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Experiências Iniciais e Vida Futura


CONDIÇÕES IDEAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ
EFEITOS DA SEPARAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS
Separação temporária dos pais
Separação definitiva dos pais
Crianças isoladas
VULNERABILIDADE E RESIDÊNCIA
Características da família
Características da comunidade
Características da criança
SUPERAÇÃO DA PRIVAÇÃO
Macacos de Harlow revisitados
Superação dos efeitos do isolamento
Implicações para a superação da privação humana
A PRIMAZIA DA FASE DE BEBÊ RECONSIDERADA
Apego
Desenvolvimento cognitivo
Entrando em acordo com a previsibilidade limitada

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Duas estradas se separam em um bosque amarelo
E, era uma pena que eu não pudesse seguir a ambas.
e me tornar um viajante. Muito tempo depois permaneci ali
olhando uma delas o mais distante que eu podia
até onde ela descia para as profundezas:
então, peguei a outra, tão adequada quanto legítima,
e tendo talvez o maior apelo
pois era coberta de grama e precisava de água;
embora nesse sentido o transitório ali
as houvesse preparado mais ou menos iguais
e ambas naquela manhã estivessem cobertas
de folhas e nem um passo as havia escurecido
Oh! eu guardei a primeira para outro dia!
Mas, sabendo como o caminho conduz ao caminho.
Duvidei que algum dia eu voltasse.
Estarei contando essa história com um suspiro
em algum lugar daqui a muito, muito tempo:
Duas estradas se separavam em um bosque, eu-
segui aquela menos trilhada,
e isso fez toda a diferença.
Robert Frost, The Road Nol Taken

Um dos processos mais fundamentais do desenvolvimento consiste em fechar portas, ... na


progressiva restrição de possíveis destinos.
Joseph Needham, Order and Life
O poeta e o cientista concordam. Os caminhos seguidos no início das nossas vidas nos
lançam em um caminho que, uma vez tomado, pode ser difícil de mudar. Na medida em
que os destinos das crianças são moldados por suas experiências no mundo, parece razoável
concluir que suas primeiras experiências, os caminhos que elas seguem primeiro, serão os
mais importantes para seu desenvolvimento posterior. Essa idéia é chamada de primazia.
Podemos encontrar o conceito em nossos provérbios - "Quando
o ramo se inclina, a árvore cresce inclinada" - e na nossa herança dos gregos. Platão (428-
348 a.C.) expressou essa visão quando escreveu:
E o início, você sabe, é sempre a parte mais importante, principalmente quando se trata de
algo novo e tenro. Essa é a época em que o caráter está sendo moldado e facilmente absorve
qualquer impressão que se possa desejar estampar nela. (1945, p. 68)

Durante o século XX, a primazia passou a ser associada à idéia de que as experiências que
as crianças têm na infância determinam seu desenvolvimento futuro. Essa linha de
pensamento foi bastante influenciada pela afirmação de Freud de que a doença psicológica
na idade adulta pode ser remontada a conflitos não resolvidos nos primeiros anos de vida
(Freud, 1940/1964). Entretanto, isso não se restringe apenas aos teóricos freudianos. Ao
resumir sua pesquisa sobre o desenvolvimento intelectual, o psicólogo Burton White
declarou que "começar a examinar o desenvolvimento educacional de uma criança quando
ela tem dois anos de idade já é demasiado tarde, particularmente na área de habilidades e
atitudes sociais" (White, 1975, p. 4; itálico acrescentado por nós). Similarmente, Alan
Sroufe e sua equipe defendem que a natureza das
primeiras ligações da criança influencia muito a maneira como elas formam
relacionamentos subseqüentes (Sr oufe et ai., 1999b).

Neste capítulo, vamos nos dedicar a examinar se a experiência da infância exerce mais
influência do que as experiências posteriores no curso do desenvolvimento e, se exerce, em
que extensão o faz. As respostas para essas questões são fundamentais para problemas
como de que modo a sociedade e os pais podem melhor munir as crianças para lhes garantir
um ótimo desenvolvimento e o que pode ser feito para melhorar as vidas das crianças que
sofreram privação no início de suas vidas. Como veremos, não há dúvida de que as
experiências dos bebês podem ter um efeito importante
sobre seu desenvolvimento futuro. Mas, se elas terão efeitos duradouros, depende muito da
extensão em que as experiências subseqüentes atuam para reforçar ou se contrapor a
padrões estabelecidos na fase de bebê. Conseqüentemente, embora concentrada na fase de
bebê, nossa discussão vai examinar também as vidas de crianças mais velhas. A
consideração da experiência posterior é essencial para se entender a extensão em que as
experiências iniciais são ou não especialmente importantes.

Algumas palavras de advertência se fazem necessárias sobre a natureza da pesquisa


apresentada neste capítulo. Em muitos estudos que discutimos os dados envolvem crianças
que sofreram algum tipo de privação, o que não está sob o controle dos investigadores: elas
foram criadas em orfanatos, ou na pobreza, ou por pais mentalmente instáveis. Nesses
estudos, o princípio básico de um experimento psicológico propriamente dito é violado: os
indivíduos não foram designados ao acaso para condições
experimentais controladas. Em conseqüência disso, não é possível concluir com certeza que
quaisquer diferenças entre esses e outros grupos de crianças na vida posterior sejam
causadas pela forma particular de privação que as crianças experimentaram durante a fase
de bebê e na primeira infância; é possível que algum fator de covariância seja a causa real
das diferenças observadas. (Rever a discussão sobre correlação e
causa no Destaque 1.2). Por exemplo, quaisquer diferenças encontradas entre as crianças
que crescem em orfanatos e em lares pode realmente refletir o fato de que as crianças dos
orfanatos, em geral, vêm de famílias mais pobres ou nasceram em tempos de guerra,
quando muitos fatores de risco, físicos e psicossociais são mais freqüentemente
encontrados.

CONDIÇÕES IDEAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ


A crença difundida de que as experiências da fase de bebê têm um impacto importante
sobre as características que os bebês terão como adultos levou muitos pesquisadores a
tentar identificar as condições que melhor estimulam o crescimento e desenvolvimento
iniciais dos bebês. Essa informação poderia ser muito útil para pais que querem fazer o
possível para assegurar uma vida feliz e saudável para seus filhos, bem como para os
formuladores de políticas que devem aprovar leis que afetem o bem-estar das crianças. As
idéias sobre a natureza do desenvolvimento ideal dependem, é claro, de valores culturais,
mas, nas sociedades ocidentais, é comumente declarado que as condições ideais são aquelas
que proporcionam uma rica variedade de experiências educacionais e que permitem que o
maior número possível de portas permaneçam abertas para o futuro de uma criança.

Nessas sociedades, é freqüentemente sugerido que o desenvolvimento é melhor estimulado


quando a mãe, ou quem cuidar do bebê (cuidador), seja sensível e res-ponsivo aos sinais e
condições do bebê (Thompson, 1998). Encontramos essa idéia no Capítulo 6, na pesquisa
sobre as condições que promovem um vínculo de apego seguro. Uma visão particularmente
poderosa da mãe sensível é proporcionada pelo filósofo dinamarquês do século XIX, Soren
Kierkegaard: A mãe amorosa ensina seu filho a andar sozinho. Ela fica distante dele o
bastante para não poder realmente ajudá-lo, mas estende seus braços para ele. Ela imita os
movimentos dele, e, se ele cambaleia, ela rapidamente se inclina como que para contê-lo,
para que a criança possa acreditar que não está andando sozinha ... E ainda faz mais. Seu
rosto acena como uma recompensa, um encorajamento. Assim, a criança caminha sozinha
com os olhos fixos no rosto da sua mãe e não nas dificuldades que surgem no seu caminho.
Ela se apoia em braços que não a seguram e constantemente luta para se refugiar no abraço
de sua mãe mal suspeitando que no mesmo momento em que está enfatizando a
necessidade que tem dela, está provando que pode seguir sem ela, porque está andando
sozinha. (Citado em Stroufe, 1979, p. 462)

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A "mãe amorosa" de Kierkegaard está tão bem sintonizada com as necessidades do seu
filho que cria a ilusão de apoio físico, que não existe. Essa ilusão proporciona à criança
uma sensação de capacidade e autoconfiança, dando-lhe o máximo de esforço e coragem.
Esses traços de caráter são amplamente admirados nas culturas da Europa Ocidental e da
América do Norte. Conseqüentemente, os comportamentos dos pais que estimulam a
educação de seus filhos são, em geral, considerados ideais para o desenvolvimento.

Embora o ideal materno de Kierkegaard seja inatingível como uma condição geral do
desenvolvimento em qualquer sociedade, sua idéia de uma mãe que dá o maior apoio a seus
filhos se aproxima do que Burton White e Jean Carew Watts chamam de mães A (White e
Carew, 1973). Esses pesquisadores descobriram que as mães A, mais que as mães C, que
proporcionavam menos apoio em geral, gostavam de ficar com suas crianças pequenas e
sentiam prazer em ensiná-las e em lhes proporcionar experiências intelectualmente
estimulantes. Enquanto as mães C, em média, passaram 5% de um período de observação
realizando atividades intelectuais como ler um livro ou fazer
um quebra-cabeças, as mães A dedicaram 15% do seu tempo nessas atividades. Ao
contrário das mães C, elas davam mais importância à exploração e à aprendizagem de seus
filhos do que à aparência de suas casas, que eram organizadas para serem seguras e
interessantes para as crianças que estavam descobrindo o mundo. Elas permitiam que seus
filhos corressem pequenos riscos, mas determinavam limites razoáveis para eles. Elas
podiam, por exemplo, permitir que seus filhos de um ano e meio começassem a subir e a
descer escadas, segurando no corrimão, mas não permitiam que subissem na beirada da
banheira. Sua atenção a seus filhos era complementada por seu humor prevalecente: elas
eram ocupadas e felizes, em vez de desocupadas e deprimidas. Comparados com as
crianças
das mães C, aquelas das mães A foram julgadas - tendo como base o seu desempenho em
uma bateria de testes e nas observações dos pesquisadores - como mais competentes do que
seus pares quando estavam na pré-escola. (A Tabela 7.1 relaciona algumas características
de crianças competentes de três anos de idade).

As mães A não passaram o dia todo atendendo seus filhos pequenos. Na verdade, passaram
menos de 10% do seu tempo realmente cuidando deles. Algumas tinham empregos de
tempo parcial, e outras tinham vários outros filhos. Quando estavam em casa, no entanto,
estavam quase sempre disponíveis para responder perguntas, iniciar uma nova atividade ou
proporcionar estímulo. Os pesquisadores concluíram que nem muito dinheiro nem muita
educação eram necessários para ser uma mãe A, embora a pobreza
tornasse sua vida mais difícil. Algumas mães A dependiam da assistência social e algumas
delas não concluíram o ensino médio.

TABELA 7.1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COMPETENTES DE TRÊS


ANOS DE IDADE
Habilidades sociais
Conseguir a atenção de um adulto e mantê-la através de comportamentos socialmente
aceitáveis. Usar os adultos como recursos após concluir que elas próprias não conseguem
lidar com a tarefa.
Expressar afeição e hostilidade moderada. Envolver-se em trocas de papéis sociais.
Habilidades intelectuais gerais
Compreender e se comunicar efetivamente.
Envolver-se na resolução de problemas complexos, incluindo encontrar materiais e usá-los
para criar um produto. Autocontrole na ausência de limites externos. Capacidade para
planejar e se preparar para uma atividade. Capacidade para explorar sistematicamente
objetos e situações novas.
Fonte: White e Watts, 1973.

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A descrição de White e Watts dos comportamentos maternos "eficientes" nos dizem algo
sobre os ambientes que estimulam uma bem-sucedida adaptação inicial a uma sociedade na
qual se comportar bem e ter um bom desempenho na escola são exigências básicas. Mas
não ajuda a responder muitas questões que os pais e outros cuidadores devem enfrentar:
Qual é o tipo "certo" de responsividade? Quanto apoio é demasiado e quanto é insuficiente?
O mesmo tipo de reação que prepara as crianças para o sucesso na escola também os
prepara, como adultos, para enfrentar a frustração, a habitação inadequada, a discriminação
ou períodos extensos de desemprego? Como indicamos anteriormente, as respostas a
perguntas sobre o que constitui a preparação adequada para a vida posterior dependem de
circunstâncias históricas e culturais da sociedade na qual uma criança nasce. As mães
japonesas, por exemplo, assim como as mães norte-americanas, aspiram a que seus filhos se
tornem adultos eficientes. Mas, quando examinadas através de parâmetros culturias norte-
americanos, as mães japonesas parecem excessivamente protetoras em relação a seus filhos,
a ponto de encorajar uma dependência emocional considerável (Miyaki et ai., 1986).
Entretanto, o alto nível de proteção das mães japonesas não significa que elas proporcionem
ambientes inadequados para o desenvolvimento de seus filhos. Em contraste com a
sociedade americana, que valoriza a autodeterminação e a independência, a sociedade
japonesa valoriza a interdependência e a cooperação. Em vista disso, as mães japonesas se
esforçam para estimular um padrão geral de características de adultos em seus filhos
diferente daquele das mães americanas (Lebra, 1994). Faz sentido que suas estratégias para
atingir o seu padrão "ideal" também difiram.

Um conjunto de circunstâncias bastante diferente prevalece nas áreas assoladas pela


pobreza do nordeste do-Brasil (Scheper-Hughes, 1992). O ambiente no qual os bebês
nascem é extremamente hostil à sobrevivência: a água de beber é contaminada, há pouca
comida, não há instalações sanitárias e há pouco cuidado médico. Quase 50% das crianças
nascidas nessas comunidades morrem antes dos cinco anos de idade. Para aquelas que
sobrevivem, o sucesso na vida futura raramente é influenciado pela
capacidade acadêmica, pois pouca escolarização está disponível a elas. A maior parte
dessas crianças pode planejar ser trabalhador rural não-especializado, o que não lhe dá
esperança de avanço econômico ou mesmo uma vida confortável.
Condições de fome, como aquelas que têm assolado a Etiópia, têm um impacto devastador
no desenvolvimento daquelas crianças que sobrevivem.

