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Vasculites sistêmicas na população geriátrica

Systemic vasculitis in the geriatric population


Ari Stiel Radu Halpern*

RESUMO routines are being developed to induce a rapid remission allowing


O termo vasculites sistêmicas representa um grupo de doenças change to a less iatrogenic treatment for remission maintenance.
caracterizado pela inflamação na parede de vasos sanguíneos
e conseqüente necrose fibrinóide. Trata-se de uma situação Keywords: Vasculitis; Giant cell arteritis; Polymyalgia rheumatica;
clínica cada vez mais freqüente na população geriátrica, na qual o Wegener granulomatosis; Antibodies, antineutrophil cytoplasmic
diagnóstico e tratamento merecem considerações especiais. As
vasculites mimetizam inúmeras condições clínicas freqüentes no
idoso, dificultando seu reconhecimento. São doenças que afetam INTRODUÇÃO
múltiplos órgãos, muitas vezes com conseqüências devastadoras, Vasculites sistêmicas (VS) é um grupo de doenças ca-
necessitando de um diagnóstico preciso e precoce. A forma mais racterizadas pela presença de inflamação na parede de
comum de vasculite, afetando a população geriátrica, é a arterite vasos sanguíneos e conseqüente necrose fibrinóide. Esse
de células gigantes ou arterite temporal, que ocorre exclusivamente processo inflamatório pode levar à estenose e isquemia
acima dos 50 anos de idade. Além dessa, a granulomatose de Wegener tecidual ou à formação de aneurismas e sangramento.
e a poliangeite microscópica também afetam freqüentemente
Muito embora um processo de vasculite inflama-
pacientes com mais de 65 anos de idade. Avanços no tratamento
desses pacientes permitiram diminuir a mortalidade e morbidade tória ocorra, freqüentemente, como manifestação de
das vasculites. No entanto, o próprio tratamento permanece como outra doença inflamatória auto-imune ou neoplasia,
um fator importante de morbidade. Os esquemas terapêuticos atuais são as vasculites sistêmicas primárias que serão princi-
visam induzir rapidamente a remissão da doença, permitindo a troca palmente abordadas aqui. Trata-se de um diagnóstico
por um esquema terapêutico menos agressivo na manutenção da cada vez mais freqüente na população geriátrica. Além
remissão. Nesse sentido, os avanços recentes permitiram alterar a disso, a idade do paciente tem um papel importante nos
iatrogenia do esquema imunossupressor utilizado no tratamento das diferentes aspectos dessas doenças, inclusive no seu tra-
vasculites. tamento.
As VS têm manifestações clínicas bastante diversas,
Descritores: Vasculite; Arterite de células gigantes; Polimialgia
mas, freqüentemente devastadoras, particularmente
reumática; Granulomatose de Wegener; Anticorpos anticitoplasma
de neutrófilos
nas pessoas mais idosas. Muito embora sejam relativa-
mente raras, seu quadro clínico é variado, podendo aco-
meter múltiplos órgãos simultaneamente. Dessa forma,
ABSTRACT mimetizam inúmeras condições clínicas freqüentes no
Systemic vasculitis is a group of diseases characterized by idoso, dificultando seu reconhecimento. Por outro lado,
inflammation of blood vessels with fibrinoid necrosis and resulting avanços recentes no conhecimento da sua fisiopatolo-
ischemic changes. In the geriatric population it has been frequently gia, diagnóstico e manuseio, permitiram alterar a mor-
described with patient age playing an important role in both the bidade e a mortalidade relacionadas com a própria do-
diagnosis and treatment of these diseases. Vasculitis may mimic ença ou o seu tratamento.
many common clinical situations of the elderly. They can affect A primeira forma de VS a ser descrita como entida-
multiple organs at the same time with devastating consequences and de independente de um processo infeccioso subjacente
challenging diagnosis. The most common form of systemic vasculitis foi a periarterite nodosa, em 1866. Desde essa época,
in older adults is giant cell arteritis or temporal arteritis that occurs várias outras formas de VS têm sido descritas, porém,
exclusively in people older than 50 years. Wegener granulomatosis
não existe ainda um consenso na classificação dessas
and microscopic polyangiitis are also frequent in the geriatric
population. Treatment of vasculitis has developed to achieve a low
doenças. Como dificuldade adicional, o quadro clínico
mortality and morbidity rate. Nevertheless, traditional therapeutic e os achados laboratoriais da maior parte das VS são
regimes are still related with severe side effects. New therapeutic inespecíficos, permitindo diferentes formas de classifi-

* Doutor, Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.
