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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

ARTHUR APARECIDO DA SILVA

“A CRISE DO CONGHECIMENTO DE SI DO HOMEM”

CAMPINAS
2020
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

ARTHUR APARECIDO DA SILVA

“A CRISE DO CONHECIMENTO DE SI DO HOMEM”

Trabalho de aproveitamento apresentado à


disciplina Antropologia Filosófica II do Curso
Bacharelado em Filosofia sob orientação do
Prof. Dr. Newton Aquiles von-Zuben.

CAMPINAS
2020
“A CRISE DO CONHECIMENTO DE SI DO HOMEM”

Já não é uma novidade que o autoconhecimento é a maior indagação


filosófica existente pois, em toda história do pensamento filosófico, foi um objetivo
invariável e inabalável; e mesmo visões que desconfiavam daquilo que era externo –
céticos – não descartavam a ideia de conhecer a si mesmo porque pela negação e
destruição da certeza objetiva do mundo externo, o cético espera trazer todos os
pensamentos do homem de volta para o seu próprio ser. O autoconhecimento é o
primeiro pré-requisito da auto-realização. Devemos tentar romper as cadeias que
nos ligam ao mundo exterior para podermos desfrutar nossa verdadeira liberdade.
Podemos criticar a visão puramente introspectiva, ou colocá-la sob suspeição,
mas não suprimi-la ou eliminá-la. Sem a introspecção, sem uma consciência
imediata dos sentimentos, emoções, percepções e pensamentos, não poderíamos
se quer definir o campo da psicologia humana. No entanto, é preciso admitir que,
seguindo apenas este caminho, nunca poderemos chegar a uma visão abrangente
da natureza humana. A introspecção revela-nos apenas aquele pequeno segmento
da vida humana que é acessível à nossa experiência individual. Nunca poderá cobrir
todo o campo dos fenômenos humanos. Mesmo que conseguíssemos coletar e
combinar todos os dados, teríamos ainda uma imagem pobre e fragmentária – um
mero esboço – da natureza humana.
Com Aristóteles e Platão há uma diferença entre seus estilos de
pensamentos. Enquanto o Estagirita fala da importância dos sentidos para adquirir o
conhecimento, Platão separa o intelecto, existe um antagonismo em relação a visão
de mundo entre eles.
A religião não destrói essas primeiras explicações mitológicas. Ao contrário,
preserva a cosmologia e a antropologia mitológicas dando-lhes nova forma e nova
profundidade. A partir de então, o autoconhecimento é mais concebido como um
interesse meramente teórico. Deixa de ser apenas um tema de curiosidade ou
especulação; é declarado como a obrigação fundamental do homem.
A máxima “Conhece-te a ti mesmo”, além de ser muito utilizada no aspecto
religioso, é um princípio válido para a evolução geral do pensamento filosófico. Na
era dos filósofos da natureza – pré-socráticos – havia uma preocupação muito
grande pelo mundo físico, mas com Heráclito que começa a surgir um pensamento
mais voltado para o lado do homem, pensamento esse que encontra sua maturidade
com Sócrates porque é no problema do homem que se encontra o marco que
separa o pensamento socrático do pré-socrático, e a filosofia socrática é
estritamente antropológica.
Sócrates oferece-nos uma análise detalhada e meticulosa das qualidades
humanas individuais. Procura determinar a natureza dessas qualidades e defini-las:
bondade, justiça, temperança, coragem e assim por diante. Mas nunca arrisca uma
definição do homem. Não podemos descobrir a natureza do homem do mesmo
modo que podemos detectar a natureza das coisas físicas. As coisas físicas podem
ser descritas nos termos de suas propriedades objetivas, mas o homem só pode ser
descrito e definido nos termos de sua consciência. A característica distintiva da
filosofia de Sócrates não é um novo conteúdo objetivo, mas uma nova atividade e
função do pensamento. A filosofia, que fora até então concebida como um monólogo
intelectual, é transformada em um diálogo. Só por meio de um pensamento dialético
podemos abordar o problema da natureza humana. Podemos epitomizar o
pensamento de Sócrates dizendo que o homem é definido por ele como o ser que,
quando lhe fazem uma pergunta racional, pode dar uma resposta racional. Tanto o
seu conhecimento como a sua moralidade estão compreendidos nesse círculo. É por
essa faculdade de dar uma resposta a si mesmo e aos outros, que o homem se
torna um ser “responsável”, um sujeito moral.
Semelhante a Sócrates, Marco Aurélio tem a convicção de que, para
encontrar a verdadeira natureza do homem, devemos primeiro remover dele todos
os traços externos ou incidentais, pois, tudo o que acontece de fora ao homem é
nulo e inválido. Sua essência não depende de circunstâncias externas; depende
exclusivamente do valor que ele mesmo se dá e tudo o que interessa é a tendência,
a atitude interior da alma; e tal princípio interior não pode ser perturbado. Na visão
