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CASO 1

Paciente: Samara (nome fictício)


Sexo: Feminino
Idade: 34
Escolaridade: Ensino Médio Completo (Magistério)
Ocupação: Secretária
Religião: Evangélica

Samara apresentou-se à primeira consulta bastante abatida e com aspecto de can-


saço. Iniciou seu relato dizendo que é muito ansiosa e que isso tem prejudicado sua
vida. Não consegue sair de casa sozinha, pois tem medo de passar mal na rua e não
ter ninguém para socorrê-la. O marido precisa levá-la e buscá-la em todos os luga-
res que vai (trabalho, curso de corte e costura, terapia etc.). Esta ansiedade a acom-
panha há muitos anos (estima que há cerca de onze anos) e se apresenta no medo
intenso de morrer. Já fez diversos exames, mas nenhum problema sério de saúde
foi detectado. A família está passando por um momento difícil, pois descobriu que
a sobrinha foi vítima de abuso sexual por parte do pai (cunhado de Samara).
Foi refém de um assalto no trabalho há cerca de quinze dias, mas reagiu com tran-
quilidade. Conseguiu ficar calma e definiu a experiência como um “remédio”, pois
no dia seguinte estava confiante e sentindo-se muito bem.
Está frequentando um curso de corte e costura. No primeiro dia, o marido precisou
ficar todo o tempo na porta do curso. Sente-se insegura por não ter ninguém co-
nhecido por perto. Quando chega na sala, faz uma espécie de “Guerra Mental” (sic),
dizendo a si mesma que nada vai acontecer. Depois, envolve-se na aula e se distrai.
Sua primeira providência neste primeiro dia de aula foi conversar com a instrutora.
Ao descobrir que ela é psicóloga, ficou mais tranquila. O marido não precisa mais
ficar esperando a aula terminar. Hoje, apenas vai levá-la e buscá-la ao final da aula.

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Há 2 anos faz uso do Cloridrato de Sertralina, receitado por um psiquiatra para tra-
tar da ansiedade. Atualmente, toma Rivotril todas as noites para conseguir dormir.
Está tendo uma crise forte de insônia. Na maioria das noites consegue dormir ape-
nas duas horas, e em algumas noites não dorme absolutamente nada. Tem faltado
ao trabalho em razão disso.

Dados familiares
Samara é muito “achegada” (sic) à família, aos pais e aos irmãos. É a mais velha dos
três irmãos (um homem e duas mulheres). Define seu casamento como estável e
feliz. Tem vontade de ter filhos, mas não se acha preparada para a gravidez, para ser
mãe. Nasceu em uma cidade da zona rural e viveu ali até os sete anos de idade. Tem
ótimas lembranças desta época em que morava com os pais, os avós, os tios e os
irmãos, com quem brincava muito. Quando os pais decidiram se mudar para a cida-
de, quando tinha 7 anos, Samara sofreu bastante. Sentia muitas saudades dos avós
e da vida no sítio. Segundo a mãe, a partir deste período ela tornou-se uma criança
diferente, não tinha amigos, raramente brincava com outras crianças. A mãe cos-
tuma dizer que ela nunca foi uma criança muito “dada e alegre” (sic) enquanto mo-
rava no sítio. Quando se mudaram para a cidade, a mãe passou por uma gravidez
de risco, não podendo cuidar de Samara, que ficou cerca de um mês com os avós.
Nos primeiros vinte dias, Samara chorava muito, mas depois se acostumou. É muito
apegada ao pai e, inclusive, tem a “natureza” (sic) mais parecida com a dele: intro-
vertida. Samara sente que sua vida tem uma divisão: antes dos sete anos, quando
morava no sítio, e depois dos sete anos, quando foi para a cidade.
A mãe contou para ela que quando Samara tinha nove meses, deixou-a com uma
vizinha durante um tempo, enquanto resolvia algo no centro da cidade. Quando
retornou, Samara estava em estado de desespero, ninguém conseguia acalmá-la.
A mãe a levou para o médico, que lhe deu um calmante e só então dormiu. A mãe
conta que nunca mais a deixou na vizinha. Samara não foi amamentada. A mãe
disse que ela teve dificuldades para “pegar o peito” (sic) e achou que ela não gosta-
va do leite, que o leite estava azedo, desistindo de amamentá-la. Relatou também
que, aos cinco anos, costumava ir muito à roça com o pai. Lembra-se de uma ladeira
grande e, no final, havia um rio. Certo dia ela não quis que o pai segurasse sua mão

