes sociais e não só, têm-me colocado imensas questões à volta deste termo, que
urge esclarecer. Na qualidade de jurista e investigador do direito, embora não sendo cultor do direito
penal, o que não prejudica emprestar, aqui e agora, os conceitos básicos que se impõem, numa altura
onde há muitas imprecisões do conceito em causa. Vou em breves notas apresentar o conceito, figuras
afins e estatuto jurídico do arguido.

3. Arguido

3.1. Conceito

Entende-se por arguido, a pessoa que recai sobre si indícios de estar envolvido num acto criminoso.

O arguido é alguém que é indiciado em várias qualidades que uma pessoa pode estar associado a um
crime, como por exemplo, autor, cúmplice, encobridor, etc.

O arguido é considerado inocente até trânsito em julgado da sentença, em homenagem ao princípio da


presunção da inocência, constitucionalmente consagrado. Dito de outro modo, quando num processo,
na fase inicial uma pessoa é constituída arguida, não significa que ela tenha praticado actos criminosos,
quer apenas dizer que há indícios que ela tenha relação com os actos considerados criminosos e que
estão sob investigação: pode confirmar-se o envolvimento dela ou não. Desse modo, pode durante o
processo, confirmar-se a prática do crime pelo arguido ou provar-se que não cometeu nenhum acto
criminoso, ou que não tenha ocorrido nenhum crime, como é o caso da legítima defesa. Por isso, é
importante saber que um arguido não é um criminoso, ou condenado. Daí que é extremamente
importante termos muito cuidado e não passarmos a considerar que as pessoas que são constituídas
arguidas, sejam consideradas criminosas.

3.2. Figuras afins ou próximas


No direito penal há algumas figuras que são próximas ou parecidas com a figura do arguido,
designadamente o suspeito, o réu, o condenado (ou criminoso).

3.2.1. Réu

No processo penal angolano, réu é a pessoa que está a ser acusada pela prática de um crime na fase de
julgamento. Depois da acusação feita pelo Ministério Público, o juíz pronuncia e inicia a fase de
julgamento e a pessoa passa da simples condição de arguido, para a de réu, cujos indícios da prática do
crime de que é acusado, são mais fortes.

Assim, o arguido distingue-se do réu de acordo com dois critérios: o primeiro, o critério formal, a pessoa
é arguida na fase de instrução preparatória dirigida pelo Ministério Público, e transforma-se em réu, na
fase judicial com a aceitação da acusação feita pelo Ministério Público, pelo juiz da causa na fase judicial;
o segundo, critério material, o arguido diferencia-se do réu porque, sobre o primeiro, em regra, recai
meros indícios da ligação a um acto delituoso, já no segundo caso - réu, há provas do envolvimento da
prática criminosa, isto é, estamos perante graus distintos, no caso do arguido, em regra, são meros
indícios, e no caso do réu há fortes probabilidades da prática do cometimento do crime (provas
recolhidas no processo de investigação no período de instrução preparatóriaia), embora só com o
trânsito em julgado da sentença de condenação confirma-sea prática do crime .

3.2.2. Suspeito

O suspeito é a pessoa que recai sobre si indícios da prática criminosa, mas não foi arrolada no processo
como arguido. Assim, o suspeito distingue-se do arguido apenas no aspecto formal. Na verdade, ambos
possuem indícios de estarem ligados a actos considerados por lei como crime mas só o arguido
encontra-se no processo, o suspeito não. Essa situação é desvantajosa para o suspeito, pois não possui
meios de defesa. Quando as suspeitas passarem a certeza, com as provas recolhidas durante a
investigação, podem ser prejudicial à sua defesa, pois o suspeito não é notificado e não tem
conhecimento que as autoridades sabem do seu envolvimento no acto considerado criminoso. Por seu
turno, o arguido, sabendo da sua condição, pois é notificado e, por via disso informado dessa sua
qualidade processual tem, por isso, possibilidade de preparar a sua defesa.

3.2.3. Condenado ou criminoso

O condenado ou vulgarmente designado por criminoso é a pessoa que praticou um crime e cuja
sentença tenha transitado em julgado. O condenado já não goza de presunção de inocência, pois já ficou
provado em julgamento a sua conduta criminosa. Contudo, o criminoso embora tenha que merecer a
censura da sociedade, uma vez cumprida a pena deve ser aceite e não descriminado, sob pena de
pormos em causa a desejável convivência pacífica em sociedade. A ressocialização, é uma componente
fundamental no equilíbrio social e deve haver engajamento de todos neste processo.

Por outro lado, há situações excepcionais em que uma pessoa é condenada e a sentença é transitada em
julgado e descobre-se que houve um erro judicial e que a pessoa condenada não cometeu o crime ou
porque não houve crime, ou porque o crime foi cometido por outra pessoa. Num e noutro caso, o bom
nome e a reputação da pessoa, injustamente condenada, fica quase sempre irremediavelmente
afectada e nem mesmo as possíveis indemnizações serão suficientes para compensar ou atenuar,
consideravelmente, os danos provocados. Daí que um criminoso, que cumpre a sua pena, deve ser
reinserido na sociedade.

