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Aula 25/10/2023

A Europa transformada
 O tráfego automóvel invadiu as cidades; Milhares de camponeses deixaram a
Europa rumo aos EUA (25 milhões de europeus chegaram aos EUA entre 1875 e 1900;
 População mais urbana, vivia mais nas cidades, mais velha e com maior esperança
de vida;
 O crescimento das cidades, do comércio, da produção agrícola e da produção
industrial é, de facto, impressionante na viragem do século XIX para o século XX; Época
das grandes invenções: a máquina de escrever elétrica, o avião, a lâmina de barbear,
cinema sonoro, máquina de lavar a roupa, etc.;
 Para os contemporâneos, a grande guerra de 1914-18 marcou um fim de um
mundo – massacre muito grande, cerca de 1 milhão de baixas – A oeste nada de novo
relata um pessimismo de futuro que se adivinhava sombrio;

Em Portugal
 Pós Regeneração – Madrid ficava a um dia de distância, e Paris a dois;
 Vias-férreas melhoradas e grandes obras públicas levadas a cabo no tempo de
Fontes Pereira de Melo;

Um país pobre
 Parecia cada vez mais pequeno e fraco quando comparado com outras potências;

1910
 Tornou-se a segunda república moderna na europa – momento quase singular na
Europa;
 Na 1ª grande guerra, só havia duas repúblicas modernas na Europa – Portugal e
França – as trincheiras fizeram outra baixa: a queda das velhas tradições e instituições;
 A República Portuguesa é resultante da tomada do poder por um partido
revolucionário;
 Uma república implantada por meio da violência;
 Na Primavera de 1890, não foi só no Portugal do Ultimato que se sentiu um calafrio
de mudança – na tarde de 18 de março
A lenda do mapa cor-de-rosa
 O ultimato português de 1890 ficou a representar o mais espetacular desastre das
ousadias diplomáticas dos liberais portugueses;

3 Teses para o fim da monarquia:


- Que a monarquia no princípio do século XX, era uma instituição velha e que tinha um
final marcado – a monarquia portuguesa já tinha quase 800 anos
- Mais focada nos acontecimentos: a monarquia teria sido desacreditada pelas crises
de 1908 – crise diplomática, financeira;
- Na passagem dos séculos, aqueles que desejavam o final da monarquia e que
estavam inseridos no PRP (Partido Republicano Português), tinham ganho uma força
imensa;
 Estas explicações são insuficientes;
 No séc. XIX, a Europa era maioritariamente monárquica
 Em Portugal, era uma monarquia constitucional liderada por Liberais – com a ideia
de transformar o país;
 Tinham aberto os morgadios da nobreza;
 Mapa cor-de-rosa – crise diplomática com o Reino Unido;
 1840 – Relativa prosperidade, 1890 – crise, paralisia dos caminho de ferro;
 1890/91 – Ganhou em África (Angola e Moçambique)
 Regime de Liberais – democratização – soberania deve estar na nação;
 o Rei desempenha o papel de “árbitro”, de moderador;
 6 partidos no parlamento em 1910, todos a quererem governar;

O avanço do republicanismo e a crise da monarquia constitucional


Um Republicanismo sentimental
 11 de maio de 1870 – nasce o jornal A República, redigido pela conhecida Geração
de 70 (Antero de Quental, Eça de Queirós, Batalha Reis, Oliveira Martins e António
Enes;
 Numa altura em que a Regeneração avançava a todo o pano – o Partido
Regenerador – e quase não encontrava oposição;
 Os radicalistas monárquicos, já em recessão, dividiam-se entre o Partido Histórico,
do Duque de Loulé, e o Partido Reformista, de Sá da Bandeira e Alves Martins – que,
por culpa da falta de oposição, vão formar um governo de coligação com os seus
adversários conservadores, chefiado por Joaquim António de Aguiar;
 Originou a criação do Partido Reformista, com o aplauso de figuras que
ulteriormente viriam a ingressar no campo Republicano;

Aula 03/11/2023
1910-1926
 O partido republicano quando se encontra no poder, é mesmo pela violência;
 As instituições deixam de ser levadas a sério – contestação é sempre conspirativa,
violenta;
 Por que caminhos é que se chegou à ditadura militar:
- Medidas dos republicanos;
- Papel das forças armadas;
- O que é que representava Salazar quando chegou como ministro das Finanças em
1928.

 PRP – o partido que toma o poder em 1910


 1911 – “o país é para todos, mas o governo é para os Republicanos”; Há um grupo
que mantém o PR; Há outro grupo que acham que não faz sentido manter o PRP
(Afonso Costa): surgem dois partidos: Evolucionista (António José de Almeida) e o
Unionista (Manuel Brito Camacho);
 O PRP é o grande protagonista deste projeto – a rotura cultura – lei da separação da
Igreja e do Estado;
 Os outros partidos acusam o PRP de ser muito radical;
 No Congresso, a maioria era Evolucionista e Unionista – são eles que elegem o
primeiro Presidente da República Manuel de Arriaga;

 1913 – Auge das prisões e perseguições políticas;


 1914 – O partido Evolucionista de António José de Almeida vai para a rua –
contestar o PRP; Bernardino Machado torna-se o chefe do governo – acaba por sentir
que o PRP não está a par da política de apaziguamento;
 1915 – Manuel de Arriaga nomeia Pimenta Castro como chefe do governo – dar
liberdade aos monárquicos, podem constituir partidos; propôs alterações à Lei da
Separação, para integrar os católicos;
- Porém este governo não beneficia ninguém;
 Revolução de 14 de maio de 1915 – muito violenta, Pimenta de Castro é preso,
Manuel de Arriaga é obrigado a abdicar, elegendo Bernardino Machado; O regime fica
totalmente fechado – PRP com maioria absoluta em todas as câmaras;
 Partido da “Guerra” – plena 1ª Guerra Mundial
 1917 – torna-se difícil importar trigo como era antes da guerra – guerra dos
submarinos da Alemanha dificulta essa importação;
- O Partido Unionista – Sidónio Pais – dezembro de 1917, organiza uma revolução para
destronar o PRP; consegue vencer – refundar a República, “voltar ao 5 de outubro”,
fazer uma República para todos os portugueses;
- Sidónio Pais instituiu o sufrágio universal masculino;
 1918 – República nova – Sidónio Pais é eleito pelos portugueses diretamente;
- Restabelece relações com o Vaticano – Revê a Lei da Separação;
- Nomeia oficiais monárquicos – para os cargos militares
- Existe uma república sem republicanos;

 PRP, Evolucionista e Unionistas – pensam que Sidónio Pais está a ir longe demais;
 Torna-se extremamente popular;
 1918 – Sidónio Pais cria uma República sem republicanos; morre assassinado no
Rossio;

O fim do século
A nação intelectual
 Surge uma resistência ao ultimato inglês de 1890
 janeiro de 1890 – quem mais falava e mais era ouvido eram os homens de letras, os
colegas de Eça de Queirós
 Em 1891, Eça desabafava com um amigo: «Eu creio que Portugal acabou. Só o
escrever isto faz vir as lágrimas aos olhos – mas para mim é quase certo que a
desaparição do reino de Portugal há-de ser a grande tragédia do fim do século.»;
 Época era de grande instabilidade – depois de um conflito diplomático com os
ingleses em 1890, uma insurreição militar republicana no Porto em 31 de janeiro de
1891 e uma grave crise financeira em Maio desse ano – quase tudo parecia em causa:
a independência do país, o regime constitucional, as finanças;
 Começava uma revolução em Portugal, a que se seguiria uma ocupação do país pela
Espanha, enquanto a Inglaterra, a França e a Alemanha partilhariam as colónias;
 O pessimismo era geral – em 1894, na terceira edição do Portugal Contemporâneo,
Oliveira Martins voltou à pergunta de Mouzinho da Silveira: «Há ou não há recursos
bastantes, intelectuais, morais, sobretudo económicos, para [Portugal] subsistir como
povo autónomo, dentro das estreitas fronteiras portuguesas?»

A questão inglesa
 Foi por África que Portugal se encaixou no contexto europeu;
 Desenvolveu-se assim a tese de que Portugal deveria salvaguardar os seus
interesses, não através da «aliança inglesa», mas de múltiplos contactos
internacionais;
 O que se pretendia com o «mapa cor-de-rosa»? – Um império de costa a costa? Ou
simplesmente, proclamar o fim da “tutela inglesa”? – O Governo Progressista de 1886
– 1890 procurou envolver a Alemanha como mediadora, enquanto enviara expedições
para avassalar os indígenas nas regiões disputadas;
 Isto irritou a Inglaterra, que a 11 de janeiro de 1890 exigiu a retirada portugueses
da área entre Angola e Moçambique (“Mapa cor-de-rosa”);

A revolução que nunca aconteceu (1890)


 1890 foi um ano de uma grande luta entre partidos, mas também o de intensas
manifestações patrióticas – Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça escreveram
uma marcha, A Portuguesa, futuro hino português;
 Quase toda a agitação passou pelas associações de empresários e de estudantes de
Lisboa – os governos exploraram diplomaticamente este ambiente para sugerir a
iminência de uma revolução;
 A desordem urbana, especialmente em Lisboa e no Porto, sempre mereceu, em
contextos de conflito na elite governante, leituras políticas fortes, com as oposições
aos governos a atribuir-lhe um carácter «representativo» da «vontade popular»;
 A alternativa ao regime estava no populismo nacionalista e anticlerical do PR
(Partido Republicano) – (Não havia terrorismo anarquista como em Itália ou na
Alemanha);
 Partido Republicano – na década de 1880, com os seus clubes em Lisboa, dois
jornais importantes em Lisboa e Porto (Século e Folha Nova) e um congresso anual,
funcionava como votos de protesto, sobretudo na capital;
 Não estava, porém, preparado para tomar violentamente o poder, nem dispunha
de iniciativa política própria ou sequer de objetivos claros;
 Aproveitando o descontentamento corporativo dos sargentos do exército e a
ressaca das humilhações diplomáticas de 1890, conseguiram levantar uns 800 soldados
– não resistiu um par de horas à Guarda Municipal;

«Vida Nova» (1890-1900)


 A revolução não foi a preocupação maior dos governantes – 1890 houve uma
combinação letal para as finanças portuguesas – as exportações de vinho para a França
diminuíram, enquanto a revolução republicana no Brasil, ao provocar uma queda da
taxa de câmbio brasileira, fez descer em 80% as remessas dos emigrantes portugueses
e desequilibrou a balança de pagamentos;
 Para além da crescente dificuldade da economia portuguesa em inserir-se numa
economia global perante uma concorrência acrescida;
 Os políticos não ajudaram – O equilíbrio de poderes estabelecido em 1890 –
maioria regeneradora no parlamento, maioria progressista no Governo, não durou
muito tempo;
 Em maio de 1891, Lopo Vaz de Sampaio e Melo (principal chefe da maioria
parlamentar regeneradora) aquando da grave crise financeira que se vivia, aproveitou
para tomar conta do Governo;
 Em 1892, Lopo Vaz de Sampaio e Melo adoeceu e voltou-se a um Governo de
independentes, com a presidência de José Dias Ferreira e com J.P. Oliveira Martins
finalmente na pasta da Fazenda – agravou os impostos e cortou os ordenados dos
funcionários (20%);
 A 13 de junho chegamos então à Bancarrota;
 Começara então a «vida nova» - as grandes obras públicas cessaram e as secretarias
do Estado deram menos empregos – a maior fonte de receita extraordinária dos
governos passa a ser o contrato de emissão fiduciária com o Banco de Portugal;
 Embora se falasse ainda de regeneradores e progressistas, o que havia no
parlamento em 1893 era uma multiplicidade de fações tresmalhadas, ligadas a antigos
ministros dos governos de antes de 1890, e das quais a imprensa reconhecia a
existência de pelo menos doze – No resto da Europa, a situação era semelhante:
«transformação de partidos»;
 No princípio do ano, os maiores grupos parlamentares entenderam-se para
substituir José Dias Ferreira;
 Uma vez que os vários grupos regeneradores formavam a maioria, o Governo coube
a dois dos seus chefes, Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro (antigo ministro de Fontes) e
João Franco, um jovem deputado de 38 anos;
 Hintze Ribeiro ficou como Presidente do Conselho de Ministros, mas era sabido que
João Franco, como ministro do Reino, dispunha de direito de veto sobre todas as
decisões do Governo;
 No entanto, o reformismo político de Hintze e Franco em 1895 não deu melhor
fruto do que o reformismo financeiro de José Dias Ferreira em 1892;
 A partir de 1894, os progressistas reagiram furiosamente ao domínio de Hintze e
Franco – protestaram em comícios, boicotaram as eleições e conspiraram com os
Republicanos;
 Em 1896, o Governo recuou: depois de ter pretendido mudar o sistema político,
apresentou-se como restaurador de uma «rotação» partidária, que sempre tinha sido
reivindicada pelos progressistas – Em maio, a lei eleitoral foi revista novamente,
sendo restaurados os círculos uninominais, supostamente mais invulneráveis às
pressões governamentais – entretanto, a degradação da situação financeira
determinou a rotação no poder;
 Em setembro de 1896, o câmbio da moeda portuguesa caiu mais uma vez – devido
aos pagamentos que o Estado tinha de fazer no estrangeiro, a desvalorização agravou
o défice orçamental;
 Sem dinheiro, Hintze Ribeiro e Franco sucumbiram em fevereiro de 1897;
 O Rei chamou o velho conhecido José Luciano de Castro – no governo, chefe
Progressista, esquecido dos seus devaneios revolucionários, desfez a maior parte das
reformas do Governo de Hintze e de Franco, mas manteve instrumentos de controlo,
como o Juízo de Instrução Criminal. Também não tocou na revisão do censo eleitoral;
 A percentagem de cidadãos com direitos políticos descera de 72,3% para 50% - mas
essa tinha sido a menos polémica das medidas de Franco, já que afastava analfabetos e
dava maior peso eleitoral às cidades;

 O que resultou de 1890?


- Governos a viver de impostos agravados e da emissão de Moeda Fiduciária 1
inconvertível, com menos dinheiro para gastar, mas com mais poderes para controlar a
1
Moeda fiduciária é qualquer título não-conversível, ou seja, não é lastreado a nenhum metal e não tem nenhum
valor intrínseco. Seu valor advém da confiança que as pessoas têm em quem emitiu o título ou da imposição
realizada por regulamentação governamental, conhecido como moeda de curso forçado
vida pública e também a vida económica, através de um sistema de regulamentos,
monopólios e proibições que condicionava todos os empresários;
 A rodar no poder, dois partidos com os nomes tradicionais de progressistas e
regeneradores;
 Nada se podia ter feito sem o Rei – Muitos tinham pedido a D. Carlos que desse
meios extraordinários a homens independentes para romperem com os antigos líderes
políticos – Mas o rei proporcionou esses meios àqueles que poderiam restabelecer os
velhos partidos – foi assim que Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro afirmaram o
seu poder;
 A questão estava, portanto, em conservar as grandes forças políticas liberais que
sustentavam o regime e possibilitavam o governo parlamentar – os partidos
progressista e regenerador;
 Mas para dar força aos chefes políticos, numa época de escassez, D. Carlos tivera de
os deixar sujeitar as leis e a Constituições às maiores reviravoltas – ficava evidente o
poder do rei na Monarquia, mas as fragilidades das demais instituições;
 D. Carlos – típico monarca liberal, interessado na arte e na ciência – percebeu
sempre que, para defender a dinastia, não dispunha de apoio alternativo à elite liberal;
 O clero estava reduzido a um funcionalismo pobre, recrutado em meios populares e
com influência apenas local e em grande retração – sobretudo nas cidades – No Porto,
as informações de duas freguesias indicam a diminuição das práticas religiosas na
década de 1870: de 60% das famílias para 24% numa delas, de 44% pra 16% na outra;
 Desde a década de 1870 se desenvolveu um movimento de leigos católicos,
animado pelos esforços do Vaticano para afirmar a sua autoridade e pelo exemplo da
«democracia-cristã» no Norte da Europa – Tudo isto ficou muito confinado ao Norte
do país e o rei, decididamente “liberal», jamais terá pensado em identificar-se com
esta corrente de opinião;
 O rei também não tinha dinheiro para uma política independente – o subsídio que
recebia do Estado, a «Lista Civil», não era aumentado desde 1821, era dos mais baixos
da Europa; Para acudir às despesas, o rei precisou de empréstimos («adiantamentos»)
decididos em segredo pelo Governo – estava condenado a depender dos políticos
liberais, tal como eles dele.

