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DE RE DIPLOMATICA,

I, 11: COMENTÁRIOS
SOBRE UMA BREVE
HISTÓRIA DA
ESCRITA
DANILO OLIVEIRA
NASCIMENTO JULIÃO (UFRJ)
SOBRE O TRADUTOR
Doutorando em Letras Clássicas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), na linha de pesquisa O discurso latino clássico e
humanístico. Mestre em Letras Clássicas também pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bacharel em Português Inglês e
Letras:Latim pela mesma universidade. Pesquiso a epigrafia em latim
na Cidade do Rio de Janeiro, de modo a investigar a contibuição
epigráfica para a história e memória da cidade. Além disso, mantenho
um perfil de Latim no Instagram, o Vitrola da Roma Antiga
(@vitroladaromantiga), em que faço postagens com a união da cultura
latina com a música brasileira.
SOBRE O AUTOR: JEAN MABILLON
• Jean Mabillon (1632-1707) foi um monge beneditino da
congregação de São Mauro, uma união de monastérios
beneditinos franceses que incluía a abadia real de Saint-Denis e de
Saint-Germain-des-Prés em Paris. Por essa razão, ele teve acesso
a incríveis coleções de documentos e manuscritos contidos nos
arquivos desse e de outros monastérios. Considerado como o
fundador da diplomática e da paleografia, ele acompanhou os
mauristas em sua especialização quanto á erudição e, em fins do
século XVII, ele se tornou o seu principal intelectual.
• Antes de publicar a obra De Re Diplomatica, Mabillon foi o
responsável pela edição de obras sobre os monges beneditinos e
da própria Ordem Beneditina, além de textos medievais com
comentários, tratados monásticos e textos eclesiásticos
• .
SOBRE A OBRA: DE RE
DIPLOMATICA
• O pontapé inicial para a concepção e, futuramente, a
publicação da obra foi um tratados de Daniel van
Papenbroeck, de 1675, em que ele atacou a
veracidade de muitos textos medievais e
documentos, incluindo aqueles contidos nos
arquivos de Saint-Denis. Mabillon criticou bastante
a abordagem ríspida de Papenbroeck e, conforme
disse na introdução da De Re Diplomatica, a história
de igrejas, monastérios, indivíduos e famílias
dependia da autoridade dos registros históricos, Da
mesma forma, ele afirma que o exame sistemático
de documentos era de suma importância tanto para o
Estado quanto para a Igreja.
SOBRE A OBRA: DE RE DIPLOMATICA
• A obra De Re Diplomatica foi publicada em 1681 em sua primeira edição, tornando-se
uma monumental contribuição para os estudos antiquários e históricos, provocando
tanto louvor quanto críticas. Muitas obras posteriores seriam direta ou indiretamente
influenciadas pela obra de Mabillon. Essa obra pode ser incluída no que costuma-se
chamar Literatura Neolatina europeia. O rótulo "Neolatino" refere-se ao latim
empregado durante a segunda metade do chamado 'milênio latino', que vai de
aproximadamente 1300 a 1800, num uso da língua que tentou reviver o Latim da
Antiguidade.
• O trabalho de tradução envolveu a segunda edição, de 1705, que, ao contrário da
primeira edição, apresentava um vigésimo subcapítulo, dedicado à pontuação para os
antigos, no décimo primeiro capítulo do primeiro livro, acrescentando mais
argumentos para a fundamentação de bases para a paleografia.
SOBRE A OBRA: DE RE
DIPLOMATICA
• Essa foi a minha primeira grande experiência com tradução de latim para
português e foi fruto de um trabalho final da disciplina de Paleografia, ministrada
pelos professores Leonardo Marcotulio (UFRJ) e Huda Santiago (UFBA), cursada
em 2020-1 como disciplina do Doutorado na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
• No último capítulo (capítulo 11) do primeiro livro - escolhido para a tradução -,
Mabillon trata dos diversos estilos de escrita, fontes e sua origem e distribuição -
este capítulo, em conexão com o 5º livro, constitui o ponto de partida e a base para
o desenvolvimento da paleografia.
ALGUNS DETALHES SOBRE A TRADUÇÃO DA OBRA

• O advento da tecnologia foi importante para acessar a versão digitalizada da obra, o que garantiu a
sensação visual de lidar com um documento antigo, uma vez que a tradução ocorreu durante o
isolamento social. O processo de transcrição, num primeiro momento, foi realizado de forma manual
com a transcrição total do texto em folhas avulsas de papel almaço; o processo se revelou uma
oportunidade de entender melhor as dificuldades de se lidar com a análise de um texto com certa
antiguidade, uma vez que esse foi o primeiro contato com as técnicas de paleografia e transcrição.

• Após a transcrição do texto, prosseguiu-se à etapa de tradução do texto transcrito, com muitas
dificuldades, por não se tratar do latim clássico, mas o o latim utilizado pelos acadêmicos
naqueleperíodo (neoatim, renascentista ou humanístico, a depender da corrente teórica).Essa
modalidade do latim, embora muito difundida entre acadêmicos, necessita de muita atenção em sua
leitura, pois apropria-se de muitas estruturas do latim clássico. A obra apresenta, também, muitos
estudiosos até então desconhecidos, mas cuja descoberta ajudou a entender como ele serviram de
referência para o autor.
