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CAPTULO IX

Com vista a tentar modernizar o sistema de justiça penal, e nomeadamente


diminuir os bloqueios à regular Tramitaçã o processual, derivados de vá rios fenó menos,
foi levada a cabo a total alteraçã o das regras (e até do espírito) do tradicional processo
penal português, que representou a entrada em vigor do có digo de Processo Penal de
1987.
Podemos talvez dizer, no â mbito da perspectiva que aqui nos ocupa a da concretizaçã o
prá tica do principio da legalidade no exercício do procedimento criminal, que a mais
profunda alteraçã o Resultante do novo Có digo foi o estabelecimento uma muito mais
clara definiçã o das atribuiçõ es e funçõ es, e nã o apenas das competências dos diversos
sujeitos e intervenientes processuais
Neste campo poderá dizer-se que a alteraçã o mais radical se centrou na figura do
Ministério Publico (que passou a ser efectivamente regulado e tratado, pelo menos na lei
processual penal, como o cerne do funcionamento do sistema processual penal.
O Có digo visou dar cumprimento à exigência, inclusive constitucional, da estruturarã o
do processo penal em termos acusató rios - acabando com os vestígios de uma estrutura
inquisitó ria que o nosso processo penal vinha mantendo e que era perfeitamente
espelhada pela indefiniçã o de funçõ es e atribuiçõ es dos seus intervenientes, e pela
promoçã o de consensos processuais que era sempre visada.
Pode aliá s dizer-se que tal reformulaçã o foi feita em nome dos direitos de defesa,
e com vista a tornar de vez o arguido um verdadeiro sujeito processual e nã o o objecto
de um processo que, uma vez obtidos Os consensos necessá rios, deveria Conduzir a que
o caso do arguido fosse devidamente Tratado em julgamento - com a sua colaboraçã o,
claro, mas em termos que certamente podem ser considerados algo paternalistas
Foi assim clarificado que o Ministério Publico enquanto titular da acçã o penal
pú blica e participante necessá rio (a figura do M.P. passou a entrar no crime público e
semi- público) no procedimento criminal, mesmo nos casos de intervençã o facultativa ou
obrigató ria de assistente, caberia a decisã o primeira, impugná vel apenas por outros
sujeitos processuais (e nã o por intervençã o judicial oficiosa), quanto à prossecuçã o dos
autos para julgamento. Em Consequência foi conferida ao Ministério Pú blico a
titularidade da fase preliminar obrigató ria (em processo comum) do Inquérito, com a
consequente (pelo menos na letra da lei) direcçã o funcional absoluta e exclusiva.
Estas alteraçõ es vieram quebrar, e de que maneira, a supra referida cadeia de
consensos que até aí enformava o processo penal. De uma ló gica de consensos, dirigido à
obtençã o do ú ltimo do processo entre os vá rios intervenientes Processuais; passou-se a
uma ló gica de potencial conflito. E este concentrou-se basicamente no Inquérito e no seu
encerramento, atenta a necessidade quase inultrapassá vel de, para evitar que o objecto
de um eventual julgamento, e a sua pró pria realizaçã o ficassem ao exclusivo critério do
Ministério Publico, terem outros intervenientes processuais de entrar em conflito aberto
e formalizado com a posiçã o expressa no processo por aquele.
Polícias por um lado e Ministério Publico ou tribunal por outro - já que quaisquer
validades da aplicaçã o pratica e encapotada de principio de oportunidade ou
consideraçõ es de politica criminal eram até entã o mais fá ceis na actividade, passível de
ocultaçã o em termos processuais, das organizaçõ es policiais, por Contraste com a,
intervençã o exclusivamente técnica dos magistrados, nos momento de decisã o
processual.
Face à multiplicaçã o de espaços de conflito entre todos os intervenientes
processuais, potenciados pela nova estrutura processual, assistiu-se ao aparecimento de
uma situaçã o propícia á criaçã o dos novos equívocos em relaçã o à estrutura e finalidade
