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Padre Filipe Couto quando tomava posse (A.

Marrengula)

PADRE FILIPE COUTO : Um reitor que já foi um grande sapateiro


ACABAVA de concluir o Ensino Primário em Massangulo, província do Niassa, onde, no lugar de prosseguir com
os estudos, decidiu arranjar emprego. Conseguiu-o na Sapataria Europeia, cidade de Nampula, isto entre 1954 e
1957. Aqui viria a tornar-se num grande  sapateiro. Um profissional de referência. De “mão cheia”. Não faz ideia
de quantos pares de sapatos terá concertado, muito menos os que teve de fazer não só para vender, e daí obter
rendimentos, assim como para servir  o grupo de amigos que apreciavam a suas qualidades de bom profissional.
Sempre engajado no trabalho que era os seu ganha-pão, Padre Filipe José Couto, agora nomeado Reitor da
Universidade Eduardo Mondlane, viu-se depois obrigado a largar a arte de fazer calçado, rumando para Portugal,
onde viria a fazer o Ensino Secundário e a formação religiosa.

Maputo, Sexta-Feira, 9 de Março de 2007:: Notícias


 

Poucos dias depois da sua nomeação para dirigir os destinos da maior e mais antiga instituição
superior do país o Padre Couto, a nosso pedido,   acedeu à conversa, para, dentre outros
assuntos, falar de alguns projectos que leva na manga para a UEM.

 Porém, antes de mais, ele manifestou a sua insatisfação pelo facto de algumas pessoas, parte
das quais apontadas como as que diariamente com ele tomam café, estarem hoje  contra a sua
recente nomeação. Mas para ele, segundo disse, o mais importante é manter viva a chama do
diálogo entre ele e os seus colaboradores directos a bem do desenvolvimento da instituição,
bem como implementar com rigor o plano estratégico da universidade.

Para ter uma ideia das linhas de força com que irá agir o novo timoneiro da UEM, convidamos o
estimado leitor a acompanhar-nos nesta conversa com Filipe  Couto, e  que começa  da
seguinte maneira: 

NOTÍCIAS (NOT) – Como e quando ficou a saber que o Presidente da República o


tinha indicado para dirigir a UEM?

PADRE FILIPE COUTO (PC) - No próprio dia em que fui nomeado e através da Rádio
Moçambique. Estou a falar do dia 23 de Fevereiro, uma sexta-feira.

NOT – O quê que lhe ocorreu naquele instante?

PC - Medo! Não medo no sentido de ter pela frente um cargo ou missão impossível, mas sim
algo que embora possível a pessoa fica inicialmente comovida. A questão que me ocorreu foi: o
que vai ser agora, como e por onde começar!!!

NOT- Na sua avaliação pessoal o que terá concorrido para a sua nomeação?
PC - Deixe-me explicar como o processo começa. Primeiro peguei nos meus documentos e
submeti à apreciação. Agora, o que sucedeu dentro do processo, neste caso no Conselho
Universitário, não posso dizer. Mas esteve por detrás desta atitude o facto de ser membro do
Conselho Universitário e docente na Faculdade de Ciências, no Departamento de História e
Matemática. Contou também o apoio de colegas e estudantes.

NOT – Nada teve a ver, conforme se diz, que a sua candidatura foi influenciada pelo
Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, que tinha na sua pessoa um dos seus
assessores?

PC - É falso. Acredite que nem sequer o ministro Aires Ali sabia que eu havia me candidatado.
Não o consultei se devia ou não avançar. O que fiz, e por iniciativa pessoal, acarinhada, como
disse, por colegas e estudantes, foi pegar nos meus documentos e submeter ao Conselho
Universitário. Na altura uma outra corrente dizia que não teria hipóteses de passar porque na
corrida estavam quadros com muitos anos de ligação com a UEM. Praticamente eu aparecia
como um novato naquele grupo. O importante era apresentar a candidatura e o resto cabia a
quem devia apreciar e decidir.

NOT – Quando a lista foi divulgada e o seu nome não constava dos primeiros três
eleitos pelo Conselho viu-se praticamente fora da corrida?

PC - Meu irmão, sabe que Sua Excelência o Presidente da Republica pode ou não basear-se na
lista indicada pelo órgão universitário? Então, este foi o meu caso. Não fiquei nos primeiros três
lugares, mas acabei sendo a primeira escolha. O importante não é ficar em primeiro, segundo
ou terceiro para o Conselho, mas sim saber da decisão tomada pelo PR. Com isto quero dizer
que mantive-me na corrida até ao último pronunciamento.