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Em resposta a essas condições, segundo Nancy Scheper-Hughes (1992), as mães dessa
região desenvolveram crenças e comportamentos sobre a criação de filhos que parecem
duras e negligentes dentro dos padrões das famílias de classe média do Japão ou dos
Estados Unidos. Elas são fatalistas em relação ao bem-estar de seus bebês. Encaram as
crianças que têm um desenvolvimento atrasado ou que têm um temperamento passivo,
quieto, como inerentemente fracas e com pouca probabilidade de sobreviver.
Conseqüentemente,
podem negligenciar essas crianças ou simplesmente deixá-las morrer se ficarem doentes.
Nessas circunstâncias, em que fraqueza significa morte e os recursos são parcos, as crianças
favorecidas são aquelas precoces, ativas e exigentes, porque são consideradas como aquelas
que vão sobreviver. Além disso, as mães esperam que os filhos que viveram até os cinco ou
seis anos comecem a contribuir para o sustento da família.
Os meninos são enviados para as ruas, para buscar comida ou roubar, se necessário. As
meninas vão colher cana-de-açúcar ou fazer o serviço doméstico. A partir da perspectiva de
famílias financeiramente seguras nos Estados Unidos, a forma de maternidade observada
entre as famílias brasileiras pobres pode parecer abusiva. Mas, como evidencia o relato de
Scheper-Hughes, essas mães estão fazendo o melhor que podem para preparar seus filhos
para sobreviver em um ambiente em que a fraqueza quase certamente conduz à morte. A
pesquisa intercultural desse tipo mostra que os julgamentos sobre as condições ideais de
desenvolvimento devem
levar em conta as condições reais em que vivem as crianças e suas famílias.

EFEITOS DA SEPARAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS


Várias circunstâncias podem separar os pais de seus filhos durante algum tempo e, nesses
períodos, é impossível para os pais observar de perto a criação de seus filhos. A
necessidade de ganhar a vida freqüentemente separa os pais de seus filhos pequenos
durante muitas horas, vários dias por semana. Uma crise familiar, como o divórcio, a morte
do pai ou da mãe, uma enfermidade prolongada requerendo hos-pitalização, também separa
os filhos de seus pais. Um desastre maior - guerra, inundação, fome - pode perturbar toda
uma população. Dada a sua crença na importância de uma paternidade/maternidade
sensível, os pesquisadores do desenvolvimento estão há muito interessados em descobrir
como a separação de seus pais afeta o desenvolvimento das crianças tanto a curto quanto a
longo prazo (Rutter et ai., 1990; Rutter e Hersov, 1985; Theut e Mrazek, 1997). Esse
conhecimento é essencial tanto para ajudá-los a entender a dinâmica real do
desenvolvimento quanto para orientar a busca de terapias efetivas para crianças que foram
adversamente afetadas por essas separações. Na discussão que se segue, vamos considerar
bebês que experimentaram uma ou outra de uma ampla série de separações, incluindo a
entrada em creche, hospitalização deles próprios ou de suas mães e residência em um lar
adotivo ou em um orfanato.

SEPARAÇÃO TEMPORÁRIA DOS PAIS


Os bebês que passam parte de cada dia da semana sendo cuidados por alguém que não é
membro da família, enquanto seus pais trabalham, experimentam uma forma de separação
relativamente branda. Muitos pesquisadores estão convencidos de que o grau de separação
envolvido no cuidado diário de alta qualidade não tem impacto negativo duradouro sobre o
desenvolvimento posterior do bebê (NICHD Early Child Care Research Network, 1996,
1998a, 1998b, 1998c). Alguns, no entanto, declaram que não importa qual seja a qualidade,
a permanência diária em creches para bebês com menos de um ano de idade tem efeitos
negativos duradouros (Chase-Lansdale, 1994). Essa controvérsia está examinada no
Destaque 7.1. (Vamos voltar à questão da permanência na creche no Capítulo 11, no qual
discutimos o seu impacto em crianças um pouco mais velhas).

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DESTAQUE 7.1 CUIDADOS FORA DE CASA NO PRIMEIRO ANO DE VIDA

As questões sobre a primazia da fase de bebê vão além da pesquisa científica e penetram
nas vidas dos indivíduos e no âmbito da política pública. A prática cada vez mais comum
nos Estados Unidos de colocar os bebês sob alguma forma de cuidado fora de casa, durante
o primeiro ano de vida, tem sido há várias décadas tema de controvérsia entre os estudiosos
do desenvolvimento (Lamb, 1998). Segundo alguns especialistas em cuidado infantil
amplamente lidos e influentes, a experiência muito precoce em creches coloca as crianças
sob o risco de enfrentar dificuldades sociais e emocionais de longo prazo (Fraiberg, 1977;
Leach, 1994). Segundo outros, pouco ou nenhum risco está associado a creches de alta
qualidade (NICHD Early Child Care Research Network, 1997, 1998a, b, c).

A questão do cuidado fora de casa para bebês afeta as vidas de muitas pessoas devido a
duas tendências na sociedade norte-americana: (1) o número crescente de famílias com pais
ou mães solteiros e (2) a necessidade econômica crescente de que pai e mãe trabalhem em
tempo integral. Atualmente, as mulheres constituem o segmento de mais rápido
crescimento da força de trabalho, e uma grande maioria de mulheres que trabalha e se torna
mãe retorna ao trabalho antes de seu bebê completar um ano de idade. Mais de metade de
todos os bebês e crianças pequenas nos Estados Unidos passa algum tempo sob os cuidados
de outra pessoa que não seus pais durante o primeiro ano de vida (Casper, 1996).
Jay Belsky (Belsky, 1986, 1990; Belskyetal., 1996)
Jay Belsky (Belky, 1986, 1990; Belsky et al., 1996) destaca-se entre aqueles que
questionaram o efeito do cuidado fora de casa durante o primeiro ano de vida. Sua
preocupação foi despertada pela evidência de que as crianças que experimentaram cuidado
não-materno extensivo (mais de 20 horas por semana) durante o primeiro ano vida tinham
maior probabilidade de experimentar padrões de apego inseguro na situação estranha, eram
menos dóceis para atender às demandas dos adultos e eram mais agressivos na
interaçãoseus pares.

As preocupações de Belsky foram corroboradas por estudos que revelaram que os


primogênitos colocados em creches para o cuidado diurno antes do seu primeiro aniversário
tinham uma probabilidade muito maior de exibir formas inseguras de apego aos 12 e 13
meses de vida do que as crianças que ficavam em casa com suas mães(Bargelow et al.,
1987).

Essas questões sobre os efeitos da creche foram seriamente considerados pelo governo
norte-americano, que iniciou um estudo maciço para determinar a influência de vários tipos
de cuidados diurnos durante a fase de bebê e a primeira infância sobre o
desenvolvimento posterior das crianças. O estudo foi realizado por uma
rede de importantes pesquisadores de centros de 10 diferentes localidades (NICHD Early
Child Care Research Network, 1996, 1998a, b, c).

Com a maioria das mães norte-americanas voltando ao trabalho antes de seus filhos
completarem um ano de idade, um número cada vez maior de bebês está sendo cuidado fora
de seus lares. Os estudiosos do desenvolvimento estão estudando e debatendo os efeitos
desse cuidado no desenvolvimento - social e emocional das crianças.

Outra forma de separação ocorre quando as crianças pequenas precisam passar algum
tempo hospitalizadas. Vários estudos avaliaram as conseqüências da hospi-talização no
desenvolvimento emocional posterior. Michael Rutter (1976), por exemplo, estudou 400
crianças de 10 anos de idade para verificar se a hospitalização inicial havia influenciado seu
ajustamento psicológico posterior. Ele descobriu que uma única permanência hospitalar,
que durou uma semana ou menos antes dos cinco anos de idade, não produziu nenhuma
perturbação emocional ou comporta-mental que pudesse ser detectada aos 10 anos de idade.
Observou, no entanto, que a hospitalização repetida estava associada a problemas de
comportamento e delinqüência no final da infância.

Como já observamos anteriormente, é preciso cautela na interpretação dos resultados de


estudos nos quais as diferenças na experiência surgem naturalmente e não como resultado
de manipulação do pesquisador. Por isso, Rutter foi cuidadoso em considerar outras
possíveis explicações para seus achados. Por exemplo, problemas psicológicos posteriores,
aparentemente associados à hospitalização, podem ter resultado do estresse causado por
uma doença prolongada ou pela reação dos pais à doença e não pela separação da criança
de seus pais. Outra possibilidade

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sugerida pela pesquisa subseqüente é que as crianças que foram repetidas vezes-
hospitalizadas têm maior probabilidade que as outras de provir de famílias social e
economicamente desfavorecidas (Quinton e Rutter, 1976). O efeito negativo da
hospitalização repetida pode ser menos um reflexo de relações sociais perturbadas (devido
à separação) do que um reflexo de circunstâncias domésticas cronicamente difíceis ou de
saúde deficiente. Muitos fatores influenciam o ajustamento de crianças que experimentam
doenças além da separação de seus pais. Conseqüentemente, é difícil determinar com
clareza as causas dos problemas desenvolvimentais.
Uma forma mais traumática de separação da família ocorre com freqüência em tempo de
guerra (Apfel e Bennett, 1996). Quando a força aérea alemã realizou uma campanha de
bombardeio intenso contra a população civil de Londres e de outras cidades inglesas no
início da década de 1940, muitas crianças inglesas foram enviadas para morar na zona rural
com segurança enquanto seus pais ficavam para trás. Dorothy Burlingham e Anna Freud
(1942) estudaram as reações de um grupo dessas crianças, variando em idade de alguns
meses até quatro anos, que foram enviadas para viver em um lar comunitário. Elas
descobriram que muitas crianças estavam demasiadamente angustiadas por estarem
separadas de seus pais. Quando deixadas no orfanato, muitas choravam sem parar,
voltavam seus rostos contra a parede, quando alguém se aproximava delas e se recusavam a
responder quando se falava com elas. Os estados graves de depressão manifestados pelas
crianças foram de grande preocupação para seus cuidadores, que se preocuparam com as
conseqüências de longo prazo de suas experiências traumáticas. No entanto, quando essas
crianças foram examinadas 20 anos mais tarde, os pesquisadores não encontraram
exemplos de doença mental grave entre elas; seu comportamento como adultos jovens
estava dentro dos limites normais (Maas, 1963).

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INDICADORES DA QUALIDADE DO CUIDADO DIURNO


Avaliações qualitativas:

Sensibilidade/resposta à comunicação- O cuidador reage aos gestos sociais do bebê e está


sintonizado com as necessidades e os humores do bebê.
Desligamento/desengajamento- O cuidador não está emocionalmente envolvido, está
desengajado e não toma conhecimento das necessidades do bebê.

Intrusão- O cuidador é extremamente controlador e centrado nas


interações com o bebê.

Estimulação do desenvolvimento cognitivo- O cuidador envolve-se em atividades que


podem facilitar a aprendizagem do bebê, como conversar com ele ou demonstrar uma
bricadeira.

Consideração positiva/Sensibilidade/resposta à angústia do bebê- O cuidador expressa


sentimentos positivos na interação com o bebê.
O cuidador reage de maneira consistente, imediata e adequada aos
sinais de angústia do bebê.
fonte: NICHD Eorly Child Care Research Network, 1996.

Foram coletados dados sobre as características das famílias das crianças, incluindo seus
níveis de educação e renda, etnia e tamanho. A qualidade do cuidado proporcionado foi
determinada usando tanto as avaliações do ambiente em geral, a proporção de adultos para
cada criança, tamanhos do grupo, qualidade das instalações, quanto a qualidade do cuidado
que as crianças recebiam (ver tabela acima). Para avaliar os efeitos do cuidado sobre as
crianças, foram coletados dados sobre o apego emocional,
autocontrole, submissão às exigências do adulto, desenvolvimento mental e
desenvolvimento da linguagem. Os resultados desses estudos, que agora foram expandidos
para incluir crianças de três e quatro anos de idade, indicam que as crianças que passavam
30 horas ou mais na creche não são diferentes daquelas crianças que passavam menos que
10 horas em circunstâncias comparáveis.
No entanto, esses achados dependem da qualidade do cuidado diurno. Quando o cuidado
foi considerado deficiente - ou seja, quando cada cuidador tinha muitas crianças para
cuidar, eram inadequadamente treinados, ou havia alta rotatividade entre eles - como se
pode imaginar, os resultados para as crianças não foram bons. Esse resultado é realmente
preocupante, porque quase metade dos centros estudados oferecem cuidado diurno de má
qualidade.

O principal achado, no entanto, foi que o cuidado diurno de má qualidade tornou-se um


fator de risco especialmente importante para o desenvolvimento cognitivo e social quando
combinado com outros fatores de risco, incluindo a maternidade insensível ou
circunstâncias econômicas difíceis.(Cost, Quality e Chíld Outcomes Study Team, 1995;
Galinsky etal., 1994; NICHD Early Child Care Research Network, 1998a, b, c). Além
disso, a pesquisa que observou famílias que estão experimentando conflito interno
importante indica que as crianças que recebiam 20 horas ou mais de cuidado não-materno,
durante o segundo ano de vida, experimentaram problemas desen-volvimentais maiores
(Belsky et ai., 1996).