UM TRECHO DIFÍCIL DA TRADUÇÃO
fraxineis, immo ossibus & cornibus epistolas suas
Os dinamarqueses naturalmente costumavam enviar suas
cartas não só em faias e madeiras, mas na verdade,
mandare solebant. De his litteris intelligendus est
(DRD, I, 11,7)
também usavam freixos, assim como ossos e chifres. Destas
Rabanus in libello De Inventione Linguarum. cartas o estudioso é Rábano Mauro no livreto "Sobre a
Litteras, inquit, quas utuntur Marcomanni, quos Invenção das Línguas": Os Marcomanos, os quais
nos Nordmannos vocamus, infrà scriptas chamamos Normandos, usam as letras, que temos sob a
forma de escrita; a partir delas, eles contam a origem da
habemus, à quibus originem qui Theodiscam
língua alemã e, do mesmo modo, carregam com eles suas
linguam loquuntur, trahunt, cum quibus, carmina canções e encantamentos, bem como procuram significar
sua incantationesque ac divinationes significare predições, já que, até esse tempo, os Marcomanos estão
porcurant qui adhuc paganis ritibus involvuntur. envolvidos em ritos pagãos. Destas letras Rúnicas, são
Ex his Runicis quatior illas litteras, quas aquelas letras que o Rei Quilpérico I dos Francos
Chilpericus Francorum Rex vulgaribus addidit , adicionou às letras comuns, como o G; Worm julga que
acceptas fuisse Wormius censet contraGerardum elas foram aceitas contra o argumento de Gerrit Vos no
Vossum in libro nono de Grammatica, qui ex livro IX da Gramática que, a partir de Aimoin, estas letras,
Aimoïno hasce litteras, scilicet Ω, Θ, Φ, Χ, ex convém saber, Ω (omega), Θ (theta), Φ (phi), Χ (khi),
modificadas das letras gregas. Mas elas foram escritas por
Græcis mutuatas asserit. Sed eas ab Aiomïno
Aimoin de forma corrompida. Worm sustenta que foi a
corruptè scriptas Wormius contendit ex Gregorio partir de Gregório de Tours. Aqueles que confundem
Turonensi. Qui Gothicas litteras cum Runicis completamente as letras góticas com as rúnicas (que,
(quæ & Gothicæ à gente aliquando appelatæ) outrora, foram nomeadas góticas pelo povo) de forma
penitus confundunt, facilè revincuntur ab Olao contundente, elas foram facilmente refutadas por Worm,
Wormio, qui monumenta Runica vulgavit à que propagou os Monumentos Rúnicos insculpidos
primis Christi sæculis lapidibus insculpta, longè naspedras nos primeiros séculos de Cristo, muito antes de
ante Ulfilam Gothorum Episcopum Arianum, Úlfilas ser o bispo ariano dos godos, que Sócrates
Antes da invenção da escrita, dizem que, primeiramente, o Egito
Ante inventam scripturam primi per figuras
UM TRECHO QUE GOSTEI DE TRADUZIR (DRD, I, 11, 1)
animalium Ægypitium sensus mentis effinxisse
representava os sentidos da mente através de figuras de animais,
e eles chamam a si mesmos de inventores das letras. Em seguida,
dicuntur, et litterarum semet inventores perhibent.
vieram os Fenícios; porque eram poderosos no mar, eles
Inde Phoenicas, quia mari præpollebant, intulisse
introduziram a glória e as aquisições para a Grécia, assim como
Græciæ, gloriamque adeptos, tamquam repererint,
quæ acceperant. Quidquid sit de hoc Cornelii Taciti teriam encontrado as coisas que tinham aceitado. Em qualquer
loco, varia subinde fuerint apud veteres Latinos medida que esteja no lugar de Cornélio Tácito, vários gêneros
scripturæ genera, variæque species ac formæ. Alius teriam existido continuamente entre os antigos Latinos, e de
quippe scribendi modus obtinuit apud Romanos, várias formas e espécies. Naturalmente, um modo de escrever se
alius apud alias nationes. Pro hac nationum manteve entre os romanos, e outro junto a outras nações. Devido
diversitate totidem ferè scribendi modos enumerare a esta diversidade de nações, geralmente, é lícito enumerar
licet, immo uniuscuiusque nationis varios pro tantos modos de escrever, mesmo que vários sejam de todas as
temporum varietate. Quatuor scripturarum genera nações pela variedade dos tempos. Quatro gêneros de escrita
enumerari solent, Romana vetus, Gothica, costumam ser enumerados: a saber, são eles a Romana antiga, a
Anglosaxonica, et Langobardica. Sed adæquata non Gótica, a Anglo-Saxônica e a Lombarda. Mas esta divisão não é
est ea divisio, cum ad illa genera omnes scriptutarum a adequada, uma vez que existem todas as espécies de escritas
species, quæ in vetustis libris ac monumentis nobis para aqueles gêneros, que foram abandonadas por nós nos livros
reliquæ sunt, revocari non possint. Varios earum e monumentos antigos, e, por isso, não podem ser trazidos de