Autor correspondente: Ari Stiel Radu Halpern – Rua Januário Miráglia, 198 – Vila Nova Conceição – CEP 04507-020 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 3884-7372 – e-mail: ari@arthron.com.br

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cação de um mesmo doente. Em geral, a classificação ARTERITE DE CÉLULAS GIGANTES


dessas doenças leva em consideração uma associação A arterite de células gigantes (ACG) ou arterite tem-
de achados clínicos com aspectos histopatológicos, re- poral é uma forma de VS granulomatosa, que acome-
lacionados com o tamanho dos vasos acometidos(1). Na te tipicamente pacientes geriátricos. A idade média do
década de 1990, a descoberta da relação entre a pre- início dos sintomas é de 72 anos, sendo que a doença
sença de anticorpos contra o citoplasma de neutrófilos nunca acontece antes da quinta década de vida(2). O pro-
(ANCA) e certas formas de VS proporcionou o primei- cesso inflamatório agride, preferencialmente, a carótida
ro exame laboratorial com algum grau de especificidade e seus ramos extracraniais, mas também outras artérias
para essas doenças. Ainda assim, os critérios de classi- de grande e médio calibre, sendo que as mulheres são
ficação das VS existentes, atualmente, ainda não levam afetadas duas vezes mais que homens. Em paises do nor-
em consideração a presença de ANCA (Quadro 1). te da Europa e nos Estados Unidos, ela é a forma mais
freqüente de VS(3). Na Escandinávia, sua prevalência
Quadro 1. Classificação das vasculites
atinge 15 a 35/100.000 habitantes com mais de 50 anos.
Arterite de células gigantes
(arterite temporal)
A ACG se refere a uma doença sistêmica que se ma-
Vasculites de grandes vasos
Arterite de Takayasu nifesta, usualmente, com febre, astenia e perda de peso.
No entanto, os sintomas mais característicos da doença
Poliarterite nodosa clássica são exatamente aqueles secundários ao envolvimento
Vasculites de vasos de médio calibre
Doença de Kawasaki de ramos da carótida. O quadro mais típico é o de uma
cefaléia temporal intensa, de início recente, hipersensi-
Granulomatose de Wegener bilidade na região da carótida acometida e grande au-
Síndrome de Churg e Strauss
mento das provas de atividade inflamatória (PAI), par-
Poliangiite (poliarterite) microscópica
Vasculites de pequenos vasos
Púrpura de Henoch Shoenlein ticularmente a velocidade de hemossedimentação. Esse
Crioglobulinemia essencial quadro é tão característico que permite um diagnóstico
Vasculite leucocitoclástica cutânea mesmo na ausência de uma confirmação histológica. No
entanto, muitos pacientes apresentam outros sintomas
A forma mais comum de VS afetando a população menos evocativos da doença (Quadro 3) ou um quadro
geriátrica é a arterite de células gigantes ou arterite inicial insidioso, caracterizado por curtos períodos de
temporal, que ocorre exclusivamente acima dos 50 anos remissão e recidiva. A complicação mais temida é a
de idade. Outras formas de VS também acometem a amaurose súbita e irreversível, secundária à isquemia
população geriátrica, porém mais raramente. Serão dis- do nervo óptico. Nesse sentido, a presença de manifes-
cutidas a seguir, as vasculites associadas ao ANCA e a tações oculares como diplopia ou amaurose transitória
arterite temporal, que representam a maioria dos casos deve sempre alertar o clínico para um provável desen-
de VS em adultos com mais de 65 anos. volvimento de amaurose definitiva na ausência de um
De maneira geral, o diagnóstico de VS deve ser lem- tratamento agressivo.
brando em algumas condições clínicas especiais (Qua-
dro 2). Apenas um alto índice de suspeita clínica, asso- Quadro 3. Manifestações clínicas da arterite de células gigantes
ciado ao conhecimento dessas doenças, pode permitir o • Cefaléia recente
seu diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica • Distúrbios visuais agudos
específica. • Sintomas de polimialgia reumática
• Claudificação de mandíbula
Quadro 2. Condições clínicas suspeitas de vasculites • Claudificação de língua
• Sensibilidade de couro cabeludo
• Envolvimento concomitante de múltiplos órgãos
• Febre ou anemia de origem não esclarecida
• Glomerulonefrite
Grande aumento da velocidade de hemosedimentação
• Síndrome pulmão-rim
• Neuropatia periférica
• Trombose arterial ou venosa Além disso, é muito freqüente a associação da ACG
• Cefaléia temporal de início recente
com quadro de polimialgia reumática, caracterizado por
• Claudicação de mandíbula
artralgias, dor e rigidez da cintura escapular e pélvica.
• Amaurose súbita
• Sinusopatia de repetição
Apesar de ser uma doença sistêmica, o envolvimento
• Úlceras cutâneas de órgãos como rins, pulmão e pele são bastante raros.
• Púrpura cutânea No entanto a ACG está associada com um importante
• Nódulos cutâneos aumento na morbidade e mortalidade, particularmente
• Livedo reticularis relacionadas com isquemia de extremidades, aneuris-
• Grande elevação de provas de atividade inflamatória mas de aorta e acidente vascular cerebral(4).