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e ela acabou caindo e rolando pela ladeira. O rio tinha muitas pedras e, caso ela che-
gasse até lá, certamente haveria um acidente sério. O pai correu desesperado para
tentar alcançá-la, mas não conseguiu. Por sorte, Samara conseguiu se segurar em
uma planta. Até hoje, quando vai a algum lugar com escadaria, como um estádio
de futebol, tem a sensação de que vai descer rolando. Lembra-se com muita nitidez
do desespero do pai naquele dia.
A mudança para a cidade, aos sete anos, foi bastante traumática. No dia da mu-
dança, escondeu-se embaixo da cama e segurou a saia da avó. Chorou durante as
seis horas de viagem. Passou dias chorando, comendo mal. No sítio, a mãe dizia
que ela era desobediente, “respondona”. Já na cidade, seu comportamento mudou:
ficou “mais parada” (sic) e muito obediente. Durante um tempo a mãe achou que
ela não estava se desenvolvendo bem fisicamente. Na escola chegaram a suspeitar
de raquitismo.
Lembra-se de que era “egoísta” (sic). Os irmãos não podiam sequer pegar seus brin-
quedos. Hoje, se for na rua comprar algo para ela, se sente muito mal e culpada se
não comprar algo também para alguém (seu marido, os irmãos, a mãe etc). É como
se não tivesse o direto de ter algo apenas para si. Já aconteceu de ela comprar algo
apenas para ela, pois não podia levar para outra pessoa e acabou escondendo o que
comprou. Acha que as pessoas vão pensar que ela é egoísta se não trouxer algo. Se
sente a pior pessoa do mundo se fizer isso. Por outro lado, tem dificuldade de rece-
ber um presente, fica sem graça. Caso alguém vá ao centro da cidade e não traga
nada para ela, não se incomoda. O importante é que ela tenha essa atitude com os
outros, e não o contrário.

Vida escolar
Samara foi alfabetizada pela mãe, em casa, na zona rural. Passou a frequentar a es-
cola por volta dos sete anos, quando mudou-se para a cidade. Sempre foi boa aluna,
nunca teve “problemas com notas” (sic). Não teve amigos (ou não se lembra de ter
tido) durante a infância. Brincava muito com os irmãos. Era muito calada na escola.
O ingresso na escola foi difícil, chorava “desesperadamente” (sic), como se nunca
mais fosse ver a mãe. Lembra-se bem do primeiro dia de aula. Tinha medo de ficar

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naquele ambiente desconhecido, com pessoas desconhecidas. Ficava sempre no
“cantinho da sala”, não brincava e era muito tímida.
Na adolescência continuou sendo uma aluna dedicada. Contudo, não teve nenhu-
ma amizade nesta época. Nunca chegou a sair ou passear com nenhum colega,
apesar de os pais a incentivarem. Apenas interagia para fazer os trabalhos esco-
lares e relata que não sentia falta de amigos. A família (os tios, os irmãos) ocupava
este espaço. Os tios eram muito “brincalhões” e as tias muito atenciosas. Na escola,
o excesso de timidez fazia com que ela sentisse alívio pelo fato de os colegas não
conversarem com ela.
Ao cursar o Magistério precisou interagir mais com os colegas devido aos estágios,
e aproximou-se de alguns por necessidade. No começo, tinha a preocupação com
o que eles iriam pensar a seu respeito, e tal interação vinha acompanhada de um
“sentimento de inferioridade” (sic). Com a convivência, esse sentimento passou. De
todo modo, a relação com os colegas ficou restrita ao ambiente do magistério.
Depois que começou a trabalhar, passou a fazer algumas amizades. Hoje, relata
que tem alguns amigos que fazem parte de sua vida: “aquela timidez forte passou”
(sic). Hoje, precisa ter alguém que confie nos lugares desconhecidos. Sempre se
aproxima de alguém para se resguardar, caso passe mal. Dá o telefone do marido
para a pessoa e diz que se acontecer algo, é para ligar para o número.

Vida profissional
Seu primeiro trabalho foi na zona rural, quando foi chamada para fazer uma subs-
tituição, que durou seis meses. Recorda-se deste momento como tendo sido muito
bom. Morava com uma senhora. Na época, tinha 18 anos. Quando se lembra desta
época, chega a pensar que não era ela: tinha que caminhar sozinha durante 50 min
“no meio do nada” (sic) até chegar à escola e não sentia medo. À noite também mi-
nistrava aula para uma turma de adultos. Gostava muito de ensinar e o pessoal da
roça tinha muito respeito por ela. Havia outra professora por lá, mas tinham pouca
cumplicidade, pois era uma pessoa mais velha, com métodos antigos de ensino.
Quando voltou para a cidade, surgiu uma oportunidade para trabalhar em um
salão de beleza. Esse período foi um “verdadeiro inferno” (sic). O ambiente de tra-
balho não tinha “nada a ver com ela” (sic). Era um ambiente muito “fútil”(sic). Ela