modus effingi curavit superiori sæculo Johannes
volta à vida. O romano Giovanni Battista Palatino cuidou que
Baptista Palatinus Romanus, nempe Cancellarescam
vários tipos dessas escritas fossem retratados no século seguinte,
Romanam, itemque mercatioriam Romanam,
sem dúvida a escrita de Chancelaria romana, e também a
Florentinam, aliasque, scripturam bullarum
apostolicarum, litteram Neapolitanam, rognosam Romana mercantil, Florentina, e outras, a escrita das bulas
(quam vocat) incisam, Notarescam, Franciscam, apostólicas, a escrita Napolitana, a escrita (que chamam) Incisa,
a Notaresca, a Franciscana, a Hispânica, a Lombarda, a escrita
UM TRECHO QUASE INTRADUZÍVEL (DRD,
Ajudaria adicionar neste lugar o I, 11, De20)
livrinho Ratione Punctandi ou
A Arte de Pontuar, que os antigos utilizavam. Este escrito sobre um
breve argumento foi encontrado por nós num códice do
Juverit hoc loco quædam addere de ratione punctandi seu interpungendi, Monastério de Vallombrosa, na Etrúria, em que são distinguidos
quâ veteres utebantur. Hoc de argumento breve scriptum à nobis oito gêneros de pontos: são eles, sem dúvida, o ponto suspensivo,
repertum est in codice Valumbrosani Etruriæ monasterii, in quo coma, cólon, o período, o gemipunctus, o semipunctus, o ponto
punctorum octo genera distinguuntur: scilicet punctus suspensivus, coma interrogativo e o ponto exclamativo ou admirativo. O ponto
colum, periodus, gemipunctus, semipunctus, interrogativus, & suspensivo é uma simples vírgula, que costuma ser colocado por
exclamativus seu admirativus. Suspensivus est simples virgula, quæ solet causa do repouso durante a fala, antes que o sentido da oração
quietis gratiâ poni, antequam sensus clausulæ sit completus. Colum est esteja completo. O cólon é um ponto plano, que é colocado no final
punctus planus, qui ponitur in fine clausulæ, quando totus sensus da oração, quando todo o seu sentido está completo. A coma é
completus est. Coma componitur ex his duobus, puncto scilicet plano, composta de dois sinais gráficos, com certeza, um ponto plano
supra quem ponitur virgula in modum punctuli suspensivi. Et hoc utimur, colocado acima de uma vírgula, no modo de um pontinho
cum clausula videtur esse completa; sed ex scribentis intentione aliquid suspensivo. E usamos este, quando a oração aparenta estar
est addendum. Periodus est punctus multiplex, quem in fine capituli vel completa, mas a intenção daquele que escreve é que deve ser
totius orationis solemus apponere in huic modum: cùm nihil ulterius est acrescentado algo mais. O período é um ponto múltiplice, que
dicendum. Gemipunctus exprimitur perd duos punctos planos sic.. Quo aparece no final do capítulo ou de toda oração e costumamos
solemus uti in epigrammatis & titulis epistolarum loco propriorum colocar desta maneira:., quando nãohá nada demais a dizer. O
nominum, vel brevitatis gratiâ, vel in nominis quod ignoramus gemipunctus é expresso através de dois pontos planos assim: .., que
supplementum. Semipunctus est virgula jacens hoc modo -, quæ costumamos usar nos epigramas e inscrições das cartas em lugar
apponitur in fine lineæ, cùm ibidem dictio completa non est, sed in dos nomes próprios, ou por causa da economia de espaço, ou
sequentem transit. Quid sit punctus interrogativus, quid exclamativus seu porque ignoramos o preenchimento do nome. O semipunctus é a
admirativus, omnes norunt. Hæc ex brevi illo scripto, quod fortè in vírgula jazendo desse modo: , que é colocada no fim da linha,
Appendice libri VI. si tanti est, referemus. enquanto a dicção não está completa naquele mesmo lugar, mas
atravessa em sequência. Todos conhecem o que seja o ponto
interrogrativo ou o ponto exclamativo ou admirativo. Retomaremos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MABILLON, Jean: De re diplomatica libri VI - Ed. 2 ab ipso auctore
recognita, emendata et aucta. - Paris 1709. -Disponível em:
<http://x0b.de/mabillon/mabillon-inhalt.html>. – Acessado em: 18/08/2022.
TERRERO, Ángel Riesco (ed.). Introducción a la Paleografia y a la
Diplomática General. Madrid: Editorial Sintesis, 2004.
NÚÑEZ CONTRERAS, Luis. Manual de Paleografía – Fundamentos e
Historia de la Escrita Latina hasta el Siglo VIII. Madrid: Ediciones
Cátedra, 1994.
CAPELLI, Adriano. Lexicon Abbreviaturarum - Dizionario di
Abbreviature Latine ed Italiane. Milão: Editora Ulrico Hoepli, 1999.
GRATIAS AGO TIBI (VOBIS)!

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