4. Estatuto do Arguido

O arguido é um sujeito processual na fase de instrução preparatória que possui direitos e obrigações
que a lei lhe confere. O seu estatuto, confere-lhe privilégios que outros intervenientes no processo não
possuem. Assim, um arguido tem direito a não prestar declarações e a recusar responder a perguntas já
que, como presumível culpado, age em sua própria defesa, coisa que uma testemunha não pode fazer,
pois é obrigada a responder. O arguido tem direito a Advogado e pode recusar-se a falar sem a sua
presença perante as autoridades, quer policiais quer do Ministério Público. A testemunha, por exemplo,
não tem esse privilégio. Por isso, na doutrina e no direito comparado, o estatuto do arguido é visto
como a consagração da verdade material, dito de outro modo, é a legitimidade que o tribunal tem de
levar à Justiça, por via da investigação criminal , todas as provas consideradas importantes à formação
do juízo de valor; condenando ou inocentando o arguido/réu. A partir do momento que um pessoa é
constituída arguida num processo de investigação criminal, fase de instrução preparatória, onde se
recolhe provas para formular-se a devida acusação, há um conjunto de medidas cautelares que podem
ser aplicadas ao arguido, nos termos da Lei.25/15 de 18 de Setembro, que são: detenção (artigo 4º); as
medidas de coação pessoal (artigo 16º) e as medidas de garantia patrimonial (artigo 43º). Essas medidas
cautelares são aplicadas quando se verificam os requisitos exigidos pela referida lei para a sua aplicação.
Desse modo, no caso da detenção e de acordo com o artigo 2ª “pressupõe a existência de fortes indícios
de que a pessoa detida praticou uma infração punível com pena privativa de liberdade e determina a
sua constituição como arguida, se ela não estiver ainda nessa condição processual”. Para aplicação das
medidas de coação pessoal de acordo com o nº2 do mesmo artigo 2º “a aplicação das medidas de
coação pessoal, à excepção do termo de identidade e residência , depende da prévia constituição como
arguido e da existência de fortes indícios de crime punível com pena de prisão superior a (1) um ano”.
Quanto às medidas de garantia patrimonial que de acordo com o artigo 43ª podem ser a caução
económica (“havendo fundado receio de falta ou diminuição relevante das garantias de pagamento da
multa, quer se trate da pena principal, de pena de substituição ou resultado de conversão de outras
penas, das custas do processo ou de qualquer outra dívida ao Estado relacionada com o crime…”), e o
arresto preventivo que, de acordo com o artigo 45º pode ser decretado pelo juiz o arresto preventivo
dos bens do arguido ou da pessoa civilmente responsável, ainda que se trate de comerciante, desde que
fixada a caução económica e que este não a preste no prazo de (8) oito dias.

5. Quem pode ser Arguido?

5.1. Arguidos no ordenamento jurídico angolano

No ordenamento jurídico angolano, com excepção do Presidente da República, cujos processos-crimes


só podem ser os constantes na Constituição, as demais entidades públicas e privadas (todos os cidadãos)
podem ser constituídos arguidos. O Presidente da República nos termos do artigo 127º, nº1 da CRA,
pode ser um arguido especial e de forma excepcional, tais como em casos de suborno, traição à Pátria e
em crimes definidos pela Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia. Desse modo, o
Vice-Presidente, Juízes, Procuradores, Deputados, Ministros, oficiais generais das Forças Armadas, em
exercício de funções, e demais entidades que gozam de imunidades, podem ser constituídos arguidos,
na fase de instrução preparatória.

A polémica que se levantou à volta da constituição de arguido do Chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas de Angola (FAA), o General Geraldo Sachipengo Nunda, em exercício de funções não
faz sentido, porque se confunde a constituição de arguido, isto é, a abertura de um processo crime
contra um titular de cargo público, com as imunidades que este goza. E passamos a explicar.

5.2. Imunidades versus Arguidos


Entende-se por imunidade as prerrogativas de direito público, de que desfrutam os titulares do poder de
soberania e os altos oficiais das forças armadas, da polícia nacional e entidades equiparadas. Há várias
espécies de imunidade, a saber: a) imunidade material ou inviolabilidade, que significa que o titular da
imunidade não está sujeito a prisão, com excepção das previstas na lei. No caso dos deputados e de
acordo com o artigo 150º nº2 da Constituição, estes “não podem ser detidos ou presos sem autorização
a conceder pela Assembleia Nacional ou, fora do período normal de funcionamento desta, pela
Comissão Permanente, excepto em flagrante delito por crime doloso punível com pena de prisão
superior a dois anos”. No nº3 do mesmo artigo é-nos dito que “após instauração de processo criminal
contra um Deputado e uma vez acusado por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo em flagrante
delito por crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos, o Plenário da Assembleia
Nacional deve deliberar sobre a suspensão do Deputado e retirada de imunidades, para efeitos de
prosseguimento do processo”. Quanto aos Ministros, estes só podem ser presos “depois de culpa
formada quando a infração seja punível com pena de prisão superior a dois anos, excepto em flagrante
delito, por crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos” (artigo 140º, nº2 da CRA). Os
magistrados judiciais e do Ministério Público, bem com os oficiais das FAA , policia nacional e entidades
equiparadas, seguem com algumas adaptações o mesmo regime dos termos das leis aplicáveis, ou seja,
só podem ser detidos em flagrante delito por crime doloso punível com pena de prisão superior a dois
anos; b) imunidade processual ou imunidade formal ou ainda imunidade de jurisdição. Consiste em
retirar qualquer jurisdição penal, civil ou administrativa à pessoa que beneficia desta imunidade. Em
regra, só o Presidente da República e os diplomatas (e seus familiares) nos países onde representam o
Estado, gozam deste tipo de imunidade, nos termos do artigo 31º da Convenção de Viena sobre a
Imunidade Diplomática e Consular (1961).