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A suspeita diagnóstica é feita em pacientes com mais Apesar do tratamento acima descrito, complicações
de 50 anos de idade, apresentando quadro clínico ca- vasculares são muito mais freqüentes nos portadores de
racterístico associado com grande elevação da PAI. Al- ACG do que em controles normais. Em um modelo ani-
guns pacientes apresentam espessamento e nodulações mal, o uso da aspirina como antiadesivo plaquetário se
visíveis clinicamente no trajeto da artéria. Outras vezes, mostrou muito mais eficiente do que o CE na inibição
alterações no fluxo sanguíneo podem ser detectados por do interferon-α, tido como um mediador importante da
métodos de imagem, particularmente o ultra-som com inflamação na ACG. Dessa forma, o uso de aspirina,
Doppler e a ressonância magnética(5-6). A biópsia de ar- em baixas doses, parece estar indicado para todos pa-
téria temporal revela um processo inflamatório acome- cientes com ACG(8). Outras drogas imunossupressoras,
tendo todas as camadas da parede arterial com presença particularmente o metotrexate (MTX) e o anti TNF-α,
de granulomas e células gigantes. Como o acometimento têm sido utilizadas na tentativa de diminuir a dose total
arterial é segmentar, é necessário realizar biópsias com de CE. Estudos publicados na literatura são divergentes
pelo menos três a cinco cm de comprimento, examinados quanto à eficácia dessa abordagem(9-11).
em toda sua extensão. Apesar destes cuidados, a sensibi- Casos de polimialgia reumática isolada, sem sinais
lidade do método varia de 50 a 80% apenas. Neste senti- de ACG, podem ser tratados com doses baixas de CE
do, a detecção, por exames de imagem, do segmento da com ótima resposta clínica. No entanto, esses pacientes
artéria mais acometido aumenta a sensibilidade da bióp- devem ser monitorizados quanto ao desenvolvimento
sia, no entanto é importantíssimo ressaltar que, nos casos de sintomas sugestivos de ACG.
altamente suspeitos, o tratamento deve ser introduzido O uso de CE, em altas doses na população geriátri-
mesmo na ausência de confirmação histológica para evi- ca, está particularmente associado com efeitos colaterais
tar a amaurose definitiva. Da mesma forma, o início de graves, em especial, o risco de fraturas por osteoporose,
uma terapia agressiva e potencialmente iatrogênica deve que deve ser prevenido com a suplementação precoce de
ser fundamentado pela biópsia, que é recomendada em cálcio e vitamina D. Além disso, quando possível, os pa-
todos casos suspeitos de ACG e em alguns casos duvido- cientes em altas doses de CE devem fazer uso associado
sos com sintomas de polimialgia reumática(7). de bisfosfonados, com orientações de atividades físicas e
Corticosteróide (CE) é a droga de escolha no trata- cuidados para evitar quedas no ambiente domiciliar.
mento da ACG, devendo ser introduzido imediatamente
nos casos de grande suspeita. Apesar da ausência de es-
tudos controlados contra placebo, sua eficácia está muito GRANULOMATOSE DE WEGENER
bem estabelecida por anos de experiência e, particular- E POLIANGEITE MICROSCÓPICA
mente, pela evolução devastadora dos casos não trata- A granulomatose de Wegener (GW) é uma forma grave
dos. Normalmente, dá-se preferência para a utilização de VS de etiologia desconhecida. A tríade clínica clás-
da prednisona em doses diárias de 40 a 60 mg. Apesar sica consiste na associação de inflamação granuloma-
do risco do uso de doses altas de CE na população geri- tosa necrosante das vias aéreas superiores e inferiores,
átrica, é preciso ressaltar que casos tratados com doses glomerulonefrite crescêntica e VS, afetando predomi-
insuficientes têm alto risco para complicações oculares e nantemente pequenos vasos. Mais recentemente, foi
vasculares. Em um estudo recente, Mazlumzadeh et al.(4) demonstrada uma relação altamente específica entre
compararam esse regime tradicional com um esquema a GW e a detecção no soro de anticorpos contra o ci-
de indução de remissão, com pulso endovenoso de altas toplasma de neutrófilos (ANCA), particularmente nas
doses de metilprednisolona (15 mg/kg por três dias). Os formas generalizadas da doença.