Equilíbrio europeu e império em África


 Um dos pontos que D. Carlos insistiu foi a aliança inglesa – para Portugal era
essencial que a Inglaterra não estivesse sozinha perante um continente hostil e que
Portugal não fosse o seu único aliado, e muito menos se situasse num campo oposto
ao da Espanha: Nessas circunstâncias, a aliança inglesa poderia transformar Portugal
num campo de batalha, como em 1808;
 Década de 1890 os antigos equilíbrios eram mudados: Emerge a Alemanha
Unificada com a principal potência militar e industrial europeia; A Inglaterra pareceu
isolada e a sua ascendência em declínio – entre 1870 e 1900, as importações
portuguesas de origem inglesa desceram de 44% para 29% do total, enquanto as de
origem alemã subiram de 2,8% para 16%;
 A Alemanha e a França tornaram-se a maior parte do crédito ao Governo português
e mostraram-se determinadas em fazer valer a sua influência;
 As colónias portuguesas ficaram definidas na década de 1890: em África, as ilhas de
Cabo Verde, a Guiné Portuguesa, as ilhas de São Tomé e do Príncipe, a Fortaleza de
São João Baptista de Ajudá, Angola e Moçambique; Na Ásia, Goa e Macau; Na
Oceânia, metade da ilha de Timor – em termos de riqueza não davam nada, tudo junto
não valia a ilha de Cuba;
 Em 1900, a maior parte destes territórios, especialmente os maiores, não estavam
mapeados, o que dificultava as comunicações com os mesmos, ficando muito
dependente da navegação inglesa;
 Sem minas de ouro ou de cobre, as colónias portuguesas rendiam pouco e não
atraíam população europeia;
 Em 1896, em Moçambique, os oficiais expedicionários descobriram, chocados, que
«há tanto tempo que estas regiões nos pertencem, e não há uma única pessoa que
conheça o terreno»;
 Para tornar efetiva uma soberania que até aí não correspondera a mais do que uma
relação vaga com poderes indígenas, os militares portugueses estiveram envolvidos
numa primeira guerra colonial em larga escala, em África, na Ásia e na Oceânia, entre
1894 e 1907;
 A verdade é que Portugal não dispunha de meios para explorar as suas colónias –
não era um grande mercado, não tinha capitais, nem em quantidade nem baratos; A
ilha de São Tomé foi o único território onde a cultura de plantação resultou – tornou-
se num dos maiores produtores de cacau do mundo;
 Aproveitou-se, no caso de Moçambique, os seus portos como escoadouro para as
colónias inglesas do interior de África;
 Maior meio de exploração em África passou pela negação às populações dos
mesmos direitos dos portugueses
 Durante décadas, para muitas populações a experiência da colonização portuguesa
foi a das visitas regulares de «sipaios» armados, em busca de tributos ou de
trabalhadores. Mas devido à escassez de colonos portugueses, os indígenas não
perderam as terras – ao contrário do que aconteceu nas regiões colonizadas por
ingleses e bóeres na África Austral;
A transformação do sistema de partidos (1900-1908)
 Entre 1893 e 1906 – Hintze Ribeiro (chefe do Partido Regenerador) e José Luciano
de Castro (chefe do Partido Progressista) governavam à vez;
 A população em Portugal crescia, mas muito devagar: a população cresceu 17,7 por
cento – pouco, em relação à média europeia; Taxa de alfabetização aumentou
ligeiramente;
 Os negócios misturaram-se com a política, com todos os produtores a tentarem
obter leis favoráveis;
 Em Lisboa, a construção residencial, entre 1904 e 1908, regressou aos melhores
níveis da década de 1880 – Época do novo Plano Geral de Melhoramentos da Capital
(1903) – as obras públicas reanimaram-se – melhoramento das vias-férreas (+ 86 km
na década de 1890);
 Esforço na educação, expandindo a rede de escolas primárias;
 Novas reformas fiscais – reação forte, com motins em Coimbra. Isto porque
ninguém queria pagar mais impostos – Mas, sobretudo, os políticos sabiam que o
governo que conseguisse realizar a reforma financeira obteria os recursos
necessários para uma nova expansão do emprego estatal e das obras públicas –
quem o fizesse estaria no poder por muito tempo como esteve Fontes Pereira de
Melo;
 A classe política formava um meio difícil, indisciplinado e competitivo – “(…) todas
as «figuras secundárias» queriam ser «primeiras»” – a tendência, por isso, foi para os
políticos se impedirem uns aos outros de conseguir os equilíbrios necessários à
«normalização» - Hintze e José Luciano, se pudessem ter mantido o entendimento
para rodarem no poder, poderiam talvez ter resistido durante muito mais tempo;
 Em relação aos reflexos nacionais das «questões» que agitavam a política interna
europeia – a «questão religiosa», no Sul católico e a «questão operária» no Norte
industrializado – mostraram habilidade;
 1901 – houve uma cisão nos regeneradores, encabeçada por João Franco, e em
1905 nos progressistas, sob a liderança de José de Alpoim – apesar do acordo que os
ligava, os chefes do regime não souberam lidar com a desagregação dos seus
partidários; Cada um deles, para se reforçar, condescendeu com os rebeldes do outro
campo;
 Contra o “rotativismo”, como ele chamou ao regime de Hintze Ribeiro e José
Luciano, Franco tentou fundar um novo partido – o Partido Regenerador-Liberal
(1903);
 Face a toda esta incerteza política, o rei D. Carlos precisou de usar os seus poderes
repetidamente para proteger os governos de Hintze e José Luciano – entre 1904 e
1906, o parlamento não esteve aberto mais do que três meses e houve quatro eleições
gerais – nesta roda-viva nada se resolvia;
 D. Carlos, o principal defensor dos “rotativos”, foi atacado por todos os
descontentes – “Tudo o que se faz de mau, é o rei quem o faz”;
 Em 1906, José Luciano convencia-se de que Hintze Ribeiro promovia José de Alpoim
– decidiu vingar-se como disse ao Rei: «Com o sr. Hintze Ribeiro hei-de eu ajustar as
minhas contas.»
 Então, a forma de se vingar de Hintze foi emprestar a Franco os deputados e pares
do reino necessários para este governar parlamentarmente – o rei entrega então, em
maio de 1906, o governo a Franco;
 Franco promete, então, uma mudança completa da vida pública em Portugal: Um
sistema político mais aberto, transparente e responsável – por ex. com o
restabelecimento dos pequenos círculos eleitorais;
 Franco aboliu o imposto de 1892 sobre os ordenados da função pública, aumentou
soldos e benefícios a oficiais e sargentos, prometeu rever as côngruas do clero, e, no
seguimento de um interesse crescente da elite liberal por políticas sociais, projetou um
fundo nacional de pensões para os trabalhadores, subsidiado pelo Estado; impôs o
descanso semanal obrigatório no comércio, e ofereceu um terreno à Associação Voz
do Operário em Lisboa;
 Nas eleições de 1906, Franco deixou todos os partidos elegerem deputados e
insistiu em discutir todos os seus projetos-leis no parlamento; Pôs tudo a Nu, incluindo
a contracorrente da Casa Real com o Estado – parecia o fim do sistema da autocracia
da década de 1890, através de uma nova era de reformismo liberal;
 O apoio parlamentar de José Luciano não durou um ano – Franco planeara
promover uma fusão entre o seu pequeno partido e os progressistas, de maneira a
fazer-se líder de um grande “Partido Liberal”;
 José Luciano, já doente, não estava disposto a ceder os progressistas a Franco –
Rompeu com ele, em abril de 1907, esperando fazer cair o Governo, porque sem ele
não tinha maioria parlamentar;
 D. Carlos, porém, surpreendeu-o e dissolveu o Parlamento e manter Franco no
poder (maio de 1907) – por isso, acabou por manter a lei eleitoral de 1901 para as
eleições de 5 de abril de 1908, mas reviu a Constituição por decreto-lei («em
ditadura»), a fim de poder colocar gente sua na Câmara dos Pares;
 A oposição fez muito caso desta «ditadura» - isto é, governo por «decreto-lei» -
como sinal de absolutismo;
 Esta «ditadura» tinha um motivo: D. Carlos ia refundar o sistema partidário,
ajudando Franco a fazer um grande partido de governo – afirmava que o sistema
«rotativo» estava gasto, e que o regime só se manteria com novos líderes – Franco
seria um deles;
 Hintze (que vai morrer subitamente em 1907) e José Luciano, ameaçados de
liquidação, mobilizaram revoltas contra o governo de João Franco – isto animou e
reforçou os Republicanos, como era costume para pressionar o Rei;
 1907 – o rei encontrou-se em guerra aberta com os políticos que tinham dominado
o Governo durante o seu reinado – os antigos ministros, deputados e pares do Reino,
todos altos funcionários e cobertos de condecorações, enviaram multidões para vaiar
o Rei nas suas viagens, declararam-se Republicanos e alguns envolveram-se até em
conspirações para um golpe de força;
 Franco acirrou os conflitos – dependia totalmente do rei, e nunca esteve seguro de
que D. Carlos o iria sustentar até ao fim;
 Por isso, insistiu, como prova adicional da ligação ao rei, em liquidar os
empréstimos à Casa Real (os «adiantamentos»), apesar de D. Carlos lhe recomendar
prudência;
 À medida que as eleições de 5 de abril de 1908 se aproximavam, o fogo crescia –
José de Alpoim, com alguns republicanos, organizou um levantamento militar, a 28 de
janeiro de 1908 – mas o exército conservou-se fiel – foram presos cerca de 100
conspiradores;

O fiasco da «Monarquia Nova» (1908-1910)


 Já Franco sentia a partida ganha, quando um grupo de conspiradores que escapara
à prisão a 28 de janeiro, aproveitando a passagem da família real em carruagem aberta
e sem escolta pela Baixa de Lisboa (um sinal de confiança do Governo e do rei),
assassinou o rei e o príncipe herdeiro na tarde de 1 de fevereiro de 1908;
 O regicídio transformou tudo – D. Manuel, novo rei, procurou uma “aclamação”
através da demissão de Franco e do regresso do poder aos inimigos de D. Carlos;
 Os lugares do novo Governo, presidido pelo almirante Francisco Joaquim Ferreira
do Amaral, foram partilhados entre os progressistas de José Luciano e os
regeneradores do falecido Hintze;
 Os golpistas do 28 de janeiro saíram em liberdade e as responsabilidades pelo
regicídio ficaram por apurar;
 Na busca da conciliação, o Governo até deixou os Republicanos venceram a eleição
municipal de Lisboa, em novembro de 1908;
 «Monarquia Nova» - D. Manuel II – dedicou-se, então, a cultivar os dirigentes do
pequeno Partido Socialista em Lisboa, prometendo ajuda às classes trabalhadoras – os
inpiradores da «monarquia nova» julgaram que podiam voltar ao tempo de Fontes,
mas faltava um Fontes;
 Isto porque D. Manuel recusava-se a dar predomínio a um dos líderes políticos –
isto contribuiu para a pulverização da classe política (ainda mais);
 Os grandes partidos de Hintze e de José Luciano não se paravam de fragmentar –
em 1910 havia sete líderes reconhecidos (o que simboliza o caos em que estava a
classe política) e havia ainda os nacionalistas e os republicanos;
 Tornou-se impossível governar com um parlamento atomizado, com nove grupos
políticos, nenhum com maioria e, sobretudo, nenhum com a proteção do rei – houve
seis governos em dois anos;
 Foi a oportunidade dos Republicanos – já eram, havia muito, o depósito de todos de
todos os descontentamentos – Tinham estado à beira de desistir em 1903, mas com o
impasse político do regicídio, foram salvos – dos 172 centros republicanos que
existiam no ano de 1910, 64 por cento tinham sido fundados depois 1908;
 Época de grandes motins republicanos – depois do Regicídio;
 Lisboa cresceu muito entre 1890 e 1910, atirando muita gente da província (um
quarto e um quinto da população era adventícia);
 Qualquer repressão implicaria uma transformação do regime para a qual, numa
classe política dividida, não havia consenso;
 Em 1910, D. Manuel II decidiu entregar o governo a António Teixeira de Sousa, de
quem constava estar ligado à esquerda republicana e que deu logo a entender que
gostaria de dar provas de anticlericalismo – foi uma decisão que alienou os liberais
mais conservadores, aqueles que mais podiam estar interessados, por razões
ideológicas, em defender a monarquia contra um golpe republicano;

A República antes da guerra (1910-1916)


 Em 1910, a República Portuguesa ficou a ser, com a III República Francesa, uma das
duas únicas repúblicas modernas da Europa;
 Mas havia uma grande diferença: Em França, a República teve governos e
parlamentos onde os partidários das antigas dinastias reinantes formavam a maioria –
ao contrário de Portugal, onde começou a vigorar o princípio de que “o país é para
todos, mas o Estado é para os Republicanos.”
 Foi uma revolução e, não, eleita por maioria;
 Reserva dos cargos e dos empregos públicos para os republicanos;
 Estes foram sempre, de 1910 a 1926, sempre quase do mesmo partido: o PRP
(Partido Republicano Português) – a sua vontade de romper com o passado era óbvia,
como no caso do símbolos nacionais (mudança da bandeira azul e branca para uma
com cores do partido, real passou a ser o escudo, mudança do hino da Maria da Fonte
para a marcha anti-inglesa de 1890, A Portuguesa, …);

«Uma república feira por todos»


 Revolução popular – pelo povo, tomada pela força;
 Caos e destruição era o que se via na cidade – “Na avenida, um casarão derrocado,
meia dúzia de árvores feridas;
 A república «feita por todos» foi aceite por todos;

A República antes da República


 A república tinha sido feita por todos, mas não apenas em 1910 – a monarquia que
existia, já não era uma monarquia no sentido tradicional (isto porque os governantes
liberais da monarquia desde 1834 a tinham concebido como um «Estado cívico», uma
comunidade soberana de cidadãos patriotas, apenas sujeitos à lei, e que aceitavam um
chefe de Estado dinástico, mas com poderes delimitados pela Constituição);
 D. Carlos, segundo constava, dizia que Portugal havia uma «monarquia sem
monárquicos»;
 Aquilo que distinguia os militantes do PRP no princípio do séc. XX era a convicção de
que a ideia de república só poderia ser realizada, em Portugal, através de uma rotura
revolucionária, sem compromissos com o passado dinástico e católico;
 O objetivo do PRP não era, portanto, derrubar simplesmente a dinastia, mas
transformar Portugal num novo tipo de comunidade política, definida pela igualdade
entre todos os seus membros adultos do sexo masculino, pela afirmação pública de
uma perspetiva racionalista;
 Os líderes do PRP acreditavam que era possível transformar o mundo através de
uma ação coletiva, e confiavam no poder político para desencadear essa ação – por
isso, tentaram convencer aqueles que tinham projetos de mudança radical –
municipalistas, socialistas, anarquistas, feministas – a tratarem o PRP como a frente
comum de luta de todos os revolucionários em Portugal;