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trabalhava como recepcionista, e era como se estivesse “vestindo uma capa”(sic).
Não podia confiar em ninguém, as pessoas eram “hipócritas”(sic). Presenciou di-
versas vezes clientes falando mal umas das outras e, quando se encontravam, pa-
reciam verdadeiras amigas. Tinha um bom relacionamento com todas as colegas,
principalmente com as que dividiam a recepção. Trabalhou durante quatro anos
neste salão e saiu de lá “doente”. A dona do salão implicava bastante com sua apa-
rência. Certa vez, o balcão da recepção, que era baixo, foi trocado por um mais alto.
Na ocasião, a patroa disse a ela que “Quando a contratou, era para que ficasse à al-
tura da empresa, e não à altura daquele balcão” (sic). A patroa indicava quais roupas
deveria usar e a obrigava a usar salto alto para o trabalho, pois era mais baixa que as
outras recepcionistas. A dona do salão dizia que as colegas, quando se levantavam,
eram notadas, mas que Samara, não. Depois, com o fardamento, melhorou um
pouco, mas ainda assim havia críticas aos acessórios. Isso acontecia com todas as
funcionárias, não apenas com ela. Samara nunca “abriu a boca” (sic) para responder
às críticas severas e “reclamações agressivas” (sic) que recebia na frente das clientes.
Ela apenas ia ao banheiro e chorava bastante. Não rebatia ninguém (nem mesmo
as clientes, que muitas vezes eram grosseiras com ela). Mas depois “desabava” por
ter sido agredida e “magoada”. As colegas da recepção eram muito parceiras e até
hoje são amigas.
Samara relata um episódio como tendo sido seu “estopim” (sic): certo dia, uma
cliente saiu sem pagar a conta. O salão estava muito cheio e Samara não percebeu.
Como estava na função de caixa, a culpa ficou para ela. Chegou a propor à dona que
descontasse em seu salário o valor da conta. Uma semana depois, algumas colegas
a chamaram para ajudar na arrumação de uma noiva e ela prontamente se dispôs
a ajudar. De repente, todas foram surpreendidas pela presença da dona do salão,
que estava acompanhada pela cliente que não pagou a conta. A dona disse em
bom tom para que todos ouvissem: “Samara, faça o favor. Faça o atendimento desta
moça que você não fez na semana passada”. Imediatamente todos a olharam, pen-
sando que Samara havia atendido mal a cliente. Neste instante, ela começou a pas-
sar mal. Pontos vermelhos começaram a aparecer em sua pele, sensação de sufo-
camento, parecia que ia explodir. Nem chorar conseguiu. Foi fazer uma caminhada
para tentar se acalmar e, quando voltou, a patroa reuniu todas as funcionárias em
uma sala. Disse que estava disposta a abrir mão dos serviços de Samara. A patroa

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havia interpretado que Samara colocava as funcionárias contra ela. Samara come-
çou a desfalecer na maca de depilação, onde estava sentada, chegando a desmaiar.
Ao final, a dona do salão estava arrependida, pediu perdão, disse que foi injusta e
que precisava dela. Samara nunca se sentiu tão injustiçada, pois dava o melhor de
si, mas resolveu continuar. A partir daí, seu “problema de ansiedade” (sic) começou.
Já acordava com a sensação de que estava indo para uma prisão. Um determinado
dia, voltando do almoço para o trabalho, estava no ônibus e começou a passar mal:
sentiu o “fôlego apertar”, o coração disparou. Segundo ela, estava infartando. Pediu
ajuda a uma senhora, que a levou até a farmácia. Tomou um calmante, mas seu
estado piorou. Foi para o pronto-socorro e disse ao médico que estava infartando.
Tomou uma injeção, dormiu e voltou para casa. Depois deste dia, nunca mais en-
trou em um ônibus.
Fez uma bateria de exames, mas nenhum acusou problemas de saúde. Não conse-
guia mais entrar no salão. Chegava na porta e passava mal. Depois, começou a pas-
sar mal só de passar na rua. Ficou um tempo de licença e, quando retornou, já não
conseguia ir para o trabalho sozinha. Alguém precisava levá-la e buscá-la. Decidiu
deixar o salão quando começou a sentir esgotamento novamente.
Em seguida, ingressou no comércio com serviço de escritório e caixa. Está no atual
serviço há nove anos. Gosta de lá. É a única mulher e acredita que trabalhar com
homem é muito mais fácil. São mais sinceros, verdadeiros, cuidadosos, atenciosos.
Depois da primeira experiência de “quase morte” (sic), o “problema da ansiedade” só
foi piorando. Frequentemente tem estes “momentos” em que acha que vai morrer.

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