estoica, a própria vida está mudando e flutuando, mas o verdadeiro valor da vida
deve ser buscado em uma ordem eterna que não admite qualquer mudança. Não
está no mundo de nossos sentidos, é apenas pelo poder de nosso juízo que
podemos apreender essa ordem. O juízo é o poder central no homem, a fonte
comum da verdade e da moralidade, pois é a única coisa em que o homem depende
inteiramente de si mesmo; o juízo é livre, autônomo e auto-suficiente. O maior
método desta concepção estóica do homem está no fato de dar ao homem um
profundo sentimento tanto de sua harmonia com a natureza como da sua
independência moral em relação à natureza. Esta teoria estóica revelou-se como
uma das mais potentes forças formativas da cultura antiga, mas viu-se subitamente
em presença de uma nova força, até então desconhecida. As teorias estóica e cristã
do homem não são necessariamente hostis uma à outra mas, surge entre elas um
antagonismo, onde a declarada independência absoluta do homem, que na teoria
estóica era considerada como virtude fundamental do homem, na teoria cristã torna-
se seu vício e erro fundamentais.
Agostinho foi o ponto médio entre o fim da Era Clássica e o início da Idade
Média. Teve influência neoplatônica, mas converteu-se ao cristianismo. Segundo ele
toda filosofia grega estava infectada pelo mesmo erro, o poder da razão era exaltado
como o mais alto poder do homem. Mas o homem jamais poderia ter sabido, até ser
iluminado por uma revelação divina especial, é que a própria razão é uma das
coisas mais questionáveis e ambíguas do mundo. Para Agostinho, a razão não tem
natureza simples e única, mas antes dupla e dividida. Assim é a nova antropologia,
tal como é entendida por Agostinho, e mantida em todos os grandes sistemas de
pensamento medieval.
No início dos tempos modernos, apareceu um pensador que deu a essa
antropologia um novo vigor e um novo esplendor, Pascal. Para ele não há na
natureza nada que possa resistir ao esforço da razão científica, pois não existe nada
que possa resistir a geometria, porém, há coisas que, em virtude de sua sutileza e
sua infinita variedade, desafiam toda tentativa de análise lógica. E, se existe no
mundo qualquer coisa que devemos tratar da segunda maneira, é a mente do
homem. O que caracteriza o homem é a riqueza e sutileza, a variedade e a
versatilidade de sua natureza. No enigma do homem, sua lei primeira e suprema é a
lei da contradição. A contradição é o próprio elemento da existência humana. O
homem não tem uma “natureza”, um ser simples ou homogêneo. Ele é uma estranha
mistura de ser e não-ser. O lugar dele é entre esses dois pólos opostos.
Existe, portanto, apenas uma abordagem para o segredo da natureza
humana: a religião. A religião mostra-nos um homem duplo – o homem antes e
depois da queda. O homem não pode ter confiança em si mesmo e ouvir-se. Deve
silenciar-se para poder ouvir uma voz mais alta e mais verdadeira.
O que se apresenta aqui pretende ser uma solução teórica do problema do
homem. A religião não pode proporcionar essa solução, pois ela não pode ser clara
e racional. A religião é uma lógica do absurdo, pois só assim pode aprender o
absurdo, a contradição interna, o ser quimérico do homem.
Agora, pela primeira vez, o espírito científico, no moderno sentido da palavra,
entra na arena. A busca agora é por uma teoria geral do homem baseada em
observações empíricas e em princípios lógicos gerais. Para entendermos a ordem
das coisas humanas, devemos começar por um estudo da ordem cósmica. Com a
nova ordem cósmica, o homem é colocado em um espaço infinito em que seu ser
parece um ponto único e evanescente.
É compreensível, e foi de fato necessário, que a primeira reação a essa nova
concepção do mundo só pudesse ser negativa – uma reação de dúvida e medo. Em
Montaigne se encontra uma visão de que nada é melhor para humilhar-nos e abater
o orgulho da razão humana que uma visão sem preconceitos do universo físico. O
homem está sempre inclinado a considerar este pequeno círculo em que vive como
o centro do mundo, e a fazer de sua vida particular, privada, o padrão do universo.
Mas deve renunciar a essa vã pretensão, essa maneira medíocre e provinciana de
pensar e julgar.
A filosofia e a ciências modernas tiveram de aceitar o desafio contido nessas
palavras. Tiveram de provar que a nova cosmologia, longe de enfraquecer ou
obstruir o poder da razão humana, estabelece e confirma esse poder. A ideia de
infinito, por exemplo, que na visão grega era concebida de maneira negativa, com
Giordano Bruno, na modernidade, há uma tentativa de dar um novo sentido, dessa
vez positivo, a essa ideia. Na doutrina de Bruno, a infinidade não significa uma mera