Como se vê, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Angola, o General Nunda, não
goza de imunidade processual, formal ou de jurisdição (só aplicáveis ao Presidente da republica e
diplomatas e seus familiares), mas apenas de imunidade material ou inviolabilidade, que foi respeitada
no caso do processo da burla dos 50 mil milhoes de dólares americanos (não foi detido, nem lhe foi
aplicada qualquer medida cautelar que pudesse constituir uma violação da imunidade de que goza).

Desse modo, só há a necessidade de se retirar a imunidade das pessoas que gozam da mesma, na fase
judicial (fase em que o juiz aceita a acusação do Ministério Público, pronunciando-a para julgamento),
com excepção do Presidente da República e corpo diplomático e seus familiares, nos termos já referidos.

Por isso, podemos facilmente concluir que o arguido é qualquer pessoa que recai sobre si a suspeita de
estar envolvido em qualquer acto considerado por lei crime, na fase de instrução preparatória (recolha
de prova), com excepção do Presidente da República e corpo diplomático e seus familiares.

Pensar Direito nº 26
A Reforma dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado - Agência Nacional de Inteligência e
Segurança do Estado (ANISE)

1. Nota Prévia

O Presidente da República, João Lourenço, usando das suas competências constitucionais e depois de
ouvir o Conselho de Segurança Nacional, nomeou no passado dia 12 de Março, o General Fernando
Garcia Miala, para o cargo de Chefe de Serviço de Inteligência e Segurança do Estado.

Em vários círculos, com destaque para o académico, colocaram-se várias questões, onde destaco a
relacionada ao sentido e alcance da função da Segurança de Estado. Em boa verdade, fui questionado
por estudantes, sobre o significado do conceito de Segurança de Estado. No fundo, a questão mais
discutida pelos estudiosos, é a de saber qual o conteúdo do conceito de Segurança de Estado e se há
necessidade de reforma desse serviço público.

Sendo uma questão ligada ao meu campo de eleição nas minhas investigações cientificas (Direito
Administrativo), sinto-me à vontade para, publicamente, abordar esta questão.

Para efeito, dividirei a minha apresentação em quatro momentos: no primeiro, tratarei de generalidades
doutrinárias sobre segurança de estado; no segundo momento, cuidarei da evolução histórica dos
serviços de inteligência e segurança de estado em Angola, no terceiro momento, tratarei da reforma dos
serviços de inteligência e segurança e em quarto e último lugar, farei uma conclusão.

2. Generalidades sobre Segurança

2.1. Conceito

Segurança é o conceito que nos remete a idéia de se estar protegido de vários perigos ou perdas. A
melhor forma de aferir o conceito de segurança é compará-la ou confrontá-la com outros conceitos
relacionados: continuidade, confiabilidade. A diferença entre segurança e confiabilidade reside no facto
de a segurança dever fazer o exame a pessoas que possam colocar em causa a paz, tranquilidade e bem
estar das pessoas, numa determinada comunidade.
A segurança como bem comum, é divulgada e assegurada por um conjunto de serviços, instrumentos
jurídicos e convenções sociais,denominadas medidas de segurança.

Em termos gerais, e para atender às várias áreas da actuação humana, podemos surpreender vários
tipos de segurança, pois em cada situação, há um conjunto específico de medidas a serem tomadas.
Alguns tipos de segurança mais frequentes são: segurança nacional (Segurança de Estado); segurança
comunitária ; segurança doméstica; segurança na escola; segurança no trabalho; direcção defensiva;
segurança de informação /computador; segurança pública; segurança pessoal; segurança privada;
segurança condominial, segurança física das instalações, etc.

Contudo , vamos tratar, por ser o objecto da nossa abordagem, apenas da segurança nacional
(Segurança de Estado).

2.2. Evolução histórica

A segurança nacional é uma função fundamental do Estado moderno que exerce em exclusividade. Isto
é, o Estado em nenhuma circunstância terceriariza este serviço, ou seja, não permite que outra entidade
o substitua. A ideia de segurança nacional, nasce com o conceito de Estado Nacional desde o seu
surgimento no século XVII. A segurança nacional “consiste em assegurar, em todos os lugares, a todo o
momento e em todas as circunstâncias, a integridade do território, a protecção da população e a
preservação dos interesses nacionais contra todo o tipo de ameaça e agressão”.

Desde 1648, com o Tratado de Vestfália, o Estado passou a deter em exclusivo o monopólio do uso da
força, assim como o estabelecimento e manutenção da ordem e paz social. Para atingir tal desiderato, o
Estado lança mão do seu poder económico, militar e político, bem como mediante a função diplomática,
celebrando alianças, tratados e acordos internacionais.