Os interesses envolvidos na avaliação dos efeitos do cuidado diurno são muito altos. Por
um lado, todos estão conscientes de que é do interesse não apenas das crianças em questão
mas da sociedade como um todo assegurar-se de que as crianças cresçam para ser adultos
emocionalmente estáveis e socialmente competentes. Se isso não acontecer, a sociedade
incorrerá em um pesado tributo nos custos posteriores do serviço social e na produtividade
econômica. Por outro lado, as pressões econômicas
e sociais estão conduzindo muitas mães para a força de trabalho e mantendo os pais ali. O
problema é como melhor lidar com essas realidades conflitantes para maximizar as chances
de vida das crianças. Belsky sugere que esse objetivo poderia ser melhor alcançado se os
pais recebessem um subsídio para ficar em casa com seus filhos durante seu primeiro ano
de vida. Outros defendem que a alternativa é disponibilizar creches melhores e outras
formas de cuidado diurno de qualidade.

SEPARAÇÃO DEFINITIVA DOS PAIS

Uma forma extrema de separação é aquela experimentada por crianças que passaram o
início de suas vidas em orfanatos, porque seus pais foram mortos ou eram incapazes de
cuidar delas. Como essas instituições mantêm bons registros das crianças que cuidam, os
estudos de crianças criadas em orfanatos proporcionam alguns dos dados mais sistemáticos
sobre a maneira como a separação dos pais influencia no desenvolvimento das crianças.
Entre as crianças institucionalizadas, o risco é mais elevado para aquelas cuja separação
está associada com a permanência nessa instituição, com a exposição aos cuidados de
muitas pessoas diferentes e com um espectro aquém do ideal de experiências para o
desenvolvimento esperado.

Crianças criadas em orfanatos


Um estudo longitudial clássico sobre crianças criadas em orfanatos foi realizado por Wayne
Dennis (1973) e sua equipe em um orfanato no Líbano. As crianças foram levadas para o
orfanato logo após o nascimento. Uma vez lá, receberam pouca atenção; havia apenas um
cuidador para cada 10 crianças. Esses cuidadores foram eles próprios criados no orfanato
até os seis anos de idade, quando foram transferidos para outra instituição. Segundo Dennis,
os cuidadores mostravam pouco interesse pelas necessidades ou temperamentos individuais
das crianças. Raramente conversavam com as crianças, não respondiam às suas raras
vocalizações e, raramente brincavam com elas enquanto as banhavam, vestiam-nas,
trocavam suas fraldas ou as alimentavam. Em vez disso, deixavam os bebês deitados de
costas em seus berços o dia todo, e aqueles que começavam a andar ficavam sentados em
pequenos cercados, nos quais tinham apenas uma bola para brincar.

Os efeitos prejudiciais desse baixo nível de estimulação e de contato humano ficaram


evidentes um ano mais tarde. Embora as crianças fossem normais aos dois meses, conforme
foi avaliado em uma escala de bebês, Dennis descobriu que elas se haviam desenvolvido
intelectualmente num índice que era apenas a metade do esperado quando avaliadas no
final do primeiro ano.

Todos os dias, muitas crianças colocadas em orfanatos come de guerra, fome e doença. 0
pai da criança foi morto durante a luta croatas e os sérvios, após a cisão Iugoslávia, em
1992.

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O desenvolvimento dessas crianças dependia do seu cuidado subseqüente. Aquelas que
foram adotadas por famílias superaram suas limitações. As crianças que foram adotadas
antes de dois anos de idade apresentaram um desenvolvimento esperado quando foram
testadas dois a três anos depois da sua adoção, e aquelas que foram adotadas entre os dois e
os seis anos de idade só estavam levemente atrasadas em seu funcionamento intelectual.
As crianças que permaneceram institucionalizadas não tiveram um destino tão bom. Aos
seis anos de idade, as meninas foram enviadas para uma instituição e os meninos para
outra. A instituição das meninas, como o orfanato, proporcionou poucas experiências
estimulantes e virtualmente nenhuma atenção pessoal. Quando essas meninas foram
testadas aos 12 a 16 anos de idade, foram avaliadas como, intelectualmente deficientes,
sendo incapazes de operar na sociedade moderna. Mal conseguiam ler, não sabiam ver as
horas e eram incapazes de discar um número de telefone de sete dígitos ou mesmo contar o
troco em uma loja.

O resultado para os meninos foi bem diferente. A instituição para a qual foram transferidos
proporcionou bem mais estimulação intelectual e experiências mais variadas do que o
orfanato. E, melhor ainda, os meninos tinham contatos freqüentes com os funcionários da
instituição que vinham das comunidades adjacentes. Em vista disso, quando os meninos
foram testados aos 10 a 14 anos de idade, eles mostraram uma recuperação substancial da
sua lacuna intelectual. Embora o seu desempenho nos testes
padronizados estivesse abaixo da norma e abaixo do desempenho das crianças que foram
adotadas, estavam dentro da variação que lhes permitiria operar na sociedade.

Mais recentemente, Kim Chisholm (1998) acompanhou o desenvolvimento de um grupo de


bebês e crianças pequenas que foram adotadas em lares canadenses e eram provenientes de
orfanatos na Romênia, onde viveram em condições similares àquelas descritas por Dennis.
Chisholm descobriu que aquelas crianças romenas que foram adotadas antes dos quatro
meses de idade eram indistinguíveis das crianças canadenses nativas, que moravam nos
lares de seus pais biológicos. Entretanto, as crianças que haviam passado oito meses ou
mais em um orfanato mostravam efeitos residuais de suas experiências anteriores. Embora
uma avaliação do apego tenha
indicado que todos haviam formado vínculos emocionais com seus pais adotivos, elas
tendiam a exibir mais evidências de apego inseguro na situação estranha, do que as crianças
adotadas antes dos quatro meses de idade. Também tendiam a ser explicitamente amigáveis
com os estranhos, o que parece indicar que estavam ávidas por atenção.

Chisholm é cautelosa em tentar responsabilizar as experiências anteriores pelos efeitos


residuais nas crianças adotadas mais tarde. Elas passaram, em média, mais de um ano no
orfanato, enquanto as crianças que foram adotadas antes dos quatro meses de idade
passaram uma média de apenas um mês sob o cuidado institucional. Talvez as diferenças na
idade em que elas foram adotadas ou a extensão de tempo que passaram sob o cuidado
institucional tenham sido fatores críticos. Chisholm também observou
que as crianças que exibiam evidência de apego inseguro tinham maior probabilidade de ter
sido colocadas junto a famílias canadenses menos abastadas e sugeriu que talvez a carga
extra que essas famílias experimentaram, com crianças que chegaram para elas em uma
condição de fragilidade médica e psicológica, tenha-lhes dificultado criar condições ideais
para ajudá-las a se recuperarem.
Crianças criadas em orfanatos bem-equipados O quadro cinzento pintado pela pesquisa
realizada com crianças de orfanatos mal-administrados provocou outros estudos, em um
esforço para determinar se as conseqüências negativas apontadas eram o resultado das
formas particularmente deficientes de cuidado dos orfanatos envolvidos. Barbara Tizard e
Jill Hodges estudaram 65 crianças inglesas originárias da classe trabalhadora que foram
criadas em berçários-residências, desde o nascimento até pelo menos dois anos de idade
(Hodges e Tizard, 1989a,
1989b; Tizard e Hodges, 1978; Tizard e Rees, 1975). Os berçários eram considerados de
alta qualidade. As crianças eram bem alimentadas, os funcionários eram treinados e havia
brinquedos e livros em abundância. No entanto, a rotatividade e o horário de trabalho dos
funcionários desencorajava a formação de relacionamentos pessoais próximos entre adultos
e crianças. Tizard e Hodges estimaram que cerca de 24 atendentes cuidaram de cada
criança at E9 o momento em que as crianças completaram dois anos de idade. Com quatro
anos e meio, cada criança havia sido atendida por até 50 atendentes. Essa situação
certamente parece impedir o tipo de conhecimento íntimo e cuidado que presumivelmente
perpassa a noção de cuidado sensível.

Tizard e seus colegas avaliaram a condição desenvolvimental dessas crianças quando


tinham quatro anos, oito anos de idade e, novamente, quando estavam com 16 anos.

Agruparam as crianças em três categorias:


1. Crianças que haviam retornado às suas famílias após os dois anos de idade.
2. Crianças que foram adotadas entre as idades de dois e oito anos.
3. Crianças que permaneceram nas instituições.
Os pesquisadores também avaliaram um grupo-controle que consistia de crianças com uma
origem similar, na classe trabalhadora, e que sempre moraram em suas casas.
Descobriram que sair do cuidado institucional teve um efeito positivo nas crianças, como os
estudos que descrevemos nos levariam a esperar. Mas o grau de diferenciação dependeu do
tipo de ambiente para o qual entraram e que aspecto do funcionamento psicológico foi
observado. Um dos achados surpreendentes foi que as crianças que foram devolvidas às
suas famílias biológicas não se saíram tão bem quanto aquelas que foram adotadas. As
crianças adotadas tiveram uma pontuação mais elevada nos testes padronizados de
desempenho intelectual e eram capazes de ler em um nível mais avançado. Além disso,
quase todas as crianças que foram adotadas formaram vínculos mútuos com seus pais
adotivos, independente da idade

285
que tinham quando foram adotadas. Isso não aconteceu com as crianças que retornaram a
seus pais biológicos. Quanto mais velhos eles eram ao deixar as instituições, menor a
probabilidade, de desenvolverem uma relação de apego mútua.

Uma razão para os lares adotivos terem produzido melhores resultados que os lares
biológicos foi o fato de muitas famílias que pegaram seus filhos de volta não estarem
totalmente felizes por tê-los com elas. Muitas mães expressavam receio, mas aceitaram a
responsabilidade porque os filhos eram seus. Freqüentemente, as crianças voltavam para
lares em que havia outras crianças que requeriam a atenção de sua mãe, ou um padrasto que
não estava interessado nelas. A maioria dos pais adotivos,
ao contrário, era representada por casais sem filhos e mais velhos, que queriam as crianças
e lhes davam muita atenção. Além disso, a maior parte das famílias adotivas tinha uma
situação financeira melhor do que as famílias biológicas das crianças (Tizard e Hodges,
1978).
As relações sociais na escola foram descritas como problemáticas para as crianças
institucionalizadas. Em comparação com o grupo-controle que sempre havia morado em
suas casas, as crianças institucionalizadas, assim como as crianças romenas descritas
anteriormente, eram "manifestamente amigáveis". Elas tinham "um desejo quase insaciável
de atenção por parte dos adultos e uma dificuldade em formar bons relacionamentos com
seus pares" (Tizard e Hodges, 1978, p. 114). Não ficou claro por que essas crianças
experimentavam dificuldades nas relações sociais na escola, mas não em casa. Talvez suas
experiências anteriores em instituições não lhes tenham proporcionado os recursos
necessários para formar relacionamentos com seus pares. Ou podem ter aprendido estilos
de interação que funcionavam nas instituições mas que eram inadequadas fora delas (Rutter
e Garmezy, 1983).
Quando Hodges e Tizard (1989a, 1989b) entraram em contato com as crianças, quando elas
estavam com 16 anos, descobriram que o padrão persistia. As crianças que retornaram para
seus pais mostravam um índice elevado de comportamento anti-social. Isso não acontecia
com aquelas que foram adotadas, mas mesmo as crianças adotadas que desenvolveram
relações de apego normais com seus pais adotivos experimentaram dificuldades ao lidar
com seus pares e com a sociedade em geral quando adolescentes.

286
As melhoras observadas em muitas crianças que deixaram o cuidado institucional
contrariam os pressupostos da teoria de que as crianças só conseguem estabelecer relações
de apego emocionais durante um período crítico no início da fase de bebê. Embora o
ambiente nos orfanatos em geral impeça as crianças de formar vínculos emocionais com
seus cuidadores, a maior parte das crianças que foi adotada em novas famílias formou
vínculos com seus pais adotivos, até mesmo as crianças que deixaram o orfanato depois dos
dois anos de idade. Ao mesmo tempo, a pesquisa de Tizard e sua equipe confirma a idéia de
que as características dos ambientes das crianças durante períodos
posteriores da sua vida são fundamentais para determinar se a presença ou ausência de
vínculos iniciais irá constituir-se em um problema constante.

CRIANÇAS ISOLADAS

Os casos mais extremos de negligência conhecidos são aqueles de crianças que foram
totalmente separadas do contato humano. Durante os últimos 200 anos, foram descobertas
várias dessas chamadas crianças selvagens, a mais famosa delas sendo Victor, o Menino
Selvagem, discutido no Capítulo 1. Essas crianças nunca deixam de despertar o interesse
público, porque a idéia de crianças pequenas provendo a própria subsistência na natureza é
bastante dramática. Mas as principais circunstâncias que conduzem ao isolamento dessas
crianças e à condição anterior ao seu isolamento, em geral, são desconhecidas. Em vista
disso, raramente é possível extrair conclusões definitivas sobre os efeitos das suas
experiências durante seu isolamento.
Há, no entanto, alguns casos modernos bem documentados de crianças que foram isoladas
quando ainda bem pequenas por pais sociopatas. Como os órgãos públicos atualmente
mantêm bons registros de nascimento e de saúde, sabe-se o suficiente sobre o início da vida
dessas crianças para permitir conclusões com bases mais sólidas sobre o impacto
desenvolvimental nessas circunstâncias bizarras (Skuse, 1984b). Estudos de crianças
isoladas deixaram pouca dúvida de que o isolamento severo possa prejudicar
profundamente o desenvolvimento normal, mas também mostram que a privação precoce
do cuidado e da interação normal com o ambiente não é necessariamente devastadora para
o desenvolvimento posterior (Skuse, 1984a).
Jarmila Koluchova (1972, 1976) estudou um desses casos, que envolvia gêmeos idênticos
na Checoslováquia em 1960, filhos de uma mãe de inteligência normal. A mãe morreu logo
após o nascimento dos gêmeos e, quando os meninos estavam com cerca de um ano e meio,
seu pai casou-se com uma mulher que definitivamente não gostava dos bebês. Por
insistência sua, os gêmeos foram obrigados a viver em um quarto minúsculo, sem qualquer
adorno, sem alimentação adequada, exercício ou luz do sol.
Não tinham permissão para entrar nas partes da casa onde os outros familiares viviam e
eram raramente visitados.

