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Duas estradas se separam em um bosque amarelo
E, era uma pena que eu não pudesse seguir a ambas.
e me tornar um viajante. Muito tempo depois permaneci ali
olhando uma delas o mais distante que eu podia
até onde ela descia para as profundezas:
então, peguei a outra, tão adequada quanto legítima,
e tendo talvez o maior apelo
pois era coberta de grama e precisava de água;
embora nesse sentido o transitório ali
as houvesse preparado mais ou menos iguais
e ambas naquela manhã estivessem cobertas
de folhas e nem um passo as havia escurecido
Oh! eu guardei a primeira para outro dia!
Mas, sabendo como o caminho conduz ao caminho.
Duvidei que algum dia eu voltasse.
Estarei contando essa história com um suspiro
em algum lugar daqui a muito, muito tempo:
Duas estradas se separavam em um bosque, eu-
segui aquela menos trilhada,
e isso fez toda a diferença.
Robert Frost, The Road Nol Taken
Durante o século XX, a primazia passou a ser associada à idéia de que as experiências que
as crianças têm na infância determinam seu desenvolvimento futuro. Essa linha de
pensamento foi bastante influenciada pela afirmação de Freud de que a doença psicológica
na idade adulta pode ser remontada a conflitos não resolvidos nos primeiros anos de vida
(Freud, 1940/1964). Entretanto, isso não se restringe apenas aos teóricos freudianos. Ao
resumir sua pesquisa sobre o desenvolvimento intelectual, o psicólogo Burton White
declarou que "começar a examinar o desenvolvimento educacional de uma criança quando
ela tem dois anos de idade já é demasiado tarde, particularmente na área de habilidades e
atitudes sociais" (White, 1975, p. 4; itálico acrescentado por nós). Similarmente, Alan
Sroufe e sua equipe defendem que a natureza das
primeiras ligações da criança influencia muito a maneira como elas formam
relacionamentos subseqüentes (Sr oufe et ai., 1999b).
Neste capítulo, vamos nos dedicar a examinar se a experiência da infância exerce mais
influência do que as experiências posteriores no curso do desenvolvimento e, se exerce, em
que extensão o faz. As respostas para essas questões são fundamentais para problemas
como de que modo a sociedade e os pais podem melhor munir as crianças para lhes garantir
um ótimo desenvolvimento e o que pode ser feito para melhorar as vidas das crianças que
sofreram privação no início de suas vidas. Como veremos, não há dúvida de que as
experiências dos bebês podem ter um efeito importante
sobre seu desenvolvimento futuro. Mas, se elas terão efeitos duradouros, depende muito da
extensão em que as experiências subseqüentes atuam para reforçar ou se contrapor a
padrões estabelecidos na fase de bebê. Conseqüentemente, embora concentrada na fase de
bebê, nossa discussão vai examinar também as vidas de crianças mais velhas. A
consideração da experiência posterior é essencial para se entender a extensão em que as
experiências iniciais são ou não especialmente importantes.
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A "mãe amorosa" de Kierkegaard está tão bem sintonizada com as necessidades do seu
filho que cria a ilusão de apoio físico, que não existe. Essa ilusão proporciona à criança
uma sensação de capacidade e autoconfiança, dando-lhe o máximo de esforço e coragem.
Esses traços de caráter são amplamente admirados nas culturas da Europa Ocidental e da
América do Norte. Conseqüentemente, os comportamentos dos pais que estimulam a
educação de seus filhos são, em geral, considerados ideais para o desenvolvimento.
Embora o ideal materno de Kierkegaard seja inatingível como uma condição geral do
desenvolvimento em qualquer sociedade, sua idéia de uma mãe que dá o maior apoio a seus
filhos se aproxima do que Burton White e Jean Carew Watts chamam de mães A (White e
Carew, 1973). Esses pesquisadores descobriram que as mães A, mais que as mães C, que
proporcionavam menos apoio em geral, gostavam de ficar com suas crianças pequenas e
sentiam prazer em ensiná-las e em lhes proporcionar experiências intelectualmente
estimulantes. Enquanto as mães C, em média, passaram 5% de um período de observação
realizando atividades intelectuais como ler um livro ou fazer
um quebra-cabeças, as mães A dedicaram 15% do seu tempo nessas atividades. Ao
contrário das mães C, elas davam mais importância à exploração e à aprendizagem de seus
filhos do que à aparência de suas casas, que eram organizadas para serem seguras e
interessantes para as crianças que estavam descobrindo o mundo. Elas permitiam que seus
filhos corressem pequenos riscos, mas determinavam limites razoáveis para eles. Elas
podiam, por exemplo, permitir que seus filhos de um ano e meio começassem a subir e a
descer escadas, segurando no corrimão, mas não permitiam que subissem na beirada da
banheira. Sua atenção a seus filhos era complementada por seu humor prevalecente: elas
eram ocupadas e felizes, em vez de desocupadas e deprimidas. Comparados com as
crianças
das mães C, aquelas das mães A foram julgadas - tendo como base o seu desempenho em
uma bateria de testes e nas observações dos pesquisadores - como mais competentes do que
seus pares quando estavam na pré-escola. (A Tabela 7.1 relaciona algumas características
de crianças competentes de três anos de idade).
As mães A não passaram o dia todo atendendo seus filhos pequenos. Na verdade, passaram
menos de 10% do seu tempo realmente cuidando deles. Algumas tinham empregos de
tempo parcial, e outras tinham vários outros filhos. Quando estavam em casa, no entanto,
estavam quase sempre disponíveis para responder perguntas, iniciar uma nova atividade ou
proporcionar estímulo. Os pesquisadores concluíram que nem muito dinheiro nem muita
educação eram necessários para ser uma mãe A, embora a pobreza
tornasse sua vida mais difícil. Algumas mães A dependiam da assistência social e algumas
delas não concluíram o ensino médio.
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A descrição de White e Watts dos comportamentos maternos "eficientes" nos dizem algo
sobre os ambientes que estimulam uma bem-sucedida adaptação inicial a uma sociedade na
qual se comportar bem e ter um bom desempenho na escola são exigências básicas. Mas
não ajuda a responder muitas questões que os pais e outros cuidadores devem enfrentar:
Qual é o tipo "certo" de responsividade? Quanto apoio é demasiado e quanto é insuficiente?
O mesmo tipo de reação que prepara as crianças para o sucesso na escola também os
prepara, como adultos, para enfrentar a frustração, a habitação inadequada, a discriminação
ou períodos extensos de desemprego? Como indicamos anteriormente, as respostas a
perguntas sobre o que constitui a preparação adequada para a vida posterior dependem de
circunstâncias históricas e culturais da sociedade na qual uma criança nasce. As mães
japonesas, por exemplo, assim como as mães norte-americanas, aspiram a que seus filhos se
tornem adultos eficientes. Mas, quando examinadas através de parâmetros culturias norte-
americanos, as mães japonesas parecem excessivamente protetoras em relação a seus filhos,
a ponto de encorajar uma dependência emocional considerável (Miyaki et ai., 1986).
Entretanto, o alto nível de proteção das mães japonesas não significa que elas proporcionem
ambientes inadequados para o desenvolvimento de seus filhos. Em contraste com a
sociedade americana, que valoriza a autodeterminação e a independência, a sociedade
japonesa valoriza a interdependência e a cooperação. Em vista disso, as mães japonesas se
esforçam para estimular um padrão geral de características de adultos em seus filhos
diferente daquele das mães americanas (Lebra, 1994). Faz sentido que suas estratégias para
atingir o seu padrão "ideal" também difiram.
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Em resposta a essas condições, segundo Nancy Scheper-Hughes (1992), as mães dessa
região desenvolveram crenças e comportamentos sobre a criação de filhos que parecem
duras e negligentes dentro dos padrões das famílias de classe média do Japão ou dos
Estados Unidos. Elas são fatalistas em relação ao bem-estar de seus bebês. Encaram as
crianças que têm um desenvolvimento atrasado ou que têm um temperamento passivo,
quieto, como inerentemente fracas e com pouca probabilidade de sobreviver.
Conseqüentemente,
podem negligenciar essas crianças ou simplesmente deixá-las morrer se ficarem doentes.