«A república para os republicanos»


 Antes de 1910, muitos republicanos, como o professor Bernardino Machado,
insistiram na tese de que a monarquia constitucional, depois da morte de Fontes,
traíra as suas origens – a mudança de regime seria uma condição de regresso ao
liberalismo – ao Estado de Direito e à soberania popular expressa em eleições livres;
 «É uma república onde entra toda a monarquia.» - os políticos liberais anunciaram
logo a autodissolução dos seus partidos, dias depois do 5 de outubro, de modo a
ficarem disponíveis para uma nova vida política;
 O jornalista republicano, João Chagas, mais cedo do que outros, apercebeu-se do
perigo – a doutrina é esta: a república para os republicanos – Os republicanos hão-de
constituir o Estado de amanhã. Só eles o poderão salvar, com o espírito de defesa das
novas instituições, que só eles possuem (…)”;
 “A república deve ser república de alto a baixo, desde os seus ministros até aos seus
regedores. Toda a autoridade neste país deverá passar para as mãos deles, e enquanto
assim não for não haverá república»;
 Em 1911, é promulgada a Lei da Separação da Igreja e do Estado – a Igreja foi
confrontada, não com uma separação, mas com a «dominação» da Igreja por um
Estado hostil – a república renunciou à religião oficial;
 Esta lei retirou à Igreja personalidade jurídica e todos os seus bens, incluindo os
registos paroquiais – proibiu toque de sinos, as procissões e o uso pelos padres de
roupa distintiva, ensino religioso foi banido nas escolas;
 Em meados de 1911, estavam na prisão cerca de 170 padres, acusados de divulgar a
pastoral coletiva de 24 de dezembro de 1910, proibida pelo governo – em 1912, todos
os bispos portugueses tinham sido banidos das suas dioceses;
 A Lei da Separação teve vários efeitos políticos: ao tornar-se pedra angular da
república, fez com que apenas os militantes do PRP pudessem governar, na medida em
que só eles davam garantias de perseverar na «guerra religiosa» que se tornara a ser
razão de ser do regime;
 Os antigos ministros, deputados, pares do reino e governadores civis da monarquia
constitucional não seriam nada sob a república, a menos que se submetessem ao PRP;
 Eleições ficaram completamente interditas a quem não pertencia ao PRP – José
Relvas, que proclamou a República na CML na manhã do dia 5 de outubro, teve de
admitir que, afinal, ajudara a instaurar em Portugal «uma república privativa de uma
parte da nação»;
 Esta tendência foi agravada por alguns governos nos anos seguintes – no ano de
1913, uma nova lei eleitoral retirou o direito de voto aos analfabetos – no Parlamento,
a 12 de junho, Afonso Costa, então chefe de governo, proclamara que «indivíduos que
não têm ideias nítidas exatas de coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não devem
ir à urna, para não se dizer que foi com carneiros que proclamámos a República.»
 O número de recenseados desceu 53%, de 846 801 para 397 038 – a mais baixa
proporção desde 1860 – o escritor António Sérgio nou o «facto único na História» de
«uma república que restringe o voto em relação à monarquia que deitou abaixo em
nome de princípios democráticos!»
 A lei de 1913 também fez da república o primeiro regime em Portugal a negar
explicitamente o direito de voto às mulheres, apesar de algumas sufragistas
portuguesas serem republicanas – Afonso Costa explicou no seu discurso de 12 de
junho de 1913 contra os “teóricos do sufrágio universal”, era no lar, como
companheira do homem e educadora dos filhos;
 Todas estas restrições permitiram aos governos republicanos ganharem eleições
mobilizando cerca de 150 000 votos, o que com a máquina do Estado não era difícil;

O domínio do PRP (1910-1916)


 Assente o monopólio do poder, ainda faltava determinar quais republicanos o
exerceriam – os professores universitários Afonso Costa e Bernardino Machado, que
preponderavam nas associações do PRP em Lisboa, haviam ficado de fora da revolução
de 1910, por suspeita de cumplicidade com o Governo de António Teixeira de Sousa;
 Entraram depois no Governo provisório, e Afonso Costa até ganhou créditos,
enquanto autor da Lei da Separação de abril de 1911;
 A Constituição aprovada a 18 de agosto de 1911 rompeu claramente com a Carta
Constitucional – não se limitou a substituir o rei pelo presidente, como apagou o papel
político do chefe de Estado, reduzido a uma mera chancela, e concentrou o poder nas
duas secções do parlamento (o Congresso da República), a dos deputados e a dos
senadores, ambas eleitas por sufrágio direto: as câmaras elegiam e podiam destituir o
Presidente da República, e o Governo, nomeado pelo Presidente, dependia
unicamente da sua confiança;
 O presidente não podia vetar leis nem adiar ou dissolver o Congresso – tudo
dependia, portanto, dos deputados e senadores;
 Os mais conservadores convenceram-se de que o anti-catolicismo e o exclusivismo
político tinham criado espaço para derrubar o novo regime – a hora já não era de
«atrair» novos apoiantes, mas de «defender» o regime com os republicanos de
sempre;
 A direita republicana, devido à sua política de «atração», ficou comprometida –
Afonso Costa aproveitou para assumir o lugar da esquerda na república e mostrar um
zelo intransigente na defesa do regime, multiplicando durante meses as declarações
violentas: «Uma lei de defesa da república, para que possa ser eficaz, não pode estar
sujeita à obrigação de mandar os réus para juízo no prazo improrrogável de vinte e
quatro horas, e a ter de se dar a pronúncia num prazo que não pode igualmente ir
além de oito dias.», porque «é preciso que eles sintam que nós iremos até onde for
preciso»;
 A 30 de outubro, Costa vence o congresso do PRP – formou-se um novo governo de
«unidade republicana», para o qual Afonso Costa já indicou alguns ministros;
 Os chefes republicanos distribuíram-se então formalmente por três partidos: à
esquerda, o Partido Republicano Português (também chamado Partido Democrático)
de Afonso Costa, conhecido como o «radical»; e à direita, o Partido Republicano
Evolucionista de António José de Almeida, conhecidos como os conservadores e o
Partido da União Republicano de Brito Camacho – Cada partido teve os seus
programas, «centros» e jornais, mas enquanto partidos «republicanos», apelavam
para a mesma opinião republicana;
 Tinham posições divergentes quanto à Lei da Separação;
 Afonso Costa foi sempre da opinião que a «dispersão» partidária não fazia sentido e
que os republicanos deviam voltar «para onde estavam em 1910», isto é, PRP sob a
sua liderança – o seu domínio dependeu da força dos seus militantes e dos seus
contactos nas forças armadas, especialmente na marinha;
 Desenvolveu-se também através de um esforço para obrigar os outros republicanos
a aceitarem acordos e compromissos, os quais, aliás, eram necessários ao tipo de
governação parlamentar previsto na Constituição;
 Janeiro de 1914, o governo de Afonso Costa foi muito contestado – manifestações
foram bloqueadas, as galerias da câmara pateavam Afonso Costa, e mais importante,
«O Mundo (o diário de Afonso Costa) está guardado pela cavalaria».
 Nunca um governo tinha sido tão contestado em Lisboa;
 Sob pressão, Afonso Costa aceitou ser substituído por um governo «independente»,
chefiado por Bernardino Machado – este propôs uma amnistia aos presos políticos e a
revisão da Lei da Separação de 1911
 Mas a questão principal -o predomínio de Costa – não foi resolvida;
 Bernardino demitiu-se em dezembro de 1914 – quando Costa tentou instalar outro
Governo no PRP, presidido por Vítor Hugo Azevedo Coutinho, os seus rivais animaram
um movimento de oficiais do exército que, a pretexto da transferência de um colega,
foram a Belém em janeiro de 1915 entrega as espadas ao PR. Falou-se da possibilidade
de uma guerra civil;
 A constituição de 1911 reduzira ao mínimo o presidente da República, de modo que
nunca desempenhasse o papel político que o Rei tivera – era eleito no parlamento,
para quatro anos, sem direito reeleição, e não podia dissolver o parlamento – mas
competia nomear o chefe de Governo;
 Manuel de Arriaga aproveitou isso para confiar o governo a um velho general,
Joaquim Pimenta de Castro;
 Como a legislatura tinha terminado a 30 de junho de 1914, Pimenta de Castro
manteve o parlamento encerrado e convocou eleições para junho de 1915 – como o
PRP estava fora do governo, temia desaparecer eleitoralmente;
 Os outros partidos ganharam alento – surgiram até, sobretudo no Norte, centros
monárquicos, porque Pimenta fez saber que, com ele, a «república é para todos os
portugueses» - pensou mesmo em instituir o sufrágio universal;
 Isto inquietou a direita republicana - «só os republicanos verdadeiros podem
conservar e defender a república.»;
 O PRP resolveu então tratar Pimenta de Castro como tratara João Franco em 1907:
chamou-lhe de ditador e tratou uma insurreição usando civis armados e os seus
partidários na marinha e na Guarda Republicana – o golpe de 14 de maio de 1915 foi
muito mais sangrento do que o 5 de outubro – estimam-se que terá havido 200
mortos e 1000 feridos;
 Pimenta de Castro e Machado Santos foram presos, e Arriaga forçado a resignar;
 Assim, o PRP elegeu sem dificuldade 106 dos 166 deputados (64%) e 45 dos 69
senadores (65%);
 Em agosto, a maioria do PRP no parlamento aclamou Bernardino Machado
presidente da República;
 Afonso Costa ficou com as chaves todas do Governo: maioria absoluta no
parlamento, um aliado na presidência, a maioria em 205 das 291 vereações
municipais, e Lisboa vigiada pelos seus militantes armados;
 No ano seguinte, o envolvimento de Portugal na PGM justificaria a censura prévia
da imprensa, que começou a sair cheia de cortes – o Governo já dispunha da lei da
Imprensa de 1912, de apreender jornais que «atentem contra a ordem, contra os bons
costumes e contra a república» - foi então que alguns republicanos se fizeram
«monárquicos», convencidos de que só derrubando o regime se poderia afastar Costa;
 O PRP, como deixou claro em 1915, reservava-se o direito de recorrer à revolução
armada para modificar qualquer situação política em que não predominasse – perante
a impossibilidade de rotação pacífica no Governo, as oposições entregaram-se à
conspiração e ao golpismo;

Continuidade socioeconómica e guerra cultural


 Portugal estava a mudar, mas lentamente: na segunda década do século XX, 57% da
população ativa ocupava-se na agricultura e 80% vivia em vilas, aldeias e casais da
província;
 Dos 5,9 milhões de habitantes, contava com uma população jovem (34,4%, em
1911, tinha menos de 14 anos) e as suas condições de vida continuaram a melhorar (a
mortalidade infantil diminuiu de 209 por mil em 1910 para 173 por mil em 1920 e
143,6 por mil em 1930);
 O número de alunos nos liceus, um bom indicador das aspirações e mobilidade
social, registou apenas um pequeno progresso (de 10 640 para 11 827, entre 1911 e
1917) – a maior parte dos portugueses trabalhava literalmente para comer;
 A esperança de uma mudança de vida continuou no Brasil – só entre 1910 e 1912,
226 205 portugueses abandonaram o país – cerca de 3,7% da população;

A República durante e depois da Guerra (1917 – 1926)


 Em agosto de 1914, as potências europeias envolveram-se na primeira guerra geral
desde 1815 – muitos acreditaram que seria uma guerra rápida, durou quatro anos;
 Matou milhões de soldados, dificultou comunicações e transportes, fez escassear e
encarecer todo o tipo de produtos essenciais – e transformou a Europa;
 A República Portuguesa e as suas colónias de África não escaparam – pela primeira
e única vez desde o princípio do século XIX, soldados portugueses participaram numa
campanha no continente europeu;

A Intervenção
 A neutralidade de Espanha deu a Portugal a opção de manter-se à margem – Mas
os líderes do PRP viram na guerra uma grande oportunidade – fizeram grande caso da
necessidade de defender Angola e Moçambique;
 Porém, a razão principal foi outra: reforçar laços com uma Inglaterra de quem
temiam o alinhamento com a Espanha de Afonso XIII, o qual sonhou sempre interferir
em Portugal;
 A intervenção na Europa, ao lado da Inglaterra, pareceu-lhes o meio de confirmar a
aliança – ou como disse Afonso Costa de «forçar a Inglaterra a dar testemunhos
públicos de consideração para Portugal»;
 Era ainda um bom pretexto para induzir os outros partidos a uma «união sagrada»,
como em França, que consagrasse a supremacia do PRP;
 Mas a Inglaterra não se mostrou entusiasmada e os oficiais do exército português
também não – foi a vez de Manuel Brito Camacho ver também uma oportunidade:
notou logo que «a Inglaterra alguma coisa nos pedira, mas que essa alguma coisa não
era um reforço de tropas» - passou a contrariar a ideia de intervenção, tentando isolar
o PRP;
 Afonso Costa não pôde desistir: confiava no estatuto de beligerante para ter acesso
a recursos e créditos essenciais;
 Finalmente, a Alemanha declarou guerra a Portugal, a 9 de março de 1916, depois
de o Governo, a pedido da Inglaterra, se ter apropriado de uns 70 barcos alemães
refugiados em portos portugueses;
 António José de Almeida aceitou entrar num Governo de «União Sagrada» - o PRP,
que em 1913 governara amparado no parlamento por Camacho, partilhava agora o
Governo com Almeida;
 Muitos evolucionistas e uma parte do PRP, em que se entranhara um ódio
recíproco, também não se conformaram com a aliança – a guerra, que deveria ter
unido os chefes republicanos, serviu para aprofundar as suas desavenças;
 Nas frente religiosa, a calma também não durou: em 1917, já havia seis bispos
expulsos das suas dioceses – as eleições municipais de 4 de novembro de 1917
registaram uma abstenção maciça: no Porto, de 20 000 eleitores, votaram 6000; Em
Coimbra, de 3202, votaram 942;

Guerra
 O general Norton de Matos, treinou e armou em nove meses um Corpo
Expedicionário Português (CEP) que foi enviado para a frente da Flandres – as baixas
foram equivalentes a 25 por cento dos efetivos do CEP;
 Nas colónias, a guerra também não correu da melhor forma perante os alemães das
atuais Namíbia e Tanzânia;

 Uma série de más colheitas desde 1912 e a guerra naval no Atlântico criaram um
sério problema de abastecimentos – em 1917, a tonelagem descarregada nos portos
representou 20 por cento da de 1913; Escassearam combustíveis, matérias-primas
para a indústria, adubos para a agricultura e, sobretudo, alimentos;
 Aumentaram as notas em circulação, os preços subiram – a tentativa de os tabelar
e de controlar a produção e a distribuição, através de arrolamentos e guias de trânsito,
levou muitos agricultores a abandonar o cultivo;
 Foram, provavelmente, os piores anos para se viver em Portugal no século XX;

