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AISSN: 2763-8553

Maria Betânia Barbosa Albuquerque


Maria do Perpetuo Socorro G. de S. Avelino de França
Natalia Priscila de Souza Marques
Gercina Ferreira da Silva
Mário Allan da Silva Lopes

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA COLONIAL: INSTITUIÇÕES E


PRÁTICAS EDUCATIVAS

CCSE-UEPA
Belém-PA
2019
Realização:
Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia – GHEDA
Endereço: Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do
Pará (PPGED-UEPA). Rua do Una, nº 156 - Belém - Pará - Brasil - 66.050-540 –
Bairro: Telégrafo.
Telefone: (91) 4009-9552/9506.
E-mail: ghedauepa@gmail.com
Site: http://www.gheda.com.br
Periodicidade: Anual.

Capa:
Raí Medeiros Veiga
Mário Allan da Silva Lopes

Revisão:
Natalia Priscila de Souza Marques
Gercina Ferreira da Silva

Colaboradora:
Elisangela Silva da Costa

Comitê Científico:
Maria do Perpetuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França – UEPA
Maria Betânia Barbosa Albuquerque – UEPA
Adriene Suellen Ferreira Pimenta - UFPA
Thaís Tavares Nogueira - UEPA
Jane Elisa Otomar Buecke – UFPA
Moisés Levy Pinto Cristo – UFPA
Darlene Monteiro dos Santos – UEPA
Mário Allan da Silva Lopes – UEPA
Sabrina Augusta da Costa Arrais – ESTÁCIO/PA

FICHA CATALOGRÁFICA
APRESENTAÇÃO
Diante do cenário em que vivemos, onde as produções científicas estão sendo
colocadas em cheque com relação a sua eficácia e validade para o campo educacional, é
de suma importância destacar que os pesquisadores envolvidos nesse processo tentam
resistir, compartilhando suas produções como forma de firmar o significado delas no
meio educacional e a partir disso motivar outros a se juntarem no mesmo propósito
como forma de resistência diante da falta de valorização da ciência. Por isso, o IX
Seminário do GHEDA, intitulado “História da Educação na Amazônia Colonial”,
propiciou espaços de partilha, divulgação e produção de conhecimento enriquecendo
pesquisadores da área.
O IX Seminário do GHEDA ocorreu nos dias 4 e 5 de junho de 2019, no campus
I, na Universidade do Estado do Pará (UEPA) com o tema: História da Educação na
Amazônia Colonial: instituições e práticas educativas. O mesmo teve como objetivo o
desenvolvimento de pesquisas voltadas para a história das instituições educativas,
intelectuais e impressos, bem como para a análise histórica de processos e práticas
educativas vivenciadas em espaço não escolares da Amazônia. Trazendo para debate a
produção do conhecimento acerca da história da educação nesse período ainda pouco
investigado.
Esse evento foi dividido em quatro eixos relacionados com a temática, o qual
obteve produções de grande importância e significado para a escrita da história
paraense, onde os autores se debruçaram sobre o tema, expondo seus olhares e analises
voltado aos seus objetos de estudo, permitindo-nos refletir sobre a importância da
pesquisa em História da Educação, através de diferentes perspectivas, vivências e
saberes na região. Com isso, apresentaremos o que cada eixo se propôs a discutir.
Eixo 1 - História das instituições educativas na Amazônia: O presente eixo
contemplou estudos e pesquisas sobre a história das instituições educativas na
Amazônia. Aborda as instituições como espaços educativos, constituídas por múltiplos
sujeitos, saberes e práticas culturais. Traz à baila o controle, a disciplina, o poder e a
resistência que marcaram o seu cotidiano.
Eixo 2 - História dos intelectuais e educação na Amazônia: Este eixo aborda
temas sobre a história dos intelectuais e a educação, em especial da região amazônica.
Os trabalhos versam sobre a trajetória de vida e formação de sujeitos singulares, seus
pensamentos e ações educacionais em diferentes contextos socioculturais e
educacionais.
Eixo 3-Interfaces entre educação e religiosidade na Amazônia: Este eixo tem por
objetivo abordar as interfaces entre educação e religiosidade no contexto amazônico.
Nesse sentindo, os trabalhos devem traçam diálogos transdisciplinares com o intuito de
contemplar os diversos enfoques que se lançam sobre os discursos e/ou práticas
religiosas na Amazônia, não apenas da relação entre educação - religião e seus
desdobramentos, mas das inúmeras experiências religiosas como construção de saberes.

Eixo 4 - Práticas de sociabilidade e educação não escolar na Amazônia: Este


eixo compreende estudos sobre processos educativos não escolares, envolvendo os
múltiplos sentidos da educação e os saberes da experiência que perpassam diferenciados
modos de aprender e ensinar ocorridos na tessitura da vida cotidiana, tais como nos
quintais, igrejas, rituais, narrativas míticas entre incontáveis espaços e práticas de
sociabilidades onde se forjam subjetividades.

Natalia Priscila de Souza Marques


Gercina Ferreira da Silva
SUMÁRIO

EIXO 1
A LUZ DOS CANDEEIROS: ESCOLAS NOTURNAS NA PROVÍNCIA DO GRÃO –
PARÁ (1871-1889) – Elias Santos de Brito, Maria Odilene da Silva
Santos...............................................................................................................................11

A REVISTA A ESCOLA (1900-1905) COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO DA AMAZÔNIA – Darlene da Silva Monteiro dos
Santos...............................................................................................................................14

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA AMAZÔNIA (PARÁ-BELÉM)


DESAFIOS RUMO AO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO – Sandra Suely
Brandão............................................................................................................................18

INDÍCIOS SOBRE O ENSINO DA MÚSICA SACRA NO CONVENTO DA ORDEM


DE N.SRA DAS MERCÊS, EM SANTA MARIA DE BELÉM DO GRÃO PARÁ NOS
SÉCULOS XVII e XVIII – Thais Cybelle Araujo
Silva.................................................................................................................................23

A EDUCAÇÃO E A TUTELA DA CRIANÇA POBRE NO PARÁ ENTRE 1870 A


1910 - Elianne Barreto Sabino, Livia Sousa da
Silva...................................................................................................................27

A EDUCAÇÃO DE MENINOS NO INSTITUTO SANTO ANTÔNIO DO PRATA –


Gercina Ferreira da
Silva.................................................................................................................................33

EDUCANDÁRIO “NOSSA SENHORA DOS ANJOS”: UM PROJETO


EDUCACIONAL DAS IRMÃS MISSIONÁRIAS CAPUCHINHAS – Elizabeth
Rodrigues da Costa, Maria do Socorro Pereira
Lima.................................................................................................................................38
MEMÓRIAS DA INTERNAÇÃO: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS DA COLÔNIA
DE MARITUBA EM NARRATIVA DE MEMÓRIAS DE UM EX-INTERNO (1940-
1970) - Moises Levy Pinto Cristo, Maria do Perpétuo Socorro G. S. A.
França..............................................................................................................................42

O ENSINO NA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ: POLÍTICAS PÚBLICAS EM


EDUCACÃO NAS DÉCADAS DE 1830 E 1840 - Lucas Dassaieve da Costa Almeida,
Caio de Lucas Oliveira
Souza...............................................................................................................................47

OS COLÉGIOS JESUITAS NA AMAZÔNIA COLONIAL: UM MODELO DE


ENSINO BASEADO NO RATIO STUDIORUM - Marcelo Barge
Rodrigues.........................................................................................................................51

PADRE GUIDO DEL TORO: MEMÓRIAS HISTÓRICAS DE UMA ESCOLA QUE


SE TRANSFORMOU EM HOTEL - Emanuelle da Silva Braga, Sérgio Renato Lima
Pinto, Walter da Silva
Braga...............................................................................................................................56

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA


EXPERIÊNCIA ENTRE AS ETNIAS TEMBÉ E KA’APOR - Maria Fabiana Sousa
Rosa, Regina Diane de Lima Coelho, Taynara Morais
Portal................................................................................................................................61

EDUCAÇÃO QUILOMBOLA E GESTÃO DO TERRITÓRIO: UM ESTUDO DE


CASO NA AMAZÔNIA PARAENSE - Carla Joelma de Oliveira Lopes, Daniela de
Oliveira Senna, Arion de Oliveira
Livramento.......................................................................................................................65

EDUCANDO PARA O LAR E A FAMÍLIA: ATUAÇÃO DA CONGREGAÇÃO DAS


IRMÃS DE SANTA DOROTEIA NAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS PARA
MENINAS DESAMPARADAS EM BELÉM DO PARÁ (1877-1878) - Tayana Helena
Cunha Silva, Laura Maria Silva Araújo
Alves................................................................................................................................70
EIXO 2
A INTRODUÇÃO DA GEOMETRIA NO ENSINO DA PROVÍNCIA DO GRÃO-
PARÁ E SUAS IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE DA ÉPOCA (1841-1870) - Mayara
Teixeira Sena, Jônatas Barros Barros, Fernando Raiol
Mareco.............................................................................................................................75

ENTRE ULTRAMONTANOS E MAÇONS: DOM MACEDO COSTA E A CRISE


RELIGIOSA NO PARÁ (1872-1875) - Raynara Cintia Coelho
Ribeiro.............................................................................................................................79

AS GRAMÁTICAS ESCOLARES E O PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO NA


AMAZÔNIA – Nilvane
Barros...............................................................................................................................84

O CAPITAL SIMBÓLICO DE BOURDIEU E O INTELECTUAL ETTORE BOSIO


NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DA REPÚBLICA PARAENSE - Camilla V. C. P. de
Oliveira, Kathia Salomão, Cesar Augusto
Castro..............................................................................................................................88

LEOPOLDO PENNA TEIXEIRA: DIFUSOR DAS PRÁTICAS E DO ENSINO


AGRÍCOLA MODERNO NO PARÁ (1914-1919) - José Arimatéa Gouveia dos
Santos...............................................................................................................................93

A POÉTICA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO A PARTIR DO PENSAMENTO DE


ABGUAR BASTOS NA SÉRIE “OS DRAMAS DA AMAZÔNIA” - Dinalva da Silva
Côrrea, Denise de Souza Simões Rodrigues...................................................................96

A EDUCAÇÃO ESPECIAL EM BREVES-PARÁ: DE 1985 A 2018 - Huber Kline


Guedes Lobato, José Anchieta de Oliveira
Bentes............................................................................................................................100

A PRODUÇÃO DE UMA HISTÓRIA ESCOLAR, “PÁTRIA E REGIONAL” EM


APOSTILAS DE HISTÓRIA DO PARÁ DE THEODORO BRAGA (1915) - Wanessa
Carla Rodrigues Cardoso...............................................................................................105
EIXO 3
EDUCAÇÃO DE MENINAS NO INSTITUTO NOSSA SENHORA DOS ANJOS
(1953-1971): REPRESENTAÇÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA DE FORMAÇÃO
RELIGIOSA NA MEMÓRIA DE EX-ALUNAS - Joelma da Silva Trindade, Maria do
Socorro Pereira Lima.....................................................................................................110

O ENSINO RELIGIOSO NA COLÔNIA: OS JESUÍTAS E OS ÍNDIOS – Alberto


Damasceno, Viviane Dourado, João Lúcio
Mazzini..........................................................................................................................114

A PRIMEIRA INFÂNCIA NA AMAZÔNIA EDUCAÇÃO VICENTINA NO JARDIM


DE INFÂNCIA “CASA DA CRIANÇA” EM MANAUS-AM – Márcia
Guimarães......................................................................................................................117

“MINHA LÍNGUA É A PENA”: REPRESENTAÇÕES INDÍGENAS E POLÍTICA


LINGUÍSTICA NA NARRATIVA DO PADRE TAPUITINGA ANSELM ECKART
(1750-1759) - Marcela Gomes Fonseca, Rafael Rodrigues
Correa............................................................................................................................121

FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO: UM CRÍTICO DO ENSINO


RELIGIOSO PROPOSTO PELOS JESUÍTAS NA AMAZÔNIA COLONIAL –
Alberto Damasceno, Suellem Pantoja, Luanne
Tomé..............................................................................................................................125

EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE NA AMAZÔNIA: PRÁTICAS EDUCATIVAS DA


PAJELANÇA CABOCLA EM COLARES (PA) - Thaís Tavares Nogueira, Maria
Betânia Barbosa
Albuquerque..................................................................................................................129

A ESTÉTICA DO SAGRADO: COMUNICAÇÃO, COSMOVISÃO E EXPERIENCIA


ESTÉTICA NO SANTO DAIME - Kélem C. Alves
Ferro...............................................................................................................................133
EIXO 4

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: A EXPERIÊNCIA DO ESCREVENDO NOSSA


HISTÓRIA – Mailson Lima
Nazaré............................................................................................................................137

A PALAVRA NAVEGANTE: A ABERTURA DE LETRAS E O PROCESSO DE


EDUCAÇÃO INFORMAL NO ENSINO DE ARTE - Luana Priscila Pereira da
Silva...............................................................................................................................142

PRÁTICAS EDUCATIVAS E SABERES DA BEBERAGEM EM QUILOMBOS NA


AMAZÔNIA PARAENSE - Mayre Dione Mendes da Silva
Mascarenhas..................................................................................................................146

COLARES (PA), UMA ILHA MUSICAL: IDENTIDADES CULTURAIS E


PRÁTICAS EDUCATIVAS - Denise de Souza Simões Rodrigues, Artur Jonas Marques
Santos.............................................................................................................................150

INFÂNCIA E PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA SEISCENTISTA – Jane


Elisa Otomar
Buecke...........................................................................................................................155

PRÁTICAS DE SOCIABILIDADE E EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA ALDEIA


SÃO PEDRO E FRASQUEIRA, POVO TEMBÉ - Fabrício César C. Rodrigues, Magno
Kamiran Oliveira Sousa Tembé, Karina Borges
Cordovil........................................................................................................................159

A EDUCAÇÃO NAS LADAINHAS DA FESTIVIDADE DO GLORIOSO ESPÍRITO


SANTO EM BREVES/PA - Paula Fernanda Pinheiro
Souza.............................................................................................................................164

PROPOSTA DIDÁTICO-METODOLÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AMAZÔNICO: DO FORTE
DO CASTELO AO MUNICÍPIO DE BELÉM DO PARÁ - Stefani F. Barbosa, José
Henrique S. Pompeu, Gabriel N. R. da
Silva...............................................................................................................................169
PARA ALÉM E PARTIR DA ESCOLA: LOTEAMENTO AGROECOLÓGICO
COMO LUGAR DE APRENDIZAGEM E DE SABERES AMBIENTAIS - Nilberto
Sousa
Gonçalves......................................................................................................................173

“NO MEU TEMPO A GENTE APRENDIA ASSIM”: BRINCADEIRAS DE RUA,


PRÁTICAS EDUCATIVAS E PARTILHA DE SABERES NA BELÉM DE
ANTIGAMENTE (1935-1961) - Guthemberg Felipe Martins Nery, Nazaré Cristina
Carvalho.........................................................................................................................176

ESPELHO DA METRÓPOLE: IDEAL DE CIVILIZAÇÃO E PRÁTICA


EDUCATIVA A PARTIR DO OLHAR SOBRE O MODO DE VIDA NOS ESCRITOS
DE FREI CAETANO BRANDÃO NO GRÃO-PARÁ (1785-1789) - Felipe William
dos Santos
Silva...............................................................................................................................181

A INSTRUÇÃO COMO NORTE DA PRÁTICA GOVERNATIVA: UM ESTUDO A


PARTIR DAS MISSIVAS DE FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO
E ANTÔNIO ROLIM DE MOURA TAVARES (1751 – 1763) - Otávio Vítor Vieira
Ribeiro...........................................................................................................................184

A ARTE DE PARTEJAR: PRÁTICAS E SABERES CONSTRUÍDOS SOBRE A


PARTURIÇÃO EM BELÉM - Elainne Cristina da S.
Mesquita........................................................................................................................188
11

EIXO 1
A LUZ DOS CANDEEIROS: ESCOLAS NOTURNAS NA PROVÍNCIA DO GRÃO –
PARÁ (1871-1889)

ELIAS SANTOS DE BRITO - Professor da Rede Pública de Ensino (SEDUC) –


Licenciado/ Bacharel em História - UFPA e Especialista em Educação do Campo,
Desenvolvimento e Sustentabilidade – ICED – UFPA. E-mail -
eliashiistoriador@yahoo.com.br

MARIA ODILENE DA SILVA SANTOS Professora da Rede Pública de Ensino


(SEDUC) – Licenciada/Bacharel em História – UFPA e Especialista em Metodologia do
Ensino Superior – UEPA – E-mail: lenest_ht@yahoo.com.br

RESUMO

Escola noturna criada pela Câmara Municipal, em Setembro de 1871, direcionada para
as classes populares. Abriu a possibilidade de alfabetização do público adulto,
sustentada no regulamento Portella, foi responsável por uma inciativa que envolveu
diversos protagonistas à favor e contra a frequência do público que exercia suas
funções durante o dia e a noite procurava a escola para alfabetizar-se.

PALAVRAS-CHAVES: Escola Noturna. Instrução Popular. Alfabetização.

O último quartel do século XIX, precisamente, após a década de 1870, às


autoridades provinciais fomentaram uma verdadeira cruzada, na qual políticos,
intelectuais, jornalistas e senhores de escravos defenderam a implantação da
educação popular, priorizando a educação de adultos, cujo intuito foi atacar a elevada
evasão escolar, buscar meios para potencializar a escolarização dos segmentos
subalternos e, principalmente, criar iniciativas para reduzir o grande quantitativo de
analfabetos composto por jovens e adultos que habitavam a província.

Os regulamentos da instrução pública passaram a respaldar e nortear as


diretrizes pelas quais deveriam está assegurados os princípios educacionais na
província. Em 1871, o regulamento assinado pelo presidente da província Joaquim
Pires Portella determinava em seu artigo 27 para o ensino primário de adultos haverá
uma escola nocturna em cada uma das cidades da província e duas pelo o menos na
capital.
12

As escolas noturnas criadas pelo regulamento Portella faz parte de um


processo educacional que se tornou fundamental a partir de 1870, quando outras
províncias do Império como: Bahia, Sergipe, Maranhão, Pernambuco, Alagoas,
Amazonas, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e
Paraná adotaram as aulas noturnas, colocando, em prática esse modelo de
escolarização que procurava atender ao público adulto e em alguns casos menores
escravizados que trabalhavam durante o dia, consequentemente, não tinham como
frequentar as aulas do ensino regular durante o dia, tornaram-se o escopo para defesa
da escola noturna.

O incipiente processo de modernização das cidades, os ciclos da borracha e do


café, a vinda de estrangeiros, a gradual libertação dos escravos africanos, assinatura
da lei do ventre livre, conjuntamente agregadas, sinalizaram as transformações sociais
e políticas que afetariam a organização da estrutura escolar na província. É
justamente, em torno dessas metamorfoses sociais que se prega à seguinte pergunta:
por que as escolas noturnas tornaram-se obrigatórias para o público adulto. A incursão
dessa problemática é fundamental para compreendermos as tensões e resultados da
educação de jovens e adultos na província do Grão-Pará.

Em setembro de 1871, João Diogo Clemente Malcher e Padre Félix Vicente de


Leão, inauguram a primeira escola noturna, funcionando em uma das salas
improvisadas da Câmara Municipal, com horário de 7h (19h) às 9 ½ (21h30) da noite.
Esse movimento impulsionado pelos vereadores fora copiado por: Vigia, Cintra
(Maracanã), Macapá, Faro, Santarém. Além das escolas particulares que abriram na
capital aulas noturnas.

Com público composto de: carpinteiros, sapateiros, pedreiros, ferreiros,


marceneiros, empregados públicos, ourives, tipógrafos, pintores, relojoeiros,
fundidores, alfaiates, entre outras profissões formavam o público que se matriculou
nas primeiras turmas que passaram a frequentar as aulas da escola noturna da
Câmara Municipal e da Sociedade Propagadora do Ensino Primário, esta criada por
Joaquim Pedro Correia de Freitas – Dr. Freitas. Em Outubro de 1871, o periódico O
Liberal do Pará chamava atenção de seus leitores do quantitativo de matriculados nas
aulas noturnas, chegando, ao número de 177 na escola da Câmara Municipal, sendo,
166 nacionais, 10 portugueses e 1 inglês.

Na defesa da escola noturna estava protocolada a alfabetização de artesãos,


segundo consta, formavam o grupo com maior dificuldade de acesso às aulas
noturnas, devido às próprias condições de trabalho que os impedia de frequentarem
13

assiduamente à escola – a condição de pobreza representava o maior obstáculo para


se alfabetizarem. Mas tal embargo, não inviabilizava de irem buscar o conhecimento.
No currículo das escolas noturnas figurava: Gramática nacional, Aritmética, Geografia
do Brasil, Desenho Linear, Leitura da Bíblia, Análise da Constituição Política e Código
Penal – com reforço de leitura, escrita e cálculos.

A permanência de liberais e conservadores estava assentada nos projetos


educacionais em curso. Entretanto, a instrução popular, na visão de um dos arautos
da escola - Vilhena Alves, certificava a participação política dos cidadãos nos assuntos
públicos, garantia o respeito do direito a representatividade é: a instrucção (...) o maior
sustentáculo da liberdade.

Porém, a compreensão dos objetivos e finalidades das escolas noturnas devem


seguir os passos das mudanças da legislação, através das leis, ofícios, regulamentos
da instrução pública e periódicos que abrem um campo de análises investigativas que
permitem observar os avanços, limites e tensões que fizeram parte das ações dos
protagonistas envolvidos e participantes ativos do cotidiano das aulas noturnas. Como
Padre Félix Vicente de Leão, fundador da escola noturna para escravos acusado de
incendiário e comunista.

Passados mais de 147 anos, após a criação da primeira escola noturna, os


alunos que frequentam as aulas das escolas públicas à noite, em função das
condições de trabalho, ainda carregam o estigma da falta de oportunidade que lhe
garanta o direito de permanência na escola. Como consequências do precoce
ingresso no mercado de trabalho, às aulas noturnas, hoje, são procuradas, por um
público que guardada as devidas comparações mantém certa semelhança, sobretudo,
na condição econômica e de acesso ao conhecimento formal com seus antepassados
de Setembro de 1871. Analisar o tempo passado, mas atento aos acontecimentos do
tempo presente e descortinar os primórdios das aulas noturnas. Com isso afirmamos
os laços de compromisso com a pedagogia libertária e decolonial que, indiretamente,
vinha reforçando a instrução popular pelo professor Francisco Ferreira de Vilhena
Alves, em defesa da escola noturna para adultos na Amazônia Imperial.

BIBLIOGRAFIA

RIZZINI, Irma e SCHUELER, Alessandra Frota M. de. Trabalho e escolarização


urbana: o curso noturno para jovens e adultos trabalhadores na Escola
Municipal de São Sebastião, Rio de Janeiro (1872-1893) – Disponível em:
http://www.periodicos.uem.br
14

SANTOS, Jucimar Cerqueira dos. O estabelecimento das escolas noturnas para


adultos na Bahia no final do século XIX – Disponível em: http://www.sbhe.org.br

A revista A Escola (1900-1905) como fonte para a História da Educação da


Amazônia

Darlene da Silva Monteiro dos Santos1

RESUMO
O presente trabalho visa analisar as possibilidades de usos da revista A Escola como
fonte histórica para a escrita da história da educação na Amazônia. A revista A Escola,
surge no Pará em 1905 com o propósito de orientar a prática docente dos professores
do ensino primário do Pará. Diante disso, a pesquisa é do tipo documental e toma
como fontes mediante a uma abordagem da História Cultural, as edições da revista de
nº 03 de 1900 e nº 58 1905, além do Decreto nº 850 de 30 de abril de 1900 que tornou
obrigatória a assinatura da revista A Escola entre os professores primários do Pará.
Para sustentar as análises estabelecidas, conta com o aporte teórico de Bastos
(2002), Rodrigues e França (2010), Chartier (1991) e Magaldi (2008). A revelou que
múltiplas possibilidades para se olhar na revista A Escola, uma fonte infindável de
pesquisas, na medida em que esse impresso pedagógico se constituiu como uma
instituição formadora não somente de professores, mas de crianças, além de revelar o
dia a dia da escola primária no Pará. Esse olhar de dentro, oferece ao pesquisador
levantar objetos antes não mensurados e que podem trazer a compreensão sobre o
que foi e como foi o ensino não apenas no Pará, mas na região amazônica.

PALAVRAS-CHAVE: Impresso Pedagógico, Fonte Histórica, História da Educação na


Amazônia.

INTRODUÇÃO

1
Mestre em Educação – UEPA. Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Integrante
do Grupo de Pesquisa História da Educação da Amazônia (GHEDA). Graduada em Pedagogia
– UFPA, Especialista em Gestão e Docência no Ensino Superior – UFPA. Especialista em
Educação da Secretaria de Estado de Educação – SEDUC/PA. Docente da Secretaria
Municipal de Educação de Belém - SEMEC Email: darlene.monte@hotmail.com
15

A república no Pará no início do século XX, se apresentou como um momento


de desdobramentos sociais e políticos que orientaram significativas ações no campo
educacional, uma delas, foi a criação da revista A Escola em 1900 pela Diretoria de
Instrução do estado do Pará. Esse impresso assumiu a função de orientar as práticas
dos professores primário no ensino.
Mediante a este cenário, compreender a revista A Escola como fonte histórica
para a História da Educação na Amazônia, significa antes de tudo, perceber seus usos
sociais durante os anos de 1900 a 1905, período de circulação do impresso no Pará,
bem como as possibilidades que tornaram esse impresso, um importante acervo para
pesquisas que tomem os impressos pedagógicos como fonte para a escrita da História
da Educação na Amazônia.

METODOLOGIA

Esta pesquisa, se utiliza do método da pesquisa documental, que para


Rodrigues e França (2010) é aquela realizada pela utilização de todo e qualquer
material que ainda não receberam um tratamento especializado e sua prática se faz na
busca por conhecer a historicidade do documento a ser pesquisado, essa prática nada
mais é do que entender os propósitos e o contexto pelo qual determinado documento
foi produzido. Tal perspectiva possibilitará sua leitura e releitura, considerando que o
documento histórico não está imerso em meio a uma neutralidade, logo precisa ser
problematizado.
Para tanto, por se tratar de uma pesquisa histórica, este estudo utiliza como
fontes a revista A Escola, com edições de nº 03 de 1900 e nº 58 1905, o Decreto nº
850 de 30 de abril de 1900 que tornou obrigatória a assinatura da revista A Escola
entre os professores primários do Pará.
Esta pesquisa ampara-se na perspectiva da História Cultural, a qual debruça-
se sobre novos temas, novos objetos, ou como define Roger Chartier (1991, grifo do
autor), “objetos reencontrados” na historiografia. Assim, o entrecruzamento das fontes
documentais com a bibliografia utilizada, ocorre neste estudo, mediante esse olhar ao
tomar a revista A Escola, ora como objeto, ora como fonte, a situa mediante o conceito
de “impressos pedagógicos”, que para (BASTOS, 2002, p. 49), seriam “jornais,
boletins, revistas, magazines, feita por professores para professores, feita para alunos
por seus pares ou professores”.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
16

A revista A Escola, foi idealizada por Virgílio Cardoso de Oliveira em 1900, na


época, ocupante do cargo de Diretor da Instrução Pública, tendo uma circularidade até
o ano de 1905. Sua publicação foi regulamentada por meio do decreto de nº 850 de 30
de abril de 1900, pelo então governador do estado José Paes de Carvalho, que tornou
obrigatória a assinatura da revista entre os professores, garantindo assim, a
manutenção do impresso.
Esse impresso pedagógico visava direcionar as práticas dos professores
primários paraenses, e ainda servir de porta voz das ações educacionais
estabelecidas pela administração pública da época. A circulação da revista A Escola
era semanal e suas edições eram disponibilizadas ao professorado, através de
assinaturas que também eram estendidas para todo o estado do Pará.
A revista A Escola, era publicada por meio de edições mensais e individuais
contendo cerca de 120 páginas. Podia ser também organizada em tomos, que nada
mais eram do que compêndios encadernados que atendiam edições, bimestrais ou
trimestrais, chegando a conter cerca de 600 páginas. Disposta em formato de papel
15x21 cm. Quanto a sua organização, possuía 7 seções, que traziam os mais diversos
assuntos, tais como: “Doutrina”, “Contos e Biografias”, “Exercícios Escolares”,
“Conselho Superior”, “Administração”, “Legislação” e “Notícias e Correspondências”.
Diante das múltiplas questões trazidas pelo impresso A Escola, cabe situá-la
neste estudo como uma fonte ímpar para estudos que se voltem para a História da
Educação no Pará. Quanto a definição desse tipo de gênero impresso, este estudo,
utiliza o conceito estabelecido por (MAGALDI; XAVIER, 2008, p. 11), ao definirem que
“O significado atribuído aos impressos para a pesquisa pode ser aferido, por exemplo,
se nos ativermos às obras publicadas sob a forma de repertórios de fontes relativas à
pesquisa educacional e voltadas para o apoio ao pesquisador”.
Mediante a tomada de impressos como fontes, o uso da História Cultural,
enquanto abordagem histórica, permitiu pensar o objeto desta pesquisa, em “constituir
novos territórios do historiador pela anexação de territórios alheios” (CHARTIER, 1991,
p. 174). As discussões desse autor esse autor, permitem pensar a revista A Escola
como uma fonte, mergulhada em representações, que ora sendo individuais e/ou
coletivas, comunicam o que compõe a representação do social, incluso em um tempo,
nesse caso, a educação primária paraense.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa revelou que a revista assumiu um papel distinto frente à


propagação de ideologias que buscavam o controle social pelo exercício do poder que
17

possuía. Esse impresso tinha um propósito pedagógico apoiado nos ideais


republicanistas sustentados pelo novo regime político. Suas páginas ecoavam entre os
mais variados assuntos que nutriam os discursos modeladores e civilizatórios dos
intelectuais que compunham o editorial da revista. A imprensa pedagógica, possuía
sim o papel de formar opiniões e definir perfis sociais, em apoio ao projeto maior da
República no Pará, que era o ordenamento e classificação dos que poderiam alcançar
o status de cidadão da República.
Nesse patamar, a revista A Escola, nasceu e configurou-se como um apoio à
educação pública, sendo assim porta de entrada para a realização dos desejos dos
intelectuais que a editavam e que viram na educação a ascensão do cidadão
aproximada ao padrão de modernidade europeia. Esses intelectuais já demonstravam
em suas páginas certa preocupação com a instrução dos futuros brasileiros,
destacando assim uma instrução vinculada à cidadania política na Primeira República
Assim, por considerar que o modelo educacional republicano, pensado para o
estado do Pará e divulgado pela revista A Escola, foi uma construção histórica,
construída, pensada e representada de múltiplas formas, com o intuito de orientar,
normalizar, instruir, educar, de forma a civilizar as crianças paraenses, a revista A
Escola possibilita uma renovação tanto nos conceitos quanto nos termos
metodológicos de fontes para a História da Educação na Amazônia, na medida em
que afirma que a imprensa pedagógica do Pará se constitui como uma fonte
autônoma para pensarmos as múltiplas facetas do que foi realidade escolar da
Primeira República.

REFERÊNCIAS

BASTOS, Maria Helena Câmara. A imprensa periódica educacional no Brasil: de 1808


a 1944. In: CATANI, Denice Barbara; BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.).
Educação em Revista: a imprensa periódica e a história da educação. São Paulo:
Escrituras, 2002. p. 173-187.

CHARTIER, Roger. O mundo como representações. Estudos Avançados, vol 5, Nº


11, jan/abr. 1991, p 173-191. Disponível em
<http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8601> Acesso em: 30 abril 2018.

MAGALDI, Ana Maria B. M.; XAVIER, Libânia Nacif. Impressos e história da


educação: usos e destinos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
18

PARÁ, Governo do Estado do. Decreto nº 850 de 30 de abril de 1900, que torna
obrigatória a assinatura da revista A Escola para os professores primários do
Estado. Pará – Brasil: Tipografia do Instituto Lauro Sodré, 1900.

PARÁ. Governo do Estado do. A Escola, nº 03: Imprensa Oficial, Pará, 1900.

PARÁ. Governo do Estado do. A Escola, nº 58: Imprensa Oficial, Pará, 1905.