Nessas circunstâncias, em que fraqueza significa morte e os recursos são parcos, as crianças
favorecidas são aquelas precoces, ativas e exigentes, porque são consideradas como aquelas
que vão sobreviver. Além disso, as mães esperam que os filhos que viveram até os cinco ou
seis anos comecem a contribuir para o sustento da família.
Os meninos são enviados para as ruas, para buscar comida ou roubar, se necessário. As
meninas vão colher cana-de-açúcar ou fazer o serviço doméstico. A partir da perspectiva de
famílias financeiramente seguras nos Estados Unidos, a forma de maternidade observada
entre as famílias brasileiras pobres pode parecer abusiva. Mas, como evidencia o relato de
Scheper-Hughes, essas mães estão fazendo o melhor que podem para preparar seus filhos
para sobreviver em um ambiente em que a fraqueza quase certamente conduz à morte. A
pesquisa intercultural desse tipo mostra que os julgamentos sobre as condições ideais de
desenvolvimento devem
levar em conta as condições reais em que vivem as crianças e suas famílias.
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DESTAQUE 7.1 CUIDADOS FORA DE CASA NO PRIMEIRO ANO DE VIDA
As questões sobre a primazia da fase de bebê vão além da pesquisa científica e penetram
nas vidas dos indivíduos e no âmbito da política pública. A prática cada vez mais comum
nos Estados Unidos de colocar os bebês sob alguma forma de cuidado fora de casa, durante
o primeiro ano de vida, tem sido há várias décadas tema de controvérsia entre os estudiosos
do desenvolvimento (Lamb, 1998). Segundo alguns especialistas em cuidado infantil
amplamente lidos e influentes, a experiência muito precoce em creches coloca as crianças
sob o risco de enfrentar dificuldades sociais e emocionais de longo prazo (Fraiberg, 1977;
Leach, 1994). Segundo outros, pouco ou nenhum risco está associado a creches de alta
qualidade (NICHD Early Child Care Research Network, 1997, 1998a, b, c).
A questão do cuidado fora de casa para bebês afeta as vidas de muitas pessoas devido a
duas tendências na sociedade norte-americana: (1) o número crescente de famílias com pais
ou mães solteiros e (2) a necessidade econômica crescente de que pai e mãe trabalhem em
tempo integral. Atualmente, as mulheres constituem o segmento de mais rápido
crescimento da força de trabalho, e uma grande maioria de mulheres que trabalha e se torna
mãe retorna ao trabalho antes de seu bebê completar um ano de idade. Mais de metade de
todos os bebês e crianças pequenas nos Estados Unidos passa algum tempo sob os cuidados
de outra pessoa que não seus pais durante o primeiro ano de vida (Casper, 1996).
Jay Belsky (Belsky, 1986, 1990; Belskyetal., 1996)
Jay Belsky (Belky, 1986, 1990; Belsky et al., 1996) destaca-se entre aqueles que
questionaram o efeito do cuidado fora de casa durante o primeiro ano de vida. Sua
preocupação foi despertada pela evidência de que as crianças que experimentaram cuidado
não-materno extensivo (mais de 20 horas por semana) durante o primeiro ano vida tinham
maior probabilidade de experimentar padrões de apego inseguro na situação estranha, eram
menos dóceis para atender às demandas dos adultos e eram mais agressivos na
interaçãoseus pares.
Essas questões sobre os efeitos da creche foram seriamente considerados pelo governo
norte-americano, que iniciou um estudo maciço para determinar a influência de vários tipos
de cuidados diurnos durante a fase de bebê e a primeira infância sobre o
desenvolvimento posterior das crianças. O estudo foi realizado por uma
rede de importantes pesquisadores de centros de 10 diferentes localidades (NICHD Early
Child Care Research Network, 1996, 1998a, b, c).
Com a maioria das mães norte-americanas voltando ao trabalho antes de seus filhos
completarem um ano de idade, um número cada vez maior de bebês está sendo cuidado fora
de seus lares. Os estudiosos do desenvolvimento estão estudando e debatendo os efeitos
desse cuidado no desenvolvimento - social e emocional das crianças.
Outra forma de separação ocorre quando as crianças pequenas precisam passar algum
tempo hospitalizadas. Vários estudos avaliaram as conseqüências da hospi-talização no
desenvolvimento emocional posterior. Michael Rutter (1976), por exemplo, estudou 400
crianças de 10 anos de idade para verificar se a hospitalização inicial havia influenciado seu
ajustamento psicológico posterior. Ele descobriu que uma única permanência hospitalar,
que durou uma semana ou menos antes dos cinco anos de idade, não produziu nenhuma
perturbação emocional ou comporta-mental que pudesse ser detectada aos 10 anos de idade.
Observou, no entanto, que a hospitalização repetida estava associada a problemas de
comportamento e delinqüência no final da infância.
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sugerida pela pesquisa subseqüente é que as crianças que foram repetidas vezes-
hospitalizadas têm maior probabilidade que as outras de provir de famílias social e
economicamente desfavorecidas (Quinton e Rutter, 1976). O efeito negativo da
hospitalização repetida pode ser menos um reflexo de relações sociais perturbadas (devido
à separação) do que um reflexo de circunstâncias domésticas cronicamente difíceis ou de
saúde deficiente. Muitos fatores influenciam o ajustamento de crianças que experimentam
doenças além da separação de seus pais. Conseqüentemente, é difícil determinar com
clareza as causas dos problemas desenvolvimentais.
Uma forma mais traumática de separação da família ocorre com freqüência em tempo de
guerra (Apfel e Bennett, 1996). Quando a força aérea alemã realizou uma campanha de
bombardeio intenso contra a população civil de Londres e de outras cidades inglesas no
início da década de 1940, muitas crianças inglesas foram enviadas para morar na zona rural
com segurança enquanto seus pais ficavam para trás. Dorothy Burlingham e Anna Freud
(1942) estudaram as reações de um grupo dessas crianças, variando em idade de alguns
meses até quatro anos, que foram enviadas para viver em um lar comunitário. Elas
descobriram que muitas crianças estavam demasiadamente angustiadas por estarem
separadas de seus pais. Quando deixadas no orfanato, muitas choravam sem parar,
voltavam seus rostos contra a parede, quando alguém se aproximava delas e se recusavam a
responder quando se falava com elas. Os estados graves de depressão manifestados pelas
crianças foram de grande preocupação para seus cuidadores, que se preocuparam com as
conseqüências de longo prazo de suas experiências traumáticas. No entanto, quando essas
crianças foram examinadas 20 anos mais tarde, os pesquisadores não encontraram
exemplos de doença mental grave entre elas; seu comportamento como adultos jovens
estava dentro dos limites normais (Maas, 1963).
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Foram coletados dados sobre as características das famílias das crianças, incluindo seus
níveis de educação e renda, etnia e tamanho. A qualidade do cuidado proporcionado foi
determinada usando tanto as avaliações do ambiente em geral, a proporção de adultos para
cada criança, tamanhos do grupo, qualidade das instalações, quanto a qualidade do cuidado
que as crianças recebiam (ver tabela acima). Para avaliar os efeitos do cuidado sobre as
crianças, foram coletados dados sobre o apego emocional,
autocontrole, submissão às exigências do adulto, desenvolvimento mental e
desenvolvimento da linguagem. Os resultados desses estudos, que agora foram expandidos
para incluir crianças de três e quatro anos de idade, indicam que as crianças que passavam
30 horas ou mais na creche não são diferentes daquelas crianças que passavam menos que
10 horas em circunstâncias comparáveis.
No entanto, esses achados dependem da qualidade do cuidado diurno. Quando o cuidado
foi considerado deficiente - ou seja, quando cada cuidador tinha muitas crianças para
cuidar, eram inadequadamente treinados, ou havia alta rotatividade entre eles - como se
pode imaginar, os resultados para as crianças não foram bons. Esse resultado é realmente
preocupante, porque quase metade dos centros estudados oferecem cuidado diurno de má
qualidade.
