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pt * 16 a 29 de abril de 2014 J

Editorial
José Carlos de VasConCelos
› 25 de abri
JL, presente

U
eduardo
ma sondagem SIC/Expresso, Instituto de Ciências Sociais da Univer- GaGeiro
sidade de Lisboa, realizada em janeiro e agora conhecida, revela que a
maioria dos portugueses considera o 25 de Abril a data mais importante “Esta é a
da nossa História. Muitos não estarão de acordo, pode até ser surpreen-
dente, mas é sobretudo conclusivo, não deixando margem para dúvidas:
fotografia mais
mesmo os seus contemporâneos, os que o viveram ou ‘conheceram’ emblemática do
através dos testemunhos diretos de pais e outros familiares, de amigos e conhecidos, do 25 de Abril, dos
rasto ainda quente do regime tirânico que derrubou e dos dias deslumbrantes que se lhe vinte rolos que
seguiram, depois também inquietantes, agitados, controversos, mesmo esses consideram
o 25 de Abril um momento maior dos quase nove séculos da nossa Pátria. tirei nesse dia.
A Revolução de 1974, de que agora se assinalam os 40 anos, representou desde logo O próprio
o fim de uma ditadura cruel, velha de quase meio século, e o fim de uma guerra colonial Salgueiro
injusta e infamante, sem sentido e sem saída, que causou um número incalculável de
Maia disse a
vítimas, mormente jovens, em Portugal e nos que são hoje os países africanos de língua
oficial portuguesa. Representou a conquista da liberdade e de todas as liberdades, a Fernando Assis
democratização do País e com ela, entre o muito mais, o fim do “orgulhosamente sós” Pacheco que
em termos internacionais, com a integração de pleno direito em todos os fóruns e a essa fotografia
(futura) entrada na União Europeia - bem como a possibilidade de constituição da CPLP.
tinha sido tirada
Representou, enfim, uma mudança profunda no processo de desenvolvimento do país, na
dignificação das classes trabalhadoras e na construção de um Estado social. num momento
decisivo e que
É nesta vertente, porém, na injustiça e desigualdade na distribuição dos rendimentos, vinha a morder
que mais longe se ficou e se está dos “ideais de Abril” -- e na qual mais se tem
regredido com o atual governo, após a intervenção da troika. Sem entrar nos aspetos
o lábio para não
mais polémicos e radicais do chamado período revolucionário, se é certo que chorar”
sobretudo em 1975 se verificaram muitos excessos e desmandos, não o é menos que
depois, em diversos aspetos, não houve uma sua correção, antes uma inversão, com
excessos de sinal contrário, E hoje assistimos a um progressivo desmantelamento do
Estado Social, consagrado na Constituição da República.
Em simultâneo e paralelo, 40 anos após uma Revolução de cariz avançado,
progressista, e tendo o país tido sempre, ao longo deles, governos que se reclamam do
socialismo e/ou da social-democracia, a verdade nua e crua é que Portugal continua
a ser o país mais desigual da União Europeia a 15 e (com a Espanha) o terceiro mais
desigual da Europa a 27 - algo de verdadeiramente incompreensível e inadmissível.
Não obstante tudo isto, o grande descontentamento que hoje grassa no pais, com as
pessoas a verem degradar-se muito a sua qualidade de vida, etc., 80% dos portugueses Esta edição é integralmente dedicada ao 25 de Abril nos
reconhecem que graças à revolução se passou a viver muito melhor do que antes. Ou seja:
sabem discernir e avaliar, concluindo, com justeza e justiça, que os tremendos recuos e
seus 40 anos e completamente diferente das edições
cortes verificados nos últimos anos, a pobreza crescente, a degradação em áreas vitais normais, de linha, do JL. Como por todas as razões se
como a educação e saúde, não são consequência do 25 de Abril e dos seus princípios, antes
do abandono deles ou da sua clara violação. impunha (ler, ao lado, coluna de JCV). Assim, pedimos a
40 escritores de várias gerações e formações - sobretudo
Porque é preciso ficar claro: a Revolução de 1974 atingiu todos os seus objetivos, o
País transformou-se para melhor em termos quase impensáveis, os militares de Abril ficcionistas e poetas, mas também ensaístas -, que es-
que o fizeram, amiúde tão mal e injustamente tratados, que nada quiseram para si e crevessem sobre o tema.
devolveram a integral soberania ao povo português, são verdadeiros “libertadores”, a
que só por um certo preconceito ou pudor de linguagem não chamo “heróis”. A abrir, um ensaio de quem sobre ele, e sobre o nosso
Para lá desta realidade, houve e há a vivência concreta do 25 de Abril, dos que em 1974
já eram cidadãos que sofreram na pele a ditadura e tiveram a imensa alegria da revolução
país, tem pensado e escrito como nenhum outro. Depois,
libertadora - o dia mais feliz da vida para milhões de portugueses, entre os quais me textos que em geral partem de tópicos/perguntas, que
incluo. E há a interrogação sobre como o veem e como ele marcou os que então ainda eram
crianças ou sequer tinham nascido. De tais ‘matérias’ se faz esta edição diferente do JL,
foram: 1) “Que representou para si - e/ou como viveu - o
com textos, imagens, testemunhos criativos, humanos, de escritores e artistas sobre o 25 25 de Abril? (para os mais novos: “Que imagem foi for-
de Abril. Algumas vezes já assinalamos a data, em duas ocasiões só com novos criadores,
mas hoje não podíamos deixar de o voltar a fazer. Por tudo, até por este jornal também só mando do 25 de Abril, designadamente em oposição à da
ter sido possível graças a esse ato fundador e libertador, como aqui sublinhei logo no n° 1. ditadura?”) E o que representa hoje, na atual situação do
Quero salientar ainda que, na diversidade das mais de seis dezenas de colaboradores desta país?”; e, de resposta facultativa, 2) “Quais os livros, e/
edição, se encontram alguns que sofreram a repressão da ditadura de forma especial. Assim,
por exemplo: o historiador e poeta António Borges Coelho esteve longos anos preso, além
ou as obras que em seu entender melhor exprimem o 25
de - como tantos outros - ser impedido de ser professor; o romancista Mário de Carvalho de Abril e o seu significado?”. A estas questões acrescen-
também esteve preso, foi torturado e conheceu o exílio; o poeta e ficcionista Manuel Alegre
idem, tornando-se aliás, desde o seu livro Praça da Canção, a “Trova do Vento que Passa”,
tou-se que a resposta a 1) era “aberta”, podendo ter a
etc., um símbolo de luta e de “Voz da Liberdade” (emissora clandestina que transmitia a forma de testemunho, crónica, memória, texto de opi-
partir de Argel e de que era a que inconfundível voz); Mª Teresa Horta e Mª Isabel Barreno,
duas das três Marias, processadas pelo livro Novas Cartas Portuguesas, apreendido pela nião ou mesmo de uma história.
polícia como tantos outros. Entre os artistas plásticos, e ainda só como exemplo, Júlio Ao mesmo tempo pedimos a diversos artistas e a re-
Pomar e Nikias Skapinakis também conheceram a prisão e a repressão, tendo o segundo
estado meses refugiado na embaixada do Brasil, onde pedira asilo político. J

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