RODRIGUES, Denise Simões; FRANÇA, Maria do Perpétuo Socorro G. S. A. A


Pesquisa Documental Sócio-Histórica. In: MARCONDES, Maria Inês; TEIXEIRA,
Elizabeth; OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Metodologias e técnicas de pesquisa em
educação. Organizadoras: Belém: EDUEPA, 2010.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA AMAZÔNIA (PARÁ-BELÉM)


DESAFIOS RUMO AO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

SOARES, Sandra Suely Brandão(1)

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo falar sobre a educação de jovens e adultos e os
desafios enfrentados pelos alunos rumo ao primeiro ano do ensino médio. Trata-se de
um estudo que foi realizado através da observação dos estudos dos alunos na
disciplina de língua portuguesa, de uma Escola Pública da cidade de Belém do Pará,
visando determinar a quantidade de alunos que vencendo os vários obstáculos no
decorrer do ano conseguem avançar para a etapa seguinte e mais precisamente para
o primeiro ano do ensino médio. Os resultados obtidos mostram que mesmo com a
evasão por motivos variados a quantidade de alunos que avançam para o primeiro ano
do ensino médio é significativo o que demonstra a eficácia da EJA, faz-se necessário
olhar com carinho para a grande parcela da população que cada vez mais busca na
educação uma oportunidade para mudar de vida e tornando-se um bom profissional.

Palavras-chave: Educação, EJA, Evasão, Avanço

INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios para os educadores que se propõe a trabalhar com a


Educação de Jovens e Adultos (EJA) é conseguir que os alunos deem continuidade a
19

seus estudos e consigam chegar à obtenção de uma graduação. A EJA assumiu na


atualidade, relevância até então nunca vista, possibilitando a elaboração de programas
e projetos que visam à garantia da educação básica e qualificação profissional para os
sujeitos dessa modalidade de ensino. (COSTA, 2013). Se avaliarmos a efetividade da
EJA, vamos notar que a evasão é elevada em função de vários fatores, partindo
desses princípios o educador tem que buscar meios de envolver seus alunos,
diminuindo assim a evasão um desafio para o educador.

As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 no seu


artigo 37: “educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
apropriada” (BRASIL, 1996, p.28). Eis a questão, quando se passa da fase própria do
processo de ensino fundamental, parece que a resistência ao aprendizado é maior,
juntamos isto à obrigatoriedade do trabalho diário para sustentar a família e temos
então uma das causas da evasão. A EJA é uma categoria organizacional constante
com finalidades e funções específicas que recebem jovens a partir de 15 anos de
idade e adultos que por uma razão ou outra não tiveram a oportunidade de completar
os estudos nos anos da Educação Básica em idade apropriada. (RIBEIRO e
TAVARES)

A alfabetização é o passo inicial para que a população se torne crítica e


conhecedora de seus direitos “A educação como prática de liberdade, ao contrário
daquela que é a prática da dominação implica a negação do homem abstrato, isolado,
solto, desligado do mundo, assim também a negação do mundo como uma realidade
ausente dos homens (FREIRE, 1999, p.40) ”. Freire foi um grande defensor do
processo de alfabetização e da educação como prática de liberdade e formação de
uma sociedade justa e igualitária. Dentro deste programa fizemos a observação de 07
(sete) turmas da EJA, para saber quantos alunos iriam chegar ao primeiro ano do
ensino médio, vencendo todas as dificuldades inerentes ao dia a dia dos mesmos. Ao
trazermos o tema EJA como objeto de nossa pesquisa, queremos dar a sociedade
uma resposta, tendo em vista que os meios de comunicação muito têm falado a
respeito desta modalidade de ensino. E a comunidade acadêmica cabe fazer este
estudo respondendo às interrogações da sociedade.

METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado em uma Escola de Educação Infantil e Ensino
Fundamental, localizada no Bairro do Tapanã em Belém do Pará, tivemos como alvo
07 (sete) turmas da EJA do 6º ao 9º ano, as turmas tinham
20

1.Possui Licenciatura em Língua Portuguesa com Habilitação em Inglês, e


Especialização Lato Sensu em Docência do Ensino Superior e EJA, foi professora da
EJA de 2002 a 2012, é Servidora da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Estado
do Pará SESPA, e-mail: sandrasuelysoares@yahoo.com,br
no total 314 alunos que variavam entre os 15 aos 55 anos de idade.

Escolhemos a disciplina de Língua Portuguesa para fazermos o


acompanhamento em virtude de a carga horária ser maior, e as aulas serem quase
que diárias. A observação dos alunos foi realizada diariamente durante um período de
07 (sete) meses, onde foram observados o desempenho de cada turma na disciplina
citada e a perspectiva de aprovação, o índice de evasão e o interesse em avançar
para a etapa seguinte.

As turmas estavam assim divididas: 04 (quatro) turmas da Terceira Etapa


correspondente ao 6º e 7º anos, sendo a turma A com 40 (quarenta) alunos, a B com
50 (cinquenta), a C com 40 (quarenta) e a D com 47 (quarenta e sete) alunos o que
totaliza 177 alunos e 03 (três) turmas da Quarta Etapa correspondente ao 8º e 9º
anos, sendo a turma E com 40 (quarente) alunos, a F com 49 (quarenta e nove)
alunos e a G com 48 (quarenta e oito) alunos o que totaliza 137 alunos.

Foram observados itens como: o desempenho de cada turma na disciplina


citada e a perspectiva de aprovação, o índice de evasão e o interesse em avançar
para a etapa seguinte. De maneira geral as turmas iniciaram os estudos com o
objetivo fixo de chegar ao Ensino Médio e consequentemente ao Ensino Superior.

REVISÃO LITERÁRIA

É importante que se faça uma análise do que vem a ser a EJA na vida
dos adolescentes e adultos, para muitos é a oportunidade esperada por aqueles que
não tiveram quando crianças a oportunidade de estudar ou que começaram e por
algum motivo tiveram que parar, na grande maioria dos casos a interrupção se dá em
função do trabalho, ou seja, em virtude da necessidade as crianças deixam de estudar
para trabalha e ajudar no sustento da família. Para estas pessoas a EJA é uma grande
oportunidade, “O aluno da EJA acredita muito na escola, por isso a instituição deve
trabalhar com ele sempre numa concepção de autonomia e libertação” (ROSIANE e
HELENICE, 2015), isso porque para estes a EJA é a oportunidade de começar uma
nova caminhada centrada na educação sistematizada.
21

A grande maioria destes alunos busca na educação uma forma de


manter seus empregos já que o mercado de trabalho está cada vez mais exigente.
Sendo assim os alunos aprendem ler não apenas os textos, mas também o mundo no
qual vivem, ou seja, começam a fazer uma leitura crítica da realidade na qual estão
inseridos. Freire (2016, p. 9) diz que “A leitura do mundo precede a leitura da palavra,
daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto
a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e
contexto”

A leitura tem uma importância primordial no mercado de trabalho e na própria


autoestima daqueles que buscam não apenas uma colocação profissional, mas que
têm na esperança de uma educação continuada o desejo de chegar a uma
Universidade, esse é um grande desafio para a EJA. Em contrapartida alguns autores
dizem que a escola precisa problematizar questões relacionadas ao mercado de
trabalho, ou seja, precisa viver a realidade do mundo do trabalho trazendo-a para a
sala de aula.

é a necessidade de aproximar a escolarização à realidade concreta


do mundo do trabalho, não no sentido de antecipar propostas
profissionalizantes, mas no de contemplar no currículo o cotidiano
das práticas de trabalho e emprego a que são submetidos à maioria
dos alunos que frequentam classes de EJA (HADDAD apud MUSIAL,
2001)

Hoje a educação está ainda voltada para o aprendizado global, o ensino da


leitura e da escrita, além do desenvolvimento do raciocínio matemático muito utilizado
principalmente no comércio, a pratica profissional está mais direcionada ao ensino
Técnico.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Mesmo a educação sendo de suma importância na trajetória da humanidade


muitas vezes e em muitos lugares é difícil dar início e mais difícil ainda concluir os
estudos. Isso se dá em decorrência de vários fatores e principalmente quando a fadiga
de um dia tumultuado de trabalho é celebre companheira nos estudos. Essa realidade
pôde ser constatada nas turmas alvos de nossa pesquisa, pois aos poucos o interesse
nos estudos foi diminuindo 5 meses após o início das aulas já podíamos contar o
índice de evasão, ao tentar saber o motivo pelos quais os alunos estavam deixando de
assistir as aulas obtivemos respostas como: “Não estou tendo tempo de estudar em
virtude do trabalho!; Vou parar pois não consigo entender o que os professores dizem;
Não tá dando professor, o senhor(a) vê eu mais durmo que acompanho as aulas; Ano
22

que vem eu começo e vou até o fim, mas este ano não dá!”, assim tivemos evasão nas
turmas da Terceira Etapa que contabilizaram 40 alunos sendo 8 da Turma A, 10 da
Turma B, 10 da Turma C e 12 da Turma D, em sua maioria os que desistiram foram os
mais jovens.

Dos alunos da Quarta Etapa a evasão foi um pouco menor e contabilizaram 35


alunos, sendo 12 da turma E, 08 da turma F e 15 da turma G, novamente aqui os
jovens são maioria. Se somarmos a quantidade de alunos que desistiram dos estudos
em todas as turmas, chegaremos à marca de 75 alunos, ou seja, duas turmas. Dentre
os que permaneceram, os de mais idade são os mais focados nos estudos, pois
mesmo estando cansados do trabalho participam de todas as atividades propostas,
interagem com o professor e com a turma atitudes que se refletem nas avaliações.
Contrariando nossas expectativas ainda houve evasão nas turmas da Quarta Etapa,
foram 06 na turma F e 07 na turma G, partindo destes dados podemos agora precisar
a quantidade de alunos que avançarão ao Primeiro ano do Ensino Médio no ano de
2015.

CONCLUSÃO

Ao analisarmos os dados constantes na pesquisa pudemos então realizar


nossas conclusões, estas baseadas nas 07 turmas sendo 04 da Terceira Etapa e 03
da Quarta Etapa da EJA, durante o ano de 2014, nosso objetivo era saber quanto
alunos chegariam ao Primeiro ano do Ensino Médio a ser cursado em 2015. Dos 177
alunos das 04 turmas da Terceira etapa 137 avançaram à Quarta Etapa, contudo ao
somarmos os alunos que se evadiram durante o ano nas quatro turmas chegamos ao
total de 40 alunos, ou seja, 22,59%.

Entretanto nosso objetivo era saber quantos alunos da Quarta Etapa


chegariam ao Primeiro ano do Ensino Médio, ao analisarmos os dados verificamos
que das 03 turmas que totalizavam 137 alunos, durante o ano 48, ou seja, 35,03%
evadiram-se isso é uma turma completa, restaram então 89 alunos que avançaram
para o Primeiro ano do Ensino Médio isso é 64,96% para os professores essa é uma
grande vitória, pois os alunos que permaneceram conseguiram vencer todos os
problemas e começam a partir de agora uma nova fase da vida educacional. Muitos
alunos disseram que se não fosse a EJA eles não teriam conseguido concluir o ensino
Fundamental II e chagar ao Ensino Médio,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
23

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental.


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº9394/96 Brasília. MEC/SEF,
1996.

COSTA, Clarice Gomes, Desafios da EJA em face das transformações do


trabalho, Revista Lugares de Educação [RLE], Bananeiras/PB, v. 3, n. 6, p. 90-103,
Jul.-Dez, 2013. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br>. Aceso em: 13 nov 2015 as
10:22:56h.

FREIRE, Paulo. A educação como pratica da liberdade. 23ª Ed.. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1999, p.40.

FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler: Em Três Artigos que se Completam.


23. ed. São Paulo: Cortez, 2006, p.9. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br>.
Acesso: 15 abr 2015 as 11:22:52h

MUSIAL, Gilvanice Barbosa da Silva. O Conceito de Trabalho na Educação de


Jovens e Adultos. Disponível em: <http://pp.ufu.br>. Acessado em 14 jul 2015 as
10:02:22h.

RIBEIRO, Rosiane da Silva e TAVARES, Helenice Maria; Resgata da EJA numa


perspectiva de letramento. Disponível em: <http://catolicaonline.com.br>. Acesso 11
set 2015 as 15:16:22h.

ROSIANE, da Silva Ribeiro e HELENICE, Maria Tavares, Resgate da EJA numa


perspectiva de Letramento, Trabalho apresentado como requisito parcial para
conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Católica de
Uberlândia. Disponível em: <http://catolicaonline.com.br>. Acesso em: 12 jul 2015 as
15:36:20h.

INDÍCIOS SOBRE O ENSINO DA MÚSICA SACRA NO CONVENTO DA


ORDEM DE N.SRA DAS MERCÊS, EM SANTA MARIA DE BELÉM DO GRÃO
PARÁ NOS SÉCULOS XVII e XVIII.2

SILVA, Thais Cybelle Araujo3

2
Resumo expandido do Projeto de Pesquisa desenvolvido no Mestrado em Educação, vinculado à linha “Saberes
Culturais e Educação na Amazônia” – PPGED/UEPA.
24

RESUMO

O presente trabalho refere-se ao projeto de pesquisa desenvolvido no Mestrado em


Educação, que se propõe investigar os indícios do ensino da música sacra, como
parte da estrutura de pedagógica praticada no Convento da Ordem dos Mercedários,
em Santa Maria de Belém do Grão Pará, tomando como principal referência de tal
atividade, o Rituale Sacro4 musical compilado por Frei João da Veiga, no séc. XVIII.

PALAVRAS CHAVES: Mercedários, Educação, Música, Grão-Pará.

INTRODUÇÃO

O processo de introdução do ensino da música sacra em Santa Maria de


Belém do Grão-Pará, nos séculos XVII e XVIII, perpassa, especialmente, pela
compreensão das atividades educacionais e catequéticas implementadas e
desenvolvidas pelas ordens religiosas que aí se estabeleceram: Jesuítas,
Franciscanos, Carmelitas e Mercedários.

A Ordem das Mercês5, foi convidada pelo desbravador Pedro Teixeira para se
instalar na referida cidade, e constituir convento, quando este esteve em Quito,
chegando em Belém do Grão-Pará em 1639, e a partir daí, desenvolveram atividades
catequéticas e pedagógicas com os povos indígenas e filhos dos colonos, sendo a
música um dos meios utilizados neste processo de educação na Belém colonial
(SALLES, 1980).

Neste sentido, o presente resumo expandido do projeto de pesquisa se propõe


trazer alguns apontamentos que evidenciam o ensino da música pela Ordem dos
Mercedários, como parte integrante da estrutura educacional praticada em seu
Convento, ao longo dos séculos XVII e XVIII.

METODOLOGIA

3
Pedagoga (UEPA), Bacharel em Direito (UFPA), Bacharel em Música (UEPA), Musicóloga (RABASF), mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA, orientanda da Profª Dra. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de
Souza Avelino de França.
4
Livro com o registro das músicas executadas pela Ordem dos Mercedários em ações litúrgicas, no convento de
Belém.
5
A Ordem Real, Celestial e Militar de Nossa Senhora das Mercês para a Redenção dos Cativos, também conhecida
como Ordem de Nossa Senhora das Mercês (Ordo Beatae Mariae de Mercede redemptionis captivorum), é uma Ordem
Romano Católica Mendicante fundada em 1218 por São Pedro Nolasco na cidade de Barcelona (Principado da
Catalunha, Coroa de Aragão - atual Espanha).
25

A pesquisa sobre o ensino de música sacra no convento da Ordem das


Mercês, na cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará desenvolve-se
prioritariamente pelo levantamento bibliográfico, documental em fontes
primarias, e investigação paleográfica e musical, e faz parte do Projeto de Pesquisa do
Mestrado em Educação, do programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado
do Pará.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A dinâmica da colonização na Amazônia perpassa por grandes movimentações


e disputas políticas de cunho internacional - com a unificação dos reinos ibéricos
(Portugal e Espanha) sob o domínio da casa dos Astúrias, anexando-se, assim a
colônia brasileira ao reino espanhol - bem como a chegada de colonos ingleses,
franceses e holandeses no litoral das Guianas, onde iniciaram relações comerciais
com os indígenas, e assim adentravam no território colonial brasileiro. (REIS, 1940)

Desta forma, a preocupação em realizar efetiva demarcação de domínio


territorial tornava-se urgente, e por este motivo, Francisco Caldeira Castelo Branco foi
escolhido para realizar a expedição pelo rio Amazonas, estabelecendo a fundação da
cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, em 12 de janeiro de 1616.

Com o surgimento deste novo polo de dominação português, também


chegaram as ordens religiosas6 que se encarregavam de cuidar da catequização e
europeização dos povos indígenas que ali habitavam. Assim, em 1639, o Capitão
Pedro Teixeira, trouxe de Quito dois Irmãos leigos e dois sacerdotes (Pe. Alonso de
Amirjo e Pe. Pedro de La rua Cirne) da Ordem de N. Sra das Mercês, para fundar o
primeiro convento mercedário no Grão Pará. (CASTRO, 1968).

Segundo Castro (idem, p 301), os Mercedários, assim como ocorreu em Quito,


no que diz respeito à educação, transformaram o convento de Belém num grande
centro de ensino, contando com uma grande biblioteca, com volumes que
contemplavam diversos campos do conhecimento: História, Geografia, Ciências
Naturais, Filosofia, Teologia, Direito Canônico, clássicos da literatura francesa, latina e
lusitana. Os noviços, além da biblioteca geral, também dispunham dos livros pessoais
de cada religioso. Salles (1980, p.36) aponta que, tanto os Mercedários como os

6
As primeiras ordens religiosas que chegaram em Belém foram os Franciscanos e Carmelitas (1617); após os
Mercedários (1639), e por último, os Jesuítas (1652). (SALLES, 1980).
26

Jesuítas, ministravam em seus conventos aulas de leitura, escrita e música; e que a


abundância alimentar e o som alegre dos cantos atraía os índios para o convento.

Os mercedários eram educadores, filósofos e oradores, músicos, coristas,


literários, e há indícios que desenvolviam prolifica atividade pedagógica, e mais
especificamente, musical, sendo, no entanto, extintos em 1794 pela coroa portuguesa,
apesar do bom serviço prestado à sociedade local. Ressalte-se que toda
documentação de registro ali encontrada foi levada para a Biblioteca Nacional em
1784 (TOCANTINS, 1963).

Fonterrada (2005, p.193) ressalta que, de um modo geral, a educação musical,


no Brasil, ocorria, essencialmente, a partir da prática musical e do canto, mesmo que
não houvesse um conceito de educação musical, tal como é compreendido hoje. Por
isso, as atividades musicais estavam ligadas ao modo europeu de educação e à
prática musical de igrejas, conventos e colégios. A educação musical do período
colonial, portanto, dava ênfase às formas e ao repertório europeus7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação sobre o ensino da música sacra, bem como da prática


educacional como um todo, na Belém colonial ainda se apresenta como um grande
desafio, pois as informações a respeito de tais atividades estão bastante esparsas na
literatura a respeito da Amazônia Colonial, e nas fontes primárias, que necessitam de
tratamento paleográfico para o estudo específico.

Assim, a presente pesquisa visa debruçar-se sobre as atividades de ensino


musical realizadas no Convento dos Mercedários, tendo como referência, e principal
evidência desta atividade, o documento primário intitulado Rituale/Sacri, Regalis, AC
Militaris Ordinis/ B.V. Mariae Mercede/Redemptionis Cativorum/ad usum/Fratum
Ejusdem Ordinis/Congregacione Magni Paraensi commorantium/jussu/R.P.
Praedicatoris Fr. Joannis da Veiga/in Civitate Paraensi ejusdem Ordinis
Commendatoris ela-/boratum, & lucem editum, que segundo Castagna (2001), é a
primeira publicação propriamente litúrgica realizada por autor brasileiro, bem como
investigar sobre a biografia de João da Veiga, responsável pela compilação da série
de cantos que compunham o ritual praticado pelos religiosos e aprendizes da Ordem
das Mercês radicados em Belém, e finalmente sobre a possível atividade pedagógico-

7
O estudo desse repertório evoluía do mais simples ao mais complexo, utilizando-se de exercícios de repetição e
memorização de conteúdos, bem como a averiguação de aprendizado.
27

musical desenvolvida pela referida Ordem, e sua influência na construção da


sociedade de Belém.

REFERÊNCIAS

CASTAGNA, Paulo. Cantochão e liturgia: implicações na pesquisa da música


católica latino-americana (séculos XVI-XX). IV Simpósio latino-americano de
musicologia, Curitiba, 20-23 jan. 2000. Anais. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba,
2001. p.199-222.
CASTRO, Emílio Silva. A ordem das Mercés no Brasil (1639-1965). In.:________.
Mercedários no Brasil ontem e hoje. Rio de Janeiro: 1968.
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música
e educação. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.
REIS, Arthur C. F. A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: Secretaria de
Estado da Cultura, 1993.
SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão Pará. Belém: Conselho Estadual de
Cultura, 1980.
TOCANTIS, Leandro. Santa Maria do Belém do Grão Pará. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1963.

A EDUCAÇÃO E A TUTELA DA CRIANÇA POBRE NO PARÁ ENTRE 1870


A 1910

Elianne Barreto Sabino- (UFPA)

Livia Sousa da Silva (UFPA)

RESUMO
O texto analisa o juízo de órfão e sua atuação na proteção e educação da criança da
família pobre entre os anos de 1870 a 1910. As fontes privilegiadas são os autos de
tutela, produzidos pela referida instituição. Com o objetivo de entender como o
judiciário, com o discurso de civilizar e modernizar a capital, utiliza a tutela como
dispositivo para alcançar tal propósito, atuando, sobretudo, na infância e na família
pobre no período em tela.
28

PALAVRAS-CHAVE: Educação; tutela, juízo de órfão. Pará.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisou o juízo de órfão do Pará como instituição
educativa da família e da infância entre os anos de 1870 a 1910. Este texto tem como
principal fonte os autos de tutela, produzidos pela mesma instituição. Por ser uma
fonte rica de informações cotidianas dos sujeitos históricos, essa documentação nos
permite adentrar no universo infantil, familiar e educacional de uma sociedade.
O objetivo geral era compreender a instituição juízo de órfão como uma
instituição preocupada em normalizar a família, proteger e educar a infância na capital
do Pará. Tendo em vista a sua relação com os ideários de formação do processo
civilizador das populações do norte do Brasil. Para Caulfield (1996), os juristas,
ansiosos por promover o aperfeiçoamento social e racial da população, viam no direito
uma justificativa, um método para intervir no desenvolvimento físico e moral da nação.
Se na Europa a nova escola prometida a “melhor moral da humanidade”, certamente
ela poderia ajudar os juristas brasileiros a reverter a degeneração física e cultural que,
de outra forma, poderia condenar o Brasil a uma perpetua inferioridade.
Desta Forma, o Estado na figura do judiciário, tinha necessidade do controle
e este é exercido junto ás famílias, buscando disciplinar a prática dos cuidados físicos
e morais dos filhos, ou seja, reorganizando as famílias em torno da conservação e
educação das crianças. Pesavento (2001), diz que à análise das fontes judiciais é um
caminho que “permitirá perseguir” os atores sociais que estão na contramão da
ordeme da vida, para que se possam resgatar os roteiros contraditórios da sua
incriminação, julgamento e educação.

METODOLOGIA
Para direcionar a pesquisa, elaboramos as seguintes questões que norteiam
todo o processo investigativo: 1) Quem era a instituição juízo de órfão, como surge e
com que função? 2) Qual a relação entre juízo de órfão, família e educação?. No
Plano teórico metodológico esta análise se ancorou em Michel Foucault, por
entendermos que é imprescindível pensar, o Juízo de Órfão, a (re) educação da
família e a educabilidade da criança pobre, por meio do judiciário, sem fazer referencia
ao conceito de dispositivo de poder, por ele explicado. Por dispositivo entende-se um
conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e
29

o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer
entre estes elementos (FOUCAULT, 1999, p. 204).
Para melhor subsidiar o estudo e definir os caminhos realizamos uma
revisão bibliográfica acerca do juízo de órfão e sua relação com a família e a educação
da criança órfã. Com esse resultado partimos para o levantamento nos bancos de
teses e dissertações das universidades federais e/ou daquelas que eram referência
em estudos na área, priorizando as universidades da região Norte. Ainda na internet,
tivemos acesso aos textos apresentados nos encontros e debates do GT 02, de
História da Educação (2000 a 2009), disponíveis no site da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e às edições eletrônicas da
Revista Brasileira de Educação (RBE), publicada pela ANPEd, entre 2000 e 2015.
Acessamos ainda diversas revistas eletrônicas e sites que continham artigos sobre
criança, infância, órfão, instituições, educação etc. Posteriormente, realizou-se uma
seleção que usou como critério os conceitos de pertinência, classificando o material
em “bibliografia chave” (aquela diretamente ligada ao tema pesquisado) e “bibliografia
adjacente” (aquela que se relaciona ao tema indiretamente, mas ajuda a compreendê-
lo e contextualizá-lo em diversos aspectos, como o histórico).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Juízo funcionou ininterruptamente no Pará desde a sua criação até o
momento de sua substituição pelo Juízo de Menores em 1930, é claro que nesse
decorrer de tempo o Juízo ganhou e perdeu incumbências. Para além das
transformações legais ocorridas dentro dos Juízos dos Órfãos, é possível perceber
como a população passará a usá-lo como meio para resolução de conflitos. Por isso, o
Juízo não só foi ganhando incumbências por conta das transformações que se
processavam política e socialmente, como também foi reconfigurado diante o uso que
da instituição se fazia.
Estruturalmente, o Juízo dos Órfãos era constituído pelo respectivo Juiz,
pelos Escrivães, pelo Curador Geral dos Órfãos, pelo Contador. Para a documentação
aqui trabalhada, não aparecem em seu corpo nem Avaliadores nem Partidores. Das
incumbências dos Juízes, a que aqui mais especificamente interessa é a de nomear
tutores para os órfãos observados como pobres e desvalidos. A concessão de tutela
era aplicada seguindo a lógica de seu conceito. Era esta, então,

o encargo civil conferido a alguém pela lei, ou em virtude de suas


disposições, para que se administre os bens, proteja e dirija as
pessoas de menores que não se acham sob a autoridade de seus
30

pais ou mães, quando a estas competem direitos que a lei atribui aos
pais sobre a pessoa e os bens dos filhos (BEVILÁQUA, 1956, p. 395).

Portanto, a partir desse discurso e da forma como se dava, era necessário


que todo o corpo da sociedade estivesse em conformidade com a lei, para poder
adentrar o Juízo. Assim, foi através e dentro da mesma máquina de Estado que ditava
regras e propunha verdades, que se engendraram as lutas por direitos travadas pela
parcela da população que buscou a lei. Vejamos o caso a seguir:
No dia 13 de maio de 19038, no juízo de órfão da capital do Pará, o senhor
Raymundo Dias dá entrada na 1ª Vara ao pedido de tutela da menor Natalina Ribeiro.
Na petição o referido senhor alega que a menor de idade de 13 anos, vive na casa de
uma mulher de reputação duvidosa. Depois que sua mãe Francisca Ribeiro acometida
pela cólera faleceu e seu pai era incógnito. Desta forma sua justificativa era a
necessidade de cuidado e educação de que a menor necessitava, para não cair no
vicio da rua e não se perder.
No dia 14 do referido mês o processo de Natalina é lido pelo curador geral
dos órfãos, que após verificar a situação na qual vivia a menor, concorda com a
concessão de tutela da mesma, para o referido Raymundo Dias. Porém nos autos do
processo em questão, está em anexo um termo de comprometimento do tutor já
nomeado sobre a obrigação em relação à educação da menor. Mais de um ano depois
em 25 de agosto de 1904 o referido senhor Raymundo Dias, cumprindo com sua
obrigação de tutor ao prestar conta ao juízo de órfão da capital anexa o documento do
grupo escolar de Castanhal no qual afirmava que a menor já se encontrava recolhida
no colégio no qual estava aprendendo as primeiras letras, como ler e escrever.
No período em estudo, o discurso de salvação, da criação e a educação
como redentora da degradação da infância era forte, sobretudo, no âmbito judiciário,
como percebemos na justificativa de Raymundo de livrar Natália do “vicio da rua” para
não se “perder”. No decorrer das analises dos autos de tutela, identificamos uma
diferença entre o que era criação e educação/instrução. Com relação à primeira,
percebemos que estava atrelada a tarefas e cuidados realizados pela família, como
cuidado na alimentação, bons comportamentos e costumes, assim como a questão da
moralidade, vestimenta e alimentação.
Quando a palavra educação e instrução aparecem nos autos, sempre vem
seguida dos termos aprender a ler, escrever e contar o que era responsabilidades

8
Narrativa do auto de tutela da órfão Natalina Ribeiro. Juízo de Órfão de Belém do Pará. 1ªvara.
Tutela. Proc. nº. 572 de 1903. [manuscrito]. Belém do Pará, 1903. Localização. APEP.
31

atribuídas a escola, que por sua vez, também educavam e instruíram nos preceitos
religiosos, com ênfase a moral, dai o caráter civilizatório da educação. Para o juízo de
órfão do Pará, o fato de Natalia se encontrar recolhida no grupo escolar de castanhal,
era uma forma da menina está recebendo educação para não cair no vicio de roubar
ou se prostituir, dois elementos repugnados pelos juristas, por isso também a
constante vigilância na família pobre.
Mas para Bastos (2004), mesmo que a legislação previsse a
responsabilidade do tutor com relação a educação escolarizada para esses órfãos que
chegavam até juiz de órfão, observava-se que este não era o principal foco na prática
administrativa da justiça. Pois a educação desses órfãos, na contramão das luzes, isto
é, do ideário civilizatório iluminista, esteve mais atrelada à moralização e ao
ajustamento dos menores ao trabalho que a nova ordem social requeria.
Crudo (2005) oferece elementos para esta análise sobre o problema da
infância pobre que, desde a segunda metade do século XIX, ganhou visibilidade,
passando a incomodar as autoridades. Este quadro configurou no Brasil a consciência
de que a pobreza social era uma questão que deveria ser solucionada pelo Estado,
pois os menores abandonados deveriam ser vistos “menos como um problema da
caridade privada e mais como uma questão de responsabilidade pública” (CRUDO,
2005, p. 8).
Neste contexto, a educação pública vinha sendo discutida num movimento,
como indica Schueler (2001), “lento e progressivo de escolarização”, o qual tinha
maior ressonância nos “espaços urbanos”, espaços onde os debates, os projetos e as
medidas em prol da instrução e educação de crianças e jovens ganharam maior
notoriedade, logo, a escola se destaca como o lugar responsável por essa instrução e
educação da futura nação civilizada. O caso de Natalia, foi apenas um entre tantos
que fizeram parte do corpus documental de nossa pesquisa, mas que demonstra a
preocupação com essa criança sem pai e nem mãe que representava um perigo a
sociedade e ao projeto civilizador que se instaurava não somente no Pará, mas em
todo o território brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso relato neste ensaio nos levou a refletir sobre a responsabilidade que
recaia sob quem tutelava o órfão com respeito a educação. Pois estaria na sua
responsabilidade o futuro de um adulto que poderia ou não se tornar um criminoso
vivendo na ociosidade. Assim a educação seria a responsável contra a ignorância, ao
serem obrigados a dá essa educação escolarizada ao órfão ou menor, a nação estaria
sendo salva do atraso e trilhando caminhos para uma sociedade moderna. A pesquisa
32

nesse fundo mostrou toda a complexidade de relações existentes que cabia ao juízo
de órfão, principalmente com relação ao tripé: família, infância e educação. Não é
possível pensar um deles, sem trazer para reflexão os outros, principalmente, quando
o contexto histórico aqui discutido está em fase de gestação de uma nação, de um
povo e de uma identidade.
Assim, é sempre necessário buscar entender de qual perspectiva os
indivíduos contemplam a vida. Os autos de tutoria de órfãos são documentos que não
foram elaborados com a pretensão de contar uma história da infância e da educação.
Mas a análise crítica dessas fontes, entretanto, contribui para se ampliar os
conhecimentos sobre a história da infância e da educação no país, pois evidencia
situações vividas por uma parcela de crianças e adultos que constituíram um
segmento dos setores excluídos, em relação ao qual ainda há muito par ser estudado.
Só precisamos colocar mãos à obra e revirar as caixas empoeiradas do Arquivo
Público do Estado do Pará.

REFERENCIAS
BASTOS, Ana Cristina do Canto Lopes. Autos de Tutoria e Contrato de Órfãos (1891-
1920): Fonte para a História da Educação. In: III CONGRESSO BRASILEIRO DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. A Educação Escolar em Perspectiva Histórica. PUC.
Sociedade Brasileira de História da Educação. Curitiba, Paraná, 2004.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no
Rio de Janeiro da Belle Époque. 2. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2008.
CARDOZO, José Carlos da Silva. A tutela dos filhos de escravas em Porto Alegre.
Revista Latino-Americana de História, São Leopoldo, Unisinos, v. 1, n. 3, p. 88-98,
2012.
CORRÊA, Mariza. Morte em fami1ia: representações jurídicas de papéis sexuais.
Rio de Janeiro, Editora Graal, 1983.
CRUDO, Matilde Araki. Infância, trabalho e educação: os aprendizes do Arsenal
de Guerra do Mato Grosso. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no
Rio de Janeiro: 1918-1940. Campinas: Ed. Da Unicamp, 2000.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final
do século XIX. São Paulo: Nacional, 2001.
FOUCAULT, Michael. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro:
Graal, 1999.
33

MOREIRA, Maria de Fátima das Neves. A Infância no passado brasileiro. In: DEL
PRIORI, Mary et al (org.). 500 anos de Brasil: histórias e reflexões. São Paulo:
Scipione, 1999.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os sete pecados da capital. São Paulo: Hucitec, 2001.
SCHELER, Alessandra F. Martinez. A Associação Protetora da Infância Desvalida e as
escolas de São Sebastião e São José: educação e instrução no Rio de Janeiro do
século XIX. In: MONARCHA, Carlos. Educação da infância brasileira: 1875 - 1983.
São Paulo: Autores Associados, 2001.

