Você está na página 1de 8

JACQUES LÊ GOFF

PARA
UM NOVO CONCEITO
DE IDADE MÉDIA
Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente

1980
Editorial Estampa
Lisboa
CULTURA CLERICAL E TRADIÇÕES FOLCLÓRICAS
NA CIVILIZAÇÃO MEROVÍNGIA

«Todos os historiadores do cristianismo medieval conhecem o fenô-


meno da pressão das representações populares sobre a religião dos
eruditos. As suas primeiras manifestações remontavam, verosimilmeate, a
muito tempo atrás. Será admissível pôr o problema da «decadência»
da civilização intelectual antiga sem perguntarmos a nós próprios se essa
«cultura», nascida nas sociedades muito específicas de algumas cidade-
zinhas helénicas, adoptada em seguida e adaptada pela oligarquia romana,
não estaria, antecipadamente, condenada a estranhas deformações, a partir
do momento em que, embora ainda limitada a uma elite, mas a uma
elite doravante espalhada pelo vasto mundo, ela ficou, de boa ou má
vontade, em contacto com as multidões impregnadas de todas as outras
tradições mentais?» (Marc Bloch, Annales d'Histoire sociale, 1939, p. 186).

O desejo de relacionar os grupos ou os meios sociais com os níveis


de cultura no momento da passagem da Antigüidade para a Idade Média.
no Ocidente, não é novo. Sem voltar muito atrás, devemos lembrar o
célebre artigo de Ferdinand Lot «Em que altura se deixou de falar
latim?» C1) — citado também, mais tarde, por Dag Norberg ('). Sin-
to-me incapaz de seguir estes dois autores eruditos no campo filotógico
em que se colocaram. Mas, se é verdade que admiro muito as observações
pertinentes que enchem os seus artigos, se lhes estou reconhecido por
haverem baseado o seu estudo lingüístico na análise mais ampla das
condições sociais, creio que o essencial, para o nosso debate, não está aí.
Sem dúvida que a utensilagem lingüística faz parte, a nível funda-
mental, da utênsilagem mental e intelectual e encontra-se pois incluída
no contexto social, que marca profundamente a segunda. Mas, do ponto de

O Cfr. Bibliografia, n.' 25.


O Cfr. Bibliografia, n.» 33.

