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"O Diplomata"
De facto, durante todo o reinado de Carlos, o país encontrou-se a braços com crises
políticas e económicas, que se estenderam ao ultramar. Essas crises decorriam do
envelhecimento do sistema conhecido como Rotativismo, pelo qual os dois principais
partidos, o Partido Regenerador e o Partido Progressista, se alternavam no poder. Esta
mecânica era possível não só pela atribuição de poderes pela Constituição, como pelo
sistema eleitoral. De facto, quando um ministério cessava funções, cabia ao rei designar
outro, o que este fazia dissolvendo o parlamento, marcando novas eleições e chamando
para formar novo governo o partido que havia estado na oposição. Este não tinha outra
função enquanto o novo parlamento fosse eleito, que não fosse precisamente o de
organizar essas eleições. Naturalmente, dado o limitado corpo eleitoral (cidadãos
masculinos, alfabetizados com rendimentos acima de certo valor), o partido no governo
não falhava, mediante promessas e combinações com os dignitários locais, em conseguir
a vitória eleitoral. Esta influência notava-se menos nos dois grandes centros urbanos, onde
os partidos minoritários – o Partido Republicano Português e o Partido Socialista
Português – conseguiam ter alguma expressão (sobretudo o primeiro), mas nunca de
molde a ameaçar o resultado. Ao longo de todo o período do Rotativismo, nunca o partido
no poder na altura das eleições falhou em garantir uma maioria no parlamento, o que quer
dizer que o rei era o único garante da rotatividade, de quem se esperava, uma vez o
governo fora de funções, que chamasse os do partido oposto para governar.
O sistema tinha os seus vícios, pois de cada vez que um partido assumia os cargos
políticos no ministério, os membros do partido cessante assumiam as funções
administrativas não governamentais, como por exemplo a presidência do Crédito Predial,
etc. Assim se garantia que os membros de ambos os partidos tinham sempre cargos
estatais, o que não era de molde a incentivar uma séria fiscalização governamental.
Franquismo
Era esta a situação quando, após a queda de mais um governo de Hintze Ribeiro, o rei
decide chamar para formar governo o regenerador liberal João Franco. Este teve o
imediato apoio dos progressistas, com quem fez um governo de coligação (a chamada
concentração-liberal). Estava consumada a vingança dos progressistas. João
Franco afirma querer governar à inglesa (19 de maio de 1906), prometendo o
aprofundamento da democracia. Liquidada a questão dos tabacos, com o novo contrato
dos tabacos de Outubro de 1906, João Franco dedicou-se à implantação das suas
reformas, apresentando ao parlamento as da contabilidade pública, da responsabilidade
ministerial, da liberdade de imprensa e da repressão anarquista.
Face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação
social, o apoio parlamentar dos progressistas é retirado e os ministros progressistas
demitem-se: temiam que João Franco fortalecesse o seu partido à custa do deles e
contavam ser chamados para formar governo assim que Franco caísse. Enganavam-se
pois Carlos tomou uma atitude diferente do que se esperava, apoiando firmemente João
Franco.
Este, afrontado pelos constantes ataques provenientes da Câmara dos
Deputados solicitou ao rei que dissolvesse o parlamento, adiando por algum tempo as
novas eleições, ao que Carlos acedeu, e João Franco passa a governar à turca (2 de
maio de 1907).
Ao proceder deste modo o rei não estava a ir contra a letra da Lei, dado que fazia parte
das suas funções, mas contra o espírito da lei, pelo menos da maneira como era
interpretada pelos políticos tradicionais, que viam assim ameaçado o seu monopólio
político.
A oposição (não só a republicana, mas também os monárquicos opositores de Franco)
lançou então uma forte campanha antigoverno, envolvendo também o próprio rei,
alegando que se estava em ditadura. Tratava-se de facto de uma ditadura administrativa,
visto que se governava sem o concurso do parlamento, no entanto, não se tratava de uma
ditadura institucionalizada, como veio a ser posteriormente a II República, antes uma
medida de exceção, visando criar as condições que permitissem ao partido no governo
ganhar as eleições seguintes.