A EDUCAÇÃO DE MENINOS NO INSTITUTO SANTO ANTÔNIO DO PRATA

SILVA, Gercina Ferreira da9.

RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a educação de meninos índios no
Instituto Santo Antônio do Prata na primeira década de seu funcionamento a partir do
Relatório educacional apresentado a Secretaria de Estado e Justiça, Interior e
Instrução Pública pelo diretor do Instituto Frei Daniel de Samarate no ano de 1905. O
Instituto de educação funcionou como internato para crianças de ambos os sexos com
base nos preceitos laicos e religiosos. Faziam parte dos ensinamentos dos meninos
Leitura, Cálculo, Escrita e Catecismo. As fontes documentais utilizadas neste trabalho
são Relatório de instrução pública (1905) e a obra de Palma Muniz (1913). Os teóricos
que darão suporte a este trabalho são: Castilho (2004), Nembro (1998), Burke (2011),
França e Rodrigues (2010). Os missionários capuchinhos ministravam além de
ensinamentos religiosos da catequese, instrução Moral e Cívica, trabalhos de
agricultura e indústria pastoril.

PALAVRAS-CHAVE: Meninos índios. Missionários Capuchinhos. Instituto de


Educação.

9
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. Integra o
Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia, da mesma universidade. E-mail:
ferreiragercina@gmail.com
34

INTRODUÇÃO

O Instituto Santo Antônio do Prata, foi criado em 1898, pelo frade capuchinho
Carlos de São Martinho com o financiamento do governo do estado sob os olhares de
Paes de Carvalho, governador do estado. O Instituto teve início com a educação para
meninos índios e chamava-se “Instituto da Infância Desvalida Santo Antônio do Prata”.
O Instituto de Educação Santo Antônio do Prata transformou-se em uma das mais
notáveis instituições educativas do estado do Pará, no final do século XIX. O Instituto
ficou prestando serviços à comunidade de Igarapé-Assú, onde era localizado até 1922
quando foi extinto e transformado em Colônia Agrícola Correcional e depois em
Lazarópolis do Prata, para atender pessoas portadoras de hanseníase. O Instituto de
Educação Santo Antônio do Prata era dirigido pelos frades capuchinhos e seu
programa de ensino era regido pelo governo do estado. Nesse sentido se impõe o
seguinte problema de pesquisa: Como era desenvolvido o ensino dos meninos índios
no Instituto do Prata no Pará na primeira década do regime republicano? Ao
compromisso de responder ao questionamento mencionado, elenco o objetivo de
analisar como se dava o ensino dos meninos índios no Instituto Santo Antônio do
Prata nos anos de 1898 A 1910.

METODOLOGIA
A Metodologia este trabalho traz a análise documental e bibliográfica
fundamentada em Rodrigues e França (2010), em que as autoras afirmam que uma
pesquisa documental utiliza-se de materiais que ainda não receberam um tratamento
analítico ou que pode passar por novas análises de acordo com os objetivos da
pesquisa, além de que ao se debruçar sobre a leitura de um documento histórico,
deve-se saber a sua forma material, o seu conteúdo, os objetivos de quem o produziu,
de quem o lê e interpreta.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES

Bibliograficamente buscarei problematizar as fontes escolhidas para a análise


do trabalho. Para isso utilizarei para colaborar nas análises da fonte alguns autores
como, Nembro (1998), Castilho (2004), Burke (2008), entre outros que darão suporte
para a realização desse estudo. Para facilitar a compreensão deste estudo trarei a
Nova História Cultural, que de acordo com Burke (2008), esta nova forma de escrever
a história vem como uma reação aos paradigmas tradicionais do fazer história. Desse
modo a história nos mostra a necessidade de se pesquisar em todos os contextos do
35

cotidiano e em variados assuntos. A “Missão Capuchinha do Norte do Brasil” tinha sua


sede principal o convento do Carmo, localizado no centro comercial de São Luís, no
Maranhão. Essa missão foi estendida para outros estados como o Pará, Ceará,
Amazonas e Piauí. O trabalho missionário é uma característica da ordem capuchinha
no país. Desse modo Castilho (2004), nos mostra que pelo Decreto de 12 de maio de
1894 a Missão teve sua autonomia e no Pontificado de Leão XIII foi aprovado um
plano elaborado pela Ordem Capuchinha que tinha como um dos objetivos de fundar
missões indígenas na Amazônia, também com a finalidade de proteger as fronteiras,
como queria o governo. Frei Carlos Roveda de São Martinho Olearo, nasceu em
Milão (Itália) em 1852 e faleceu em 1931. Chega ao Brasil no Natal de 1892, no
primeiro ano da missão e permanece por 39 anos até sua morte. É o “Pai fundador da
Missão”. Esse religioso que vem para o Pará, a convite do governador, aceita o
desafio de evangelização indígena na Amazônia. O governador é Paes de Carvalho.
Muniz (1913) relata que Frei Carlos apresentou um programa de catequese indígena
ao governador, tendo total apoio em escolher o melhor local, a fim de dar início aos
trabalhos. O local a ser escolhido foi sugerido pelo governador, o Alto Maracanã, que
fazia confluência com o rio Prata no Município de Igarapé-Açu. Na visita ao local Frei
Carlos, toma a decisão de lá sediar a missão, iniciando o trabalho com uma Colônia
agrícola. O motivo de começar com uma colônia agrícola, foi justamente para se
aproximar dos moradores do local, estabelecer amizade e instalar a missão. Para
Muniz (1913), todos os cuidados e procedimentos por ele adotados vieram a ser
somados em um grande empreendimento chamado “Núcleo Indígena Santo Antônio
de Maracanã”. No acordo feito com o governado do estado, o contrato com os frades
capuchinhos teria a duração de quinze anos e construíram residências, de internato
para meninos, escola, casas para os colonos, transporte dos missionários. Aos
religiosos, caberia a direção administrativa, escolar e técnica do estabelecimento,
ministração da catequese religiosa aos indígenas, ensino escolar elementar, de
instrução moral e cívica, e de trabalho de agricultura, avicultura e indústria pastoril. A
escola em pouco tempo contava com 27 meninos índios, entregues pelos pais, para
receberem os ensinamentos da fé cristã e das letras. Em 1902 o nome do Núcleo foi
substituído, por autorização do governo do estado, que se chamava Núcleo Indígena
Santo Antônio do Maracanã para Colônia Santo Antônio do Prata. Essa mudança de
nome faz com que o Instituto seja nomeado Instituto de Educação Santo Antônio do
Prata. O ensino elementar no Instituto seguia o programa oficial de ensino do governo.
Por ser uma escola vinculada ao estado ela apresentava em seu currículo disciplinas
que faziam parte do programa oficial. Os professores eram nomeados pelo estado
para assumirem seus postos nas escolas do estado. Esse detalhe se fazia diferente no
36

Instituto visto que os frades capuchinhos tinham a autonomia de nomearem


professores segundo suas necessidades e alguns dos religiosos também lecionavam.
O Instituto não se isentaria da fiscalização que o governa fazia todos os anos e a cada
final de ano letivo era apresentado um relatório de suas atividades educativas e o
desenvolvimento da colônia. No Relatório do Instituto no ano de 1905, escrito pelo
diretor frei Daniel de Samarate, apresentado ao governo do estado consta que na aula
superior as disciplinas ministradas eram Recitação, Escrita, Gramática, História,
Geografia, Aritmética, Ditado, Catecismo e Conduta. Na primeira classe foram
matriculados 8 alunos. Na segunda classe foram matriculados 13 alunos e ambas as
classes tinha premiação em relação as notas e eram classificados em 1º, 2º e 3º lugar.
Na aula Média as disciplinas ministradas eram Leitura, Ditado, História, Aritmética,
Escrita, Recitação, Catecismo e Conduta. Na primeira classe foram matriculados 4
alunos. Na segunda classe foram matriculados 18 alunos. Na aula inferior as
disciplinas ministradas eram Leitura, Escrita, Contas, Catecismo e Conduta. Na
primeira classe foram matriculados 10 alunos e na segunda classe 16 alunos. Na aula
de Música eram ministradas as disciplinas de Teoria, Prática e Execução. Na primeira
classe foram matriculados 7 alunos e na segunda classe 11 alunos. Em todas as
disciplinas faziam-se relação ao desempenho do aluno através das notas por eles
alcançado para a premiação em 1º, 2º e 3º lugar. As aulas no ano de 1905 começaram
em janeiro e com aulas de Letras e Música, seguindo-se o programa oficial das
escolas elementares. À tarde os meninos frequentavam, em parte, as aulas de música
e canto, e ocupando-se dos demais serviços manuais como limpeza e asseio e na
aprendizagem de ofícios caseiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Instituto Santo Antônio do Prata teve um papel fundamental na educação no


século XX no estado do Pará. Sua proposta desde o momento de sua criação era o de
educar meninos e meninas indígenas no projeto de catequese em parceria dos
religiosos capuchinhos e o governo do estado. O Instituto esteve durante seus vinte
anos de existência em parceria com o estado e manteve o programa educacional do
governo paraense, colaborando com o cenário da educação na região norte do Brasil.
Durante sua existência manteve o nível elevado de educação atendendo crianças e
jovens carentes na dificuldade de se deslocarem para a capital do estado para estudar
como também muitas famílias advindas das regiões próximas do estado e fora dela,
no programa de governo para colonização do estado. O Instituto do Prata foi
administrado por três governos iniciado por Paes de Carvalho, Augusto Montenegro e
37

João Coelho. Em todos os anos que esteve em funcionamento era fiscalizado pelos
inspetores do governo e cumpria com as leis educacionais e sempre com grande
demanda de alunos nas três categorias de ensino.

REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Tradução Sergio Goes de Paula. -


2.ed.rev.e ampl.- Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

RODRIGUES, Denise Simões; FRANÇA, Maria do Perpétuo Socorro G. S. A. A


Pesquisa Documental Sócio-Histórica. In: MARCONDES, Maria Inês; TEIXEIRA,
Elizabeth; OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Metodologias e técnicas de pesquisa
em educação. Organizadoras: Belém: EDUEPA, 2010.

CASTILHO, Irmã Maria Utília. Uma História de amor. (Feita de luzes e sombra)
1904-2004. Fortaleza, 2004.

MUNIZ, João de Palma. O Instituto Santo Antônio do Prata. TYP da livraria


Escolar, 1913. 82 p.

NEMBRO, Metódio. Frei João Pedro. Missionário Capuchinho Superior e


Fundador. Volume I e II. Tradução de Antônio Angonese. Editoras Vozes, 1998.

Legislação PARÁ. Relatório apresentado ao snr. Secretário de Estado da Justiça,


Interior e Instrução Pública, 1905: Tipografia do Instituto Lauro Sodré, 1905.
38

EDUCANDÁRIO “NOSSA SENHORA DOS ANJOS”: UM PROJETO


EDUCACIONAL DAS IRMÃS MISSIONÁRIAS CAPUCHINHAS 10

COSTA, ELIZABETH RODRIGUES DA11;


LIMA, MARIA DO SOCORRO PEREIRA12

RESUMO
A pesquisa intitulada “Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”: Um projeto
educacional das irmãs Missionárias Capuchinhas, objetivou analisar as motivações
que impulsionaram as missionárias Capuchinhas a fundarem o Educandário “Nossa
Senhora dos Anjos” no ano de 1953, na cidade de Abaetetuba-PA, assim como
identificar os possíveis interesses políticos implícitos na inauguração desse projeto
educativo. Amparada por um constructo teórico-metodológico de cunho bibliográfico e
documental, a pesquisa aponta que o Educandário “Nossa Senhora do Anjos” foi
inaugurado pelas Irmãs Terceiras Capuchinhas do Brasil. Nesse contexto, as
religiosas criaram um colégio voltado para educação de meninas, pautada
principalmente em bases religiosas da igreja católica. Além disso, a instituição
também tinha o propósito de formar a menina, com base no padrão feminino
propagado na época. Posto isto, o Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”, originou-
se com uma educação conservadora que refletia os valores defendidos pelas
Missionárias Capuchinhas.

PALAVRAS-CHAVE: Educandário; Missionárias Capuchinhas; Educação feminina.

INTRODUÇÃO

A cidade de Abaetetuba no ano de 1953 foi marcada pela chegada das Irmãs
Terceiras Capuchinhas do Brasil, as quais foram recebidas com muita euforia pelo
povo abaetetubense. A vinda dessas religiosas até o município trazia uma missão
educativa e religiosa que era muito aguardada pelos poderes locais e por grande parte
da comunidade. Esse apoio estava ligado à inauguração do Educandário “Nossa
Senhora dos Anjos”, que inicialmente foi designado para cuidar da educação de
meninas abaetetubenses.

10
A pesquisa em questão caracteriza-se como um recorte do plano de trabalho intitulado ““A Concepção Pedagógica Norteadora
da Educação de Meninas do Instituto Nossa Senhora dos Anjos (1970-1980) ”, o qual originou-se do projeto de pesquisa “História
e memória do Instituto Nossa Senhora dos Anjos: O impacto na ação educacional de meninas abaetetubenses (1953-1980)”.
11
Graduanda do curso de licenciatura Plena em Pedagogia, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Universitário de
Abaetetuba-PA, rodriguesbetheliza@gmail.com.
12
Prof. Dr. em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), soclimma@yahoo.com.br
39

Neste artigo, apresentaremos uma discussão sobre as motivações que levaram


as missionárias Capuchinhas a criarem o Educandário “Nossa Senhora dos Anjos” no
ano de 1953, na cidade de Abaetetuba, além de identificarmos com base na
documentação consultada, os possíveis interesses políticos implícitos na inauguração
desse projeto educativo.

Tomando por base a proposta pedagógica das Missionárias Capuchinhas, o


Educandário “Nossa Senhora dos Anjos” representava uma educação conservadora,
no intuito de formar meninas para atender ao padrão feminino idealizado na época.

METODOLOGIA

A pesquisa tem seu amparo teórico-metodologico nos pressupostos da Nova


História Cultural, por esta proporcionar ao pesquisador a compreensão de diferentes
fatos e acontecimentos singulares de uma determinada sociedade (CHARTIER, 1990).
Em vista disso, o presente estudo analisou a história do Educandário “Nossa Senhora
dos Anjos”, a fim de, compreender o motivo pelo qual as missionárias Capuchinhas
inauguraram o colégio no ano de 1953, e identificar os possíveis interesses implícitos
na inauguração desse projeto educativo no município de Abaetetuba.

Este trabalho consiste em uma pesquisa de cunho bibliográfico e documental,


tendo como principais fontes de interpretação e análise a documentação disponível
nos arquivos da própria Instituição.
Os instrumentos de pesquisa utilizados nesta produção foram: notebook,
impressora, pen-drive, entre outros materiais de registros manuais, os quais
contribuíram para a coleta e análise dos dados.

DISCUSSÕES

A chegada das missionárias Capuchinhas ao município de Abaetetuba trouxe


novidades para o povo abaetetubense, o qual aguardava ansioso pela fundação do
colégio, a princípio chamado de Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”.

Segundo consta no Relatório e dados estatísticos do Ginásio “Nossa Senhora


dos Anjos” [s.d], o documento revela que o colégio foi criado pela Associação das
Irmãs Terceiras Capuchinhas do Brasil, no dia sete de março de 1953, no intuito de
contemplar os constantes pedidos das famílias abaetetubenses e do poder do
município. Nesse interim, foi cedido temporariamente o antigo prédio do “Grupo
40

escolar de Abaetetuba”, para que as religiosas inaugurassem o referido Educandário,


compondo os cursos infantil e primário, ambos devidamente pagos, com base nas leis
do Estado.

As fundadoras do Educandário “Nossa Senhora dos Anjos, consistia em um


grupo composto por de seis religiosas, chamadas de: Irmã Otávia Maria de Cabelo,
Superiora; Irmã Antonia Maria de Pedro II, Vigária, mestra de trabalhos e dirigente do
curso profissional doméstico; Irmã Zita Maria de Barra do Corda, Irmã Nazaré Maria de
Parnaíba, Irmã Domingas Maria de Fortaleza e Irmã Stela Maria de Itapipoca,
professoras. As quais consistiram na comunidade fundadora do colégio. (Fundação do
Educandário “Nossa Senhora dos Anjos, 1953).

A instituição inicialmente foi criada para atender apenas a formação


educacional de meninas, tendo em vista uma educação guiada por princípios
religiosos da igreja católica. Conforme o Estatuto do Educandário “Nossa Senhora dos
Anjos” (1953), referente aos cursos e disciplinas, dispostos no Art. 4º e 5º do estatuto,
revela que o Colégio ministrava sob regime de internar, semi-internar e externato,
dispondo dos seguintes cursos: pré-primário infantil, primário fundamental; primário
supletivo e profissional doméstico, identificando que no curso profissional doméstico,
as disciplinas se caracterizavam em: cozinha teórica e prática, corte e confecções,
bordados a máquina e a mão, pintura e flores; jardinagem e horticultura, lavanderia e
higiene, enfermagem e criação.

O estabelecimento também tinha a intenção de formar meninas, para se


tornarem futuras mulheres encaixadas nos ideais femininos da época. Como frisa
Borges; Silva e Machado (2012), o colégio, objetivava por uma educação que viesse
formar mulheres cristãs, que tivessem seus ideais voltados para o cuidado de seus
esposos, filhos e casas, seguindo o modelo proposto para uma mulher daquele
período.

Esse ideal de formação feminina pode ser identificado na fala do Sr. Arcebispo
Metropolitano, que esteve presente na cerimônia de fundação do Educandário “Nossa
Senhora dos Anjos”, junto com a comitiva advinda das Irmãs Missionárias
Capuchinhas, o qual segundo o documento de Fundação do Educandário “Nossa
Senhora dos Anjos” (1953), o Sr. Arcebispo nos seus agradecimentos e elogios pela
inauguração do colégio, diz que o estabelecimento formará muito cristãmente as
futuras mães abaetetubenses.
Tomando por base isso, o papel educativo e religioso das Missionárias
Capuchinhas no município de Abaetetuba, estava ligado a representação da mulher
41

naquele período, o qual configurava-se como importante requisito na formação de


meninas, para se tornarem mulheres encaixadas nos pressupostos idealizadores de
mulher cristã, do lar, de mãe e esposa aplicada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os anseios de grande parte das famílias abaetetubenses e dos poderes do


município, referente à implantação de um colégio que fosse orientado por princípios
religiosos, colaborou para a vinda das Irmãs Terceiras Capuchinhas do Brasil ao
município de Abaetetuba, com a missão de inaugurar o Educandário “Nossa Senhora
dos Anjos”, em sete de março de 1953, o qual ficou a priori no estabelecimento que
dantes era o Grupo Escolar de Abaetetuba.

O Instituto, a princípio, foi destinado somente para formação educacional de


meninas, visando prepará-las para se tornarem mulheres a seguirem um padrão
feminino, idealizado como exemplar naquele período. Com base nisso, indícios
revelam que o Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”, caracterizava-se como sendo
um estabelecimento, que dispunha de uma educação conservadora, baseada em
princípios religiosos e morais, tendo em vista a formação de meninas para se tornarem
mulheres cristãs, do lar, mães e esposas dedicadas, elementos que marcavam o ideal
feminino daquele período.

REFERÊNCIAS

BORGES, M. R. T.; SILVA, B. das G. S. da.; MACHADO, J. R. C. História do Ensino


de Ciências em Abaetetuba: Uma Releitura da Memória Docente Sobre a Irmã
Stella Maria de Itapipoca. In: Fórum Internacional de Pedagogia (FIPED) IV, Paraíba
– PI/Brasil Campina Grande, REALIZE Editora, 2012. p.1-15.

CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Trad. Maria


Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

Estatuto do Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”. Abaetetuba, 1953.

Fundação do Educandário “Nossa Senhora dos Anjos”. Abaetetuba, 1953.


42

Relatório e Dados estatísticos do Ginásio “Nossa Senhora dos Anjos” Desde o início
de sua fundação [s.d].

MEMÓRIAS DA INTERNAÇÃO: EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS DA


COLÔNIA DE MARITUBA EM NARRATIVA DE MEMÓRIAS DE UM EX-INTERNO
(1940-1970)

CRISTO, Moises Levy Pinto13; FRANÇA, Maria do Perpétuo Socorro G. S. A14.

RESUMO
O presente estudo visa refletir sobre a contribuição da narrativa de memória de um ex-
interno para reconstituir a história do Hospital Colônia de Marituba/PA, nos anos de
1940 a 1970. O local funcionou em formato de uma Instituição total, onde segregou
centenas de vidas que foram isoladas compulsoriamente por diretrizes de saúde
pública nacional e regional. Em estrutura de Hospital-cidade, abrigou pessoas para o
tratamento da hanseníase, marcado por estigmas, memórias, histórias e saberes.
Momentos únicos, silenciados e pouco explorados. Utilizamos como materiais para a
construção desta análise uma entrevista de um ex-interno da instituição e imagens
sobre a instituição. Como aporte teórico os autores: Bresciane e Narxara (2004), Bosi
(1998), Burke (2017), Goffman (1994), Halbwacs (2003), Meihy e Holanda (1997). A
narrativa em conjunto com as imagens do Hospital Colônia de Marituba/PA são
marcadas por ensinamentos e testemunhos de pessoas, que vem depor daquilo que
viu, diante do eu que não viu, revelando a experiência de vida de uma pessoa que fez
parte de um grupo que foi silenciado pela história Brasileira, o hanseniano.

PALAVRAS CHAVES: Memória, Narrativas, Hanseníase, Marituba-PA.

INTRODUÇÃO

13
Mestrando no programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará – UEPA, na
Linha de Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Belém/Pa.
Moiseslevypintocristo@gmail.com;
14
Professora orientadora com Pós-Doutorado em História da Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Belém/PA. Socorroavelino@hotmail.com
43

O presente artigo é recorte da pesquisa de dissertação de mestrado em


andamento, na Linha de Saberes Culturais e Educação na Amazônia do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. Este artigo visa
discutir as contribuições da memória nos processos de reconstituições historiográficas.
Memória que está carregada de sentimentos referente a um tempo vivido.
Memórias que trazem em si o saber de um passado que é vivificado em cada
rememoração trazida pelo sujeito.
O artigo vem propor o uso de narrativas e imagens, considerando-as como
ensinamentos e “testemunhos” de pessoas experientes, que “vem depor daquilo que
viu, diante do “eu” que não viu” (HALBWACHS, 2003, p.29), que alheado a imagens,
podem contribuir em processos historiográficos de tempos pouco explorados.
A antiga cidade-hospital, que esteve imersa em campanhas de
desenvolvimento nacional, estimuladas no governo Vargas (1935-1945), onde no
período de 1930 foram fomentadas a construção de asilos-Hospitais que abrigariam os
infectados pela lepra 15. (BRASIL, 1950)
Neste período de governo, somaram-se, em construções e ampliações, um
total de 40 hospitais-colônias em solo brasileiro, dentre eles, emergia o Hospital
Colônia de Marituba, inaugurado em 15 de Janeiro de 1945, no estado do Pará. Em
formato de instituição total (GOFFMAN, 1974), o local que abrigou centenas que vidas
para o tratamento de uma endemia, a lepra. Espaço marcado por estigmas, memórias,
histórias, saberes, momentos únicos que estão silenciados e pouco explorados.

METODOLOGIA
O estudo está demarcado no campo da história oral. Para a construção do
presente trabalho, utilizo uma narrativa de um ex-interno, apresentado no texto com as
iniciais Z.M., onde estas narrativas de memórias “se equiparariam aos outros suportes,
sejam: escritos, estatísticos ou iconográficos” (MEIHY E HOLANDA, 1997, p.67). “E
aqui as palavras tecem as histórias de vida, redesenham o passado para que os olhos
de hoje possam ver e conhecer, admirar e aprender”. (EIRÓ, 2017, P. 93)
Alheadas as narrativas, acrescento o uso de algumas imagens coletadas ao
longo da pesquisa. Diante do exposto, procuramos lançar mão dos mais variados tipos
de evidências (BURKE, 2017).

COLÔNIA DE MARITUBA: UM LUGAR SOCIOEDUCATIVO

15
O termo lepra utilizado no corpo do trabalho não possui o sentido pejorativo da palavra,
apenas faz referência aos documentos do período. O termo lepra deixou de ser utilizado a
partir da lei Federal Lei Federal nº 9.010/1995, onde foi substituído pelo termo Hanseníase.
44

Em meio as memórias recônditas, emerge o hospital Colônia de Marituba/PA,


como um terceiro espaço do Estado do Pará direcionado a segregação de pessoas
infectadas pelo mal de Hansen. Distante a 12 quilômetros da capital Belém, o local foi
idealizado por Souza-Araújo – importante médico leprologista do período, o mesmo
que também idealizou a Colônia do Prata em Igarapé-Açú em 1924-, tendo início de
suas construções o ano de 1938, destinada inicialmente a 1000 doentes.
A instituição teve sua inauguração em 15 de janeiro de 1942. Governo federal
investiu a quantia de quatro mil contos, sendo construído em uma área vastíssima da
vila de Marituba, com terreno próprio para agricultura – espaço pensado em produzir
sua própria subsistência. (FOLHA DO NORTE, 1942)
Compreender certos períodos por meio de recordações pessoais– memória e
imagens-, seria refletir sobre as narrações, rancores, vinganças, fantasmas de morte e
incertezas, encontrando em reticências de um passado distante cronologicamente,
mas presente em meio às memórias dos ex-internos (BRESCIANE E NAXARA, 2004).
Encontramos estas incertezas em meio as narrações de Z.M., que se internou aos 19
anos de idade, após realização de exames que o classificaria como hanseniano.

Eu tinha umas manchas pelo corpo [...] ficava inchado que não
conseguia trabalhar. Fiquei internado na Santa Casa 1 mês e 3 dias,
sem diagnóstico. Nós fomos pro Souza-Araújo (dispensário) e deu
positivo no diagnóstico. Fiquei horrorizado. A minha família eram bem
poucos que tinham medo. (Z.M., 2018)

A certeza estaria em fazer um tratamento proposto pelo Estado em favor de


uma doença. Mas incerto seria seu futuro e de muitas outras pessoas que ainda iriam
contrair uma doença marcada pelo terror e preconceito. A instituição funcionou em
regime ditatorial, com demarcações de tempo para a realização de atividades dos
internados, como vemos na narração de Z.M:
Tinha uma espécie de zelador. O finado Jato. Quem coordenava.
Geralmente chegava, pra ver o quarto, olhava pra ver se estava tudo
limpo os banheiros, porque quem limpava era o próprio morador.
Tinha ordens de não poder sair, ir pras festinhas. O café da manhã
eras as 7:30, quem fosse depois estava descartado, não tinha mais.
Aí o almoço 11:30. 2:00 horas da tarde eles chamavam de silêncio. O
jantar era mais cedo 17:00. (Z.M., 2018)

Podemos observar em meio as narrações, o cotidiano da Instituição foi


marcado horários e afazeres domésticos, assim como o controle foi estabelecido um
cronograma para alimentação. Estas memórias, segundo Bresciane e Naxara (2004,
45

p. 41), “encontra-se prisioneira da história ou encurralada nos domínios do privado e


do íntimo, transformou-se em objeto e trama da história, em memória historicizada”.
Os testemunhos sobre o cotidiano institucional, seguem em meios as memórias
das intérpretes. Por meio a imagens e memória, estabeleceu-se o ponto de contato
(HALBWACS, 2003), para que assim as lembranças encontrem um fundamento
comum.
As experiências e rememorações que o ancião traz em registros do que
se passou, possibilita-o em meio a memória, desenvolver imagens do passado
(BOSI,1994). Essas recordações, descrevem como se deram algumas experiências
educativas,
A dona Nadir (enfermeira chefe) me chamou “tu não quer ajudar na
enfermaria e tal?”, aí eu disse que não sabia fazer nada, aí ela disse
“ah! A gente vai te dar o treinamento”. Aí eu fui pro treinamento. Ela
ensinou a dar injeção, ela ia ensinando tudo, falando, depois passava
a afazer o treinamento no braço, no doente, ela aplicava e dizia como
era. (Z.M., 2018)

Além dos ensinamentos técnicos, haviam os festejos de datas comemorativas


como carnaval, festa junina, círio, desfile da Pátria, entre outras programações. Outras
apresentações ocorriam no Cassino da Colônia. O cassino -espaço de diversão-,
ocorriam apresentações de filmes, pássaros juninos, peças de natal, entre outros
eventos, tinham nele seu ponto de encontro social. Este espaço, só possuía os
Hospitais Colônias de grande porte (CASTRO, 2017), o que aponta a Colônia de
Marituba como um leprosário de grande porte.

CONSIDERAÇÕES
O interno foi marcado por inúmeras experiências ao longo de sua vida.
Experiências de amor, rancor, aprendizado, lutas e ressignificações. Memórias
narradas que assegura ao ancião a competência de rememorar, reconstituir e ensinar
aos ouvidos dispostos a escutar. Memórias de vidas que redesenham o passado para
que os olhos de hoje possam ver e conhecer. (EIRÒ, 2017)
Hoje, suas memórias, representa a possibilitar de contar de outra forma a
história dos vencidos. Agora triunfam como vencedores de um passado sofrido.
Vencedores, porque resistiram a um sistema punitivo institucional-estatal, e que por
meio da memória, podem traçar novos rumos de uma história turva.
Memórias que vêm apontar diversos aspectos que precisam ser estudados,
clarificados. Que estas evidências aqui escritas, sirvam de reflexão sobre um modelo
46

institucional implantado na Amazônia, assim como estimule mais pesquisas sobre a


temática, pois muitas são as lacunas histórica sobre a lepra no Pará.

REFERENCIAS
BRASIL. Manual de Leprologia. Publicado pelo Serviço nacional da Lepra, Rio de
Janeiro, Gráfica da “Revista dos Tribunais” S. A. 1960. Disponível em: em
http//bvsms.saude.gov.br/bvs/publicações/manual_leprologia.pdf. Acesso em 30 Abr.
2017.
FOLHA DO NORTE, Belém, 15 de Janeiro de 1942. Arquivo do setor de Obras raras
da Biblioteca Arthur Viana.
BRESCIANI, Stella. NAXARA, Márcia. Memória e (Re)sentimento: indagações
sobre uma questão sensível. Campinas/SP: Editora Unicamp, 2ª Ed, 2004.
CASTRO, Manuela. A Praga. São Paulo: Geração Editorial, 2017.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade lembranças de velho. São Paulo: Companhia
das Letras, 3ª ed, 1994.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: uso de imagens como evidência histórica.
Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
EIRÓ, Jessiléia Guimarães. As palavras nas memórias dos mestres: um resgate
do coração. In: FARES, Josebel A (org.). Memória de Mestre: Belém antiga em
narrativas de professores. Belém, PA: Editora Paka-Tatu, 1ª ed, 2017, p. 85-132.
GOFFIMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Trad. Dante Moreira Leite.
São Paulo: Perspectiva, 1974.
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo:
Centauro, 2ª Ed, 2003.
MEIHY, José Carlos Sabe B. HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer como
pensar. São Paulo: Contexto, 2ª Ed, 2017.
47

O ENSINO NA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ: POLÍTICAS PÚBLICAS EM


EDUCACÃO NAS DÉCADAS DE 1830 E 1840.16

ALMEIDA, Lucas Dassaieve da Costa; SOUZA, Caio de Lucas Oliveira. 17

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma trajetória do ensino e instrução pública
na província do Grão-Pará nas décadas de 1830 – 1840 e a importância do processo
educacional para se alcançar o progresso de acordo com o imaginário da época. Se
mostrará que especificamente nessas duas décadas é que se vai intensificar as
medidas para a instrução pública. As políticas educacionais adotadas, a começar
pelas de Bernardo de Souza Franco (1839-1840) foram significativas. A primeira e
muito importante medida que se destaca, foi a que determina a construção do Liceu
paraense, hoje a Escola Estadual Paes de Carvalho, que fora constituída em 1841,
sendo responsável pela instrução no Grão-Pará, de uma forma inicial.

PALAVRAS-CHAVE: ensino, instrução pública, educação no Grão-Pará.