207
vista central da comunicação cultural, pelo menos cm relação aos sé-
culos V e VI, Dag Norberg parece-me ter razão contra Ferdinand Lot: «Do locais — de todas as camadas sociais laicas face ao clero que monopoliza
ponto de vista social nfio havia na época duas línguas, mas sim diversas todas as formas evoluídas, e nomeadamente escritas, de cultura. O peso
formas da mesma língua, de acordo com os diferentes meios da socie- da ma^ camponesa c o\ monopólio clerical são as duas formas essenciais
dade.» O que agem sobre as relações entre os meios sociais e os níveis de cultura
na Alta Idade Média. O melhor terreno para estudar estas relações não
A nível lingüístico, pois, o povo e a aristocracia entendem-se — com me parece ser o da língua mas sim — mais amplo e mais profundo—o
esta importante reserva: onde falarem latim. Ora se o clero fala, por todo da utensilagem intelectual e mental.
o lado, o latim, os laicos continuam, muitas vezes, a falar as línguas
«bárbaras» — quer se trate das línguas vulgares de populações que há Pará melhor se compreender o papel dos suportes sociais da cultura
muito entraram na área política e cultural romana ou das línguas na Alta Idade Média, devemos recordar a evolução das infra-estruturas
dos Bárbaros propriamente ditos, imigrantes ou invasores recentemente que, no século IV, leva bruscamente o cristianismo ao primeiro plano
instalados nos limites do Império Romano. No primeiro caso, tratava-se da cena histórica. A. H. M. Jones (') mostroa que a difusão do cristia-
sobretudo de camponeses que haviam conservado as suas línguas tra- nismo no mundo romano do século IV não era um facto meramente
dicionais — copta, siríaco, trácio, celta, berbere —, como lembrou político ou espiritual — conseqüência da conversão de Constantino e do
A. R M. Jones num notável estudo ('). Para nos limitarmos ao Ocidente, zelo missionário dos cristãos, a partir de então mantidos pelos poderes pú-
a persistência das linguagens célticas é atestada por diversas fontes, nomea- blicos. Em princípios do sécuío IV, o cristianismo estava sobretudo difun-
damente por S. Jerónimo (') e por Sulpício Severo (*)• No que respeita dido nas classes urbanas médias e inferiores, enquanto quase não atingia as
aos recém-vindos, a permanência da utilização dos diakctos germânicos massas camponesas e a aristocracia. Ora a contracção econômica e o
encontra-se em toda a sociedade. Há nitidamente uma certa romanizaçâo desenvolvimento da burocracia conduzem à promoção destas tniddle and
dos Bárbaros, embora seja muito limitada (T). lower urban classes, onde o cristianismo era já forte. Essa promoção
leva à expansão cristã. Mas quando o triunfo do cristianismo se torna
Assistimos assim à afirmação de dois fenômenos essenciais: a emer- evidente, as classes que o guiaram estão em franco recuo. O cristia-
gência da massa camponesa como grupo de pressão cultural (') e a indi- nismo escapa ao desmoronar das superstruturas frágeis do Baixo Império,
ferenciaçâo cultural crescente — com algumas excepcdes individuais ou separando-se das classes1 que lhe garantiram o êxito e que a evo-
lução histórica fez desaparecer. A transformação social da aristocracia,
depois das massas camponesas, implanta o cristianismo, mas à custa
O Loc. c//., p. 350. de muitas distorsões, particularmente sensíveis no domínio da cultura.
O «The social bactground of the struggle between paganisra and
christianity» em Momigliano (Cfr. Bibliographie, n.* 47). Entre um clero cada vez mais colonizado por uma aristocracia formada
O Comm. in Ep. Gol. IL pela paidela greco-romana O e um laicado de predomínio rural, que
(') Dialogi, L, 27. o recuo do paganismo oficial torna mais vulnerável às pressões de
O «Os condes, os salones enviados em missão junto dos funcionários uma cultura primiüva renascente, a religião cristã, introduzida por
romanos, conheciam necessariamente algumas frases latinas, aquilo que categorias sociais urbanas moribundas, conseguirá definir-se numa cultura
com certeza sabe qualquer oficial ou ate qualquer soldado, num país
' ocupado» (P. PJché, Bibliographie, n." 37, p. 101). «É verdade que alguns comum, através de um jogo subtil de aculturações internas? (u)
- aristocratas, bárbaros se romanizaram bastante rapidamente. Mas é bem
evidente que só pode tratar-se de uma minoria, tendo a massa dos Bár-
, baros conservado os seus costumes próprios» (ibid., p. 102).
C) Trata-se de um fenômeno diferente daquele que se produziu nos (*) Loc. cit., n.8 6.
inícios da cultura romana. Ali, o fundo rural impregnou para sempre
uma cultura que se urbanizava e dilatava continuamente (cfr. por exemplo (") Cfr. a obra clássica de H. L Marrou, Bibliografia, n.* 30;
W. E. Heitland, Agrícola, Cambridge, 1921; e as notas de J. Marouzeau e para os fundamentos gregos da cultura greco-romana; W. íaeger, faideia,
sobre o latim como língua de camponeses», em Lexique de terminologie The Ideais of Great culture, I-IU, Oxford, 1936-1945.
linguistiqite, 2* ed., 1943). Aqui, o camponês, evacuado e mantido afas- (") Sobre a problemática da aculturação, o relatório de referência é o
tado do universo cultural (cfr. J. Lê Goff, «Lês paysans et lê monde de A. Dupront, «De 1'acculturation», em Comitê internatíoruü dericiences
rural dans Ia littérature du haut Moyen Age (V-VT siècle)», em Agrícol- historiques, XII" Congrès intemational dês sciences historiques (Viena,
lura e mondo rurale in Occidente neWaíto medíoevo. Settímane di studio 1965). Partes da obra: I. Grandes temas (1965), pp. 7-36. Traduzido para
_- dei Centro italiano di studi sulTalto medioevo. XIII. Espoleto. 1965 [19661. italiano com adições em: L'acculturazione. Per un nuovo rapporto tra
pp. 723-741) faz pesar sobre esta cultura uma ameaça que obriga os clérigos ricerca síorica e scienze umane (Turim, 1966). Os problemas de acultu-
a promoverem um movimento inverso, de cima para baixo, lançado do ração interna nascidos da coexistência de níveis e de conjuntos culturais
leste. distintos dentro de uma mesma área étnica constituem um domínio parti-
cular e particularmente importante da aculturação.
