Você está na página 1de 2

Luis Filipe Maciel - 00244416

Por que ao terminarmos a leitura de “Eles não Usam Black-Tie” nos sentimos
frustrados? A resposta à questão envolve, antes de mais nada, o destaque dos méritos da peça.
Apesar de tocar em temas políticos, em nenhum momento somos bombardeados com uma
“propaganda”política. O leitor nunca é convidado a assumir o papel de aluno ou filho que
precisa de “lições de filosofia política”. Os aspectos políticos da peça emergem naturalmente
como subterfúgio para o conflito propriamente dito, entre pai e filho. O desacordo entre Tião
e Otávio, ainda que se manifeste através de “discussões políticas”, ou seja sobre a
razoabilidade de se fazer ou não uma greve, na verdade repousa em projetos de vida
diferentes. Guarnieri está preocupado em mostrar ao leitor o drama familiar. Não “luta de
classes”.
Ainda que a greve revele aspectos importantes da personalidade de Otávio e da
comunidade, ela possui um papel reduzido no enredo. E como veremos, infelizmente,
demasiadamente reduzido. Para Otávio a greve é mais do que aumento salarial, significa a
proteção da sua identidade. Ele é um líder sindical. Com relação a Tião, no início da peça,
descobrimos, através da gravidez de Maria, o seu desejo latente de deixar o morro. Tião não
quer o mesmo projeto de vida de seu pai ou de sua comunidade. Guarnieri nos revela isso na
cena de abertura e explica, mais adiante, a origem desse desejo através de um backstory. Tião
viveu fora do morro com os padrinhos. Mesmo que em condições ultrajantes, como descreve
Romana, “servindo de pajem”, esse período foi o bastante para afetar sua psicologia. À
medida que a peça avança, notamos que, na realidade, não se trata de um simples desejo, que
várias vezes aparece sob a máscara altruísta “quero te dar uma vida melhor Maria”, mas de
um sonho particular. O desfecho da peça confirma essa leitura. Tião renega o pai, a mãe, a
noiva e a comunidade
Portanto, somos tensionados desde o início da peça com personagens que, não
obstante divergirem sobre projetos de vida, compartilham força de caráter e coragem em
manter suas posições. Isso nos leva a crer que um grande clímax se anuncia (por que não uma
grande tragédia?). Todavia, Guarnieri parece ter se compadecido dos seus personagens.
Experienciamos um desfecho frustrante. Incoerente com a tensão construída no primeiro e
segundo ato. Dada a constituição psicológica de Otávio e Tião, esperávamos um grande
embate. E não somente nós , mas Romana, a personagem mais complexa da peça. Ela teme
pela vida do marido e do filho. A angústia de Romana é a nossa angústia.“Ela não quer que a
família se desmanche”. No momento que Otávio é preso e logo em seguida, Romana sai às
pressas ao seu encontro. Irresistivelmente pensamos que uma tragédia acontecerá. E somos
enganados. Todos retornam são e salvos.
O que exatamente Guarnieri pretendeu com esse final anticlimático? Tião saiu
derrotado. A greve foi um sucesso. A comunidade está feliz, sua esposa, mãe e pai estão
felizes. Seu amigo fura-greve humilhado. Teria Guarnieri mudado de ideia quanto ao objetivo
inicial de não fazer “propaganda política”? Se for esse o caso, segue-se então que a derrota
apenas de Tião é a derrota dos interesses pessoais? Mesquinhez e egoísmo não conduzem a
felicidade? Somente se é feliz junto da comunidade, mesmo que miseravelmente? Era disso
que se tratava o sonho de Tião? Se a resposta a todas essas questões é um sim moralista, ou
seja, devíamos ter assumido no terceiro ato a condição de alunos ou filhos que precisam ser
“educados”, então Guarnieri também devia ter nos avisado. O aviso não veio. Logo, a
frustração é inevitável.

Você também pode gostar