INTRODUÇÃO

Seguindo a tendência geral do recém-formado império brasileiro de difundir o


ensino das ciências e das letras em todo o seu território, a província do Grão-Pará
funda a primeira escola da região desligada de ordens religiosas, em sintonia com a
tendência intelectual dominante, o positivismo, e a sua busca pelo progresso científico
e intelectual. Dado o novo contexto político do Brasil já independente, buscou-se o
distanciamento do modelo educacional colonial, segundo Manfredi (Apud SANTOS.
2015. p.1): “ A saída dos jesuítas acarretou a desorganização do sistema educacional
existente, por certo tempo, e nessa situação o ‘estado foi obrigado a montar outro
aparato escolar’”.
Ademais, demostra-se que é notório que somente a partir das décadas de
1830 e 1840, é que a instrução primária e secundária se deu na província do Grão-
Pará. O Liceu ou Lycêu foi o primeiro grande estabelecimento educacional público no
Pará. Através da Lei nº 29 de 28 de junho 1841, é que a instrução primária e
secundária se torna pública, e o artigo 11ª da mesma lei determina a criação do Liceu

16
Trabalho curricular.
17
Graduando do curso de licenciatura plena em História. UEPA, Belém – Pará. caioloiveirasouza5@gmail.com;
Graduando do curso de licenciatura plena em História. UEPA, São Miguel do Guamá – Pará.
lucasalmeida.la968@gmail.com .
48

Paraense. A partir daí a história da instrução pública na província vem se


desenrolando.
Entre meados da década de 1840, as medidas tomadas pelas presidentes
províncias, vêm nos trazer que o papel da educação é singular para o seu
desenvolvimento. O tema progresso era um conceito bastante trabalhado no século
XIX, entretanto, para que se alcançasse o progresso, era necessário se passar por
etapas fundamentais e uma delas era a educação. Diz Malheiros e Rocha (2013,
p.123) “Neste contexto, a instrução pública ganha destaque como elemento propulsor
destes ideais de ordem, progresso e civilização presentes nos discursos da elite
dirigente imperial.”
Vale ressaltar, que o poder central, onde na época era representado por D.
Pedro II, não estava muito interessado com a instrução da massa (a população mais
pobre, formada por negros, índios e mestiços) do Brasil, estima-se que apenas uma
pequena parcela da população era alfabetizada e esta era somente 1,8%. (SILVA;
MAZZUCO, 2005).
“A educação do povo não era laica nem pública e estava
praticamente abandonada. Para ilustrar, retoma-se alguns dados do
quadro geral do ensino em 1888. Este era acessível a tão somente
1,8% da população. A quantidade de analfabetos chegava a 85%,
sendo que dos 15% de alfabetizados, se forem relacionados somente
os que eram letrados, a porcentagem é infimamente sumária.”
(ROMANELLI, 1985 apud SILVA; MAZZUCO, 2005).

E acrescenta Tirsa Regazzini Peres com números mais palpáveis acerca,


somente da instrução primária em seu artigo Educação Brasileira no Império:

De uma outra perspectiva, as estatísticas referentes à instrução


primária evidenciam a distância que diferenciava a elite e o povo, os
poucos letrados e eruditos e o enorme contingente de analfabetos.
Em1867, segundo os cálculos de Liberato Barroso, cerca de 107.500
era o total de matrícula geral nas escolas primárias em todas as
províncias, para uma população livre de 8.830.000.
Aproximadamente, dos 1.200.000 indivíduos em idade escolar,
apenas 120 mil recebiam instrução primária, ou seja, a décima parte
da população, ou ainda um indivíduo por 80 habitantes (AZEVEDO,
1958 apud PERES, 2005).

Percebe-se, portanto, que a necessidade de haver políticas que fomentasse o


ensino primário e secundário no Brasil, era muito grande. É claro que a elite brasileira
não concordava em partes que toda população fosse alfabetizada.
Dessa maneira, este trabalho tem como objetivo a construção do conhecimento
histórico acerca da instrução educacional na região amazônica, mais especificamente
no estado do Pará, com o intuito de contribuir para o adensamento da bibliografia e
49

dos estudos no que concerne às políticas educacionais na região amazônica e mais


especificamente no território paraense.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada será a narrativa-descritiva e a pesquisa bibliográfica,


baseadas na leitura de artigos e livros que se relacionam, exploram ou abordam a
história da educação na região amazônica, mais especificamente na região paraense.
Buscou-se analisar com coerência e imparcialidade o tema apresentado, sendo
fiel às fontes bibliográficas e fazendo uma apresentação coerente com o tema
proposto. Far-se-á e ratificar-se-á autenticidade dos documentos analisados para que
haja ética e compromisso para com o leitor.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O presente trabalho se fundamenta teoricamente no estudo de Gondra e


Schueler (2008) acerca das raízes do sistema educacional do império luso-brasileiro
ao longo de todo o território português na América. Os autores abordam a questão das
influências do despotismo ilustrado nesse novo contexto político no qual o Brasil
estava inserido, segundo eles, um programa educacional vindo da Europa e
fundamentado no iluminismo francês adaptado aos interesses do Império Português e
aos interesses do Antigo Regime fora introduzido no território brasileiro com o intuito
de criar um império forte e intelectualizado. Vale ressaltar que esse sistema
educacional estava voltado para a aristocracia luso-brasileira que iria fazer parte da
cúpula do governo imperial e das governanças regionais.
Nesse contexto, pós-reformas pombalinas (1759-1772) são enviadas
para a então colônia 17 mestres régios encarregados de elevar o nível educacional e
promover a reformulação da educação, esses são distribuídos pelo território brasileiro,
nas cidades de maior importância política e econômica, entre essas, Belém do Pará
(GONDRA; SCHUELER. 2008). Desse modo, pode-se destacar a análise do contexto
geral do império brasileiro no que concerne a políticas públicas voltadas para a
educação ao longo do texto usado como referencial. Assim, buscando-se o
entendimento geral para partir para as especificidades locais embasados na
bibliografia em sua maioria produzida por autores regionais que tiveram acesso a
fontes documentais para fundamentar os seus trabalhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
50

Portanto, o objetivo desse estudo é a busca pela trajetória das políticas


públicas voltadas para a educação paraense, especificamente nas décadas de 1830 e
1840. É necessário lavar em consideração que historiografia mais conhecida, acerca
da educação, sempre visou escrever o que ocorreu na capital do império brasileiro e
as províncias de maior representatividade econômica. Existe uma considerável
produção historiográfica concentrada nesses e acerca desses centros de maior
poderio econômico e político ao longo da história do Brasil, entretanto ainda é pouca a
produção de regiões de menor influência como a região paraense, se comparada a
estudos feitos em outras então províncias do Brasil. O cerne da problematização
desse artigo se dá no questionamento e na busca de respostas acerca de como se
deu a constituição do sistema educacional paraense e suas políticas públicas para a
difusão do ensino no território da província.
Espera-se, com esse artigo, que se possa contribuir para a compreensão da
mentalidade governamental acerca das políticas educacionais em uma sociedade
escravocrata, altamente estratificada e desigual, voltada para o extrativismo e de
grande relação econômica com a metrópole portuguesa mesmo após a diáspora da
corte portuguesa (1808).
Dessa maneira, ajudando a contribuir para a historiografia no campo
educacional paraense e que de maneira sucinta faça o leitor compreender uma
pequena parte da história da educação de seu locus.

REFERÊNCIAS

GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade


no Império Brasileiro. In:___. Formas do Brasil e Formas da Educação. Sao Paulo:
Cortez, 2008.

MALHEIROS, Rogério Guimarães; ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. A PROVÍNCIA


DO GRÃO-PARÁ EM UM PERÍODO DE ACELERADAS TRANSFORMAÇÕES (1840
A 1870). In: Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 6, n. 1, jan.-jun., 2013.

MAZZUCO, Neiva Gallina; SILVA, Sergio Almeida da. "HISTORIA E POLITICAS DE


EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO". In: Seminário Nacional Estado e Políticas
Sociais. 2., 2005. Curitiba, 2005.
51

PERES, Tirsa Regazzini. EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO IMPÉRIO. In: PALMA


FILHO. J. C. Pedagogia Cidadã – História da Educação – 3ª ed. São Paulo:
PROGRAD/INSP/ Santa Catarina, 2005, p. 29-47.

SANTOS, José Arimatéia Gouveia dos. Escola Rural D. Pedro II: Introdução de
técnicas e conhecimentos modernos no ensino agrícola na Província do Grão-
Pará (1860 a 1864). XXVIII Simpósio Nacional de História. 2015.

OS COLÉGIOS JESUITAS NA AMAZÔNIA COLONIAL: UM MODELO DE


ENSINO BASEADO NO RATIO STUDIORUM

RODRIGUES, Marcelo Barge18

RESUMO
A presente pesquisa compreende os colégios jesuíticos instalados na Amazônia
portuguesa enquanto locais privilegiados de ensino e disseminação do conhecimento,
principalmente no que concerne a questão do aprendizado da Língua Geral indígena
e também ao aprendizado da matemática. Analisamos a estrutura de ensino destes
colégios a partir da teoria das centrais de cálculo proposta por Bruno Latour. Onde
entendemos que estas instituições de ensino serviam enquanto locais de acumulação
e disseminação do conhecimento adquirido no contato intercultural entre missionários
jesuítas e as populações indígenas que viviam em terras americanas no período
moderno. O ensino catequético também é analisado neste trabalho, tendo em vista
que a educação escolar e a religiosa estavam atreladas em suas práticas realizadas
em territórios coloniais americanos sob domínio português.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia, Colégios, Jesuítas, Língua Geral.

INTRODUÇÃO

O ensino nos colégios jesuítas era gratuito, mesmo com a alocação deles em
Portugal e nas áreas de missão fixadas em outros continentes. Há uma clara distinção
entre estes colégios, no que se refere ao pagamento ofertado aos professores e

18
Este trabalho foi desenvolvido como parte da pesquisa de Mestrado que está em curso no Programa de Pós-Graduação em
História Social da Amazônia (PPHIST/UFPA). O autor possui graduação em História (Bacharelado e Licenciatura), UFPA, Belém,
PA, elobarge@gmail.com.
52

atribuições que lhes eram referentes. No colégio de Coimbra os professores deveriam


ensinar a todos os alunos que se interessassem e cumprissem com os requisitos para
sua admissão. Já no caso dos colégios em área de missão, o dever principal do
professor era a missão evangelizadora, devendo assim conseguir efetivar a
catequização das populações nativas (Leite, 1949). Apesar da similaridade existente
entre o que era ensinado nos colégios jesuítas, há de se fazer a distinção entre os
colégios da América e da Ásia, principalmente no tocante a reprodução dos
ensinamentos às populações nativas. A diferença cultural que era vista pelos
religiosos entre os povos nativos destas duas áreas de missão tornava difícil a
reprodução do sacerdócio entre os indígenas americanos, visto que eles eram tidos
como inferiores culturalmente (Leite, 1949).
É importante sabermos que as regras e os métodos de ensino elaborados
pelos membros da Companhia de Jesus tinham como o principal de seus intuitos
servir a palavra divina e a propagação da fé. Por isso, os estudos não eram voltados
unicamente para a formação de religiosos, mas também para outras pessoas. Para
Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, a presença divina estaria contida
em todas as dimensões da vida humana. Para adquirir maior proximidade com os
conhecimentos acerca de Deus era necessário estudar diversos aspectos da
humanidade. Entre eles, a cultura, a ética e outros conhecimentos que seriam obtidos
através da educação. Por este motivo, os jesuítas se empenhavam em desenvolver
um projeto pedagógico que aliava o ensino não só de religiosos, mas também de
todas as pessoas (Kassab, 2010).

O advento das navegações propiciou a criação de uma gama variada de


conhecimentos necessários para este empreendimento. Como por exemplo, o domínio
sobre a matemática, a astronomia, a cartografia. Esses novos conhecimentos obtidos
através destas expedições propiciaram grandes debates dentro da Igreja Católica,
justamente pela incapacidade de alguns líderes da Igreja em não concordarem com o
conhecimento que estava sendo elaborado (Freire, 2007).
Dentro deste contexto de mudanças de paradigmas, os jesuítas desenvolvem
um método próprio de estudo e ensino. Para pensarmos a elaboração do Ratio
Studiorum é importante sabermos da forte influência humanista que os padres jesuítas
detinham. Sobre isto, os padres da Companhia de Jesus passaram a estudar as
disciplinas relacionadas com as línguas e a literatura clássica grega e latina. Para
estes religiosos todo saber humano era relevante para o aprendizado, os diversos
campos de conhecimento eram igualmente valorizados, mas principalmente no campo
53

das humanidades, onde a literatura, a filosofia e as artes possuem um lugar de


destaque (Storck, 2016).
O Ratio Studiorum apresenta em suas regras uma grande parte dedicada ao
estudo das línguas. A gramática é uma das disciplinas com um maior número de
estágios a serem aprendidos. Sendo assim, o exercício de revisão e prática se
apresenta como o principal norteador do ensino ali exposto. O texto é muito claro
quanto ao que deve ser feito e como deve ser feito, inclusive dizendo como o tempo
das aulas deve ser administrado. Nos níveis mais avançados, os alunos a todo
momento devem fazer traduções, revisar textos e exercícios realizados. O professor
também é outro que está em constante exercício, em vista do grande número de
atividades que são realizadas e corrigidas por ele (Farrel, 1970).
No campo das humanidades, prioritários nos colégios jesuítas, o latim figurava
enquanto uma das disciplinas mais importantes. Pois, a partir do amplo conhecimento
da língua latina era possível avançar nos estudos em níveis mais elevados no âmbito
das letras. Além do fato de que o latim, sendo uma língua amplamente difundida
dentro da Igreja Católica, possibilitava o aprendizado das lições por padres oriundos
das mais diferentes regiões do mundo (Toipa, 2003).
Outro ponto que merece destaque quanto à questão do Ratio Studiorum é a
presença do estudo da matemática dentro dos colégios. Os jesuítas foram
responsáveis pela disseminação deste tipo de conhecimento. Os padres que
possuíam as práticas dos cientistas da época influenciaram quanto à introdução do
ensino de matemática nos colégios. Cabe lembrar que entre as ordens religiosas
católicas, os inacianos foram os que mais se empenharam no desenvolvimento
científico (Vallina, 2000). Os reis portugueses também apoiaram a inserção do ensino
de matemática nos colégios jesuíticos, auxiliando na construção do colégio de Santo
Antão-o-Novo (Oliveira et all, 2017).

METODOLOGIA
Este artigo foi desenvolvido a partir de pesquisa documental em cartas escritas
por missionários da Companhia de Jesus durante os séculos XVII e XVII na Amazônia
sob controle colonial português. Havia o hábito corriqueiro de troca de cartas entre os
membros da ordem jesuítica, através delas os inacianos compartilhavam as diversas
experiencias adquiridas nas missões espalhadas pelo mundo. As cartas são
analisadas a partir da perspectiva metodológica da analise do discurso. Onde
entendemos que o discurso está ligado a ideologia do sujeito que o profere, este
sujeito é constituído social e historicamente (ORLANDI, 2008, p. 196), por isso
devemos analisar os conteúdos das obras jesuíticas levando em conta o lugar social
54

destes religiosos. No caso das cartas devemos dar especial atenção ao analisar o
remetente a qual elas são endereçadas, dependendo de seu destinatário o teor e
motivação delas eram diferentes. Outro ponto importante na análise das fontes
utilizadas nesta pesquisa é a concepção de que o discurso produzido pelos jesuítas
possuía um caráter de diagnóstico da realidade que não era dos mais animadores,
porém não seria inalterável. Onde na verdade, os inacianos seriam os mais
capacitados para modificar e intervir, como se a atuação dos mesmos fosse algo
premeditado (Pécora, 2008, p.4).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para analisar o desenvolvimento dos conhecimentos elaborados nos colégios


jesuítas, compreendemos aqui a concepção de centrais de cálculo, proposta por Bruno
Latour (2000). Onde entendemos que o conhecimento elaborado pelos padres jesuítas
foi processado dentro dos colégios. A rotina de estudos e o registro do conhecimento
obtido com as populações nativas, que passavam pelo processo de catequização, são
fatores que demonstram claramente o intuito de produção e disseminação de
conhecimento pelo mundo. Mais alguns bons exemplos da acumulação e do
processamento de novos saberes que se deu dentro dos colégios da Companhia de
Jesus no período moderno são: o acúmulo de informações dos mais variados tipos
adquiridos com as missões e a prática de trocas de cartas sobre as experiências
obtidas em territórios fora da Europa.
Um dos pontos basilares na teoria das centrais de cálculo é o que Bruno Latour
chama de ciclos de acumulação (2000). A produção das gramáticas de Língua Geral
elaboradas pelos missionários jesuítas nos mostra claramente este processo. Onde
temos a primeira gramática escrita pelo Padre José de Anchieta, a Arte de Gramática
da Língua mais usada na Costa do Brasil (1595), e a segunda elaborada por Luís
Figueira, Arte de gramática da língua brasílica (1687). O ciclo de acumulação se
apresenta nesta questão pois a gramática de Figueira teve como base a primeira de
Anchieta. Com isso, temos a clara percepção de que o conhecimento acerca das
línguas indígenas passava por um constante processo de acumulação, adaptação e
revisão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, podemos compreender que o papel desempenhado pelos padres
jesuítas, durante o período moderno, foi de crucial importância para a disseminação e
55

elaboração de novos conhecimentos. Os colégios jesuítas são parte fundamental


neste processo, pois eles são os lugares onde este conhecimento é elaborado e
difundido. A elaboração de toda uma pedagogia jesuítica visava dar conta da formação
destes religiosos para a prática de catequização das mais variadas populações
encontradas pelos missionários nas áreas de colonização na Amazônia. Um último
ponto que merece destaque é referente ao método de exercícios praticados pelos
jesuítas. A repetição era o cerne do processo de ensino e aprendizado, era necessário
sempre revisar os conhecimentos que estavam sendo ensinados e aprendidos.

REFERÊNCIAS
FARREL, Allan Peter. S.J. The Jesuit Ratio Studiorum of 1599. Washington, D.C.:
Conference of Major Superiors of Jesuits, 1970.

FREIRE, António de Abreu. Os jesuítas e a divulgação científica nos séculos XVI e


XVII. Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel
Antunes, Lisboa, agosto de 2007.

KASSAB, Yara. As estratégias lúdicas nas ações jesuíticas, nas terras brasílicas
(1549-1597), “para a maior glória de Deus”. 2010, 242 f. Tese (Doutorado em História
Social), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2010.

LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade


afora. Tradução de Ivone C. Benedetti; Revisão de tradução Jesus de Paula Assis,
São Paulo: Editora UNESP, 2000.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VII (Séculos XVII-
XVIII). Instituto Nacional do Livro: Rio de Janeiro, 1949.

OLIVEIRA, Natália Cristina de; COSTA, Célio Juvenal & MENEZES, Sezinando Luís.
Ciência moderna em Portugal: a “aula da esfera” no colégio de Santo Antão. Maringá,
v. 39, n. 3, July-Sept., 2017.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à vista – discurso do confronto: Velho e Novo Mundo.
2ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008.

PÉCORA, Alcir. Epistolografia jesuítica no Brasil, Grão-Pará e Maranhão. Revista


Estudos Amazônicos, vol. III, nº. 1, 2008, Belém.
56

STORCK, João Batista. Do Modus Parisienses ao Ratio Studiorum: os jesuítas e a


educação humanista no início da idade moderna. Hist. Educ. (Online), v. 20, n. 48
jan./abri. Porto Alegre, 2016.

TOIPA, Helena Maria Ribeiro Costa. A ratio studiorum do Colégio das Artes, nos
primeiros anos em que esteve sob orientação da Companhia de Jesus. Revista da
Faculdade de Teologia Lisboa, DIDASKALIA, n XXXIII, 2003.

VALLINA, Agústin Udías. Contribución de los jesuitas a la ciencia em los siglos XVI al
XVIII. Arbor CLXVII, 657 (Septiembre 2000).

PADRE GUIDO DEL TORO: MEMÓRIAS HISTÓRICAS DE UMA ESCOLA


QUE SE TRANSFORMOU EM HOTEL

BRAGA; Emanuelle da
Silva;
PINTO, Sérgio Renato Lima;
BRAGA, Walter da Silva;19

RESUMO
Fundamentado em Chartier (2002), Gilson (2006), França (2007), Salomon (2009) e
Castro (2017), este trabalho objetivou fazer um levantamento histórico da
transformação do espaço físico da Escola Padre Guido Del Toro (1980-2005) no
empreendimento Hotel Atrium Quinta das Pedras (2015), localizado no Bairro da
Cidade Velha na cidade de Belém, estado do Pará, região Norte. O objetivo deste
artigo científico foi traçar um estudo e dar a conhecer como se deu essa restauração
da edificação histórica para implementação do empreendimento em hotel, além de
retratar analiticamente essa transformação no seio da história recente da educação
paraense, bem como socializar esta pesquisa bibliográfica mediante estudos
realizados por meio de arquivos, sites e fotografias.

PALAVRAS-CHAVE: História da Educação. Memórias Históricas. Patrimônio Cultural.

19
Este trabalho resultou do fato curioso de um prédio escolar ser restaurado e implementado em um empreendimento
hoteleiro, gerando o interesse em construir um artigo acerca da questão, pelo fato de ter sido ex-aluno e ex-coordenador
pedagógico da referida Escola e hoje ser professor pesquisador.
Mestrando em Ensino de Ciências Ambientais (Profciamb - UFPA), Belém - Pará, walter.braga@yahoo.com.br
57

INTRODUÇÃO

Buscamos desenvolver um breve passeio histórico ao século XX, mais


especificamente entre as décadas de 70 a 90, para olharmos atentamente, e
observadora na História da Educação, buscando refletir acerca de uma tradicional
escola do bairro da Cidade Velha em Belém do Pará que com o passar dos tempos
fechou e se transformou em Hotel.
Partimos da perspectiva de que em educação o ser humano torna-se uma
constante mudança, tendo e possuindo um papel fundamental para sua existência;
sua organização contribui socialmente e permite o seu desenvolvimento, assim
buscamos desenvolver uma análise com relação a importância dada às questões
educacionais, como em duas décadas que acaba sendo considerado relativamente
pouco “tempo”, no que se refere ao aspecto da história, diante dos aspectos históricos
da humanidade que ocorreram a milênios.
Um prédio histórico que apresentou em sua trajetória ações em processos
educativos que contribuíram com a comunidade, tendo em vista que funcionou como
orfanato e já apresentava uma ação social e educativa com foco em uma filosofia
cristã. Desta forma concordamos com Gilson quando, o mesmo chama, pois, de
filosofia cristã toda filosofia que, embora distinga formalmente as duas ordens,
considere a revelação cristã uma auxiliar indispensável da razão (2006).
Portanto, perceber os “caminhos desenvolvidos por este prédio histórico”,
passando ao longo das décadas e deixando sua marca na história recente da
educação Brasileira, é o foco do desenvolvimento desse artigo científico.

METODOLOGIA
No desenvolvimento deste trabalho buscamos realizar uma pesquisa
bibliográfica e documental da Escola Padre Guido Del Toro (1980-2005), localizada no
Bairro da Cidade Velha em Belém do Pará, com a perspectiva de realizar uma reflexão
com relação aos caminhos da história da Educação no Estado do Pará. Tendo em
vista que a escola apresentava um grande trabalho junto à comunidade do bairro da
Cidade Velha, um dos bairros mais antigos de Belém e que após encerrar suas
atividades educacionais, deu início à uma grande reforma e adequação, passando em
2015 a funcionar como um empreendimento do ramo turístico e hoteleiro na região
Amazônica.
O presente trabalho permeou base de seu desenvolvimento também em
virtude do autor pesquisador possuir um vínculo estreito com a referida escola,
enquanto ex-aluno e ex-coordenador pedagógico, tempo que atuou entre as décadas
58

de 80 a 90. Entendemos como pesquisa bibliográfica e documental aquela pesquisa,


cujo desenvolvimento tomou por base estudos em livros, revistas e acesso em rede
eletrônicas, isto é, como base para análise para qualquer outro tipo de pesquisa
advinda de outros estudos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Tendo sua construção marcada em meados de 1970 o famoso prédio histórico


da Escola Padre Guido Del Toro, localizado na rua Dr. Assis, na altura do número 834,
próximo ao Arsenal de Guerra da Marinha, representou uma grande escola que ali
funcionou e contribuiu na formação durante décadas de funcionamento para crianças
e jovens que ali vivenciaram e desenvolveram sua escolaridade, assim marcando seus
nomes na história dessa tradicional escola.

Prédio construído em área pertencente à Prelazia de Ponta de Pedras, unidade


federativa pertencente a um dos doze municípios do Arquipélago do Marajó, este
arquipélago sabe-se que compreende uma área de aproximadamente 40.100 km², é
portanto, a maior ilha costeira do Brasil, sendo a maior ilha fluvio-marítima do mundo;
com relação a essa construção histórica, a mesma contou com aproximadamente
5.000 metros quadrados de área edificada.

Notadamente o bairro da Cidade Velha em Belém do Pará, no período áureo


do ciclo da borracha foi palco de grandes construções, transformações e mudanças no
aspecto social, influência que possibilitou por força desse período características
especificas ao bairro de acordo com França (2007). Desta forma, o prédio escolar
surge com características deste período e com o passar do tempo o espaço também
representou marcas da história e do patrimônio público paraense, onde o Instituto de
Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN, tem nessa região diversos prédios
tombados como patrimônio histórico e cultural da humanidade.

Primeiramente o espaço funcionou como um orfanato para crianças carentes,


ao longo dos tempos sofreu outra transformação, passando a ser um albergue que
atendia jovens estudantes advindos do município de Ponta de Pedras ou municípios
marajoaras vizinhos e que buscavam concluir seus estudos na capital Paraense, como
uma oportunidade para novas perspectivas em suas vidas futuras.

Após nova mudança através de uma visão holística da educação do então


Bispo da Diocese de Ponta de Pedras, Dom Ângelo Maria Rivatto surgiu a Escola de
59

Educação Infantil e Ensino Fundamental Padre Guido Del Toro. Portanto, nasce então
uma escola através da ação da igreja na perspectiva social e educativa que busca
desenvolver aspectos educativos-cristãos.

Sobre este aspecto, as instituições escolares que surgiram advindo das


influências da ação jesuítica na Amazônia, Castro afirma que apresentaram
características com relação a sua ação, com foco nos preceitos estabelecidos pela
igreja e estado (2017).

A escola recebeu esse nome como forma de homenagem a um famoso Padre


Italiano que veio para a Amazônia, deixando grande legado de seu trabalho cristão e
pastoral junto a comunidades carentes e ribeirinhas da Amazônia.

A Escola Padre Guido Del Toro, mantinha-se como sendo uma escola
Filantrópica, com educação baseada nos princípios cristãos, mantida pela Diocese de
Ponta de Pedras. Fundamentada em uma educação baseada nos princípios
religiosos, a escola tradicionalmente católica, focou-se nesse aspecto tradicional e
materializando-se através de suas famosas organizações das crianças em filas
indianas para suas orações matinais e cânticos bíblicos, bem como normas cívicas de
padrões tradicionalmente religiosos que a escola manteve durante longos anos que se
manteve em funcionamento nos seus dois turnos escolares.

Tendo como o forte do seu trabalho a credibilidade e a tradição com que a


escola passava e por todo o seu arcabouço de ações que desenvolvia seu papel frente
ao tradicional bairro da Cidade Velha, haja vista que os pais que estudaram na escola
levavam seus filhos para serem matriculados na mesma, gerando um ciclo de
confiança que se mantêm com relação ao aspecto ensino aprendizagem por ela
desenvolvida, estes aspectos geraram uma referência tradicional de educação
fundamentada e direcionada por uma filosofia cristã.

Assim sendo podemos afirmar que de acordo com Salomon a história é uma
modalidade das relações entre passado e presente na correlação com a memória
(2009).
Temos então a dicotomia de que ganhamos um grande espaço turístico
reestruturado, por outro aspecto perdemos uma escola com referências junto a
comunidade no processo educativo das crianças e jovens da região, perdendo-se
assim um tradicional espaço de construção e formação de conhecimento, troca de
aprendizagens, desenvolvimento cívica, moral e apoiado em uma filosofia cristã.
O que nos remete a uma reflexão de que práticas construídas ao longo do
tempo e correlacionadas com o contexto de uma comunidade ou região possibilita
60

interferência nos aspectos da vida cotidiana, cultural e histórico-social de uma


sociedade.

Segundo Chartier todo objeto histórico tem relação com as práticas, tendo uma
analogia com as práticas determinadas nos diversos contexto da história (2002).

Desta forma o objeto deste trabalho, buscou fazer uma investigação e refletir
a ação pedagógica que vem ao encontro da realidade de um bairro ou região, mesmo
por se tratar de um fato histórico, não se apresenta dissociado do contexto
educacional, ou seja é uma realidade histórica com foco em um acontecimento local
de significação do contexto de nossa história da educação mais recente, com fortes
influencias em aspectos característicos da Amazônia ribeirinha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos anos a construção da História da Educação vem tomando forma
e encontrando novos aspectos no transcurso da sociedade moderna, em acordo com
aspectos do caminhar deste desenvolvimento. Observamos que em certos momentos
os aspectos políticos, econômicos, filosóficos e os culturais são mais fortes de que
princípios pedagógicos almejados e identificados como necessários para um
determinado segmento social.
Desta forma esses novos trajetos percorridos por fatos históricos vêm
identificar um período marcadamente importante na era da Educação Brasileira em
especial da história da Educação Paraense, exemplificado através desse fato onde um
prédio tradicionalmente pedagógico e consolidado no meio escolar pode infelizmente
fechar e ser restaurado historicamente implementando-se em uma rede de Hotéis do
grupo Atrium Empreendimentos.
O fato de um espaço físico escolar fechar e esse mesmo espaço tornar-se um
hotel, destaca-se como algo curioso e com um certo diferencial. Este fato possibilitou
desenvolver essa pesquisa para nosso artigo, o que resultou num caminhar com
perspectivas de retratar esse episódio de nossa história local, exemplo que pode ser
situações que sucedem ao longo da história e que pode acontecer em todo Brasil e até
no mundo afora.

REFERÊNCIAS
CASTRO, Cesar Augusto. Controlar e disciplinar a vida escolar: a ação da
inspetoria da instrução pública no Maranhão (1844-1889). Revista Linhas.
Florianópolis, v. 18, n. 36, p. 96-120, jan./abr. 2017.
61

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e representações. Tradução


de Maria Manuela Galhardo. 2ª Ed. Ed. DIFEL, 2002.

FRANÇA, Mª do P. Socorro G. de S. Avelino. A Implantação dos Grupos Escolares


no Estado do Pará. IV Congresso Brasileiro de História da Educação/CBHE. Goiânia,
2007.

GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São


Paulo: Martins Fontes, 2006.

SALOMON, Marlon J. Roger Chartier e a Atualidade da Ciência. Revista História.


Goiânia. PPGH/UFG. V. 14, n. 2, p. 511-519, jul./dez. 2009.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA:


UMA EXPERIÊNCIA ENTRE AS ETNIAS TEMBÉ E KA’APOR 1

ROSA, Maria Fabiana Sousa 2 ; COELHO, Regina Diane de Lima 3 ;


PORTAL,Taynara Morais 4

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre a formação de professores e


educação escolar indígena, suas características e processos que a conformam. Para
explicar a configuração atual da educação indígena recorreu-se à contextualização
das lutas e conquistas dos povos indígenas no Brasil e em especial na região
Amazônica, ainda, na perspectiva de compreensão do conjunto de ações que orientam
as práticas educativas voltadas para a valorização da cultura indígena e formação de
um currículo intercultural. Na construção da formação de professores e da educação
escolar indígena, duas etnias estiveram no foco da discussão, os Tembé (Pa) e
Ka’apor (Ma). A pesquisa se deu com entrevistas com professores e formadores que
atuam com esses povos.

PALAVRAS – CHAVE: Formação, professores, educação, indígena.

INTRODUÇÃO
62

Para responder algumas questões referentes à formação docente e sobre as


dificuldades para a realização de uma educação escolar indígena que respeite a
diversidade em discussão, efetuamos diálogo com dois professores indígenas da
Escola Indígena Lúcio Porogaty Tembé, localizada na Aldeia Turé Mariquita, no
município de Tomé-Açu, Pará e com dois professores não indígenas, que atuam no
Centro de Saberes, Cultura e Formação Ka’apor, Aldeia Ximborendá no município de
Maranhãozinho no Estado do Maranhão. Suscitadas no ensejo na atuação profissional
de uma das autoras do presente trabalho, as entrevistas revelam dificuldades como
falta de formação continuada e de livro didático ou manual didático, dentre outras
questões que dificultam os fazeres dos professores. Tendo em vista a bibliografia
especializada, a fim de comparar estratégias voltadas para a educação escolar
indígena com ênfase no protagonismo indígena e formação de professores
demonstram que as perspectivas interculturais expressas na legislação veem sendo
incorporadas, de diferentes formas e gradativamente, às práticas e saberes docentes
(SILVA e GRUPIONI, 1995; FERREIRA, 2001; ANGELIS, 2003; COELHO et al., 2017;
FERNANDES, 2017).