autores demonstraram, nos pacientes com esquema de As primeiras descrições de casos clínicos suspeitos de
indução, uma maior taxa de remissão sustentada, maior GW ocorreram em 1931 por Klinger(12), como variantes
chance de atingir doses de prednisona abaixo dos cinco da periarterite nodosa. Em 1936, o patologista alemão,
mg e uma dose cumulativa média menor de CE. Os dois Friedrich Wegener(13), descreveu os achados clínicos na
grupos apresentaram efeitos colaterais semelhantes, per- autópsia de três pacientes com a doença que passou a
mitindo a conclusão dos autores que esse esquema seria ser conhecida com o seu nome. Nessas primeiras des-
uma boa alternativa para o tratamento inicial da ACG. crições, todos os pacientes iniciaram com sintomas de
A resposta ao uso inicial de CE costuma ser bas- vias aéreas superiores e evoluíram, rapidamente, para
tante rápida, por isso, cerca de quatro semanas após o uma doença sistêmica letal, associada com insuficiência
início do tratamento, a dose de prednisona deve ser re- renal e vasculite generalizada. Os diversos casos descri-
duzida progressivamente. No entanto, recidivas clínicas tos nas décadas subseqüentes revelavam uma doença
são bastante freqüentes com a redução do CE e alguns iniciando nas vias aéreas superiores, levando a impor-
pacientes permanecem dependentes do uso crônico de tante destruição tecidual e evolução sempre fatal em
CE em doses baixas. até cinco anos do diagnóstico. Apesar da subseqüente

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descrição de formas localizadas de GW, a doença conti- Existe, no entanto, uma forma limitada às vias aéreas
nuou a ser considerada fatal, mesmo quando, na segun- superiores (eventualmente pulmão). As formas limi-
da metade do século 20, o uso de CE trouxe uma peque- tadas representam até 25% dos casos de GW, muito
na melhora na sobrevida destes pacientes. Foi apenas embora a maioria desses pacientes evolua, no decor-
com a introdução da ciclofosfamida, na década de 1970, rer dos anos, para forma generalizada. Esses casos de
que a sobrevida desses pacientes sofreu uma dramáti- GW limitada apresentam um curso clínico recorren-
ca melhora(14). Posteriormente, a descoberta da relação te, com lesões destrutivas do trato respiratório alto e
entre ANCA e GW por van der Woude et al.(15) permitiu ANCA negativa. É preciso ressaltar que, apesar da
um diagnóstico e tratamento mais precoce, tornando a tríade clássica característica da doença, a GW pode
GW uma forma de doença crônica e recidivante. afetar, literalmente, qualquer órgão ou sistema, mes-
Dessa forma, tem se tornado, cada vez mais freqüen- mo nas formas limitadas. O envolvimento renal, por
tes os pacientes portadores de GW, na faixa geriátrica. sua vez, é menos freqüente e idêntico aquele obser-
Nos últimos 20 anos de atendimento a pacientes com vado na PAM ou na glomerulonefrite pauci-imune
VS no ambulatório do Hospital das Clínicas da Facul- isolada. Essas duas entidades podem evoluir com
dade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC- sintomas pulmonares ou VS, com aspecto clínico que
FMUSP), a idade do inicio dos sintomas variou de 12 a se sobrepõe ao da GW. Dessa forma a distinção des-
72 anos, com uma idade média de 39 anos. No entanto, sas entidades clínicas, particularmente a GW e PAM
atualmente, quase 40% dos pacientes em acompanha- pode ser muito difícil.
mento têm mais de 50 anos de idade e cerca de 10% • Vias Aéreas Superiores (VAS): quase todos os pa-
tem mais de 65 anos de idade. cientes com a forma clássica ou limitada da GW
apresentam sintomas de VAS. A maioria dos casos
apresenta manifestações de VAS já ao diagnóstico
DEFINIÇÃO (Quadro 4) e quase a totalidade dos pacientes vai
Desde suas descrições iniciais, a GW tem sido confundida apresentar manifestações de VAS no decorrer da
com a poliarterite nodosa, a vasculite de Churg Strauss e evolução da doença(19). Muito freqüentemente, as
outras formas de VS acometendo pequenos vasos. A fre- formas limitadas de GW se iniciam com manifesta-
qüente sobreposição de sinais e sintomas clínicos entre ções isoladas de VAS como sinusites de repetição,
as diferentes formas de vasculites traz uma dificuldade desabamento de septo nasal ou estenose subglótica.
especial na classificação dessas doenças em entidades Essas manifestações conferem grande morbidade
distintas. Mais recentemente, foi estabelecida a relação à doença, seja no aspecto estético facial seja na di-
entre ANCA e a GW, a poliangeite microscópica (PAM) ficuldade de tratamento com recidivas e infecções
e a glomerulonefrite crescêntica pauci-imune isolada intercorrentes freqüentes. A estenose subglótica,
(vasculite limitada ao rim). Enquanto que anticorpos em particular, pode evoluir, independentemente,
contra a proteinase-3 (ANCA clássico ou cANCA) têm da remissão de outros sintomas da doença, para a
se mostrado marcadores da GW generalizada, anticorpos necessidade de traqueostomia definitiva(20). Além
contra a mieloperoxidase (ANCA perinuclear ou pAN- desses sintomas, são também freqüentes quadros
CA) são observados, principalmente, em portadores de de úlceras orais, gengivite, otite com ou sem perda
PAM, alguns casos de vasculite de Churg e Strauss e de auditiva, mastoidite e epistaxe. A associação entre
glomerulonefrite crescêntica isolada ou associada a he- desabamento de septo (nariz em sela) e proptose
morragia alveolar(16-18). Dessa forma, criou-se o conceito ocular confere uma fácies mais ou menos caracterís-
de vasculites associadas ao ANCA (VAA), incluindo to- tica da doença (Figura 1).