Os interesses envolvidos na avaliação dos efeitos do cuidado diurno são muito altos. Por
um lado, todos estão conscientes de que é do interesse não apenas das crianças em questão
mas da sociedade como um todo assegurar-se de que as crianças cresçam para ser adultos
emocionalmente estáveis e socialmente competentes. Se isso não acontecer, a sociedade
incorrerá em um pesado tributo nos custos posteriores do serviço social e na produtividade
econômica. Por outro lado, as pressões econômicas
e sociais estão conduzindo muitas mães para a força de trabalho e mantendo os pais ali. O
problema é como melhor lidar com essas realidades conflitantes para maximizar as chances
de vida das crianças. Belsky sugere que esse objetivo poderia ser melhor alcançado se os
pais recebessem um subsídio para ficar em casa com seus filhos durante seu primeiro ano
de vida. Outros defendem que a alternativa é disponibilizar creches melhores e outras
formas de cuidado diurno de qualidade.
Uma forma extrema de separação é aquela experimentada por crianças que passaram o
início de suas vidas em orfanatos, porque seus pais foram mortos ou eram incapazes de
cuidar delas. Como essas instituições mantêm bons registros das crianças que cuidam, os
estudos de crianças criadas em orfanatos proporcionam alguns dos dados mais sistemáticos
sobre a maneira como a separação dos pais influencia no desenvolvimento das crianças.
Entre as crianças institucionalizadas, o risco é mais elevado para aquelas cuja separação
está associada com a permanência nessa instituição, com a exposição aos cuidados de
muitas pessoas diferentes e com um espectro aquém do ideal de experiências para o
desenvolvimento esperado.
Todos os dias, muitas crianças colocadas em orfanatos come de guerra, fome e doença. 0
pai da criança foi morto durante a luta croatas e os sérvios, após a cisão Iugoslávia, em
1992.
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O desenvolvimento dessas crianças dependia do seu cuidado subseqüente. Aquelas que
foram adotadas por famílias superaram suas limitações. As crianças que foram adotadas
antes de dois anos de idade apresentaram um desenvolvimento esperado quando foram
testadas dois a três anos depois da sua adoção, e aquelas que foram adotadas entre os dois e
os seis anos de idade só estavam levemente atrasadas em seu funcionamento intelectual.
As crianças que permaneceram institucionalizadas não tiveram um destino tão bom. Aos
seis anos de idade, as meninas foram enviadas para uma instituição e os meninos para
outra. A instituição das meninas, como o orfanato, proporcionou poucas experiências
estimulantes e virtualmente nenhuma atenção pessoal. Quando essas meninas foram
testadas aos 12 a 16 anos de idade, foram avaliadas como, intelectualmente deficientes,
sendo incapazes de operar na sociedade moderna. Mal conseguiam ler, não sabiam ver as
horas e eram incapazes de discar um número de telefone de sete dígitos ou mesmo contar o
troco em uma loja.
O resultado para os meninos foi bem diferente. A instituição para a qual foram transferidos
proporcionou bem mais estimulação intelectual e experiências mais variadas do que o
orfanato. E, melhor ainda, os meninos tinham contatos freqüentes com os funcionários da
instituição que vinham das comunidades adjacentes. Em vista disso, quando os meninos
foram testados aos 10 a 14 anos de idade, eles mostraram uma recuperação substancial da
sua lacuna intelectual. Embora o seu desempenho nos testes
padronizados estivesse abaixo da norma e abaixo do desempenho das crianças que foram
adotadas, estavam dentro da variação que lhes permitiria operar na sociedade.
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que tinham quando foram adotadas. Isso não aconteceu com as crianças que retornaram a
seus pais biológicos. Quanto mais velhos eles eram ao deixar as instituições, menor a
probabilidade, de desenvolverem uma relação de apego mútua.
Uma razão para os lares adotivos terem produzido melhores resultados que os lares
biológicos foi o fato de muitas famílias que pegaram seus filhos de volta não estarem
totalmente felizes por tê-los com elas. Muitas mães expressavam receio, mas aceitaram a
responsabilidade porque os filhos eram seus. Freqüentemente, as crianças voltavam para
lares em que havia outras crianças que requeriam a atenção de sua mãe, ou um padrasto que
não estava interessado nelas. A maioria dos pais adotivos,
ao contrário, era representada por casais sem filhos e mais velhos, que queriam as crianças
e lhes davam muita atenção. Além disso, a maior parte das famílias adotivas tinha uma
situação financeira melhor do que as famílias biológicas das crianças (Tizard e Hodges,
1978).
As relações sociais na escola foram descritas como problemáticas para as crianças
institucionalizadas. Em comparação com o grupo-controle que sempre havia morado em
suas casas, as crianças institucionalizadas, assim como as crianças romenas descritas
anteriormente, eram "manifestamente amigáveis". Elas tinham "um desejo quase insaciável
de atenção por parte dos adultos e uma dificuldade em formar bons relacionamentos com
seus pares" (Tizard e Hodges, 1978, p. 114). Não ficou claro por que essas crianças
experimentavam dificuldades nas relações sociais na escola, mas não em casa. Talvez suas
experiências anteriores em instituições não lhes tenham proporcionado os recursos
necessários para formar relacionamentos com seus pares. Ou podem ter aprendido estilos
de interação que funcionavam nas instituições mas que eram inadequadas fora delas (Rutter
e Garmezy, 1983).
Quando Hodges e Tizard (1989a, 1989b) entraram em contato com as crianças, quando elas
estavam com 16 anos, descobriram que o padrão persistia. As crianças que retornaram para
seus pais mostravam um índice elevado de comportamento anti-social. Isso não acontecia
com aquelas que foram adotadas, mas mesmo as crianças adotadas que desenvolveram
relações de apego normais com seus pais adotivos experimentaram dificuldades ao lidar
com seus pares e com a sociedade em geral quando adolescentes.
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As melhoras observadas em muitas crianças que deixaram o cuidado institucional
contrariam os pressupostos da teoria de que as crianças só conseguem estabelecer relações
de apego emocionais durante um período crítico no início da fase de bebê. Embora o
ambiente nos orfanatos em geral impeça as crianças de formar vínculos emocionais com
seus cuidadores, a maior parte das crianças que foi adotada em novas famílias formou
vínculos com seus pais adotivos, até mesmo as crianças que deixaram o orfanato depois dos
dois anos de idade. Ao mesmo tempo, a pesquisa de Tizard e sua equipe confirma a idéia de
que as características dos ambientes das crianças durante períodos
posteriores da sua vida são fundamentais para determinar se a presença ou ausência de
vínculos iniciais irá constituir-se em um problema constante.
CRIANÇAS ISOLADAS
Os casos mais extremos de negligência conhecidos são aqueles de crianças que foram
totalmente separadas do contato humano. Durante os últimos 200 anos, foram descobertas
várias dessas chamadas crianças selvagens, a mais famosa delas sendo Victor, o Menino
Selvagem, discutido no Capítulo 1. Essas crianças nunca deixam de despertar o interesse
público, porque a idéia de crianças pequenas provendo a própria subsistência na natureza é
bastante dramática. Mas as principais circunstâncias que conduzem ao isolamento dessas
crianças e à condição anterior ao seu isolamento, em geral, são desconhecidas. Em vista
disso, raramente é possível extrair conclusões definitivas sobre os efeitos das suas
experiências durante seu isolamento.
Há, no entanto, alguns casos modernos bem documentados de crianças que foram isoladas
quando ainda bem pequenas por pais sociopatas. Como os órgãos públicos atualmente
mantêm bons registros de nascimento e de saúde, sabe-se o suficiente sobre o início da vida
dessas crianças para permitir conclusões com bases mais sólidas sobre o impacto
desenvolvimental nessas circunstâncias bizarras (Skuse, 1984b). Estudos de crianças
isoladas deixaram pouca dúvida de que o isolamento severo possa prejudicar
profundamente o desenvolvimento normal, mas também mostram que a privação precoce
do cuidado e da interação normal com o ambiente não é necessariamente devastadora para
o desenvolvimento posterior (Skuse, 1984a).
Jarmila Koluchova (1972, 1976) estudou um desses casos, que envolvia gêmeos idênticos
na Checoslováquia em 1960, filhos de uma mãe de inteligência normal. A mãe morreu logo
após o nascimento dos gêmeos e, quando os meninos estavam com cerca de um ano e meio,
seu pai casou-se com uma mulher que definitivamente não gostava dos bebês. Por
insistência sua, os gêmeos foram obrigados a viver em um quarto minúsculo, sem qualquer
adorno, sem alimentação adequada, exercício ou luz do sol.