Demografia
 A pirâmide etária de 1920 revela a redução dos nascimentos e do número de
casamentos entre 1916 e 1920;
 As autoridades revelaram uma enorme dureza em lidar com os protestos;
 No Governo, temia-se sobretudo o estado de espírito da tropa – Afonso Costa, no
Conselho de Ministros, vazava o seu ressentimento contra a «classe dos oficiais», que
dizia «composta numa grande maioria de verdadeiros parasitas, sem o menor espírito
de abnegação»;
 Afonso Costa ia perdendo credibilidade;

A «república sem republicanos» (1917-1919)


 O ano de 1917 foi difícil para todos os beligerantes – na Rússia acabou a monarquia,
nos outros Estados, caíram os governos; Portugal não foi exceção;
 Os camachistas alimentaram uma conspiração armada contra Afonso Costa, de que
se tornou líder o antigo ministro das Finanças e embaixador de Portugal na Alemanha,
Sidónio Pais, major do exército e professor da Universidade de Coimbra;
 A 5 de dezembro de 1917, Sidónio seguiu a receita do 5 de outubro: acampou na
rotunda co tropas e artilharia que tinham sido concentradas em Lisboa para partir para
França, e resistiu ao corpo de marinheiros e à GNR, as únicas forças que o Governo
conseguiu mobilizar – ao fim de três dias de combate, fizeram 100 mortos e 500
feridos, o Governo rendeu-se;
 Costa foi preso no Porto e Bernardino Machado viu-se obrigado a renunciar à
presidência, e o parlamento e as câmaras municipais foram dissolvidas – Massas de
populares destruíram os jornais e as sedes do PRP em Lisboa;

 Visto que Manuel Brito Camacho, sempre incerto, se distanciara do golpe, Sidónio
Pais assumiu a chefia do Novo Governo – começa o Sidonismo;
 Dispôs-se a contactar diretamente com a população – viajou de norte a sul;
 Inicialmente, todos os excluídos pelo PRP se aproximaram, desde os anarquistas dos
sindicatos de Lisboa até aos católicos e monárquicos: os presos foram soltos, e os
saneados, reintegrados;
 Sidónio propôs-se restaurar a «república generosamente proclamada em 5 de
outubro e miseravelmente atraiçoada por uma casta política».
 Tinha com ele os dois principais comandantes da revolução de 1910: Machado
Santos e José Carlos da Maia – mas não tinha os partidos republicanos – nem o PRP
nem os outros, horrorizados com a perspetiva de uma república que Sidónio imaginava
como um «regime novo em que monárquicos e republicanos possam viver», isto é,
onde os republicanos não predominariam;
 Contra a Constituição de 1911, por decretos de 11 e 30 de março de 1918, Sidónio
improvisou uma «República nova», a partir de ideias que ele tinha criticado antes,
como o presidencialismo – o objetivo foi concentrar o poder num chefe que servisse
de garantia simultaneamente ao regime republicano e à sua abertura: Com Sidónio, a
república continuaria a ser república, mas acessível a católicos, monárquicos e
sindicalistas;
 Para se legitimar, estabeleceu o sufrágio universal masculino, dando a 880 000
recenseados o direito de votar na eleição direta do presidente da República, da
Câmara dos Deputados (155) e de parte do Senado (59 dos 77 senadores, sendo os
restantes eleitos por associações e instituições) – os partidos republicanos recusaram-
se a participar; Mas a maioria dos seus chefes, como João Chagas reparou, conservou-
se nos seus «lugares», incluindo os «próprios amigos de Afonso Costa»: «cada um
recolheu ao egoísmo do interesse privado»;
 Sidónio foi eleito a 28 de abril de 1918, com 513 958 votos (58 por cento dos
recenseados) – era simultaneamente chefe de Estado e de Governo, como nos EUA, e
ainda comandante das Forças Armadas;
 Formou um Partido Nacional Republicano para organizar os seus apoiantes, em
maioria no parlamento com 100 deputados e 32 senadores – constituíam uma massa
profissionalmente igual à do PRP;
 Sidónio tolerou ainda um grupo parlamentar monárquico, de cerca de 41
deputados e 9 senadores – conciliou a Igreja, revendo a Lei da Separação, com a
abolição das culturais, reatando relações com o Vaticano e assistindo a cerimónias
religiosas;
 Mas o seu poder dependia do exército, que deixou de enviar para França e que
exibiu em grandes paradas em Lisboa – era o seu trunfo contra as forças políticas
organizadas, todas hostis;
Assim resistiu às revoluções tentadas pelo PRP e, finalmente, a uma revolução
anarquista em novembro;
 Os «Lacraus» - os seus grupos armados e polícia política – e a censura limitavam a
atividade oposicionista – 1000 detidos segundo o Governo, 10 000 segundo a
oposição;
 As condições de vida não tinham melhorado: foi a época das grandes epidemias
de tifoide e de gripe pneumónica, de que morreram 31 785 pessoas em outubro e
18 123 em novembro;
 O sidonismo, no fundo, era ele, e por isso tudo se desfez quando o presidente foi
assassinado a tiro, à entrada da Estação do Rossio em Lisboa, por um militante do PRP;
 À república, voltaram os republicanos, a Constituição de 1911 e o domínio do PRP.

Uma nova era


 Com a Primeira Guerra Mundial, viu-se «a substituição de uma sociedade por
outra.»;
 Começou a era dos automóveis, do cinema e do futebol – consolidaram-se então os
clubes Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal e Futebol Clube do Porto;
 O pós-guerra em Portugal foi simultaneamente próspero e apocalítico:
– A taxa de crescimento anual do PIB estimada para a década de 1920 é a maior entre
1890 e 1950: 3,83% contra 1,29% em 1900-1910, 0,29% em 1910-1920 e 1,84% em
1920-1930;
– Indústrias como a conservas de peixe cresceram com a guerra;
– Surgiram bancos e até empresas de cinema, com realizadores franceses contratados
para filmar filmes clássicos portugueses;
– Os automóveis particulares multiplicaram-se de 3200 em 1916, 6000 em 1921 e
14 439 em 1927;
 Mas houve também grandes dificuldades, em parte devido à rutura dos equilíbrios
financeiros:
– O Estado saiu da guerra arruinado;
– As receitas do Estado diminuíram, desvalorização do Escudo;
– Dívida pública aumentou 50%;
– Ao desequilíbrio orçamental juntou-se a da balança de pagamentos, atingida pela
quebra da reexportação colonial e das remessas de emigrantes;
– A inflação atingiu a mais alta taxa do século XX e foi das mais elevadas da Europa –
abalou a sociedade;
– Portugal era ainda, sobretudo, uma sociedade rural – mas a balança regional alterou-
se – a população cresceu com a descida da emigração, de 6 para 6,8 milhões;
– O Estado devido aos seus constrangimentos financeiros, não tinha muito para
oferecer – as despesas correntes (juros da dívida pública, salários, pensões e subsídios
aos abastecimentos) estiveram sempre acima dos 97 por cento desde 1915 e
chegaram aos 99 em 1922-1923;
– A rede de estradas que cresceu apenas 1000 km degradou-se;
 Os governos de 1919 foram os que mais legislaram durante toda a República –
mas os esquemas de segurança e proteção social ficaram sem investimento do
Estado;
 Os «bairros operários» só seriam concluídos anos depois – Houve a intenção,
faltaram os meios;

O fracasso do centrismo republicano (1919-1926)


 Em 1926, só em Portugal não havia sufrágio universal – os recenseados eram uma
minoria;
 No verão de 1921, Almeida conseguiu pôr os liberais no Governo – dissolvido o
parlamento, fizeram eleições (10 de julho) – o PRP, fora do poder, perdeu a maioria;
 Os «revolucionários profissionais» da GNR e da marinha impediram Almeida de
fundar uma «república conservadora» - 19 de outubro de 1921 revoltou-se em Lisboa,
o governo demitiu-se;
 Os radicais ajustaram contas com os republicanos que, desde 1911 lhes haviam
resistido; Os dois heróis de 1910, Machado Santos e José Carlos da Maia foram
fuzilados;
 A «noite sangrenta» fez todos os políticos distanciarem-se do «outubrismo»;
 Isolados, os revolucionários caíram logo em novembro
 1919 - PRP volta ao poder, mas sem Afonso Costa – odiado no país; A Lei da
Separação não foi restituída à sua forma primitiva – voltou-se apenas a restringir o
direito de voto, o que fez da República Portuguesa o único Estado a resistir à vaga
democratizadora do pós-guerra na Europa; conscientes da crise de 1917 quando foram
derrubados por Sidónio Pais;
 A Constituição de 1911 foi revista pela lei de 22 de setembro de 1919, de modo a
habilitar o presidente da República a dissolver o parlamento, com consulta prévia dos
grupos parlamentares – é sinal de que o PRP está a mudar;
 O ambiente era, porém, pouco propício – os «revolucionários profissionais» haviam
voltado às ruas e os governos não paravam de cair: entre janeiro de 1920 e julho de
1921 houve 11 governos em 17 meses;
 Porém, não aceita o Sufrágio Universal Masculino; Desarmam as milícias;
 Direita Republicana: Evolucionistas e Unionistas;
 1925 – Uma cisão do PRP entre uma esquerda democrática;
 PRP – oposição das direitas republicanas e das esquerdas republicanas – destrói a
capacidade do PRP;
 Inflação exorbitante, crise financeira, agitação social;
 1926 – Começam a olhar para as forças armadas como a única força de restaurar a
ordem política; Renovação do exército durante a guerra;
Ideia de que o Exército pode governar o país;

Da «ditadura dos políticos» à «ditadura militar» (1926-1928)


 Todos os inimigos de António Maria da Silva, à direita e à esquerda, apostaram no
exército, apostaram no exército, agora sem contrapeso devido ao «fatal erro do
desarmamento da GNR»
 No fim de maio de 1926 houve pronunciamentos em várias divisões militares: O
general Gomes da Costa em Braga, a 28; o Almirante Mendes Cabeçadas em Lisboa; O
comandante Filomeno da Câmara no Porto, o general Carmona em Évora; Não havia
verdadeira coordenação, mas Gomes da Costa deu o tom: «Vegada sob a ação de uma
minoria devassa e tirânica, a nação, envergonhada, sente-se morrer. Eu, por mim,
revolto-me abertamente. Portugal, às armas pela Liberdade e pela honra da Nação!» -
contra uma ditadura de políticos irresponsáveis, o general propôs um governo
nacional militar – «que concentre em si todos os poderes»;
 António Maria da Silva demitiu-se a 30 de Maio de 1926 e Bernardino Machado a
31, passando formalmente os poderes a Mendes Cabeçadas – Começou assim a
ditadura militar;
 Dissolução do parlamento e censura prévia à imprensa a 22 de junho de 1926 –
dissoluções e censura sempre tinham sido impostas em emergências – os partidos
continuaram a reunir-se e a publicar os seus jornais;
 Os primeiros meses da Ditadura Militar foram gastos a tentar emergir um chefe:
Mendes Cabeçadas, Gomes da Costa e, finalmente, Carmona;
 Entre muita gente que justificou a «Ditadura Militar», esteve o escritor Fernando
Pessoa: «num país dividido em duas metades incompatíveis, sem um «ideal nacional»
comum, nem uma «vida institucional legítima», só a força armada poderia manter a
«ordem»;

Salazar e a «Revolução Nacional» (1926-1945)


 No verão de 1932, a República Portuguesa teve novamente um chefe de governo
civil: António de Oliveira Salazar – Ministro das Finanças desde 1928;
 Com Salazar ia começar o Estado Novo – nacionalista, autoritário e corporativo;
 Assente numa chefia pessoal do Estado;

Ascensão de Salazar (1926-1932)


 Em 1932, Salazar teve a preocupação de formar um governo «nacional», de «paz»,
com as várias correntes – o maior cuidado era «manter o equilíbrio das forças da
ditadura».

A fórmula política do «Estado Novo»


 O triunfo de Salazar é geralmente associado ao saneamento financeiro e à
coordenação de interesses sociais e económicos perante a crise mundial de 1929-
1931;
 Mas a grande questão que se colocava à Ditadura Militar não era apenas
socioeconómica ou financeira – as finanças foram saneadas rapidamente e a crise não
afetou tanto Portugal como outros países europeus – mas também política;
 A 28 de maio de 1932, o Governo publicou um projeto de Constituição, preparado
por Salazar e pelos seus colaboradores e discutido no Conselho de Ministros e no
Conselho Político Nacional – a designação oficial do Regime continuaria a ser de
«República Portuguesa»
 Conservar-se-iam a bandeira, o hino e os feriados escolhidos pelo governo de 1910;
mantinha-se a separação republicana da Igreja e do Estado, bem como os princípios da
igualdade de todos os cidadãos perante a lei, divisão de poderes e independência dos
magistrados;
 Havia uma novidade: previa-se associar os portugueses em vários organismos locais
e socioprofissionais, a serem representados numa Câmara Corporativa – mas essa
câmara seria apenas consultiva, destinada a dar pareceres sobre projetos-lei;
 Um chefe de Estado, um Governo e um Parlamento – definidos e articulados de
modo a estabelecer uma espécie de monarquia constitucional, em que o lugar do rei
era ocupado por um presidente da República eleito por sufrágio direto e individual
para um mandato de 7 anos;
 O presidente dispunha de um Conselho de Estado como Órgão consultivo, nomeava
e exonerava livremente o chefe do Governo e podia dissolver ou interromper o
parlamento, que só tinha uma câmara (a Assembleia Nacional) – todos os seus atos
tinham de ser referendados pelo chefe de Governo;
 Deste modo, o chefe de governo era o único responsável pela governação, mas só
respondia perante o presidente;
 A Assembleia Nacional, eleita quatro anos por sufrágio direto, era apenas um órgão
de debate político, que discutia e votava as leis e o orçamento propostos pelo
Governo;
 Na prática, tudo isto servia para fazer Salazar depender unicamente de Carmona,
como durante a Ditadura Militar – o chefe do Governo era o «verdadeiro e efetivo
detentor do poder» - mas o Presidente da República permanece a pedra angular do
regime;
 Reservou a atividade política legal a uma associação cívica, chamada União Nacional
(UN), sem caráter de partido e independente do Estado;
 O sufrágio era mais alargado do que sob o domínio do PRP, incluindo até mulheres
em certas condições, mas ainda assim restrito;
 Haveria um círculo único nacional, com 90 lugares, sendo eleitos os nomes da lista
mais votada – os inimigos do regime nunca poderiam aproveitar as suas instituições
para se organizarem, manifestarem e tomarem o poder;

Condições Geográficas e Demográficas


Uma tardia «transição demográfica»
O «excesso populacional»
 Na década de 30, a sociedade portuguesa conhecia um dos períodos de maior
pujança demográfica do presente século – o surto emigratório da década de 1910-
1920 parou, as epidemias mortíferas de 1918-1919 abrandaram e a guerra acabou;
 O crescimento populacional retomara e intensificara o seu ritmo a partir de 1920
(ver gráfico pág. 24, Hist. De Portugal);
 Entre 1920 e 1940, a população portuguesa aumentou cerca de 1,7 milhões de
pessoas, crescendo na década de 30 a uma taxa de 1,32% ao ano – a mais elevada do
século até ao presente e das mais altas da Europa até à II Guerra Mundial;
 Reflexo da progressiva melhoria das condições higiénico-sanitárias e das condições
de vida em geral na quebra da mortalidade, o aumento continuado da taxa de
nupcialidade a partir dos anos 30, associada a uma ligeira diminuição da idade média
do casamento, dilatando o período de vida fértil das mulheres e o estancamento da
emigração durante quase duas décadas, por efeito sucessivo da Grande Depressão de
1929 e da II Guerra Mundial – tudo isto contribui para o surto demográfico deste
período;
 Aumento da natalidade (27,7% na década de 30) e mortalidade em clara regressão
(16,3% no mesmo período)
 Aumento atrasado em relação a outros países europeus;
 População jovem (cerca de 32% dos portugueses têm menos de 14 anos de idade
entre 1920 e 1940) e aumentou a densidade populacional
 No Portugal dos anos 30, relativamente ao início do século, havia cerca de 1,5
milhões de pessoas a mais, maior densidade populacional e famílias mais
numerosas: porque se morria um pouco menos à nascença, a vida durava um pouco
mais, havia mais gente a casar mais cedo e era quase impossível emigrar;