Os meninos chamaram a atenção das autoridades quando estavam com seis anos de idade.
Eles eram anormalmente pequenos e sofriam de raquitismo, uma doença causada por
deficiência de vitamina que deixa os ossos moles e tortos. Eles mal conseguiam falar, não
reconheciam objetos comuns em fotografias e ficaram aterrorizados diante das novas visões
e sons que os cercavam. Os gêmeos foram levados para um lar de crianças, onde foram
bem-cuidados e alojados com crianças menores que eles, em um ambiente não-ameaçador.

Nessas circunstâncias, os gêmeos logo começaram a ganhar peso, mostrar um interesse


ativo naquilo que os cercava e aprender a falar. Quando foram testados pela primeira vez,
aos oito anos de idade, a avaliação da inteligência dos meninos estava abaixo do normal.
Mas ano a ano seu desempenho foi melhorando, até que, aos 14 anos de idade, ambos
manifestavam uma inteligência perfeitamente normal (ver Figura 7.1).

FIGURA 7.1

Depois que os gêmeos estudados Koluchova foram libertados do isolamento, suas


habilidades intelectuais mostraram uma recuperação gradual e finalmente se normalizaram
(Adaptada de Koluchova, 1976).

287
Uma criança ainda mais gravemente negligenciada foi Genie, que foi mantida trancada
sozinha em um quarto, em um isolamento que teve início pouco antes do seu segundo
aniversário (Curtiss, 1977). Durante mais de 11 anos, Genie passou seus dias acorrentada a
uma cadeirinha-sanitário para crianças e suas noites amarrada em um saco de dormir.
Ninguém falava com ela. Quando seu pai vinha amarrá-la para passar a noite ou para lhe
trazer comida, ele rugia como uma fera e arranhava-a com suas unhas.
Genie era uma criatura digna de compaixão quando foi libertada dessas horríveis
circunstâncias. Embora tivesse 13 anos de idade, pesava menos de 23 quilos e media apenas
1,37 m. Não emitia sons inteligíveis e não era treinada no uso do vaso sanitário. Não
conseguia andar normalmente; em vez disso, arrastava os pés e se balançava de um lado
para o outro. Por incrível que pareça, uma bateria de testes psicológicos revelou que Genie
tinha uma surpreendente habilidade para perceber relações espaciais, embora ela tenha tido
tão pouco para observar em seu quarto.
Genie aprendeu a controlar seus intestinos e a andar normalmente, mas nunca desenvolveu
uma linguagem normal. Quando encontrada, não demonstrou nenhuma emoção quando as
pessoas a tiraram de lá; finalmente, ficou legada a outras pessoas que moravam em uma
unidade de reabilitação de um hospital. Genie desenvolveu maneiras de fazer suas visitas
ficarem mais tempo e ficava perturbada quando elas finalmente saiam. Entretanto, seu
comportamento social nunca melhorou a ponto de ela conseguir viver
sem cuidados especiais.

Felizmente, esses casos são extremamente raros. E, por isso, ainda não se sabe quanto
tempo pode durar e quão severo pode ser o isolamento de uma criança antes de causar um
dano irreversível. Abaixa freqüência desses casos também dificulta a avaliação do impacto
desse isolamento nos aspectos individuais do desenvolvimento.

O desenvolvimento emocional, intelectual e físico pode ser afetado pelo isolamento, mas é
pouco provável que todos sejam afetados da mesma maneira (Clarke e Clarke, 1986).

Uma questão importante levantada, mas não respondida pelos estudos do isolamento
extremo, é como as condições ambientais durante e após o isolamento interagem uma com
a outra. É importante, por exemplo, os gêmeos descritos por Kolu-chova terem tido a
companhia um do outro enquando estavam isolados? A aptidão de Genie para o raciocínio
espacial é uma capacidade intelectual especial que teria chamado a atenção
independentemente do seu isolamento, ou ela se desenvolveu como uma conseqüência da
sua imobilidade e do seu isolamento social? As respostas a essas perguntas contribuiriam
para um entendimento dos riscos desenvolvimentais enfrentados pelas crianças criadas em
circunstâncias menos extremas, mas ainda assim adversas, e pelos fatores que lhes
poderiam permitir se recuperar, apesar dessas circunstâncias.

VULNERABILIDADE E RESILIENCIA

Mesmo em épocas de relativa paz e prosperidade, muitas famílias pobres e da classe


trabalhadora consideram a vida uma luta. Tentando satisfazer suas próprias necessidades
prementes, elas criam ambientes que não são ideais para seus filhos. Justamente porque
essas situações não são extremas, elas podem persistir durante anos e tornarem-se
características permanentes do ambiente familiar que molda o desenvolvimento das
crianças. Elas podem, finalmente, contribuir para o comportamento delinqüente, fracasso na
escola e problemas de saúde mental.
Os pesquisadores do desenvolvimento usam o termo fator de risco para se referir a
características pessoais ou circunstâncias ambientais que aumentam a probabilidade de
resultados negativos para as crianças. O risco é uma estatística que se aplica aos grupos,
não aos indivíduos. Pode-se dizer, por exemplo, que as crianças que têm pais deprimidos
têm maior probabilidade do que a população geral de se tornarem elas próprias deprimidas.
Mas não se pode dizer que uma
288
determinada criança cujo pai ou mãe é depressivo inevitavelmente vá tornar-se depressiva.
A maior parte dos fatores de risco não são a causa direta de problemas ou distúrbios de
desenvolvimento com os quais estão associados. Por exemplo, ter uma mãe pouco instruída
é um fator de risco para o fracasso escolar, mas a falta de instrução de uma mãe não é a
causa do fracasso de seus filhos na escola. Entretanto, devido à sua falta de instrução e de
familiaridade com as exigências da escola,
seus filhos podem ter mais dificuldade para ter sucesso acadêmico do que os filhos de pais
instruídos.

Em uma série de estudos de 150 famílias inglesas na zona urbana de Londres e na isolada
Ilha de Wight, Michael Rutter e sua equipe encontraram quatro fatores de risco que,
considerados juntos, estavam fortemente associados a problemas de comportamento e a
distúrbios psiquiátricos na infância (Rutter et ai., 1975):
1. Discórdia familiar.
2. Desvio social dos pais de natureza criminal ou psiquiátrica.
3. Desvantagem social, incluindo baixa renda, habitação inadequada e um grande número
de crianças de idades aproximadas.
4. Um ambiente escolar deficiente, incluindo índices elevados de rotatividade e
afastamento entre os funcionários e os alunos, além de uma grande proporção de alunos de
lares economicamente desfavorecidos.
Nenhum desses fatores de risco em si estavam fortemente associados a desordens
psiquiátricas na infância. Mas pelo menos dois deles estavam presentes ao mesmo tempo -
por exemplo, se um dos pais tinha um distúrbio de personalidade e a família tinha uma
baixa renda - o risco de a criança vir a sofrer de uma desordem psiquiátrica aumentava
significativamente.
A ênfase que Rutter e sua equipe colocaram na natureza cumulativa dos fatores de risco é
substanciada por um corpo de pesquisa crescente (Cichetti e Toth, 1998; Shaw et ai., 1998).
Muitos estudos demonstraram que uma combinação de fatores de risco biológicos, sociais e
ambientais, interagindo durante um período de tempo considerável, está associada a
problemas desenvolvimentais mais sérios (Garmezy e Rutter, 1988; Kopp e Mclntosh,
1997; Sameroff et ai., 1998) (ver Figura 7.2). Ao mesmo tempo, todos esses estudos
encontram diferenças individuais marcantes entre as crianças que vivem em circunstâncias
extremamente estressantes. Algumas dessas crianças pareciam ser resilientes - tinham a
capacidade para se recuperar rapidamente dos efeitos adversos da experiência inicial, ou
perserverar diante do estresse sem conseqüências psicológicas negativas aparentes. Essas
observações levaram os psicólogos a buscar as fontes de resiliencia das crianças diante das
adversidades da vida. Essas fontes de resiliencia são chamadas de fatores de proteção.

Três fontes de fatores de risco e de proteção foram extensivamente estudadas:


características da família, características da comunidade e características da
criança(Bradley e Whiteside-Mansell, 1998; Cichetti e Toth, 1998).

CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA
A família é o principal sistema de apoio da criança. Poderíamos esperar, então, que
variações nos tipos de apoio que as famílias proporcionam às crianças devam ser associadas
à capacidade das crianças para se opor às ameaças ao seu desenvolvimento. Essa idéia
originou-se de várias pesquisas (Bradley e Whiteside-Mansell, 1998).

Muitas das maneiras pelas quais as características familiares influenciam nos fatores de
risco e na resiliencia podem ser vistas nos resultados de um estudo longitudinal ambicioso
de um grupo multirracial de 689 crianças nascidas na ilha havaiana de Kauai, em 1955
(Werner e Smith, 1982). Dessas crianças, 201 foram consideradas especialmente propensas
a sofrer problemas

289
desenvolvimentais porque experimentaram quatro ou mais fatores de risco quando tinham
dois anos de idade. Os fatores de risco incluíam ser membro de uma família de baixa renda,
ter nascido prematuro ou sofrido estresse durante o processo de nascimento, ter uma mãe
com nível de instrução baixo e ter pai ou mãe portador de algum tipo de psicopatologia. O
Destaque 7.2 discute outro fator familiar que pode colocar as crianças em risco. Os
pesquisadores descobriram que as circunstâncias familiares que se seguem deram a essas
crianças alguma proteção contra dificuldades desenvolvimentais:
- A família não tinha mais do que quatro filhos.
- Mais de dois anos separavam a criança estudada e o próximo irmão mais
moço ou mais velho.
- Havia disponibilidade de cuidadores alternativos aos cuidados da mãe na
família (pai, avós ou irmãos mais velhos).
- A carga de trabalho da mãe, mesmo quando estava empregada fora de casa, não era
excessiva.
- A criança teve uma quantidade substancial de atenção por parte dos cuidadores durante a
fase de bebê.
- Um irmão estava disponível como cuidador ou confidente durante a infância.
- A família proporcionou estrutura e regras durante a adolescência da criança.
- A família era coesa.
- A criança teve uma rede multigeneracional informal de parentes e amigos durante a
adolescência.
- O número cumulativo de eventos da vida, estressantes e crônicos, experimentados
durante a infância e a adolescência não era grande.

290

destaque 7.2

Depressão materna como fator de risco

Uma pesquisa extensiva realizada na última década mostrou que a depressão


materna crônica (depressão que dura seis meses ou mais) é um fator de risco no
desenvolvimento das crianças (campbell et ai., 1995). Essa depressão prolongada, que se
estende bem além da chamada depressão pós-parto, interfere com o funcionamento diário
das mães e está relacionado a vários resultados desenvolvimentais negativos para seus
bebês.
Como já vimos em vários exemplos apresentados nos capítulos anteriores, os
intercâmbios sociais normais entre as mães e seus bebês são ajustados reciprocamente.

O bebê sorri e a mãe, como resposta, sorri para o seu bebê; o bebê vocaliza e a mãe
responde com uma vocalização. é a esse tipo de alternação de resposta que os estudiosos do
desenvolvimento se referem quando falam da maternidade sensível, que facilita a
comunicação do bebê e sua atuação no mundo.

Em casos de depressão materna crônica, ao contrário, as mães são menos receptivas


e sensíveis aos sinais dos seus bebês e têm dificuldade em proporcionar um nível adequado
de estimulação social para seus bebês (weinberg e tronick, 1997). As mães deprimidas não
tocam seus bebês tão freqüentemente quanto as outras mães e se envolvem em menos
atividades e jogos. Comparadas com as mães não-deprimidas, as mães deprimidas falam
com seus bebês menos freqüentemente e são menos sensíveis às suas vocalizações. Ao
invéz de responder aos sorrisos dos seus bebês com sorrisos, é mais provável que as mães
depressivas pareçam tristes e ansiosas na interação.

Correspondentemente, os bebês de mães deprimidas tendem a ter níveis de atividade


inferiores, sorrir menos e franzir mais o cenho do que os bebês de mães não-deprimidas.
Eles não vocalizam nem brincam tanto quanto os outros bebês e tendem a ser mais
nervosos e tensos. E também menos provável que eles sejam apegados de forma segura às
suas mães (teti et ai., 1995). O estilo negativo das interações desses bebês com suas mães é
inclusive maior que suas interações com estranhos que não estão sofrendo de depressão
(field, 1992).

Os psicólogos e os psiquiatras que trabalham com os filhos de mães deprimidas


estão bem conscientes desses fatos, mas não podem ter certeza de como interpretá-los. O
comportamento deprimido de alguns desses bebês é bastante similar àquele de suas mães, a
ponto de sugerir que se tornaram deprimidos numa imitação do estilo negativo de resposta
de suas mães, ou como uma reação ao comportamento deprimido de suas mães. No entanto,
há alguma evidência de que pelo menos alguns bebês que se comportam dessa maneira
sejam deprimidos desde o nascimento, sugerindo que fatores genéticos ou pré-natais
possam causar sua depressão (field, 1992; murray e cooper, 1997). Por exemplo, tiffany
field e sua equipe estudaram um grupo de mulheres que foram diagnosticadas sofrendo de
depressão enquanto ainda estavam grávidas. Quando seus bebês foram avaliados, logo após
o nascimento, mostraram-se mais irritáveis, tônus motor menos desenvolvido, níveis de
atividade baixo e respostas limitadas à estimulação social (abrams et al., 1995b).

