As dificuldades económicas e a instabilidade política e social
A 1.ª República Portuguesa (1910-1926) esteve longe de proporcionar a acalmia de que o país tanto necessitava. O parlamentarismo, derivado dos elevados poderes do Congresso da República sobre governos e presidentes, contribui para uma crónica instabilidade governativa. Em 16 anos de regime, houve 7 eleições gerais para o Congresso, 8 para a Presidência e 45 governos. O Parlamento interferia em todos os aspetos da vida governativa, exigindo constantes explicações aos membros do Governo e, enveredando pela via dos ataques pessoais. O laicismo da República, assente na separação da Igreja e do Estado, originou, por sua vez, um violento anticlericalismo. A proibição das congregações religiosas, as humilhações impostas a sacerdotes e a excessiva regulamentação do culto, entre outras medidas, granjearam à República a hostilidade da Igreja e do país conservador e católico. Neste quadro pouco favorável ao sucesso da 1.ª República, a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial revelou-se fatal. Em março de 1916, Portugal entrou na Guerra, integrando a causa dos aliados. A sua participação no conflito mundial acentuou os desequilíbrios económicos e o descontentamento social. A falta de bens de consumo, os racionamentos e a especulação desesperaram os Portugueses, em especial os estratos mais desfavorecidos. Com a produção industrial em queda, o défice da balança comercial cresceu. A dívida pública, problema estrutural das nossas finanças, disparou. A diminuição das receitas orçamentais e o aumento das despesas conduziram os governos ao expediente então usual noutros Estados: o da multiplicação da massa monetária em circulação que desvalorizou a moeda e originou uma inflação galopante. O processo inflacionista permaneceu para além da guerra. Repercutiu-se no aumento do custo de vida, afetando particularmente os que viviam de rendimentos fixos e poupanças, as classes médias, bem como os operários vítimas do desemprego. Do ponto de vista económico, as classes médias sentiram-se traídas pela República, de quem tinham sido o grande sustentáculo. Nos anos 20, o seu poder de compra achou-se reduzido a metade do que fora em 1910. Descrente com a República ficou, também, o operariado. A agitação social adquiriu, em 1919-20, contornos violentos nas grandes cidades. As greves dinamizadas pelos anarcossindicalistas, que recorriam a atentados bombistas, tornaram-se frequentes.
A Guerra trouxe consigo o agravamento da instabilidade política. Em 1915, ainda o país
não havia entrado nela, já o general Pimenta de Castro dissolvia o Parlamento e instalava a ditadura militar. Pela via da ditadura enveredou também o major Sidónio Pais, em dezembro de 1917. Destitui o Presidente da República, dissolveu o congresso e fez-se eleger presidente por eleições diretas, em abril de 1918. Sidónio, que reagia à demagogia dos políticos profissionais e em particular à hegemonia do Partido Democrático na vida nacional, apoiou-se nas forças mais conservadoras da sociedade portuguesa, nomeadamente nos monárquicos. Dizia-se o fundador de uma “República Nova”. Visto por muitos como um “salvador da Pátria”, Sidónio Pais suscitou devoções fervorosas que não o impediram de tombar assassinado em dezembro de 1918. O fim do sidonismo mergulhou o país num caos. Em janeiro/fevereiro de 1919, houve uma guerra civil em Lisboa e no Norte. Os monárquicos quiseram aproveitar-se da desagregação dos partidos republicanos durante o consulado sidonista e ensaiaram uma efémera “Monarquia do Norte”, proclamada no Porto. O regresso ao funcionamento democrático das instituições fez-se logo em março de 1919. Mas a “República Velha” (período terminal da 1.ª República) não logrou a conciliação desejada. A divisão dos republicanos agravou-se com o aparecimento de novos partidos políticos. Os antigos políticos, agastados e incompreendidos, retiraram-se da cena política. Aos novos líderes faltaram capacidade e carisma para imporem os seus projetos. As maiorias parlamentares, tão necessárias para a estabilização política, jamais se verificaram. De 1919 a 1926 houve 26 governos, cuja duração média foi de 3 a 6 meses, chegando alguns a durar 1 mês e até 6 dias. À instabilidade governativa, somavam-se atos de violência despropositada que mancharam o regime e nos envergonhavam além-fronteiras, onde se falava das “revoluções à portuguesa”.
A falência da 1.ª República
Das fraquezas da República se aproveitou a oposição para se reorganizar. A Igreja, indisposta e revoltada com o anticlericalismo e o ateísmo republicanos, cerrou fileiras em torno do Centro Católico Português, fundado em 1915. Sabia que, a dar-lhe força, dispunha do imenso país agrário, conservador e católico. As aparições de Fátima, em 1917, exacerbar o fervor religioso e tiveram um papel determinante no declínio do anticlericalismo. Os grandes proprietários e capitalistas, ameaçados pelo aumento de impostos e pelo surto grevista e terrorista, exploraram o tema da ameaça bolchevista. Criaram, em 1922, a Confederação Patronal, transformada pouco depois em União dos Interesses Económicos. Também cansadas das arruaças constantes e receosas do bolchevismo, as classes médias deram mostras de apoiar um governo forte que restaurasse a ordem e a tranquilidade e lhes devolvesse o desafogo económico. Sabemos como os ideais antidemocráticos e antiparlamentares colhiam, então, adeptos na Europa. Portugal, sem sólidas raízes democráticas e a braços com uma grande crise socioeconómica, tornou-se, por isso, presa fácil das soluções autoritárias. A 1.ª República Portuguesa caiu, a 28 de maio de 1926, às mãos de um golpe militar, chefiado por Gomes da Costa.