O apoio dado por Carlos a João Franco, assim como a manutenção da ditadura, não eram
inteiramente apoiados pelos seus mais próximos. A rainha mãe, Maria Pia, a rainha
Amélia, o príncipe real e o seu irmão Afonso, eram contra este papel do rei nos assuntos
públicos. Já o seu secretário particular, o conde de Arnoso, bem como Mouzinho de
Albuquerque, e o Dr. Tomás de Melo Breyner eram defensores de João Franco. Por mais
controverso que tenha sido este caminho, visava um objetivo preciso, que é bem visível na
carta de Carlos ao seu amigo, o príncipe Alberto do Mónaco escrita em Fevereiro de 1907:
“
Considerando que as coisas aqui não iam bem, e vendo os exemplos de
toda a Europa, onde não vão melhor, decidi fazer uma revolução completa
em todos os procedimentos do governo daqui, uma revolução a partir de
cima, fazendo um governo de liberdade e de honestidade, com ideias bem
modernas, para que um dia não me façam uma revolução vinda de baixo,
que seria certamente a ruína do meu país.[6] ”
Na mesma carta, o rei dá conta dos seus medos, que acabariam por concretizar-se depois
da sua morte: "Até ao momento, tenho tido sucesso, e tudo vai bem, até melhor do que eu
julgava possível. Mas para isso, preciso de estar constantemente na passerelle e não
posso abandonar o comando um minuto que seja, porque conheço o meu mundo e se o
espírito de sequência se perdesse por falta de direção, tudo viria imediatamente para trás,
e então seria pior do que ao princípio."[6]
Contra o conselho de Carlos ("não se apaga fogo lançando-lhe lenha."), João Franco
reaviva a questão dos adiantamentos (as dívidas da casa Real ao Estado), que antes
dissera ter que ser resolvida no Parlamento, mas que agora o faz sem ele. Especula-se
(Rui Ramos), que visava prender o apoio do rei, dado que este já havia recusado antes dar
a ditadura a Hintze ou a José Luciano, e não podia ter certeza do contínuo apoio do
monarca, do qual dependia inteiramente a sua posição.
É neste contexto de crescente oposição que se dá o episódio da entrevista ao jornal
francês Le Temps, que veio acirrar ainda mais os ânimos e a contestação direta ao rei.
Nesta entrevista dada por D. Carlos ao jornalista francês Joseph Gaultier, o monarca
reitera o seu apoio a João Franco, dizendo que esperou pela opção da ditadura até achar
alguém com carácter.
O efeito desta entrevista, que supostamente visava tranquilizar as praças financeiras
acerca da estabilidade do país, teve um efeito muito negativo. A tradução do termo
"caráter", dita em francês no original, como possuidor de coragem e firmeza, foi vista no
sentido português, implicando falta de carácter aos outros políticos. Também outros
termos, como "Teremos eleições, teremos seguramente a maioria", implicava uma falta de
distanciamento face a um partido que ia contra o papel do monarca. A entrevista havia tido
lugar por insistência de João Franco, mesmo com a oposição de outros franquistas
(Vasconcelos Porto e Luciano Monteiro), de forma a cimentar a sua posição, mas teve um
efeito contrário na oposição.
Apesar da oposição, o partido regenerador-Liberal de João Franco consegue tecer a véu
de compromissos necessários com os círculos eleitorais de forma a garantir a esperada
maioria, e são marcadas eleições para o parlamento, o que poria fim à ditadura
administrativa. É neste contexto de regresso a uma normalidade e estabilidade
parlamentares, que republicanos e dissidentes progressistas se decidem a agir pela força,
levando a cabo uma tentativa de golpe de estado (28 de janeiro de 1908).
Regicídio
Ver artigo principal: Regicídio de 1908
O Regicídio.
