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A
osteonecrose induzida por bifosfanato real frequência entre os pacientes usuários de
(OIB) foi inicialmente abordada na lite- bifosfanatos, os fatores de risco, sua patogenia e
ratura em 2003 por Migliorati,(1) Marx,(2) os motivos de predileção pelos ossos maxilares,
Wang et al.(3) e Carter et al.,(4) os quais repor- bem como as medidas terapêuticas de maior
taram casos de pacientes com extensa lesão eficiência. O objetivo deste trabalho é descrever
osteolítica semelhante a osteomielite nos ossos as características principais dessa lesão, princi-
maxilares, cuja origem foi atribuída à terapia com palmente no tocante às suas características clí-
altas doses de bifosfanatos.(5) Esses autores nicas, sua patogenia e os tratamentos em vigor.
descreveram que uma característica marcante
dessas lesões era terem predileção pela maxila e TIPOS DE BIFOSFANATOS E
mandíbula, bem como estarem frequentemente MECANISMOS DE AÇÃO
associadas a extração dentária prévia. Os repre-
sentantes de empresas farmacêuticas criticaram Os bifosfanatos são análogos dos pirofosfa-
o fato de atribuir aos bifosfanatos a origem tos orgânicos naturais, cuja propriedade principal
dessas lesões,(6) porém a partir desses primei- é inibir a precipitação do fosfato de cálcio, tendo
ros relatos surgiram outros que mantiveram os
bifosfanatos nitrogenados como determinantes 1 - Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Responsável pelo Departamento de
Marketing da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Odontologia e Membro
do aparecimento da OIB. Esta é definida então do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 84.561.
como exposição e necrose do tecido ósseo dos 2 - Doutora em Diagnóstico Bucal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Atua
no Hospital Israelita Albert Einstein – Unidade de Transplante de Medula Óssea. CROSP 67.191.
ossos maxilares resistente a terapia convencional
3 - Cirurgiã-Dentista do Centro de Atendimento a Pacientes Especiais, Faculdade de Odontologia da
por mais de oito semanas em pacientes sob Universidade de São Paulo. CRO 94.266.
terapia com bifosfanatos e sem episódios de 4 - Cirurgião-Dentista, Professor Doutor do Departamento de Estomatologia da Faculdade de
Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo e Membro do Comitê Científico de Odontologia da
radiação ionizante.(2,7) ABRALE. CROSP 51.737.
Alta morbidade e resistência a medidas tera- 5 - Cirurgião-Dentista do Departamento de Onco-Hematologia do Instituto da Criança FMUSP.
pêuticas convencionais, tais como antibioticote- Coordenador do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE, Professor Colaborador do Curso
de Especialização da Escola de Aperfeiçoamento Profissional da Associação Paulista de Cirurgiões
rapia, debridamento e cirurgias ósseas(7) fazem Dentistas e atua na Divisão de Odontologia – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
com que a OIB seja um dos efeitos colaterais Universidade de São Paulo. CROSP 49.475.
6 - Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial; Membro da Equipe de Odontologia Hospitalar do
mais importantes dos bifosfanatos. É crescente Hospital Santa Isabel, atua no Serviço de Hematologia e Hemoterapia da Santa Casa de Misericórdia
o número de trabalhos na literatura descrevendo de São Paulo. Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 65.357.
esses casos. Contudo, vários aspectos da OIB 7 - Responsável pelo Ambulatório de Odontologia do Centro de Hematologia e Hemoterapia Universidade
Estadual de Campinas e Membro do Comitê Científico de Odontologia da ABRALE. CROSP 35.606.
ainda continuam controversos, tais como sua 8 - Professora Doutora da Disciplina de Patologia Geral da FOUSP. CROSP 52.772.
todo dos usuários de bifosfanatos. Há afetada do que a maxila, uma vez que a
diferenças marcantes, contudo, ao se
Alguns marcadores primeira possui anatomicamente menos
comparar as vias de administração endo- séricos têm sido vascularização que a segunda. Os ossos
venosa e oral. gnáticos, assim, em especial a mandíbu-
Considerando a via endovenosa, são sugeridos para predizer la, seriam locais de eleição para a OIB
citadas frequências entre 1 e 12% de OIB por que são os únicos ossos suscetíveis
em usuários de bifosfanatos de uma ma-
o risco de OIB em a microtraumatismos constantes em
neira geral.(11) Essa variação depende da pacientes submetidos função da presença dos dentes, o que
posologia, da população estudada e da estimula o turnover constante ósseo. Os
doença primária. Durie et al.(12) sugeriram a cirurgias nos ossos dentes por sua vez constituem porta de
uma frequência com base em um levan- entrada de micro-organismos patogêni-
tamento feito pela Web por intermédio da
maxilares durante a cos via endodôntica ou periodontal, o que
International Myeloma Foundation, de pa- terapia com bifosfonatos facilita a instalação de focos infecciosos
cientes com mieloma múltiplo e tumor de e inflamatórios cujo reparo é prejudicado
mama. Os autores detectaram que, num pelos bifosfanatos.(7,17,18,20)
período superior a 36 meses de terapia, citados no quadro 1, bem como de sua Trabalhos ainda apontam o papel das
haveria chance de 10% e 4% dos pacien- potencial indução de apoptose dessas infecções bacterianas, sendo estas mais
tes, usuários, respectivamente, de ácido células, da inibição de seus precursores importantes na OIB do que na osteorradio-
zoledrônico e pamidronato, apresentarem na medula hematopoiética e de sua ação necrose.(20,21) São detectadas colonizações
OIB. Nesse estudo, foram estimados que antiangiogênica.(17) Particularmente a ini- por Actinomyces, Staphylococcus aureus,
cerca de 13% dos pacientes com mieloma bição das células endoteliais é bastante Streptococcus sp(13) e por bactérias da flora
múltiplo e que 12% dos pacientes com enfatizada, fato que levou essa lesão a normal da cavidade oral.(7) Nesse sentido,
neoplasias de mama usuários de bifos- ter a sinonímia de “necrose avascular por a terapia com antibióticos é fundamental
fanato teriam OIB. Outro estudo mostrou bifosfanatos”. São descritos mecanismos para o controle da doença.