208
209
- I — As características fundamentais da história da cultura ocidental, irlandesa de Ynís Pyr na época de Eltud, na primeira metade do
século VI, segundo a Vita Samsonis) (");
desde o século V ao século VIU, podem definir-se assim:
/) Perante esta cultura eclesiástica, a cultura laica manifesta uma
a) A laminagem das class*'5 médias encontra-se no domínio da cultura
regressão muito mais acentuada, iniciada desde o século II, reforçada pela
onde o fosso se alarga entre a massa inculta e uma elite cultivada; desorganização material e mental que se tornou catastrófica com as
b) Mas a clivagem cultural não coincide com a estratificação social, invasões e a fusão dos elementos bárbaros com as sociedades indígeno-
porque a cultura intelectual se torna o monopólio da Igreja. Mesmo -romanas. Esta regressão cultural manifestou-se, sobretudo, com ressur-
que haia~~grandes diferenças de grau de cultura entre os clérigos, a gências de técnicas, de mentalidades, de crenças «tradicionais». O que
natureza da sua cultura é a mesma e a linha essencial de separação é a .cultura eclesiástica encontrou na sua frente foi, mais que uma cultura
a que separa os clérigos dos laicos; paga do mesmo nível e do mesmo tipo de organização, depressa vencida, a
c) A cultura eclesiástica, quaisquer que sejam as respostas individuais despeito das últimas convulsões do princípio do século V, uma cultura
ou colectivas dos clérigos ao problema da atitude a adoptar para com o «primitiva» de cariz mais guerreiro nos Bárbaros (em especial na camada
conteúdo da cultura profana paga, utiliza a utensilagem intelectual superior: cfr. o mobiliário funerário) C1*), de caracter sobretudo camponês
desenvolvida, do século IH ao século V, por autores didácticos que siste- no conjunto das camadas inferiores ruralízadas.
matizam, a nível simplificado e medíocre, a herança metodológica e cien-
tifica da cultura greco-romana ("). Desta utensilagem intelectual, o II — Pondo, pois, de lado o testemunho dos documentos arqueológicos,
essencial é, provavelmente, o quadro das «artes liberais» e Marciano podemos tentar definir as relações entre estes dois níveis de cultura
Capella, o autor mais importante (De nuptiis Philologiae ei Mercurü, através das relações entre cultura clerical e folclore.
primeira metade do século V) ("-). Seria importante possuir um perfeito O facto deste esboço se fundar em documentos pertencentes à
conhecimento global desta primeira camada de «fundadores da Idade cultura eclesiástica escrita (em especial vidas de santos e obras pastorais,
Média», por vezes ainda pagãos, como é o caso de Macróbio ("); tais como os Sermões de Cesário d1 Artes, o De correctione rusíicorum
d) Os chefes eclesiásticos recebem tanto mais facilmente esta for- de Martinho de Braga, os Dialogi de Gregório, o Grande, os textos dos
mação intelectual quanto, sobretudo no século V e no século VI» a grande sínodos e concílios e os penitenciais irlandeses), arrisca-se a falsear, se não
maioria pertence às aristocracias indígeno-romanas. Mas os prelados bár- a objectivídade, pelo menos as perspectivas. Mas não se procura, aqui,
baros, os bispos e os abades de origem bárbara que fizeram carreira, adop- estudar a resistência da cultura folclórica e as diversas formas que ela
tam muito bem este tipo de cultura, porquanto a sua aquisição é, precisa- pode tomar (resistência passiva, contaminação da cultura eclesiástica,
mente, um dos melhores meios de assimilação e de ascensão sociais. O ligação com movimentos políticos, sociais e religiosos, revoltas campo-
tipo hagiográfico do santo bispo comporta, em geral, uma origem «ilustre» nesas, arianismo (*), prisciUanismo (**), pelagianismo (***), etc.)- Conten-
e, quase sempre antes ou depois da «conversão», a formação das artes
liberais (o que aconteceu com Paulino de Milão na Vita A mbrosii, em 422;
com Constando de Lyon na Vita Germani, por volta de 470-480, e (") A Vita Samsonis foi submetida à rígida crítica do seu editor
R. Fawtier (Paris, 1912). Mas, mesmo que as adições e os acrescenta-
com outros); mentos posteriores tenham sido importantes no texto que nos chegou,
e) A despeito da tendência para a regionalização, esta. cultura os historiadores do monaquismo irlandês tendem a considerar a cultura
eclesiástica tem, mais ou menos por todo o lado, a mesma estrutura e .o «liberal» dos abades irlandeses (Santo Iltud ou S. Cadoc pertencem
mesmo nível (cfr. dois exemplos, entre os mais opostos: Isidoro de Sevilha ao mesmo grupo de Samson) como uma realidade e não como uma ficção
carolingia (cfr. P. Riché, op, cit., p. 357); e O. Loyer, Bibliografia, n.* 26,
e a cultura visigótica no princípio do século VII, a cultura monástica PP- 49-51).
(M) Se bem que a arqueologia nos revele uma cultura guerreira
(cfr. E. Salin, Bibliografia, n.' 45), a aristocracia militar da Alta Idade
(") Por exemplo, o essencial dos conhecimentos etnográficos que a Média permanece afastada da cultura escrita à espera do impulso da época
cultura greco-latina legará ao Ocidente medieval virá das Colletanea carolíngia e pré-carolíngia (cfr. n. 25, p. 216), onde mergulha de resto
rerum memorabilium, medíocre compilação de Solinus, no século III na cultura clerical, antes de irromper na época românica com as canções
de gesta (cfr. J. P. Bodmer, Bibliografia, n.9 6).
(edL Mommsen, 2.* ed., Berlim, 1895). (•) Doutrina de Arius, que negava a unidade e a consubstancialidade das
(") Cfr. W. H. Stahl, «To a better understanding of Martianus três pessoas da Santíssima Trindade e, portanto, da divindade de Jesus Cristo. O ária'
Capella», em Specidum, XL, 1965. nísmo foi condenado pelo Concilio de Niceia (325) e pelo de Constantinopla (381).
C*) Foi a Macróbio que os clérigos da Idade Média tardiamente — (N. da T.)
foram buscar, por exemplo, a tipologia dos sonhos — tão importante numa ("*) Prisciliano concebia o ascetismo como autentica forma da vida cristi.
civilização em que o universo onírico tem um lugar tão vasto: cfr. L. Deu* Prisciliano, heresiarca espanhol, falecido em 385. — (N. da T.)
bner, De Incubaíione, Giessen, 1899.