A educação escolar indígena foi uma preocupação desde o princípio da


colonização, pois fazia parte do projeto de doutrinação e conversão à fé católica que
legitimava a ocupação de territórios e o domínio sobre os colonizados. Com base em
todo o processo histórico e na constituição para uma educação escolar indígena e
para formação dos professores que atuam nesses espaços, é que se constrói este
presente trabalho.

METODOLOGIA:

Estudo descritivo com abordagem qualitativa, que foi desenvolvido na Escola


de Educação Infantil e Fundamental Indígena Lúcio Porogaty Tembé, dos indígenas
Tembé pertencentes à aldeia Turé - Mariquita, que está localizada na região do Rio
Acará – Miri, no município de Tomé- Açu, PA. Outra escola onde se obteve
entrevistas, ocorreu no Centro de Formação, Saberes e Cultura Ka’apor, na aldeia
Ximborendá, povo Ka’apor em Maranhãozinho, município do Estado do Maranhão.

Os participantes do estudo foram os professores/formadores dessas escolas


indígenas anteriormente citadas, onde realizamos entrevistas e análises das praticas
que constituem formação desses professores e metodologias de ensino desenvolvidas
para a realização de uma educação escolar indígena que respeite relações étnico-
raciais, a pluralidade, interculturalidade e história desses povos indígenas.
63

DISCUSSÃO

As primeiras experiências educacionais na colônia negaram aos indígenas a


valorização de sua cultura, pois consistiam em diretrizes para impor uma ordem social
que favorecia o colonizador e, portanto, destituir os povos indígenas de sua cultura
implicava cumprir uma política de dominação (SOUZA LIMA e BARROSO HOFFMAN,
2007; FERNANDES, 2017). Mas ao longo do tempo, movimentos indígenas e
apoiadores da causa, lutaram para terem o reconhecimento de uma educação
indígena diferenciada.

Para Grupioni (2003) as movimentações que produziram e acompanharam


essas mudanças merecem reflexão, pois explicam a constituição atual da educação
escolar indígena e reconhecem na educação diferenciada a resposta para as
demandas da diversidade étnica e social que nos conforma.

A formação de professores indígenas e não indígenas, que atuam nas aldeias


também deve ser problematizada por repercutir diretamente na efetivação e execução
da legislação vigente em relação à temática indígena, pois os saberes e fazeres
docente constituem sujeitos, portanto, os professores são articuladores e mediadores
da construção de um discurso intercultural que promova a educação diferenciada
(LUCIANO, 2006; FERNANDES, 2017).
Para Mariana Kawal Leal Ferreira (1992), a educação escolar indígena, sempre
regulada e normatizada pelo colonizador, nos últimos anos presenciou a efetivação de
políticas e ações educacionais mais inclusivas, com vistas a acolher a diversidade da
população indígena e promover a valorização de sua identidade cultural. Mas, vale
lembrar que tais acontecimentos e conquistas se deram por envolvimento e
mobilização de grupos indígenas e de outros atores que somaram diretamente na luta
em prol dos direitos indígenas.
O marco inicial para se pensar em formação dos professores indígenas no
Brasil, foi a partir do final da década de 1960, com as primeiras experiências de
formação de indígenas para atuar nas escolas de suas comunidades. A princípio
formados monitores bilíngues atuavam no processo formativo do ensino da língua
portuguesa e língua materna, com o apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). E
só depois de algum tempo iriam assumir a docência nas escolas de suas respectivas
comunidades (GRUPIONI, 2003). Para garantir a qualidade sociocultural no processo
escolar indígena, o movimento indígena acredita que é preciso ter em sua comunidade
escolar, profissionais indígenas, tais como: professores e gestores indígenas
pertencentes às suas respectivas comunidades. Para isso, é necessária à formação
64

inicial dos professores indígenas em cursos específicos de licenciaturas e pedagogias


interculturais, ou ainda em cursos de magistério indígena de nível médio, visando
suprir a necessidade constante de professores indígenas, haja vista, que o número de
escolas indígenas vem aumentando nas últimas décadas.
Nesse sentido, Vera Candau (2000), trata da reinvenção da escola, onde a
cidadania é fundamental, a partir de uma prática social, que articula o cotidiano, o
conjuntural e o estrutural, na perspectiva de um projeto diferente de sociedade e
humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi visto anteriormente, a educação escolar indígena vem passando por
vários processos, a fim de alcançar a consolidação de políticas públicas que atenda os
direitos desses povos tradicionais, e respeite sua ancestralidade, deixando de lado
posturas que contribuíram historicamente para somar em um cenário excludente e
estereotipado. No que tange as formações voltadas para os grupos invisibilizados,
verifica-se a necessidade de aprofundamento teórico-metodológico para os
professores e gestores indígenas, elaboração de materiais didáticos específicos
voltados à temática indígena, para que possam subverter a realidade, que insiste em
reproduzir velhos preconceitos e discriminação contra com povos indígenas.

REFERÊNCIAS

CANDAU, V. M. F (org). Reinventar a escola. Petropólis: Vozes, 2000. p. 11-16).

COELHO, Wilma de Nazaré Baía; Carlos Aldemir Farias da; SOARES, Nicelma J.
Brito. Relações Étnico- raciais para o Ensino Fundamental: projetos de intervenção
escolar. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2017.

D’ ANGELIS, Wilmar da Rocha. Propostas para a formação de professores indígenas


no Brasil. In: GRUPIONI, Luís Donisete B (orgs). Em aberto - Tema: Experiências e
desafios na formação de professores indígenas no Brasil. N. 76, vol. 20. Brasília:
INEP/ MEC, 2003.

FERREIRA, Mariana Kawal Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico


da situação no Brasil. In: SILVA, A. L.; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Antropologia,
História e Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001. p. 71-
111.
65

FERREIRA, Mariana Kawal Leal; VIDAL, Lux Boelitz. Da origem dos homens à
conquista da escrita: um estudo sobre os povos indígenas e educação escolar no
Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo.1992.

FERREIRA NETO, Edgard. História e etnia. In: CARDOSO, Ciro Flamarion SANTANA,
Ronaldo Vainfas (Org.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997. p. 313-328.

FERNANDES, Rosani de Fátima. “Na educação continua do mesmo jeito”. Retomando


os fios da história Tembé Tenehara de Santa Maria do Pará. 2017. 266 f. Tese
(Doutorado em Antropologia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Pará.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Educação em contexto de diversidade étnica –


os povos no Brasil. In: Diversidade na educação – reflexões e experiências. Brasília:
Setec, 2003.

LUCIANO, Gersem dos Santos. O Índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/ Museu Nacional, 2006.

EDUCAÇÃO QUILOMBOLA E GESTÃO DO TERRITÓRIO:


UM ESTUDO DE CASO NA AMAZÔNIA PARAENSE 20

LOPES, Carla Joelma de Oliveira21; SENNA, Daniela de Oliveira 22;


LIVRAMENTO, Arion de Oliveira 23

Resumo
Mudanças nos marcos legais brasileiros que reconhecem direitos costumeiros e
étnicos evocaram um processo de reordenamento territorial significativo na Amazônia.
Trouxeram a tona uma serie de inquietações relativas aos desafios que se colocam

20 O trabalho é parte integrante da dissertação de mestrado realizada pelo PPGEO/UFPA (2017) intitulada
“O Território Quilombola de Araquembaua, Baião - PA”, sob a orientação do Profº. Dr. João Santos
Nahum.
21 Doutoranda em Geografia pelo PPGEO/UFPA. Professora da educação básica. E-mail:
carlajoelma@gmail.com
22Especialista em Ensino de História pela UFPA/Campus Ananindeua. Professora da educação básica. E-

mail: danielasenna_pa@hotmail.com
23Graduado em Educação Física – ANHANGUERA. Professor da educação básica. E-mail:

arionoliveira.oliveira1@gmail.com
66

para além da conquista territorial, uma delas, a gestão do território titulado que
comporta entre suas inúmeras dimensões, a educação quilombola. Neste sentido,
realizamos um estudo de caso na comunidade quilombola de Araquembaua (Baião -
PA). Objetivamos compreender em que medida a educação escolar que se expressa
no território quilombola fortalece o reconhecimento da identidade étnica negra e da
cultura quilombola. A metodologia operacional adotada incluiu entrevistas abertas e
semi-estruturadas com a comunidade escolar e com moradores do lugar. Os
resultados preliminares sinalizam que em Araquembaua a luta por uma educação
escolar de qualidade antecede a titulação do território e que ainda há muito que se
fazer para que a educação formal valorize a identidade quilombola.

Palavras-chave: Gestão do território; Território Quilombola; Educação Quilombola.

Introdução

Mudanças nos marcos legais brasileiros que reconhecem direitos costumeiros,


étnicos e territoriais e beneficiam populações camponesas negras que ocupam
tradicionalmente a terra, evocaram um processo de reordenamento territorial
significativo na Amazônia. Ao mesmo tempo, trouxeram a tona uma serie de
inquietações relativas aos desafios que se colocam para além da conquista territorial,
uma delas, a gestão do território titulado que comporta entre suas inúmeras
dimensões, a educação quilombola.
Partimos do pressuposto que, muito embora, a mobilização por direitos
territoriais venha se fortalecendo na Amazônia, a maioria das comunidades
camponesas negras apresenta um histórico de exclusão de políticas públicas,
principalmente no que tange a educação, o que remete a necessidade de
implementação de uma educação que seja compatível com as demandas desses
povos.
Neste sentido, nosso lócus de investigação é a comunidade quilombola de
Araquembaua localizada no município de Baião – PA. Esta comunidade foi titulada
como território quilombola em 2002. A recente configuração territorial evoca
problemáticas e justifica este estudo. Objetivamos, de forma geral, compreender em
que medida as práticas educativas escolares que se expressam no território
quilombola fortalecem o reconhecimento da identidade étnica negra e da cultura
quilombola.

Metodologia
67

Este trabalho abraça uma perspectiva metodológica que se propõe a analisar a


situação geográfica em questão a partir do pressuposto de que a realidade
experimentada pela comunidade atualmente contem dialeticamente os elementos que
ajudam a compreender como ela se constituiu e o que se pensa dela para o futuro. A
análise prima pela compreensão do agora, das condições materiais de existência e
das transformações incorporadas nas práticas sociais e espaciais da comunidade ao
24
longo do tempo . Para tanto optamos pela realização de um estudo de caso na
comunidade quilombola de Araquembaua no município de Baião – PA com foco nas
práticas educativas escolares.
Na comunidade encontram-se duas escolas em funcionamento sendo que uma
é destinada ao Ensino Infantil e outra ao Ensino Fundamental e Médio. O Ensino
Médio é realizado através do Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME. O
público alvo da escola é composto por estudantes da própria comunidade e de
comunidades vizinhas como a de Itaperuçu, Varginha, Pampelônia e Baixinha.
Todas essas comunidades ficam no entorno de Araquembaua e pertencem a
ARQIB – Associação de Remanescentes de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha.
Ainda funcionam anexos da escola em algumas dessas comunidades. A metodologia
operacional adotada incluiu atividades de campo e entrevistas abertas e semi-
estruturadas com a comunidade escolar e com moradores do lugar.

Referencial Teórico

A região do Baixo Tocantins foi ocupada desde o período colonial e se tornou


um campo fértil para a proliferação de quilombos (SALLES, 2005; PINTO, 2015). No
entanto, essas populações estavam invisibilisadas. A negação da existência desses
grupos ou seu desaparecimento proposital materializou uma estratégia de resistência,
uma vez que “no passado esta invisibilidade era uma forma de proteção contra as
ameaças externas” (TRECCANI, 2006. p. 16).
Atualmente as demandas orbitam sob a perspectiva de outra lógica. A titulação
dos territórios quilombolas evocou, entre outros, o ressurgimento dessas comunidades
negras e a necessidade de compreensão do que representa para o Brasil e para a
Amazônia, a existência de quilombos modernos contemporâneos (LOPES et al, 2015).

24
Essa proposta metodológica é inspirada nas orientações cedidas pelo professor João Santos Nahum
enquanto ministrava as disciplinas Teoria e Métodos em Geografia e Dinâmicas da Condição
Socioespacial Camponesa na Amazônia no curso de Mestrado em Geografia da Universidade Federal do
Pará, turma 2015.
68

No município de Baião, em particular, a demanda por titulação de territórios


quilombolas foi intensa. “No ano 2000, um processo coletivo de titulação de terras
quilombolas foi enviado ao Instituto de Terras do Pará (ITERPA), representando um
total de 26 requerimentos de titulação coletiva de remanescentes de quilombos”
(LOPES; NAHUM, 2015. p.154).
Mas o reconhecimento dos territórios quilombolas deve estar acompanhado de
políticas afirmativas que ajam a favor de seus povos (TRECCANI, 2006). Entre essas
políticas destacamos o direito a educação quilombola. Esta perspectiva representa a
materialização de uma educação diferenciada capaz de agregar as histórias e
memórias dos povos negros como prática educativa. Mas não somente. A educação
quilombola deve potencializar a reflexão sobre aspectos geográficos, filosóficos,
culturais e simbólicos dessas populações.
Neste sentido, a educação quilombola representa um instrumento de
empoderamento das comunidades quilombolas, na medida em que, coopera para que
as identidades presentes sejam valorizadas e preservadas. Ao mesmo tempo carrega
uma perspectiva de afirmação de identidades étnicas diferenciadas e plurais
configurando uma prática de resistência a lógica da colonialidade (OLIVEIRA;
CANDAU, 2010).
A educação quilombola, portanto, pode colaborar para que as territorialidades
que se expressam no território e que indicam multiplicidades e diversidades relacionais
sejam vislumbradas. O território se manifesta de diversas maneiras e contem múltiplas
dimensões (HASBAERT, 2010) e apenas uma educação comprometida com a
construção de uma sociedade mais democrática, menos racista e mais crítica é
realmente positiva.

Resultados/Discussão

Os resultados sinalizaram a existência de relações de conflito,


resistência e antagonismo no que tange à assunção da identidade étnica quilombola,
indicando que a escola reflete essa dinâmica, o que materializa avanços e recuos nas
práticas pedagógicas.
Indicou, também, que a maioria dos docentes entrevistados (80%) não teve a
oportunidade durante a formação (magistério ou licenciatura) de ter contato com
disciplinas que discutam as relações etnicorraciais; que assim que o quilombo foi
titulado a prefeitura municipal incluiu uma disciplina para tratar da temática racial
contratando especialistas na área, porém, o currículo foi alterado na gestão posterior e
a disciplina, extinta.
69

Outro dado importante é que a escola tenta se adequar as normativas legais


cumprindo a Lei 10.639/2003 que obriga o ensino da história e cultura africana, porém,
o tratamento pedagógico fica restrito as comemorações da Semana da Consciência
Negra.
A comunidade afirmou concordar com a condução pedagógica que a escola
quilombola vem adotando e acredita que as práticas pedagógicas têm ajudado a
afirmar a identidade quilombola, mas que é necessário avançar muito ainda para que
ela se efetive realmente.
Conclusões

O campo sinalizou que as estratégias territoriais definidas pelos diversos atores


em Araquembaua, não são homogêneas e demonstram algum grau de conflitualidade
acerca da nova condição territorial. Ao mesmo tempo indicou que as escolas têm
desempenhado um papel importante no sentido da conscientização das demandas da
comunidade, mas que há muito a conquistar.
Os avanços e recuos que a escola expressa em relação à educação
quilombola reflete o quanto as políticas afirmativas ainda estão longe de serem
efetivadas como deveriam, muito embora, despertem antagonismos e oposições, uma
vez que “colocam em crise a igualdade formal consagrada pela CF/88” (TRECCANI,
2006. p. 17).
Araquembaua, no entanto, vem exibindo sua força de resistência e
acionando uma capacidade pedagógica surpreendente onde o aprender a ser
configura uma importante conquista socioterritorial. A comunidade demonstra, dessa
forma, que um processo de aquilombamento está ocorrendo.

Referências:

HASBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à


multiterritorialidade. 5ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

LOPES, C. J. O; MEDEIROS, G.R.N; SOARES, L.R.S. Quilombos Contemporâneos


na Amazônia: debates e contribuições geográficas. Anais do XI Encontro Nacional
da ANPEGE. São Paulo, 2015.

_____________; NAHUM, J. S. Um território quilombola amazônico: estudo de caso


na comunidade Araquembaua, Baião (PA). Interespaço. Ed. Especial. V. 1, n3,
Grajaú/MA. 2015.
70

OLIVEIRA, L. F. de; CANDAU, V. M. F. Pedagogia decolonial e educação antirracista


e intercultural no Brasil. Educação em Revista. V. 26; n.01; Belo Horizonte, 2010.
p.15-40.

PINTO, B. C. M.. Historiografia, Resistência Negra e Formação de Quilombos na


Amazônia Tocantina. In: Historiografia, novos debates, novas perspectivas.
Feldman; Berlesi e Nunes. Org. Cametá/UFPA, 2015.

SALLES, V.. O Negro no Pará sob o regime da escravidão. IAP. Belém, 2005.

TRECCANI, G. D. Terras de quilombo: caminhos e entraves do processo de


titulação. Belém. Secretária Executiva de Justiça. Programa Raízes, 2006.

EDUCANDO PARA O LAR E A FAMÍLIA: ATUAÇÃO DA CONGREGAÇÃO


DAS IRMÃS DE SANTA DOROTEIA NAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS PARA
MENINAS DESAMPARADAS EM BELÉM DO PARÁ (1877-1878)

SILVA, Tayana Helena Cunha25; ALVES, Laura Maria Silva Araújo

RESUMO
O presente trabalho discorre a cerca dos resultados iniciais da pesquisa sobre as
congregações das Filhas de Sant’ana e Irmãs de Santa Doroteia e suas ações
educativas no estado do Pará. Esta pesquisa pretende destacar a relevância das
Irmãs de Santa Doroteia na educação de meninas em Belém nos anos de 1877-1878.
Nesse sentido, o objetivo deste estudo é destacar o trabalho das religiosas Doroteias
na obra de proteção e educação para meninas pobres da capital. Para tratar deste
objeto utilizamos fontes documentais como o Jornal católico a Boa Nova (1877-1878)
e as Constituições da referida congregação; a análise destas fontes será
fundamentada a partir de autores como Azzi (2002), Costa (2014) e Chaves (1977).
Os resultados preliminares apontam que as Irmãs Doroteias educavam de acordo com

25
Trabalho vinculado ao projeto de dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA, que versa a
respeito das missões educativas das congregações das Filhas de Sant’ana e Irmãs Doroteias no Pará no século XX.
Graduada em Pedagogia e Mestranda em Educação pela UFPA, Belém- Pa, email: tayanacunhahcs@gmail.com
Doutora em Psicologia da Educação pela PUC- SP, Professora do Curso de Pedagogia da UFPA, Belém- Pa,
laura_alves@uol.com.br
71

a condição social das educandas de modo que às meninas desvalidas ensinavam


tarefas domésticas e as pensionistas a educação era mais sofisticada.

PALAVRAS-CHAVE: Educação, meninas, Irmãs Doroteias.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho discorre a cerca dos resultados iniciais da pesquisa sobre
as congregações das Filhas de Sant’ana e Irmãs de Santa Doroteia e suas ações
educativas no estado do Pará. Esta pesquisa pretende destacar a relevância das
Irmãs de Santa Doroteia na educação de meninas em Belém nos anos de 1877-1878.
Assim este estudo intenciona destacar o trabalho das religiosas Doroteias na obra de
proteção e educação para meninas pobres da capital. A atuação de ordens e
congregações religiosas femininas no campo da educação representou grande
importância na formação da sociedade local quando se voltaram para educar meninas
desassistidas.

A temática se destaca no âmbito da História da Educação, pois as ações


destas religiosas para com as meninas desfavorecidas estavam contidas na política de
amparo, assistência e educação da infância desvalida em curso no estado do Pará e
no país no período histórico estabelecido nesta investigação. Sendo assim nos
propomos a partir das fontes documentais, a conhecer/compreender a missão
executada pelas Irmãs da congregação de Santa Doroteia a frente do Asilo de Santo
Antônio, a pedido do bispo Dom Antônio de Macedo Costa, considerado pela história
como o fundador desta instituição.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é destacar o trabalho das religiosas


Doroteias na obra de proteção e educação para meninas pobres da capital que eram
formadas para que futuramente fossem mulheres prendadas e, além disso, fossem
mães e esposas exemplares.

METODOLOGIA
O caminho metodológico deste estudo se configura como uma pesquisa
documental e as fontes documentais adotadas para tratar do trabalho educativo
exercido pela congregação das Irmãs de Santa Doroteia no Asilo de Santo Antônio no
período histórico estabelecido foram o jornal católico A Boa Nova (1877), o qual
divulgou amplamente sobre a missão educativa na cidade de Belém para meninas
desamparadas. Além desta fonte, também foram utilizadas as Constituições e Regras
72

do Instituto de Santa Doroteia (1851) em razão de que este documento foi a primeira
diretriz das ações (ver sinônimo) destas religiosas no campo da educação.

Para fundamentar a análise destas fontes utilizamos autores como Riolando


Azzi (2002), Chaves (1977) e Costa (2014).

DISCUSSÕES

A história nos mostra que a missão da congregação das Irmãs de Santa


Doroteia para atender e educar as meninas pobres e pensionistas no Asilo de Santo
Antônio foi solicitada pelo bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa que foi um
expoente da igreja católica no estado. O primeiro contato do bispo com a referida
congregação foi no estado de Pernambuco onde as religiosas já exerciam a prática
educativa no Colégio de São José, na capital Recife, a qual agradou Dom Macedo que
foi a Roma solicitar que a obra de Santa Doroteia contemplasse as terras paraenses
(AZZI, 2002).

De acordo com Chaves (1977) a missão para o estado do Pará foi enviada no
ano de 1877, a qual foi iniciada por 7 religiosas que desembarcaram na cidade de
Belém no dia 3 de setembro de 1877. A nova missão seguia as orientações das
Constituições da congregação das Irmãs Doroteias as quais indicam que desde os
primórdios deste grupo religioso o foco da missão era cuidar e educar as meninas
mais necessitadas (CONSTITUIÇÕES, 1851).

Dessa forma, uma das primeiras medidas tomadas pelas religiosas lideradas
pela Irmã Josefina Pingiani foi acomodar as educandas conforme sua condição social,
as quais se apresentavam como desamparadas e pensionistas onde as primeiras
seriam educadas unicamente na intenção de serem donas de casa, enquanto que
para as meninas de famílias ricas além da educação para o lar ainda eram formadas
para conviver na sociedade. Assim, a educação das meninas daquele estabelecimento
estava centrada na religião em razão de que esta representava o sustento da
formação humana quando se cultivam os valores cristãos e morais (COSTA, 2014).

O jornal A Boa Nova (1877) evidenciou a importância do Asilo de Santo Antônio


que sob a gestão da referida congregação contribuiu na educação das meninas para
que se tornassem mulheres cristãs e dedicadas ao lar; este mesmo jornal ilustrava na
seção de anúncios que além da religião eram ensinados as meninas outros saberes
referentes a formação de uma mãe e esposa exemplar. Nessa direção, as religiosas
73

Doroteias ensinavam a leitura e escrita, e a aritmética que na concepção deste grupo


religioso seria necessária para a administração do lar.

Além disso, o contexto formativo também compreendia o ensino das prendas


femininas como o desenho, a costura e demais trabalhos manuais, assim como
também o ensino das ciências humanas como a geografia, línguas estrangeiras. Vale
lembrar que todos esses saberes estavam previstos nas Constituições da
congregação haja vista que, esta direcionava a atuação das Irmãs Doroteias na sua
missão educativa.

O referido jornal ainda destaca que o modo de educar daquelas religiosas tinha
como intenção primeira semear no coração de suas educandas os princípios cristãos e
sociais e a atuação primorosa das irmãs logo ganhou reconhecimento das famílias
paraenses. Chaves (1977) corrobora a excelência da prática educativa das religiosas
quando aponta que o cuidado e a atenção que é característico desta congregação,
tornou mais fácil o processo de formação de meninas para que futuramente
dedicariam ao lar e a sua família, que em determinados momento podem parecer
rígidos no que se refere ao aprendizado dos princípios intrínsecos ao indivíduo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das fontes documentais trabalhadas neste estudo podemos constatar o


importante papel da congregação das Irmãs de Santa Doroteia e suas ações no
contexto da política de assistência e educação da infância desvalida no Brasil vigente
nos séculos XIX e XX, a qual tinha a igreja católica como fundamental executora.

As práticas educativas das referidas religiosas eram fundamentadas na


chamada educação pela via do coração e do amor que conforme foi ressaltado na
seção anterior sempre esteve empenhada a formar aquelas meninas mais desvalidas
da sorte de modo que estas representavam a maioria do alunado das instituições
educativas cuidadas pelas Irmãs Doroteias. Nessa direção conforme as fontes
mostraram as meninas acolhidas e educadas no Asilo de Santo Antônio eram
formadas para serem mães e esposas honradas, tementes a Deus, mas sem perder
de vista os princípios formativos destacados pelas Constituições as quais propunham
que ao educar a mulher era importante conscientizá-la do seu papel na sociedade
assim como de si mesma e formá-las nas tarefas inerentes ao seu gênero.
74

REFERÊNCIAS

AZZI, Riolando. Educando pela via do coração e amor: A Congregação das Irmãs
de Santa de Santa Dorotéia no Brasil. Rio de Janeiro, 2002.

CHAVES, Maria Paula Ramos. O convento de Santo Antônio e as Doroteias. 1977.

COSTA, Benedito Gonçalves. A educação de meninas órfãs, desvalidas e


pensionistas no asilo de Santo Antônio, no pastorado do Bispo D. Antônio de Macedo
Costa em Belém – Pará: 1878 – 1888. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará. Belém, 2014.

Fontes

Jornal

A Boa Nova (1877). Biblioteca Pública Arthur Vianna.

Constituições e Regras da Santa Dorotéia

ROMA. Instituto de Santa Dorotéia: Constituições e Regras do Instituto Religioso


das Irmãs Mestras de Santa Dorotéia. Tipografia de G. Battista Marini e B.
Morini,1851.
75

EIXO 2

A INTRODUÇÃO DA GEOMETRIA NO ENSINO DA PROVÍNCIA DO GRÃO-


PARÁ E SUAS IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE DA ÉPOCA (1841-1870)

SENA, Mayara Teixeira26; BARROS, Jônatas Barros²; MARECO, Fernando


Raiol³.

RESUMO
O trabalho em questão visa a apresentação da pesquisa em fontes históricas sobre a
introdução da Geometria como componente curricular na instrução pública da
Província do Grão-Pará para que assim consigamos realizar uma análise sobre como
ela estava relacionada com o contexto social da época, pois as mudanças em suas
aplicações visavam atender a necessidade de mão de obra qualificada para a
realização de trabalhos na Província, passando pela Geometria Prática voltada para a
Agrimensura até a Geometria aplicada às construções de monumentos e obras no
período analisado.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Geometria, Grão-Pará.

INTRODUÇÃO

Em 1841 foi promulgada a primeira lei da instrução pública Paraense,


organizada pela Assembleia Legislativa local. Representou um momento de inflexão
na educação do Pará. As principais modificações implementadas pela nova
reformulação foram a criação da Diretoria de Instrução pública, que proporcionaria
uma coordenação centralizada da Instrução Primária, Secundária e outros ramos
educacionais.
Esse conjunto de mudanças materializou currículos para instrução primária e
secundária, que foram apresentados por Barros (2010, 2016). Neles observamos que
a Geometria esteve entre os saberes matemáticos previstos para o ensino primário a
partir de 1851.

26
Trabalho de iniciação científica (PIBIC).
Discente de Licenciatura em Matemática (UFPA), Belém, Pará, maysena.1770@gmailcom.
² Docente do Instituto de Educação Matemática e Científica (IEMCI UFPA), Belém, Pará msjbarros@gmail.com
3
Discente de Licenciatura em História (UFPA), Belém, Pará, fernandoraiol.17@gmail.com
76

O ensino de geometria tem sido objeto de análises historiográficas. Valente


(2012) em seu artigo “Tempos de Império: a trajetória da geometria como um saber
escolar para o curso primário” analisa como aconteceu a constituição da Geometria
como saber para o curso primário brasileiro, levando em consideração as
documentações oficiais, os livros didáticos da época e a apropriação das propostas de
Condorcet, relacionando essa análise com a realidade histórico-cultural do período em
questão; seus resultados apontam para a introdução desse saber com a titulação de
Geometria Prática, a qual teve embasamento principalmente no desenho linear.
Tomando o que foi dito, temos também Santos e Alves (2018) no artigo
intitulado: Inovações matemáticas no ensino da província do Pará (1838- 1841):
inserção da geometria, analisaram modificações no ensino matemático paraense. Mais
especificamente perscrutaram sobre as condições para a o ensino de geometria ser
previsto, em 1841, na lei que regulamentou a instrução pública do Pará.
O objetivo deste trabalho é analisar a introdução da Geometria no Ensino
Primário do Pará, entre 1851 e 1870. De modo mais específico analisaremos a
movimentação deste saber no currículo, tecendo relações com o panorama do ensino
de geometria que vigorava na província com o contexto social.
O marco inicial foi escolhido porque nesse momento a Geometria foi prevista
por Lei entre os saberes que deveriam ser ensinados na instrução primária. O marco
final, porque houve uma reforma na instrução pública, que previu mudanças no
currículo primário.
A instrução pública na Província do Grão-Pará perpassou por modificações a
partir de 1841, quando foi instituída por Lei provincial a diretoria de Instrução Pública.
ao analisar os currículos, vamos poder notar no decorrer do presente trabalho
que a Geometria não se manteve estática, pois assim como
Visto isso, através do levantamento dos títulos de periódicos, de estudos de
textos historiográficos e embasamento sólido de fontes secundárias sobre a história da
Geometria como matriz curricular buscamos com o desenvolvimento deste trabalho
analisar os documentos acima citados relacionando-os com o contexto social da época
em questão, tendo em vista apresentar a importância de continuar o desenvolvimento
dos estudos sobre este tema, em especial na Amazônia; pois como veremos a
inclusão da geometria na instrução pública da Província visou o desenvolvimento
social da mesma, ou seja, notou-se que cada mudança no modo como a Geometria é
apresentada está relacionada com as necessidades da sociedade, principalmente com
relação à mão de obra.
Como dito acima, vemos que a inclusão da Geometria no currículo das
instituições de ensino com o nome Geometria Prática, a qual era voltada para que se
77

pretendia ensinar deveria ter caráter prático e relacionar os conceitos abordados com
objetos e situações diárias, com a finalidade de formar trabalhadores para a
agrimensura, pois segundo Andrada, o aluno

Terminará o compêndio do segundo ano pelo estudo das


quatro regras simples da aritmética, base de todas as
questões que se podem propor sobre os números, e
pelas primeiras noções de geometria, particularmente as
que forem mais necessárias à medição dos terrenos
(ANDRADA, 1816: 5).

Seguindo, a Geometria vai se modificando, se tornando um conhecimento


necessário, ou seja, é introduzida como vimos anteriormente como Geometria
Prática, a qual era aplicada para suprir as necessidades da sociedade, que antes era
voltada à agrimensura; de acordo com as mudanças das necessidades da Província,
a Geometria também vai sendo modificada como matriz curricular, passando a ser
ensinada de modo aplicado para os que almejavam ser negociantes, ou ainda para
os que desejavam trabalhar com a demarcação das terras, segundo visto que a
propriedade privada passa a necessitar de demarcação, implicando assim no
conhecimento de geometria imprescindível, como diz Ambroni (2006) a educação
deveria atender a duas formações específicas, uma destinada à formação da elite
dirigente e a outra, à formação do trabalhador, quer da agricultura, indústria ou
comércio, pois segundo Santos (2018) que nos relata a necessidade de mão de obra
qualificada para a construção de monumentos. Além dessas a geometria foi utilizada
com sua aplicação voltada às artes e também se tornou conhecimento necessário
para admissão em cursos superiores da época como por exemplo, o Direito.