NADA É SURPRESA
Maputo, Sexta-Feira, 9 de Março de 2007:: Notícias
 

NOT – Não se pode considerar uma nomeação-surpresa?

PC - Não vejo pelas quais ela tem que ser surpresa! Surpresa porque fui eu a ser indicado e
não os outros? Não fui escolhido num processo anormal, de uma pessoa vinda de fora. Se a
nomeação aconteceu é que constava da lista dos seleccionáveis. Quando digo de fora refiro-me
ao facto de muitos pensarem que os reitores da UEM devem ser somente pessoas que lá
estudaram e não os outros. Veja que o primeiro reitor, que eu saiba, não estudou na UEM. Dos
outros não falo porque não sei, mais não me lembro do Dr. Ganhão ter estudado na UEM. Eu
também não estudei na UEM, mas sou moçambicano com qualificações, daí que não entendo a
razão de tanto alarido pela minha indicação.

NOT – Quer, o senhor reitor, dizer há algum descontentamento em relação à sua


nomeação?

PC - Claro, mas isso não importa. O que importa é o meu trabalho para desenvolver a UEM. A
prioridade é o trabalho e conto com todos, mesmo os que estão contra a minha nomeação. Sei
que há docentes e estudantes contra, mas parte deles deram apoio para eu concorrer. Talvez
tenham o feito porque essas pessoas nunca acreditaram que seria capaz de vencer. Outros
usam os media para manifestaram a sua insatisfação, escrevendo até o que não deviam. Uma
dessas pessoas é o Dr. Paulo Gerdes, antigo reitor da UP, que muitas vezes trocamos
impressões sobre a Matemática. Até hoje continuamos a trocar ideias porque a aprendizagem
para mim não tem limite. A opinião dele é de que sendo Moçambique um Estado laico não
devia ser um padre a dirigir a UEM. Isso não é e nem pode ser verdade. Se voltarmos a falar
vou citar exemplos de grandes universidades do Estado laico no mundo que tiveram e têm
reitores padres. A minha nomeação não vai atenta à laicidade do Estado. Vou trabalhar com
base nos estatutos que regem a instituição.

NOT – Uma vez assumido o cargo, quais são as suas grandes prioridades?

PC - Fazer com que a UEM participe mais no combate à pobreza absoluta, actuando com maior
incidência nos distritos, formando quadros com qualidade e visão extraordinária na geração de
emprego. Esse papel não pode ser visto como alheio à instituição, mas sim como um valioso
contributo à causa nacional. Esse papel deverá ser desenvolvido em parceria com diferentes
instituições do Estado. Como a UEM é grande, essas tarefas deverão ser descentralizadas, onde
os meus colaboradores devem ter um papel mais interventivo e actuante. Temos que formar
uma equipa coesa e que prioriza o diálogo. A universidade existe há 30 anos e tem dez
faculdades, com iniciativas próprias, por isso temos que trabalhar em sintonia para o seu
desenvolvimento, sobretudo nas províncias. Devemos apostar no reforço da cooperação e
partilhar conhecimentos. Outro ponto importante é mantermos uma estreita colaboração com
as instituições do Estado, onde pontos fulcrais como Agronomia, Veterinária e Genética devem
ser mais explorados pela UEM e Estado.

POR ENQUANTO NÃO HAVERÁ MEXIDAS


Maputo, Sexta-Feira, 9 de Março de 2007:: Notícias
 

A cooperação não deve ser a nível do ministro/reitor, mas sim colocar os técnicos a trabalhar
para a sua implementação. É preciso ver até que ponto os nossos graduados podem cooperar
com o Ministério da Educação e Cultura na construção de infra-estruturas escolares nos
distritos. Com o sector privado deve haver maior interacção de modo a potenciar os estudantes
de ferramentas que lhes possibilitem entrar para o mundo de negócios Vamos consolidar a
expansão e melhoria da qualidade de ensino. A língua inglesa deve ser consolidada, tendo em
conta a abertura que se avizinha das fronteiras dos países da região. Vou implementar
inovações, mas basear-me-ei no plano existente na instituição.

NOT – Pretende dizer que os graduados devem sair das faculdades com habilidades
para gerar emprego e não esperarem ser empregados?

PC - Evidentemente. Devem ser eles a identificar e encontrar parceiros viáveis para as suas
ambições.

NOT - Grande parte dos dirigentes quando toma posse uma das coisas que fazem,
em primeiro lugar, é “arrumar a casa”. Refiro-me a mudanças do elenco?