A par das forças armadas e da diplomacia, o Estado para garantir a segurança nacional usa outros
mecanismos, tais como: a) criação da defesa civil e medidas preventivas de situações de emergência
definidas em lei; b) promoção da resiliência ou da redundância de elementos críticos da infra-estrutura
existente no território; c) criação de serviços de inteligência e contra-inteligência para defender,
prevenir ou evitar espionagem ou atentados e para proteger informações confidenciais.
3. Origem e evolução histórica do Serviço de Informação(Inteligência) e da Segurança do Estado de
Angola

3.1. Serviços de Inteligência e de Segurança do Estado antes da Independência

A actividade de informação de segurança em Angola, remonta ao período pré-colonial e está


relacionado aos conflitos entre os vários povos, que ocupavam o território que hoje é Angola e, entre
essas tribos e os povos expedicionários europeus, principalmente portugueses.

Desse modo, podemos constatar que alguns destes conflitos ocorriam por causa dos saques, pilhagens,
quando os povos passaram a ser sedentários, cultivando e criando animais, em determinados lugares do
território nacional. Muitos desses povos estavam vulneráveis aos ataques de povos com maior poderio
bélico, que roubavam os seus bens, incluindo homens e mulheres,que eram amiúde transformados em
escravos. Foi por isso que os povos sedentários se organizaram,formando reinos, criaram sistemas de
defesa, que deram origem aos serviços de informação e segurança.

Os estudiosos nestas matérias, apontam três grandes épocas em que se pode dividir a função de
informação e segurança em Angola: a) Época pré-colonial: esta engloba dois períodos distintos - o
período africano pré-colonial (antes de 1482) e o período anglo-português (1490-1575); b) Época
colonial: dividido em três períodos, o período da resistência à ocupação (1575 a 1940); o
períodoContemporâneo (1940 a 1961) e o período de libertação (1961 a 1975); c) o período pós-
independência (1975-2018).

Na vigência da idade pré-colonial, os conflitos entre povos na busca de melhores condições de vida e em
defesa das suas organizações sociais, foram os principais motivos que levaram os povos a criarem
estratégias para vencer os povos inimigos. Esta missão só era possível com um eficiente serviço de
recolha de informações sobre o inimigo.

No decurso das referidas épocas, em especial, a época colonial, que coincide com o período de
resistência à ocupação, as tribos viviam no território que é hoje a República de Angola, oriundos dos
reinos africanos das áreas do Kwanza, Ciclo do Kuango, área do Planalto, área do Mataman, área do
Ovambo, áreas da Lunda e área do Kuando-Cubango, que travaram várias guerras e batalhas, entre si,
para conquistarem o domínio do território, bem como impedir o avanço dos invasores europeus nos
seus territórios.

A feroz luta de resistência à invasão colonial, obrigou esses povos a criarem formas de defesa, novas
tácticas de guerrilha e outras técnicas militares e de segurança. A informação sobre a técnica militar, os
meios humanos e material do inimigo, dava vantagem para uma maior preparação para a defesa do
território.
A estratégia, neste período, para obtenção de informação, consiste em interrogatórios dos prisioneiros,
informações dos sobreviventes das guerras entre povos rivais, trocas de informações entre reinos,
comerciantes, envio de embaixadores para estabelecer negócios com reinos rivais, incluindo reinos
europeus.

A célebre Rainha Njinga Mbandi, usou esses métodos que permitiram criar o Reino do Ndongo e
Matamba e travar a progressão dos portugueses.

No período contemporâneo (1940-1961), sobressai o nacionalismo angolano, que se funda no combate


ao invasor potencial colonial (Portugal). Desde 1975, data em que o Rei Ngola Kismange enfrentou os
invasores portugueses chefiados pelo fundador de Luanda, Paulo Dias de Novais, que a função da
informação e segurança dos povos de Angola, foram ganhando outras dimensões no campo económico,
cultural, entre outros. Neste período, surgem associações políticas e acontecem realizações de acções
de carácter culturais, religiosas e clandestinas revolucionárias, como forma de combate ao colonialismo,
de forma camuflada.

Nesta época, foram criadas escolas de alfabetização nos bairros de forma clandestina, começou-se a
investigar e a disseminar a cultura nacional angolana, distribuição de panfletos, para passar informação
sobre a luta pela libertação nacional.

Toda esta actividade clandestina era feita de forma profissional, e seguia as boas práticas do sistema de
inteligência e de segurança, seguidas pelas congéneres em outras partes do mundo.

No período de libertação Nacional (1961-1975), foi a altura em que se deu o surgimento dos
movimentos de libertação nacional. A grande maioria dos Partidos Políticos (ou movimentos
nacionalistas), surgiram das associações políticas já existentes. Sem prejuízo de outras formações
políticas, destaca-se o MPLA, FNLA e a UNITA, movimentos esses, que animaram e protagonizaram a
luta armada de libertação nacional.