Como era habitual no início de cada ano, Carlos partiu com toda a família para Vila Viçosa,
a morada ancestral dos Bragança e o seu palácio preferido. Aí reuniu pela última vez os
seus amigos íntimos (raramente levava convidados oficiais para a vila alentejana),
promovendo as suas célebres caçadas. É nesta altura que tem lugar a tentativa de golpe
de Estado já citada, que é gorada por pronta ação do governo, baseado na inconfidência
de um conjurado, que tentou aliciar um polícia seu conhecido, com o resultado de que este
foi dar parte do sucedido aos seus superiores.
São imediatamente presos, além do comerciante, António José de Almeida, o dirigente
Carbonário Luz Almeida, o jornalista João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos,
e Álvaro Poppe. Afastados estes, a liderança do movimento recai sobre Afonso Costa, mas
este também é apanhado, junto com outros conspiradores, entre eles Francisco Correia de
Herédia, 1.º Visconde da Ribeira Brava, e o Dr. Egas Moniz, de armas na mão, no
Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal. José Maria de
Alpoim consegue fugir para Espanha, enquanto alguns grupos de civis armados,
desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
João Franco decidiu ir mais longe e preparou um decreto prevendo o exílio para o
estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem
pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública, [7] o que se aplicaria aos revoltosos
republicanos. O rei assinou o decreto ainda em Vila Viçosa, e conta-se que, ao assiná-lo,
declarou: "Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram."
A 1 de fevereiro de 1908, a família real regressou a Lisboa depois de uma temporada
no Palácio Ducal de Vila Viçosa. Viajaram de comboio até ao Barreiro, onde apanharam
um vapor para o Terreiro do Paço. Esperavam-nos o governo e vários dignitários da corte.
Após os cumprimentos, a família real subiu para uma carruagem aberta em direção
ao Palácio das Necessidades. A carruagem com a família real atravessou o Terreiro do
Paço, onde foi atingida por disparos vindos da multidão que se juntara para saudar o rei. O
rei D. Carlos I, que morreu imediatamente, após ter sido alvejado. O príncipe herdeiro D.
Luís Filipe de Bragança foi ferido mortalmente e o infante Manuel ferido num braço. Os
autores do atentado foram Alfredo Costa e Manuel Buíça, e foram considerados à época
os únicos, embora a historiografia recente reconheça que faziam parte de um grupo cuja
ação visando o rei, pelo seu papel de suporte a Franco, já fazia parte integrante do Golpe
de estado gorado. Os assassinos foram mortos no local por membros da guarda real e
reconhecidos posteriormente como membros do movimento republicano.
A morte do rei D. Carlos e do príncipe real indignaram toda a Europa, especialmente a
Inglaterra, onde o rei Eduardo VII lamentou veementemente a impunidade dos chefes do
atentado. Esta impunidade ficou a dever-se à queda de João Franco, responsabilizado
pelo ódio ao rei e, mais justamente, pela falta de proteção policial, e pelo rápido retorno ao
poder dos partidos tradicionais, tal como o monarca havia previsto na carta ao príncipe do
Mónaco. O rei D. Carlos não desconhecia os riscos que corria, mas também não achava
que podia fugir deles, como ficou patente no seu desabafo ao seu ajudante de campo,
tenente-coronel José Lobo de Vasconcelos, alguns meses antes:
Velório de D. Carlos e D. Luís Filipe, na Igreja de São Vicente de Fora, a 8 de Fevereiro de 1908.
«Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se
acham os ânimos, qualquer dia matam-me à esquina de uma rua. Mas, que queres tu que
eu faça? Se me metesse em casa, se não saísse, provocaria um grande descalabro. Seria
a bancarrota. E que ideia fariam de mim os estrangeiros, se vissem o rei impedido de sair?
Seria o descrédito. Eu, fazendo o que faço, mostro que há sossego no País e que têm
respeito pela minha pessoa. Cumpro o meu dever. Os outros que cumpram o seu.»
E de facto morreu no cumprimento do seu dever, e com ele morreu o que talvez fosse a
última tentativa séria de reforma do sistema parlamentar monárquico.