Não tinham permissão para entrar nas partes da casa onde os outros familiares viviam e
eram raramente visitados.
Os meninos chamaram a atenção das autoridades quando estavam com seis anos de idade.
Eles eram anormalmente pequenos e sofriam de raquitismo, uma doença causada por
deficiência de vitamina que deixa os ossos moles e tortos. Eles mal conseguiam falar, não
reconheciam objetos comuns em fotografias e ficaram aterrorizados diante das novas visões
e sons que os cercavam. Os gêmeos foram levados para um lar de crianças, onde foram
bem-cuidados e alojados com crianças menores que eles, em um ambiente não-ameaçador.
FIGURA 7.1
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Uma criança ainda mais gravemente negligenciada foi Genie, que foi mantida trancada
sozinha em um quarto, em um isolamento que teve início pouco antes do seu segundo
aniversário (Curtiss, 1977). Durante mais de 11 anos, Genie passou seus dias acorrentada a
uma cadeirinha-sanitário para crianças e suas noites amarrada em um saco de dormir.
Ninguém falava com ela. Quando seu pai vinha amarrá-la para passar a noite ou para lhe
trazer comida, ele rugia como uma fera e arranhava-a com suas unhas.
Genie era uma criatura digna de compaixão quando foi libertada dessas horríveis
circunstâncias. Embora tivesse 13 anos de idade, pesava menos de 23 quilos e media apenas
1,37 m. Não emitia sons inteligíveis e não era treinada no uso do vaso sanitário. Não
conseguia andar normalmente; em vez disso, arrastava os pés e se balançava de um lado
para o outro. Por incrível que pareça, uma bateria de testes psicológicos revelou que Genie
tinha uma surpreendente habilidade para perceber relações espaciais, embora ela tenha tido
tão pouco para observar em seu quarto.
Genie aprendeu a controlar seus intestinos e a andar normalmente, mas nunca desenvolveu
uma linguagem normal. Quando encontrada, não demonstrou nenhuma emoção quando as
pessoas a tiraram de lá; finalmente, ficou legada a outras pessoas que moravam em uma
unidade de reabilitação de um hospital. Genie desenvolveu maneiras de fazer suas visitas
ficarem mais tempo e ficava perturbada quando elas finalmente saiam. Entretanto, seu
comportamento social nunca melhorou a ponto de ela conseguir viver
sem cuidados especiais.
Felizmente, esses casos são extremamente raros. E, por isso, ainda não se sabe quanto
tempo pode durar e quão severo pode ser o isolamento de uma criança antes de causar um
dano irreversível. Abaixa freqüência desses casos também dificulta a avaliação do impacto
desse isolamento nos aspectos individuais do desenvolvimento.
O desenvolvimento emocional, intelectual e físico pode ser afetado pelo isolamento, mas é
pouco provável que todos sejam afetados da mesma maneira (Clarke e Clarke, 1986).
Uma questão importante levantada, mas não respondida pelos estudos do isolamento
extremo, é como as condições ambientais durante e após o isolamento interagem uma com
a outra. É importante, por exemplo, os gêmeos descritos por Kolu-chova terem tido a
companhia um do outro enquando estavam isolados? A aptidão de Genie para o raciocínio
espacial é uma capacidade intelectual especial que teria chamado a atenção
independentemente do seu isolamento, ou ela se desenvolveu como uma conseqüência da
sua imobilidade e do seu isolamento social? As respostas a essas perguntas contribuiriam
para um entendimento dos riscos desenvolvimentais enfrentados pelas crianças criadas em
circunstâncias menos extremas, mas ainda assim adversas, e pelos fatores que lhes
poderiam permitir se recuperar, apesar dessas circunstâncias.
VULNERABILIDADE E RESILIENCIA
Em uma série de estudos de 150 famílias inglesas na zona urbana de Londres e na isolada
Ilha de Wight, Michael Rutter e sua equipe encontraram quatro fatores de risco que,
considerados juntos, estavam fortemente associados a problemas de comportamento e a
distúrbios psiquiátricos na infância (Rutter et ai., 1975):
1. Discórdia familiar.
2. Desvio social dos pais de natureza criminal ou psiquiátrica.
3. Desvantagem social, incluindo baixa renda, habitação inadequada e um grande número
de crianças de idades aproximadas.
4. Um ambiente escolar deficiente, incluindo índices elevados de rotatividade e
afastamento entre os funcionários e os alunos, além de uma grande proporção de alunos de
lares economicamente desfavorecidos.
Nenhum desses fatores de risco em si estavam fortemente associados a desordens
psiquiátricas na infância. Mas pelo menos dois deles estavam presentes ao mesmo tempo -
por exemplo, se um dos pais tinha um distúrbio de personalidade e a família tinha uma
baixa renda - o risco de a criança vir a sofrer de uma desordem psiquiátrica aumentava
significativamente.
A ênfase que Rutter e sua equipe colocaram na natureza cumulativa dos fatores de risco é
substanciada por um corpo de pesquisa crescente (Cichetti e Toth, 1998; Shaw et ai., 1998).
Muitos estudos demonstraram que uma combinação de fatores de risco biológicos, sociais e
ambientais, interagindo durante um período de tempo considerável, está associada a
problemas desenvolvimentais mais sérios (Garmezy e Rutter, 1988; Kopp e Mclntosh,
1997; Sameroff et ai., 1998) (ver Figura 7.2). Ao mesmo tempo, todos esses estudos
encontram diferenças individuais marcantes entre as crianças que vivem em circunstâncias
extremamente estressantes. Algumas dessas crianças pareciam ser resilientes - tinham a
capacidade para se recuperar rapidamente dos efeitos adversos da experiência inicial, ou
perserverar diante do estresse sem conseqüências psicológicas negativas aparentes. Essas
observações levaram os psicólogos a buscar as fontes de resiliencia das crianças diante das
adversidades da vida. Essas fontes de resiliencia são chamadas de fatores de proteção.
CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA
A família é o principal sistema de apoio da criança. Poderíamos esperar, então, que
variações nos tipos de apoio que as famílias proporcionam às crianças devam ser associadas
à capacidade das crianças para se opor às ameaças ao seu desenvolvimento. Essa idéia
originou-se de várias pesquisas (Bradley e Whiteside-Mansell, 1998).
Muitas das maneiras pelas quais as características familiares influenciam nos fatores de
risco e na resiliencia podem ser vistas nos resultados de um estudo longitudinal ambicioso
de um grupo multirracial de 689 crianças nascidas na ilha havaiana de Kauai, em 1955
(Werner e Smith, 1982). Dessas crianças, 201 foram consideradas especialmente propensas
a sofrer problemas
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desenvolvimentais porque experimentaram quatro ou mais fatores de risco quando tinham
dois anos de idade. Os fatores de risco incluíam ser membro de uma família de baixa renda,
ter nascido prematuro ou sofrido estresse durante o processo de nascimento, ter uma mãe
com nível de instrução baixo e ter pai ou mãe portador de algum tipo de psicopatologia. O
Destaque 7.2 discute outro fator familiar que pode colocar as crianças em risco. Os
pesquisadores descobriram que as circunstâncias familiares que se seguem deram a essas
crianças alguma proteção contra dificuldades desenvolvimentais:
- A família não tinha mais do que quatro filhos.
- Mais de dois anos separavam a criança estudada e o próximo irmão mais
moço ou mais velho.
- Havia disponibilidade de cuidadores alternativos aos cuidados da mãe na
família (pai, avós ou irmãos mais velhos).
- A carga de trabalho da mãe, mesmo quando estava empregada fora de casa, não era
excessiva.
- A criança teve uma quantidade substancial de atenção por parte dos cuidadores durante a
fase de bebê.
- Um irmão estava disponível como cuidador ou confidente durante a infância.
- A família proporcionou estrutura e regras durante a adolescência da criança.
- A família era coesa.
- A criança teve uma rede multigeneracional informal de parentes e amigos durante a
adolescência.
- O número cumulativo de eventos da vida, estressantes e crônicos, experimentados
durante a infância e a adolescência não era grande.