Neste período (luta armada pela libertação nacional), a actividade de inteligência e segurança ganhou
outro dinamismo e dimensão. Razões ligadas às diferenças culturais, étnicas, disputas políticas internas
nos partidos, a ingerência portuguesa e de outras potências estrangeiras, fizeram com que os três
principais movimentos de libertação nacional, criassem serviços de inteligência e de segurança. Nesta
altura, surgem as células clandestinas que actuavam nas cidades que mantinham contacto com os
guerrilheiros que lutavam nas matas. Estas estruturas tinham contactos com os comandos dos Partidos
e estes com todas as ramificações dos movimentos, evitando as acções do regime português,
nomeadamente, da PIDE e auxiliando os guerrilheiros nos seus actos militares, sobretudo nas
sabotagens económicas, militares, para dissimular a campanha e propaganda para a independência
nacional. Isto não impediu que muitos dos nacionalistas fossem presos, torturados e mortos. Contudo,
estas falhas não prejudicaram o trabalho meritório dos serviços de inteligência e de segurança dos
movimentos nacionalistas que, de outro modo, não conduziriam estes á libertação do povo angolano do
jugo colonial português.
3.2. Serviços de Inteligência e Segurança do Estado no período Pós-Independência

No período pós-independência é frequente dividir, em matéria de função, os serviços de inteligência e


segurança do Estado em quatro períodos :

* período embrionário (DISA) - 1975/1979

* período ministerial (MINSE) - 1981-1992

* período de informações (SINFO e/ou SINSE/SIE/SIM) - 1991/2-2017

a) Período embrionário - A DISA (1975-1979)

Após a independência nacional a 11 de Novembro de 1975 e, passados 18 dias, foi criado o primeiro
serviço de estado de inteligência e de segurança - a Direcção de Informação e Segurança de Angola
(DISA), através do Decreto-Lei nº3/75, de 29 de Novembro. Este organismo do Estado surge para
“combater tudo aquilo que estivesse ligado ao colonialismo bem como tudo que pudesse contrariar a
orientação política do Estado que, como se sabe, era de orientação socialista marxista-leninista,
caracterizada sobretudo pela existência de um partido único no poder e de uma economia centralizada”.

A organização DISA, a temível secreta angolana tinha a feição congénere dos países do antigo bloco
socialista. Este serviço público, foi muito poderoso e chegou a ser dos mais temidos a nível de África e
tinha as seguintes atribuições :

a) responsável pela inteligência e segurança interna e externa de Angola;

b) era um serviço independente e autónomo, tinha pessoal próprio e uma rede considerável de
colaboradores secretos,relações de confiança e não precisava de outros órgãos para realizar acções
operacionais;

c) o Director da DISA era membro do Bureau Político do MPLA - Partido Governo - tinha lugar no
Conselho de Ministros, pertencia à Comissão Nacional de Segurança e era membro do Conselho de
Revolução (Parlamento). Dito de outro modo, tinha acesso a todos os órgãos de direcção do país,
incluindo o Presidente da República.

A DISA era tão poderosa, que os seus operacionais tinham apoio técnico e administrativo e era dotada
de poderes de polícia. Exercia actividades de pesquisa operativa, acções operacionais, investigação e
prevenção criminal, controlo, fiscalização e a protecção das fronteiras. De 1975-79, o Estado angolano
estava no período de implementação , não havia Advogados, os tribunais não eram independentes , a
polícia ainda estava em formação. Tudo isso permitiu que a DISA preenche-se esse vazio, instruindo
processos, julgando e condenando. Em alguns casos passou mesmo a reeducar. Há muitos relatos de
abuso e excessos praticados pela DISA, sobretudo na fracassada tentativa de golpe de estado em 1977
(Fraccionismo). Alega-se que, a DISA perseguiu, torturou e silenciou muitos opositores do Regime de
então no poder.

b) Período Ministerial (1979-1992)

No período ministerial, que se traduziu na elevação da função de Inteligência e Segurança do Estado a


nível ministerial, podemos destacar dois momentos distintos :

i) Ministério do Interior (1979-1980) - Através da Lei nº7/79, de 22 de Julho, o Conselho de Revolução,


extinguiu a DISA e criou o Ministério do Interior. O Ministério do Interior possuía na altura dois Vice-
Ministros - um para a Ordem Pública e outro para a Segurança do Estado. Neste período, o pessoal, o
património e as actividades da extinta DISA, passam para o recém-nascido Ministério do Interior. Num
período de guerra e instabilidade política, coube ao Ministério do Interior velar pela manutenção da
ordem, tranquilidade pública, protecção de pessoas e bens, e da prevenção e repressão da
criminalidade. Várias estruturas orgânicas complexas foram criadas para atender a segurança do Estado,
a polícia nacional, a protecção da fronteira e a emigração. A complexidade destas funções concentradas
no Ministério do Interior, aliado ao facto dos responsáveis pela Segurança do Estado, não terem acesso
directo ao Presidente da República, levou a vários constrangimentos no seu exercício. Desse modo, em
1980, o Estado retirou a função de Inteligência e Segurança do Estado do Ministério do Interior.

