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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

SEMINÁRIO DE METAFÍSICA II–


O AMOR E INTERSUBJETIVIDADE EM MERLEAU-PONTY
PROFESSOR: EDUARDO ANIBAL PELLEJERO

ALUNO (A):
ANTONIO JÚLIO GARCIA FREIRE

NATAL-RN
2021
O discurso do método cartesiano é guiado por uma dúvida quase cética sobre o
mundo, Descartes duvida sobre a existência da realidade que experimenta, duvida sobre
o corpo que é feito, até tentar obter desse experimento um solo seguro, um substrato
transparente que permita o sujeito apreender e dominar a natureza, da dúvida ele busca
incessantemente encontrar uma certeza, o cogito é a essa certeza, o eu que dúvida sobre
o mundo e não pode ser questionado por ser ele mesmo que engendra todo o método.
Não por menos, ele estava interessado não somente na filosofia, mas também na
matemática e na geometria, ele reproduz dentro da filosofia os planos e linhas que
permitem conhecer as deformações dos pontos de vistas e das distâncias. Dentro dessa
visão a percepção têm um papel secundário, ela não permite conhecer nada
verdadeiramente, ela é a fonte dos erros e das dúvidas, mas esse eu que subsiste à
dúvida é o que permite a apreensão transparente da realidade, é necessário reduzir o
mundo à esquemas ópticos matemáticos para continuar nesse campo da certeza,
expurgando desse campo a dúvida.
Esses golpes de Descartes contra a percepção marcam profundamente a filosofia,
por séculos a percepção não é mais do que os dados imprimidos pelo mundo sobre os
seres humanos, será necessário o gênio de Merleau-Ponty para pensar um novo projeto
filosófico que não toma a percepção como um obstáculo, um problema, mas é ela
mesmo que nos oferece soluções, ela é tomada como um primado em seu projeto
filosófico. É possível dizer que ele recusa a destilaria da consciência que havia se
tornado a filosofia positivista da sua época, não é possível separar consciência e
percepção porque ela imprime algo dela mesma no ato de perceber um estímulo, jogar
fora a percepção é perder algo da consciência como ele pode afirmar em O primado da
percepção e suas consequências filosóficas (1990) a matéria está grávida da forma, o
percebido carrega consigo consequências sobre a própria consciência que o percebe.
Nessa época Merleau-Ponty ainda acredita ser possível reformar o cogito e a
dialética, sua abordagem fenomenológica visa não por abaixo a filosofia feita até então,
mas abrir as janelas, permitir que algo de novo e original que foi negligenciando por
tanto tempo possa circular e ser matéria do pensamento e da reflexão, assim a
fenomenologia recusa a transparência do mundo e permite enxergarmos algo da
opacidade da experiência, essa estrutura invisível que não cansa de se exprimir no
visível. O pensamento denominado em O olho e o espírito de pensamento operatório é a
grande armadilha que cai a ciência, que realiza operações impossíveis por serem
construídos com base em modelos que são escolhidos por sua transparência, é um
artificialismo absoluto.
Pois dessa forma, se perde que a consciência quer percebe o mundo é também
uma consciência intencional, ela possui uma intenção em sua apreensão da realidade, a
arte, e dentro dela a pintura ocupa um lugar especial, é o que melhor ilustra esse papel
da consciência, o pintor imprime numa tela não apenas os estímulos da cena, mas sua
própria intenção, o trabalho então de um pintor como Cezannne ganha um relevo muito
importante na reflexão de Merleau-Ponty, porque Cezanne abandona muito claramente
o objetivo dos pintores renascentistas de projetar um mundo transparente, guiado pelas
regras dos planos de projeção, calculando as deformações que os objetos e atores sofrem
pela luz e distância, Cezanne ao contrário imprime um arte caótica, que é mais fiel por
ser um pouco mais clara com as intenções do pintor. Afinal, como ele também irá
colocar, não vemos um olho que enxerga, mas somos o próprio olho, algo da
experiência nos mostra que ela é opaca, que há um registro dela que é do impossível.
O problema da consciência intencional evidencia uma outra grande questão que
é então a relação entre duas consciências, ou o que a psicologia chama de
intersubjetividade, como resolver esse problema? O problema da intersubjetividade se
conecta então com outro problema filosófico que é o problema do amor, o que é o amor
e como ele acontece dentro da fenomenologia de Merleau-Ponty? Como vai dizer