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destaque 7.2
O bebê sorri e a mãe, como resposta, sorri para o seu bebê; o bebê vocaliza e a mãe
responde com uma vocalização. é a esse tipo de alternação de resposta que os estudiosos do
desenvolvimento se referem quando falam da maternidade sensível, que facilita a
comunicação do bebê e sua atuação no mundo.
CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE
CARACTERÍSTICAS DÁ CRIANÇA
A pesquisa sobre como as características da criança relacionam-se ao risco
desenvolvimental sugere que diferentes características temperamentais podem colocar as
crianças em risco, mas de maneiras um pouco diferentes, dependendo da idade da criança
(Carey e McDevitt, 1995). Na fase de bebê e no início da infância, as crianças norte-
americanas e britânicas difíceis - ou seja, que exibem irregularidade nas funções biológicas,
reações negativas a situações e pessoas novas, e, freqüente, humor negativo - e que têm um
alto nível de atividade estão em maior risco que as crianças dóceis, fáceis. Na segunda
infância, as crianças que são facilmente distraídas, que têm uma amplitude de atenção curta
e que têm dificuldade para se ajustar a novas circunstâncias correm um risco maior.
Deve ser notado que o fato de um determinado temperamento representar ou não um fator
de risco depende das circunstâncias culturais. A pesquisa realizada por Marten De Vries
proporciona uma evidência dramática de que traços temperamentais considerados "difíceis"
nos Estados Unidos podem ser fundamentais para o desenvolvimento em outro ambiente
cultural (De Vries, 1994). Em um estudo, De Vries desenvolveu um questionário de
temperamento baseado nas classificações de Chess e Thomas e o
aplicou com mães de 48 crianças masai, da África Oriental, com quatro a cinco meses de
idade (De Vries, 1987). Na época em que essa pesquisa foi conduzida, uma seca
severa estava assolando a zona rural dos masais e muitas famílias estavam saindo de suas
aldeias em busca de alimento. Quando De Vries retornou, alguns meses mais
tarde, para conduzir testes de acompanhamento com os 10 bebês mais difíceis e com os 10
bebês menos difíceis identificados pelos
questionários anteriores, só conseguiu localizar 13 famílias, sete do grupo dos "bebês
fáceis" e seis do grupo dos "bebês difíceis". Para seu infortúnio, De Vries
descobriu
que cinco das sete crianças "fáceis" haviam morrido; cinco das seis "difíceis" permaneciam
vivas. Associado ao trabalho de Scheper-Hughes no Brasil, este estudo
sugere que, em circunstâncias cronicamente empobrecidas, ser exigente (o que as crianças
com temperamentos difíceis tendem a ser) pode realmente ajudar a criança
a sobreviver.
Os que vivem em países em guerra, como a Bósnia, enfrentam obstáculos significativos
para ter um
desenvolvimento normal.
292
Emmie Werner e Ruth Smith (1992) ofereceram evidências adicionais de que as
características pessoais podem ajudar a criança a sobreviver a circunstâncias difíceis.
Tendo como base os registros proporcionados pelas agências de saúde, saúde mental e
serviço social, e pelas instituições educacionais, assim como por entrevistas
pessoais e testes de personalidade, elas relatam que as crianças que eram capazes de
enfrentar melhor suas circunstâncias de vida durante suas duas primeiras décadas
eram aquelas às quais suas mães descreviam como "muito ativas" e "socialmente
receptivas" quando bebês. Os relatos das mães foram verificados por observadores
independentes,
que observaram que essas crianças exibiam uma "autonomia pronunciada" e uma
"orientação social positiva". Quando foram examinadas durante seu segundo ano de vida,
essas crianças tiveram uma boa pontuação em vários testes, incluindo avaliações de
desenvolvimento motor e
da linguagem.
A Tabela 7.2 resume os fatores de risco e de proteção associados a problemas de
comportamento no início da fase de bebê, que são agrupados segundo os níveis do
contexto descrito no modelo de desenvolvimento do sistema ecológico discutido no
Capítulo 1.
Fatores de proteção
293
O impacto de circunstâncias posteriores
Vimos que os estudos de risco desenvolvimental prevêem uma maior probabilidade de dano
no desenvolvimento a longo prazo, quando vários fatores estão presentes. É importante
lembrar que os efeitos desses fatores não ocorrem isoladamente; eles interagem e
influenciam um ao outro. É também importante reconhecer que o impacto desses fatores
pode ser moderado por circunstâncias posteriores. Esse fato é destacado por modelos
transacionais que sugerem como os fatores de risco entram no processo geral de
desenvolvimento (Clarke e Clarke, 1986; Sameroff, 1995). Os modelos transacionais
rastreiam as maneiras pelas quais as características da criança e as características do
ambiente da criança interagem com o passar do tempo ("transacionam") para determinar
resultados desenvolvimentais.
Thomas e Chess (1984) usaram um modelo transacional para mostrar como circunstâncias
posteriores e interpretações mutáveis dos pais sobre a personalidade e o comportamento da
criança podem interagir com os traços de temperamento de uma criança para influenciar
sua saúde mental. A menina que eles descrevem, desde os anos de pré-escola, exibia uma
personalidade difícil, exigente e instável. O pai [dela] reagiu com exigências rígidas de
adaptação rápida e positiva, e críticas hostis e punição, quando a menina não conseguiu
satisfazer as expectativas
dele. A mãe sentia-se intimidada tanto pelo pai quanto pela filha e era vacilante e ansiosa
em seu manejo com a criança. Com essa interação extremamente negativa entre pais e filha,
os sintomas da menina pioraram. Foi iniciada uma psicoterapia, com uma melhora apenas
modesta. Mas, quando ela estava cora 9 para 10 anos de idade, começou a exibir um grande
talento musical e dramático, o que lhe proporcionou uma atenção positiva e elogios dos
professores e de outros pais. Esse talento
também ocupou um lugar de destaque na própria hierarquia de atributos desejáveis de seus
pais. Seu pai agora começava a encarar a personalidade intensa e explosiva de sua filha não
como um sinal de "criança detestável", o rótulo anterior que ele usava para descrevê-la, mas
como evidência de uma artista que desabrochava. Começou a levar em consideração o seu
"temperamento artístico", e, com isso, a mãe conseguiu relaxar e positivamente relacionar-
se com a filha. A menina pôde adaptar-se ao próprio ritmo, e, na adolescência, todas as
evidências de seus sintomas e funcionamento neuróticos haviam desaparecido, (p. 7)
Como sugere essa descrição, as histórias transacionais são caracterizadas por interações
complexas entre um contexto ambiental em mutação e as características particulares da
criança, que são destacadas em cada nova situação.
A análise transacional é aplicada a grupos de pessoas e também a indivíduos. Michael
Rutter e seus colegas usaram um modelo transacional para explicar os ajustamentos
posteriores à vida de jovens londrinos que passaram partes importantes de sua fase de bebê
e de sua infância em instituições (Quinton e Rutter, 1985; Rutter et ai.,1990). Essas crianças
foram colocadas em instituições, não devido a quaisquer problemas comportamentais, mas
porque seus pais não conseguiam arcar com sua criação.
Muitos deles permaneceram em instituições durante toda a sua fase de bebês e início da
infância. Com 21 a 27 anos de idade, foram comparados com outro grupo da mesma idade,
da mesma parte de Londres em que os jovens foram criados até então por seus pais.
Concentrando-se primeiro nas mulheres "criadas fora" (anteriormente institucionalizadas),
Rutter e sua equipe descobriram que esses adultos jovens experimentaram dificuldades que
as mulheres do grupo-controle não experimentaram. Para começar, 42% haviam
engravidado antes dos 19 anos e 39% delas não estavam mais vivendo com os pais de seus
filhos. Um terço delas experimentou um colapso nervoso relativamente sério ao cuidar de
seus filhos. Em contraste, somente 5% das mulheres do grupo-controle
engravidaram em torno dos 19 anos, todas estavam vivendo com os pais de seus filhos e
nenhuma experimentou colapso nervoso sério ao cuidar de
294
seus filhos. Quando foram estudadas as práticas atuais de cuidados maternos das mulheres,
foi observado que as mulheres "criadas fora" tinham uma probabilidade muito maior de
receber pontuações baixas do que as mulheres do grupo-controle (ver Tabela 7.3).