Saber durar (1926-1949)


Da Ditadura Militar ao Estado Novo: a «longa marcha» de Salazar
 28 de maio de 1926 – início da Ditadura Militar;
 Iria abrir uma duríssima e prolongada luta pela hegemonia do Estado, tanto no
interior da ditadura militar como do seu exterior contra ela – que só se saldará, com
alguma clareza, sete ou oito anos depois com a institucionalização do Estado Novo;
 O salazarismo, na sua marcha para o Poder, foi um hábil processo de eliminações,
integrações e compromissos, conduzido por mão segura e com notável sentido de
oportunidade;
 O supremo sucesso de Salazar consistiria em fazer das várias direitas, uma direita –
e, dessa forma, permitir-lhes o controlo durável do Estado;
 Isto é, em conseguir reunir em torno de uma plataforma política, ideológica e
institucional comum, em torno de um «compromisso constitucional», o essencial das
elites e das forças das várias direitas;
O salazarismo
 Toda a arte de Salazar no seu relativamente longo e sinuoso caminho conducente à
tomada do Poder se pode resumir, já o sugerimos, nesta ideia central: a capacidade de
– numa situação de crise económica e financeira e de dispersão e hesitação das forças
conservadoras – saber liderar o processo de estabelecimento de um sistema de
alianças entre elas, em torno de um programa comum, e de definir e aplicar uma tática
suscetível de as colocar e manter no controlo do aparelho do Estado;
 O salazarismo surge-nos, assim, como um compromisso entre as diversas correntes
políticas da direita e os vários setores de interesses das «forças vivas», a partir de uma
base comum de rejeição do liberalismo herdado da I República e da apologia de um
Estado política, económica e socialmente forte e interventor – o único capaz de dar, na
viragem dos anos 20 para os anos 30, uma resposta à crise que fosse consensual para
os grupos dominantes;
 Política e ideologicamente, poderemos considerar no salazarismo, enquanto
frentismo das direitas, chefiado e arbitrado pela autoridade crescentemente aceite e
afirmada do futuro presidente do Conselho, quatro fontes principais:
– Desde logo, como cadinho, como centro agregador, o catolicismo social, a escola
original de pensamento e formação de Salazar e do seu núcleo inicial de fiéis do Centro
Católico;
– O corporativismo, o antiparlamentarismo, anticomunismo, a defesa dos interesses da
Igreja, aliam-se à recusa do «paganismo» do Estado irrestrito e total e, sobretudo, a
uma notável mobilidade tática;
– Aprendendo com o fracasso do Sidonismo – Era indispensável não permitir que as
direitas se dividissem por razões secundárias, como a forma (monárquica ou
republicana) do futuro regime – essa era a primeira condição para que elas se unissem
em torno do conteúdo programático do projeto de superação do liberalismo – e, sem
isso, jamais conseguiriam impor-se como alternativa à I República, isto é tomar o
Poder;
 Chamando a direita católica, a direita republicana, os integralistas e os fascistas à
plataforma comum que a União Nacional, enquanto partido único, consagrará, o
salazarismo reflete, na sua expressão institucional, na sua ação política ou na sua
orientação económica, um complexo, instável e frequentemente contraditório
equilíbrio de interesses;
 A sua manutenção ou recomposição nas diversas conjunturas será a condição
central da estabilidade e da sobrevivência do regime e, por isso mesmo, passará a
constituir a obcecante preocupação que dita todos os gestos da política salazarista;
 O Estado Novo vai representar, essencialmente, esse poder arbitral, e Salazar o seu
primeiro e indiscutido juiz;

Composição da elite política do regime


 Ao núcleo inicial dos companheiros, colegas ou ex-alunos de Salazar na
Universidade de Coimbra e no Centro Católico (o futuro cardeal Gonçalves Cerejeira,
Quirino de Jesus, José Nosolini, Mário de Figueiredo, J. Alberto dos Reis, Pacheco de
Amorim, Lopes da Fonseca, Sousa Gomes, Costa Leite…) vêm juntar-se integralistas de
diferentes gerações (João Amaral, Teotónio Pereira, Marcello Caetano), a legião dos
«políticos» oriundos da direita republicana, quase todos da União Geral Republicana,
mas não só (Bissaia Barreto, Albino dos Reis, …) e os dissidentes do nacional-
sindicalismo;
 Vai oferecer às Forças Armadas uma modernização;

O papel de Óscar Carmona


 Papel verdadeiramente decisivo vai desempenhar o general Óscar Carmona,
presidente da República, nesta relação conflitual entre Salazar e o influente
republicanismo militar e, por essa via, em todo o seu processo de ascensão;
 A discreta e prudente habilidade de Carmona cedo lhe conferem o papel de árbitro
e mediador aceite pelo geral das facções político-militares que se digladiavam dentro
da ditadura;

As duas táticas de Salazar


 De onde partirão, sobretudo depois de 1932, para a institucionalização do Estado
Novo – consideramos esse percurso subdividido em quatro momentos distintos:
– 1926-1928 (o lançamento do «mago das finanças»);
– 1928-1930 (o combate vitorioso contra o republicanismo conservador);
– 1930-1932 (a clarificação política);
– 1932-1934 (a institucionalização do regime).
 Nas colunas do Novidades, o órgão do Patriarcado, desde novembro que Salazar se
destaca como campeão de uma política financeira alternativa ao desnorte esbanjador
de Sinel de Cordes – sobretudo, como opositor à tentativa de realizar um «grande
empréstimo» externo sem prévia realização do equilíbrio orçamental – objetivo que
Salazar recupera da política financeira dos últimos governos da I República e elege
como eixo da resposta à crise nacional;
 Nas suas sucessivas intervenções, até abril de 1928, Salazar reforça o perfil técnico,
«patriótico» e, por isso, suprapartidário e quase suprapolítico do seu programa de
equilíbrio financeiro, mantendo-se numa obscuridade prudente qualquer alusão às
condições e implicações políticas que tal política arrastará consigo;
 O rápido êxito do equilíbrio orçamental dá a Salazar, além de larga credibilidade,
um trunfo adicional e, esse sim, decisivo: o direito de veto sobre os futuros
ministérios, que na prática, como vimos, resulta da sua cumplicidade com Carmona;
 Desde o momento da sua entrada no Governo, Salazar não esconde defender, para
além de uma solução financeira, um programa político próprio e mais vasto para a sua
ditadura, no essencial distinto e divergente do «regressismo» moderadamente
advogado pelo republicanismo conservador – a 9 de junho de 1928, convence o
governador militar de Lisboa a convocar para o quartel-general os oficiais das várias
unidades, e aí lhes faz um discurso sobre os «problemas nacionais e a ordem da sua
solução»: o financeiro, o económico, o social e o político;
 Ficava claro que a solução salazarista do problema financeiro, a imposição do
equilíbrio orçamental, trazia nas entranhas, como pré-condição e como consequência
da sua aplicação, toda uma visão da economia, da sociedade e do Estado que
significaria uma evidente rutura com a velha República liberal – e que o propósito de
Salazar era o de liderar as forças sociais e políticas nisso interessadas, pondo a ditadura
ao serviço desse propósito, e não de qualquer forma de retorno, mais ou menos
depurada, ao liberalismo e à «partidocracia»;
 Para tal era necessário começar por conquistar ao republicanismo militar a direção
do Governo e do Estado;
 Estavam assim definidos os dois campos dentro da ditadura a partir de 1928;
 A partir de 1930, Salazar passará a ser a figura preponderante do Governo e da
ditadura – desde então crismada de «Ditadura Nacional» - a quem logrará impor, não
obstante as resistências e contravapores dos liberais e da extrema-direita, o essencial
do seu programa de transição para um novo regime, o Estado Novo;

A clarificação política (1930-1932)


 Como o advento do governo do general Domingos de Oliveira, em janeiro de 1930,
e o início, como é sabido, da hegemonia real da corrente salazarista na ditadura estão
criadas as condições para o estabelecimento da nova ordem político-constitucional;
 O período que vai de janeiro de 1930 a julho de 1932 (quando Salazar assume
formalmente a chefia do ministério) pode considerar-se como a fase de transição para
a pela institucionalização do Estado Novo – se tomarmos como tal a promulgação da
nova Constituição, em 1933;
 Fase das grandes definições programáticas no plano ideológico e político-
institucional e até no tocante às grandes linhas de estratégia de desenvolvimento
económico;
 De tal tarefa doutrinária se encarregaria Salazar, antes e depois de assumir a
liderança governamental, em quatro intervenções principais;
 “Quem são ou quem podem ser os nossos amigos?” – a «revolução política»
passava pela organização de um sistema de alianças em torno de objetivos claros e do
caminho para os alcançar;
 União Nacional – o partido único, criada em 1930 – abriria «terreno de trabalho
comum suficientemente amplo para nele caberem todos os portugueses de boa
vontade, sem distinção de escola política ou confissão religiosa, contanto que
acatassem as instituições vigentes e se dispusessem a defender os grandes princípios
de reconstrução nacional»;
E Salazar clarifica e hierarquiza as rejeições:
 A preocupação central, nesse início dos anos 30, em que a «questão social» se
deixara de colocar no País em termos ameaçadores, eram os «antigos partidos» e o
seu pessoal político;
 Melhor dizendo, o ideário «demoliberal», que difusamente impregnava certos
setores republicanistas da «situação», insinuando transigências e compromissos –
acontecia, segundo o chefe de Governo, que o «processo da democracia
parlamentarista está feito: a sua crise é universal», e bem andara a ditadura nacional,
que «declarou dissolvidos os partidos»;
 Todo o passado liberal, monárquico ou republicano mostrava que qualquer
«reorganização das forças políticas» ensaiada no seu quadro institucional se fizera
sempre recompondo os partidos existentes, para ficar tudo na mesma;
 «Nós temos uma doutrina, e somos uma força. Como força compete-nos governar
(…), como adeptos dessa doutrina importa-nos ser intransigentes na defesa e na
realização dos princípios que a constituem. Nesta circunstâncias não há acordos nem
transigências» - repudiando linearmente o património parlamentarista e
pluripartidário do passado, dava-se uma oportunidade aos homens «os que
concordarem com o nosso programa fazem um ato patriótico declarando a sua
concordância e trabalhando e trabalhando abertamente ao nosso lado.» - Salazar
concede mesmo que os «não-concordantes» possam exprimir a sua discordância;
 Mas, «no que respeita a uma atuação política efetiva, levá-los-emos pelo melhor
modo possível a que não nos incomodem demasiadamente»;
 Quanto às «organizações operárias», o consenso situacionista era bem maior – o
Partido Socialista – que tem a feição, a forma de atuar dos partidos republicanos» -
«não tem, como eles, o seu lugar» na «projetada organização do Estado», sendo uma
«força condenada à dissolução»;
 «Os outros organismos operários de carácter revolucionário são hoje dominados
pela ideologia bolchevista e organizados ou trabalhados por agentes estrangeiros.
Todos tendem, por meio da luta de classes, para a revolução social: nessa atitude nada
há de mais oposto às tendências da Ditadura e aos princípios do Estado Novo; Nós
consideramos essa ideologia contrária à nação e aos seus interesses e,
consequentemente, aos interesses do próprio operariado»;
 Os reviralhistas lançam em 1931 a sua última ofensiva revolucionária significativa,
com as revoltas na Madeira, Açores e Guiné, as manifestações estudantis e populares
contra a ditadura, em Lisboa e Porto e o movimento insurrecional;
 Salazar consegue inverter isto tudo: o ministro das Finanças recupera apoios entre o
«tenentismo» e a direita militar para o catapultarem à chefia do Governo – sintoma
claro desse «reforço da posição do doutor Salazar» é a criação, a 22 de dezembro, do
Conselho Político Nacional, órgão destinado a preparar o futuro projeto de
Constituição, no qual é claro o predomínio da corrente salazarista, que logra impedir
Carmona de para ele nomear os próceres mais representativos do republicanismo
liberal (como Vicente de Freitas e Ivens Ferraz);
 A 5 de julho de 1932, Salazar é finalmente, empossado como chefe de Governo – o
ministério que forma e a comissão central da União Nacional que nomeia, pouco
depois, em novembro, são o espelho do pragmático frentismo das direitas que inspira,
igualmente, a linha que presidirá à institucionalização do Estado Novo;

Os «Princípios Fundamentais da Revolução Política»


 Naturalmente, toda a recomposição política a que antes se aludiu assentava na
definição de um programa comum que a futura Constituição traduziria no tocante à
organização do poder político e até das forças sociais;
 Tal clarificação surgia como absolutamente prioritária para a corrente salazarista
poder organizar apoios e levar por diante a «revolução política» que se pretendia que
saísse da ditadura – a aprovação do novo texto constitucional haveria de ser a grande
base institucional do novo regime, a sua primeira e decisiva conquista revolucionária;
 Num discurso, em julho de 1930, Salazar exporia os «princípios fundamentais da
revolução política» - podemos situá-las dentro de quatro parâmetros fundamentais:

– Recusa do demoliberalismo – A recusa dos fundamentos liberais, democráticos e


parlamentaristas do Estado, isto é, da «liberdade» e da «soberania popular» enquanto
conceitos legitimadores do regime;
 O regime filiava-se no fenómeno das «reações nacionalistas» e autoritárias que
varriam a Europa e que forneciam «ensinamentos particularmente valiosos em muitos
aspetos da situação portuguesa» - face às «desordens cada vez mais graves do
individualismo, do socialismo e do parlamentarismo», haveria de concluir-se que «não
é possível erguer sobre este conceito – a liberdade – um sistema político que
efetivamente garanta as legítimas liberdades individuais e coletivas», tal como «a
adulação das massas pela criação do “povo soberano” não deu ao povo […] nem
influência na marcha dos negócios públicos, nem aquilo de que o povo mais precisa –
soberano ou não -, que é ser bem governado»;
 Havia, pois, que operar «transformações políticas» na «máquina política» que
funcionara no séc. XIX e nos princípios do séc. XX;
 Imporá certa moderação e equilíbrio;
 Há que salientar que a recusa programática do liberalismo era acompanhada,
também no projeto constitucional, do repúdio do totalitarismo e da explícita
consagração do Estado português como sendo limitado «pela moral e pelo direito»
 Mesmo dizendo não ser teoricamente totalitário, o Estado Novo não esconde
desígnios políticos totalizantes;