Whitmoyer (2017) o filosofo não trata em nenhum momento da sua obra de forma
específica e profunda sobre esse tema, encontramos rastros e pistas em diferentes textos,
mas o problema do amor parece estar realmente conectado com o dilema da
intersubjetividade, Merleau-Ponty não segue a trilha de Sartre – que enxergava por sua
vez o amor como um movimento de redução de uma consciência a um objeto, o amor
então seria um experiência sadomasoquista em essência – mas, o amor é o que permite
uma relação entre duas consciências, que evidencia a questão da intersubjetividade.
Como Dupond (2001) traz em seu vocabulário de Merleau-Ponty, a
intersubjetividade é essa estrutura da vida intencional, recusando o movimento
dicotômico da dialética do reconhecimento do senhor e do escravo Ponty aposta no
diálogo como movimento importantíssimo em que a consciência é deslocada de sua
posição central do mundo e se confronta com a necessidade de se abrir e ouvir a outra
consciência, não é mais uma relação entre sujeito e objeto, mas entre duas consciências.
Essas duas consciências se comunicam através de um corpo, o aparato das percepções
então é essa estrutura que permite a troca e a abertura, elas não são transparentes e
fechadas em si mesmas.
Essas reflexões então se conectam com algumas das reflexões de Merleau-Ponty
sobre o amor recuperadas por Whitmoyer (2017), essas reflexões também serão guiadas
pela obra de um artista, que não são os quadros de Cezanne, mas um texto de Proust
denominado La Prisonierre em que a personagem principal descreve sua paixão por
Albertina, contudo confessa que apenas consegue ama-la quando ela está dormindo,
pois quando ela está acordada ela é uma consciência em movimento, sujeita as
mudanças e diante dessas mudanças o amor dela é uma incerteza. É somente quando ela
fecha os olhos e deixa de ser uma consciência, é passível de ser um objeto, que ele não
duvida do amor dela por ele.
Como Merleau-Ponty aponta, esse texto de Proust evidencia o problema do
amor, que é o amor é faltoso, amamos o outro porque ele não pode nos pertencer, não há
garantias de que o amor do outro por nós é algo certo. Em uma reversão da mensagem
Ponty explica que a dúvida do amor de Albertina pelo protagonista é na verdade a
dúvida dele mesmo se ele ama ela, Albertina e assim, reduzir a consciência dela a um
objeto é dizer que ele não ama a outra consciência. Fazendo assim uma equivalência ao
movimento cartesiano que tenta através dos esquemas ópticos reduzir as relações para
uma dicotomia de sujeito e objeto, em ambos os movimentos o que está em um jogo é
um pensamento operatório, ávido por controle e artificialismos. Não é impossível dizer
que por isso a filosofia cartesiana não ama, mas na verdade é cruel com o outro, que
apenas permite sua existência na medida que pode ser medido e reduzido às leis e
relações.
Em divergência a Sartre, que não acredita ser possível fugir dessa relação
sadomasoquista com o amor, Merleau-Ponty aposta em um amor dialogal, que permite a
coexistência de consciências distintas através do diálogo e da intersubjetividade, para
amar verdadeiramente é preciso compreender o amar como algo por natureza sem
garantias, se abrir para o outro é deslocar nossa consciência do centro metafísico do
mundo e com isso não cairmos na armadilha do pensamento operatório, um amor chegar
ao fim é o que prova que ele era amor de certa forma, porque não há um centro sobre a
qual gravita as duas consciências em seus desejo de completude, a partir da
fenomenologia a relação da filosofia com o amor é de encontrar uma alteridade, algo
novo que não esperávamos encontrar, mas para isso é necessário abrir mão do desejo de
verdade.
Apenas conseguimos nos deslocar do centro metafísico quando entendemos que
o que permite o nosso encontro e o estar junto não são nossas semelhanças, mas nossas
diferenças que vão sendo desveladas ao longo do ato de amar
REFERÊNCIAS
DUPOND, Pascal. Le vocabulaire de Merleau-Ponty. Paris : Ellipses, 2001.
MERLAU-PONTY, Maurice. O primado da percepção e suas consequências
filosóficas. Traduzido por Constança Marcondes Cesar. Campinas, SP : Papirus, 1990.
WHITMOYER, Keith. A Philosophy of Weakness: Merleau-Ponty on Fugitive Love
and the Wisdom in Letting Die. Journal of the British Society for Phenomenology, v.
48, n. 1, p. 1-15, 2017.

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