METODOLOGIA
Os estudos deste trabalho se debruçaram sobre vários tipos de fontes
históricas, dentre elas a leitura de jornais da época, discursos sobre a instrução
pública e além destes também foram lidos e analisadas as leis referentes as
mudanças referente às matrizes curriculares do período que interessa a essa
pesquisa, que corresponde de 1841 a 1870, a saber: fazer um levantamento dos
títulos de Periódicos, como revistas voltadas para o campo Educacional editados no
Pará, tanto em acervos on-line, como na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional,
quanto em físicos, como no setor de Obras Raras do Centur e no setor de obras raras
da Universidade Federal do Pará; assim como o levantamento e estudo de textos
78

historiográficos sobre a história da disciplina geometria, com o fim de formar uma base
sólida de fontes secundárias, com vistas a apresentar a importância de continuar a ser
desenvolvido estudos sobre esse tema, especialmente na Amazônia.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os currículos, objetos que nos permitiram perceber, a prióri e de modo
incipiente, que a educação matemática no Pará, especialmente em relação a
geometria, não foi estática, encontra fundamentação metodológica para serem
analisados em SILVA (2008, p. 7 -8) que compreende currículo “ como um artefato
social e histórico, sujeito a flutuações”, resultante de “um processo de fabricação” onde
“convivem lado a lado” “fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes
sociais menos ‘nobres’ e menos ‘formais’”. Perscrutaremos a história do ensino de
geometria no Pará visando “captar as rupturas e disjunturas, surpreendendo na
história, não apenas aqueles pontos de continuidade e evolução, mas também as
grandes descontinuidades e rupturas” Silva(2008, p7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos notar que a Geometria como matriz curricular passou por diversas
mudanças desde as aulas de contar até as aulas ensinadas no Colégio Paraense, a
cada mudança a geometria buscava suprir as necessidades da Província. Como
anteriormente foi citada, a inserção dessa matriz curricular começou através da
Geometria Prática que era recomendada às pessoas que desejassem trabalhar na
agrimensura, ou ainda era visto segundo Barros (2016) para os que almejassem ser
negociantes, havia também a necessidade segundo Santos (2018) de mão de obra
qualificada para a construção dos portos, monumentos, dentre outras obras públicas.
Além dessas, o conhecimento matemático passou a ser requisitado como critério na
admissão para cursos de nível superior, e com isso, o ensino foi intensificado. Ou seja,
a cada mudança na geometria e sua aplicação, buscou-se suprir a necessidade desse
conhecimento para a formação de mão de obra qualificada de acordo com o contexto
social da época.

REFERÊNCIAS
AMBONI, Vanderlei. Estudos sobre a "memória" que Martim Francisco apresentou à
Constituinte de 1823 para a criação do sistema nacional de educação. In: VII
79

Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas, 2006, Campinas. Anais do VII Seminário


Nacional do HISTEDB; realizado de 10 a 13 de julho de 2006/, 2006. v. 1. p. 1-25.

ANDRADA, Martim Francisco Ribeiro de. Memórias (1816) – Arquivo Nacional –Vol.
12, pág. 219-231

BARROS, Jônatas Barros. A introdução das Ciências Naturais no Pará por meio das
Instituições de Ensino. 2016. 78 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) -
Universidade Federal do Pará, Pará, 2016

SANTOS, Everaldo. Inovações Matemáticas No Ensino Da Província Do Grão-Pará


(1838-1841): Inserção Da Geometria.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Tempos de Império: a trajetória da geometria como


um saber escolar para o curso primário. Revista Brasileira de História da Educação,
Campinas, v. 12, n. 30, set./dez. 2012.

ENTRE ULTRAMONTANOS E MAÇONS: DOM MACEDO COSTA E A CRISE


RELIGIOSA NO PARÁ (1872-1875)27

Ribeiro, Raynara Cintia Coelho

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender a atuação do bispo Dom Macedo
Costa frente a crise religiosa ocorrida nos anos de 1872 a 1875, conflito este que
promoveu uma verdadeira guerra de palavras entre ultramontanos e maçons na
imprensa paraense. Assim, irei analisar a figura do bispo paraense empreendendo um
estudo minucioso das principais construções editoriais dos jornais A Boa Nova e O
Pelicano, além de observar aspectos primordiais, como a forma utilizada por seus
redatores e articuladores para construir seus argumentos centrais, os assuntos mais
recorrentes neste período, as notícias que ganharam destaque dentro do debate
jornalístico e a maneira que esses periódicos agiram e se posicionavam frente ao
contexto econômico, político, religioso e social da época.

PALAVRAS-CHAVE: Dom Macedo, imprensa, ultramontanos e maçons.

27
Esta pesquisa é uma parte de minha dissertação de mestrado. Mestre em História Social da Amazônia,
UFPA, Belém, Pará, nara_ribeiro@ymail.com.
80

INTRODUÇÃO

Neste contexto, irei trabalhar com dois jornais que julgo ser de suma importante
no debate jornalístico no século XIX, A Boa Nova e O Pelicano nos anos de 1872 a
1875, apresentando as principais noticiais acerca do conflito, como o estopim do
conflito, a interdição das irmandades e confrarias religiosas, a atuação de Dom
Macedo Costa, a posição maçônica, a prisão e julgamento do bispo paraense e sua
anistia. Na tentativa de dar conta das seguintes questões: Quem eram seus redatores
e articulares? Qual era sua estrutura? Quais eram as principais linhas argumentativas
construídas por seus editoriais? E que matéria se destacava dentro do debate
jornalístico neste período, observando atentamente através da análise documental a
posição de cada jornal frente ao turbilhão de acontecimentos que assolavam o último
quartel do século XIX. Tendo como aporte teórico os principais autores que se
debruçam sobre este conflito, como Fernando Neves, Ítalo Santirocchi, Dilermando
Ramos, Ivan Manoel e outros.

METODOLOGIA

Assim, para analisar a atuação de Dom Macedo Costa na imprensa paraense


durante a crise religiosa irei utilizar como aporte teórico os principais pesquisadores
que se debruçam em torno dos jornais como fonte e objeto de pesquisa histórica, na
tentativa de observar e questionar a importância deste documento para o
conhecimento histórico, como Carlos H. Ferreira Leite (2015), Virgílio M. Pinto (2000),
Maria H. Capelo (1988), Nelson Sodré (1999), Peter Burke (1992), Silva C. P. de Brito
Fonseca e Maria L. Corrêa (2009), Tânia R. de Luca (2010), Simone da S. Bezerril
(2010), Marialva Barbosa (2000), Maria do R. Cunha Peixoto e Heloisa de F. Cruz
(2014), Marcus V. de Freitas (2013) e André Mazini (2012).
Além disso, foi realizado um levantamento bibliográfico dos principais autores
que desenvolveram estudos em torno desta temática no Brasil, buscando
compreender o contexto histórico e a forma que pesquisadores, como Dilermando R.
Vieira (2007), Ítalo D. Santirocchi (2015), Fernando A. de Freitas Neves (2015), David
G. Vieira (1980), Françoise J. de Oliveira Souza (2010), Germano M. Campo (2010),
Gustavo de S. Oliveira (2015), Alan C. de Souza Santos (2011), Elson L. Rocha
Monteiro (2014), Marcelo Linhares (2005), Nilo Pereira (1982), João Santos (1991) e
outros trabalharam com um dos assuntos mais emblemáticos da história brasileira.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DISCUSSÕES


81

Nessa conjuntura, como vimos anteriormente a análise considerará dois


periódicos de 1872 a 1875, A Boa Nova, sucessor do jornal Estrella do Norte, tinha
como seu fundador Dom Macedo Costa, que se utilizava deste periódico para
defender a visão da Igreja Católica, como porta voz da fé cristã e da romanização em
curso, destinando sempre sua propaganda a conquistar a confiança dos seus fiéis,
direcionando-os em um único sentido para a catolicidade. Já O Pelicano, foi criado em
1872 e funcionava como uma espécie de porta voz da maçonaria, além de se dedicar
a assuntos científicos, literários, artísticos, industriais e noticiosos, possuía como seus
principais redatores Antônio Bernadino, Antônio Emiliano, Antônio José, Antônio
Raulino, Augusto Carlos, Eutychio Pereira e outros.

De acordo com Elson L. Rocha Monteiro, A Boa Nova foi no Pará o


representante da “[...]Cúria metropolitana e defensor das novas ideias vinculadas ao
ultramontanismo defendido por Pio IX, cujos porta-vozes principais no Brasil foram os
bispos de Belém e de Olinda, com apoio intenso dos bispados do Rio de Janeiro e do
Rio Grande do Sul” (2014, p. 72). Dom Antonio Macedo Costa se destaca como
principal inspirador dessa imprensa católica o bispo ultramontano de Belém, que foi
um paladino no Brasil das decisões do concílio Ecumênico Vaticano I e das
orientações do Syllabus.
Assim, inicialmente a imprensa católica foi fundada pela hierarquia com o
intuito de se preocupar com os assuntos relacionados à esfera eclesiástica, ou seja,
no que diz respeito ao campo religioso, além de defender a preservação da autonomia
para os bispos administrarem as suas dioceses sem desagregar completamente esta
maneira de ser Igreja. Entretanto, com a “Questão Religiosa", esse propósito se
modificou e, no transcorrer do século XIX, a imprensa periódica torna-se um dos
principais veículos de informação e debate, em que as discussões em torno da crise
encontram-se bastante acaloradas nos periódicos, como A Boa Nova, usado por Dom
Macedo Costa para responder aos ataques de seus “adversários”, empregando uma
linguagem bastante dura, além de outros jornais que se destacam nesse período,
como O Liberal, utilizado pelos liberais para promoverem uma campanha contra o
posicionamento dos bispos e outros (SANTOS, A.C. S, 2011, p. 319).
Por outro lado, o jornal O Pelicano foi fundado em Belém em junho de 1872,
com o intuito de realizar a defesa da maçonaria, supostamente, sem se envolver nos
assuntos relacionados a política e religião, colocando-se como defensor dos direitos
da humanidade na luta contra o ultramontanismo. Além de estudar e debater temas
científicos, artísticos, industriais e noticiosos. Entretanto, na realidade, este jornal se
destinava quase que exclusivamente à religião e à política, sendo visto pela imprensa
católica como um novo “inimigo” de Dom Macedo Costa (VIEIRA, 2007, p. 312).
82

No entanto, o que se identifica por meio das fontes eram as vozes de seus
intelectuais, que nem sempre concordavam entre si, gerando um verdadeiro conflito de
opiniões dentro da própria instituição (VIEIRA, D. G, 1980, p. 98). Nesse cenário,
observa-se que a eclosão da crise religiosa com a Igreja Católica ocasionou o
surgimento de diversas publicações maçônicas ao longo do território nacional. E,
seguindo essa mesma tendência, a Província do Pará chegou a contar com três
jornais do gênero: O Pelicano, A Flamígera e O Filho da Viúva, entre os quais se
destacou o primeiro, como o mais relevante, por conta de sua representatividade e
longevidade.

CONCLUSÃO

Com base na análise dos jornais identifica-se que o periódico A Boa Nova
buscava através de um discurso religioso apresentar uma posição de “vitima” do
conflito, utilizando-se da imagem de mártires para se autopromover como “protetora”,
“auxiliadora e “defensora” de seus fiéis, com o único objetivo de construir sua
argumentação baseada na “santificação” ou “beatificação” das figuras de Dom Vital e
Dom Macedo Costa, fazendo do julgamento e condenação dos bispos de Pernambuco
e do Pará uma espécie de martírio, chegando até a compara-los aos mártires cristãos
e grandes “heróis” da história.
Por outro o jornal O Pelicano também se utilizava desse mecanismo para
intervir na vida social expondo em suas argumentações questões, como a ameaça a
soberania nacional que gerou ao longo das publicações nos anos de 1872 a 1874
vários questionamentos acerca da interferência de Roma nos assuntos relacionados
ao território brasileiro, que era entendida pela imprensa maçônica como um “perigo” a
integridade das leis, sendo inadmissível que um país estrangeiro ditasse regras e
normas no Brasil.
É interessante observar que a imprensa não é imparcial, ou seja, ela busca por
meio de suas notícias criar uma imagem de acordo com os ideais de seus autores,
redatores e articuladores. Assim, tanto a imprensa católica se utilizava deste
mecanismo para reproduzir à sociedade uma imagem de “mártir”, como a imprensa
maçônica também buscava desconstruir essa imagem, na tentativa de mostrar para as
pessoas que os verdadeiros “culpados” eram as autoridades eclesiásticas que
desobedeceram a ordem do governo.

Convém lembrar ainda que não existem “vitimas” ou “culpados”, tendo em vista
que ocorreram disputas de poderes entre Igreja, partidos, sociedades secretas e
outros sujeitos sociais envolvidos no conflito, na tentativa de obter o controle do poder
83

civil e da esfera eclesiástica, utilizando-se da imprensa periódica como uma


ferramenta para intervir na vida social através de discursos políticos, religiosos,
filosóficos e morais.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Allan Azevedo. Entre a Igreja e o Estado: Atribuições e Atribulações de um


Bispo Ultramontano na Amazônia (1844-1857). Dissertação (Mestrado em História
Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.

AZEVEDO, Thales de. 1904 – Igreja e Estado em tensão e crise: a conquista


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Segundo Império (1840-1889). Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Gregoriana,
Roma, 2010.
84

AS GRAMÁTICAS ESCOLARES E O PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO NA


AMAZÔNIA

BARROS, Nilvane 28

RESUMO

O presente trabalho corresponde ao segundo capítulo da monografia “A


‘GRAMMÁTICA PORTUGUEZA’ DE JULIO CEZAR RIBEIRO DE SOUZA NO
CONTEXTO DA GRAMATIZAÇÃO NO BRASIL”. O referido capítulo trata
primeiramente da história da publicação de livros no Brasil para podermos
compreender como se deu a publicação de Gramáticas escolares e o Processo de
gramatização no Brasil para então compreendermos o processo de gramatização na
Amazônia. Com o estudo pretende-se: a) descrever brevemente o cenário da
educação no Brasil e na Amazônia do período colonial ao período imperial; b)
entender o processo de gramatização no Brasil destacando esse mesmo processo na
Amazônia. O procedimento metodológico utilizado foi a pesquisa bibliográfica e
documental e a análise do livro como objeto físico e pedagógico. A relevância deste
estudo é justificada por permitir uma melhor compreensão da produção gramatical na
Amazônia, destacando as gramáticas que foram inseridas no contexto educacional em
especial as gramáticas paraenses.

PALAVRAS-CHAVES: Gramáticas; Gramatização; História do livro

INTRODUÇÃO

A Gramatização é definida por Auroux (2014.65) “como o processo que conduz


a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda
hoje os pilares do nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário”. Em
estudos posteriores, o autor constatou que gramatização, em si, acontece
anteriormente à criação de dicionários e gramáticas, ou seja, a gramática seria a
materialização da gramatização que, por sua vez, teria a finalidade de normatizar uma

28
Segundo Capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso defendido em 05 de fevereiro de 2019
(vinculado ao Grupo de Pesquisa GEHLDA). Nilvane de S. Oliveira Barros, Graduanda em Letras Língua
Portuguesa pela UFPA-Abaetetuba-PA, nilvanebarros@gmail.com.
85

língua. Auroux (2014, p. 126), em posfácio à reedição de 2009, complementa que


“uma língua gramatizada é uma língua instrumentada que dispõe de referências e
normas”. O autor também destaca que é possível utilizar conceitos distintos entre
“gramatização” e “instrumentos linguísticos” (2014, p.126). Em outras palavras:
gramatização seria o processo de sistematização da língua, os fenômenos linguísticos
e a evolução que a língua sofre; já os instrumentos linguísticos seriam as gramáticas e
dicionários, que seriam adaptados ao tempo com as modificações ocorridas,
registrando assim a evolução da língua. O Processo de “gramatização massiva”, de
acordo com Auroux, se dá a partir do século XVI (no Renascimento) e vai até o final do
século XIX, que segue uma só tradição linguística inicial, no caso, a tradição greco-
latina das línguas do mundo.

METODOLOGIA

O procedimento metodológico utilizado para o desenvolvimento deste trabalho


foi a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a análise do livro como suporte,
observando o aspecto físico e pedagógico de algumas gramáticas publicadas no
estado do Pará. O passo inicial foi o levantamento e tomada de notas de algumas
gramáticas publicadas na Amazônia já catalogadas por alguns pesquisadores do
Grupo de estudo de história do Livro Didático na Amazônia (GEHLDA).

DISCUSSÕES

Esta investigação baseia-se nos pressupostos teóricos dos seguintes autores:


Silvain Auroux (2014), que contribui para o entendimento dos conceitos de gramática,
sua revolução tecnológica e o processo de gramatização; Leonor Lopes Fávero, que
permite conhecermos a história das gramáticas de língua portuguesa e as teorias que
motivaram sua construção, assim como define as influências filosóficas e científicas
que estão por trás da construção das gramáticas produzidas no Brasil; Laurence
Hallewell (1985), que aborda a história do livro no Brasil, possibilitando-nos entender
quais os fatores envolvidos na produção, edição e circulação de livros, entre eles os
livros didáticos; Eidorfe Moreira (1939) e Raimunda Dias Duarte (2018), que nos
mostram como se deu a produção de gramáticas de língua portuguesa no Pará no
século XIX.
O processo de gramatização no Brasil tem início com a chegada dos
Portugueses e com as instituições jesuítas. A língua portuguesa no Brasil, com o
passar do tempo, adquiriu novas características, tornando a Língua Portuguesa de
86

Portugal diferente, em certos aspectos, da Língua portuguesa do Brasil, devido o


contato com diferentes falares aqui existentes e outros vindos depois.
Como visto, na história da educação brasileira, a Língua portuguesa foi
constituída a Língua Nacional do Brasil, imposta por nossos colonizadores. A Língua
aqui ensinada não levava em consideração o falar do brasileiro, pois os manuais
utilizados para o ensino da língua (as gramáticas) eram trazidos de Portugal. A Língua
Portuguesa, desde a sua chegada ao Brasil, passa por um processo de
transformação. Ela estava se desenvolvendo em um ambiente diferente e sendo
moldada a uma nova cultura. Auroux (2014 p.31) confirma que “as grandes
transformações dos saberes linguísticos são, antes de tudo, fenômenos culturais que
afetam o modo de existência de uma cultura do mesmo modo que dela procedem”.
Contudo, nesse momento no Brasil, o saber linguístico brasileiro ainda não é o mesmo
saber linguístico de Portugal.
O estado do Pará se destacou na área das gramáticas, em especial as
produzidas para o ensino primário, de acordo com Moreira (1979). A nível de ensino
primário, muitas gramáticas foram produzidas, mas, ao que consta, poucas foram
produzidas para o ensino secundário da época.
A primeira gramática, escrita por um paraense, que temos conhecimento é a
“Grammatica Portugueza, 1872” de Julio Cezar Ribeiro Souza, anterior à ela não
temos registros de outras gramáticas que tenham sido produzidas e publicadas na
Província do Pará. Contudo, há registro da produção de livros de leitura. Sales e
Nobre (2009) destacam uma nota do Diário do Gram-Pará (19 abril de 1861) sobre a
venda de um compêndio “ Compendio elementar de leitura da lingua nacional", do
autor paraense Luiz Alfredo Baena, foi usada para o ensino da leitura na Província do
Pará na segunda metade do século XIX. Foi feita a divulgação da obra no jornal do
estado. Duarte (2018) afirma que a obra foi aprovada pela instrução pública para ser
usado nas escolas da província do Pará.
Sales e Nobre (2009) também citam outra nota do Diário do Gram-Pará,
sobre uma gramática que circulou na Província do Pará “ Grammatica elementar da
língua portugueza”, por Felippe Benicio d’Oliveira Condurú adoptada para uso dos
collegios e aulas de instrucção primária desta província, a venda na livraria de Levindo
Ribeiro.
A nota contém uma informação relevante sobre um livro escolar que circulou na
Província Paraense, a “Grammatica elementar da lingua Portugueza”. A obra foi usada
na instrução primária da província do Pará. A gramática foi publicada em 1850 pelo
maranhense Felippe Benicio d’Oliveira Conduru e adotada para o uso da Instrução
Primária da Província Paraense (SALES; NOBRE, 2009), em meados do século XIX.
87

A gramática publicada posteriormente à de Julio Cezar Ribeiro Souza, de


acordo com Moreira (1979), foi a obra de Felipe Pinto Marques, “Gramática Elementar
da Língua Portuguesa”. A 6ª edição do compêndio é de 1889 e foi impressa na
Tipografia de A. P. Ramos de Almeida e Cia, no estado do Maranhão. Acredita-se que
as primeiras edições foram impressas no Pará, pois a obra é dedicada a Dom Macedo
Costa. A dedicatória é do ano de 1873. Moreira justifica que essa edição foi feita no
Maranhão talvez por melhores condições de impressão.
Em 1889, foi publicado o “Compendio de Grammatica Portugueza”, editado
pela livraria Universal de Tavares Cardoso e Cia, do Cônego Domiciano Herculano
Perdigão Cardoso. Outro nome de destaque entre os gramáticos paraenses foi
Francisco de Vilhena Alves e Paulino de Brito, que se destacaram no final do século
XIX.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos sobre o processo de gramatização _ que possibilita


descrever e instrumentar uma língua por meio de produção, publicação e circulação de
gramáticas, tivemos uma visão ampla de como nossas gramáticas foram concebidas e
em quais modelos foram baseadas. Sob influência das gramáticas de Portugal, foram
surgindo as primeiras gramáticas de autores brasileiros. Acredita-se que as gramáticas
utilizadas no Província do Pará eram trazidas de outras regiões do Brasil e até mesmo
de Portugal. Nosso estudo é relevante para a História do livro no Brasil, sobretudo na
Amazônia, pois destaca a produção e circulação de gramáticas de língua portuguesa
no Brasil, sobretudo na Amazônia, e vem colaborar para os estudos da história das
gramáticas no contexto paraense destacando a produção das primeiras gramáticas,
colaborando dessa forma à pesquisas futuras sobre Livros Didáticos e/ou
especificamente sobre gramáticas paraenses.

REFERENCIAS

AUROUX, Sylvain. A Revolução Tecnológica da Gramatização. Tradução Enny


Puccinelli Orlandi. 3 ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.

DUARTE, Raimunda Dias. Livros escolares de leitura da Amazônia: Produção,


Edição, Autoria e Discursos sobre educação de meninos, civilidade e moral cristã.
Campinas-SP: Pontes Editores, 2018.
88

FÁVERO, Leonor Lopes. MOLINA, Márcia A. G. As Concepções Linguísticas no


século XIX: a gramática no Brasil. Campinas- SP: Editora da UNICAMP, 2006.

HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. São Paulo: T. A. Queiroz;


EdUSP, 1983.

MOREIRA, Eidorfe. O Livro Didático Paraense: breve notícia histórica. Belém:


Imprensa Oficial,1979.

SALES, Germana Araújo. NOBRE, Izenete Garcia. Mercadorias e livro: Entre fumo
de rapé e aguardente na Belém do século XIX. Rev. MOARA. Belém, n. 31, p. 11-29,
jan/jun, 2009.

O CAPITAL SIMBÓLICO DE BOURDIEU E O INTELECTUAL ETTORE


BOSIO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DA REPÚBLICA PARAENSE

Camilla V. C. P. de Oliveira (UFPA) – camillachagasufpa@gmail.com


Kathia Salomão (UFPA) –salomaokathia@gmail.com
Cesar Augusto Castro – ccampin@terra.com.br

RESUMO:
No texto exposto em tela, objetiva-se analisar a trajetória do maestro Ettore Bosio no
Brasil, como propagador da cultura musical italiana, a qual sofreu suas modificações
na busca por novos estilos artísticos, no tocante ao âmbito musical no período da
Primeira República. Metodologicamente, coloca-se em evidência o pensamento de
Bourdieu a respeito do capital simbólico. Questiona-se acerca das práticas culturais do
referido músico: que vivências na trajetória de Bosio contribuíram para a construção
do seu capital simbólico? Nesse contexto, pretende-se investigar e validar a extensão
dessas concepções, nas vivências de E. Bosio e suas extensões na estrutura social,
enquanto produtor e propagador da cultura e do Capital Simbólico.

Palavra-Chaves: Capital Simbólico. Música. Cultura. Intelectual.


89

INTRODUÇÃO
No contexto musical do final do século XIX e primeiras décadas do XX, tanto na
Itália, onde o agente desta pesquisa nasceu, estudou e adquiriu seu título de maestro
compositor, quanto no Brasil, local em que o mesmo se estabeleceu
profissionalmente, presenciou-se a busca por rupturas com os modelos tradicionais
estabelecidos e pela instalação de novos ideais estilísticos. A partir desses espaços
sociais, o presente artigo tem como objetivo analisar a trajetória de Ettore Bosio na
perspectiva de entender o capital simbólico desse músico, professor e intelectual. Que
vivências na trajetória de Bosio contribuíram para a construção do seu capital
simbólico? A escolha desse professor como objeto de estudo deve-se a sua intensa
participação no contexto musical de Belém, desde sua chegada à capital até sua data
de falecimento (1892-1936), e a relevância de seu posicionamento para mudanças
artísticas e culturais no período, concatenado com os ideais republicanos. Diante
disso, na delimitação do período observam-se as primeiras décadas da República,
correspondendo ao período de suas atividades locais e nacionais conforme os relatos
encontrados na bibliografia consultada.

METODOLOGIA
Utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica, buscando dialogar com autores como
Kiefer (1976) que aborda o contexto musical do período, Salles (2016) e Paracampo
(2018) que discorrem sobre a biografia de Ettore Bosio e o contexto supracitado
anteriormente. Nesse sentido, Paracampo (2018) relata alguns trabalhos que tratam
da história da música na Amazônia e que fazem menção a Ettore Bosio. O trabalho
que ora se propõe realizar aborda o tema a partir da perspectiva teórica de Bourdieu
(1996; 2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao adentrarmos na narrativa que reúne o resgate da vida desse intelectual da
música, é importante delinear o seguinte apontamento de Bourdieu (1996, p. 74-75) a
respeito de biografia, como sendo “[...] essa vida organizada como uma história (no
sentido de narrativa), [que] desenrola-se segundo uma ordem cronológica que é
também uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, [...] até seu fim, que é
também um objetivo, uma realização”. Salles (2016) descreve que esse músico,
nasceu na Itália, na cidade de Vicenza em 1862, onde iniciou seus estudos musicais.
Em 1887 concluiu o curso como maestro compositor apresentando nessa ocasião a
estreia de sua composição Ideale, uma ópera de um ato, e outras três obras com coro
e orquestra. Embarcou em 1888 para o Rio de Janeiro fazendo parte da orquestra de
90

uma companhia lírica italiana, a qual atingiu outros palcos brasileiros. Conforme Salles
(2016), ele retornou ao Brasil em 1893 para estrear sua opera Duque de Vizeu no
Theatro da Paz em Belém e, fixando residência nessa capital, desenvolveu atividades
de professor, pianista, violoncelista do Sexteto Gama Malcher, regente de diversos
concertos e espetáculos líricos no Theatro da Paz, ocasiões em que estreou outras
obras suas, e do Canto Coral de Belém. Assim, ocupou a cadeira de docente no
Conservatório Carlos Gomes ministrando diferentes disciplinas e ocupou o cargo de
diretor dessa instituição de 1929 até 1936, ano de seu falecimento. Em relação ao
cenário da música na República, tem-se a presença da música religiosa, das danças
de salão, da música instrumental e da ópera, sendo que nesse gênero os
compositores italianos dominavam a maioria dos espetáculos escolhidos, tais
evidências justificam a presença de Ettore Bosio no Brasil. No entanto, os
republicanos associavam a preferência pela estética italiana à monarquia, regime que
condenavam, e para eles era compreendido como mau gosto do povo que necessitava
ser corrigido e substituído por outras práticas culturais. Diante de tal realidade, o que
parecia ser perfeito e aceitável era a música alemã e a francesa. Assim, pode-se
observar no período republicano a continuidade na preocupação de um processo
civilizatório, buscando educar o povo musicalmente com base no pensamento de uma
determinada elite intelectual sobre “o que seria a melhor música?”, criticando a
preferência musical do povo pela ópera (italiana), músicas de salão, canções
populares. Nos universos sociais, os quais Bourdieu (1996, p. 83) acredita serem
relativamente autônomos chamando-os de campos, “[...] os profissionais da produção
simbólica enfrentam-se em lutas que têm como alvo a imposição de princípios
legítimos de visão e de divisão do mundo natural e do mundo social”. Situando o
maestro Bosio em meio ao período vivenciado, ele era tido como um músico moderno,
verista – as óperas retratavam a realidade concreta, republicano com defesa ao
nacionalismo, e naturalista – tanto que escolheu para o libreto de Duque de Vizeu o
tema de um poeta naturalista, Lopes de Mendonça. Além de a letra ser em português,
Ettore Bosio também inovou em sua ópera compondo-a em três atos, ao contrário do
modelo tradicional das óperas italianas compostas de quatro atos. Com base nesse
panorama e nas atividades profissionais de Bosio, vê-se a possibilidade de enumerar
quatro etapas da vida musical do maestro. Primordialmente refere-se a fase inicial de
sua carreira ainda na Itália, onde Bosio apresenta uma forte filiação com a escola
vanguardista do período, o verismo. “Os homens formados em uma dada disciplina ou
em determinada escola, partilham um certo ‘espírito’ literário ou científico”
(BOURDIEU, 2007, p. 206). Essa escolha acompanhou Bosio no restante de sua
carreira, uma vez que não aderiu à outra escola composicional. “Pode-se supor que
91

cada sujeito deve ao tipo de aprendizagem escolar que recebeu um conjunto de


esquemas fundamentais, profundamente interiorizados, que servem de princípio de
seleção no tocante às aquisições ulteriores” (BOURDIEU, 2007, p. 209). Muitas
dessas “aquisições ulteriores”, em Bosio, podem ser percebidas ao deslocar-se para o
Brasil e depois fixar residência em Belém. Dentro do que se propôs neste ítem,
poderia chamar-se de segunda etapa o momento inicial de sua morada em solo
brasileiro. O maestro começou a incorporar elementos diferentes em suas obras. Ao
compor a ópera Duque de Vizeu utilizou a língua portuguesa. Os idiomas normalmente
usados eram o italiano e o francês, por isso as óperas em português não se tornavam
muito populares. Considerar-se-á como terceira etapa, a fase em que Bosio “procurou
conhecer a música do povo e assimilar seus elementos”. Dentre as suas obras com
esses elementos têm-se Nazareida, baseada no Círio de Nazaré, Samba do Costa e A
taboca do ceguinho (SALLES, 2016, p. 134). Na quarta e última etapa, considera-se o
período histórico a partir da década de 1920 até a de 1930, ocasião de seu
falecimento. Foca-se nessa fase, embasado nos estudos de Paracampo (2018, p.
124), o trabalho de Bosio como professor, ministrando a arte utilizada como um meio
civilizador atendendo aos ideais positivistas e republicanos, procurando-se por meio
dela um efeito moralizador, de ordem e progresso, em busca de uma unidade
nacional. Dentre seus alunos reconhecidos nacionalmente encontra-se Waldemar
Henrique, considerado um nacionalista de terceira geração pelo pesquisador Mariz
(2005). Paracampo (2018, p. 20) acredita que o maestro viveu “[...] dentro de um
contexto em que a música era contraditória, pois se buscava através dela uma forma
de nacionalização, mas, ainda sem dispensar o modelo da técnica europeia musical”.
Bourdieu (1996, p. 86) ressalta que “é típico das estratégias pelas quais, em alguns
campos, os pretendentes mais ambiciosos - ou pretensiosos – afirmam um desejo de
ruptura que, ao tentar lançar o descrédito sobre autoridades estabelecidas, visa obter
uma transferência de seu capital simbólico”. Em relação ao capital simbólico de Bosio
entende-se esse conceito de Bourdieu em Silva, Gordo e Santos (2018) como o
prestígio que o agente social tem em seu campo. Percebe-se o prestígio do maestro
no Brasil ao desenvolver suas atividades, tais como: tocar, compor, reger, ministrar
aulas, publicar na imprensa, ajudando-a assim a gerar o seu capital simbólico. De
posse desse capital foi diretor do Conservatório Carlos Gomes durante quase dez
anos, ficando nesse cargo até a sua morte. Da mesma forma, influenciou diversos
alunos defendendo seus ideais e propagando o nacionalismo, o positivismo, embora
fiel a muitos de seus princípios presentes em seu habitus. Bosio veio para o Brasil com
um título de formação em uma escola italiana, o que era valorizado pelo meio musical
local, uma vez que muitos brasileiros tinham como preferência estudar música na
92

Europa, em especial na Itália, Portugal e França. Conforme Bourdieu (2004, p. 148)


“[...] o título profissional ou escolar é uma espécie de regra jurídica de percepção
social [...]. É um capital simbólico institucionalizado, legal [...]”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar essa trajetória com base nos conceitos de Bourdieu, aqui
selecionados, permite que se veja o quanto o capital adquirido pelo maestro, mediante
a sua vivência musical com a cultura dominante, que era a erudita e a europeia, tanto
na infância quanto na fase escolar, permaneceu durante a sua vida determinando o
seu proceder profissional, ao propagar e manter a cultura que era tida como legítima, e
consequentemente o seu êxito musical por meio desse capital simbólico. A reprodução
da cultura dominante, principalmente no meio escolar, como propagam os estudos de
Bourdieu e Passeron (1992), é possível de se encontrar nessa trajetória, pois, mesmo
Bosio se utilizando de elementos nacionais, como texto em português em suas óperas,
e da música considerada do povo para compor o seu produto final, ou seja, as suas
obras musicais, ainda mantinham-se dentro de um modelo erudito e europeu comum
naquele período. Assim, o capital simbólico construído em suas vivências,
possibilitando Bosio assumir cargos de direção, de docência, de crítico musical na
imprensa, e compor um acervo com muitas obras musicais, contribuiu para a história
musical do país, em especial a do Pará.