negação ou limitação. Ao contrário, significa a imensurável e inesgotável abundância
da realidade e o poder irrestrito do intelecto humano.
Isso é expresso na obra de Bruno em uma linguagem poética, e não
científica. Foram necessários os esforços combinados de todos os metafísicos e
cientistas do século XVII para superar a crise intelectual provocada pela descoberta
do sistema copernicano. A razão matemática é o vínculo entre o homem e o
universo; permite-nos passar livremente de um para o outro. A razão matemática é a
chave para uma verdadeira compreensão das ordens cósmica e moral.
Em 1745, Denis Diderot publicou uma série de aforismos. Nesse ensaio ele
declarou que a superioridade da matemática no domínio da ciência não é mais
inconteste. A matemática, afirmou, alcançou um tão alto grau de perfeição que
nenhum progresso é mais possível; a partir desse momento, a matemática
permanecerá estacionária.
Diderot espera o surgimento de uma nova forma de ciência – uma ciência de
caráter mais concreto, baseada antes na observação dos fatos que na adoção de
princípios gerais. De acordo com Diderot, superestimamos demais os nossos
métodos lógicos e racionais. Em um ponto sem dúvida, o erro dele é óbvio. A sua
expectativa de que o pensamento matemático se paralisaria, que os grandes
matemáticos do século XVIII haviam chegado aos Pilares de Hércules, revelou-se
inteiramente incorreta. Por toda a parte, na ciência do século XIX, deparamos com a
marcha triunfal de novas ideias e novos conceitos matemáticos. Não obstante, a
previsão de Diderot continha um elemento de verdade. Pois a inovação da estrutura
intelectual do século XIX está precisamente no lugar que o pensamento matemático
ocupa na hierarquia científica. Uma nova força começa a surgir. O pensamento
biológico toma a precedência sobre o pensamento matemático. A partir de Darwin o
verdadeiro caráter da filosofia antropológica parece ter sido fixado de uma vez por
todas. Não precisamos mais dedicar-nos a especulações visionárias, pois não
estamos em busca de uma definição geral da natureza ou da essência do homem. O
nosso problema é simplesmente colher as evidências empíricas que a teoria geral
da evolução colocou à nossa disposição em uma medida rica e abundante.
Mas o que se tornou mais importante para a história geral das ideias e para o
desenvolvimento do pensamento filosófico não foram os fatos empíricos da
evolução, e sim a interpretação teórica desses fatos. A evolução havia tido sua
expressão clássica na psicologia de Aristóteles e na sua visão geral de vida
orgânica. A distinção característica e fundamental entre a visão aristotélica e a
moderna consistia no fato de que Aristóteles fazia uma interpretação formal,
enquanto os modernos tentavam uma interpretação material. Um dos principais
objetivos da obra de Darwin foi livrar o pensamento moderno dessa ilusão de causas
finais. Devemos procurar entender a estrutura da natureza orgânica unicamente por
causas materiais , ou não poderemos entende-la.
Um novo problema apresentou-se a todos os filósofos cujo ponto de partida
era a teoria geral da evolução. Tinham de provar que o mundo cultural, o mundo da
civilização humana, é redutível a algumas causas gerais que são as mesmas tanto
para os fenômenos físicos quanto para os fenômenos ditos espirituais.
Os estudos para poder entender e explicar a natureza humana, os métodos
utilizados e os resultados que foram obtidos são duvidosos. Na ânsia de prova uma
unidade de natureza acabou que se construiu uma “salada” de definições, onde
cada área de estudo irá colocar sua própria imagem de natureza humana.
Em virtude desse desenvolvimento, nossa teoria moderna do homem perdeu
seu centro intelectual. Adquirimos, no lugar dele, uma completa anarquia de
pensamento. A metafísica, a teologia, a matemática e a biologia assumiram
sucessivamente a orientação do pensamento sobre o problema do homem e
determinaram a linha de investigação. A verdadeira crise deste problema
manifestou-se quando deixou de existir um tal poder central, capaz de dirigir todos
os esforços individuais.
Que esse antagonismo de ideias não é meramente um grave problema
teórico e sim uma ameaça iminente a toda a extensão de nossa vida ética e cultural
não admite qualquer dúvida.
Nossos instrumentos técnicos para observação e a experimentação foram
imensamente aperfeiçoados, e nossas análises tornaram-se mais aguçadas e mais
penetrantes. Mesmo assim, aparentemente não encontramos ainda um método para
o domínio e a organização desse material. Nossa riqueza de fatos, não é
necessariamente uma riqueza de pensamentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura.
Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 9-43.

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