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Breve História da Imprensa em Angola

Por: Celso Malavoloneke

1. Situemo-nos no contexto: A trajectória da nossa Pátria divide-se


fundamentalmente, em meu entender, em quatro etapas históricas que
tiveram, cada uma, um impacto significativo no tocante à Liberdade de
Imprensa: O Período Pré-Colonial, Colonial, Estado Marxista-Leninista e Pós
Queda do Muro de Berlim. Analisemos cada uma delas e a influência que
teve na actividade da Media e, por conseguinte na Liberdade de Imprensa.

2. Aquilo que chamo o período Pré-Colonial foi caracterizado pela ausência


da escrita e predominância exclusiva da oralidade, nas sociedades
tradicionais Bantu que habitavam o espaço territorial que hoje compõem o
País que se chama Angola. Pela falta da escrita, muitos pensólogos da
Comunicação defendem que não existia a Media nestas Sociedades. Eu e
muitos outros sustentamos que existia sim. A Media não se circunscreve
apenas nos meios escritos, como os dias de hoje bem provam. Se
considerarmos a Media como o conjunto de meios através dos quais
circulam as Mensagens entre Emissores e Receptores ou, como também se
diz hoje, o espaço semiótico onde se codificam e descodificam os vários
tipos de linguagem, então veremos que nestas Sociedades existia a
comunicação mediada sim, apesar de rudimentar. Vejam este exemplo:
Aqueles que cresceram nas aldeias, se estiverem a passar e ouvirem
batuques e cantos, saberam imediatamente dizer que naquele lugar passa-se
um evento de engajamento colectivo. E saberá dizer se o evento é triste ou
alegre, trata-se de uma cerimónia de puberdade masculina ou feminina, ou se
morreu alguém. E por esse exemplo veremos que um conjunto de
mensagens é transmitido por aquela comunidade que toca os batuques e
executa os cantos e a pessoa que vai a passar. A comunicação mediada está
precisamente aí.
3. Havia liberdade de imprensa naquelas sociedades? Depende do que hoje
entendemos como tal. A verdade é que naqueles contextos, o controlo social
sobre as pessoas e aquilo que diziam e faziam era bastante estrito. Quem
incorresse em comportamento desviante era primariamente sancionado pela
censura da comunidade e, só nos casos graves pelo julgamento formal
presidido pelo responsável da comunidade, fosse ele século, soba ou rei.
Aquilo que chamamos hoje auto-censura era o mecanismo regulador do
comportamento dos indivíduos perante a sociedade a comunidade.
Respondendo à pergunta, uns dirão que havia liberdade, na medida que cada
indivíduo abdicava voluntariamente de certas prerrogativas em favor do
colectivo; outros dirão que não havia, pois ninguém na prática utilizaria os
meios de comunicação de então para algo que não fosse do acordo na
maioria, sob pena de severas sanções.

4. Passemos agora ao período colonial, que por sua vez eu sub-divido em


três períodos: o anterior à Imprensa tal como a entendemos no sentido
clássico; o do surgimento da Imprensa; e o do Fascismo sob Oliveira Salazar
e Marcello Caetano.

5. No período anterior ao surgimento dos periódicos e jornais, o universo


mediático nas sociedades medievais europeias – o paradigma que se usa
hoje – era também bastante pobre. Circunscrevia-se fundamentalmente em
torno da Igreja Católica e limitava-se a uns poucos livros copiados
laboriosamente à mão por monges copistas. As liberdades, incluindo a de
imprensa era severamente limitada pelo controlo dos nobres que dominavam
aquelas sociedades. O principal acto de liberdade esse período foi a Reforma
Protestante e os seus escritos no Séc. XVI, que aliás originou uma violenta
reacção da Igreja Católica através da Inquisição de muito má memória
histórica.
6. Seguiu-se depois, com a invenção da Imprensa pelo alemão Guttemberg
no Séc. XVI, uma autêntica Revolução Comunicacional. Os livros
democratizaram-se, pois tornaram-se mais baratos e acessíveis, e surgiram
os primeiros jornais e periódicos. Secularizaram-se os meios escritos, até
então monopólio das igrejas e, ao reboque dos ventos de liberdade surgidos
a partir dos finais do Séc. XVII, sobretudo em França e com a Independência
dos EUA, Brasil e demais colónias americanas, nasceu a Liberdade de
Imprensa tal como a vemos hoje.