– O Nacionalismo corporativismo
 O primeiro grande princípio positivo que cabe referir é o do nacionalismo
corporativo – Nacionalismo por que estão «subordinadas aos supremos objetivos da
nação, com os interesses próprios, todas as pessoas singulares e coletivas que são
elementos constitutivos dos seu organismo» - e a forma de estruturar política e
harmoniosamente tal sujeição dos interesses atomizados ao interesse nacional seria a
construção do «Estado social e corporativo em estreita correspondência com a
constituição natural da sociedade»;
 O Estado Corporativo trazia a nação genuína para o seu seio, integrava a nação no
Estado – isto é, fazia repousar a sua legitimidade não nessa nação abstrata dos
indivíduos e na outra ficção deles resultante, os partidos, mas nos espontâneos
«organismos componentes da nação» - onde harmoniosa e naturalmente se
encontravam e compunham os interesses dos indivíduos, a saber, , «as famílias, as
freguesias, os municípios, as corporações», que haveriam de ter «intervenção direta na
constituição dos corpos supremos do Estado»;
 Doutrina que, desenvolvida com mais largueza no relatório do projeto
constitucional governamental, encontrará, todavia, algumas limitações significativas
no articulado deste, mesmo na sua formulação inicial – sem dúvida que aí se consagra
a existência político-constitucional de tais elementos fundamentais da nação orgânica
– a família, as corporações morais e económicas, os «corpos administrativos» -
conferindo-lhes direitos de representação política, através da possibilidade de
concorrerem para a eleição das câmaras municipais e, através destas, indiretamente,
para a de metade dos deputados da Assembleia Municipal;
 Quer as autarquias quer as «corporações morais e económicas» estariam, por seu
turno, representadas na Câmara Corporativa;
 Todavia, esta câmara de corporações é relegada para mero órgão consultivo, sem
iniciativa própria e subordinado à Assembleia Nacional, onde metade dos deputados
continuavam a ser liberalmente eleitos pelo «cidadão eleitor»;

– O Estado Forte
 O segundo princípio orientador respeita à opção pelo autoritarismo, pelo Estado
Forte, ainda que «limitado pela moral, pelos princípios do direito das gentes, pelas
garantias e liberdades individuais», evitando o caminho daquelas «reações
justificáveis, mas excessivas», orientadas no sentido da sua omnipotência e
divinização»
 Havia, pois, de restituir ao «princípio salutar» da divisão, harmonia e independência
dos poderes - «desvirtuado pelos costumes parlamentares» - «alguma coisa de real e
efetivo», no sentido de devolver ao poder executivo «independência, estabilidade,
prestígio e força», isto é, na prática, o papel hegemónico indiscutível no sistema
político – e assim será – Na organização política do Estado prevista no projeto
constitucional do governo, o poder executivo está formalmente concentrado num
chefe de Estado dotado dos mais amplos poderes:
- Eleito por sufrágio direto dos cidadãos eleitores por períodos de sete anos, responde
direta e exclusivamente perante a nação «pelos atos praticados no exercício das suas
funções» - na prática, o presidente da República era política e juridicamente
«irresponsável»;
- Nomeia e exonera livremente, isto é, sem qualquer interferência da assembleia
legislativa, o chefe de Governo e os ministros, que são da sua exclusiva confiança e só
perante ele respondem;
- Tem poderes discricionários de dissolução da Assembleia Nacional ou até de
interrupção dos seus trabalhos;
- É-lhe reconhecida a possibilidade de suscitar revisões extraordinárias da Constituição
sobre pontos por ele indicados ao Parlamento;
 Na dependência do presidente da República funcionaria um governo, como vimos,
da sua exclusiva responsabilidade e completamente independente da assembleia
legislativa – também a ele eram confiadas pela nova orgânica constitucional
atribuições excecionalmente vastas:
- Para além da ação de superintendência no conjunto da administração pública, era-lhe
conferido o poder de fazer leis – através de decretos-leis – desde que no uso de
autorizações legislativas conferidas pela Assembleia Nacional ou nos casos de
«urgência e necessidade pública»
 Papel particular era atribuído ao presidente do Conselho, único responsável
governamental perante o chefe de Estado, cabendo-lhe, sobretudo, referendar todos
os atos do presidente da República, sob pena de inexistência destes;
– O intervencionismo económico-social
 Também no domínio económico-social o projeto constitucional do Governo e a
doutrina que o inspira se desviam do paradigma abstencionista do Estado Liberal;
 «Não pode aspirar-se a constituir um Estado equilibrado e forte sem a coordenação
e desenvolvimento da economia nacional», que teria de «fazer parte da organização
política»;
 Nesse sentido, deveriam entrar no quadro constitucional garantias gerais
respeitantes às grandes obras e melhoramentos, tais como as comunicações, as
«fontes de energia motriz», as «redes de transporte e abastecimento de energia
elétrica», cujos planos ao Estado incumbe estabelecer e fazer realizar;
 O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar superiormente a vida
económica e social – admitia-se mesmo, nas disposições constitucionais a adotar, a
possibilidade de ele intervir diretamente na gerência das atividades económicas
particulares» - visando o apoio às mais rendíveis – sem prejuízo da proteção devida às
pequenas indústrias domésticas – ou o seu financiamento, quando fosse caso disso;
 Para a prossecução de tais objetivos gerais deveriam «a lei e a administração
pública» promover a «formação e desenvolvimento da economia nacional
corporativa», isto é, «coordenar as corporações, federações económicas de carácter
patronal ou operário, formadas espontaneamente ou por impulso do Poder»
– O imperialismo colonial
 Adiante se tratará com mais pormenor da viragem nacionalizante e centralizadora
operada pela política colonial do Estado Novo;
 A expressão institucional é o Ato Colonial de 1930, publicado durante a interinidade
de Salazar na pasta das Colónias;
 Importante reter a importância central atribuída pelo novo regime à redefinição de
«imperial» da política ultramarina levará a que o Ato Colonial seja considerado, logo
depois da sua publicação, como a primeira pedra do futuro edifício constitucional a
levantar pelo Estado Novo;

A institucionalização do Estado Novo (1932-1934)


 dezembro de 1931 – criado o Conselho Político Nacional, com a missão de dar
parecer sobre os projetos da futura Constituição;
 28 de maio de 1932 – é finalmente divulgado na imprensa o projeto constitucional
do Governo, abrindo-se um debate político que este pretende seja «livre e aberto»;
 Os liberais, pela pena de alguns advogados mais ou menos obscuros na vida política,
concentram as suas críticas em quatro pontos-chave:
– A rejeição da limitação corporativa da nova ordem política e do sufrágio, à qual
opõem a defesa do individualismo e das liberdades individuais, que se sentem
ameaçadas pelas leis especiais futuramente reguladoras do seu exercício, cujas bases
não são sequer conhecidas;
– A oposição à subalternidade constitucional para que é relegada a Assembleia
Nacional relativamente ao Executivo é talvez o ponto de honra dos liberais – falarão
numa «ditadura constitucionalizada»;
– A denúncia do excesso de poderes do Presidente da República e do Governo – a
«ditadura do Executivo» - apesar de se reconhecer a necessidade do seu alargamento;
– A recusa do «partido único» e a consequente defesa das liberdades de reunião e de
associação;
 Lance mais saliente e significativo do campo liberal-conservador surgiria em janeiro
de 1933 – Vicente de Freitas articula a sua contraproposta político-constitucional em
dois pontos principais:
– A criação de um «presidencialismo nacionalista democrático», em que «nem o poder
legislativo possa absorver o executivo (…) nem o executivo possa, liberto de toda a
fiscalização efetiva do legislativo, reduzir este a uma instituição pouco menos do que
decorativa, governando de facto em regime autocrático com fachada parlamentar.»
– Um poder legislativo bicameralista: a câmara política, integralmente eleita por
sufrágio direto, teria a iniciativa legislativa, podendo votar moções de confiança ao
Governo; Se estas fossem também votadas pela segunda câmara (uma «câmara de
representações dos interesses sociais»), o Presidente da República deveria demitir o
Governo; Igualmente era obrigado a promulgar as leis também aprovadas pela
segunda câmara, cabendo-lhe a resolução dos conflitos de votação entre as duas
assembleias, sob parecer de um Conselho de Estado;
 Além de desejar fazer a entrega a Carmona, Vicente de Freitas exigia a integral
publicação do documento na imprensa;
 Salazar consegue convencer o presidente a não receber a exposição;
 Porém, o texto é mesmo publicado, na íntegra, a 12 de fevereiro, acompanhado de
uma nota oficiosa governamental rebatendo os argumentos do general e explorando a
alegada contradição das suas posições quanto à União Nacional – no mesmo dia,
Vicente de Freitas era demitido do seu cargo de presidente da comissão administrativa
da CML, que então ocupava;
 O projeto constitucional a plebiscitar seria publicado pelo Decreto de 22 de
fevereiro de 1933 – o voto era obrigatório, considerando-se como voto tácito
concordante os absentistas que não provassem impedimento legal – a 9 de abril a
assembleia geral de apuramento declarou aprovada a Constituição e a 11 de abril, data
da publicação da respetiva ata, entrou em vigor o texto constitucional de 1933;
 Como sabemos, nem tudo fica resolvido com o plebiscito constitucional e com as
medidas político-legislativas que imediatamente lhe sucedem e o complementam: a
reorganização da censura prévia (a 11 de abril de 1933), a criação da Polícia de
Vigilância e Defesa do Estado, a PVDE (a 29 de agosto), a legislação básica da
organização corporativa (a 23 de setembro) e a criação do Secretariado de
Propaganda Nacional, o SPN (a 25 de setembro);
 1934 – Marca, na prática, o termo do percurso político de uns e de outros e a
afirmação da «coesão, unidade e homogeneidade» do regime sob a égide salazaristas,
consagradas no I Congresso da União Nacional e nas mobilizações que o acompanham;
 Era o começo do Estado Novo, uma época de ordem que só os abalos da II Guerra
Mundial viriam a questionar;

Reviralhismo
 O termo "reviralhismo" refere-se a um movimento de oposição e resistência ao
regime do Estado Novo em Portugal, liderado por António de Oliveira Salazar. Esse
movimento ganhou força nas décadas de 1950 e 1960, principalmente entre os
intelectuais, estudantes e alguns setores da sociedade que buscavam uma mudança
política e social no país;
 Os reviralhistas criticavam a falta de liberdades políticas, a censura, a repressão
policial e a falta de desenvolvimento económico. Eles defendiam ideias mais
progressistas e democráticas, inspiradas pelos ventos de mudança que sopravam na
Europa na época.
 O surgimento do reviralhismo foi marcado por uma resistência cultural e
intelectual, manifestando-se em publicações clandestinas, reuniões secretas e
atividades subversivas. No entanto, o movimento não conseguiu alcançar uma
mudança significativa no regime autoritário de Salazar.
 O contexto político e social em Portugal começou a mudar na década de 1970, com
a Revolução dos Cravos em 1974, que derrubou o regime do Estado Novo e levou à
transição para um sistema democrático. O reviralhismo, embora não tenha sido a força
dominante na queda do regime, desempenhou um papel na criação de uma atmosfera
intelectual e cultural que questionava as bases do autoritarismo em Portugal.

O Estado Novo nos anos 30


 Portugal era uma população periférica dependente, com peso predominante da
agricultura;
 Classes dominantes eram largamente marcadas pela importância económica e
política dos setores agrários/rentistas e do comércio internacional/colonial e com uma
burguesia industrial em emergência, mas ainda débil;
 Os efeitos da Grande Depressão de 1929 tinham afetado gravemente a economia,
os negócios e as finanças públicas – instabilidade política e social, de «escândalos», de
incapacidade geral de fazer face à crise;
 Na luta dentro da ditadura se travou acerca do futuro, vimos que o salazarismo se
impôs e venceu – no essencial, ele revelar-se-ia como um duplo pragmatismo, agindo
no quadro das classes dominantes e das forças politicamente conservadoras;
 Na segunda metade dos anos 30, após o período convulso da clarificação e da
institucionalização, o Estado Novo afirma-se tanto económica com política e
institucionalmente, assumindo o essencial das características que o definirão, em
muitos aspetos, praticamente até ao seu termo:
– No plano económico e social, nacionalismo protecionista, autarcia e
intervencionismo estatal dão as mãos – pela necessidade de resposta face às crises
internacionais;
– No campo político-institucional, o regime emerge, no seu funcionamento político,
como uma «ditadura de chefe de Governo»;
– Mão forte do regime sob as Forças Armadas – atribuição da pasta da Guerra a
Salazar, em 1936 e com as reformas militares de 1937 e 1938 – modernização das
Forças Armadas;
– Subordinação da Igreja católica ao regime – A igreja é chamada a funcionar como o
instrumento legitimador por excelência do regime e como a instituição privilegiada de
enquadramento das massas nos valores fundamentais por ele definidos; Importante
compromisso entre a ditadura e a Igreja;
– Reforçando o regime, é a crispação fascizante do Estado Novo, que, em 1936, cria as
suas milícias próprias – a Mocidade e a Legião Portuguesa – com o folclore militarista
de paradas e saudações romanas;
– Através de uma «educação nacional», reformada e assim crismada pelo ministro
Carneiro Pacheco, em 1936, concebida para moldar os jovens nos valores do
nacionalismo, designadamente através da Mocidade Portuguesa;
– Desenvolvimento e aperfeiçoamento, designadamente sob os ventos da Guerra Civil
Espanhola, do sistema de justiça política, assente nos quase irrestritos poderes da
PVDE, núcleo dura da segurança do regime;
– Sombra protetora da velha aliada Inglaterra;
 Glorificação em 1940 do Estado Novo em Portugal, a «ilha da paz num mundo de
guerra» - auto glorificação do Estado Novo;
 O ponto alto seria a Grande Exposição do Mundo Português, inaugurada frente ao
Mosteiro dos Jerónimos, a 2 de junho de 1940 – o ano áureo da história do Estado
Novo;

A fórmula política do «Estado Novo»


 O triunfo de Salazar é geralmente associado ao saneamento financeiro e à
coordenação de interesses sociais e económicos perante a crise mundial de 1929-
1931;
 As finanças foram saneadas rapidamente, até porque os governos republicanos já
tinham feito muito do trabalho, e a crise não afetou Portugal como outros países
europeus – a grande questão que se colocava à Ditadura Militar não era apenas
socioeconómica ou financeira, mas também política;
 Os «situacionistas» não eram suficientemente coesos para formar um partido capaz
de competir, num regime pluripartidário, com as esquerdas republicanas;
 A insistência dos «reviralhistas» em recuperar o poder pela força, mais uma vez
patente nos goles de 1931 na Madeira e em Lisboa, confirmava os receios de qualquer
«situacionista»;
 28 de maio de 1932, o governo publica um projeto de Constituição, preparado por
Salazar e pelos seus colaboradores e discutido no Conselho de Ministros e no Conselho
Político Nacional;
 Mantinham-se a separação da Igreja e do Estado e a enumeração liberal dos
direitos e liberdades, bem como os princípios da igualdade de todos os cidadãos
perante a lei, divisão de poderes e independência dos magistrados;
 NOVIDADE: Previa-se associar os portugueses em vários organismos locais e
socioprofissionais, a serem representados numa Câmara Corporativa – mas essa
câmara seria apenas consultiva, destinada a dar pareceres sobre projetos-leis;
 Os elementos políticos eram os mesmos de sempre: um chefe de Estado, um
Governo e um parlamento – definidos e articulados de modo a estabelecer uma
espécie de monarquia constitucional, em que o lugar do Rei era ocupado por um
Presidente da República – eleito por sufrágio direto e individual para um mandato de
sete anos;
 Tal como o Rei, o presidente nomeava e exonerava livremente o chefe de Estado e
podia dissolver ou interromper o parlamento, que só tinha uma câmara (a Assembleia
Nacional);
 Basicamente, o chefe de Governo era o único responsável pela governação – pois
todos os atos do Presidente da República tinham de ser referendados pelo chefe de
Estado – mas só respondia perante o presidente;

