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Lore Lucius e Astrid

O sol já estava se pondo, quando Astrid voltava do bosque para a casa de Clavius, com 3
coelhos bem gordos, amarrados em uma trança de cipós, pendurados em uma das mãos.
Interrompeu seus passos ao escutar um som de roncos vindos do jardim em volta do
monastério e do próprio vilarejo. Conhecia bem aquele ronco, seu irmão respirava pela boca
quase o tempo todo. Encaminhou-se por entre as flores e espinhos na direção daquele ruído
até encontrar seu irmão, em posição fetal, babando sobre o solo, com apenas uma calça de
algodão grosso, com algumas minhocas escapando por entre seus dedos. Deu uma leve pisada
nas nádegas do garoto adormecido, que acordou com um pulo, metade da cara cheia de terra
escura e fofa, e a outra metade inchada de um choro de lágrimas já evaporadas.

– Dormindo em serviço, maninho? – perguntou em tom de deboche.

– É... – Deu uma risada envergonhada com rosto baixo tentando enxugar algum resquício de
lágrimas e tirar a terra que grudou em seu rosto – Tô pegando umas minhocas daqui pra
fertilizarem aquela outra área, que tá sem.

– Aham... Logo você, fugindo das suas atividades. – Retrucou sem disfarçar a cara cínica,
quando ele tentava mentir, sua boca fazia uma curva pra cima do lado direito e seu pescoço
ficava vermelho – Quem disse que lá tá sem minhocas? A Dona Dolores e a Gertrudes? Ou
aquele esquisitão do Kram...

– Você é cruel! – virou-se para a irmã inquisidora, interrompendo seu deboche

– Eu? Cruel? – levou a mão ao peito, sem disfarçar o tom e a careta brincalhona.

– É sim! O que os coelhos fizeram de mal?

– Eles foram muito burros e lerdos, e a fome é bem mais cruel do que eu. Você não acha?

– Hum... tá. – Virou-se de volta para o pôr do sol

– As minhocas estão fugindo – alertou com uma risada.

Lucius ficou em de joelhos tentando catar as fujonas rosadas. Astrid pôs levemente suas mãos
nos ombros de seu irmão. Sentido seu toque, o jovem aasimar estagnou, de seus olhos
jorravam novas lágrimas, mas seus olhos estava vidrados no sol que se deitava. Essa interação
fazia com que a aureola de metal em sua costa iluminasse com uma espécie de padrão, um
código que não estava em nenhuma língua conhecida, mas ambos sabiam que expressava um
sentimento que só existia entre os dois. O vento frio já trazia a noite, mas quando ela estava
perto, ele sentia que poderia enfrentar o mais longo dos invernos ao seu lado.

– É aí que vocês estão, seus pestinhas – Exclamou uma voz feminina ao longe.

– Procuramos você em toda parte! Graças à Sarenrae! – Exclamou outra voz, mas
incrivelmente idêntica.

– Cacete – resmungou Astrid

– Que linguajar é esse? – Espantou-se, Lucius

– Foi mal, é costume do Clavius, toma – Jogou uma lebre rechonchuda no peito desnudo do
menino deixando uma marca de sangue seco – Tenho que chegar em casa. – Virou-se e correu
em disparada.
“Casa”. Aquela palavra ecoou em sua mente. A casa dela devia ser o monastério, ao seu lado,
juntos. Ele se limitou a olhar para ela enquanto ela se afastava. E foi chacoalhado por Dolores
que gritava:

– Ei! Você estava se escondendo, pestinha? Ela encheu sua cabeça de minhocas?

Ele mostrou uma mão com um punhado de minhocas e a outra com uma lebre pendurada.
Gertrudes olhava, com um sorriso plácido, a menina loira correr e ficando cada vez menor.
Dolores, ficou vermelha de raiva e não sabia de quem sentia mais ódio, da tonta da irmã, do
menino que mesmo inocentemente parece zombar de sua cara, ou da pirralha que zomba de
tudo que há na vila.

– Largue isso! – Deu um tapa na mão que estava com minhocas e puxou o animal abatido e
dirigiu-se imediatamente para o monastério.

As duas sacerdotisas eram gêmeas idênticas, mal dava para diferenciá-las no olhar, mas a
convivência deixava a identificação muito mais fácil. Elas eram as melhores curandeiras e
dançarinas da vila. Elfas, altas, de cabelos castanhos ondulados, olhos esverdeados, pele alva e
bem magras. Dolores fazia tudo pela técnica e perfeição, sempre ser a melhor. Gertrudes fazia
tudo com o coração e serenidade, e as vezes um pouco de enrolação.

Gertrudes, apenas com um sorriso e um olhar bondoso, segurou suavemente as mãos do


menino e o levou como que em uma valsa por entre as roseiras, cantarolando preces
inventadas, até os aposentos para fazerem as preces noturnas, a ceia e dormirem.

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