das essas situações clínicas que variam de formas locali-
zadas em vias aéreas superiores, formas renais puras, até Quadro 4. Apresentação clínica ao diagnóstico de 50 pacientes com
granulomatose de Wegener
vasculite disseminada de pequenos vasos com ou sem a
Homens 24 (48%)
demonstração de granulomas. Além do marcador soroló-
Mulheres 26 (52%)
gico, estas entidades compartilham uma evolução clínica Média de idade 39 ± 15 (12-71)
recidivante e uma boa resposta ao uso da ciclofosfamida. Vias aéreas superiores 42 (84%)
Vale ressaltar, no entanto, que apesar do nome, nem to- Pulmões 31 (62%)
dos os casos de VAA evoluem com ANCA detectável. Rins 23 (46%)
Olhos 23 (46%)
Sistema osteoarticular 21 (42%)
QUADRO CLÍNICO Pele 21 (42%)
Sistema nervoso 15 (30%)
A forma clássica da GW é uma VS envolvendo vias
Fonte: Antunes T, Barbas CV, Radu-Halpern AS. Dados coletados no Hospital das Clínicas da Universidade de São
aéreas superiores, vias aéreas inferiores e o rim. Paulo 1985 a 2000.

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pondem pela maioria dos casos. Além disso, são


observados casos de ulcerações corneanas, episcle-
rite, neuropatia óptica, obstrução de ducto lacrima
e vasculite retineana. O envolvimento ocular pode,
eventualmente, ocorrer de forma isolada antes das
outras manifestações sistêmicas(22).
• Sistema músculo esquelético: quadros importantes
de mialgia e poliartralgia são bastante freqüentes na
apresentação da doença. Alguns pacientes evoluem
com artrite inflamatória, geralmente de forma pauci
ou monoarticular e migratória. No entanto, rara-
mente, pacientes apresentam uma poliartrite que,
associada à positividade do fator reumatóide, pode
levar ao falso diagnóstico de artrite reumatóide.
• Pele: as manifestações cutâneas da GW incluem
púrpura palpável, úlceras, nódulos, vesículas e infar-
tos digitais. Embora freqüentes, são manifestações
inespecíficas do ponto de vista clínico. Da mesma
forma, os achados histológicos, freqüentemente, re-
velam apenas uma vasculite neutrofílica tipo leuco-
citoclástica, de tal forma que a pele, apesar de sua
facilidade de acesso, não é um bom alvo para bióp-
sias com finalidade diagnóstica(23).
• Outras manifestações: virtualmente qualquer ór-
gão pode ser afetado na GW, incluindo sistema
nervoso central e periférico, coração, trato gas-
trintestinal e trato geniturinário. Manifestações
constitucionais como febre, perda de peso e aste-
nia são também muito freqüentes, particularmen-
Figura 1. Granulomatose de Wegener: desabamento nasal e proptose ocular te no início da doença.
• Poliangeite microscópica (PAM): caracterizada
• Pulmões: muitos pacientes com envolvimento pul- como uma forma de vasculite sistêmica necrotizante
monar são assintomáticos no início da doença, de pequenos vasos, com pouco ou nenhum depósi-
evoluindo progressivamente com quadro de tosse, to imune (pauci-imune), a PAM tem sido, às vezes,
dispnéia e escarros hemoptoicos. As imagens ra- classificada como parte do espectro da poliarterite
diológicas podem revelar nódulos cavitados ou não, nodosa, outras vezes como uma entidade distinta(3).
massas, inflitrados intersticiais e infiltrados pleurais. No entanto, sua semelhança com a GW (exceto pela
A hemorragia alveolar maciça pode ser uma mani- ausência de granulomas nas lesões) e a associação
festação inicial e catastrófica da GW. Seu diagnóstico com um marcador serológico comum (ANCA) per-
é difícil, dependendo de um alto grau de suspeita, na mitem, também, classificá-la no espectro da GW. Sua
presença de dispnéia súbita. O achado radiológico de apresentação clínica, com quadro agudo e grave de
infiltrado alveolar bilateral, associado aos sinais de glomerulonefrite, hemorragia alveolar e graus vari-
hipoxemia e queda nos níveis da hemoglobina, con- áveis de VS acometendo múltiplos órgãos, pode ser
firma o diagnóstico, porém, a biópsia desses casos, difícil de diferenciar da GW. Outras vezes, evolui com
geralmente, revela apenas um processo de alveolite. quadro insidioso, associado com uma neuropatia pe-
• Rim: raramente a GW pode se apresentar já com riférica assemelhando-se com a poliarterite nodosa.