do processo penal e ao papel que nele caberia afinal agora desempenhar a cada um dos
que nele intervenham
O Novo papel atribuído ao M.P. no Processo Penal (desde 1987) foi dificilmente
aceite pela generalidade dos restantes intervenientes processuais, quer por
incompreensã o dos seus fundamentos e finalidades, quer por incapacidade de aceitar
esta ruptura com a anterior indefiniçã o igual importâ ncia simbó lica das funçõ es que
todos exerciam no processo, até à decisã o final transitada em julgado, que manifestava a
soberania dos Tribunais. Assim se geram divergências com Polícias, Advogados e até
Juízes, já nã o num plano meramente pessoal como poderia anteriormente sucedes, mas
num plano de clara rejeiçã o daquilo que, mesmo difusamente, se entendia ser o novo
papel atribuído ao Ministério Pú blico no seu todo. A polícia (e basicamente a judiciá ria,
dotada de inegá vel historial e capacidade técnica de investigaçã o, ao nível dos crimes
que eram frutuosamente processados no anterior sistema) aceitou mal o que intuiu ser o
seu novo papel de mera coadjuvante de uma outra entidade, a partir de agora
naturalmente empenhada na investigaçã o e conformaçã o do objecto dos autos com vista
á decisã o que lhe cabia tomar acerca do envio ou nã o do processo para julgamento.
Os advogados a partir do momento em que a estrutura claramente acusató ria do
processo veio permitir que se pudesse identificar o M.P. como uma “parte”, nã o puderam
aceitar mesmo que compreendessem apenas de forma difusa a estrutura do sistema, que
os representantes daquele continuassem a ter um estatuto (aparentemente superior ao
das outras “partes” no processo) de magistrados, a quem caberia apenas contribuir para
a descoberta da verdade e correcta aplicaçã o da lei penal.
Os Juízes sentiram a quebra do apoio que anteriormente lhes era prestado pelo
M.P. em todas as fases do processo penal, numa das mais evidentes e frutuosas conexõ es
geradoras de consensos que se verificava na anterior “praxis” judiciá ria. E isto
basicamente porque o novo papel do M.P. os veio colocar perante difíceis decisõ es,
nomeadamente nas fases de Inquérito e Instruçã o, que têm de tomar sozinhos,
escolhendo entre seguir o M.P. (como dantes normalmente se fariam, por este
prosseguir os mesmos objectivos que o tribunal, salvo em caso de erro técnico na
concreta promoçã o em apreciaçã o), ou rejeitar a sua posiçã o, aceitando por exemplo a
do arguido.
O Juiz deverá incidir a sua fiscalizaçã o sobre a actividade autó noma de outra
magistratura, de igual dignidade funcional e estatutá ria – e isto nã o deixou de criar
fortes crispaçõ es e situaçõ es equivocas.

O facto é que neste momento se mantém como “discussã o da ordem do dia” é o modo
como é visto as sucessivas derrotas do M.P. no seu todo – e o modo como certas
entidades insinuam que as novas responsabilidades e poderes funcionais daquela
magistratura justificarã o radicais alteraçõ es do seu estatuto. O modelo processual penal
com vista a uma alegada legitimaçã o e controlo acrescidos do exercício de acçã o penal.
Tudo isto é aliá s potenciado por equívoco e dificuldades de comunicaçã o que persistem,
assentes numa imperfeita compreensã o do novo papel processual atribuído ao M. P., nos
termos já referidos.
A estrutura acusató ria do processo é certamente uma conquista civilizacional, e
nem se vê como, nos moldes antigos, e renunciando a quaisquer consideraçõ es de
política criminal, seria possível resolver de modo minimamente eficaz e socialmente ú til
os supra referidos problemas de massificaçã o e de criminalidade de “colarinho branco”.
Estas matérias como outras sã o de grande complexidade, e só agora começam a ser
debatidas, pelo que nã o se pode pretender dar resposta à s questõ es sem grandes
reflexõ es e discussõ es sobre as já referidas matérias

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