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OPINIÃO
A Batalha dos 100 anos
No outro dia recebi o mais recente número d'A Batalha. De maneira talvez tipicamente
anarquista, o jornal não anunciava que estava prestes a tornar-se centenário.
Rui Tavares
22 de Fevereiro de 2019, 6:44
Qual é o jornal político mais antigo de Portugal? A resposta é muito fácil e está no título
da crónica: o jornal político mais antigo em Portugal é A Batalha, hoje publicado como
“jornal de expressão anarquista”, e que fará amanhã 100 anos precisos.
Quando foi fundado, no dia 23 de fevereiro de 1919, A Batalha era já o órgão oficial da
Confederação Geral do Trabalho, a confederação sindical portuguesa anarcossindicalista
que estava em formação desde os congressos da União Operária Nacional em 1914 e 1917.
A Europa tinha acabado de sair de uma guerra mundial há pouco mais de três meses. A I
República continuava em convulsão, ainda recentemente ensombrada pelo assassinato
do presidente Sidónio Pais, em dezembro de 1918.
Uma das revistas anarquistas de então que ainda hoje se lê com mais prazer (a coleção
completa da edição portuguesa está na Hemeroteca digital) teve aliás uma história luso-
brasileira. O seu nome era Terra Livre e o seu fundador foi conhecido por Neno Vasco,
de nome completo Gregório Nazianzeno de Vasconcelos, um homem do Penafiel, criado
em Amarante e estudante em Coimbra, que emigrou para o Brasil e regressou depois a
Portugal, onde morreria na epidemia de gripe pneumónica em 1920. Se o nome é hoje
desconhecido, saiba-se que é dele a primeira tradução do hino A Internacional para
português — e a única que se canta da mesma forma dos dois lados do Atlântico. A Terra
Livre, projeto que já vinha do Brasil, teve em Portugal no ano de 1913 uma equipa de
peso: além do próprio Neno Vasco, Aurélio Quintanilha (pai do atual deputado Alexandre
Quintanilha), Pinto Quartin e muito outros. Além de libertária, a revista foi a primeira
defensora em Portugal daquilo a que hoje chamamos ecologismo. Foi duramente
https://www.publico.pt/2019/02/22/opiniao/opiniao/batalha-100-anos-1862944 1/2
24/01/23, 18:21 “A Batalha” dos 100 anos | Opinião | PÚBLICO
Quando A Batalha surgiu veio preparada para ter logo um sucesso tal que dificultasse a
ação repressiva contra o novo jornal. E conseguiu-o. A Batalha era — coisa hoje
impensável — um jornal diário, chegando a ser o terceiro mais vendido em Lisboa, logo a
seguir ao Século e ao Diário de Notícias. Tinha uma vantagem de peso: quando havia
greve dos tipógrafos, era mesmo o único diário que circulava. Para o seu sucesso contava
não só com o conteúdo político, mas também com o talento literário dos seus
colaboradores, um deles Ferreira de Castro, o autor d’A Selva, em tempos o escritor
português mais traduzido.
Em 1927, a ditadura que viria a dar lugar ao Estado Novo proibiu a publicação
d’A Batalha e perseguiu com ferocidade os seus redatores. Mário Castelhano, um dos
seus redatores-principais, foi preso, degredado, e teve a triste honra de “inaugurar” o
campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde morreu em 1940.
Por essa altura A Batalha continuava a ser publicada, mas na clandestinidade, chegando
a certa altura a ser produzida dentro de uma gruta na zona ocidental de Lisboa. Mas com
a decapitação do movimento anarquista, a derrota na Guerra Civil Espanhola (onde
Germinal de Sousa, um português filho de outro redator-principal d'A Batalha, foi parte
beligerante como secretário da Federação Anarquista Ibérica), o grande jornal
anarcossindicalista teve de interromper publicação.
Não conheci Emídio Santana. Mas a certa altura da minha vida passava as tardes de
sábado na sede d'A Batalha com gente que tinha mais de meio século de vida do que eu.
Nunca esquecerei a Lígia, cujo apelido creio que nunca cheguei a saber, ex-aluna da
Escola Oficina n.º 1, onde se aprendia tipografia, ciências e esperanto. Ou o José de Brito,
então já com noventa anos, veteranos de revoltas anarquistas na Argentina e no Uruguai.
No outro dia recebi o mais recente número d'A Batalha. De maneira talvez tipicamente
anarquista, o jornal não anunciava que estava prestes a tornar-se centenário. Faço-o eu
então aqui nesta crónica, na esperança de que mais gente se venha a interessar pelo seu
socialismo libertário, e pelo tempo em que o anarquismo predominava no movimento
operário em Portugal.