7. Angola não foi excepção. A sua génese é situada pelos historiadores


especializados em 1845, quando o Governador Geral de Angola, Pedro
Alexandrino da Cunha, importa uma prensa, e a partir de 13 de Setembro de
1845, sob o signo da oficialidade, publica-se o primeiro periódico angolano, o
Boletim Oficial, na capital, Luanda. Júlio de Castro Lopo, um dos grandes
estudiosos da Imprensa pré-Independência em Angola, divide a história da
imprensa angolana em três fases:

a) Fase da imprensa oficial, a partir de 13 de Setembro de 1845, quando


circula a primeira edição do Boletim Oficial;

b) Fase da imprensa independente, a partir de 1852, quando se faz a edição


única do Almanak Statístico da Província d´Angola e suas Dependências,
seguindo-se o jornal literário Aurora, de 1856 e depois o primeiro jornal
político de combate ao colonialismo, A civilização da África Portuguesa, dos
advogados António Urbano Monteiro de Castro e Alfredo Júlio Côrtes
Mântua. Esse jornal abriu a série de periódicos eminentemente políticos que
se seguiriam; a esse tipo de imprensa, alguns estudiosos denominam de
imprensa livre;

c) Fase da imprensa industrial ou profissional, a partir de 16 de Agosto de


1923, quando começa a circular o jornal Província de Angola, fundado por
Adolfo Pina, ainda que o primeiro jornal com tais características tenha sido o
Jornal de Benguela, de 1912, criado por Manuel Mesquita, primeiro a possuir
tipografia própria. É importante, nesta fase, também, a contribuição de
Alfredo Troni, que editou, sucessivamente, três periódicos: Jornal de Luanda
(1878), Mukuarimi (1888) e Conselhos de Leste (1891).

8. Esses jornais e outros jornais chocaram frontal e liminarmente com a ordem


então estabelecida, pois tornaram-se nos grandes veículos dos ideais
independentistas de então. Por isso foram todos, ou quase todos reprimidos
pelo regime colonial de então, ao qual não interessavam os ventos
libertários que então já se adivinhavam.

9. Finalmente nesse período pré-Independência, temos a fase do fascismo


sob Oliveira Salazar e Marcello Caetano, que vigorou desde o início da
década dos 30 a meados da década dos 70 do Século passado.

10. Os primeiros intelectuais nativos cedo compreenderam que tinham que


combater o colonialismo com as suas próprias armas e no seu próprio
terreno. Foi assim que, a partir da década dos 40 do século passado, aqueles
que tinham posses começam a enviar os filhos a estudar na então Metrópole.
Estes jovens em que se destacam Agostinho Neto, Mário de Andrade,
Eduardo Macedo dos Santos, Viriato da Cruz, Lúcio Barreto e Alda Lara
entretantos, imediatamente constituem-se em grupos de estudo e reflexão de
carácter literário-jornalístico cujo principal objectivo era driblar a censura a
que eram sujeitos os intelectuais e publicações das então colónias, e
divulgar os ideiais da Independência. Nesse período, esse jornalismo
clandestino jogou o grande papel catalizador e mobilizador de novos
militantes. Papel esse que seria aprofundado com o surgimento da emissora
“Angola Combatente”, pilar incontornável na luta armada contra o
colonialismo português iniciada em 1961 e que culminou com a Declaração
da Independência em 1975.
11. Seguiu-se então o período Pós-Independência, que também pode ser
dividido em duas etapas: A Fase do Estado de orientação Marxista-Leninista
que vigorou de 1975 a 1989 e a fase actual, de 1989 à actualidade.

12. No período Marxista-Leninista apenas existia a Media pública, por força


da ideologia adoptada então. E todos sabemos das nossas aulas de Teoria
da Comunicação e História da Comunicação Social que a Escola de
Comunicação Marxista prescreve que os Media sejam uma extensão das
políticas do Partido-Estado, o qual devem servir como caixas de
ressonância. Não são admitidas, segundo esta escola, as linhas editoriais
dissonantes do discurso oficial. Por essa razão, todos os meios de
comunicação social foram nacionalizados depois da Independência, sendo a
última a Rádio Ecclésia, nacionalizada em 1977. Neste período apenas
existiram a Rádio Nacional de Angola, herdeira da Emissora Oficial de
Angola, o Jornal de Angola que sucedeu ao “A Província de Angola”, a
Televisão Popular de Angola, substituta da então ainda nascente Radio-
Televisão de Angola e a novíssima ANGOP, agência de notícias e todas elas,
como era então da praxe dependiam do Departamento de Informação e
Propaganda do Comité Central do Partido-Estado, o MPLA.

13. Do outro lado da barricada, existia a “Voz de Resistência do Galo Negro”


(VORGAN) e o jornal Terra Angolana e a agência de notícias Kwacha Unita
Press (KUP) baseados na Jamba, capital das então denominadas Terras
Livres de Angola. Curiosamente, estes órgãos sofriam da mesma falta
absoluta de liberdade de imprensa que as suas congéneres do MPLA, sendo
no seu caso directamente controlados pelo Secretariado Nacional da
Informação da UNITA.