210 211
temo-nos com tentar definir a atitude da cultura eclesiástica perante a
cultura folclórica C1). (sermo rústicas), recurso às formas orais (sermões, cantos) e a certos tipos
Há, sem dúvida, um certo acolhimento deste folclore na cultura de, cerimônias (cultura litúrgíca, procissões: o caso das ladainhas (**) e
derical: das procissões instituídas por Gregório, o Grande ("X satisfação das
a) É favorecido por certas estruturas mentais comuns às duas petições da «clientela» (milagres «a pedido»).
culturas, em especial a confusão entre o terrestre e o sobrenatural, o A cultura eclesiástica deve, muitas vezes, inserir-se nos quadros da
material e o espiritual (por exemplo, atitude perante os milagres, o culto cultura folclórica: localização das igrejas e dos oratórios, funções pagas
das relíquias, uso das filacteras (*), etc.); transmitidas aos santos, etc.
b) Tornou-se obrigatório, pela táctica e pela prática evangelizadoras; Porém, a iniciativa é a recusa desta cultura folclórica jpela cultura
a evangelização reclama um esforço de adaptação cultural do clero: língua eclesiástica:
a) Por destruição
(•**) Heresia criada por Pelágio, que negava a eficácia da Graça e do pecado As inúmeras destruições f de templos e de ídolos tiveram por simetria,
original. — (N. 4a T.) na literatura, a prescrição dos temas propriamente folclóricos, cuja recolha,
(") Por cultura folclórica entendo sobretudo a camada profunda da mesmo na literatura hagiográfica a príorí privilegiada neste aspecto, é
cultura (ou da civilização) tradicional (no sentido de A, Varagnac, Biblio- fraca. A recolha é ainda mais escassa, se eliminarmos os temas folclóricos
grafia, n.1 48) subjacente em toda a sociedade histórica e, parece-me,
aflorando ou prestes a aflorar na desorganização'que reinou entre a Anti- tirados da Bíblia (neste aspecto seria importante distinguir a tradição
güidade e a Idade Média. O que torna a identificação e a análise desta do Antigo Testamento, rica em motivos folclóricos, e a tradição do Novo
camada cultural particularmente delicadas, é ela ser recheada de contribui- Testamento, onde estes temas são raros). Por outro lado, devemos distin-
ções históricas discordantes pela idade e pela natureza. Aqui, só podemos guir cuidadosamente, nos relatos hagiográficos, as diferentes camadas
tentar distinguir o extracto profundo da camada de cultura «superior»
greco-romana que a marcou com o seu cunho. São, se se quiser, os dois cronológicas de elementos folclóricos devidos as sucessivas correcções.
paganismos da época: o das crenças tradicionais de muito longa duração
e o da religião oficial greco-romana, mais evolutiva. Os autores cristãos
da Baixa Antigüidade e da Alta Idade Média distinguem-nos mal e pare-
cem, de resto (uma análise, por exemplo, do De correctione naticorum de (**) Sabe-se que as Ladainhas datam dos séculos V e VI. Foram
Martinho de Braga, Bibliografia, n.° 13 e 27, e do texto ap. C W. Barlow, instituídas, segundo a tradição, por S. Mamert, bispo de Viena (falecido
«Martin de Braga», Opera omnia, 1950), o demonstra, mais preocupados em 474), num contexto de calamidades e rapidamente se estenderam a
em combater o paganismo oficial do que as velhas superstições, que mal toda a Cristandade, conforme testemunha Santo Avit (fal. em 518),
distinguem. Em certa medida, a sua atitude favorece a emergência destas Homília de Rogationibus {f L, LIX, 289-294). Não é certo que tenham
crenças ancestrais mais ou menos purgadas da sua roupagem romana e sido o substituto directo das Àmbarvalia antigas: ver o artigo «Rogations»
não ainda cristianizadas. Mesmo um santo Agostinho, contudo ainda em Dictíonnaíre d'archéologie chréíienne et de liturgie (XTV-2, 1948, coL
atento em distinguir a urbanitas da rusticiias nos aspectos sociais das 2459-2461, H. Leclercq). Pelo contrário, é certo que acolheram elementos
mentalidades, das crenças e dos comportamentos (cfr. por exemplo a sua folclóricos. Mas é difícil saber se estes elementos deram imediatamente,
atitude discriminatória perante as práticas funerárias no De cura pró desde a época que analisamos, o seu colorido à liturgia das Ladainhas, ou
mortuis gerenda, PL-CSEL 41 — Biblioteca augustiniana, 2; e mais geral- se não foram nelas introduzidas ou, pelo menos, desenvolvidas mais tarde.
mente o De catechizandis Rudibus PL, XL, Biblioteca augustiniana, Os nossos testemunhos que, por exemplo, dizem respeito aos dragões das
1,1) nem sempre consegue a distinção. Assim, a célebre passagem do De procissões só datam dos séculos XII e XIII para os textos teóricos (os
dvitate Dei, XV, 23, acerca dos Silvanos et Faunos quos vulgo incubes liturgistas Jean Beleth e Guillaume Durant) e dos séculos XIV e XV para
vocant, acto de nascimento dos demônios íncubos da Idade Média, como as menções individuais concretas. Estudei o problema dos dragões proces-
muito bem analisou Ernest Jones no seu ensaio pioneiro obre a psicanálise sionais desde a época merovíngia num ensaio, «Culture cléricale et
das obsessões colectivas medievais, cm On the Nighlmare (2.* ed., Londres, folklore au Moyen Age: saínt Mareei de Paris et lê dragon», Mélanges
1949), p. 83. Barbagallo u, 51-90 e aqui infra pp. 221-260. Sobre as características
Na prática, considero como elementos folclóricos os temas da lite- folclóricas das Ladainhas, temos as belas páginas de A. van Gennep, com
ratura merovíngia que nos levam a um motivo de Stith Thompson, Motif- o título significativo: «Fêtes liturgiques folfclorisécs», em Manuel ae Foí~
-Index of Folk-literature (6 vol., Copenhaga, 1955-1958). kiore français contemporain (1/4-2, 1949, pp. 1637 e ss.).
Sobre a historicidade do folclore, temos o artigo luminoso de alcance (") A sua origem é urbana, a sua natureza propriamente litúrgica,
geral apesar do título, de G. Cocchiara, «Paganitas. Sopra vivenze Folklo- como o demonstra o alvará de instituição dirigido pelo papa aos Romanos,
riche dei Pagancsimo sícilíano», Atti dei 1.' congresso internazionate di após ser elevado ao pontificado por altura da epidemia de peste negra de
studi sulla Sicilia antica. Studi pubbücati daü'Istituto di storia antica 590 — alvará que Gregório de Tours inseriu na Historia Francorum pois
deirUniversità di Palermo (X-XI, 1964-1965, pp. 401-416). um diácono de Tours, então em Roma, para aí adquirir relíquias, lha
(*) Pergaminho contendo uma passagem da Bíblia e que os Judeus usam havia entregado (HF, X, 1). Mas a sua inserção no calendário litúrgico
como talismã. —(A1, da T.) como liturgias majores ao lado das liturgias minores das ladainhas
expô-las também, sem dúvida, a uma degradação popular.
212
213