Assembleia Nacional
 Eleita por cada quatro anos por sufrágio direto, era apenas um órgão de debate
político, que discutia e votava as leis e o orçamento propostos pelo Governo;
 Na prática, tudo isto funcionava para Salazar depender unicamente de Carmona,
como durante a ditadura Militar;
 O chefe de Governo era o «verdadeiro e efetivo detentor do poder» - «mas do
ponto de vista formal, o presidente da República permanece a pedra angular do
regime»;

O condicionamento da vida pública não estava na Constituição, que até reconhecia o


«direito de resistência às ordens que violem as garantias individuais», mas na
legislação reguladora das liberdades, a qual instituiu a censura prévia à imprensa, fez
reuniões e associações dependerem de autorização do Governo, e reservou a atividade
política legal a uma associação cívica chamada de União Nacional (UN)
 «Sem carácter de partido e independente do Estado» - como a
inconstitucionalidade das leis não era julgada por um tribunal especial, mas pela
própria Assembleia Nacional, o governo não corria o risco de ser contestado por
magistrados mais liberais;
 Sufrágio mais alargado do que o domínio do PRP, mas ainda assim restrito;
 O sistema eleitoral definido em 1934 afastou a possibilidade de representação de
minorias – círculo único com 90 lugares, sendo eleitos os nomes da lista mais votada;
 Os inimigos do regime nunca poderiam aproveitar as suas instituições para se
organizarem, manifestarem e tomarem o poder;

 A Constituição fechou a possibilidade de um regresso à ordem anterior a 1926, mas


ressalvou as preferências e expetativas de todos os situacionistas;
 Muitas das notabilidades dos velhos partidos republicanos puderam assim adaptar-
se discretamente à nova situação;

Evoluções do equilíbrio político (1932-1939)


 Assente em equilíbrios instáveis, o regime esteve sempre em evolução, por vezes
em direções divergentes;
 Entre 1932 e 1939, os responsáveis de vários ministérios mudaram várias vezes –
além de Salazar, só um ministro se manteve: Manuel Rodrigues, na Justiça – nestas
remodelações, transpareceram incessantes malabarismos com correntes políticas e
personalidades;
 Na sua posse como chefe de Governo, em 1932, Salazar aparece rodeado de
ministros republicanos (Albino dos Reis, Interior, Manuel Rodrigues, Justiça, e Duarte
Pacheco, Obras Públicas);
 Marcello Caetano escreveu nas suas memórias que, antes de 1936, «admito até que
os propósitos de Salazar fossem liberalizantes» - o que deve ser entendido, não no
sentido de uma abertura à oposição, mas da inclusão dos republicanos moderados, a
quem o amigo o amigo de Salazar, Bissaia Barreto, recomendava que em vez do
«reviralho», optassem pelo «penetralho», isto é, a entrada no Regime;
 E tiveram, de facto, uma presença significativa entre os filiados da União Nacional
com passado político;
 As placas tectónicas dentro do regime continuaram a mover-se, segundo, aliás, o
caleidoscópio da conjuntura internacional;
 Salazar, entretanto, tentava finalmente impor-se ao exército – para alguns, este foi
o «momento mais crítico da vida política de Salazar»;
 Em março de 1936, a embaixada inglesa concluía que «sem o apoio de Carmona a
sua queda imediata seria inevitável» - Salazar aproveitou as incertezas da balança de
poder na Europa e, sobretudo, da evolução política em Espanha, conjugadas com uma
certa hesitação inglesa, o que parecia justificar a reorganização e rearmamento do
exército – foi assim que se pôde autonomear ministro da Guerra, em maio de 1936, e
proceder à reforma do exército;
 A «reforma geral do exército» tomou lugar, com a redução dos efetivos militares e
do número de oficiais e subalternos (menos 22 por cento), que passou a ser mais baixo
desde 1905;
 Em contrapartida, houve aumento de vencimentos e das possibilidade de promoção
– Salazar livrou-se dos velhos oficiais republicanos, mas também dos jovens tenentes
revolucionários;
 Em 1940, todos os 18 generais eram novos – Carmona não o abandonou;
 A 28 de agosto de 1936, um comício de sindicatos nacionais no Campo Pequeno,
provocou finalmente a fundação da milícia que os fascistas mais pediam: a Legião
Portuguesa, que se acrescentou à Mocidade Portuguesa – ambas com camisas verdes
e saudações romanas;
 Enquadrada por militares, reduziu-se a uma força auxiliar do exército, aliás sem
armamento até ao fim de 1938;
 A Mocidade, tutelada pelo Ministério da Educação, chegou a enquadrar cerca de
três quartos dos estudantes dos liceus, escolas técnicas e colégios das cidades do
litoral;
 Apesar da sua dimensão paramilitar, acabou por evoluir no sentido de escutismo;
 Perante acusações de totalitarismo, em 1938, nos seus artigos em O Século, Manuel
Rodrigues continuava a insistir: «O Estado português não é totalitário.»;

«Viver habitualmente»
 Em 1940, pela primeira vez, a maioria (51%) dos portugueses foi recenseada como
sabendo ler e escrever – o que liberais e republicanos nunca tinham conseguido,
segundo os salazaristas lembraram num panfleto intitulado «Como o Estado Novo
combate o analfabetismo» - para Salazar, em 1938, tratava-se de «alargar quanto
possível a nossa base de recrutamento dos valores sociais, hoje demasiado restrita»;

O Estado Corporativo
 A Estrutura Corporativa começou a ser desenhada pelo Estatuto do Trabalho
Nacional (23 de setembro de 1933), cujo nome lembrava a Carta del Lavoro da Itália
Fascista;
 O Estado passou a reconhecer certas associações – sindicados nacionais, casas do
povo e grémios – o monopólio da representação da população ativa e a dar-lhes
acesso a órgãos do Estado com poderes de regulação;
 Os sindicatos, com uma base profissional e distrital, enquadravam os empregados
dos serviços e indústria urbana – os seus dirigentes tinham de ser aprovados pelo
Governo;
 Quanto às casa do povo, englobavam todos os ativos de uma freguesia rural –
funcionavam como associações de socorro e de previdência, financiadas por impostos
sobre patrões e quotizações obrigatórias de trabalhadores – desenvolviam atividades
desportivas e culturais e prestavam assistência médica;
 Finalmente, os Grémios associavam os patrões e eram obrigatórios (ao contrário
dos sindicatos) – o seu objetivo era regulamentar a produção e a distribuição,
estabelecer preços, quotas de produção, créditos e subsídios – Podiam ser nacionais
ou locais;
 Era através destes organismos que os indivíduos e os grupos deviam defender os
seus interesses, em cooperação uns com os outros e sob a supervisão do Estado;
 Os organismos corporativos eram também a base da chamada «previdência social»
e de um novo tipo de representação política;
 Subsídios de invalidez e doença, pensões de velhice e abonos de família (1944)
estavam a cargo destes organismos, financiados para o efeito por contribuições dos
seus membros;
 O plano do corporativismo nunca foi realizado – foram sobretudo as corporações
económicas que se desenvolveram, e mesmo essas só a um nível básico – Pequenas e
sem muitos recursos, as organizações corporativas permaneceram submetidas aos
funcionários de uma série de comissões, juntas, intuitos públicos e tribunais que
trataram de supervisionar as suas atividades;
 A Câmara Corporativa nunca foi mais do que uma assembleia de funcionários e de
notabilidades nomeadas pelo governo;
 Na prática, a organização corporativa serviu para o Estado integrar e controlar o
operariado de Lisboa e do Porto e o proletariado agrícola do Sul e facilitar
concentrações e conversões tecnológicas nalguns setores da economia;
A repressão e a persistência do pluralismo
 Salazar nunca escondeu a «pouca confiança na predisposição natural dos
portugueses para a disciplina social» - o remédio, segundo ele, estava em reduzi-los a
pequenas esferas de ação: « parecendo que o homem estava mais limitado», no
entanto «é maior a possibilidade de expansão da sua personalidade porque no seio do
grupo familiar, da sua associação profissional, da sua igreja, do seu centro beneficiante
ou cultural há largos campos de atividade que o Estado, confinado ao desempenho das
suas funções, deixa inteiramente livres, com a única restrição de que aí não se hostilize
o interesse coletivo»;
 O Estado Novo reconheceu uma pluralidade de corpos sociais – forças armadas,
Igreja, administração pública, municípios, associações, famílias – com esferas de ação
próprias e hierarquias e procedimentos específicos;
 Mas não admitiu a pluralidade partidária – tratava-se de libertar o debate político
do facciosismo dos partidos – de facto, os partidos nunca foram explicitamente
proibidos – ao contrário das «sociedades secretas», isto é, a Maçonaria (1935);
 O governo dispunha de instrumentos legais para reprimir ou tolerar conforme lhe
convinha – embora se tivessem realizado várias eleições, só concorreram os
candidatos apoiados pelo Governo;
 A oposição manifestou-se em atos de contestação – destes casos ocupava-se a
Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) e os tribunais militares especiais, onde
o processo era sumário – o diretor da PVDE, o capitão Agostinho Lourenço,
despachava diretamente com Salazar todas as semanas;
 De 1932 a 1945, efetuaram 13 648 prisões;
 Prisão do Tarrafal – a mais conhecida prisão política;
 Pouco a pouco, os ativistas da oposição foram sendo punidos e registados, o que
facilitou a repressão;
 O pluralismo de opinião, dentro de estreitos e vigiados limites e desde que não
assumisse a forma de crítica direta do poder, continuou a ter expressão pública, ao
contrário do que acontecia, por exemplo, na Rússia Comunista;
 O Regime controlava ou contava com as estações de rádio que, em fins da década
de 1930, asseguravam maior cobertura do território nacional e com programação mais
variada (noticiários, música ao vivo, passagem de discos, palestras, programas (…)) – a
Emissora Nacional, estatal, o Rádio Clube Português, da Parede, privado, mas
subsidiado e dirigido pelo fervoroso nacionalista Jorge Botelho Moniz, e a Rádio
Renascença, da Igreja;
 Quanto à imprensa escrita, uma parte apreciável estava mesmo classificada, do
ponto de vista oficial, como neutral ou desafeta ao regime – a imprensa rapidamente
desenvolveu códigos de comunicação com o público, a fim de fintar a censura;
 O Governo instituiu o Secretariado da Propaganda Nacional (1933) para distribuir
informação e desenvolver «uma arte e uma literatura acentuadamente nacionais»;
 O seu diretor, António Ferro, recorreu a prémios, exposições, encomendas,
subsídios e companhias, para arregimentar escritores e artistas capazes de criar um
estado de espírito e um estilo de regime – no cinema, as produções histórico-literárias
patrocinadas pelo regime;
 Em termos políticos, a literatura e as artes serviram também de veículo para as
oposições de esquerda;
 Celebração do Mundo Português;

O império colonial
 Salazar encontrou as colónias abaladas financeira e economicamente,
especialmente pela queda do preço dos seus produtos, e a soberania portuguesa
vagamente ameaçada, nomeadamente pelo incentivo sul-africano ao separatismo dos
colonos brancos;
 Por isso, o chamado Acto Colonial (1930) e outra legislação puseram termo à
autonomia dos delegados do governo e a concessões a companhias privadas, fazendo
dos territórios unidades político-administrativas submetidas a Lisboa enquanto
«Império Colonial»
 Tudo dependia do Governo, através do Ministério das Colónias – para cultivar o
sentimento «imperial», houve uma exposição colonial no Porto (1934), uma reunião
dos governadores coloniais em Lisboa (1935), e Carmona visitou Angola (1938);
 O Governo foi muito claro: as colónias teriam de desenvolver-se com os seus
próprios recursos e em articulação com a Metrópole, através de um sistema de
controlo das suas relações com o exterior segundo o modelo francês, oposto ao
sistema inglês de liberdade comercial;
 Na prática, isto significava condenar as colónias ao subdesenvolvimento, porque
Portugal não dispunha, para estimular a sua economia, dos necessários mercados,
capitais ou mão de obra qualificada;
 O Acto Colonial reconhecia aos indígenas o direito aos seus usos e costumes, mas
reservava ao Estado Português a prerrogativa de os obrigar a trabalhar, quer como
forma de satisfazer obrigações fiscais, quer como meio de contribuir para projetos de
utilidade pública;
 Tal como a França, admitia-se a «assimilação», isto é a aquisição de cidadania pelos
nativos das colónias – a fim de adquirir os direitos de cidadão, os indígenas precisavam
de falar português e adotar costumes europeus;
 O «império» estava mais próximo graças às ligações via rádio, asseguradas pela
Companhia Portuguesa de Rádio Marconi desde 1927;
 A administração foi passando de militares para funcionários civis, mas sempre sem
representação dos colonos – a importância destes na política nacional era mínima: na
Assembleia Nacional, entre 1935 e 1945, houve apenas quatro deputados nascidos nas
colónias;
 O Governo autorizou indústrias locais que não concorressem com as metropolitanas
e, em 1944, até indústrias têxteis, embora dependentes de autorização caso a caso –
como noutras colónias europeias, restringiu-se ainda mais a «liberdade de trabalho»
dos indígenas;
 «Demais a mais, temos de contar com as ideias que depois da guerra hão de vir da
América do Norte»;

A Segunda Guerra Mundial


 O tratado de Amizade e Não-Agressão com a Espanha, em 1939, mais do que um
«pacto ibérico», foi na prática, um acordo europeu sobre a Península Ibérica,
consentido por Inglaterra, França e Alemanha – foi esse o quadro da neutralidade
portuguesa;
 Em 1940, Salazar parecia ter o país a seus pés – a preocupação era externa;
 Será que Franco se iria aliar à Alemanha na guerra, e sujeitar Portugal a uma
repetição de 1807? Era fundamental não proporcionar pretextos de agressão;
 Em maio de 1941, o presidente norte-americano F. D. Roosevelt explicou que os
Açores eram essenciais à segurança dos EUA;
 Lisboa teve de aceitar a «proteção», tal como em Macau – no entanto, os aliados
não quiseram dar motivos à Alemanha para intervir na Península Ibérica, e só de facto
reivindicaram os Açores depois de diminuída a capacidade ofensiva alemã;

O segundo salazarismo: a guerra fria, a industrialização e as guerra em


África (1945-1974)
 Com a rendição da Alemanha em 1945, os estudantes oposicionistas de Lisboa
interromperam as aulas na universidade e nos liceus e rodearam as embaixadas dos
Aliados, a dar vivas à «democracia» - o regime pareceu-lhes «ferido de morte»;

 Dias depois, a 18, Salazar reconheceu as consequências ideológicas da guerra: «a


guerra foi conduzida pelas potências aliadas sob a bandeira da democracia» - Mas o
regime português resistiu ao ressurgimento da oposição e encontrou lugar no mundo
das democracias ocidentais;

O Estado Novo no pós-guerra

 Durante a chamada «Guerra Fria» com a União Soviética, agravada a partir


de 1947-1948, a prioridade das democracias não foi a extinção de ditaduras
conservadoras;

 Em 1948, o Governo trabalhista inglês concluiu que o regime português não devia
ser visto «como uma variante do fascismo»;