REFERÊNCIAS

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2007.
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Bertrand Brasil, 2004.
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Trad. Mariza Corrêa. Campinas (SP): Papirus, 1996.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1992.
KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do século XX.
Porto Alegre: Movimento, 1976.
MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2005.
93

PARACAMPO, Amanda Brito. As trilhas amazônicas de Ettore Bosio: trajetória,


música e presença no meio artístico-musical em Belém (1892-1936). 2018. 218p.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.

SALLES, Vicente. Música e músicos do Pará. 3 ed. rev. Belém (PA): FCP, 2016.

SILVA, Vegas Vitória Andrade da; GORDO, Margarida do Espírito Santo Cunha;

SANTOS, Marcio Antonio Raiol dos. O peso do capital cultural na explicação das
desigualdades escolares: uma (re)visão das obras Os herdeiros (1964) e A reprodução
(1970), de Bourdieu e Passeron. In: GORDO, Margarida do Espírito Santo Cunha;

SILVA, Vegas Vitória Andrade da; GODIM, Suelen Tavares. Cadernos de ensino,
pesquisa e extensão: práticas pedagógicas, currículo e inclusão II. Vol 3. Belém:
Paka-Tatu, 2018.

LEOPOLDO PENNA TEIXEIRA: DIFUSOR DAS PRÁTICAS E DO ENSINO


AGRÍCOLA MODERNO NO PARÁ (1914-1919)

José Arimatéa Gouveia dos Santos29

Introdução
Leopoldo Penna Teixeira era agrimensor formado pelo Liceu Paraense no
início do século XX. Nessa Instituição de nível secundário teve seu contato com a
agricultura racional, no momento em que economia aurífera da borracha produzia
riquezas as elite locais e possibilitava a remodelação da cidade de Belém aos padrões
modernos de países como a França.
A formação em agrimensura possibilitou que fosse nomeado diretor do Campo
de Agricultura Experimental em 1911, instituição agrícola criada para ser modelo, em
plena capital, para implantar uma agricultura racional e promover o ensino agrícola
baseado nas ciências. O lugar que ocupava na Instituição agrícola símbolo da

29
Doutorando no Curso de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática- UFPA
94

proposta institucional de modernizar a agricultura e a pecuária mostrava a sua posição


na rede social local.
Além de diretor da importante Instituição de Ensino agrícola foi redator do jornal
o “Estado do Pará”, no qual escreveu artigos sobre os mais variados assuntos da
agricultura racional. Por meio desses artigos que pretendemos analisar os discursos
na divulgação da agricultura moderna no Pará, no qual incluía o ensino agrícola coma
presença das ciências naturais.

Objetivos
Este artigo tem objetivo analisar as contribuições de Leopoldo Penna Teixeira
na implantação do ensino agrícola no Pará 1914 a 1919 com a presença das ciências
naturais.

Metodologia
Foi realizada uma pesquisa documental, em que foram analisados artigos no
jornal Estado do Pará nos quais estão presentes os discursos de Leopoldo Penna
Teixeira sobre agricultura moderna, ensino agrícola com a presença das Ciências
Naturais. A pesquisa utiliza como ferramenta teórica os estudo culturais em ciências
elaboradas por Veiga-Neto e Wortamann (2001) que possibilita analisar a história das
Ciências Naturais no ensino agrícola não como um processo contínuo do
conhecimento cientifico e de superação as dificuldades estabelecidas pelos saberes
tradicionais da prática agrícola. Nem mesmo como saber universal, verdadeiro e
superior aos outros, inclusive práticas tradicionais da agricultura amazônica. Mas que
considera que houve condições de possibilidades que “está relacionada ao social, ao
cultural e os representacionais” (WOTMANN E VEIGA-NETO, 2001, p. 115).

Resultados e Discussões
Os discursos e propostas de Leopoldo Penna Teixeira analisados nos artigos
apresentam a agricultura moderna, o ensino agrícola coma presença das ciências
Naturais na Amazônia. Para ele, a crise econômica decorrente da queda do preço da
goma elástica, indicava a atuação do Estado em estimular o envio de braços para
atividade da agricultura. Algo que ecoava isoladamente diante de discursos em prol da
manutenção da atividade gomífera numa cadeia defendida por sujeitos sociais, tais
como: comerciantes, seringalistas e outros sujeitos sociais dependentes dessa
atividade extrativista e seus representantes no Congresso legislativa
95

Essa proposta não era para ele uma simples troca de uma atividade econômica
por outra, mas a substituição de uma atividade tradicional por outra moldada pelo
saber moderno. Era a troca de uma atividade rotineira, considerada sem novas
técnicas por outra que permitia as interferências cientificas.
Contudo, para que a agricultura moderna fosse exercida era importante o
ensino agrícola nos diferente níveis de ensino: primário, secundário, formação de
professores e no ensino superior com a presença das Ciências Naturais. A medida
que subia o grau de ensino era demonstrada com maior especialidade das ciências
Os discursos proferidos por Leopoldo possibilita entender que apesar dos
governantes do Pará priorizarem o ensino agrícola primário com diretrizes somente
voltadas para criação de intuições agrícola como estações e campões experimentais,
havia no Pará sujeitos sócias na rede desde 1914 que divulgavam o ensino agrícola
superior quatro anos antes da Criação da Escola de Agronomia em 1918.

Considerações finais
Os artigos produzidos por Leopoldo Teixeira, mostram que havia no estado do
Pará um ator social que possibilitava a circulação de discursos sobre ensino agrícola
nos diferentes níveis, respectivamente cada uma com seu grau de especialização das
ciências naturais, indo das noções das ciências naturais no ensino elementar até
aquelas que favorecessem a investigação científica no ensino superior.
A defesa do aparato do ensino agrícola em nível do primário, médio e de
formação de professores que deveriam ser criadas no Pará, davam possibilidades da
necessidades de um maior número de agrônomos para atender a demanda do ensino
agrícola em diferentes instituições agrícolas. Mas para isso, houve a defesa da criação
de uma escola no próprio território do Pará, como veio a ocorrer com a criação da
Escola de Agronomia do Pará em 1918. A presença das ciências no ensino agrícola
por meio dos artigos de Leopoldo mostram a contribuição que as escolas agrícolas
deram na difusão da ciências naturais na Amazônia.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Agrícola – Ciências Naturais – Intelectual da Educação

REFERÊNCIAS

SANTOS, Jose A, Gouveia. O papel das Escolas Agrícolas na introdução da


racionalidade científica no Pará (1860-1912). Dissertação (Mestrado Acadêmico em
Educação em Ciências e Matemáticas) – Instituto de Educação Matemática e
Científica/ IEMCI/UFPA, 2013.
96

SOUZA, Orlando Nobre Bezerra. Ensino agrícola: do instituído aos novos


horizontes profissionais. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Planejamento e
Desenvolvimento) Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAE), Universidade Federal
do Pará, 1994.

TEIXEIRA, Leopoldo Penna. Escola Agrícola de lavras. Estado do Pará, 29 de


janeiro de 1915, ed. 1521, p. 5.

TEIXEIRA, Leopoldo Penna. Laboremos! Estado do Pará, 06 de julho de 1914, ed.


1180, p. 1 e 2.

TEIXEIRA, Leopoldo Penna. O Ensino e a nossa agricultura. Estado do Pará, 29 de


janeiro de 1917, ed. 2092, p. 2 e 3.

VEIGA-NETO, Alfredo & WORTMANN, Maria L. Castagna. Estudos Culturais da


Ciência & Educação. São Paulo: Autêntica Editora - Coleções: Pensadores &
Educação /Temas & Educação. 2001.

A POÉTICA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO A PARTIR DO PENSAMENTO DE


ABGUAR BASTOS NA SÉRIE “OS DRAMAS DA AMAZÔNIA” 30

CORRÊA, Dinalva da Silva; RODRIGUES, Denise de


Souza Simões31

RESUMO:

O presente resumo faz parte de uma proposta de pesquisa que, está sendo realizada
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do
Pará (PPGED-UEPA), e está baseada nas seguintes questões norteadoras: Como as
práticas educativas se fazem presente nas obras que compõem a Série “Os dramas
da Amazônia”? Como as representações sociais dos personagens são construídas
dentro do contexto político, cultural e sócio-econômico? A pesquisa será realizada, a

30
Proposta de pesquisa do PPGED-UEPA (em andamento).
31
Mestranda em Educação (UEPA), Belém-Pará. E-mail: correadinalva@gmail.com; Profª.
Doutora Titular (UEPA), Belém-Pará, E-mail: dssr@uol.com.br
97

priori, por meio de um levantamento bibliográfico e documental do material disponível


nos acervos públicos, localizados em Belém do Pará, bem como por meio da leitura
das publicações de dissertações, teses, artigos, revistas e fichamentos das obras
mencionadas anteriormente. Partindo do pensamento de teóricos, como Santos
(2003), Freire (1977), abordamos questões relativas à educação na Amazônia e seus
desafios para a atualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Abguar Bastos; Os dramas Amazônia; Poética política;


Práticas Educativas na Amazônia.

INTRODUÇÃO

Abguar Bastos nasceu em Belém, em 1902 (há quem o registre em 1904) e


faleceu em 1995 (FURTADO, 2007). Iniciou, na literatura, como poeta e se tornou um
escritor multifário. Foi integrante da Academia do Peixe Frito. Em 1927, elaborou o
Manifesto Flami-n’-assu que, lançou o Movimento Modernista em 1922, na Amazônia.
Abguar foi um dos muitos que apresentou a realidade da Amazônia em seus
romances por privilegiar aspectos referentes à cultura e aos costumes da região por
meio de uma escrita que conquista o leitor pela beleza e uma poética política do texto.
Sob tal perspectiva, pretendemos investigar como as práticas educativas
inserem-se no contexto político, social, cultural e econômico a partir do “olhar” crítico
de Abguar Bastos nas obras inseridas na Série Os Dramas da Amazônia. Para os
limites desse resumo, iremos abordar apenas dois dos romances, a saber: “Terra de
Icamiaba” e “Safra”, com vistas a pontuar uma reflexão crítica, que norteia os rumos
da pesquisa.

METODOLOGIA

Conforme Marconi e Lakatos (2003) trata-se de uma revisão bibliográfica, isto


é, que contempla o estudo já tornado público em relação ao tema de estudo. A
pesquisa será realizada, a priori, por meio de um levantamento bibliográfico e
documental acerca do material disponível nos acervos públicos da cidade de Belém do
Pará. E, portanto, os dados serão coletados por meio leitura das publicações de
dissertações, teses, artigos, revistas e fichamentos das obras “Os dramas da
Amazônia”.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
98

A região amazônica, em sua complexidade, é caracterizada por uma


diversidade de grupos humanos, experiências históricas e ambientais, situações
sociolinguísticas, poéticas e imaginários que engendram, por conseguinte, diferentes
processos educativos, bem como, múltiplos saberes (ALBUQUERQUE, 2016).
Em “Terra de Icamiaba”, Abguar denuncia a exploração da Amazônia por
estrangeiros que vem enriquecer como “regatões” (comerciantes) engando os
ribeirinhos. Bepe, o herói, acredita em um destino revolucionário para a Amazônia.
Porém, após experimentar a vida na cidade, desencantou-se e resolveu viver no lago
do Badajós, no interior do Amazonas. Conforme
Santos (2003), esses saberes inserem-se na perspectiva de uma “sociologia das
ausências”. Portanto, representam experiências que são consideradas não existentes,
invisíveis e totalmente marginalizadas e que por isso devem ser recuperadas e
tornadas visíveis. Em relação à “Safra”, (FARIAS, 2010), a temática do
romance evidencia o extrativismo do ciclo da castanha-do-Pará e a situação do
homem amazônico subjugado pela realidade política local. Abguar demonstra não
somente com um tom de denúncia, mas como uma reflexão sobre o ser humano, o
poder e as suas consequências. Nesse romance, vale destacar que os
crimes contra a infância margeiam a obra. O terceiro capítulo da obra, “Comedores de
terra”, orquestra a denúncia do descaso da miséria com a infância local, por meio do
barulho da terra na boca das crianças: “carrau...carrau...carrau” e no capítulo
denominado “Justiça”, Chico, um dos meninos órfãos de pai e filho de uma lavadeira, é
julgado como sendo inadequado no espaço escolar, no convívio com as demais
crianças. Ele recebia castigos da professora, porém os filhos do Coletor, do Tabelião,
do Promotor eram isentos dessa prática (BASTOS, 1958).
Dessa forma, essas duas narrativas propõe uma reflexão entre opressores e
oprimidos, seja nos âmbitos econômicos, social e de detenção de conhecimento, pois
como afirma Paulo Freire (1977), os oprimidos é que se encontram melhor
preparados para entender o significado de uma terrível sociedade opressora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de não ser muito divulgado nos meios acadêmicos, Abguar Bastos é
um escritor que se destaca por uma produção intelectual que abrange os contextos:
político, sócioeconômico, literário e cultural de uma profunda atuação nas causas
sociais, em especial, a Educação, sobretudo, na Amazônia.
Utilizando de uma poética política nas obras aqui analisadas, percebemos em
“Terra de Icamiaba” e “Safra”, obras que conquistam o leitor por trazerem profundas
99

reflexões e discussões que ainda estão presentes e muito latentes, na atual realidade
amazônica. As obras são um alerta para pensar e refletir sobre como as práticas
educativas refletem negativamente na formação de professores e como esses
impactos atingem os educandos e quais as consequências que esse tipo de educação
acarreta. Em resumo, diante do exposto, pretendemos apresentar, por
meio das obras mencionadas, um retrato da educação na Amazônia, que se
demonstra movente, porém em constante processo.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Maria Betânia (org). Saberes da experiência, Saberes escolares:


diálogos interculturais. Belém: EDUEPA, 2016.

BASTOS, A. Terra de Icamiaba: romance da Amazônia. 2ªed. Rio de janeiro:


Andersen Editores, 1934.

BASTOS, A. Safra. 2ªed. Rio de Janeiro: Conquista, 1958.

FARIAS, G. da. C. V. Safra, retratos da vida e do homem amazônico na ´produção


da castanha. 2010. 96f. Dissertação (Mestrado em Letras). Instituto de letras e
comunicação. Universidade Federal do Pará. Belém.

FURTADO, M. T. Abguar Bastos e Dalcídio Jurandir: o compromisso com o social


amazônico. In: DEL CASTILO, L.H. M (Org). Simpósio de Estudos de Literatura e
cultura da Amazônia: construções de identidades. Biblioteca Setorial do Instituto de
Letras e Comunicação, UFPA, nº 28. Belém: 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 4ªed. RJ. Paz e Terra, 1977.

LAKATOS, E.M; MARCONI, M.de. A. Fundamentos de metodologia científica. 5ªed.


São Paulo: Atlas, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia
das emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org).Conhecimento prudente
para uma vida decente: um discurso sobre as ciências. Revisitado. Porto:
Afrontamentos, 2003. (p. 735-775).
100

A EDUCAÇÃO ESPECIAL EM BREVES-PARÁ: DE 1985 A 201832

LOBATO, Huber Kline Guedes33; BENTES, José Anchieta de Oliveira34;

RESUMO
Este estudo é proveniente de uma pesquisa fundamentada nos pressupostos de
Burker (1992) que toma por referência a história-vista-de-baixo por considerar mais
seriamente as opiniões das pessoas comuns sobre seu próprio passado. Destaca-se
que a obra está fundamentada em documentos oficiais, fotografias e depoimentos
orais. Estes últimos dão-se na esfera dos trabalhos da memória social. Trata-se de
uma construção da lembrança que evoca narrativas do passado (PORTELLI, 2001).
Desta forma, apresenta-se o contexto histórico da Educação Especial no município de
Breves-Pará, dividido em três períodos: a) de 1985 a 1997 – em que o Ensino
Fundamental era de responsabilidade do Governo Estadual; b) de 1998 a 2010 – a
partir da municipalização do Ensino Fundamental, em que a Educação Especial
vinculou-se à Secretaria Municipal de Educação de Breves (SEMED), por meio de
uma Coordenação; c) de 2010 a 2018 - em que Educação Especial passa a ser de
responsabilidade do Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) Hallef
Pinheiro Vasconcelos da Secretaria Municipal de Educação de Breves.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial. Educação Inclusiva. Atendimento


Educacional Especializado.

INTRODUÇÃO
O contexto histórico da Educação Especial em Breves nos remete a meados da
década de 1980, período de implantação desta modalidade de ensino no município,
por meio da 15ª Divisão Regional de Educação, hoje 13ª Unidade Regional de
Educação. A história da Educação Especial em Breves, pode ser dividida em três
períodos:

32
Este estudo traz resultados da pesquisa realizada no Curso de Pós-Graduação - Latu Sensu, em Educação Especial, na Faculdade
de Educação Montenegro (FAEM), quando elaborou-se o trabalho final sobre o processo histórico da Educação Especial em
Breves, com o título da monografia “A história da educação especial na cidade de Breves: resgate de memórias” (LOBATO, 2010).
33
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará e Professor do Curso de Letras Libras
e Língua Portuguesa como segunda língua para surdos da Universidade Federal do Pará; Belém, Pará, e-mail: huberkline@ufpa.br
34
Professor com pós-doutoramento em educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2013), doutorado em
Educação Especial (UFSCAR/2010), Professor adjunto do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) e do Curso de Letras
Libras da Universidade do Estado do Pará (UEPA); Belém, Pará, e-mail: anchieta2005@yahoo.com.br
101

De 1985 a 1997 – Período em que o Ensino Fundamental era de


responsabilidade do Governo Estadual; De 1998 a 2010 - após o período de
Municipalização do Ensino Fundamental, em que este passa a ser de
responsabilidade do Governo Municipal; De 2010 a 2018 - período em que a
Coordenação da Educação Especial passa a ser de responsabilidade do Centro de
Atendimento Educacional Especializado (CAEE) Hallef Pinheiro Vasconcelos da
Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Breves.

O objetivo deste estudo constitui-se em analisar a trajetória histórica da


Educação Especial em Breves-Pará no interim de 1985 a 2018.

METODOLOGIA

Este estudo fundamenta-se na perspectiva de Burker (1992) acerca da história-


vista-de-baixo, em que as opiniões, visão de mundo e ideias de pessoas comuns
sobre suas experiências concretas e individuais, bem como sobre seu (s) passado (s)
são relevantes para compreender a história local e conectá-la com os processos
históricos, sociais, políticos e econômicos mais amplos.

O presente estudo foi concretizado por meio da interpretação de documentos


oficiais, fotografias e depoimentos orais: em relação aos depoimentos orais, seleciona-
se àqueles voltados à Educação Especial, pois no âmbito da memória social estes
depoimentos evocam narrativas do passado (PORTELLI, 2001); essas narrativas
foram e são significativas para se compreender o contexto histórico da Educação
Especial em Breves-Pará.

Destaca-se que os trabalhos de Lobato (2010; 2015; 2017) contribuíram de


forma valorosa para apreender este processo histórico, pois essas produções
trouxeram personagens que vivenciaram o cotidiano das escolas de Breves. Estes
personagens, por meio de entrevistas, foram narrando o passado e, assim, delineando
a trajetória histórica da Educação Especial no município.

O estudo encontra-se embasado em Bentes (2014) e Oliveira (2017) que


versam estudos sobre Educação Especial, Direitos Humanos e Cidadania, assim como
relaciona a Política de Educação Especial em uma perspectiva Inclusiva em âmbito
inter/nacional. Sobre a história de Breves tem-se como referência Leão e Sarraf-
Pacheco (2012) que descrevem as memórias e as imagens que integram as ruas e os
bairros deste lugar (Breves).
102

Assim, o referido estudo é baseado em análises bibliográficas e documentais,


junto a depoimentos orais colhidos por meio de entrevistas com alunos e ex-alunos,
com pais, professores e demais profissionais que atuaram e atuam na área da
Educação Especial em Breves.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Relaciona-se três períodos neste estudo acerca da trajetória histórica da


Educação Especial em Breves, que são:

a) De 1985 a 1997 – período em que o Ensino Fundamental era de


responsabilidade do Governo Estadual: período de implantação da Educação
Especial em Breves.

A Educação Especial em Breves – de acordo com cópia de um ofício


pertencente ao arquivo da 13ª Unidade Regional de Educação (URE) de Breves – foi
implantada no ano de 1985, sob a direção da Professora Maria Vanderli M. do Espírito
Santo, que tinha como coordenadora a professora Maria José Barbosa da Silva, sendo
a primeira coordenadora da Educação Especial no município, atuando até meados de
1986 (LOBATO, 2010).

b) De 1998 a 2010 - após o período de Municipalização do Ensino


Fundamental: período de estruturação da Educação Especial em Breves.

Sabe-se que o processo de municipalização do ensino fundamental foi


instigado pelo governo federal mediante o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) - Lei 9.424/1996.
De acordo com Alves (2011) isso não significa que o processo de implementação
dessa política tenha sido homogêneo em todo o Brasil, pois cada estado e seus
municípios possuem características sociais, educacionais e políticas diferentes.

Assim, a partir de 1998 o Ensino Fundamental em Breves passou a ser de


responsabilidade do Governo Municipal e a Coordenação de Educação Especial
atrelou-se à Secretaria Municipal de Educação de Breves (SEMED).

c) De 2010 a 2018 - a Coordenação da Educação Especial passa a ser de


responsabilidade do CAEE Hallef Pinheiro Vasconcelos da SEMED de Breves: período
de reestruturação da Educação Especial em Breves.
103

Assim, na intenção de fortalecer as reivindicações daqueles que lutam por uma


educação para todos, que lutam a favor das classes populares excluídas, por uma
educação que, de fato, realize a inclusão, no ano de 2010 o município de Breves
projetou o CAEE Hallef Pinheiro Vasconcelos. O referido Centro foi inaugurado no dia
01 de julho de 2010, criado com base na Lei Municipal nº 2.095 (BREVES, 2005) e
mantido pela Prefeitura Municipal de Breves. Todos esses fatos foram avaliados e
interpretados por meio dos depoimentos orais dos participantes e de documentos
oficiais e fotografias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Breves, a Educação Especial possui uma trajetória histórica que parte das
primeiras iniciativas de implantação dos serviços educacionais destinados às pessoas
com deficiência na rede pública de ensino, passando pela estruturação de um conjunto
de escolas, chegando a reestruturação destes serviços por meio das atividades
desenvolvidas pelo CAEE Hallef Pinheiro Vasconcelos.
O contexto histórico da Educação Especial no município de Breves está
diretamente atrelado com o processo histórico desta modalidade de ensino em seu
âmbito Global, Nacional e Regional. Em suma, as notas sobre o histórico da Educação
Especial em Breves, discutidas ao longo deste estudo, nos permitem concluir que o
atendimento educacional aos alunos da Educação Especial é proveniente de um
movimento que segue as discussões que aconteciam/acontecem em contexto nacional
e internacional.

REFERÊNCIAS

ALVES, Charles Alberto de Souza. A política de municipalização do ensino


fundamental no estado do Pará a partir da ótica dos gestores estaduais da
educação. 2011. 192 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-
Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação – ICED. Universidade
Federal do Pará – UFPA, Belém – Pará, 2011.

BENTES, J. A. O. A política de educação inclusiva e a educação de surdos. In:


GOMES-SANTOS, S. N; BENTES, J. A. O; ALMEIDA, P. S. (Orgs.). Trabalho
docente e linguagem em diferentes contextos escolares. Belém: Paka-Tatu, 2014,
p. 131-148.
104

BRASIL, Lei N.º 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de


Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. Brasília, 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9424.htm. Acesso em: 20
mar. 2019.

BREVES. Lei Municipal nº 2.095/2005. Estabelece a implantação do Centro de


Atendimento Educacional Especializado Hallef Pinheiro Vasconcelos. Câmara
Municipal de Breves, 2005.

BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: ______. (Org.).
A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo:
Editora UNESP, 1992. p. 1-13.

LEÃO, D. S. S; SARRAF-PACHECO, A. Memórias e imagens dos bairros de Breves.


In: SARRAF-PACHECO, A. S; SCHAN, D. P; BELTRÂO, J. F. (Orgs.). Remando por
campos e florestas: patrimônios marajoaras em narrativas e vivencias. Belém, GK
Noronha, 2012.

LOBATO, Huber Kline Guedes. A história da educação especial na cidade de


Breves: resgate de memórias. 2010. 44 f. Monografia (Especialização em Educação
Especial), Faculdades de Educação Montenegro, Breves, 2010.

_______. Representações Sociais de professoras a respeito do Atendimento


Educacional Especializado para alunos Surdos. 2015. 204 f. Dissertação (Mestrado
em Educação). Universidade do Estado do Pará, Belém – Pará, 2015.

_______. Dizeres de uma professora sobre a Escolarização de Surdos no contexto da


Inclusão Escolar em Breves-Pará. Revista Periferia. v.9 n.1 jan-jun, 2017. Disponível
em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/download/28993/20726.
Acesso em 29 jul. 2018.

OLIVEIRA, I. A. Educação Especial, Direitos Humanos e Cidadania. In: FERNANDES,


Ana Paula Cunha dos Santos (Org.). Educação especial: cidadania, memória,
história. Belém: EDUEPA, 2017, p. 37-51.

PORTELLI, Alessandro. História oral como gênero. In: Projeto História. São Paulo:
Educ, nº 22, jun. 2001, p. 9-36.
105

A PRODUÇÃO DE UMA HISTÓRIA ESCOLAR, “PÁTRIA E REGIONAL” EM


APOSTILAS DE HISTÓRIA DO PARÁ DE THEODORO BRAGA (1915)

CARDOSO, Wanessa Carla Rodrigues Cardoso35;

RESUMO
O intuito deste trabalho é analisar a produção de uma história escolar, pátria e
regional, no livro Apostilas de História do Pará (1915) de Theodoro Braga, livro este,
fruto de uma solicitação da Secretaria de Instrução Pública do Pará, para distribuição
nas escolas primárias do estado, como parte das comemorações pelo tricentenário de
Belém. No discurso didático de Theodoro Braga observa-se uma grande preocupação
em construir uma memória histórica, que serviria de exemplo professores e para os
jovens estudantes, que deveriam conhecer bem o passado, como futuros cidadãos da
pátria. Voltar ao passado e reescrever a História, construindo novas narrativas sobre o
mesmo, significava criar uma tradição, categoria essencial na construção de uma
identidade regional e nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Intelectuais; Manuais escolares, História pátria regional

INTRODUÇÃO
Theodoro Braga está entre os principais articulistas paraenses das primeiras
décadas do século XX, que estiveram preocupados em construir uma identidade
nacional e regional, vocação nacionalista essa, que marcou suas produções e sua
trajetória artística e intelectual.
Formou-se em 1893, pela faculdade de direito do Recife, e logo se inclinou a
formação artística ainda nesse mesmo período. Já residindo no Rio de Janeiro, em
1894 passa a estudar pintura na Escola Nacional de Belas Artes, permanecendo até
1899. Por excelência nos estudos ganha como prêmio uma viagem a Europa, para
aperfeiçoamento, e se fixa em París, onde estudou na Academia Julian com Jean-Paul

35
Professora Ad4- SEDUC/PA; Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA (PPGED);
Doutoranda no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará (PPHIST). Este trabalho é fruo das
pesquisas para elaboração da dissertação de mestrado (PPGED-UFPA), intitulada “Alma e Coração”: O Instituto Histórico e
Geográfico do Pará e a Constituição do Corpos disciplinar da História Escolar no Pará Republicano (1900-1920).
wanakal@yahoo.com.br
106

Laurens, um dos mais importantes mestres da pintura histórica francesa, que vai
influenciar sobremaneira em sua formação.
Ao fazer caminho de volta ao Brasil em 1905, realiza várias exposições no Rio
de Janeiro, Recife, e por último, Belém, onde era aguardado com bastante
expectativa. Seus vínculos com a História e com a pintura histórica se fortalecem com
a execução de sua mais importante obra, A fundação da Cidade de Nossa Senhora de
Belém do Pará, concluída em 1908, sob o mecenato do Intendente Municipal Antônio
Lemos. Feita sob encomenda para ser apresentada ao público no aniversário do
Intendente, essa obra é considerada o marco inaugural do modernismo na Amazônia,
em que o artista pinta e escreve pelas nuances de seus pinceis a História da região.

Após 1911, Theodoro Braga escreve vários textos, tendo como preocupação a
História da Amazônia, acompanhando um forte movimento da intelectualidade local
em tratar de temas pátrios e nacionais. A produção didática Apostilas de História do
Pará (1915) é resultante deste momento fértil de pensar os ideais pátrios e as
tradições nacionais
Solicitado pela Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública do Pará,
Theodoro Braga publica em 1915 Apostilas de História do Pará, 16 “Theses para
conferências didacticas nas escolas publicas e particulares do Estado do Pará”, em
comemoração ao tricentenário da fundação de Belém. Solicitação mais oportuna, para
aquele que realizou grande pesquisa histórica para a execução da grande tela
histórica sobre a conquista do território Amazônico. Momento mais que oportuno,
afirma, “de definir nossas origens, com conhecimentos de causa e efeitos, como razão
da existência coletiva”. (BRAGA, 1915, p. 11).
Assim, este trabalho objetiva analisar as narrativas sobre história pátria
regional, construídas por Theodoro Braga em suas teses didáticas desenvolvidas em
Apostilas de História do Pará, bem como os objetivos pátrios de formação do alunado
primário paraense, voltados a formação para a nacionalidade e para formação do
cidadão republicano que se queria.

METODOLOGIA

Por meio da pesquisa Histórico-documental, em constante diálogo com a


referência teórica sobre o tema, buscamos investigar as narrativas construídas pelo
autor e voltadas ao ensino de História pátria regional nas primeiras décadas do século
XX. Quanto ao aporte teórico utilizado, os estudos de Chervel (1990) acerca do campo
disciplinas escolares, de Bittencourt (2004; 2008) e Choppin (2004, 2009) sobre a
107

produção, circulação e usos de manuais didáticos, Hobsbawm e Ranger (2008), nos


ajudaram sobremaneira na análise documental e na forma de olhar o objeto estudado.
As teses de História Pátria regional presentes em Apostilas de História do Pará
(1915), abordavam os seguintes temas ou lições: 1-Partida de Francisco Caldeira
Castelo de Branco, em 25 de dezembro de 1615, em demanda das águas do Pará;
seus intuitos, derrota da viagem e sua chegada em Belém; 2- O que era o Pará em
1615; tribos existentes no Guajará; a presença de forasteiros estrangeiros naquela
época, nos nossos rios. A completa dominação Portuguesa no vale do Amazonas; 3-
Valor Cívico e afortunado de Pedro Teixeira; a sua vigem por terra de Belém a S. Luiz;
suas vitórias contra as fortificações e feitorias de holandeses e ingleses, em Garupa e
no Xingú;4-A extraordinária Expedição de Pedro Teixeira, do porto de Cametá ás
margens do Napo, que conseguiu para o Brasil a verdadeira conquista do
Amazonas;5- A índole pacífica dos índios do Pará e sua adaptação ao ensino
ministrado pelos missionários; 6- Onde foi a primeira fundação de Belém, como foi
fundado o forte do Castello e como se edificaram as primeiras casas;7-Tópicos
biográficos de Francisco Caldeira de Castello Branco, Pedro Teixeira, Antonio
Cochado e outros principais personagens da fundação desta cidade; 8-As principais
igrejas de Belém; conventos e ordens religiosas estabelecidas no Pará e sua influencia
na nossa civilisação;9-Evolução da escola primária desde a Colônia até os nossos
dias; 10- História da fundação das primeiras cidades do Pará, destacando o nome de
seus fundadores, o lugar de seus primitivos estabelecimentos e seu nome indígena;
11-Os Jesuítas na instrução pública da Colônia: os padres mais eminentes dessa
ordem religiosa no serviço da catequese e nos acontecimentos políticos daquela
época; 12- Os professores leigos; os nomes mais destacados na crônica do nosso
ensino publico e particular; 13- Valor de um mestre-escola na civilização de um povo;
a feição característica da nação copiada do trabalho do professor no ensino; 14- O
valor das relíquias históricas como o principal meio de incentivar o patriotismo e
esclarecer os pontos da História regional: necessidade de um museu histórico em
Belém; 15- Evolução dos livros didáticos e literatura pedagógica do Pará, seus
autores e importância de suas obras;16- Influencia da mulher no ensino público; seu
valor didático, amenidade material no ensino, escolas mista.

DISCUSSÕES

O livro de Theodoro Braga, elaborado em um momento em que já havia um


forte clamor entre a intelectualidade local por temas regionais, na tentativa de
demarcar nossas singularidades e especificidades, aborda assuntos de “História Pátria
108

regional”, como alerta o autor em prefácio, demarcando as origens da cidade de


Belém e seu passado colonial (BRAGA, 19150).