Certos autores (por exemplo, P. Saintyves, À Margem da Lenda Dourada, O fosso cultural reside, aqui, sobretudo, na oposição entre o caracter
ou H. Günther, Psicologia da Lenda) não fizeram uma suficiente distinção fundamentalmente ambíguo, equívoco, da cultura folclórica (crença nas
entre tais extractos e tiveram por isso tendência para fazer recuar, até à forcas simultaneamente boas e más e utilização de uma utensilagem
Alta Idade Média, elementos folclóricos introduzidos na época carolíngia e, cultural com dois gumes) e o «racionalismo» da cultura eclesiástica,
sobretudo, na altura da grande vaga folclórica dos séculos XII e XIII herdeira da cultura aristocrática greco-romana ("): é a separação do bem
que vem rebentar na Lenda Dourada de Jacques de Voragine. e do mal, do verdadeiro e do falso, da magia negra e da magia branca,
ti) Por obliteração sendo o maniqueísmo propriamente dito evitado apenas pela omnipotència
A sobreposição dos temas, das práticas, dos monumentos e das perso- de Deus.
nagens cristãs a antecessores pagaos não é uma «sucessão», mas uma Temos pois de considerar duas culturas diversamente eficazes» níveis
abolição. A cultura clerical encobre, oculta, elimina a cultura folclórica. diferentes. A barragem que a cultura clerical opõe à cultura folcló-
c) Por desnaturação rica provém, não somente de uma hostilidade consciente e deliberada,
Ú provavelmente o mais importante processo de luta contra a mas também da incompreensão. O fosso que separa a elite eclesiástica,
cultura folclórica: os temas folclóricos mudam radicalmente de signifi- cuja formação intelectual, origem social, implantação geográfica (qua-
cado nos seus substitutos cristãos (exemplo do dragão na Vita Marcelti dro urbano, isolamento monástico) a tornam permeável à cultura fol-
de Fortunato ("*); exemplo dos fantasmas na Vita Germani de Constando clórica, da massa rural, é, sobretudo um fosso de ignorância (cfr. a incom-
de Lyon, em comparação com o modelo greco-romano de Plínio o Moço preensão admirada de Constando de Lyon perante o milagre dos galos
c o tema folclórico dos mortos sem sepultura) (") e até de natureza (por mudos realizado por S. Germano a pedido de camponeses) (").
exemplo os santos não passam de taumaturgos auxiliares — só Deus faz os
milagres) (*")- atitude, tão freqüente nas colectivídades medievais, de maltratar um santo
(ou uma estátua) culpado de não haver atendido as orações dos seus
fiéis, ressalta bem de uma mentalidade «primitiva» persistente, e não
de qualquer mudança afectiva da piedade. O que fica é que a distinção
C*) O dragão folclórico — símbolo das forças naturais ambivalentes entre o papel de Deus e o papel dos santos — puros intermediários — nos
que podem reverter a nosso favor ou em nosso prejuízo (E. Salin, milagres oferece à psicologia individual e colectiva uma válvula de escape
op. cif.. IV, pp. 207-208) — continua a existir durante toda a Idade que salvaguarda, em certa medida, a devoção para com Deus.
Média, ao lado do dragão cristão identificado com o diabo e reduzido ao (") Trata-se sem dúvida de simplificar o papel intelectual e mental
seu mau significado. Na época (fim do século VI) em que Fortunato do cristianismo, ao insistir nos progressos da racionalização que trouxe a
escreve a Vita Marcelli (cfr. Bruno Krusch, MGH, Scriptores Rerum Me- estes domínios. No meio termo da história das mentalidades colectivas cie
rovingiarum, IV-2, 49-54), o tema do santo vencedor do dragão fica a meio parece mais provir de uma reacção mística, «oriental», perante um certo
caminho destas duas concepções, na linha de interpretação antiga que, «racionalismo» greco-romano a que de resto não poderíamos reduzir a
atribuindo aos heróis a vitória sobre o dragão, hesitava entre a domesti- sensibilidade crítica: muitos aspectos da sensibilidade helenistica serviram
cação e a morte do monstro. Sobre os aspectos folclóricos deste tema, de base ao judeo-cristianismo, e os cristãos da Idade Média percebiam ama
cfr. Stith Thompson, op. cit. Motif A 531: Culture hero (demigod) certa continuidade ao atrair Virgílio e Séneca para o cristianismo. Acontece
overcomes monsten. Tentei apresentar este problema no artigo citado que, no domínio das estruturas mentais e intelectuais, o cristianismo
na nota 8, p. 208. «L'ambiyalence dês animaux revés» foi sublinhada por parece-me ter marcado sobretudo uma nova etapa do pensamento racional,
Jean Gyory, Cahiers de Cívülsation médiévale (1964, p. 200). Para uma conforme P. Duhem o havia defendido no campo da ciência, onde, se-
interpretação psicanalítica deste ambivalência, cfr. E. Jones, On the gundo ele, o cristianismo permitira ao pensamento científico progressos
nightmare, p. 85. decisivos ao dessacralizar a natureza. Neste aspecto, a oposição folclórica
C1) Constando de Lyon. Vie de saint Germaín d'Auxerre, ed. R. Bo- ao cristianismo (mais fundamental, parece-me, que os amálgamas e as
rius (Paris, 1965, pp. 138-143): Plínio o Moco, Lettres, VH, 27. simbioses) representa a resistência do irracional, ou melhor, de um outro
(**) Há que distinguir. A tese de P. Saintyves, que se exprime no sistema mental, uma outra lógica, a lógica do «pensamento selvagem».
título sugestivo do seu livro, marcado com a indicação «modernista»: (**) Constando de Lyon, Vie de saint Germain d'Auxerre, ed. cit.,
Lês Saints successeurs dês dieux (Bibliografia, n.* 43), aparecido em 1907, pp. 142-143. Germano, albergado pelos aldeões, cede às suas súplicas e
é falsa, na medida em que os antepassados afastados e eventuais dos santos restítui a voz aos galos que se haviam tornado mudos, dando-lhes a comer
são não os deuses, mas os semideuses, os heróis, e em que a Igreja quis fa- trigo bento. O biógrafo mostra não compreender a importância e o
zer dos santos, não os sucessores, mas os substitutos dos heróis e situá-los significado deste müagre, que evita mencionar. Ita virtus diuina etiam
num outro sistema de valores. Em contrapartida, a tese de G. Cocchiara, in rebus minimus máxima praeeminebat. Estas rés minimae, de que falam
loc. cit., afirma o triunfo da Igreja nesta matéria, mas não tem em conta muitas vezes os hagiógrafos da Alta Idade Média, são precisamente milagres
o facto de a grande maioria dos cristãos, na Idade Média, e mais tarde, de tipo folclórico — entrados pela «porta do cavalo» na literatura clerical.
terem tido para com os santos o mesmo comportamento que os seus No caso aqui citado há uma combinação de diversos temas folclóricos
antepassados tiveram para com os heróis, com os semideuses e até com englobados neste milagre de feiticeiro de aldeia que põe em marcha a
os deuses. Em especial, contrariamente ao que pensa G. Cocchiara, a ordem mágica da natureza. Cfr. Stith Thompson, Motif-Index op. cit..

