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Paulina Cymrot
Membro Efetivo da SBPSP
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Resumo
Como Bion, entendo que não seja simples a discriminação do que seja
memória, intuição, afirmação profética, pensamento selvagem (Conversando
com Bion, 1976). Nossas memórias são nossas associações, invenções, ficções.
Nelas estão nossas esperanças, expectativas, anseios, emoções, desejos,
frustrações. Criamos personagens e lhes atribuímos qualidades e também
aquilo que há de pior. Nossas recordações são feitas de ilusões, de crenças, de
convicções que são as nossas verdades comunicadas com certeza.
Quando o analista está mais cansado, desatento há uma tendência para uma
conversa que resulte em explicações, em relações de causa e efeito, em
estímulos que direcionem para o conhecido. Há menos espaço para as
dúvidas, as incertezas, as curiosidades, as descobertas, a surpresa.
1. Experiência Clínica
A - Você está falando. E diz que não consegue. Teremos que ficar com esta
realidade. O fato é que você veio. Está aqui e não falta. Não é obrigado a vir.
Podemos conversar sobre o que o move hoje para estar aqui.
P - Tenho ficado quieto e com medo de ser mandado embora; que você se
canse de mim.
A – (Com humor) Parece que você está com uma perseguidora aqui nessa sala.
Eu propondo conversarmos, esperando, e você me chamando de intolerante,
que vou mandar você embora...
P – Ri. É que eu não estou nos meus melhores dias para conversar.
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A – Para conversar tem que estar nos melhores dias? Penso que para conversar
é preciso ter desejo, liberdade. Talvez esteja angustiado, e acha que deve
desempenhar bem.
P – É. Me sinto tão pressionado pelos outros, que fico pensando em largar tudo
e ir viver sozinho no interior. Mas antes de fazer isso resolvi tentar a análise.
Sinto pressão demais... (Fala de lembranças de fracassos pessoais,
profissionais e afetivos).
As pessoas não são o que elas pensam ou o que aparentam ser; elas vivem da
melhor maneira que podem. Não conseguem se esconder o tempo todo,
tampouco elas conseguem guardar os seus segredos. Como disse Freud, ainda
que suas bocas estejam fechadas, as pontas dos dedos e o movimento dos
olhos as traem. Vemos como é comum a pessoa relatar o que outros fizeram
com ela, contar o que se passou em sua vida, o que lhe disseram, como se ela
fosse neutra, expectadora, passiva, como se não fosse agente da própria vida,
não tivesse escolha. Falando em termos da psicanálise, como se não operasse
por identificações projetivas e outras defesas. Dito de outro modo, a proposta
psicanalítica não considera que o sujeito seja uma massa amorfa, ele
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Estou de acordo com Bion quando nos lembra que, na prática clínica, não há
nada que possamos fazer com o passado. Impossível observá-lo. Lidamos com
os vestígios do passado, no presente, com os estados de mente presentes,
discerníveis no presente, se nos permitirmos discerni-los. Entendo que a única
relação a ser observada é a relação analítica.
Há uma tensão presente na análise que precisa ser contida pelo analista.
Penso que a análise e a formação do analista ajudam-no na falta de memórias
e de associações do paciente, como diz Bion, na falha da função alfa. Dito de
outro modo, com a função de rêverie, com as experiências de vida do
analista, algo do seu repertório interior, de vida, apresenta-se como
continente para o paciente. Ao cegar-se, sonhar a sessão, o analista pode
liberar o continente em si para estar continente para o paciente, para poder
assimilar a experiência emocional que o paciente lhe transmite.
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2. Experiência Clínica
Digo-lhe que pela tonalidade da sua fala, parece-me que, no momento, não
me parece estar com asma. (Ela concorda). Mas me parece estar
decepcionada com ela mesma por desejar estar sempre bem. E me consola
que o fracasso não tem a ver com o nosso trabalho. Fico com a impressão que
ela está temerosa que eu desanime de trabalhar com ela.
A – Você diz que sabe, mas parece não aprender com este saber.
Ri. Após breve silêncio, a paciente conta, sem pausas, sem vírgulas, que ficou
ansiosa por causa de uma discussão que teve com familiares, com o namorado
e que sentiu mal e foi ao pronto socorro. Relata com detalhes o que houve
antes, durante e depois da ida ao pronto socorro. Nomes das pessoas
envolvidas, parentes, atendentes, médicos. Não parecia recordar, mas reviver
os acontecimentos, as emoções.
Outra hipótese é ela não conter o seu estado mental, haver pouco
acolhimento para o seu estado mental. Ela acredita em acolhimento? Acredita
que pode encontrar isso?
3. Experiência Clínica
P-É verdade. Preciso da sua ajuda. Estou com sérias dificuldades nos
relacionamentos... Não é de hoje... (Conta que se enganou, decepcionou-se
com várias pessoas em sua vida. Conta alguns episódios passados sobre isso).
Você, que é psicanalista e conhece sobre gente, pode me ensinar como evitar
isso. Quero fazer o meu melhor, evitar problemas na vida, não ficar
ameaçada. Saber interpretar o comportamento das pessoas, dos homens, se é
mais profissional, ou não, se é sedução, se é confiável...
P – Recebi uma educação para ficar comportada em casa, na casa dos outros.
Nada de espontaneidade. Não tive infância, nem adolescência e cobrei isso
dos meus irmãos menores. Meu pai foi severo comigo e fui severa com eles.
Sinto culpa de ter sido severa com meus filhos, vejo que são pessoas
reprimidas como eu, nada espontâneas. Falam que sou um general em casa,
sou severa, insegura. Achei que você, tendo mais experiência, poderia me
ajudar...
A – Você acha que eu, mesmo sem conhecer uma pessoa poderia falar desta
para você. Você diz que eu capto você. Para isto, eu preciso conviver com
você, estar com você, me sentir na sua presença. E mesmo assim posso me
enganar. Há riscos.
Sem Conclusão
Bibliografia:
________ 1992 The cause and the selected fact. In Cogitations. London,
Karnac Books.
Cortazar, J. _____ 1977 As armas secretas. 2ª. ed., São Paulo, José
Olympio.
Cymrot, P. ____ 2003 Psicanálise com humor. 2ª. ed., São Paulo, Casa do
Psicólogo.