ii) Ministério da Segurança do Estado MINSA (1980-1992) - Através da Lei nº5/80, de 7 de Julho, foi
criado o Ministério da Segurança de Estado (adiante designado de MINSE). Assistimos também aqui à
migração de pessoal e do património da antiga estrutura governamental,encarregue dos Serviços de
Inteligência e Segurança do Estado para o novo departamento governativo. Com o MINSE, o Estado
angolano voltou à mesma filosofia de trabalho da DISA, embora diferenciando na acção e estruturação.
O MINSE tinha actividades mais amplas e possuía comandos militarizados, direcções, Departamentos e
Secções, enquanto que a DISA tinha apenas uma combinação de Forças militarizadas, Departamentos
Nacionais e Secções. Conservaram o seu carácter partidário e policial e desenvolviam actividades de
inteligência , contra-inteligência, protecção e segurança, incluindo guarda pessoal dos principais
dirigentes do Estado, do Governo e do Partido no poder, de vigilância de todo o território, em particular,
locais de interesse estratégico que, sob o ponto de vista político (Presidência da República), Assembleia
do Povo, Tribunais, quer do ponto de vista económico (exploração de diamantes e petróleo), ou de
infra-estruturas (aeroportos, portos). A actividade do MINSE ficou célebre com o “processo 105” - sobre
os diamantes e do processo dos mercenários sul-africanos. O MINSE, jogou um papel importante para
assegurar as instituições públicas durante o conflito fratricida.

c) Período Híbrido (1991/2-2018)


Este período inicia com a extinção do MINSE, através da Lei nº2/91, de 23 de Fevereiro. Com a abertura
democrática iniciada no ano de 1991 (com o Acordo de Paz de Bicesse), depois cristalizada com a Lei
Constitucional de 1992 e a realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola, abriu-se uma
nova era para o país e para os serviços de inteligência e segurança do Estado. É voz corrente que o
período de Fevereiro de 1991 a Agosto de 1993, é considerado período morto ou de turbulência da
actividade de inteligência e de segurança do Estado , pois não havia nenhuma estrutura governamental
vocacionada para tais serviços. Desse modo, neste hiato de sensivelmente dois anos, a inteligência e
segurança do estado eram assegurados pelo Ministério do Interior (sem atribuições e estruturas
específicas para este fim), polícia nacional e pelos serviços de inteligência militar. Contudo, a Segurança
do Estado, foi reposta enquanto serviço estruturado com o Decreto nº28/93, que aprovou o novo
Estatuto Orgânico do MININT, onde se reintroduziu novamente o exercício da actividade de inteligência
a nível interno. O Vice-Ministro do Interior passa a cuidar da actividade da Segurança Interna.

No Período 1991-1994, ou seja, período pré-eleitoral (as primeiras eleições em Angola ocorreram em
1992) e pós-eleitoral, os serviços de segurança foram desenvolvidos pelos funcionários que transitaram
do antigo MINSE. As actividades destes agentes, centravam-se na recolha de informação e disseminar
nas instituições que tinham como missão garantir a consolidação da paz e da democracia nascente.
Embora a guerra tivesse ressurgido logo após as eleições de 1992, a verdade porém, é que os serviços
de inteligência e segurança, iniciaram o processo de “despartidarização”, permitindo no seu seio
agentes sem o cartão do Partido MPLA.

No período 1994-2002, fruto das alterações ocorridas a nível mundial com o desaparecimento do bloco
socialista e fim da Guerra Fria (desintegração da URSS, Queda do Muro de Berlim), verificou-se
mudanças significativas no domínio político, económico, social, militar e de segurança dos mais diversos
países, tendo-se eliminado o sistema bipolarizado do mundo e, consequentemente, o surgimento de
uma Nova Ordem Mundial. Desaparecido o “inimigo imperialista”, a nova era permitiu cooperações com
Estados da esfera de influência capitalista. Esta alteração a nível mundial, influenciou os sistemas de
inteligência e de segurança de muitos países, incluindo Angola.

A ameaça passou dos Estados para actores não estaduais, grupos, guerrilheiros e terroristas, crime
organizado, branqueamento de capitais, etc.

No nosso país, os serviços de inteligência e segurança até 1992, ocupavam-se fundamentalmente com
ameaças ao poder estabelecido, nomeadamente, contra a guerrilha liderada pela UNITA, acções
terroristas, bom como a oposição interna que contestava a governação do MPLA. No plano externo, as
ameaças dos países vizinhos constituíam a forte preocupação dos serviços de segurança externa,
assegurando militarmente a defesa do território nacional.

Depois das primeiras eleições e com a introdução do multipartidarismo, o conceito de segurança do


Estado mudou. A Segurança de Estado deixou de se centrar unicamente no Estado para se concentrar
também no indivíduo, na sua protecção, incluindo contra o próprio Estado, Governo ou grupo de seus
concidadãos, bem como na qualidade de vida.
De acordo com a Lei nº8/94, de 6 de Maio, Lei de Segurança Nacional, a segurança nacional passou a ser
definida como sendo “um actividade desenvolvida pelo Estado através dos órgãos de Ordem Interna e
de Segurança Interna e Externa, com a finalidade de garantir a defesa da independência e soberania
nacionais, a integridade do território, segurança, ordem e a tranquilidade pública, proteger pessoas e
bens, prevenir e combater a criminalidade e assegurar o regular exercício dos direitos e liberdades dos
cidadãos”.

Com essa nova conceptualização, procedeu-se a uma dicotomia dos serviços de inteligência e segurança
do estado, passando a existir dois órgãos distintos : um para cuidar da segurança interna e outro para a
segurança externa.