Os efeitos da depressão precoce do bebê, seja ela comportamento da mãe ou de


fatores herdados, persiste caso a depressão da mãe continue. filhos mais velhos de mães que
estavam deprimidas quando eles eram bebês e permaneceram deprimidas com o correr do
tempo, não apenas correm o risco de sofrer depressão, mas também foi descoberto que têm
um desempenho mais pobre que o das outras crianças em avaliações do funcionamento
cognitivo, lingüístico e social aos três anos de idade (nichd early child care research
network, 1998). Foi descoberto que os filhos em idade escolar de mães cronicamente
deprimidas têm problemas na escola porque sua atenção não se fixa: eles ficam inquietos na
classe e brigam com outras crianças no playground (dodge, hammen, 1991).

Entretanto, se a mãe se recuperar da sua depressão, é possível a criança comece a


funcionar mais normalmente. Há casos em que a depressão da mãe é persistente, ou vem e
vai em ciclos, o que predispõe especialmente as crianças em risco a problemas
desenvolvimentais de longo prazo. Nesses casos, a presença de adultos que lhes dêem
apoio, além da mãe deprimida, é muito importante (carro et al., 1993).

Para ajudar a evitar a depressão em bebês com mães deprimidas os pesquisadores do


desenvolvimento têm criado técnica; terapêuticas ajustadas para modificar o
comportamento da mãe (field, 1997). Algumas das intervenções mais efetivas incluem
ensinar a mãe deprimida a imitar os comportamentos sociais positivos do seu bebê,
comunicar-se claramente quando conversa com ele e brincar de jogos apropriados ao seu
nível desenvolvimental. Os bebês cujas mães recebem esse tipo de "treinamento de
interação" mostram maior contato com os olhos e menos expressões de aflição (field, 1997)
criando condições mais favoráveis para o seu desenvolvimento futuro.

CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE

As características das comunidades em que as crianças vivem também parecem afetar a


probabilidade de que desenvolvam problemas. Em geral, as crianças das comunidades
pobres têm maior probabilidade de experimentar dificuldades desenvolvimentais do que as
crianças de comunidades ricas (McLoyd, 1998a, b). Além disso, aquelas que vivem nos
bairros pobres do centro da cidade correm um risco significativamente maior de
desenvolver algum distúrbio psicológico do que aqueles que vivem em cidades
pequenas ou zonas rurais pobres (Richters e Martinez, 1993).
Um fator que protege as crianças contra o impacto das características negativas da
comunidade é a força das redes de apoio social proporcionadas por parentes, vizinhos e
agências de serviço social (Cochran e Niego, 1995). Por exemplo, Patrícia Hashima e Paul
Amato descobriram que pais pobres com amigos e vizinhos aos quais podiam
recorrer para pedir algum conselho e para chamar em uma emergência tinham uma
probabilidade significativamente menor de gritar com seus filhos, ou de bater neles, do que
os pais pobres que não tinham esse apoio (Hashima e Amato, 1994). Do mesmo modo,
Susan Crockenberg (1987) descobriu que mães adolescentes na Inglaterra que recebiam
serviços de apoio social proporcionados pelo Serviço Nacional de Saúde para pais
residentes na comunidade mostraram aumentos significativos na quantidade e na qualidade
de suas interações com seus bebês.
Outro fator fora de casa que ajuda a proteger as crianças de circunstâncias de vida
estressantes e de privação é a escola. As crianças de lares desfavoráveis e discordantes têm
menor probabilidade de desenvolver problemas psicológicos se freqüentarem escolas que
tenham pessoal atento e bons programas acadêmicos (Rutter, 1987).

CARACTERÍSTICAS DÁ CRIANÇA
A pesquisa sobre como as características da criança relacionam-se ao risco
desenvolvimental sugere que diferentes características temperamentais podem colocar as
crianças em risco, mas de maneiras um pouco diferentes, dependendo da idade da criança
(Carey e McDevitt, 1995). Na fase de bebê e no início da infância, as crianças norte-
americanas e britânicas difíceis - ou seja, que exibem irregularidade nas funções biológicas,
reações negativas a situações e pessoas novas, e, freqüente, humor negativo - e que têm um
alto nível de atividade estão em maior risco que as crianças dóceis, fáceis. Na segunda
infância, as crianças que são facilmente distraídas, que têm uma amplitude de atenção curta
e que têm dificuldade para se ajustar a novas circunstâncias correm um risco maior.

Deve ser notado que o fato de um determinado temperamento representar ou não um fator
de risco depende das circunstâncias culturais. A pesquisa realizada por Marten De Vries
proporciona uma evidência dramática de que traços temperamentais considerados "difíceis"
nos Estados Unidos podem ser fundamentais para o desenvolvimento em outro ambiente
cultural (De Vries, 1994). Em um estudo, De Vries desenvolveu um questionário de
temperamento baseado nas classificações de Chess e Thomas e o
aplicou com mães de 48 crianças masai, da África Oriental, com quatro a cinco meses de
idade (De Vries, 1987). Na época em que essa pesquisa foi conduzida, uma seca
severa estava assolando a zona rural dos masais e muitas famílias estavam saindo de suas
aldeias em busca de alimento. Quando De Vries retornou, alguns meses mais
tarde, para conduzir testes de acompanhamento com os 10 bebês mais difíceis e com os 10
bebês menos difíceis identificados pelos
questionários anteriores, só conseguiu localizar 13 famílias, sete do grupo dos "bebês
fáceis" e seis do grupo dos "bebês difíceis". Para seu infortúnio, De Vries
descobriu
que cinco das sete crianças "fáceis" haviam morrido; cinco das seis "difíceis" permaneciam
vivas. Associado ao trabalho de Scheper-Hughes no Brasil, este estudo
sugere que, em circunstâncias cronicamente empobrecidas, ser exigente (o que as crianças
com temperamentos difíceis tendem a ser) pode realmente ajudar a criança
a sobreviver.
Os que vivem em países em guerra, como a Bósnia, enfrentam obstáculos significativos
para ter um
desenvolvimento normal.

292
Emmie Werner e Ruth Smith (1992) ofereceram evidências adicionais de que as
características pessoais podem ajudar a criança a sobreviver a circunstâncias difíceis.
Tendo como base os registros proporcionados pelas agências de saúde, saúde mental e
serviço social, e pelas instituições educacionais, assim como por entrevistas
pessoais e testes de personalidade, elas relatam que as crianças que eram capazes de
enfrentar melhor suas circunstâncias de vida durante suas duas primeiras décadas
eram aquelas às quais suas mães descreviam como "muito ativas" e "socialmente
receptivas" quando bebês. Os relatos das mães foram verificados por observadores
independentes,
que observaram que essas crianças exibiam uma "autonomia pronunciada" e uma
"orientação social positiva". Quando foram examinadas durante seu segundo ano de vida,
essas crianças tiveram uma boa pontuação em vários testes, incluindo avaliações de
desenvolvimento motor e
da linguagem.
A Tabela 7.2 resume os fatores de risco e de proteção associados a problemas de
comportamento no início da fase de bebê, que são agrupados segundo os níveis do
contexto descrito no modelo de desenvolvimento do sistema ecológico discutido no
Capítulo 1.

TABELA 7.2 EXEMPLOS DE FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO


ASSOCIADOS A PROBLEMAS NA INFÂNCIA
Fatores de risco
Características da criança Temperamento difícil na fase de bebê Distúrbios fisiológicos
Afeto desregulado Capacidade cognitiva limitada Apego inseguro Baixa auto-estima
Relações deficientes com os pares Dificuldades na escola Psicopatologia Doença física
Fatores de estresse transitórios Baixo desempenho nas tarefas
Microssisterna
Violência doméstica
Dificuldade financeira
Desemprego crônico
Condições crônicas de estresse
Ambiente familiar hostil
Abuso intergeracional
Psicopatologia dos pais
Habilidades deficientes para criar os filhos
Perda do emprego
Divórcio
Discussões diárias
Exossistema
Violência na comunidade Crime na vizinhança Isolamento social Comunidade empobrecida
Perda dos recursos comunitários Carência de serviços comunitários
Mocrossistema Cultura violenta Costumes dos pais Racismo
Aceitação social da violência Recessão

Fatores de proteção

Temperamento fácil na fase de bebê


Regulação fisiológica adaptativa
Regulação afetiva adaptativa
Alta inteligência
Apego seguro
Auto-estima elevada
Relações positivas com os pares
Adaptação positiva à escola
Saúde mental boa
Orgulho diante da realização pessoal
Relacionamento positivo com o atual professor
Relações conjugais boas Emprego consistente Relações familiares positivas Saúde mental
dos pais boa Habilidades positivas para criar os filhos Obtenção de emprego
Encontro de habitação adequada Acesso a cuidado infantil
Rede de apoio social
Bons recursos comunitários
Igreja de apoio
Aquisição de recursos comunitários
Acesso a redes de apoio social
Apoio nacional para a educação
Crenças nos direitos das crianças
Compromisso nacional para reabilitar aqueles que abusam de substâncias
Baixo índice de desemprego
Funcionários eleitos comprometidos em melhorar a situação dos deste.
Redução da disponibilidade das drogas ilegais
Fonte: Adaptada de Cicchetti et ai., 2000.

293
O impacto de circunstâncias posteriores
Vimos que os estudos de risco desenvolvimental prevêem uma maior probabilidade de dano
no desenvolvimento a longo prazo, quando vários fatores estão presentes. É importante
lembrar que os efeitos desses fatores não ocorrem isoladamente; eles interagem e
influenciam um ao outro. É também importante reconhecer que o impacto desses fatores
pode ser moderado por circunstâncias posteriores. Esse fato é destacado por modelos
transacionais que sugerem como os fatores de risco entram no processo geral de
desenvolvimento (Clarke e Clarke, 1986; Sameroff, 1995). Os modelos transacionais
rastreiam as maneiras pelas quais as características da criança e as características do
ambiente da criança interagem com o passar do tempo ("transacionam") para determinar
resultados desenvolvimentais.

Thomas e Chess (1984) usaram um modelo transacional para mostrar como circunstâncias
posteriores e interpretações mutáveis dos pais sobre a personalidade e o comportamento da
criança podem interagir com os traços de temperamento de uma criança para influenciar
sua saúde mental. A menina que eles descrevem, desde os anos de pré-escola, exibia uma
personalidade difícil, exigente e instável. O pai [dela] reagiu com exigências rígidas de
adaptação rápida e positiva, e críticas hostis e punição, quando a menina não conseguiu
satisfazer as expectativas
dele. A mãe sentia-se intimidada tanto pelo pai quanto pela filha e era vacilante e ansiosa
em seu manejo com a criança. Com essa interação extremamente negativa entre pais e filha,
os sintomas da menina pioraram. Foi iniciada uma psicoterapia, com uma melhora apenas
modesta. Mas, quando ela estava cora 9 para 10 anos de idade, começou a exibir um grande
talento musical e dramático, o que lhe proporcionou uma atenção positiva e elogios dos
professores e de outros pais. Esse talento
também ocupou um lugar de destaque na própria hierarquia de atributos desejáveis de seus
pais. Seu pai agora começava a encarar a personalidade intensa e explosiva de sua filha não
como um sinal de "criança detestável", o rótulo anterior que ele usava para descrevê-la, mas
como evidência de uma artista que desabrochava. Começou a levar em consideração o seu
"temperamento artístico", e, com isso, a mãe conseguiu relaxar e positivamente relacionar-
se com a filha. A menina pôde adaptar-se ao próprio ritmo, e, na adolescência, todas as
evidências de seus sintomas e funcionamento neuróticos haviam desaparecido, (p. 7)
Como sugere essa descrição, as histórias transacionais são caracterizadas por interações
complexas entre um contexto ambiental em mutação e as características particulares da
criança, que são destacadas em cada nova situação.
A análise transacional é aplicada a grupos de pessoas e também a indivíduos. Michael
Rutter e seus colegas usaram um modelo transacional para explicar os ajustamentos
posteriores à vida de jovens londrinos que passaram partes importantes de sua fase de bebê
e de sua infância em instituições (Quinton e Rutter, 1985; Rutter et ai.,1990). Essas crianças
foram colocadas em instituições, não devido a quaisquer problemas comportamentais, mas
porque seus pais não conseguiam arcar com sua criação.
Muitos deles permaneceram em instituições durante toda a sua fase de bebês e início da
infância. Com 21 a 27 anos de idade, foram comparados com outro grupo da mesma idade,
da mesma parte de Londres em que os jovens foram criados até então por seus pais.
Concentrando-se primeiro nas mulheres "criadas fora" (anteriormente institucionalizadas),
Rutter e sua equipe descobriram que esses adultos jovens experimentaram dificuldades que
as mulheres do grupo-controle não experimentaram. Para começar, 42% haviam
engravidado antes dos 19 anos e 39% delas não estavam mais vivendo com os pais de seus
filhos. Um terço delas experimentou um colapso nervoso relativamente sério ao cuidar de
seus filhos. Em contraste, somente 5% das mulheres do grupo-controle
engravidaram em torno dos 19 anos, todas estavam vivendo com os pais de seus filhos e
nenhuma experimentou colapso nervoso sério ao cuidar de

294
seus filhos. Quando foram estudadas as práticas atuais de cuidados maternos das mulheres,
foi observado que as mulheres "criadas fora" tinham uma probabilidade muito maior de
receber pontuações baixas do que as mulheres do grupo-controle (ver Tabela 7.3).
De início, esses achados podem parecer uma evidência direta dos efeitos a longo prazo do
infortúnio inicial. Mas, quando são encarados a partir da perspectiva do modelo
transacional, fica claro que o infortúnio inicial colocou em ação uma série de eventos que
tenderam a perpetuar a dificuldade. O cuidado institucional conduziu, primeiro, a uma
ausência de ligações fortes durante a fase de bebê e a infância e a dificuldades na formação
de bons relacionamentos com os pares. Esses problemas
aumentaram a probabilidade de gravidez na adolescência. A gravidez precoce reduziu a
probabilidade de educação adicional ou treinamento para conseguir emprego. As pressões
econômicas subseqüentes criaram um ambiente desguarnecido, que, por sua vez, criou as
pressões que foram a causa imediata de uma maternidade deficiente. Entretanto, a
institucionalização precoce não conduzia necessariamente a uma infelicidade contínua. Foi
descoberto que aquelas mulheres criadas em instituições, que tinham maridos
colaborativos, eram tão eficientes no exercício da maternidade quanto as mulheres do
grupo-controle. Esses resultados positivos levaram os pesquisadores a concluir que a
institucionalização, durante a fase de bebê e a infância, e a carência de ligações pessoais
fortes que a acompanha, não condena necessariamente
as mulheres a se tornarem mães deficientes. Se a cadeia usual das conseqüências pode ser
partida e transações favoráveis estabelecidas, é provável que siga a isso um comportamento
normal.
Os perfis dos rapazes que passaram algum tempo em instituições para o cuidado de crianças
mostraram que as experiências positivas da vida futura também reduziram seu risco de
dificuldades de longo prazo. Uma diferença particularmente interessante entre os sexos foi
que os homens apresentaram uma maior probabilidade que as mulheres de encontrar um
cônjuge colaborativo e de criar seus filhos em uma família intacta, bloqueando, assim, a
transmissão de suas próprias experiências iniciais
negativas para a próxima geração (Rutter et ai., 1990).

