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25 de Abril de 1974 em Monchique: o dia em que «Bangkok» foi silenciada.

Alguns reflexos da
revolução na imprensa regional.

No Algarve, a revolução dos cravos não teve o mesmo impacto que em Lisboa, pois as gentes
desta região viveram aquele 25 de abril de 1974 como um dia igual a tantos outros. A distância da
capital e o isolamento a que o Algarve sempre esteve votado muito contribuíram para este facto. Ao
sul do país apenas terão chegado alguns rumores de que em Lisboa, o centro de todas as decisões
políticas, estava a decorrer uma revolução desencadeada por militares com vista à queda do regime
fascista que há 48 anos assombrava Portugal com medidas totalitárias e opressoras. Talvez seja esta
a razão que explica o motivo de os algarvios apenas terem saído à rua para festejar a mudança de
governo dois dias depois, portanto a 27 de abril.
Todavia, apesar do seu isolamento, o Algarve esteve envolvido nos movimentos militares
ocorridos na madrugada de 25 de Abril de 1974. O Quartel-General da Região Militar do Sul era em
Évora, mas o Comando Territorial do Algarve estava em Faro, onde se encontrava também o
Regimento de Infantaria nº 4. Em Tavira, funcionava o Centro de Instrução de Sargentos Milicianos
e o Centro de Instrução de Condução Auto (CICA 5) situava-se em Lagos, sendo a unidade militar
mais remota do sul do país e onde exerciam funções os Capitães José Glória Alves e Filipe Ferreira
Alves, que aderiram ao Movimento das Forças Armadas. De acordo com o historiador Artur Jesus,
«com a adesão dos seus soldados e vencendo a resistência do seu comandante (Major Castela Rio),
dirigiram-se à Serra de Monchique onde ocuparam o objetivo que lhes fora atribuído no
planeamento das operações com o nome de código Bangkok: ou seja, o alto da Fóia». De uma
forma geral, os dois soldados ocuparam o topo daquela montanha às 7h50, onde foram «silenciados
os repetidores da Guarda Nacional Republicana, da Guarda Fiscal e da Legião Portuguesa, que,
juntamente com as antenas de Rádio e Televisão que ali se encontravam, emitiam para todo o
Algarve». Os dois capitães foram, no entanto, obrigados a se apresentarem ao Comando Territorial
do Algarve, situado em Faro, por ter sido «a única unidade aqui do Algarve que saiu dos eixos».
Quando já não haviam dúvidas sobre o triunfo daquele golpe militar, os soldados voltaram a Lagos.
Em 2023, numa entrevista a um periódico luxemburguês, o agora coronel na reforma Glória
Alves recorda aquela «manhã horrível de vento e de frio», onde não encontrou qualquer oposição,
pois «só lá estavam dois homens da Guarda Fiscal, dentro de uma casinhola, a bater os dentes de
frio. Explicámos a situação e eles entregaram imediatamente as suas Mauser». As antenas da Fóia
foram desligadas sem recurso a qualquer ato de violência e por iniciativa de um técnico, segundo o
mesmo militar, do Rádio Clube Português que, por ironia do destino, estaria em trabalho de
manutenção dos emissores algarvios naqueles dias.
Se a população demorou a reagir à mudança – uns porque não sabiam, outros por medo de
represálias – também a imprensa regional foi comedida nas notícias que foram sendo publicadas nos
dias que se seguiram à revolução. Certamente, ainda pairavam no ar alguns resquícios de censura e
o pânico do famoso «lápis azul» era uma realidade, pois como é do conhecimento geral, todas as
notícias eram sujeitas a um exame prévio, que determinava se os artigos podiam ser publicados e
não promoviam alterações ao pensamento ideológico em vigor. A verdade é que não foram feitas
quaisquer edições especiais e todos os periódicos se limitaram a noticiar breves linhas sobre o
acontecimento, cumprindo as datas editoriais pré-estabelecidas.
Dos cerca de vinte jornais publicados em abril de 1974, foi o «Jornal do Algarve, editado em
Vila Real de Santo António, aquele que se mostrou mais efusivo com o surgimento da democracia.
No dia 27 de abril de 1974, na segunda página deste periódico, era publicado com o título
«Levantamento das Forças Armadas», um artigo dando conta que «à hora em que fechava a edição,
um Comunicado informava que a revolução triunfara, com a rendição do chefe de Governo». No
final, um desejo: a realização, em breve, de eleições livres. No número seguinte, a 4 de maio, o
mesmo jornal dedica a primeira página à «Liberdade», que considera ser «um português recém-
nascido que é preciso defender». No mesmo dia, o «Povo Algarvio», de Tavira, informa que «no
passado dia 25 de abril as forças armadas portuguesas tomaram conta do poder» e noticia as
manifestações ocorridas naquela cidade. Efetivamente, tanto o comunicado do MFA como a