214 215
_ Assistimos assim, no Ocidente da Alta Idade Média, mais a um
bloqueamento da cultura inferior pela cultura superior, a uma estrati-
ficaçao relativamente estaaque dos níveis de cultura, do que a uma hierar- SELECÇÃO
BIBUOGRAFÍCA
quização, dotada de órgãos de transmissão, que garantam influências unila-
terais ou bilaterais, entre os níveis culturais. Porém, esta estratificacãb
cultural, se é verdade que culmina na formação de uma cultura aristocrá- 1955.-ALONSO, La cura pastoral en Ia Espana romanovisigoda, Roma
1. J.-F.
tica clerical O, não se confunde por isso com a estratificacão social. A 2. E. Auerbach, Líteratursprache und Publikum in der Lat*mische
partir da época carolíngia, a «reacção folclórica» será a acção de todas as Spatantike und im Mittela/ter, Berna, 1958.
camadas laicas. Irromperá *a cultura ocidental a partir do século XI, 3. H.
theG. Becfc,
Sixth The pastoral
Century, Roma, Core
1950.of Souls in Souíh-East France during
paralelamente aos grandes movimentos heréticos (*).
C. A. BernouIIi, Die Heilingen der merowinger,
_...0~,. uer Tübingen, 1900.
Merowinger, Tübingen
H. u^uinann,
—.. Beumann, Gregor von Tours und der «sermo rusíicuf».
rusticus». ^pieget
Spiegt dei
6. Geschichte.
Geschichte. Festgabe Max JBraubach,
Festgabe Max Braubach, Münster,
Münster 1964,
io>^ —pp. 69-98.
J.-P.
"•* Bodmer, Der *>"<•— - " 'et der
_. J.-P. Bodmer, Der Krieger der Merowingerzeit und seine Welt, 1957.
O