PC - No dia da minha nomeação o reitor-cessante chamou-me, por volta das 9.30 horas e
apresentou-me o quadro de direcção. O que  disse é que vamos trabalhar. Não vou chegar e
dizer você sai e você fica. Não. O  importante é dialogar com as pessoas e saber no concreto o
que cada uma anda a fazer. Estou convencido que não sei tudo, por isso não posso fazer e
desfazer. Há muita coisa boa que deve ser aproveitada e estou convencido que não haverá
grupos empenhados em sabotar-me.

NOT – Está seguro nisso?

PC - Acha que isso vai acontecer? A ter de acontecer será algo muito secreto. Não estamos na
era da escravatura, onde uma pessoa podia permanecer curvada, a cerca de 180 graus e
durante largas horas, com enxada na mão a capinar. Portanto, não vejo motivo algum que
possa levar as pessoas a sabotarem o meu trabalho, porque afinal de contas ninguém será
escravizado.

NOT – Tem algum plano concreto em relação aos chamados ''professores turbo"?

PC - Uma coisa é criticar, sobretudo para os que estão longe da realidade. Outra é viver o
assunto na pele. Acho pertinente fazer-se um acordo entre as universidades tanto públicas
assim como privadas, de modo a se encontrar saída para os problemas. Temos que discutir a
regularização deste movimento de docentes. Qualquer decisão deve salvaguardar a qualidade
de ensino, a formação de quadros adequados aos desafios do momento. Não vamos apenas
proibir esta prática. É preciso, por outro lado, criar incentivos para que esses docentes se
sintam estáveis nos seus postos de trabalho. Acredito que dar aulas em muitas universidades
tem por finalidade angariar mais dinheiro, daí que é preciso criar formas desse docente não
leccionarem em mais de uma instituição. A ter que haver um regulamento, ele não deve
paralisar o funcionamento normal das instituições. Portanto, vamos estudar com mais vagar o
que fazer para obter uma melhor solução.

NOT - Só para terminar, Magnífico vai continuar a leccionar?


PC - Não sei, isto por causa da sobrecarga de trabalho. Tenho quatro horas por dia e vou
ponderar se continuou ou não. Mas gostaria.

Padre Couto, quem é?


Maputo, Sexta-Feira, 9 de Março de 2007:: Notícias
 

PADRE Filipe José Couto nasceu a 30 de Janeiro de 1939, em Unango, distrito de Sanga,
província do Niassa. Fez os estudos primários na Escola Primária de Artes e Ofícios na Missão
de Massangulo, Niassa, entre 1947 e 1954. O seu primeiro emprego foi na Sapataria Europeia,
em Nampula, entre 1954 e 1957.

Frequentou o Ensino Secundário em Fátima, Portugal, entre 1958 e 1962. Foi em 1962 que
decidiu entrar para o Instituto Missionário da Consolata, na Itália, tendo permanecido um ano.

Do nível Superior fez Estudos Filosóficos e Licenciatura em Roma, na Universidade Umaniana


(1964/67); Estudos Teológicos e Doutoramento em Teologia Dogmática, em Munster,
Alemanha (1967 a 1971) e Doutoramento em Ciências Socio políticas de Qualificação para
Professor Catedrático na Universidade de Paderbom, Alemanha (1976 a 1981).

Quanto aos serviços religiosos, foi ordenado padre em 1969, em Lichinga, Niassa; pároco da
Catedral de Nampula (1984/87).

Na área da docência leccionou História Eclesiástica, em Perarniho, Tanzania (1981-83); Filosofia


e Teologia no Missionary Institute of London, Inglaterra (1988/93); Logística Matemática e
Epistemologia, em Morogoro, Tanzania (1993/96), e até à data da sua nomeação era docente
de História e Matemática na UEM, desde 1996.

Assumiu de 1996 a 2006 o cargo de Reitor/Fundador da Universidade Católica. Promoveu a


criação das Faculdades de Medicina e Economia e Gestão (Beira), Direito e Educação e
Comunicação (Nampula), Agricultura (Cuamba), Turismo e Informática (Pemba).

Foi membro do Conselho Nacional do Ensino Superior (1996/04), de Reitores (1996/06) e de


Conselho Nacional do Combate á SIDA.

Participou na Luta de Libertação Nacional durante a guerra anti-colonial (1972/75).

Publicou livros sobre a dissertação do Doutoramento em Alemão, com o título "Hofnung im


Unglauben" (1972), Litografia do Doutoramento em Ciências Socio políticas de qualificação para
Professor Catedrático em Alemão, com o título "Moral Intemationaler" (1981), e sobre
Moçambique e Frelimo: Apresentação de Um Movimento de Libertação, também em Alemão
(1975).

Fala seis línguas, nomeadamente Português, Inglês, Italiano, Alemão, macua e Swahili.

 HÉLIO FILIMONE

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