sinais de insuficiência renal. No entanto, cerca de
50% dos casos apresentam alterações do sedimento
DIAGNÓSTICO
urinário ao diagnóstico. O achado histológico é de
uma glomerulonefrite crescêntica pauci-imune(21). Diagnóstico laboratorial
• Olho: manifestações oculares ocorrem em cerca de Exames laboratoriais de rotina na GW são, geralmente,
50% dos casos de GW. Uveíte, conjuntivite e mas- inespecíficos. Mesmo assim, podem auxiliar na suspei-
sas retro-orbitárias causando proptose ocular res- ta diagnóstica e no diagnóstico diferencial com outras

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afecções. Na fase aguda da doença, o laboratório mostra de situações clínicas. Nos portadores de vasculites, ob-
sinais de inflamação ativa intensa, com grande elevação servou-se que pANCA ocorre mais freqüentemente em
da velocidade de hemossedimentação e da proteína C pacientes com doença limitada aos rins ou nos casos de
reativa. Da mesma forma, observa-se, freqüentemente, PAM. Apesar dessas associações clínicas divergentes, os
uma trombocitose e uma leucocitose leve/moderada. A dois padrões de IF são causados por uma resposta auto-
presença de leucopenia é um fator contrário à hipótese imune, igualmente dirigida contra enzimas de grânulos
diagnóstica de GW. Por outro lado, anemia normocítica azurófilos de PMN humanos como a mieloperoxidase,
e normocrômica é comumente observada. lisozima, elastase, catepsina G e proteinase-3 (PR3). O
padrão cANCA decorre de anticorpos contra a PR3. O
padrão pANCA, por sua vez, representa maior variedade
ANCA de especificidades antigênicas como a mieloperoxidase
Na década de 1980, foi descoberta a associação da GW (MPO), elastase, lactoferrina e catepsina G. No entanto,
(e outras vasculites) com a presença de anticorpos es- na população com vasculite de pequenos vasos ou com
pecíficos. A partir dessa época, vários consensos in- glomerulonefrite, a MPO parece ser o principal alvo dos
ternacionais foram realizados, com objetivo de padro- anticorpos. Mais recentemente, foi descrito o padrão
nizar técnicas e difundir conhecimentos atualizados atípico de ANCA, que representa reação a lactoferrina,
sobre o papel desses anticorpos nas vasculites e outras catepsina G e outros antígenos diferentes da PR3. Esse
doenças(24). Sua detecção tem utilidade não apenas no padrão tem importância clínica, já que a confusão com
diagnóstico precoce dessas VS como também no acom- o padrão cANCA é uma das principais causas de testes
panhamento terapêutico e prevenção de recidivas(15). falsos-positivos. Nesse sentido, várias doenças fora do es-
Da mesma forma, a descoberta desses anticorpos trou- pectro das vasculites podem apresentar ANCA positivo.
xe novas informações sobre a fisiopatologia da GW, da A artrite reumatóide, a síndrome de Felty, a colangite es-
qual se compreende seu grande impacto. A primeira clerosante, a hepatite crônica ativa desenvolvem ANCA,
descrição desse marcador surgiu no início da década de geralmente em baixos títulos e IF atípica. Nesses casos, o
1980 com o relato da presença de IgG contra compo- padrão de IF é a conseqüência de múltiplas reatividades
nentes do citoplasma de polimorfonucleares neutrófilos a vários antígenos dos grânulos neutrofílicos bem como a
(PMN), no soro de oito pacientes. Nesse sentido, um es- antígenos nucleares e citosólicos. Da mesma forma, pa-
tudo multicêntrico, realizado na Holanda e Dinamarca, cientes com infecções crônicas ou menor defesa contra
demonstrou o valor da detecção de ANCA por imuno- invasão bacteriana como portadores de fibrose cística,
fluorescência (IF), no diagnóstico e acompanhamento RCUI e bronquiectasias produzem ANCA dirigido con-
de portadores de GW(15). Essa descoberta marcou o iní- tra a bacterial permeability-increasing protein (BPI), que
cio do estudo dos ANCA nas VS e, certamente, repre- também é produto de grânulos azurófilos.