constituição da Junta de Salvação Nacional foram os principais temas abordados nos vários textos
publicados. Faça-se alusão à «Voz de Loulé», que a 15 de maio republica um artigo que havia sido
cortado pela censura intitulado «O caso das auto-estradas – Em causa um prejuízo para a Nação
entre os 4 e os 5 milhões de contos!». Sob a imagem rasurada surgia a seguinte legenda: «Era assim
a Censura em Portugal: simplesmente proibido levantar problemas que desmascarassem vigarices
de pessoas “altamente colocadas”». Ainda no semanário a «Rampa», a 3 de junho, destaca-se uma
ilustração de Júlio Amaro que satirizava com a figura do General Spínola e «com uma das palavras
que então entrou no vocabulário de todos (Fascismo)».
Relativamente a Monchique, à exceção da tomada e silenciamento das antenas da Foia, como
referido anteriormente, pouco ou nada se sabe - até ao momento - sobre como a população viveu
este dia e os seguintes à revolução. Pelas notícias que passaram pelas garras da censura, percebe-se
que até ao ano da chamada «Revolução dos Cravos» Monchique era um concelho isolado e
empobrecido; a água e luz ainda não chegava a todo o território; faziam-se alguns melhoramentos
nos arruamentos e nos caminhos, mas as estradas até ao litoral eram escassas e perigosas,
dificultando o desenvolvimento do comércio; e as Caldas de Monchique, entregues a uma gestão
intermitente, perdiam a sua qualidade turística. Nem tudo era mau, pois ainda assim, eram
inaugurados novos estabelecimentos (Lar de Idosos e Restaurante Miradouro nas Caldas de
Monchique) e as paisagens serranas eram cenário de um filme inglês. Um ano antes da revolução,
celebravam-se os 200 anos da criação do concelho e no início da década de 70, um filho da terra
destacava-se no atletismo e colocava o nome do JDM no mapa. No edifício dos Paços do Concelho,
inaugurado em 1959, era instalada uma biblioteca da Calouste Gulbenkian, com o objetivo de
promover a cultura e a literacia da comunidade monchiquense.
Num artigo publicado a 15 de março de 1975 no «Jornal do Algarve» com o titulo «O
fascismo foi a causa da estagnação de Monchique», percebe-se como «o inesquecível 25 de Abril»
foi uma lufada de ar fresco para os monchiquenses, que reconheciam como as potencialidades
daquele território o poderiam ter tornado «um dos lugares mais turísticos de Portugal», não fosse
«quase meio século de governo fascista», de que Monchique foi uma das maiores vítimas. À
eletricidade, que ainda não tinha chegado às freguesias de Marmelete e Alferce, juntava-se a falta de
um mercado de frutas «que é um dos sonhos dos monchiquenses», assim como a restituição das
condições do mercado de peixe. O calcetamento das ruas estava por terminar, para os locais e
turistas não existiam balneários nem sanitários públicos e os mais jovens, sem outras opções
desportivas, viam-se obrigados a jogar futebol «no largo da feira, onde há vidros partidos e outras
coisas do género deixadas pelos feirantes». No entanto, para o autor, Fernando Jesus Abreu, o
principal problema de Monchique que os políticos não souberam resolver foi o das Termas das
Caldas de Monchique, que estavam abandonadas face ao desinteresse das entidades proprietárias,
que se mostravam muito mais preocupadas com a propaganda: «Na construção do hospital e da
fábrica de engarrafamento de águas, gastou-se milhares, só para se fazer mais uma inauguração,
com a presença da mão-tesoura de sua ex. e sua comitiva, estando aqueles praticamente parados». O
artigo termina com o autor a pedir auxílio ao novo Governo para que seja construído «um
Monchique novo, para, num futuro próximo nos orgulharmos de ter, dentro de Portugal e dentro da
sociedade, o lugar a que temos direito».
No ano em que se celebram 50 anos da revolução e, face à conjuntura política atual, é mais
importante que nunca festejar o 25 de Abril de 1974 com a convicção que vivemos no Monchique
novo que Fernando Abreu tanto desejava, com mais e melhores oportunidades e condições de vida
que meio século de democracia conseguiu produzir. Haverá muito mais a melhorar, mas o orgulho
em ser Monchique, esse, será para sempre!
Fontes consultadas

Jornal Contacto (Luxemburgo):


https://www.contacto.lu/portugal/muito-depois-do-adeus/1412604.html

Sul Informação:
https://www.sulinformacao.pt/2014/04/como-noticiaram-os-jornais-algarvios-o-25-de-abril-
de-1974/

Revista Nova Costa de Oiro, n.º 63, 30 de abril de 2023;


https://correiodelagos.com/site/assets/files/13855/revista_nco_abril_2023.pdf

Hemeroteca Digiatal do Algarve


https://hemeroteca.ualg.pt/pesquisa

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