De início, esses achados podem parecer uma evidência direta dos efeitos a longo prazo do
infortúnio inicial. Mas, quando são encarados a partir da perspectiva do modelo
transacional, fica claro que o infortúnio inicial colocou em ação uma série de eventos que
tenderam a perpetuar a dificuldade. O cuidado institucional conduziu, primeiro, a uma
ausência de ligações fortes durante a fase de bebê e a infância e a dificuldades na formação
de bons relacionamentos com os pares. Esses problemas
aumentaram a probabilidade de gravidez na adolescência. A gravidez precoce reduziu a
probabilidade de educação adicional ou treinamento para conseguir emprego. As pressões
econômicas subseqüentes criaram um ambiente desguarnecido, que, por sua vez, criou as
pressões que foram a causa imediata de uma maternidade deficiente. Entretanto, a
institucionalização precoce não conduzia necessariamente a uma infelicidade contínua. Foi
descoberto que aquelas mulheres criadas em instituições, que tinham maridos
colaborativos, eram tão eficientes no exercício da maternidade quanto as mulheres do
grupo-controle. Esses resultados positivos levaram os pesquisadores a concluir que a
institucionalização, durante a fase de bebê e a infância, e a carência de ligações pessoais
fortes que a acompanha, não condena necessariamente
as mulheres a se tornarem mães deficientes. Se a cadeia usual das conseqüências pode ser
partida e transações favoráveis estabelecidas, é provável que siga a isso um comportamento
normal.
Os perfis dos rapazes que passaram algum tempo em instituições para o cuidado de crianças
mostraram que as experiências positivas da vida futura também reduziram seu risco de
dificuldades de longo prazo. Uma diferença particularmente interessante entre os sexos foi
que os homens apresentaram uma maior probabilidade que as mulheres de encontrar um
cônjuge colaborativo e de criar seus filhos em uma família intacta, bloqueando, assim, a
transmissão de suas próprias experiências iniciais
negativas para a próxima geração (Rutter et ai., 1990).
SUPERAÇÃO DA PRIVAÇÃO
Após suas experiências iniciais, Harlow e seus associados acharam que o período do
nascimento até os seis meses de idade podia ser fundamental para o desenvolvimento social
desses macacos. Se isso se confirmasse, a recuperação seria impossível para os macacos
isolados durante o período de seis meses, independente de quaisquer mudanças
subseqüentes no seu ambiente. Os pesquisadores tentaram várias maneiras de auxiliar a
adaptação desses macacos ao seu novo mundo social. Uma técnica que
eles usaram foi punir os macacos por comportamentos inadequados, administrando um
choque pouco doloroso. Outra abordagem usada foi introduzi-los ao novo ambiente
lentamente, na suposição de que uma mudança abrupta do isolamento total para a grande
atividade do grupo pudesse induzir a um trauma que bloqueasse a recuperação. A
ineficiência de todos esses esforços pareceu corroborar a idéia de que havia um período
crítico para o desenvolvimento social. Como veio a ser comprovado, esse não era, de modo
algum, o caso. O primeiro sinal de que poderia haver uma terapia eficaz para esses macacos
veio das observações dos comportamentos maternos das fêmeas, que foram inseminadas
artificialmente (Suomi et ai., 1972). Muitas delas batiam em seus recém-nascidos e se
sentavam sobre eles e poucos bebês sobreviviam. Se um bebê sobrevivesse, no entanto, a
mãe começava a se recuperar. Quando os pesquisadores observaram esses bebês com suas
mães, começaram a desconfiar de como se havia processado essa mudança. Se os macacos
bebês conseguissem se agarrar ao peito de sua mãe, como fazem normalmente os macacos
bebês recém-nascidos, eles sobreviviam. Enquanto estavam
agarrados à mãe, eles não somente tinham acesso ao leite que lhes provia o sustento, mas
também podiam escapar das tentativas das mães de machucá-los. Quanto mais tempo eles
se mantinham agarrados na mãe e quanto mais fortes se tornavam, mais tempo suas mães
passavam se comportando de maneiras quase normais, se não amorosas. No final do
período usual de amamentação, as mães não eram mais abusivas e interagiam de uma
maneira quase normal com seus bebês. Mais notável ainda foi o comportamento cuidador
dessas mães quando tiveram um segundo bebê. Ele era indistinguível daqueles de seus
pares não-privados. Elas haviam recuperado o funcionamento social normal. A recuperação
dessas mães levou Harlow e sua equipe a especular em que poderia ser possível reverter as
patologias sociais de macacos anteriormente isolados, introduzindo-os
em um tipo de relacionamento mãe-filho com um macaco mais jovem (Harlow e Novak,
1973; Suomi e Harlow, 1972). Os pesquisadores introduziram macacos normais de dois a
três meses de idade e fortes o bastante para sobreviver ao abuso que poderiam
eventualmente sofrer em uma gaiola com macacos que haviam sido isolados durante 12
meses. Os bebês alegres e ávidos de afeto proporcionaram um ambiente que permitiu aos
macacos mais velhos aprenderem os comportamentos sociais adequados. Durante um
período de 18 semanas, os macacos anteriormente isolados pouco a pouco pararam de
tremer e de agarrar a si mesmos e pararam de abusar dos macacos bebês. Começaram a se
movimentar mais pelo local, a explorar seu ambiente e a se engajar no jogo social. No fim,
todos os macacos anteriormente isolados
ficaram tão bem ajustados que mesmo pesquisadores experientes tinham dificuldade em
distingui-los dos macacos que haviam sido criados normalmente.
296
DESTAQUE 7.3 GENIE E A QUESTÃO DA ÉTICA REVISITADA
A pesquisa realizada com Genie, a menina que permaneceu trancada por mais de 1 1 anos
por seu pai abusivo, demonstra, de forma notável, como as questões científicas e éticas
podem entrar em conflito, mesmo quando todas as pessoas envolvidas em um programa de
pesquisa têm boas intenções. A controvérsia ética que cerca Genie está concentrada em
determinar se os cientistas que estudaram o seu desenvolvimento depois que ela escapou de
seu confinamento fizeram tudo o que podiam para garantir sua recuperação, ou se o seu
desejo de resolver um quebra-cabeça científico os levaram a subordinar o bem-estar de
Genie ao objetivo do progresso científico. Russ Rymer (1993), que escreveu um livro sobre
o caso, declara que o bem-estar de Genie foi, na verdade, sacrificado em nome de uma
investigação científica. Os cientistas que estavam encarregados do cuidado de Genie
negaram qualquer mau procedimento; eles argumentam que Genie foi tratada da melhor
maneira possível, dadas as circunstâncias muito incomuns e difíceis da sua história e da sua
condição. Quando Genie foi libertada, foi internada no Hospital Infantil de Los Angeles.
Como seu caso era um dos casos mais graves de isolamento infantil já registrado,
rapidamente atraiu o interesse científico. Segundo David Rigler, então psiquiatra-chefe do
hospital e o homem que finalmente veio a se tornar o principal investigador de Genie, tanto
os valores humanos quanto a ciência requeriam um estudo sistemático do desenvolvimento
de Genie: As teorias do desenvolvimento infantil defendem que há experiências essenciais
para a aquisição de um crescimento psicológico e físico normal. Se esta criança pode ser
ajudada a se desenvolver nas áreas cognitiva, lingüística e social, e outras, isso proporciona
informações úteis com relação ao papel fundamental da experiência inicial, que é
potencialmente benéfica para outras crianças desfavorecidas. O interesse da pesquisa
baseia-se inerentemente na aquisição bem-sucedida de esforços de reabilitação. Desse
modo, os objetivos da pesquisa coincidem com o próprio bem-estar e felicidade de Genie.
(Rymer, 1993, p.58)Infelizmente para Genie, não foi assim que as coisas se passaram.