TABELA 7.3 COMPORTAMENTOS NO CUIDADO DAS CRIANÇAS


DEMONSTRADOS NOS DOIS GRUPOS DE MÃES

Dificuldades no Mães criadas em Grupo


cuidado das instituições controle
crianças (n=40) (n=43)

Ausência de expressão 45% 19%


de afeto em relação às
crianças

Insensibilidade 65% 28%

Ausência de brincadeiras 33% 16%


com as crianças

Pelo menos dois dos 59% 23%


relacionados acima

Fonte: Quinton & Rutter, 1985.

SUPERAÇÃO DA PRIVAÇÃO

A evidência aumentada de que as conseqüências a longo prazo do infortúnio dependem de


circunstâncias posteriores em um grau significativo desencadeou uma busca de princípios
de intervenção bem-sucedidos. Um elemento fundamental em qualquer esforço para reparar
o dano desenvolvimental é a remoção da pessoa do ambiente nocivo, mas apenas essa
mudança não é suficiente para promover a recuperação. Quando as crianças libanesas
foram transferidas do orfanato para outras instituições, elas não atingiram os níveis normais
de desenvolvimento, nem Genie jamais mostrou recuperação suficiente para se tornar
normal para a sua idade. Será que as crianças libanesas ou Genie poderiam ter tido um
destino melhor? (Ver Destaque 7.3) Que condições são necessárias para estimular uma
recuperação mais completa da privação inicial? É possível que algumas condições
ambientais ainda por descobrir pudessem lhes ter permitido readquirir o funcionamento
normal? Ou sua privação começou muito cedo e durou tempo demais para lhes permitir se
recuperarem completamente? Essas questões são impossíveis de responder na totalidade
porque os bebês humanos não podem ser deliberadamente designados a viver em
circunstâncias potencialmente nocivas para satisfazer a busca de conhecimento científico.
A pesquisa realizada com macacos, no entanto, combinada com estudos esparsos de
humanos, sugere a possibilidade de alguns aspectos importantes para a superação da
privatização.

MACACOS DE HARLOW REVISITADOS

No Capítulo 6, examinamos os estudos de Harry Harlow de macacos bebês criados em


isolamento com mães substitutas inanimadas. Um dos achados importantes de Harlow foi
que os macacos bebês tiveram dificuldade para desenvolver relações sociais normais depois
que foram introduzidos em gaiolas com seus pares. Isso ocorreu mesmo com os macacos
que se haviam tornado ligados às mães substitutas de pelúcia, embora a gravidade da
ruptura comportamental variasse dependendo da duração do isolamento
e da idade do macaco quando teve início o isolamento (Suomi e Harlow, 1972). Os
macacos que ficaram totalmente isolados apenas durante os três primeiros meses de vida,
por exemplo, não pareceram ter ficado permanentemente afetados pela experiência. Quando
foram transferidos para uma gaiola de grupo, foram, de início, altamente afetados pelo
ambiente mais complexo, mas, depois de um mês, haviam-se tornado membros aceitos do
grupo social. Em compensação, os macacos que ficaram totalmente isolados durante seus
seis primeiros anos de vida tremeram, morderam ou se arranharam compulsivamen-te
quando foram colocados em uma gaiola com outros macacos. Os macacos que ficaram
isolados durante os segundos seis meses de vida (mas não nos primeiros) tornaram-se
agressivos e medrosos quando foram colocados de volta junto com os outros macacos. O
comportamento a longo prazo desses grupos de macacos também diferiu. Aqueles cujo
isolamento começou após seis meses de interação social na colônia recuperaram-se
rapidamente e foram capazes de se acasalar normalmente quando chegou a idade. Mas
aqueles cujo isolamento de seis meses começou no momento em que nasceram só se
recuperaram parcialmente. Aos três anos de idade, quando deveriam estar aptos a se
acasalar, eles se mostraram incapazes de um comportamento sexual normal.
O isolamento total durante todo o primeiro ano de vida produziu desajustes sociais amplos,
que mostraram ausência de propensão para o jogo social ou para o intercâmbio social com
macacos da mesma idade (Harlow e Novak, 1973). Quando colocados em uma gaiola de
grupo, esses macacos foram freqüentemente alvos da agressão de seus pares.
O tempo foi passando e eles não mostravam sinais de superação espontânea.

SUPERAÇÃO DOS EFEITOS DO ISOLAMENTO

Após suas experiências iniciais, Harlow e seus associados acharam que o período do
nascimento até os seis meses de idade podia ser fundamental para o desenvolvimento social
desses macacos. Se isso se confirmasse, a recuperação seria impossível para os macacos
isolados durante o período de seis meses, independente de quaisquer mudanças
subseqüentes no seu ambiente. Os pesquisadores tentaram várias maneiras de auxiliar a
adaptação desses macacos ao seu novo mundo social. Uma técnica que
eles usaram foi punir os macacos por comportamentos inadequados, administrando um
choque pouco doloroso. Outra abordagem usada foi introduzi-los ao novo ambiente
lentamente, na suposição de que uma mudança abrupta do isolamento total para a grande
atividade do grupo pudesse induzir a um trauma que bloqueasse a recuperação. A
ineficiência de todos esses esforços pareceu corroborar a idéia de que havia um período
crítico para o desenvolvimento social. Como veio a ser comprovado, esse não era, de modo
algum, o caso. O primeiro sinal de que poderia haver uma terapia eficaz para esses macacos
veio das observações dos comportamentos maternos das fêmeas, que foram inseminadas
artificialmente (Suomi et ai., 1972). Muitas delas batiam em seus recém-nascidos e se
sentavam sobre eles e poucos bebês sobreviviam. Se um bebê sobrevivesse, no entanto, a
mãe começava a se recuperar. Quando os pesquisadores observaram esses bebês com suas
mães, começaram a desconfiar de como se havia processado essa mudança. Se os macacos
bebês conseguissem se agarrar ao peito de sua mãe, como fazem normalmente os macacos
bebês recém-nascidos, eles sobreviviam. Enquanto estavam
agarrados à mãe, eles não somente tinham acesso ao leite que lhes provia o sustento, mas
também podiam escapar das tentativas das mães de machucá-los. Quanto mais tempo eles
se mantinham agarrados na mãe e quanto mais fortes se tornavam, mais tempo suas mães
passavam se comportando de maneiras quase normais, se não amorosas. No final do
período usual de amamentação, as mães não eram mais abusivas e interagiam de uma
maneira quase normal com seus bebês. Mais notável ainda foi o comportamento cuidador
dessas mães quando tiveram um segundo bebê. Ele era indistinguível daqueles de seus
pares não-privados. Elas haviam recuperado o funcionamento social normal. A recuperação
dessas mães levou Harlow e sua equipe a especular em que poderia ser possível reverter as
patologias sociais de macacos anteriormente isolados, introduzindo-os
em um tipo de relacionamento mãe-filho com um macaco mais jovem (Harlow e Novak,
1973; Suomi e Harlow, 1972). Os pesquisadores introduziram macacos normais de dois a
três meses de idade e fortes o bastante para sobreviver ao abuso que poderiam
eventualmente sofrer em uma gaiola com macacos que haviam sido isolados durante 12
meses. Os bebês alegres e ávidos de afeto proporcionaram um ambiente que permitiu aos
macacos mais velhos aprenderem os comportamentos sociais adequados. Durante um
período de 18 semanas, os macacos anteriormente isolados pouco a pouco pararam de
tremer e de agarrar a si mesmos e pararam de abusar dos macacos bebês. Começaram a se
movimentar mais pelo local, a explorar seu ambiente e a se engajar no jogo social. No fim,
todos os macacos anteriormente isolados
ficaram tão bem ajustados que mesmo pesquisadores experientes tinham dificuldade em
distingui-los dos macacos que haviam sido criados normalmente.

296
DESTAQUE 7.3 GENIE E A QUESTÃO DA ÉTICA REVISITADA

A pesquisa realizada com Genie, a menina que permaneceu trancada por mais de 1 1 anos
por seu pai abusivo, demonstra, de forma notável, como as questões científicas e éticas
podem entrar em conflito, mesmo quando todas as pessoas envolvidas em um programa de
pesquisa têm boas intenções. A controvérsia ética que cerca Genie está concentrada em
determinar se os cientistas que estudaram o seu desenvolvimento depois que ela escapou de
seu confinamento fizeram tudo o que podiam para garantir sua recuperação, ou se o seu
desejo de resolver um quebra-cabeça científico os levaram a subordinar o bem-estar de
Genie ao objetivo do progresso científico. Russ Rymer (1993), que escreveu um livro sobre
o caso, declara que o bem-estar de Genie foi, na verdade, sacrificado em nome de uma
investigação científica. Os cientistas que estavam encarregados do cuidado de Genie
negaram qualquer mau procedimento; eles argumentam que Genie foi tratada da melhor
maneira possível, dadas as circunstâncias muito incomuns e difíceis da sua história e da sua
condição. Quando Genie foi libertada, foi internada no Hospital Infantil de Los Angeles.
Como seu caso era um dos casos mais graves de isolamento infantil já registrado,
rapidamente atraiu o interesse científico. Segundo David Rigler, então psiquiatra-chefe do
hospital e o homem que finalmente veio a se tornar o principal investigador de Genie, tanto
os valores humanos quanto a ciência requeriam um estudo sistemático do desenvolvimento
de Genie: As teorias do desenvolvimento infantil defendem que há experiências essenciais
para a aquisição de um crescimento psicológico e físico normal. Se esta criança pode ser
ajudada a se desenvolver nas áreas cognitiva, lingüística e social, e outras, isso proporciona
informações úteis com relação ao papel fundamental da experiência inicial, que é
potencialmente benéfica para outras crianças desfavorecidas. O interesse da pesquisa
baseia-se inerentemente na aquisição bem-sucedida de esforços de reabilitação. Desse
modo, os objetivos da pesquisa coincidem com o próprio bem-estar e felicidade de Genie.
(Rymer, 1993, p.58)Infelizmente para Genie, não foi assim que as coisas se passaram.
Durante os primeiros meses após sua libertação, Genie viveu no Hospital Infantil. David
Rigler conseguiu uma subvenção de pesquisa para reunir consultores e decidir que
abordagem seguir com Genie. Alguns viam Genie como uma oportunidade científica para
responder questões sobre o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. Inspirados em
parte pelas questões deixadas sem resposta pelo caso de Victor, o Menino Selvagem de
Aveyron, eles queriam usar Genie para testar a hipótese de que há um período crítico - que
vai até a puberdade- após o quaal linguagem não pode ser adquirida. Propuseram um
programa de treinamento intensivo para ver se ela conseguia ainda desenvolver a
linguagem. Outros declararam que, no caso de Genie, a terapia deveria vir primeiro, e que
tudo o mais deveria ser secundário. O psicólogo David Elkind, um dos consultores,
escreveu: "Ênfase demais na linguagem poderia ser prejudicial, se a criança viesse a
perceber que o amor, a atenção e a aceitação dependeriam fundamentalmente de sua fala
(Rymer, 1993, p.58).

Aqueles que pendiam para uma investigação científica prevalecerem e os pesquisadores


conseguiram uma subvenção que se concentra na aquisição de linguagem de Genie - não
tanto ensinando a linguagem a Genie, mas observando como ela a aprendia. Logo depois de
tomada essa decisão, Genie foi levada para a casa de Jean Butler sua professora no Hospital
Infantil. Nos dois meses seguintes, Ger fez enormes progressos na aquisição de
vocabulário. Mas Jean Bufe objetava fortemente a invasão dos cientistas que estavam
estudar Genie. Ela disse que os procedimentos de treinamento dessesàr tas estavam
prejudicando a vida da menina e impedindo a sua recuperação. A isso seguiu-se uma
batalha pela custódia de Genie. Bir recorreu ao Departamento de Serviço Social para se
tornar: adotiva de Genie, mas sua solicitação foi negada em favor de Rigler e de sua esposa.