sentou um dos maiores avanços no diagnóstico e estudo A IF indireta é o teste mais utilizado para detecção
dessas doenças. Esses autores detectaram ANCA em 25 de ANCA. Embora seja um teste rápido e barato sua
dos 27 portadores de GW ativa contra quatro dos 32 interpretação traz algumas dificuldades como a presen-
com a doença em remissão. Não foi observado qualquer ça de padrões atípicos e uma sensibilidade insuficiente
teste falso-positivo no Grupo Controle, que incluía di- na presença de baixos títulos de anticorpos. Por esses
versos pacientes com vasculites variadas, glomerulone- motivos, foram desenvolvidos ensaios de Enzyme-linked
frites, doenças do conectivo e doenças granulomatosas. immunosorbent assay (ELISA), utilizando anticorpos
O teste foi considerado altamente específico para GW e monoclonais contra a PR3 ou a MPO, que passaram a
parecia ter relação com a atividade da doença. ser amplamente utilizados. Hoje, está claro que, à se-
Esses anticorpos foram, inicialmente, detectados por melhança do que é observado com os fatores antinú-
IF. A detecção de ANCA foi considerada específica para cleo nas doenças auto-imunes, existe toda uma classe
a GW ou a PAM. No entanto, posteriormente, ANCA foi de auto-anticorpos que reagem com enzimas mielóides
demonstrada em associação com um número crescente de nas VS e glomerulonefrites. Esses anticorpos se expres-
situações clínicas tais como, poliarterite nodosa (PAN), sam por diferentes padrões de fluorescência quando se
ACG, vasculite de Churg e Strauss, certas formas de glo- utiliza o PMN como substrato. Apesar de uma sensibi-
merulonefrite necrosante rapidamente progressiva, bem lidade relativamente baixa para a GW e PAM, particu-
como doenças fora do espectro clínico das vasculites. larmente nas formas localizadas ou em remissão, o tes-
Essas divergências foram parcialmente esclarecidas com te de IF continua sendo o padrão-ouro da investigação
a constatação da existência de pelo menos dois padrões inicial desses anticorpos. Na experiência dos autores, a
de IF distintos: o padrão clássico e o padrão perinucle- variedade de anticorpos envolvidos nessa resposta au-
ar. Enquanto cANCA parece ser específico para GW, o to-imune exige que a sua pesquisa seja iniciada por um
pANCA pode ser observado em uma grande variedade teste abrangente como a IF. A especificidade antigênica

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deve, no entanto, ser confirmada por testes de ELISA. mina o material deve estar familiarizado com o estudo
Os testes de ELISA são, particularmente, úteis nos ca- das VS e o local de biópsia deve ser escolhido criterio-
sos de ANCA em baixos títulos, na diferenciação de samente. Os achados característicos, mas não patogno-
fluorescência atípica de ANCA verdadeiro, na presença mônicos da GW, são:
concomitante de anticorpos antinucleares, na detecção • vasculite de pequenos vasos (venulite, capilarite e
de anti-MPO em casos de glomerulonefrites ou síndro- eventualmente arteriolite);
me pulmão-rim. Vale ressaltar que, muito embora o pa- • necrose fibrinóide, infiltrado inflamatório neutrofí-
drão cANCA seja altamente específico para a presença lico;
de anti-PR3, existem algumas exceções como alguns • presença de granulomas, incluindo granulomas em
soros anti-MPO que produzem IF clássica por motivos paliçada, presença de células gigantes ou granulo-
ainda não esclarecidos. Assim sendo, o consenso inter- mas incompletos.
nacional de ANCA sugere que a pesquisa desses anti-
corpos na monitorização terapêutica e no diagnóstico As lesões de VAS são facilmente acessíveis por
de casos suspeitos de GW, vasculite de Churg e Strauss, métodos pouco invasivos. No entanto, freqüentemente,
PAM e sua variante renal limitada (glomérulo-nefrite as biópsias dessas lesões revelam apenas um infiltrado
crescêntica pauci-imune) seja sempre realizada com a inflamatório não específico. A retirada de material ci-
associação do teste de IF e teste de ELISA anti-PR3 e rúrgico de seios da face ou região mastóide aumenta a
anti-MPO(25-26). Na ausência de um teste de ELISA, a sensibilidade da biópsia. A presença de granuloma no
detecção de ANCA por IF com padrão clássico pode tecido examinado aumenta a suspeita, mas ainda não
ser considerada bastante específica, muito embora sua é específica para GW. Há necessidade de se confirmar
sensibilidade não ultrapasse os 70 a 80%. A presença à presença de vasculite de pequenos vasos e necrose fi-
de pANCA pode ser pouco específica, mas passa a ter brinóide, o que é observado em apenas 1/3 dos casos de
valor clínico na suspeita clínica de vasculite ou em casos biópsias não invasivas de VAS. Além disso, outros ór-
de glomerulonefrite crescêntica. gãos afetados podem ser biopsiados. A pele, não reflete
Além do seu papel no diagnóstico das VS, esses de maneira específica os achados característicos da GW,
anticorpos têm um papel no acompanhamento tera- porém ajudam a confirmar a presença de uma vasculite.
pêutico das VS, devido à sua flutuação com a atividade Por outro lado, a biópsia renal tipicamente revela uma
de doença(27). Já está estabelecido que os títulos desse glomerulonefrite necrosante segmentar e focal, pauci-
anticorpo não se alteram com a presença de infecção imune. Este achado, embora seja comum a todas as for-
intercorrente e que a IF tende a negativar na doença mas de vasculites associadas ao ANCA, tem pouca im-
em remissão. Estudos prospectivos demonstram que portância terapêutica. Outro sítio comumente utilizado
um aumento nos níveis séricos de ANCA, geralmente, para estudo histológico é o pulmão (principalmente por
precedem recidivas da doença. Isto vale para testes de toracoscopia). Além da pesquisa de vasculite, granulo-
ELISA aPR-3 e aMPO, mas também para os testes de ma e necrose fibrinóide, é necessário excluir a presen-
IF (com menor sensibilidade). No entanto, esse não é ça de infecções que possam produzir granulomas e se
um achado universal. Existem casos nos quais a recidiva confundir com a GW. Vale ressaltar que, em casos de
ocorre sem um prévio aumento de ANCA e alguns ca- hemorragia alveolar, a biópsia costuma revelar apenas
sos raros nos quais os títulos não caem após remissão da uma alveolite inespecífica.