Durante os primeiros meses após sua libertação, Genie viveu no Hospital Infantil. David
Rigler conseguiu uma subvenção de pesquisa para reunir consultores e decidir que
abordagem seguir com Genie. Alguns viam Genie como uma oportunidade científica para
responder questões sobre o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. Inspirados em
parte pelas questões deixadas sem resposta pelo caso de Victor, o Menino Selvagem de
Aveyron, eles queriam usar Genie para testar a hipótese de que há um período crítico - que
vai até a puberdade- após o quaal linguagem não pode ser adquirida. Propuseram um
programa de treinamento intensivo para ver se ela conseguia ainda desenvolver a
linguagem. Outros declararam que, no caso de Genie, a terapia deveria vir primeiro, e que
tudo o mais deveria ser secundário. O psicólogo David Elkind, um dos consultores,
escreveu: "Ênfase demais na linguagem poderia ser prejudicial, se a criança viesse a
perceber que o amor, a atenção e a aceitação dependeriam fundamentalmente de sua fala
(Rymer, 1993, p.58).
Genie viveu na casa dos Rigler durante quatro anos. Durante esse tempo, foi tratada tanto
quanto possível como um membro daí' lia. Foi-lhe ensinado como mastigar alimentos
sólidos, compo se adequadamente na mesa, expressar suas emoções, indicar
apropriadamente seus desejos e parar de se masturbar, o que elo vinha fazendo quando e
onde ela sentia vontade. Mas foi também con; temente observada e testada por lingüistas e
psicólogos.
Pouco tempo depois de ter-se mudado para a casa dos Rigle progresso de Genie no
aprendizado da linguagem foi diminuindo até parar. Sua fala parecia a linguagem usada em
telegrama. Ela jamais aprendeu a fazer uma pergunta de verdade ou a formar uma sentença
negativa apropriada. E também jamais aprendeu a se comportar normalmente em situações
sociais. Os cientistas Instituto Nacional de Saúde Mental, que patrocinaram a pesquisa
realizada com Genie, ficaram insatisfeitos com o projeto
em grande parte porque era um estudo de caso isolado, baseado em evidencias narrativas e
sem a possibilidade de controles - e negaram recursos para o estudo de Genie.
Quando o projeto terminou, Genie voltou à custódia de sua mãe não conseguiu lidar com as
deficiências de Genie e a colocou em uma instituição. Atualmente, ela mora em um lar para
adultos mentalmente deficientes no sul da Califórnia. No geral, comportamento regrediu
significativamente. Ela anda curvada e raramente faz contato com
os olhos. Não consegue falar normalmente e continua a apresentar comportamentos sociais
inadequados.
Rigler e sua equipe optaram por se concentrar na privação de linguagem de Genie, ao invés
de outros campos importantes do desenvolvimento. O que teria acontecido se eles, em vez
disso, tivessem conduzido a pesquisa na recuperação do isolamento grave? Teria Genie se
recuperado mais plenamente se lhe tivesse sido proporciorcionada terapia social,
enfatizando a ligação e as relações amorosas outras pessoas? Não há como saber. Russ
Rymer chamou seu livro de Genie: A Scientific Tragedy. Ele conta a infeliz seqüela da
tragédia pessoal decorrente do tratamento desumano de um pai para com uma criança
indefesa.
298
Após a última sessão de ludoterapia, as interações de todas as crianças nas classes da creche
foram avaliadas por observadores que não sabiam que crianças haviam participado do
estudo. Seus relatórios mostraram que o índice de interação dos pares quase dobrou para as
crianças socialmente isoladas que haviam brincado com uma criança menor. Desde o início,
elas proporcionaram ajuda e compartilharam com a criança menor. As crianças que haviam
brincado com uma criança da mesma idade mostraram alguma melhora, mas não diferiram
estatisticamente do grupo-controle. Esses resultados mostram que as interações com
crianças menores, mesmo por um período relativamente breve, pode reduzir os efeitos do
isolamento social. Furman e seus colegas sugeriram que o benefício fundamental para as
crianças "socialmente isoladas" de ter companheiros de brincadeira de menos idade e
menos capazes era o fato de eles lhe darem a oportunidade de iniciar e dirigir a atividade
social.
Essa evidência de intervenção terapêutica bem-sucedida sugere a intrigante possibilidade de
que o fracasso de uma determinada criança em se recuperar do isolamento ou de outras
formas de privação social pode realmente resultar de uma falha nas medidas tomadas para
providenciar um ambiente terapêutico adequado e não de algum dano irreversível causado à
criança. Obviamente, o melhor ambiente para uma criança anteriormente privada ou isolada
não é necessariamente um ambiente comum ou fácil
de criar. Os profissionais, em geral, têm um tempo limitado para passar com as crianças e
podem não proporcionar instintivamente as formas especiais de atenção e brincadeira que
ajudarão as crianças privadas a reorganizar seus padrões de interação social. Não obstante,
casos de recuperação importantes tanto em animais jovens quanto em crianças, que
experimentaram isolamento ou privação extremos mostram que os profissionais não devem
rejeitar essas crianças; em vez disso, deve ser feito um esforço combinado para lhes
proporcionar um ambiente tão terapêutico quanto possível.
Na tentativa de chegar a uma conclusão geral sobre a primazia da fase de bebê, convém
retornar ao provérbio "Quando o ramo se inclina, a árvore cresce inclinada". Se forças do
ambiente inclinam demais um ramo, a árvore pode finalmente crescer tão próxima ao chão
que suas folhas não conseguem obter a luz necessária para a planta florescer e depois
reproduzir. Mas, se as forças que inclinam a árvore são detidas a tempo, ou se um jardineiro
lhe proporciona estacas seguras para manter a árvore
ereta, o único efeito duradouro pode ser uma leve inclinação no tronco. A árvore conseguirá
florescer e reproduzir. Três fatores parecem poder modificar o impacto das experiências
iniciais no desenvolvimento futuro das vidas humanas. O primeiro é aquele no qual temos
nos concentrado:
mudanças no ambiente. Sejam essas mudanças positivas (como um ambiente escolar
estimulante ou uma rede de apoio social baseada na comunidade) ou negativas (o advento
de uma guerra ou a morte de um pai ou uma mãe), elas podem criar descontinuidades nas
experiências das crianças que irão colocá-las em um novo caminho no futuro. O segundo
fator que pode atuar para modificar os efeitos de longa duração da experiência são as
mudanças biossociocomportamentais que reorganizam as funções físicas e psicológicas em
padrões qualitativamente novos. Fatores como a aquisição de linguagem, novas habilidades
cognitivas e um novo relacionamento com o mundo social que emerge no fim da fase de
bebê, por exemplo, resultam em uma nova maneira de experimentar e lidar com o mundo.
Uma criança de 12 meses que fica facilmente frustrada quando não consegue encontrar seu
próprio caminho, pode tornar-se um pré-escolar tranqüilo, quando aprender a falar e a
poder coordenar-se melhor com seu ambiente por seus próprios recursos. Ao contrário, um
bebê tranqüilo que parece ter pouco interesse no mundo que o cerca pode, de repente, exibir
enorme curiosidade
e energia quando começa a andar. Essas observações levaram Jerome Kagan a declarar que
"cada fase da vida faz exigências especiais, e, por isso, cada fase é acompanhada por um
conjunto especial de qualidades" (Kagan, 1984, p.91). Kagan acredita que as
descontinuidades entre fases bem-sucedidas
da vida são tão marcantes que parte da história passada da pessoa é realmente "inibida ou
descartada". Essa forte visão de descontinuidades desenvolvimentais implica que os
problemas desenvolvimentais iniciais não conduzem inevitavelmente a problemas
desenvolvimentais futuros; na verdade, cada novo estágio apresenta suas próprias
oportunidades.
O terceiro fator é a mudança na maneira pela qual as crianças experimentam seus ambientes
como um resultado do aumento de suas habilidades. A ansiedade da separação mostrada
por crianças de um ano de idade quando seus cuidadores não estão presentes, por exemplo,
pode ser uma resposta realista para um bebê desamparado, relativamente imóvel, devido à
perda de apoio crucial que essa separação envolve. Mas as crianças de três anos de idade
que têm um senso de autonomia maior, porque podem falar, andar e correr, são menos
dependentes de seus cuidadores. Conseqüentemente, uma experiência que tem um grande
efeito sobre uma criança de um ano de idade pode não afetar da mesma maneira uma
criança de três anos de idade. Dado o complicado interjogo das habilidades de
desenvolvimento da criança, as mudanças dessas habilidades provocadas pela maneira
como a criança experimenta o ambiente e as mudanças no próprio ambiente, os
pesquisadores do desenvolvimento que estudam os possíveis efeitos a longo prazo da
experiência na fase de bebês apontam para três fatores que requerem mais atenção:
APEGO
Na pesquisa sobre as conseqüências a longo prazo dos vários padrões de apego, a estratégia
básica é avaliar o apego das crianças antes do seu primeiro aniversário e depois,
novamente, vários anos mais tarde, para determinar de que maneiras, se é que em alguma,
seu comportamento corresponde a seu apego inicial (Bretherton e Waters, 1985). As
evidências concernentes aos resultados desenvolvimentais de padrões de apego particulares
são controversos (ver Capítulo 6, p. 261-263).