frequência de 17% de OIB em pacientes que envolvem distúrbios na microcircula- Marx et al.(2) e Merigo et al.(9) consi-
com mieloma múltiplo tratados com zole- ção, com o surgimento de microtrombos deram ainda outras propriedades dos
dronato via endovenosa.(13) que impedem a vascularização no local,(18) bifosfanatos que podem estar envolvidas
Para as terapias por via oral, trabalhos bem como inibição de fatores angiogêni- na patogenia da OIB, tais como inibição de
de revisão sistemática mostraram uma cos, tais como do fator de crescimento adesão das células tumorais sobre a matriz
prevalência baixa de OIB (1/10.000 a angiogênico vascular. (7) Allegra et al. (19) óssea e inibição de metaloproteinases, o
1/100.000 pacientes/ano).(14) Nos casos demonstraram menor quantidade de que interferiria diretamente nos processos
de terapia para controle da osteoporose, precursores de células endoteliais na de angiogênese e reabsorção óssea.
essa frequência também é baixa. Um es- circulação sanguínea de pacientes com Cofatores não estão descartados
tudo demonstrou que, entre os 368 casos osteonecrose induzida por bifosfanatos na patogenia da OIB, tais como fumo,
de OIB registrados, cerca de 4% eram administrados via endovenosa, bem diabetes, uso de esteroides e outros me-
em mulheres usuárias de bifosfanato para como maior índice de apoptose de célu- dicamentos, anemia, hipóxia e disfunções
tratamento ou prevenção da osteoporose las endoteliais circulantes em pacientes renais.(22)
(cerca de 92% ocorreram em pacientes com mieloma múltiplo tratados com Alguns marcadores séricos têm sido
com mieloma múltiplo).(15) Essas estimati- bifosfanato, com ou sem presença de sugeridos para predizer o risco de OIB
vas envolvem na sua grande maioria casos OIB. Esses índices apoptóticos provavel- em pacientes submetidos a cirurgias nos
tratados com alendronato via oral, e não mente interferem não só na capacidade ossos maxilares durante a terapia com bi-
com etidronato e ibandronato.(16) angiogênica em mecanismos do reparo fosfonatos. O telopeptídeo C do colágeno
ósseo, bem como na hemostasia, favo- tipo I (CTX) é considerado um marcador
PATOGENIA E MARCADORES recendo elementos procoagulantes que importante da atividade osteoclástica
BIOQUÍMICOS acarretam a agregação de neutrófilos e e pode ser indicado para monitorar os
plaquetas, o que induz episódios de is- níveis de reabsorção óssea nessas con-
A origem da OIB é descrita consi- quemia e trombose. As modificações da dições.(23,24) Lee et al.(23) verificaram não
derando as propriedades inibidoras da vascularização inerentes a OIB explicam haver alterações significativas nos níveis
função osteoclástica dos bifosfanatos em parte por que a mandíbula é mais de CTX, fosfatase alcalina específica do
TERAPIA PREVENTIVA E CURATIVA mentos instituídos para OIB. Em boa parte da interrupção prolongada da droga para a
dos casos, o paciente demonstra remissão resolução da lesão, quando as condições
Terapia preventiva satisfatória de sintomatologia dolorosa e de sistêmicas do paciente assim permitirem.