No plano interno, foi criado o SINFO - Serviços de Informação, no primeiro momento, dependentes do
Ministério do Interior e, mais tarde, dependente do Chefe do Governo e, no plano externo, o Serviço de
Inteligência Externa (SIE), com funções relacionadas com a segurança externa, dependente
directamente do Presidente da República.

No âmbito dos serviços de segurança, há ainda o SIM - Serviços de Inteligência Militar - responsável pela
colecta de informações relacionadas com a segurança no seio das Forças Armadas Angolanas,
dependente do Ministério da Defesa.

São estes os três serviços de inteligência e segurança que, em coordenação com os demais órgãos do
Sistema de Segurança Nacional, concorrem para a Segurança Nacional.

A Lei da Segurança Nacional de 1994, introduziu no léxico da secreta angolana a palavra “informações”,
que passou a ser usada para a actividade de recolha ou colecta de dados e informação ligados à
segurança do Estado e da Sociedade. Desse modo, a actividade de informação, assumiu um papel
nevrálgico na Segurança Nacional, na garantia da independência nacional e da integridade do nosso
território.

O SINFO - Serviços de Informação (1994-2010), criado pelo Decreto nº8/94, de 25 de Março, foi um dos
mais notáveis serviços de Inteligência e de Segurança do Estado. Despido do caráter partidário e policial,
o SINFO tinha como actividade principal a pesquisa , tratamento e disseminação de informações
relevantes para assegurar os interesses estratégicos do Estado nas áreas económicas, tecnológica,
militar, social e política, com objectivo de alcançar a paz (e preservar), a integridade territorial e a
consolidação da democracia , no quadro democrático do Direito Constitucional consagrado.

3.2.3. O controlo da actividade de Inteligência e Segurança do Estado em Angola


Actualmente, nenhum estado democrático prescinde da actividade de inteligência e de segurança
nacional, pois necessita de proteger o Estado, os cidadãos e o território, das ameaças internas e
externas. Para tal, é necessário que possua um conjunto de informações que é obtida mediante os
serviços de inteligência e segurança do estado. Contudo, a actividade do serviço de inteligência e
segurança do estado , tem que ser sindicada pelos órgãos superiores do Estado. Em Angola, de acordo
com o percurso histórico dos serviços de inteligência e de segurança do estado, podemos surpreender 5
tipos de controlo dos serviços de inteligência e de segurança, a saber:

a) Controlo político (1975-1991). Neste período, o Partido Único, os serviços de inteligência e segurança
do estado eram controlados pelo partido no poder - o MPLA. A DISA, por exemplo, não obstante ter
acesso directo ao Presidente da República, era controlada pela Comissão Nacional de Segurança do
MPLA, que exercia o controlo e definia as linhas de actuação de actividade de inteligência e segurança
do estado. Mais tarde, evolui para Gabinete de Segurança do Partido que igualmente controlava a
actividade de inteligência e segurança do Estado;

b) Controlo parlamentar (1975-2010). Para além do controlo politico, a actividade de inteligência e


segurança do estado também estava sob o controlo do poder legislativo. Podemos aqui também
encontrar dois momentos. Num primeiro momento, de 1975-2001, o controlo era exercido pela
Comissão de Defesa e Segurança da Assembleia do Povo, que apreciava os relatórios da actividade dos
órgãos encarregues da inteligência e segurança do estado. No segundo momento, de 1992-2010, a
Assembleia Nacional através do Conselho de Fiscalização eleito pelo Plenário e formado por 5
Deputados, analisavam os relatórios e, podendo mesmo interpelar os responsáveis dos serviços de
informação e inteligência do Estado. Contrariamente à Assembleia do Povo, a Assembleia Nacional,
tinha um poder mais abrangente e efectivo no controlo dos serviços de inteligência e segurança do
estado;

c) Controlo do Executivo (1975-2018). O Presidente da República, que sempre foi Titular do Poder
Executivo em Angola, exerceu e exerce o controlo dos serviços de inteligência e segurança do estado,
directamente ou através dos seus órgãos auxiliares - Casa de Segurança da Presidência da República
(antiga Casa Militar da Presidência da República). O Titular do Poder Executivo, exerce mediante
Directivas, Ordens, Planos de Acção e mediante a prestação de contas que lhe é devido pela Direcção
dos Serviços de informação e inteligência do estado, tem o maior controlo dessa actividade;

d) Controlo Judiciário (1992 - actualmente). Só com a introdução do sistema multipartidário e a


realização de eleições é que o poder judicial passou a exercer um controlo sobre os serviços de
inteligência e segurança do estado. Assim os magistrados autorizam a realização de operações secretas,
escutas e algumas medidas policiais. Para além do controlo preventivo, os órgãos judiciais,
casuísticamente, e por serem a última ratio do estado de direito , controlam todas as actividade do
estado, quando lhes são submetidos para a sua apreciação.

e) Controlo profissional (1975-2018). É o controlo feito pela Direcção de Serviços de Inteligência e


Segurança que consiste em cumprir e fazer cumprir as normas e procedimentos, para que sejam
observados os regulamentos do funcionamento das instituições e afins. O controlo dos excessos,
abusos, violação da lei e das regras elementares dos serviços de inteligência e segurança do estado, é da
responsabilidade do Chefe do Serviço e demais órgãos directivos.