doença, muito embora esses pacientes tenham uma ten-
dência a um pior prognóstico renal ao longo dos anos.
Além disso, esse aumento dos ANCA pode anteceder TRATAMENTO
muito a recidiva clínica, não justificando um imediato A forma generalizada da GW é uma doença grave e
aumento nas doses de drogas imunossupressoras poten- fatal quando não tratada a tempo. No entanto, o uso
cialmente tóxicas. Portanto, conclui-se que muito em- da, na década de 1970, mudou radicalmente a sobre-
bora a avaliação seriada de ANCA seja bastante útil no vida desses pacientes. Assim sendo, nos casos de GW
acompanhamento terapêutico dos portadores de VS, a generalizada, está indicado o uso de ciclofosfamida
decisão terapêutica deve se basear em aspectos clínicos associada a altas doses de glicocorticóides. O esquema
e laboratoriais associados. mais utilizado, ainda hoje, é aquele do estudo clássico
do National Institute of Health (NIH), com ciclofosfa-
mida na dose de 2 mg/kg/dia e prednisona na dose de
Biópsias teciduais 1 mg/kg/dia(14). A dose de CE é, posteriormente, redu-
O diagnóstico da GW deve ser confirmado, sempre que zida de forma gradual, até a retirada em cerca de 12
possível, por um exame histológico de um órgão com meses. A ciclofosfamida, por sua vez, foi mantida por
atividade de doença. No entanto, o patologista que exa- pelo menos um ano após a remissão da doença, mas o

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tempo ideal de manutenção do tratamento é ainda dis- Por isso mesmo, além das drogas citadas acima, ou-
cutível. Esse esquema terapêutico levou mais de 75% tros fármacos têm sido utilizados em grupos pequenos
dos pacientes a atingiram uma remissão inicial da do- de pacientes com GW. Os resultados de estudos preli-
ença. No entanto, está associado com uma toxicidade minares com essas drogas ainda são inconclusivos, mas,
considerável, principalmente na população geriátrica. aparentemente, esquemas imunossupressores menos
O uso crônico da ciclofosfamida leva a infecções opor- tóxicos, como o uso de azatioprina, metotrexate, leflu-
tunísticas, citopenias, cistite e câncer de bexiga. Assim nomida ou micofenolato mofetil, parecem úteis na ma-
sendo, em vários estudos foi comparado o uso da ciclo- nutenção da remissão da doença.
fosfamida em doses diárias via oral com o uso, menos O uso de gamaglobulina endovenosa também é
tóxico, em pulsos endovenosos mensais(28), sendo que uma alternativa viável, particularmente nos casos as-
o uso diário, embora mais tóxico, produziu remissões sociados com infecções intercorrentes, leucopenia ou
mais duráveis. Portanto, trata-se de um esquema tera- hipogamaglobulinemia(32). A plasmaferese, por sua vez,
pêutico que exige monitoração cuidadosa. Por esse mo- pode ser útil em alguns casos, na fase aguda, associada
tivo, outros esquemas, menos tóxicos, têm sido estuda- com hemorragia alveolar ou insuficiência renal rapida-
dos, incluindo o uso do metotrexate e da azatioprina. mente progressiva(33).
Na maioria dos casos, os autores induziram a remissão Finalmente, novas drogas, como agentes biológicos
da doença com o esquema clássico por períodos mais monoclonais, têm sido estudados no tratamento da GW.
curtos, mantendo a remissão com esquemas menos tó- Dados atuais mostram que o uso do etanercept (um
xicos. O uso do metotrexate, em doses de até 25 mg/ agente anti TNF-α), foi ineficiente e associado a uma
semana (associado aos CE) tem se demonstrado útil alta incidência de tumores sólidos em portadores de
nos casos de GW localizada(29-30). No entanto, seu uso na GW(34). Por outro lado, existem relatos iniciais da eficá-
manutenção da remissão da GW generalizada, embora cia do rituximab (anticorpo anti-CD20, um agente an-
menos tóxico que a ciclofosfamida, parece estar relacio- tilinfócitos B) e de anticorpos antitimócitos em grupos
nado com maior taxa de recidiva. Por esse motivo, não é restritos de pacientes(35).
considerado agente de primeira escolha para casos com
envolvimento grave dos rins, pulmões ou outros órgãos
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