Genie viveu na casa dos Rigler durante quatro anos. Durante esse tempo, foi tratada tanto
quanto possível como um membro daí' lia. Foi-lhe ensinado como mastigar alimentos
sólidos, compo se adequadamente na mesa, expressar suas emoções, indicar
apropriadamente seus desejos e parar de se masturbar, o que elo vinha fazendo quando e
onde ela sentia vontade. Mas foi também con; temente observada e testada por lingüistas e
psicólogos.

Pouco tempo depois de ter-se mudado para a casa dos Rigle progresso de Genie no
aprendizado da linguagem foi diminuindo até parar. Sua fala parecia a linguagem usada em
telegrama. Ela jamais aprendeu a fazer uma pergunta de verdade ou a formar uma sentença
negativa apropriada. E também jamais aprendeu a se comportar normalmente em situações
sociais. Os cientistas Instituto Nacional de Saúde Mental, que patrocinaram a pesquisa
realizada com Genie, ficaram insatisfeitos com o projeto
em grande parte porque era um estudo de caso isolado, baseado em evidencias narrativas e
sem a possibilidade de controles - e negaram recursos para o estudo de Genie.

Quando o projeto terminou, Genie voltou à custódia de sua mãe não conseguiu lidar com as
deficiências de Genie e a colocou em uma instituição. Atualmente, ela mora em um lar para
adultos mentalmente deficientes no sul da Califórnia. No geral, comportamento regrediu
significativamente. Ela anda curvada e raramente faz contato com
os olhos. Não consegue falar normalmente e continua a apresentar comportamentos sociais
inadequados.

Rigler e sua equipe optaram por se concentrar na privação de linguagem de Genie, ao invés
de outros campos importantes do desenvolvimento. O que teria acontecido se eles, em vez
disso, tivessem conduzido a pesquisa na recuperação do isolamento grave? Teria Genie se
recuperado mais plenamente se lhe tivesse sido proporciorcionada terapia social,
enfatizando a ligação e as relações amorosas outras pessoas? Não há como saber. Russ
Rymer chamou seu livro de Genie: A Scientific Tragedy. Ele conta a infeliz seqüela da
tragédia pessoal decorrente do tratamento desumano de um pai para com uma criança
indefesa.

IMPLICAÇÕES PARÁ A SUPERAÇÃO DÁ PRIVAÇÃO HUMANA


A pesquisa de Harlow com macacos sugere que colocar crianças previamente isoladas em
um ambiente em que elas possam interagir com crianças menores pode ser terapêutico. Essa
idéia parece ser corroborada pelas informações limitadas disponíveis sobre a superação de
crianças provenientes de privação social extrema. Por exemplo, quando os gêmeos
Koluchova (1972, 1976) foram removidos do seu isolamento, eles foram de início
colocados em um ambiente especial em que passaram a viver com crianças menores.
Os gêmeos recuperaram o funcionamento normal, apesar de seus anos de isolamento. Um
teste mais formal do potencial terapêutico de fazer com que crianças socialmente isoladas
interajam com crianças menores foi conduzido por Wyndol Furman, Donald Rahe e
Willard Hartup (1979). Através de observações realizadas em creches, os pesquisadores
identificaram 24 crianças entre as idades de dois anos e meio e cinco anos que interagiam
tão pouco com seus pares que eram consideradas "socialmente isoladas". Essas crianças
foram designadas ao acaso a três grupos de oito crianças
cada. As crianças do primeiro grupo participaram uma a uma de sessões de ludoterapia com
uma criança com um ano a um ano e meio a menos que elas. As crianças do segundo grupo
participaram uma a uma de sessões de ludoterapia com crianças da sua própria idade. E o
último grupo serviu como controle e não recebeu tratamento especial. Cada criança dos
dois primeiros grupos tiveram 10 sessões de ludoterapia de 20 minutos cada, durante um
período de seis semanas. Durante cada sessão, as duas crianças foram colocadas juntas em
uma sala, em que havia blocos, bichos de pelúcia, roupas para vestir e outros brinquedos
que podem promover interação social positiva. Um observador sentado no canto da sala
tomava notas, mas não tentava de maneira alguma interferir com as crianças.

298
Após a última sessão de ludoterapia, as interações de todas as crianças nas classes da creche
foram avaliadas por observadores que não sabiam que crianças haviam participado do
estudo. Seus relatórios mostraram que o índice de interação dos pares quase dobrou para as
crianças socialmente isoladas que haviam brincado com uma criança menor. Desde o início,
elas proporcionaram ajuda e compartilharam com a criança menor. As crianças que haviam
brincado com uma criança da mesma idade mostraram alguma melhora, mas não diferiram
estatisticamente do grupo-controle. Esses resultados mostram que as interações com
crianças menores, mesmo por um período relativamente breve, pode reduzir os efeitos do
isolamento social. Furman e seus colegas sugeriram que o benefício fundamental para as
crianças "socialmente isoladas" de ter companheiros de brincadeira de menos idade e
menos capazes era o fato de eles lhe darem a oportunidade de iniciar e dirigir a atividade
social.
Essa evidência de intervenção terapêutica bem-sucedida sugere a intrigante possibilidade de
que o fracasso de uma determinada criança em se recuperar do isolamento ou de outras
formas de privação social pode realmente resultar de uma falha nas medidas tomadas para
providenciar um ambiente terapêutico adequado e não de algum dano irreversível causado à
criança. Obviamente, o melhor ambiente para uma criança anteriormente privada ou isolada
não é necessariamente um ambiente comum ou fácil
de criar. Os profissionais, em geral, têm um tempo limitado para passar com as crianças e
podem não proporcionar instintivamente as formas especiais de atenção e brincadeira que
ajudarão as crianças privadas a reorganizar seus padrões de interação social. Não obstante,
casos de recuperação importantes tanto em animais jovens quanto em crianças, que
experimentaram isolamento ou privação extremos mostram que os profissionais não devem
rejeitar essas crianças; em vez disso, deve ser feito um esforço combinado para lhes
proporcionar um ambiente tão terapêutico quanto possível.

A PRIMAZIA DA FASE DE BEBÊ RECONSIDERADA


Quando as crianças devem viver, desde o início da vida, circunstâncias de vida
extremamente indesejáveis, especialmente aqueles que são anormais para a sociedade em
que vivem, deve-se esperar que suas experiências negativas venham a ter efeitos
detectáveis em seu desenvolvimento futuro. Mesmo as crianças descritas anteriormente
como tendo conseguido recuperações notáveis mostraram alguns sinais residuais da sua
privação passada. As crianças do estudo de Dennis que foram adotadas após a
fase de bebê continuaram a exibir níveis um tanto rebaixados de capacidade intelectual, e as
crianças romenas que passaram oito meses ou mais em um orfanato, como as crianças
britânicas estudadas por Tizard e Hodges, continuavam a ter problemas de ajustamento
social, vários anos mais tarde.

Na tentativa de chegar a uma conclusão geral sobre a primazia da fase de bebê, convém
retornar ao provérbio "Quando o ramo se inclina, a árvore cresce inclinada". Se forças do
ambiente inclinam demais um ramo, a árvore pode finalmente crescer tão próxima ao chão
que suas folhas não conseguem obter a luz necessária para a planta florescer e depois
reproduzir. Mas, se as forças que inclinam a árvore são detidas a tempo, ou se um jardineiro
lhe proporciona estacas seguras para manter a árvore
ereta, o único efeito duradouro pode ser uma leve inclinação no tronco. A árvore conseguirá
florescer e reproduzir. Três fatores parecem poder modificar o impacto das experiências
iniciais no desenvolvimento futuro das vidas humanas. O primeiro é aquele no qual temos
nos concentrado:
mudanças no ambiente. Sejam essas mudanças positivas (como um ambiente escolar
estimulante ou uma rede de apoio social baseada na comunidade) ou negativas (o advento
de uma guerra ou a morte de um pai ou uma mãe), elas podem criar descontinuidades nas
experiências das crianças que irão colocá-las em um novo caminho no futuro. O segundo
fator que pode atuar para modificar os efeitos de longa duração da experiência são as
mudanças biossociocomportamentais que reorganizam as funções físicas e psicológicas em
padrões qualitativamente novos. Fatores como a aquisição de linguagem, novas habilidades
cognitivas e um novo relacionamento com o mundo social que emerge no fim da fase de
bebê, por exemplo, resultam em uma nova maneira de experimentar e lidar com o mundo.
Uma criança de 12 meses que fica facilmente frustrada quando não consegue encontrar seu
próprio caminho, pode tornar-se um pré-escolar tranqüilo, quando aprender a falar e a
poder coordenar-se melhor com seu ambiente por seus próprios recursos. Ao contrário, um
bebê tranqüilo que parece ter pouco interesse no mundo que o cerca pode, de repente, exibir
enorme curiosidade
e energia quando começa a andar. Essas observações levaram Jerome Kagan a declarar que
"cada fase da vida faz exigências especiais, e, por isso, cada fase é acompanhada por um
conjunto especial de qualidades" (Kagan, 1984, p.91). Kagan acredita que as
descontinuidades entre fases bem-sucedidas
da vida são tão marcantes que parte da história passada da pessoa é realmente "inibida ou
descartada". Essa forte visão de descontinuidades desenvolvimentais implica que os
problemas desenvolvimentais iniciais não conduzem inevitavelmente a problemas
desenvolvimentais futuros; na verdade, cada novo estágio apresenta suas próprias
oportunidades.
O terceiro fator é a mudança na maneira pela qual as crianças experimentam seus ambientes
como um resultado do aumento de suas habilidades. A ansiedade da separação mostrada
por crianças de um ano de idade quando seus cuidadores não estão presentes, por exemplo,
pode ser uma resposta realista para um bebê desamparado, relativamente imóvel, devido à
perda de apoio crucial que essa separação envolve. Mas as crianças de três anos de idade
que têm um senso de autonomia maior, porque podem falar, andar e correr, são menos
dependentes de seus cuidadores. Conseqüentemente, uma experiência que tem um grande
efeito sobre uma criança de um ano de idade pode não afetar da mesma maneira uma
criança de três anos de idade. Dado o complicado interjogo das habilidades de
desenvolvimento da criança, as mudanças dessas habilidades provocadas pela maneira
como a criança experimenta o ambiente e as mudanças no próprio ambiente, os
pesquisadores do desenvolvimento que estudam os possíveis efeitos a longo prazo da
experiência na fase de bebês apontam para três fatores que requerem mais atenção:

1. As fontes e extensão da continuidade entre a fase de bebê e os períodos posteriores.


2. Os laços de continuidade importantes entre a fase de bebê e a vida futura.
3. Os mecanismos pelos quais as características evidentes na vida inicial são transformados
ou preservados na transição da fase de bebê para a primeira infância.
Dois domínios psicológicos que têm sido intensivamente estudados com respeito a essas
questões são o apego e a cognição.

APEGO
Na pesquisa sobre as conseqüências a longo prazo dos vários padrões de apego, a estratégia
básica é avaliar o apego das crianças antes do seu primeiro aniversário e depois,
novamente, vários anos mais tarde, para determinar de que maneiras, se é que em alguma,
seu comportamento corresponde a seu apego inicial (Bretherton e Waters, 1985). As
evidências concernentes aos resultados desenvolvimentais de padrões de apego particulares
são controversos (ver Capítulo 6, p. 261-263).
Alan Sroufe e seus colegas relataram que, quando as crianças que apresentam apego seguro
aos 12 meses de idade são avaliadas aos três anos e meio, elas são mais curiosas, brincam
mais efetivamente com seus coleguinhas da mesma idade e têm um relacionamento melhor
com seus professores do que crianças que experimentaram vínculos inseguros na fase de
bebê (Erikson et ai., 1985; Frankel e Bates, 1990; Sroufe e Fleeson, 1986).
Nas observações de acompanhamento realizadas com essas crianças, Sroufe e seus colegas
descobriram que sua classificação de apego durante a fase de bebê previram a qualidade de
suas interações na segunda infância e na adolescência. Quando as crianças estavam com 10
anos, os pesquisadores providenciaram para elas freqüentarem um acampamento de verão,
no qual suas interações com seus pares e conselheiros de acampamento poderiam ser
observadas. Segundo os relatos de seus conselheiros e as observações dos pesquisadores, as
crianças que foram avaliadas como apresentando apego seguro na fase de bebê tinham
maior habilidade social, formavam mais
relacionamentos, exibiam mais autoconfiança e eram menos dependentes do que outros
companheiros de acampamento. Cinco anos mais tarde, os pesquisadores providenciaram
um acampamento para essas crianças. Aquelas que inicialmente foram avaliadas como
seguramente vinculadas eram mais abertas na expressão de seus sentimentos e na formação
de relacionamentos próximos com outros adolescentes. (Para um resumo recente, ver
Sroufe et ai, 1999.)

Os pesquisadores que previram os padrões de relacionamento como tendendo a permanecer


consistentes durante todo o desenvolvimento enfatizam que essa consistência depende de
um fator fundamental. Na sua opinião, a vinculação das crianças com seu cuidador primário
serve de modelo para todos os relacionamentos futuros. Baseada em uma formulação feita
por John Bowlby (1969), Inge Bretherton propôs que, tendo como base suas interações com
seu cuidador primário, as crianças na fase de bebê
construíram um modelo de elaboração interna da maneira como se comportar em relação às
outras pessoas e, depois, usaram o modelo para decidir o que fazer cada vez que entram em
uma nova situação (Bretherton, 1985). Na medida em que o seu modelo de trabalho lhes
permite funcionar efetivamente com as pessoas com as quais interagem, pode-se esperar
que as crianças continuem a usá-lo em todos os seus relacionamentos. Mas, se a sua
aplicação do modelo de trabalho conduz a dificuldades, elas podem modificá-lo ou
substituí-lo. Em suma, a continuidade e a descontinuidade dependem dos resultados
cumulativos das transações cotidianas entre as crianças e seus ambientes.