A 2426: Nafwe and meaning of animal cries (nomeadamente A 2426.2.18: 1909.


7. R. Boese, Superstitiones Arelatenses e Caesario collecíae, Marburgo,
origin and meaning of cock's cry); A 2489: Animal períodic habifs (nomea-
damente A 2489.1: Why cock wakes man in morning; A 2489.1.1: Why 8. I. Boniní, «Lo stile nei sermoni di Caesario di Aries», Aevum, 1962.
cock crows to greet sunrise); D 1793: Magtc results from eating or drin- 9. M. Bonnet, Lê 'tatin de Grégoire de Tours, Paris, 1890,
king; D 2146: Magic control of day and night; J. 2272.1: Chanticleer ÍO. Paris, 1965. Constance de Lyon: Vie de saint Germain d'Auxerre,
R. Borius,
believes'that his crowing makes lhe sun rise.
(") Esta cultura aristocrática clerical desenvolveu-se na época caro- • I I . W. Boudriot, Die altgerm&nische Religion in der amtlichen kirchlíchen
língia, numa penhora recíproca da Igreja sobre os valores laicos e da Literatur vom S. bis 11. Jahrhundert, Bona, 1928.
aristocracia laica sobre os valores religiosos. Se, no nosso tempo, nos 12. S. S, Caçsari
Cavallin,Arelatensis»,
Liíerarhistorische und textkritische Studien zur *Vita
séculos V-VI, a aristocracia coloniza socialmente a Igreja, ela só o faz Lund, 1934.
abandonando a sua cultura laica, não como utcnsilagem técnica, mas 13. dade»,
L. Chaves, «Costumes
Bracara Augusta.e tradições vigentes no século VI e na actualí-
Vlll, 1957.
como sistema de valores. Entre outros, é significativo o exemplo de
Cesárío d'Arles (Vita Caesarü, I, 8-9, ed- G. Morin, S. Caesarü opera omnia, 14. dore.
P. CourceUe, Lês Lettres grecques en Occident de Macrobe à Cassio-
Paris, 1943.
t. II, 1937). Cesárío, enfraquecido pelas suas práticas ascéticas em Lérins,
é mandado para Aries para uma família aristocrática que o confia a 15. ld., ffjsíoire litíéraire -dês grandes invasions germaniaues. Paris, 1948.
quidam Pomerius nomine, scientia rhetor, Afer genere, quem ibi singu-
larem et clarum g.-zmmaticae artis doctrina reddebaf... uí saecularis
scientiae disciplinís monasterialis in eo simplicitas poliretur. Pomério, autor
do De yita contemplativa, com grande voga na Idade Média, é, de resto, médiévale, 1964, pp. 27-51). Acho também como D. D. R. Ower, «The
um cristão sem nada de «racionalista». Mas, uma vez adquirida a técnica secular inSpíration of the "Chanson de Roland"» (Speculum, XXXVII,
intelectual, Cesárío desvia-se desta ciência profana, como lhe sugere um 1962), que a mentalidade e a moral do Roland primitivo são inteiramente
sonho em que vê um dragão devorar-lhe o ombro pousado em cima do laicas, «feudais», E penso que esta nova cultura feudal, laica, largamente
livro sobre que adormecera. No outro extremo do período que analisamos influenciou a cultura folclórica subjacente, porque esta era a única cultura
(século VII-VIII), vemos o ideal aristocrático (não nos metemos agora em de reserva,, que os senhores podiam, se não opor, pelo menos impor, ao
discussões sobre a existência de uma nobreza desta época) invadir a lado da cultura clerical. De resto, Marc Bloch havia pressentido a impor-
literatura hagiográfica a ponto de lhe impor um tipo aristocrático de tância desta natureza folclórica profunda das canções de gesta («A intriga
santo; F. Graus, Bibliografia, n.f 22; e F. Prinz, Bibliografia, n.* 36, do Rolandv.vem mais do folclore do que da história: ódio entre enteado e
nomeadamente as pp. 489, 501-507: Die Selbstheüigung dês frankischen padrasto, inveja, traição». La Société féodale, I., p. 148. Cfr. ibid., p. 133.
A deis in der Hagiographie, 8. Heiligenvita-Adel-Eigenkloster, 9. Ein neues Certamente, a cultura clerical chegará depressa e facilmente a um com-
hagiographisches LeitbUd; e os trabalhos citados ibid, pp. 493-494, n." 126 promisso, B uma cristíanização desta cultura senhoria! laica de fundo
e 127, aos quais devemos juntar K. BosI», Der «Adelsheilige», Idealtypus folclórico. Jífltre Geoffrov de Monmouth, por exemplo, e Rofaert de Boron,
und Wirklichkeit, Gesellschaft und Kultur im Merowingerzeite. Bayern temos apenas • o tempo de lobrígar um Merlin selvagem, profeta não
dês 7. und 8 Jh.» em Speculum historiale, Geschichte im Spiegel von cristão, louco estranho à razão católica, homem selvagem fugindo do
Gedichtsschreibung und Gedichtsdeutung (ed. Q. Bauer, 1965, pp. 167-187). mundo cristão, saído de um Myrdclin onde a cultura semiaristocrática
(**) A exemplo de Erich Kõhler, interpreto o renascimento da lite- dos bardos-'celtas havia deixado supor um feiticeiro de aldeia. Mas, ao
ratura profana- dos séculos XI e XII como o produto do desejo da contrário da época merovíngia, o período românico-eótíco não conseguiu
pequena e média aristocracia dos mllites de criar para si uma cultura afastar completamente esta cultura folclórica, Teve de contemporizar com
relativamente independente da cultura clerícal, a que se tinham bem ela e permitir-lhe que se implantasse antes do novo impulso dos séculos XV
acomodado os proceres laicos carolíngios (cfr. E. E. Kõhler, Trobadorlyrík e XVI. O ema, eminentemente folclórico e portador de aspirações vindas
und hôfischer Roman, Berlim, 1962. ld,, «Observatíons historiques et do mais seâreto colectivo; da região de Cocagne, apareceu na literatura do
sociologíques sur Ia poesie dês troubadours», Cahiers de civilisation século XílTãhtes de surgir definitivamente no século XVI (cfr, Cocchiara,
//
bem paese df-Cuccagna,
a primeira 1954).
etapa do A este respeito, os séculos XII e XIU são
Renascimento.
216