4. A Segurança do Estado noutros países

O conceito de segurança nacional mudou após os atentados de 11 de Setembro de 2001 que provocou
na cena internacional a incerteza , a instabilidade, o carácter difuso, a perigosidade, não só pelo avanço
do terrorismo global , mas também pelo alargamento do conjunto de ameaças e riscos , principalmente
provocado por actores não estaduais. Por isso, vários estados criaram ou reformularam os respectivos
serviços de segurança nacionais, com o fito de melhor se adaptarem à nova realidade, através do
reajustamento dos padrões e procedimentos de segurança existentes. Os Estados Unidos, (WHUSA,
2002); O Reino Unido (GOVUK, 2003); A União Europeia (EU 2003). Este último em documento colectivo
e não somente nacional; o Canadá em 2004 (GOVCAN, 2004); A Alemanha em 2006 (GOVGER, 2006); a
Holanda (GOVNL, 2007); a Finlândia (GOVFIN, 2009); Russia (Schroder, 2009) e a Austrália (GOVAUS,
2009). Para além desses estados, com grande tradição de segurança de estado, há outros em processo
de reajustamento, como é o caso de Espanha, Roménia, Singapura e até Portugal. Em África, depois da
Primavera Árabe, países como o Egipto que tinham um serviço de inteligência e segurança do estado
forte, entrou em processo de reajustamento, países da região da SADC e dos Grandes Lagos onde
Angola está inserida, estão em processos de reajustamento no plano de segurança, com vista à
estabilização destas regiões e no continente em geral.

5. Reforma do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado - Agencia Nacional de Inteligência e


Segurança de Estado (ANISE)

No momento actual de transição política em Angola, colocam-se vários desafios na consolidação do


estado democrático de direito e a segurança nacional é um dos temas fundamentais. Actualmente, o
sistema de segurança nacional é formado pelo Conselho de Segurança Nacional e pelos principais
serviços encarregues da inteligência e segurança do estado - Serviço de Inteligência e Segurança do
Estado (SINSE), Serviço de Inteligência Externa (SIE) e o Serviço de Inteligência Militar (SIM). Este modelo
que já vigora há mais de uma década, não tem correspondido aos desafios que hoje a segurança
nacional enfrenta, nomeadamente: corrupção, branqueamento de capitais, terrorismo (branqueamento
de capitais tem servido para financiamento de acções de terrorismo), migração, entre outras. Para além
disso, a estrutura e o funcionamento destes serviços, apresentam sinais de pouco profissionalismo, de
influência política , de desarticulação e descoordenação das acções dos três principais serviços (SINSE,
SIE e SIM), excessos e alguns abusos de poder, algum enfraquecimento do papel de inteligência externa
no âmbito das organizações que Angola faz parte, nomeadamente na Organização dos Grandes Lagos e
da SADC.

Aqui chegados, é altura de se reajustar o modelo de segurança nacional que se pretende para os
desafios que se colocam. Assim, pensamos que a criação de uma estrutura administrativa de serviços de
inteligência e de segurança do estado, com a fusão dos três serviços, permitiria a racionalização dos
recursos, a concentração e profissionalização (especialização dos quadros do sector), harmonização do
serviço de segurança interna, externa e militar. Essa estrutura com comando único, teria três sub-
divisões : interna, externa e militar; mas sob a responsabilidade de um chefe da segurança do estado.
Sugerimos para esta super-estrutura a designação : Agência Nacional de Inteligência e Segurança de
Estado (ANISE), que seria um órgão apenas subordinado ao Presidente da República. Seria apartidário,
sem caráter policial nem militar. A nível de controlo, este órgão não teria controlo político, apenas do
Titular do Poder Executivo, controlo parlamentar (pode ser interpelado por comissões parlamentares),
controlo do Conselho de Segurança Nacional e controlo judicial.

Conclusão

Aqui trazidos, vale a pena responder à questão no início - Qual é o sentido e alcance dos Serviços de
Inteligência e Segurança do Estado ? Há necessidade da sua reforma?

Os Serviços de Inteligência e de Segurança do Estado, são serviços públicos que desempenham um papel
primordial e imprescindível na defesa e segurança do Estado, dos cidadãos, dos bens e do território,
desenvolvem actividades que consistem na pesquisa de informação para obtenção de conhecimentos,
para melhor fundamentar e auxiliar o Titular do Executivo, na tomada de decisões referentes às
ameaças, potenciais e reais, para o país.

Actualmente, Angola vive um processo de transição política, em que foram identificados inúmeras
fraquezas que ameaçam a nossa soberania, nomeadamente, crimes de natureza económica (corrupção,
branqueamento capitais, fuga ao fisco, peculato, etc), ou de natureza migratória, defesa do território, da
vulnerabilidade das nossas fronteiras e até dos perigos da influência negativa dos conflitos, ainda
existente na região dos Grandes Lagos. Desse modo, há necessidade de se repensar o sistema de
segurança nacional , visando dar resposta a estes desafios. Nesta senda, sugerimos a criação da Agência
de Inteligência e de Segurança do Estado - a ANISE, que seria um serviço especializado, altamente
profissional, dotado de autonomia administrativa e financeira, que funcionaria junto do Presidente da
República.

Tudo isso só será possível se

Pensarmos Direito!!

BIBLIOGRAFIA

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