A terapia preventiva para as OIB é parestesia, porém são raros os casos em
atualmente bastante enfatizada na literatu- que há cura ou mesmo redução do tama- CONCLUSÕES
ra. A Associação Americana de Cirurgiões nho da lesão. Em geral, são recomendados
orais e maxilofaciais propôs algumas dire- antibioticoterapia principalmente com A alta morbidade da OIB e os níveis al-
trizes de tratamento em pacientes usuários amoxicilina e outros derivados da penicilina tos de insucesso terapêutico caracterizam
de bifosfanatos:(31) por período prolongado, debridamento essas lesões como sendo de alto impacto
• Previamente à instituição da terapia das lesões, bochechos com clorexidina e clínico para o paciente, interferindo de for-
por bifosfanatos, o paciente deve ter cirurgias para retirada do tecido necrótico, ma substancial na sua qualidade de vida,
orientação cuidadosa de cuidados tanto conservadoras quanto amplas.(5,18) bem como na cura de sua doença primá-
com a saúde oral, revisão do aparato Em especial, alguns relatos não recomen- ria. Apesar de os estudos atuais indicarem
protético se houver, bem como eli- dam cirurgias amplas como um possível uma incidência baixa em usuários de bifos-
minação de focos infecciosos, com tratamento, em função dos altos índices fanato por via oral, e média nos usuários
extrações dentárias se necessário. de insucessos.(5,7) A reconstrução com por via endovenosa, o risco da OIB não
No caso destas, o uso de bifosfanatos retalhos também é descrita como sendo pode ser negligenciado pelos oncologistas
deve ser adiado até que haja reparo ineficaz. (7) Foi considerada também a e cirurgiões-dentistas, que juntos devem
completo da mucosa e, preferencial- terapia com oxigênio hiperbárico, a qual prescrever medidas preventivas e esclare-
mente, reparo adiantado do tecido demonstrou insucesso nas OIB, sendo cer ao paciente as características do curso
ósseo. contraindicada.(5,7) clínico dessas lesões. t
• Para os pacientes já usuários de bifos- A interrupção da terapia com bifosfa-
fanatos, deve-se evitar a colocação de natos é controversa. Lenz et al.(18) enfatiza- REFERÊNCIAS
implantes em regimes de 4-12 aplica- ram a importância de não se interromper
1. Migliorati CA. Bisphosphonates and oral ca-
ções de pamidronato ou zoledronato essa terapia diante de OIB, uma vez que vity avascular necrosis of bone. J Clin Oncol
por ano. os mecanismos dessa lesão, bem como 2003;21:4253-4.
2. Marx RE. Pamidronate (aredia) and zoledronate
• Para os usuários de bifosfanatos os fatores determinantes de seu apare- (zometa) induced avascular necrosis of the
orais menos de 3 vezes ao ano sem cimento, ainda não eram conhecidos. jaws: a growing epidemic. J Maxillofac Surg
2003;61:1115-8.
associação a outros fatores de risco, Merigo et al.,(9) por outro lado, realizaram 3. Wang J, Goodger NM, Pogrel MA. Osteonecrosis
a interrupção do tratamento com bifosfa- of the jaws associated with cancer chemotherapy.
como terapia com corticosteroides, J Oral Maxillofac Surg 2003;61(9):1104-7.
nenhuma alteração na rotina odonto- nato, porém alertaram que não existem 4. Carter GD, Goss AN. Bisphosphonates and
evidências de que essa medida auxilie no avascular necrosis of the jaws. Aust Dent J
lógica deve ser adotada. Quando da 2003;48(4):268.
necessidade de intervenções cirúrgi- tratamento. Migliorati et al.(32) comentaram 5. Melo MD, Obeid G. Osteonecrosis of the jaws in
patients with a history of receiving bisphosphona-
cas, ao haver a associação de fatores que a interrupção dos bifosfanatos deve te therapy: strategies for prevention and early re-
de risco (terapia com corticosteroides ser decisão do oncologista, em função cognition. J Am Dent Assoc 2005;136(12):1675-
81.
e outros esteroides), deve-se interrom- do impacto dessa interrupção no controle 6. Tarassoff P, Csermak K. Avascular necrosis of the
per a terapia com bifosfanato 3 meses das neoplasias; porém não estão descar- jaws: risk factors in metastatic cancer patients. J
Oral Maxillofac Surg 2003 Oct;61(10):1238-9.
antes e 3 meses depois da intervenção tadas algumas vantagens da diminuição 7. Ruggiero SL, Fantasia J, Carlson E. Bisphos-
dos teores da droga no tecido ósseo, tais phonate-related osteonecrosis of the jaw: back-
odontológica. ground and guidelines for diagnosis, staging and
A interrupção dos bifosfanatos deve como menor inibição da angiogênese, o management. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral
que poderia ajudar na cicatrização das Radiol Endod 2006 Oct;102(4),433-41.
estar de acordo com as orientações do 8. Russell RG. Bisphosphonates: mode of action
oncologista, que avaliará as condições lesões. Para os pacientes usuários de and pharmacology. Pediatrics 2007 Mar;119
Suppl 2:S150-62.
sistêmicas do paciente para tal. bifosfanato por via oral, a Associação Ame- 9. Merigo E, Manfredi M, Meleti M, Corradi D,
ricana de Cirurgiões Orais e Maxilofaciais(31) Vescovi P. Jaw bone necrosis without previous
dental extractions associated with the use of
Terapia curativa recomenda a interrupção da terapia por bisphosphonates(pamidronate and zoledrona-
O quadro 4 resume as medidas tera- 3 e 6-12 meses, respectivamente, para te): a four-case report. J Oral Pathol Med 2005
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pêuticas em função do estágio clínico da situações de risco de OIB e quando há 10. Rogers MJ, Watts DJ, Russell RG: Overview of
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O bjetivos