 Para preservar essa reputação, Salazar conservou um cauteloso «afastamento» em


relação à Espanha entre 1945 e 1947;
 Os EUA, a que Salazar autorizou o uso da base aérea das Lajes na ilha Terceira,
também mostraram compreensão. Em Novembro de 1960, o presidente Eisenhower
explicou aos seus colaboradores: «ditaduras deste tipo são por vezes necessárias em
países cujas instituições políticas não são tão avançadas como as nossas»;

 O regime foi tratado como uma emanação do «atraso» português, criando a


convicção de que a alternativa só poderia ser outra ditadura;

 Além das Nações Unidas (1955), Portugal integrou a Organização Europeia de


Cooperação Económica (1948) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949) -
Nos anos seguintes, Salazar fez-se fotografar, muito sorridente, ao lado de visitantes
como a rainha Isabel II de Inglaterra ou o presidente Eisenhower dos EUA – Não se
sentiu ultrapassado no mundo do pós-guerra;

A derrota das oposições (1945-1949)

 A compreensão ou a indiferença internacional não teriam bastado, se o regime não


tivesse conseguido derrotar os seus adversários dentro do país;

 Salazar anunciou eleições legislativas antecipadas – Em Lisboa, um grupo de


advogados requereu autorização para uma reunião política, e obteve-a – Foi assim
que, no dia 8 de Outubro, 300 pessoas fundaram o Movimento de Unidade
Democrática (MUD);

 O descontentamento com a contenção dos salários e a falta de abastecimentos


parecia insuflar a oposição;

 Quais as perspetivas do MUD? O Governo substituiu o círculo eleitoral único por 30


círculos e aumentou o número de deputados de 90 para 120 – reviu ainda a
Constituição, para reforçar os seus poderes em relação à Assembleia Nacional;

 A 14 de Novembro, em entrevista ao Diário de Notícias, Salazar esclareceu:


«considero as próximas eleições tão livres como na livre Inglaterra»;
 Por isso, o sistema eleitoral continuou maioritário e não proporcional, os
governadores civis trataram de intimidar o MUD, a censura abrandou, mas não
desapareceu, e a PVDE apenas mudou o nome para PIDE (Polícia Internacional e de
Defesa do Estado);

 As eleições foram marcadas para 18 de Novembro, com o óbvio intuito de não dar
tempo ao MUD para se organizar;
 Contra o regime, como oposição militante e mais ou menos estruturada, actuavam
sobretudo os sobreviventes da elite republicana de 1910-1926 e o clandestino Partido
Comunista Português (PCP) – A vitória dos Aliados multiplicara a sua audiência;

 Ora, em 1945, nem os comunistas, nem os velhos republicanos se entusiasmaram


com a ideia de eleições – Tanto assim, que levaram os dirigentes do MUD a cessar as
suas sessões de propaganda e a abster-se de ir a votos;

A divisão dos salazaristas (1950-1961)

 A partir de 1951, o Estado Novo viveu um período de «vacas gordas» - Acabou o


problema dos abastecimentos – a indústria cresceu a 8% ao ano;

 O regime pareceu seguro - em 1951, houve mais inscrições na União Nacional


(6974) do que em toda a década de 1940, provocando um crescimento de 11,97% no
número de associados;

 Mas o regime enfrentava grandes desafios. Os seus aliados na Europa Ocidental


discutiam a descolonização e o federalismo;

 Que ia fazer Portugal? E mais importante: em 1959, Salazar teria 70 anos de idade –
quem lhe iria suceder?

 Para Santos Costa, o regime consistia, mesmo se o não parecesse, numa ditadura
militar – era o que Marcelo Caetano não aceitava;

 À frente da UN em 1947, propôs-se suscitar «um verdadeiro levantamento cívico


para conquistar a opinião pública e os votos» - Não se conformava, como disse a
Salazar, com o facto de o Governo ser «a única realidade política activa, apoiado no
aparelho administrativo e nas polícias»;

 Também não ocultou as suas dúvidas em relação ao nível de vida do país – em


Setembro de 1954 visitou Trás-os-Montes e o Minho: «Vi magníficas obras, mas não
posso dizer que me confortou ver o resto: muita pobreza, salários baixíssimos,
desrespeito de horário de trabalho na indústria e nas obras públicas, exploração de
menores; as casas do povo reduzidas a museus de folclore, etc.»;

 Em 1948, o sufrágio universal parecia-lhe «cada vez mais sem sentido e sem
seriedade» - Desejava apenas mobilizar as «massas» através das instituições
corporativas e da melhoria da qualidade de vida;

 O exército parecia dividido - o ambiente foi aproveitado por outro general,


Humberto Delgado, ex-adido militar nos EUA. Convencido, como disse a Caetano, que
Salazar estava «fora de moda»;
 1203, resolveu confrontá-lo, apresentando-se contra o candidato escolhido por
Salazar para substituir Craveiro Lopes na eleição presidencial de Junho de 1958: o
discreto almirante Américo Tomás, ministro da Marinha;

 Delgado tornou-se o polo de todo o descontentamento, dando-lhe uma presença


nas ruas como não tinha tido antes nem voltaria a ter depois – a campanha obrigou
Santos Costa a usar a tropa na rua como uma guarda pretoriana;

 Nas eleições de 8 de Junho, em que votaram 999 872 eleitores (70,7% dos
recenseados), o Governo atribuiu 750 733 votos a Américo Tomás (75,1%) e 234 026 a
Delgado (23,4%);

 Dado o tipo de eleitorado, as irregularidades do escrutínio, a censura e a


intimidação policial, era um grande resultado. Mas Delgado, apesar da sua coragem e
ousadia, pouco mais pôde fazer – não tinha um comando militar e não era bem-visto
pelos outros oficiais;

 As oposições, pelo seu lado, ressentiram-se com a pretensão de chefia de quem


deixara o regime havia poucos meses;

 De fora, porém, veio mais um estímulo à dúvida e à dissidência – em 1961, o novo


presidente norte-americano, John Kennedy, propôs-se combater o comunismo sem
concessões a ditaduras e domínios coloniais;

 A 15 de Março tudo se precipitou – cerca de 400 militantes da organização


independentista UPA, vindos do antigo Congo Belga, iniciaram acções de guerrilha no
Noroeste de Angola, uma zona de fazendas de café, onde viviam 15 000 europeus
entre

1 200 000 nativos;

 Os comandos militares viram-se perante a perspectiva de uma guerra em África,


sem tropas suficientes no terreno (havia apenas 2000 soldados europeus em Angola) e
sem o apoio diplomático e logístico dos EUA, o seu principal fornecedor de material e
formação no quadro da NATO.;

 Botelho Moniz garantiu logo a Salazar que seria uma «missão de suicídio»;

 Só na noite de 12 de Abril o ministro decidiu tomar o poder à força, substituindo


Tomás por Craveiro Lopes e Salazar talvez por Caetano – nesse momento, porém, a
situação em Angola jogou contra ele;

 Moniz receara sempre que uma «dramatização» do conflito angolano «poderia


atenuar os factores favoráveis à alteração política»;

 Em Abril, as notícias eram tremendas. Esperando provocar a fuga dos portugueses,


a UPA chacinou cerca de 1000 brancos, incluindo crianças, esventrados e decapitados
à catanada;
 Não era altura de reformar o regime, mas de socorrer os fazendeiros cercados nas
suas casas;

 Salazar, entretanto, teve tempo de garantir, com outros chefes militares (dos quais
o mais activo foi o subsecretário de Estado da Aeronáutica, o coronel Kaúlza de
Arriaga), que se Moniz resolvesse usar a força, haveria reacção.

 Foi assim que no dia 13 de Abril, às 15h, a Emissora Nacional anunciou a demissão
de Moniz. Destituído de poder legal e convencido de afinal «não existir unanimidade
nos chefes militares», o general desistiu;

 Até os americanos já o tinham abandonado, temendo «recriar o caos que existia em


Portugal antes de Salazar tomar o poder»;

 À noite, na RTP, Salazar justificou a renovação dos comandos militares pela


necessidade de intervir rapidamente em Angola. Segundo Adriano Moreira, o novo
ministro do Ultramar, Salazar «percebeu que a sua autoridade era agora condicional
em relação às Forças Armadas»;

 No entanto, se não tinha força para dominar o exército, este também não tinha
capacidade para o substituir;

Colonização e guerra em Portugal

 Em 1961, por recusar-se a abdicar das suas colónias, Portugal enfrentou uma
sangrenta insurreição no Noroeste de Angola e uma agressão militar da Índia, que em
18 de Dezembro, depois de anos a exigir a entrega do território, invadiu Goa e
aprisionou os 4000 soldados da guarnição;

 Por volta de 1968, 36 por cento do orçamento português era gasto com um exército
de 149 000 homens, ocupado em defender Angola, Moçambique e a Guiné contra
guerrilhas independentistas – foi o maior esforço militar de um país ocidental desde
1945;

 Inicialmente, a descolonização foi em Portugal, tal como a abolição da escravatura


no século XIX, sobretudo uma questão de pressão externa;

 A opção de defender as colónias teve assim alguma vantagem política para o


Governo – segundo Mário Soares, «tornou mais difícil uma mudança de regime»,
porque do lado da velha oposição «muitas boas vontades ficaram paralisadas»;

 Por outro lado, a opção não pareceu inicialmente excêntrica na Europa;


 A retirada europeia de África só começou em 1960, imposta pelos custos do
domínio colonial. Mesmo então, os colonos britânicos e bóeres da África do Sul e da
Rodésia dispuseram-se a prolongar por conta própria a supremacia europeia.

 Neste contexto, aquilo que distinguiu Portugal não foi apenas a recusa de sair, mas
a capacidade de ficar – É esta que convém examinar;

 Com colónias pouco povoadas e ainda subdesenvolvidas, o Governo não se viu


confrontado com o problema de controlar grandes massas populacionais, nalguns
casos já bastante urbanizadas e instruídas, que fez vacilar outros poderes coloniais;

 Segundo Salazar, a única maneira de Portugal participar no desenvolvimento de


África estava na soberania: «uma vez quebrados os laços políticos, ficam quebrados
todos os outros»;

 Mas o Governo português também «descolonizou» à sua maneira – com a


modificação Constitucional de 1951, o «império colonial» passou-se a chamar
«Ultramar» e as «colónias» tornaram-se «províncias»;

 Em 1961, algo mudou. O ministro do Ultramar Adriano Moreira aboliu as culturas


obrigatórias (24 de Agosto de 1961), o estatuto do indígena (6 de Setembro de 1961) e
o trabalho forçado (27 de Abril de 1962);

 Não foram simples «reformas no papel» - em 1965 havia 500 000 africanos com
bilhete de identidade em Angola e 300 000 em Moçambique;

 A representação do Ultramar na Assembleia Nacional aumentou de 13 deputados


(em 120) para 23 (em 130);

 É verdade que tudo continuou nas mãos de Lisboa, através dos governadores, e que
os brancos conservaram o seu ascendente – as o Governo sentiu-se autorizado a
definir Portugal como uma nação intercontinental e multirracial, assente na original
capacidade para a miscigenação;

 O «orgulhosamente sós» do discurso de Salazar de Fevereiro de 1965 dissimulava o


«discretamente acompanhados»;

 Internacionalmente, apesar das rituais condenações na ONU, Portugal e a sua


guerra eram, como notou um diplomata americano, «um assunto de segunda ou
terceira categoria» - perante conflitos da dimensão do Vietname (1965-1975), do
Médio Oriente (1967 e 1973), ou, em África, da guerra civil da Nigéria (1967-1970);

Integração europeia, emigração e industrialização


 Em 18 de Junho de 1958, após as eleições, o engenheiro Daniel Barbosa, ex-
ministro da Economia, explicou a Salazar que «o país está francamente descontente»,
e havia uma razão para isso: o «atraso económico»;

 Não bastava «ter-se melhorado»: era preciso cuidar da «posição relativa» nos
«índices internacionais» - de facto, as primeiras estimativas do PIB per capita
português tinham revelado que era, em 1957, o mais baixo da OECE;

 Em 1948, o Governo pediu 625 milhões de dólares de ajuda americana, no âmbito


do Plano Marshall, para aumentar a produção de bens alimentares, construir
barragens e importar equipamentos industriais – mas foram-lhe atribuídos apenas
31,5 milhões (cerca de 0,8 por cento da ajuda total desse ano), enquanto a Bélgica, por
exemplo, recebeu mais de 300 milhões;

 Assim se preparou um pacote de investimentos a que se deu o aspecto pomposo,


muito na moda, de um Plano de Fomento quinquenal (1953-1958). Já não se tratava
apenas de construir infraestruturas de transporte e comunicação, como no tempo de
Fontes, mas também de expandir a produção de energia e incentivar a iniciativa
privada a constituir «indústrias básicas» (refinação de petróleo, siderurgia, indústrias
químicas);

 O investimento na economia, educação e apoios sociais adquiriu um novo peso na


despesa pública, diminuindo a proporção dedicada à dívida pública, administração e
defesa;

 Multiplicaram-se os monumentos do desenvolvimento: gigantescas barragens,


como a de Castelo de Bode no rio Zêzere (1951), os primeiros troços de uma rede de
metropolitano em Lisboa (1959), a Siderurgia Nacional no Seixal (1961), a maior ponte
suspensa da Europa, sobre o rio Tejo (1966), ou os estaleiros navais da Lisnave em
Almada (1967).

 Em 1959-1960, depois de uma expansão sustentada da rede escolar, foi finalmente


conseguida a escolarização das crianças em idade de frequentar o ensino primário.

 O I Plano de Fomento ainda concebia a industrialização do velho ponto de vista da


substituição de importações. O que os governantes portugueses descobriram foi que o
caminho não era esse, mas o da inserção do país no comércio internacional,
reanimado depois da guerra;

 Em 1948, Portugal integrou a Organização Económica de Cooperação Europeia,


criada no quadro do Plano Marshall - os membros da OECE (hoje OCDE) discutiram
então se a cooperação devia consistir em políticas comuns, ou apenas no comércio
livre;
 A primeira via foi aberta pelos seis países que em 1957 criaram a Comunidade
Económica Europeia (CEE), entre os quais a França e a Alemanha; a segunda foi
seguida pelos sete que em 1960 fundaram a Associação Europeia de Comércio Livre
(EFTA), entre os quais a Inglaterra;

 Portugal foi um dos fundadores da EFTA, mas logo em 1962 pediu o estatuto de
membro associado da CEE, já com o objectivo de futura adesão – não queria perder
nenhum comboio.

 A integração europeia de Portugal não assentou apenas na circulação de


mercadorias. Na década de 1960, a Europa Ocidental foi atravessada por dois grandes
movimentos de população: do norte para o sul, turistas; do sul para o norte,
trabalhadores;

 Ao mesmo tempo, centenas de milhares de portugueses, sobretudo das zonas


rurais do Norte do país, partiram a procurar emprego na indústria e nos serviços da
França e da Alemanha, que sucederam ao Brasil como destino de emigração;

 Devido à emigração, a população residente em Portugal decresceu pela primeira


vez desde o princípio do século XIX: entre 1960 e 1970 passou de 8,8 milhões para 8,6
milhões – em 1973, um em cada cinco trabalhadores portugueses estava empregado
nos países da CEE;

A primavera Marcelista

 Abertura do regime;

 A ala liberal;

 Com a nova Lei Orgânica do Ultramar (22 de Junho de 1972), fez de Angola e
Moçambique «regiões autónomas», com um governador nomeado por Lisboa mas
assistido por juntas consultivas e assembleias legislativas electivas, com competência
para fazer leis e lançar impostos;

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