217

*• •
16. F.-R. Curtius, La Liltérature européenne et lê Moyen Age latin, trad. 45. E. Saíía La Civilisation mérovingienne d'après lês sepulturas lês
franc.. Paris, 1956. textes et lê laboratoire, Paris, 4 vol., 1949-1959
17. H. Delehaye, Lês Legendes hagiographiques, Bruxelas, 1905. 46. Setíimane di studio del^ Centro Italiano di Studi suü-alto Medioevo
18. /</., «Sanctus». Essai sur lê culte dês sainís dans lAntiquité, Bru-
xelas, 1954. ai
19. A. Dufourcq, La Christianisation dês foules. Elude sur Ia fin du the ivth
paganisme populaire et sur lês origines du culte dês sainís, 4.* ed.,
Paris, 1907. io
.
A" w ara na c> c w/ íaí/on
f r 8 / í
*• «-
traditionneüe et genres de vie, Paris, 1948
20. Éiudes mérovingiennes, Actes dês journées de Poitiers, 1-3 de Maio de V' SSftvS discipline pénitenttetle en Gaule dês origines à Ia fin
1952, Paris, 1953. au X.A siècle, Pans, 1952. " '
21. J. Fontaine, Isidore de Séville et Ia culture classique dans 1'Espagne 5
V" 'SSÍSf
°' ":$e, 19
?*^?* sources de l'histoire du culte chréíien au Moyen
wisigoíhique, Paris, 1959. t-spoieto, Iífo5,
22. F. Graus, Volk, Herrseher und Heiliger im Reiche der Merawinger. 51
íi,^e,rÍI^er' Áu«ust^und die V-olksirômmigkeit. Blicke in den früh-
Praga, 1965. christlichen Alltag, Munique, 1933.
23. H. Grundmann, «"Litteratus-IHiteratus". Der Wandlung einer Bil-
dungsnorm vom Altertum zum Míttelalter», Archiv für Ktdtwge-
schichte, 40, 1958.
24. C. G. Loomis, White Magic, An Introduction to the Folklore oi
Christian Legends, Cambridge, Mass., 1948.
25. F. Lot, «A quelle époque a-t-on cesse de parler latin?». Archivtim
Latinitatis Medii Aevi, Bulleíin Du Cange, 1931.
26. O. Loyer, Lês Chrétientés celtiques. Paris, 1965.
27. S. Mc Kenna, Paganism and pagan survivals m Spain up to the fali of
the visigothic kingdom, Washington, 1938.
28. A. Marignan, Éiudes sur Ia civilisation mérovingienne. l. La société
mérovingienne. II, Lê culte dês saints sous lês Mérovingiens, Paris,
1899.
29. H.-I. Marrou, Saint Augustin et Ia fin de Ia culture antíque (2.* ed.,
Paris, 1937) e Retraclatio, 1959.
30. Id.. Histoire de Véducation dans l'Antiquitét 5.f ed., Paris, 1960.
31. lá., Nouvelle Histoire de FÉgüse. I. Dês origines à Grégoire lê Grand
(com J. Daniélou), Paris, 1963.
32. L. Musset, Lês Invasions. 1. Lês Vagues germaniques (Paris, 1965).
ILLe Second Assauí conire l'Europe chrétienne (Paris, 1966).
33. Dag Norberg, «A quelle époque a-t-on cesse de parler latin en
Gaule?», Annales, E.S.C., 1966.
34. G. Penco, «La composizíone sociais delle coramunità monastiche nei
primi secoli», Siudia Monastica, IV, 1962.
35. H. Pirenne, «De 1'état de 1'instruction dês laics à 1'époque mérovin-
gienne», Revue belge de Philologie et d'Histoire, 1934.
36. F. Prinz, Frühes Mónchtum im Frankenreich. Kultur und Gesellschaft
in Gallien, den Rheinlanden und Bayern am Beispiel der monastichen
Entwicklung, IV bis VIU Jahrhundert. Munique-Víena, 1965.
37. P. Riché, Education et Culture dans 1'Occident barbare, Paris, 1962.
38. M. Robin, «Paganisme et rusticité», Annales, E.S.C., 1953.
39. Id., «Lê culte de Saint Martin dans Ia région de Sentis», Journal dês
Savanís, 1965.
40. J.-L. Romero, Sociedad y cultura en Ia temprana Edad Media, Mon-
tevidéu, 1959.
41. Saint Germain d'Auxerre et son temps, Auxetre, 1960.
42. «Saint Martin et son temps. Memorial du XVI* Centenaire dês débuts
du monachisme en Gaule», Siudia Anselmiana, XLVI, Roma, 1961.
43. P. Saintyves, Lês Sainís sucesseurs dês dieux, Paris, 1907.
44. Id., En marge de Ia Legende Dorée. Songes, Miracles et survivances.
Essai sur Ia formation de quélques thèmes hagiographiques, Paris,
1930.

228 219
t£í«EW'.

Você também pode gostar