Alan Sroufe e seus colegas relataram que, quando as crianças que apresentam apego seguro
aos 12 meses de idade são avaliadas aos três anos e meio, elas são mais curiosas, brincam
mais efetivamente com seus coleguinhas da mesma idade e têm um relacionamento melhor
com seus professores do que crianças que experimentaram vínculos inseguros na fase de
bebê (Erikson et ai., 1985; Frankel e Bates, 1990; Sroufe e Fleeson, 1986).
Nas observações de acompanhamento realizadas com essas crianças, Sroufe e seus colegas
descobriram que sua classificação de apego durante a fase de bebê previram a qualidade de
suas interações na segunda infância e na adolescência. Quando as crianças estavam com 10
anos, os pesquisadores providenciaram para elas freqüentarem um acampamento de verão,
no qual suas interações com seus pares e conselheiros de acampamento poderiam ser
observadas. Segundo os relatos de seus conselheiros e as observações dos pesquisadores, as
crianças que foram avaliadas como apresentando apego seguro na fase de bebê tinham
maior habilidade social, formavam mais
relacionamentos, exibiam mais autoconfiança e eram menos dependentes do que outros
companheiros de acampamento. Cinco anos mais tarde, os pesquisadores providenciaram
um acampamento para essas crianças. Aquelas que inicialmente foram avaliadas como
seguramente vinculadas eram mais abertas na expressão de seus sentimentos e na formação
de relacionamentos próximos com outros adolescentes. (Para um resumo recente, ver
Sroufe et ai, 1999.)
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Durante muitas décadas, os pesquisadores acreditaram que as diferenças individuais no
desenvolvimento intelectual dos bebês não previam as realizações posteriores. Em sua
opinião, havia pouca continuidade nos processos cognitivos da fase de bebê até a vida
adulta. Depois de examinar muitos estudos que tentaram correlacionar as pontuações nas
escalas desenvolvimentais dos bebês com as pontuações nos testes de inteligência
realizados mais tarde, Claire Kopp e Robert McCall (1982) inequivocamente concluíram
que "os testes realizados durante os primeiros 18 meses de vida não prevêem o QI infantil
em nenhum grau útil ou interessante" (p.a 35). Embora as correlações entre as pontuações
dos testes fossem melhores quando o primeiro teste foi administrado, após as crianças
terem alcançado a idade de 24 meses, até mesmo os testes realizados aos três, quatro e
cinco anos de idade não foram suficientemente proféticos do QI subseqüente das crianças a
ponto de serem úteis, a menos que as pontuações iniciais desviassem muito da norma,
indicando possíveis problemas ou talentos (McCall, 1981; Sameroff, 1978).
Para superar esse problema, Susan Rose e Judith Feldman (1997) optaram por estudar o
reconhecimento, uma função da memória conhecida por existir no início da fase de bebê
(ver Capítulo 5). Elas usaram uma técnica aparentemente preferencial com bebês de sete
meses de idade e um teste de memória de reconhecimento, utilizando o desenho de padrões
com crianças de 11 anos de idade. Elas relataram uma correlação importante entre o
desempenho das crianças quando elas eram bebês e seu desempenho
aos 11 anos de idade.
Embora a pesquisa recente sobre a continuidade em várias esferas psicológicas aponte para
importantes continuidades entre a fase de bebê e períodos desenvolvimentais posteriores,
ela falha na implicação de que algum traço seja sempre contínuo e previsível. Como foi
observado, as correlações entre os comportamentos na fase de bebê e nos comportamentos
posteriores são em geral muito modestas. Conseqüentemente, os dados que mostram uma
recuperação marcante de condições iniciais traumáticas (o que sugere que o funcionamento
psicológico pode mudar muito depois da fase de
bebê) e os dados que mostram uma correlação moderada nos traços comportamentais
individuais no correr do tempo (que implicam a continuidade do funcionamento) não
devem ser encarados como contraditórios. Juntos, . eles proporcionam evidência de que o
desenvolvimento de uma criança é simultaneamente contínuo e descontínuo.
Muitos anos atrás, Freud (1920/1924) observou que o fato de o desenvolvimento parecer
contínuo e previsível ou descontínuo e incerto depende até certo ponto da perspectiva da
pessoa. Na medida em que traçamos o desenvolvimento [de um processo psicológico] do
seu estágio final para trás, a conexão parece contínua, e achamos que conseguimos um
insight absolutamente satisfatório ou até mesmo exaustivo. Mas, se procedemos no
caminho inverso - se começarmos das premissas inferidas a partir das análises e tentarmos
acompanhá-las até o resultado final -, não temos mais a impressão de uma seqüência
inevitável de eventos que poderiam não ser de outro modo determinada. Observamos
imediatamente que poderia ter havido outro resultado, (p. 226)
A Figura 7.3 é uma representação esquemática do insight de Freud com relação à análise
retrospectiva. Se começarmos em um ponto da vida futura e se rastrearmos a história de
uma pessoa até o seu início A, podemos construir um caso convincente para aquela precisa
história de vida ter procedido como procedeu; o estado desenvolvimental no momento E
resultou de eventos no momento D, que resultou de eventos no momento C, e assim por
diante. Em cada ponto de decisão, acreditamos poder distinguir os vários fatores
contribuintes e discernir qual deles teve maior influência. Somente um caminho conduz ao
passado em cada ponto. Mas, começando pelo início A, e olhando para o futuro, não
podemos prever as escolhas que serão feitas nos pontos B, C e D. Usando a metáfora
empregada por RobertFrost (p. 258), as curvas dos diferentes caminhos estão ocultas sob a
vegetação rasteira. Para os pais, a imprevisibilidade do resultado de seus esforços na
prestação de cuidados é uma fonte natural de ansiedade. A pesquisa sobre a primazia, no
entanto, mostra-nos que essa incerteza tem seu lado bom. Um futuro perfeitamente
previsível não dá possibilidade de escolha. Sem as incertezas que decorrem de mudanças no
ambiente, e as mudanças na criança que acompanham o desenvolvimento, os pais não
conseguem sonhar em influenciar o curso do futuro do seu bebê. Esse seria imutável. Com
essas incertezas, vem a possibilidade e o desafio de tirar proveito dessas mudanças para
promover o bem-estar da criança.
RESUMO
- Muitas pessoas acreditam que as experiências da fase de bebê são as forças mais
importantes na modelagem do comportamento futuro.
VULNERABILIDADE E RESILIENCIA
PALAVRAS-CHAVE
fator de proteção, p. 288
fatores de risco, p. 287
modelos transacionais, p. 293
primazia, p. 275
resiliência, p. 288
QUESTÕES PARA PENSAR
1. Pense em um tempo da sua vida em que dois caminhos se apresentaram diante de você e
considere o que poderia ter acontecido se você tivesse seguido um caminho diferente. O
que possibilita imaginar a alternativa? O que dificulta imaginá-la?
2. Imagine que você é o administrador de um orfanato. Em vista das
informações fornecidas nos Capítulos 4 a 7, quais são algumas práticas que você
promoveria para proporcionar o melhor desenvolvimento possível para as crianças em sua
instituição?
3. Imagine que você é o diretor de um programa comunitário para melhorar as experiências
iniciais das crianças que vivem em uma comunidade pobre. Que tipos de programas você
tentaria promover? Dê um fundamento lógico para suas sugestões e que esteja baseado nas
pesquisas.
4. Como uma abordagem transacional da mudança desenvolvimental se relaciona ao ditado
"Quando o ramo se inclina, a árvore cresce inclinada"?
5. Por que as explicações retrospectivas do desenvolvimento são problemáticas?