14. A partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim e as negociações de Paz


de Bicesse, surgiu uma era de quase total abertura no espectro mediático
angolano. O primeiro órgão privado de comunicação social foi o Semanário
Correio da Semana, dirigido pelo jornalista João Melo. Seguiram-se uma
catadupa de órgãos de imprensa e radiofónicos, onde se destacam o
Imparcial Fax, cujo Director Ricardo de Mello foi assassinado à porta da sua
casa em circunstâncias até hoje não esclarecidas, os semanários Agora,
Independente, Folha 8, Angolense, de que desmembrou-se mais tarde o
Semanário Angolense, o A Capital, Cruzeiro do Sul, Chela Press – todos eles
hoje desaparecidos, sobrevivendo apenas o Novo Jornal, O Crime e O País
(hoje diário). No espectro radiofónico surgiram em 1991 três emissoras FM
ligadas ao Partido no Poder, ou seja, a Rádio Comercial de Cabinda, a
Luanda Antena Comercial (LAC), a Rádio Morena Comercial em Benguela e a
Rádio 2000 no Lubango. Em 1997 reabriu a Rádio Ecclésia que ainda luta
pela transmissão a todo o território nacional; em 2008 surge a Rádio Mais
que em 2009 abre emissoras no Huambo e Benguela e em 2015 no Lubango;
Nesse ano abre também a Rádio Kairós ligada à Igreja Metodista e em 2016 a
Rádio Tocoísta, da Igreja do mesmo nome. Em 2007 surge a segunda e até
agora única Televisão privada, a TV Zimbo e recentemente surgiram também
duas plataformas televisivas, a TV Palanca e a ZAP, de sinal fechado.

15. Este universo mediático de grande dinamismo acabou sendo regulado


por três esforços legislativos: O primeiro foi logo depois da abertura do País
ao Multi-Partidarismo, e em que o Estado abriu mão do monopólio sobre a
Comunicação Social. Confesso, no entanto que todas as pesquisas que
efectuei no âmbito desta comunicação, mormente com o jornalista e
deputado João Melo e o jurista e Conselheiro do Tribunal Constitucional Raul
Araújo revelaram-se infrutíferas para ter dados mais concretos sobre essa
legislação.

16. Houve depois a Lei 7/06 de 10 de Maio, conhecida como a Lei de


Imprensa. A intenção do legislador foi de regular as conquistas alcançadas
no âmbito da Liberdade de Imprensa desde 1991, incluindo a consagração do
jornalismo comunitário. Mas nos 10 anos subsequentes, a Lei nunca foi
regulamentada, apesar da obrigatoriedade de isso ser feito nos 90 dias
subsequentes à sua publicação e dos esforços do Sindicato dos Jornalistas.
Vozes várias defenderam que isso aconteceu por falta de vontade política do
Governo, no sentido de “travar” algumas liberdades que, postas em prática
pelos jornalistas se revelavam incómodas. A verdade é que, por
desactualização, foi necessário elaborar um outro pacote legislativo para a
Comunicação Social que acabou aprovado em Agosto de 2016.

17. No essencial, a nova Lei de Imprensa, se bem que liberaliza o monopólio


do Estado sobre o espectro televisivo – entretanto já liberalizado de facto
com o licenciamento da TV Zimbo – mantém e agrava a criminalização dos
crimes de Imprensa, um item contra o qual o Sindicato dos Jornalistas se
vem batendo desde a sua criação. Na correlação antagónica entre dois
Direitos constitucionalmente consagrados – o Direito à Informação versus à
privacidade e bom nome, assim como o Direito do Estado em proteger e
classificar informações – a balança pende claramente em desfavor do
jornalista, o qual pode ser condenado à prisão efectiva por crimes de abuso
de imprensa. Os jornalistas queixam-se, por isso que este facto induz à auto-
censura pois sentem-se desprotegidos.

18. Por outro lado, e apesar de a Lei anterior não o permitir, quase todos os
semanários privados ditos independentes foram comprados por sociedades
anónimas que, após algum tempo deixaram-nos ir à falência. Muitas vozes
defendem que isso obedeceu a uma estratégia de silenciamento da Imprensa
crítica, com prejuízos tanto para a oferta de emprego aos profissionais da
Comunicação, como para o desenvolvimento da própria Democracia. Por via
disso, os Partidos Políticos da Oposição queixam-se de favorecimento do
Partido governante por parte dos órgãos públicos, o qual acusam de
controlo excessivo do conteúdo editorial. Mas, diga-se também que a
emissora adstrita à UNITA é ainda mais restrita e asfixiada neste controlo,
dando a entender que, caso este partido seja Governo, fará um controlo
ainda mais rígido sobre os órgãos de comunicação públicos.

19. Postos aqui, fica a pergunta: Existe Liberdade de Imprensa no contexto


angolano? Deixo a pergunta no ar para contribuições dos presentes.

20. Muito Obrigado!

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