Para ver como as transações das crianças influenciam a continuidade desenvolvi-mental,


consideremos o achado segundo o qual as crianças ansiosas/resistentes tendem a se agarrar
às suas mães (Capítulo 6). Vamos supor que observamos essa criança em um ambiente pré-
escolar. Se ela está usando seu modelo de elaboração interna, que é baseado em suas
interações anteriores para guiar seu comportamento, pode-se esperar que essa criança tente
ficar próxima do professor. As conseqüências do seu uso desse modelo de elaboração
interna na escola vai depender de como ele é interpretado. Se o professor enxerga esse
comportamento como polidez, cooperação e motivação para aprender, a criança
provavelmente vai julgar esse modelo de elaboração interno eficiente. Por isso, o mesmo
padrão de interação provavelmente continuará e poderá ser até reforçado pelo professor.
Mas suponhamos que o professor interprete o comportamento da criança como
explicitamente dependente. Ele pode criar condições para que ela ajude a crianças menores,
mais tímidas, proporcionan-do-lhe, assim,
a experiência de uma nova forma de interação social. Em conseqüência disso, o modelo de
elaboração interna da criança pode mudar e suas interações subseqüentes com as outras
pessoas podem divergir do padrão anterior.
Aqui vemos, por outro lado, como os modelos de elaboração interna de relacionamentos
podem produzir continuidade nas interações sociais no decorrer do tempo e, por outro lado,
por que pode ser difícil prever se os padrões de interação dos bebês serão mantidos na vida
futura. O grau de continuidade vai depender da natureza do modelo de elaboração interna
inicial e da extensão em que ele se mostra adaptativo nas transações das crianças, nos
muitos contextos que vão encontrar mais tarde na vida.
A aplicação de uma abordagem transacional para entender os relacionamentos de ligação
ajuda a considerar no que o apego do bebê falha na previsão de comportamentos de
vínculos posteriores (Thompson, 1998). Por exemplo, em um estudo longitudinal de 100
crianças, Michael Lewis avaliou o apego das crianças com suas mães quando tinham um
ano de idade e, depois, entrevistou as crianças quando elas estavam com 18 anos para
avaliar sua vinculação atual com seus pais e sua lembrança dos relacionamentos sociais e
emocionais quando elas eram crianças (Lewis, 1997). Ele também solicitou aos jovens de
18 anos e a seus professores que preenchessem um questionário, que foi planejado para
avaliar seu desenvolvimento emocional.

Os achados de Lewis lançam dúvida com relação à idéia de que os relacionamentos de


apego na fase de bebê determinam o padrão para relacionamentos socioemocionais
posteriores. Em primeiro lugar, ele descobriu que "os relacionamentos atuais dos jovens
adultos não mostravam nenhuma relação com os relacionamentos exibidos quando eles
tinham um ano de idade, nem para o grupo inteiro de crianças e nem mesmo para aquelas
crianças que exibiram ligações inseguras anteriormente" (p. 62). Em segundo lugar, a
condição presente de saúde mental dos jovens de 18 anos, tanto baseada no que os
adolescentes relataram, quanto no que seus professores relataram, não mostrou nenhum
relacionamento com sua condição de apego na fase de bebê.
Segundo Lewis, esses dados corroboram a visão de que as relações de apego no início da
vida não proporcionam um modelo - ou padrão - de elaboração que dure até a idade adulta,
nem fazem com que persista um padrão particular de relações de apego. Em vez disso, ele
afirma que os modelos anteriores sempre são interpretados através do filtro dos
entendimentos atuais.
No presente, parece que, sob algumas circunstâncias, pode haver conseqüências a longo
prazo da condição de apego inicial, mas há muitas exceções a essa generalização.
Permanecem abertas as possibilidades para pesquisas que poderão resolver essas
discordâncias.

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Durante muitas décadas, os pesquisadores acreditaram que as diferenças individuais no
desenvolvimento intelectual dos bebês não previam as realizações posteriores. Em sua
opinião, havia pouca continuidade nos processos cognitivos da fase de bebê até a vida
adulta. Depois de examinar muitos estudos que tentaram correlacionar as pontuações nas
escalas desenvolvimentais dos bebês com as pontuações nos testes de inteligência
realizados mais tarde, Claire Kopp e Robert McCall (1982) inequivocamente concluíram
que "os testes realizados durante os primeiros 18 meses de vida não prevêem o QI infantil
em nenhum grau útil ou interessante" (p.a 35). Embora as correlações entre as pontuações
dos testes fossem melhores quando o primeiro teste foi administrado, após as crianças
terem alcançado a idade de 24 meses, até mesmo os testes realizados aos três, quatro e
cinco anos de idade não foram suficientemente proféticos do QI subseqüente das crianças a
ponto de serem úteis, a menos que as pontuações iniciais desviassem muito da norma,
indicando possíveis problemas ou talentos (McCall, 1981; Sameroff, 1978).

Nos últimos anos, os psicólogos do desenvolvimento foram um pouco mais bem-sucedidos


na demonstração de que as características cognitivas individuais avaliadas na fase de bebês
preconizam uma capacidade intelectual futura. A diferença fundamental entre os primeiros
estudos e os mais recentes é que os primeiros não ativaram os mesmos processos
psicológicos em ambas as testagens às quais as crianças foram submetidas; os testes
padronizados anteriores usados para avaliar a capacidade dos bebês concentravam-se
fundamentalmente na esfera sensório-motora, enquanto os testes para avaliar a capacidade
intelectual de crianças mais velhas concentravam-se na esfera conceitual.

Para superar esse problema, Susan Rose e Judith Feldman (1997) optaram por estudar o
reconhecimento, uma função da memória conhecida por existir no início da fase de bebê
(ver Capítulo 5). Elas usaram uma técnica aparentemente preferencial com bebês de sete
meses de idade e um teste de memória de reconhecimento, utilizando o desenho de padrões
com crianças de 11 anos de idade. Elas relataram uma correlação importante entre o
desempenho das crianças quando elas eram bebês e seu desempenho
aos 11 anos de idade.

Entretanto, mesmo nos casos bem-sucedidos, o grau de associação entre os desempenhos


cognitivos inicial e posterior, embora estatisticamente significativativo, não é
suficientemente alto para provar que que essa continuidade seja característica de algumas
crianças por algum tempo. Sabe-se muito pouco sobre as experiências críticas que
melhoram, detém ou transformam os processos cognitivos para nos permitir especificar os
mecanismos transacionais que operam para sustentar ou modificar esses
processos.

ENTRANDO EM ACORDO COM A PREVISIBILIDADE LIMITADA

Embora a pesquisa recente sobre a continuidade em várias esferas psicológicas aponte para
importantes continuidades entre a fase de bebê e períodos desenvolvimentais posteriores,
ela falha na implicação de que algum traço seja sempre contínuo e previsível. Como foi
observado, as correlações entre os comportamentos na fase de bebê e nos comportamentos
posteriores são em geral muito modestas. Conseqüentemente, os dados que mostram uma
recuperação marcante de condições iniciais traumáticas (o que sugere que o funcionamento
psicológico pode mudar muito depois da fase de
bebê) e os dados que mostram uma correlação moderada nos traços comportamentais
individuais no correr do tempo (que implicam a continuidade do funcionamento) não
devem ser encarados como contraditórios. Juntos, . eles proporcionam evidência de que o
desenvolvimento de uma criança é simultaneamente contínuo e descontínuo.
Muitos anos atrás, Freud (1920/1924) observou que o fato de o desenvolvimento parecer
contínuo e previsível ou descontínuo e incerto depende até certo ponto da perspectiva da
pessoa. Na medida em que traçamos o desenvolvimento [de um processo psicológico] do
seu estágio final para trás, a conexão parece contínua, e achamos que conseguimos um
insight absolutamente satisfatório ou até mesmo exaustivo. Mas, se procedemos no
caminho inverso - se começarmos das premissas inferidas a partir das análises e tentarmos
acompanhá-las até o resultado final -, não temos mais a impressão de uma seqüência
inevitável de eventos que poderiam não ser de outro modo determinada. Observamos
imediatamente que poderia ter havido outro resultado, (p. 226)
A Figura 7.3 é uma representação esquemática do insight de Freud com relação à análise
retrospectiva. Se começarmos em um ponto da vida futura e se rastrearmos a história de
uma pessoa até o seu início A, podemos construir um caso convincente para aquela precisa
história de vida ter procedido como procedeu; o estado desenvolvimental no momento E
resultou de eventos no momento D, que resultou de eventos no momento C, e assim por
diante. Em cada ponto de decisão, acreditamos poder distinguir os vários fatores
contribuintes e discernir qual deles teve maior influência. Somente um caminho conduz ao
passado em cada ponto. Mas, começando pelo início A, e olhando para o futuro, não
podemos prever as escolhas que serão feitas nos pontos B, C e D. Usando a metáfora
empregada por RobertFrost (p. 258), as curvas dos diferentes caminhos estão ocultas sob a
vegetação rasteira. Para os pais, a imprevisibilidade do resultado de seus esforços na
prestação de cuidados é uma fonte natural de ansiedade. A pesquisa sobre a primazia, no
entanto, mostra-nos que essa incerteza tem seu lado bom. Um futuro perfeitamente
previsível não dá possibilidade de escolha. Sem as incertezas que decorrem de mudanças no
ambiente, e as mudanças na criança que acompanham o desenvolvimento, os pais não
conseguem sonhar em influenciar o curso do futuro do seu bebê. Esse seria imutável. Com
essas incertezas, vem a possibilidade e o desafio de tirar proveito dessas mudanças para
promover o bem-estar da criança.

RESUMO
- Muitas pessoas acreditam que as experiências da fase de bebê são as forças mais
importantes na modelagem do comportamento futuro.

CONDIÇÕES IDEAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ

- Para estimular o desenvolvimento ideal, o cuidador deve ser sensível e reativo às


necessidades e aos sinais do bebê. Os tipos de sensibilidade e de reação considerados
ideais na criação dos filhos e a maneira como eles são expressados dependem das
circunstâncias históricas e culturais em que a criança nasceu.
EFEITOS DA SEPARAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS
- A separação dos pais é perturbadora para os bebês. Entretanto, essas separações só têm
conseqüências negativas a longo prazo, quando são de longa duração ou são repetidas.
- Os especialistas especulam sobre as conseqüências de separações diárias breves
resultantes do cuidado fora de casa durante o primeiro ano de vida.
- A institucionalização permanente em um orfanato com funcionários despreparados retarda
tanto o desenvolvimento mental quanto o social. A permanência em orfanatos com
funcionários especializados produz dificuldades desenvolvimentais menos pronunciadas. O
grau em que as crianças superam dessas experiências depende de seus ambientes
subseqüentes e da idade em que elas deixam a instituição.
- O isolamento total conduz a atrazo mental e social grave. Se as crianças são transferidas
para um ambiente favorável antes dos seis ou sete anos de idade, a recuperação é
freqüentemente possível. Se suas circunstâncias não mudarem até a adolescência, a
superação plena parece impossível.

VULNERABILIDADE E RESILIENCIA

- As características pessoais ou circunstâncias ambientais que aumentam a probabilidade de


resultados negativos para as crianças são chamadas de fatores de risco.
- Os fatores de proteção reduzem o impacto do risco nas crianças.
- A vulnerabilidade das crianças a circunstâncias estressantes depende de vários fatores,
incluindo:
1. Fatores familiares, como o número de irmãos, a carga de trabalho da mãe e a presença
de uma rede de parentes e amigos.
2. Características da comunidade: se a vizinhança está localizada em um cor-tiço urbano
ou em uma área rural e qual a qualidade da escola local.
3. Características individuais, como as variações no temperamento.
- Os processos que conduzem a vários resultados desenvolvimentais podem ser definido
como transações entre a criança e o ambiente durante um amplo período de tempo.
SUPERAÇÃO DA PRIVAÇÃO
- Os estudos realizados com macacos sugerem que a superação do isolamento inicial pode
ser conseguida mais tarde - ao contrário do que antigamente se julgava possível
- se puder ser providenciado um ambiente terapêutico adequado.
- A pesquisa tem mostrado que princípios similares aos encontrados nos estudos com
macacos podem ser aplicados a crianças socialmente isoladas.
A PRIMAZIA DA FASE DE BEBÊ RECONSIDERADA
- Três fatores limitam o grau em que as características psicológicas dos bebês podem prever
o desenvolvimento posterior.
1. Mudanças no ambiente da criança.
2. As mudanças biossociocomportamentais que reorganizam qualitativamente as
características físicas e psicológicas da criança.
3. Um aumento na capacidade da criança de enfrentar o ambiente.

PALAVRAS-CHAVE
fator de proteção, p. 288
fatores de risco, p. 287
modelos transacionais, p. 293
primazia, p. 275
resiliência, p. 288
QUESTÕES PARA PENSAR
1. Pense em um tempo da sua vida em que dois caminhos se apresentaram diante de você e
considere o que poderia ter acontecido se você tivesse seguido um caminho diferente. O
que possibilita imaginar a alternativa? O que dificulta imaginá-la?
2. Imagine que você é o administrador de um orfanato. Em vista das
informações fornecidas nos Capítulos 4 a 7, quais são algumas práticas que você
promoveria para proporcionar o melhor desenvolvimento possível para as crianças em sua
instituição?
3. Imagine que você é o diretor de um programa comunitário para melhorar as experiências
iniciais das crianças que vivem em uma comunidade pobre. Que tipos de programas você
tentaria promover? Dê um fundamento lógico para suas sugestões e que esteja baseado nas
pesquisas.
4. Como uma abordagem transacional da mudança desenvolvimental se relaciona ao ditado
"Quando o ramo se inclina, a árvore cresce inclinada"?
5. Por que as explicações retrospectivas do desenvolvimento são problemáticas?

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