Apostilas de História do Pará, apesar de esta direcionada aos dois


públicos, a alunos e professores primários. Pelos assuntos abordados e pela forma de
abordá-los, podemos inferir que há um objetivo claro de formação do professorado
local, ao tratar da origem do ensino primário no Pará, a importância do mestre-escola
e o papel da mulher na educação.
Estas temáticas, aparentemente desconectadas dos assuntos
anteriormente tratados sobre a História colonial e a fundação da cidade de Belém,
demarcam nossa evolução social, marcados pelo progresso da instrução e evolução
do ensino primário no Pará, dimensionando o papel histórico dos professores de
missionários da pátria, e de formação do cidadão cívico-patriótico que o Estado queria.
Para isso, lembra o papel importante dos jesuítas na educação e o papel abnegado na
“domesticação” dos índios, não só no ensino da fé, mas também no ensino da língua e
de hábitos.
Ao retratar os marcos de origens da cidade de Belém, suas origens históricas,
buscava demarcar nossa identidade, dando a unidade necessária para a continuidade
de uma trajetória gloriosa, amparada pelo progresso e pela civilização. A educação, os
conhecimentos de História Pátria, das nossas narrativas históricas, seus feitos e
heróis, seriam fundamentais neste processo (BITTENCOURT, 2008).
Os saberes oficialmente veiculados legitimaram um determinado saber
histórico escolar, através de livros e conteúdos prescritos, direcionando o que era
digno de ser ensinado nas escolas paraenses. Esse olhar a que me propus lançar
luzes sobre a constituição da História escolar no Pará Republicano, certamente não
consegue abarcar a complexidade da constituição deste saber/disciplina, ao menos
desvelar um tipo de História escolar, concebida como ensinável por intelectuais e pela
oficialidade (BITTENCOURT, 2004; CHERVEL, 1990).
Resultado de uma seleção intencional feita pelo Estado, esses conteúdos
passaram a ser vistos como os únicos saberes válidos a serem ensináveis por
professores, e apreendidos por alunos das escolas públicas do Estado, através de
leitura, de aulas explicativas, e da memorização e reprodução de dados e fatos
(CHOPPIN,2004). A exaltação de datas históricas, heróis e marcos fundamentais de
nosso passado colonial, demarcam o tipo de saber escolar, pátrio e regional
construído pelo autor, necessários a formação da consciência nacional e do individuo
pátrio que se queria.
109

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O saber de história escolar, construído pelo autor, pode ser caracterizado pelas
escolhas dos assuntos, selecionando conhecimentos dignos de serem veiculados,
construindo-se uma memória histórica positiva da nação; pela forma de abordá-los, em
uma busca incessante de conhecer o passado, e seus heróis, para que
exemplarmente ele pudesse ser utilizado no presente; pela estrutura simples e objetiva
da narrativa; e pela finalidade educativa por meio da História Pátria presente em
ambas as obras, com conteúdo de supervalorização do patriotismo, para a
conformação dos ideais nacionais, legitimadas pela História. Assim, determinados
fatos e heróis são valorizados em detrimentos de outros, inventando-se tradições
nacionais característica comum à literatura didática do período em estudo
(HOBSBAWM; RANGER, 2008).

REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, C. M. F. Autores e editores de compêndios e livros de leitura.
Educação e Pesquisa. São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004.
BITTENCOURT, C. M. F. Livro didático e saber escolar: 18101910. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.BRAGA, T. Apostilas de História do Pará. Belém: Imprensa Official,
1915.
CARDOSO, W. C. R. “Alma e Coração”: O Instituto Histórico e Geográfico do
Pará e a Constituição do corpus disciplinar da História Escolar no Pará
Republicano (1900-1920)/Wanessa Cardoso. Dissertação (Mestrado Acadêmico em
Educação) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, 2013.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um
campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, 1990.
CHOPPIN, A. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado
da arte”. In Educação e Pesquisa, vol. 30, nº 3. São Paulo: setembro/dezembro
2004.

CHOPPIN, A. O Manual Escolar: Uma Falsa Evidência Histórica. História da


Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponível
em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

HOBSBAWM, E; RANGER, T. A Invenção das tradições. tradução de Celina Cardim


Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 5ª edição, 2008.
110

EIXO 3

EDUCAÇÃO DE MENINAS NO INSTITUTO NOSSA SENHORA DOS


ANJOS (1953-1971): REPRESENTAÇÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA DE
FORMAÇÃO RELIGIOSA NA MEMÓRIA DE EX-ALUNAS 36

TRINDADE, Joelma da Silva37; LIMA, Maria do Socorro Pereira38

RESUMO

Este artigo investiga as representações de ex-alunas que estudaram no Instituto


Nossa Senhora dos Anjos entre 1953 a 1971, no que se refere a prática educativa de
formação religiosa. Essa prática no período delimitado, caracterizou-se como a base
da educação oferecida pelas Irmãs Missionárias Capuchinhas, que fundaram a
instituição supracitada para atender na época, prioritariamente as meninas
abaetetubenses. A metodologia utilizada neste estudo, caracteriza-se como
documental e bibliográfica apoiada nos pressupostos teóricos da Nova História
Cultural, além disso, associa-se ao método da História Oral os registros
memorialísticos de 09 ex-alunas na faixa etária acima de 65 anos. De acordo com as
representações, a prática educativa de formação religiosa visava moldar o
comportamento das alunas com base nos princípios e valores ligados ao catolicismo.

Palavras-chave: Representações de educação; Formação religiosa; Práticas


educativas; História de instituições.

INTRODUÇÃO
Nos primórdios da década de 50, as Irmãs Missionárias Capuchinhas
chegaram à cidade de Abaetetuba, para fundar uma entidade religiosa que cuidasse

36
Este artigo é um recorte da pesquisa titulada “Representações da educação de meninas do Instituto Nossa Senhora dos Anjos em
memórias de ex-alunas” que integra o projeto de pesquisa aprovado no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica –
PIBIC/UFPA, sob o título “História e memória do Instituto Nossa Senhora dos Anjos: O impacto na ação educacional de meninas
abaetetubenses (1953-1980)”
37
Graduanda do curso de pedagogia da UFPA, Campus de Abaetetuba, e-mail: trindadejoelma21@gmail.com
38
Prof. Doutora da UFPA, Campus de Abaetetuba, Pará. e-mail: soclimma@gmail.com
111

prioritariamente da educação de meninas. Essa instituição, ao longo do tempo


recebeu diversas denominações, a qual prevaleceu Instituto Nossa Senhora dos Anjos
(INSA), uma entidade particular, religiosa e de caráter assistencialista.
O modelo educacional proposto por essa instituição, estava de acordo
com os interesses de muitas famílias da época que confiavam a educação de suas
filhas às capuchinhas, tendo em vista, sobretudo, a proposta educacional diferenciada,
que não se pautava apenas em disciplinas, mas oferecia uma formação ética e moral
com base nos princípios religiosos.
Assim, as concepções religiosas não faziam parte simplesmente da missão
capuchinha, mas integrava o currículo da instituição supracitada por meio da prática
educativa de formação religiosa, que por sinal, orientava todas as outras práticas
escolares.
Em vista disso, o estudo em questão objetivou investigar as representações de
ex-alunas que estudaram na Instituto Nossa Senhora dos Anjos (INSA) entre 1953 a
1971, no que se refere a prática educativa de formação religiosa. A partir dos dados
encontrados, percebe-se que as Irmãs Missionárias Capuchinhas prezavam por um
ensino conservador, que na maioria das vezes, era reforçado por essa prática
educativa que visava moldar o comportamento das alunas de acordo com os valores e
princípios cristãos.

METODOLOGIA

Este estudo, buscou orientação teórico-metodológica nos pressupostos da


Nova História Cultural, que “tem por principal objeto identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social e construída,
pensada, dada a ler” (CHARTIER,1990,p.16-17); teoria que possibilita a compreensão
de diferentes realidades, contextos e espaços sociais.
Metodologicamente, consiste em uma pesquisa de cunho documental e
bibliográfico, além de utilizar a História Oral como técnica, associando-a às narrativas
orais de ex-alunas que estudaram no INSA entre os anos de 1953 a 1971.
No processo de coleta da narrativas, utilizou-se a entrevista semi-estruturada
para dialogar com 9 ex-alunas, todas residentes do município de Abaetetuba e na
faixa etária acima de 65 anos.

DISCUSSÕES
112

De acordo com as representações, a prática de formação religiosa não estava


limitada a disciplina de ensino religioso, mas fazia parte do cotidiano das alunas, na
medida que a instituição proporcionava momentos de clemência ou simplesmente
reforçava preceitos que estavam de acordo com essa base religiosa.

Uma das ex-alunas afirmou “que tinha uma freira específica para o dia de
sexta-feira, ensinava catequese” (Edna), outra narrativa reforça “a gente era formada
nessa prática cristã, tanto é que quando a gente chegava na escola, antes de ir para a
sala de aula, ia na capela” (Terezinha), ou seja, haviam momentos específicos de
devoção.

Contudo, a formação religiosa segundo as ex-alunas, não estava restrita à


esses momentos de oração; havia na época a necessidade de lapidar o
comportamento das alunas utilizando os valores disseminados por essa prática.
Concernente á isso, uma das ex-alunas declarou: “as irmãs falavam de pobreza, o que
elas podiam ajudar elas ajudavam, inclusive, a nossa turma fez uma casa para uma
senhora bem pobre lá no algodoal, bem longe, uma casa de madeira “(Regina Maria).

Deste modo, havia a necessidade de colocar em prática o que era ensinado


pelas capuchinhas, até mesmo porque essas ações solidárias reforçavam o
compromisso social do instituto. Nessa época, Barros alega que “a religião formava às
jovens na prática das virtudes cristãs: temor e amor a Deus, amor ao próximo,
respeito, solidariedade, justiça, obediência e honradez” (BARROS, 2015, p. 296),
virtudes essas que eram reforçadas diariamente no INSA.

Um outro exemplo, refere-se aos preceitos inerentes nessa formação, já que


uma das ex-alunas declarou “as irmãs eram altamente rigorosas! Não podíamos rir
alto” (Elvira), outra entrevistada alegou uma situação parecida “não podíamos falar a
todo momento, a gente tinha respeito, tinha hora para falar e ouvir” (Miralda). Com
base nisso, nota-se que a obediência e o respeito eram valores necessários para o
bom comportamento das alunas.

Esses valores, associados com a noção de decência presente no discurso das


freiras, respaldavam uma outra norma que referia-se ao uso do uniforme escolar na
medida certa. Sobre essa norma, uma das ex-alunas frisou: “o uniforme não podia ser
curto, era uma exigência das freiras, quando saia na rua não podia namorar com o
uniforme, nem conversar, nem se fosse amigos, quando saísse do INSA teria que ir
direto para casa” (Regina Felgueiras); essa censura, estava atrelada a normas de
vestimenta daquela época, na qual roupas curtas e decotadas não eram sinônimas de
respeito e nem de decência.
113

Nesse sentido, Ribeiro (2012) alega que “a roupa/uniforme esculpe uma


conduta e reflete uma dada organização social” (RIBEIRO; SILVA, 2012, p.582); ou
seja, os uniformes escolares carregam significados dependendo do contexto social no
qual vigoram.
A formação religiosa também preceituava outras normas para manter o bom
testemunho das alunas na sociedade. Sobre isso, uma das narrativas revela: “a moça
tinha que ficar ‘moça’ estudando, se ela engravidasse não poderia ficar dentro da
escola, para não repercutir para as outras alunas que estudavam lá” (Miralda), dito de
outro modo, as alunas deveriam preservar a castidade e se “guardarem” para o
matrimônio.

Esse perfil, foi claramente evidenciado no registro do Ano Domini (1953) o qual
informa que o Sr. Arcebispo da época festejou com as famílias abaetetubenses pela
inauguração da entidade, na qual, segundo ele, seriam formadas cristãmente as
futuras mães. Sendo assim, acredita-se que a prática de formação religiosa contribuía
para a disseminação do perfil de mulher propagado naquela sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posto isto, compreendemos que a formação religiosa objetivava moldar o


comportamento das alunas no exercício da prática cristã, que exigia recato,
obediência, respeito, devoção, castidade, temor e outros valores enfatizados nessa
prática educativa. Assim, havia uma restrição comportamental no Instituto Nossa
Senhora dos Anjos, afim de formar as alunas desde cedo para se enquadrarem no
perfil de mulher que se queria formar: devotas, submissas, boas esposas e mãe
exemplar.

REFERÊNCIAS

ANO DOMINI. Fundação do Educandário N. S. dos Anjos em Abaetetuba, estado


do Pará. 1953

BARROS, Marilene.M.A.C. de. Educação de mulheres: a história da educação


confessional no colégio São José – Óbidos- PA (1950- 1962). Educação e instrução
pública no Pará Imperial e Republicano. Org. ARAÚJO, S.M. da.S.et al. 2015.
114

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Memória e


sociedade. 2ªed. 1990.

RIBEIRO, Ivanir. SILVA, Vera.L.G. da. Das materialidades da escola: o uniforme


escolar. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 03, p. 575-588, jul./set. 2012.

O ENSINO RELIGIOSO NA COLÔNIA: OS JESUÍTAS E OS ÍNDIOS39

DAMASCENO, Alberto40

DOURADO, Viviane41

MAZZINI, João Lúcio 42

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma análise a respeito do
ensino religioso introduzido pelos jesuítas na Colônia Brasileira, dando enfoque para o
que ocorreu na Amazônia. O projeto jesuítico de educação visava construir nos nativos
a representação de civilização concebida nos países europeus, para a realização
dessa tarefa a religiosidade cristã adentrou os conteúdos ensinados pelos jesuítas. A
percepção sobre esse processo de união entre ensino e religião é o objeto deste
estudo, que tem como metodologia as pesquisas bibliográficas e documentais, tendo
como fonte principal o Diretório de 1757, a fim de demonstrar esse processo na
Colônia.

Palavras-chave: Ensino religioso; Colônia; Jesuítas;

Introdução

39
Este trabalho é resultante de uma pesquisa mais ampla sobre a história da educação no Pará na
Colônia e tem como objetivo realizar uma abordagem acerca da educação dos nativos no período
colonial.
40
Professor Titular da Universidade Federal do Pará, atuando na Graduação e no Programa de
Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB), na Universidade Federal do Pará
(UFPA), Belém, Pará – albertod@ufpa.br.
41
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista de iniciação científica do
grupo de pesquisa intitulado Laboratório de Pesquisas em Memória e História da Educação (LAPEM),
vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica (NEB). – vivianedrd2@gmail.com
42
Mestrando do Programa de Pós Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB), vinculado à
Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará - jlmazzinidacosta@gmail.com
115

A Amazônia faz parte de um país que estabelece uma educação laica, porém,
onde o ensino religioso ainda compõe a temática de diversas discussões a respeito de
sua inclusão nos componentes curriculares. Analisando esses debates e embates
existentes ainda hoje, sentimos a necessidade de compreender como o processo de
estabelecimento do ensino religioso se deu na Amazônia. Compreendemos que a
colonização do Brasil trouxe consigo diversos aspectos culturais dos estrangeiros que
adentraram o país e dominaram a população que já habitava a região, dentre esses
aspectos a religião foi uma característica de destaque. Por isso, passou a compor as
primeiras estratégias educacionais direcionadas pelos portugueses aos nativos. Com
isso, esse trabalho busca compreender, a partir do Diretório dos Índios de 1757, quais
fatores da Amazônia Colonial culminaram para que o ensino religioso ainda seja uma
questão tão atual e presente na cultura da Amazônia.

Metodologia

Para a realização desse estudo, foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a


pesquisa documental. De acordo com Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) “a
pesquisa bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre o
tema, atentando para as fontes secundárias” (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009,
p. 6) enquanto que “a pesquisa documental permite a investigação de determinada
problemática não em sua interação imediata, mas de forma indireta, por meio do
estudo dos documentos que são produzidos pelo homem e por isso revelam o seu
modo de ser, viver e compreender um fato social.” (Silva, 2009, p. 4557), no nosso
caso utilizaremos como fonte documental o Diretórios dos Índios de maio de 1757.

Fundamentação Teórica

A partir do Diretórios dos Índios de maio de 1757, que tinha como objetivo a
integração dos índios e da sociedade portuguesa com a homogeneização cultural,
transformado em Lei em agosto de 1758, durante a análise deste documento foi
possível extrair algumas informações sobre o processo de civilização, e
consequentemente de educação, dos índios.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontram pessoas que não se


encaixavam nos padrões europeus: os índios. De acordo com o Diretório dos Índios de
1757, na visão dos portugueses, os índios ainda se encontravam em estado de
barbárie, praticando os costumes do paganismo e não adeptos aos conhecimentos
dos mistérios da Sagrada Religião. Sendo assim, havia o desejo de civilizar e
cristianizar o povo.
116

Desta forma, o ensino da Religião Católica chegou ao Brasil, como uma forma
de colonização e civilização que se estabeleceu também na Amazônia. Além da
preocupação com a civilização, é possível perceber também o interesse em
transformar os índios em indivíduos que se submetessem às ordens do Rei,
aumentando também a quantidade de fiéis da Igreja Católica.

Como forma de assegurar isso, o Diretório de 1758 determinou que, deveria


haver em todas as povoações, duas escolas públicas, uma para meninos e a outra
para as meninas. Nas escolas era estabelecido o ensino, entre outros, da Doutrina
Cristã, Leitura e Escrita, como era feito nas “Escolas das Nações Civilizadas”. A
escola, nesse sentido, tinha papel de ensinar a leitura e escrita nos padrões europeus,
mas também de doutrinar as crianças a partir das verdades da religião.

Considerações finais

Diante do exposto e considerando que a escola é um espaço de disputa de


interesses desde o período colonial até os dias atuais, visto que se tem a educação
como meio para se moldar determinada sociedade, observamos que a presença do o
ensino religioso no currículo em diferentes períodos da história do Brasil e do Pará
esteve ligado a um projeto de sociedade.

Neste caso a tentativa de incorporar a religião católica nos índios tinha intenção
de subordina-los ao Rei e também aumentar o número de fiéis da Igreja Católica e, por
consequência, civilizar um povo considerado bárbaro.

Referências

DIRECTORIO, QUE SE DEVE OBSERVAR NAS POVOAÇÕES DOS ÍNDIOS DO


PARÁ, E MARANHÃO EM QUANTO SUA MAGESTADE NÃO MANDAR O
CONTRÁRIO. In: ALMEIDA, Rita Heloisa de. O diretório dos índios: um projeto de
“civilização” no Brasil o do século CVIII. Brasília: UNB, 1997. Anexo.

SÁ-SILVA, Jackson Ronie; ALMEIDA, Cristóvão Domingos de; GUINDANI, Joel Felipe.
Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista brasileira de história
& ciências sociais, v. 1, n. 1, 2009.

SILVA, Lidiane Rodrigues Campêlo da et al. Pesquisa documental: alternativa


investigativa na formação docente. In: Congresso Nacional de Educação. 2009. p.
4554-4566.
117

GARCIA, Elisa Frühauf. O projeto pombalino de Imposição da língua portuguesa aos


índios e a sua aplicação na América meridional. Revista Tempo, v. 12, n. 23, p. 23-38,
2007

A PRIMEIRA INFÂNCIA NA AMAZÔNIA


EDUCAÇÃO VICENTINA NO JARDIM DE INFÂNCIA “CASA DA CRIANÇA”
EM MANAUS-AM1

GUIMARÃES, Márcia43

RESUMO
O artigo apresenta um estudo acerca do contexto da primeira infância na Amazônia
sob o olhar da Educação Vicentina no Jardim de Infância “Casa da Criança” em
Manaus – Amazonas, Creche Escola que atende há 71 anos, crianças de dois à cinco
anos de idade em período integral conforme a fundamentação legal da educação
infantil, com assistência social as famílias de baixa renda que trabalham durante o dia
e não tem onde deixar seus filhos. A metodologia utilizada foi bibliográfica e
documental. Como resultados obteve-se na pesquisa a intrínseca relação entre
educação e religiosidade na história da instituição.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Vicentina, primeira infância, Amazônia.

INTRODUÇÃO

Nos estudos sobre a primeira infância na Amazônia sendo a primeira etapa da


Educação Básica a nível de ensino da Educação Infantil o Jardim de Infância “Casa da
Criança”, apresenta em sua organização interna turnos como matutino e vespertino,
ou seja em tempo integral no qual divide-se entre os tempo na escola com os

43
(Grupo de Estudos e Pesquisa História Educação Sociedade e Política – GHESP ).
Acadêmica do Curso de Licenciatura em História, Centro Universitário Internacional (UNINTER), Manaus, Amazonas, e-mail
mcccguimaraes81@gmail.com.
118

professores e nos pavilhões com as atendentes, onde ficam as crianças, sendo que o
Maternal II, as professoras acompanham diretamente as crianças.

Neste sentido, ao analisar a relação da Educação Vicentina com a teoria


Vigotskiana com base na história do Jardim de Infância “Casa da Criança” em
Manaus – AM; os objetivos específicos são: Conhecer a origem da Educação
Vicentina em Manaus e a estrutura da Instituição; Verificar a aplicação da teoria de
Vigotski em meio a organização da creche; Verificar as diferenças e os impactos na
mudança de secretaria, ou seja da SEDUC para a SEMED.

Para tanto, o artigo faz uma abordagem sobre a Educação Vicentina


destacando a origem da Companhia da Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, e
o contexto histórico das irmãs e trabalho realizado nas casas; em seguida relata a
partir da educação infantil na “Casa da Criança”.

METODOLOGIA

Durante o desenvolvimento da pesquisa acerca da análise documental emitido


ao Conselho Municipal de Educação - CME da Prefeitura de Manaus; compreende-se
que no primeiro momento este documento foi primordial para o processo da estrutura
do atendimento do ensino aprendizagem e aplicações das metodologias educacionais
as crianças da educação infantil de dois à cinco anos de idade, desde a contratação
de mais profissionais quanto as divisões das turmas em números menores para que
pudessem ser mais aproveitados a observação quanto o desenvolvimento psicossocial
e infantil. Das fases da Creche (Maternal II- crianças de até 02 anos de idade e
Maternal III – crianças de até 03 anos de idade); e Pré-escola (1° Período (crianças de
até 04 anos de idade) e 2° Período (crianças de até 05 anos de idade). O Jardim de
Infância “Casa da Criança”, de natureza filantrópica, com 67 anos de Convênio com a
Secretaria Estadual de Educação - SEDUC, passou a celebrar a partir do ano de 2014
com a Secretaria Municipal de Educação - SEMED, no mesmo tempo em que as
Prefeituras assumem as Creches e o Ensino Fundamental. Em destaque o Educador
Vicentino com avaliação diária conforme os princípios educativos: éticos, políticos,
estéticos e pastoral. A pesquisa bibliográfica a luz de autores que analisam a teoria
de Vigotski e legislações educacionais.
119

EDUCAÇÃO VICENTINA
Para falarmos do Jardim de Infância “Casa da Criança”, é preciso conhecer um
pouco sobre as Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo - F.C, conhecidas
como Vicentinas. Elas são mais uma congregação religiosa que possui um legado
importante da educação na Amazônia, pelo fato de dedicarem-se aos pobres seja na
área da saúde em hospitais, na educação em escolas ou em inserções, pequenas
comunidades de difícil acesso. Não são religiosas mais sim uma “Sociedade de Vida
Apostólica”, nas quais renovam os seus votos todos os anos no dia 25 de março,
conforme a escolha de São Vicente de Paulo e Santa Luiza de Marillac. A Companhia
tem sua origem na França, fundada aos 29 de novembro de 1933. Instalada no Brasil
encontra-se divida em 6 Províncias: Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife,
Fortaleza e da Amazônia que compreende os Estados do Amazonas, Pará, Roraima.
Neste sentido, as casas das irmãs onde estão localizadas sempre tem colégio,
instituto escola ou creche como é o caso da “Casa da Criança” em Manaus –
Amazonas, fundada aos 02 de fevereiro de mil novecentos e quarenta e oito (1948),
por Dom João da Matta Andrade Amaral. Possuindo em sua fundação uma
religiosidade emanada nos santos da companhia como: Nossa Senhora das Graças e
Santa Catarina Labouré (a vidente da Medalha Milagrosa), como em sua origem foi
marcada pela procissão, o inicio com a posse do terreno e do primeiro pavilhão
nomeado Martagão Gesteira. No entanto, a “Casa da Criança”, dispõe atualmente de 9
pavilhões, que levam o nome do fundador da Casa e demais santos da Companhia.

Neste contexto, seguem-se as diretrizes, conforme o Conselho Nacional de


Educação/ Câmara de Educação Básica (Referências Curriculares Nacionais para
Educação- RCNEI; Parecer CNE/CEB n° 20/2009; Resolução CNE/CEB n°05/2009;
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil - DCNEI), e Conselho
Municipal de Educação de Manaus(Resolução n° 009/CME/2005).

As irmãs procuram no entanto, desenvolver um projeto junto as Instituições


Educacionais Vicentinas espalhadas pelos estados da região norte, onde o maior
número é no estado do Pará; pois, por serem uma associação privada e atenderem os
anseios de seus fundadores em caráter religioso, educacional e de assistência social.
Entende que o conhecimento é construído de forma compartilhada, na dialética entre
indivíduo e sociedade, conforme a teoria de Vigotski.
120

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dados a importância do acompanhamento educacional desde a primeira


infância, especialmente quando os pais depositam numa instituição a confiança na
responsabilidade com a educação infantil, pois, a educação Vicentina é mais um ramo
religioso a ser explorado pela rede de institutos e escolas na Amazônia, que tem sob a
direção das Irmãs da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo.
Sendo que, o Jardim de Infância “Casa da Criança” em Manaus - Amazonas em meio
ao atendimento integral as crianças de 2 a 5 anos possui, uma Educação Vicentina
com valores cristãos, embasada na teoria sócio- interacionista de Vigotski.

REFERÊNCIAS

______. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Imprensa Oficial, São


Paulo, 2004.

______. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm > Acesso em: out. 2016

AMAZONAS, Plano Estadual de Educação. Lei nº 4.183 de junho de 2015.


Disponível em: <http://fne.mec.gov.br/images/PEE/AMPEE.pdf> Acesso em: dez.
2016.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da


Metodologia Científica. 6. ed. 4. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

MANAUS, Conselho Municipal de Educação. Resolução 001/2016. Disponível em


<http://www.sinepeam.com.br/wpcontent/uploads/2016/11/resolu%C3%A7%C3%A3o-
n-11-CME-2016-Educa%C3%A7%C3%A3o-Especial.pdf> Acesso em: dez. 2016.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade.


23. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
121

NOGUEIRA, Makeliny Oliveira Gomes. Teoria da aprendizagem: um encontro entre


o pensamento filosófico, pedagógico e psicológico. 2. ed. Curitiba, InterSaberes,
2015.p.147-171.

“MINHA LÍNGUA É A PENA”: REPRESENTAÇÕES INDÍGENAS E POLÍTICA


LINGUÍSTICA NA NARRATIVA DO PADRE TAPUITINGA ANSELM ECKART (1750-
1759).

FONSECA, Marcela Gomes44

CORREA, Rafael Rodrigues45

RESUMO

Esta pesquisa visa analisar as representações indígenas na narrativa missionária do


jesuíta alemão Anselm Eckart. Nossa fonte são as anotações pessoais em seu
Tagebuch, isto é, Diário, um conjunto de papéis, redigidos durante e depois de sua
passagem pela Amazônia, entre 1753 e 1757, e apreendidos no momento de sua
prisão em 1759, consequência da política antijesuítica do então secretário régio
Sebastião José de Carvalho e Mello. Portanto, se trata da narrativa de um jesuíta
alemão que estudou a fundo a Língua Geral para melhor exercer seu trabalho
catequético, em conflito com as novas medidas do Estado, de proibição do uso desta
língua e a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa. Uma análise preliminar
aponta que a fonte em questão constitui, em parte, a) um instrumento linguístico
pessoal de ensino-aprendizagem da Língua Geral; b) um campo de representações de
sujeitos e costumes indígenas escrito em português e latim; c) um exemplo de
diversas dinâmicas de mediação cultural entre agentes coloniais.

Palavras-chave: representações indígenas, política linguística, narrativas jesuíticas,


mediação cultural.

44
Bolsa de Iniciação Científica do projeto “Os padres ‘Tapuitinga’ da Companhia de Jesus e as
reformas Pombalinas na Amazônia Portuguesa (1750-1777)” sob orientação do Professor Karl
Arenz – Agência de financiamento à pesquisa: CNPq.
Graduanda de licenciatura em História, UFPA, Belém, Pará. Endereço eletrônico:
mmarcelafonseca@gmail.com.
45
Bolsista voluntário de Iniciação Científica do projeto “Os padres ‘Tapuitinga’ da Companhia
de Jesus e as reformas Pombalinas na Amazônia Portuguesa (1750-1777)” sob orientação do
Professor Karl Arenz – Agência de financiamento à pesquisa: CNPq.
Graduando de licenciatura em História, UFPA, Belém, Pará. Endereço eletrônico:
correa.rafael97@gmail.com.
122

INTRODUÇÃO

Alguns estudiosos da História e também da Linguística, como Cândida Barros,


Antônio Porro, Maria Carlota Rosa, Nelson Papavero e Gabriel Prudente, já se
debruçaram consideravelmente no estudo das quatro obras 46 escritas pelo jesuíta
tapuitinga47 Anselm Eckart, e publicadas após a sua saída da prisão em 1777, em
Lisboa, consequência da política antijesuítica do então secretário régio Sebatião José
de Carvalho e Mello para o Estado do Grão-Pará e Maranhão.
No entanto, há um outro conjunto de documentos, identificados como sendo
anotações pessoais de Eckart – que fora chamado Tagebuch, isto é, diário. Que
somente o professor Nelson Papavero, o analisou brevemente, acerca dos
comentários do Padre sobre a fauna do Grão-Pará. Neste sentido, a minha proposta é
fazer um estudo do Tagebuch de Anselm Eckart, enquanto campo de representações
de sujeitos, práticas e lugares amazônicos, que assim como suas gramáticas e
dicionários escritos na época sobre a língua geral brasília, também apresentam-se
enquanto exemplo de política linguística colonial, bem como um instrumento pessoal
de ensino-aprendizagem da língua geral indígena.
A lembrar, que a História não se faz apenas por trajetórias e representações
que se auto-explicam ou apenas contribuem para formar uma memória da Missão ou
do Padre em si. Mas ao contrário, ela é feita, escrita, assentada em um conflito, como
nos diz Ortega e Gasset, a “História pode definir-se como o estudo da transição e do
conflito”. Afinal, se trata da narrativa de um jesuíta alemão que estudou a fundo a
Língua Geral, para melhor exercer seu trabalho catequético, em conflito com as novas
medidas do Estado, advindas da reorganização do império Português, por meio do
Marquês de Pombal e do Governador-Geral do Grão-Pará Mendonça Furtado, de
proibição do uso da Língua Geral e a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa
para o trabalho civilizatório, em benefício do Estado, e não mais dos religiosos.

METODOLOGIA

46
As 4 obras: 1. “Specimen Língua brasílica vulgaris (in. Murr, 1778; Eckart, 1890). 2. Três
artigos sobre a perseguição dos jesuítas em Portugal (Eckart, 1779, 1780ª, 1780b), traduzidos
para o português como ‘Memória de um jesuíta prisioneiro de Pombal’(Eckart, 1987).” 3. “Notas
sobre a vida de Pombal”(Eckart, 1784). 4. “Zusätze...”(Eckart in Murr, 1785).
47
Termo usado por alguns povos indígenas ao se referir a jesuítas de “fala alemã”, isto é, da
Europa Central. “A palavra tapuitinga, empregada por um índio da aldeia de Pindaré
(Maranhão), é composta morfologicamente por tapuia – referência de “bárbaro” - e tinga, que
significa ‘branco’, ou seja “bárbaro branco” (RÓ-NAI, 1942, p. 268).
123

Nesse sentido, cabe-nos refletir a situação histórica, política e social da


produção da fonte em questão, pois é neste conflito, de personagens, de interesses,
de símbolos, diante do complexo universo amazônico colonial, que a História se faz. E
é neste momento de reflexão historiográfica, que se faz necessário recorrermos a um
importante instrumento metodológico da antropologia histórica, para dar corpo e
sentido à investigação, que é o conceito de mediação cultural48. Isto é, perceber e
analisar os códigos compartilhados e as divergências de horizontes simbólicos na
produção do relato, da literatura religiosa em questão. Aquilo que vai além da ordem
imposta, da língua imposta, da trajetória traçada, ou da representação registrada, mas
aquilo que vai de encontro às práticas dos mundos em conflito que se distanciam, no
caso o cristão, e o xamanico, mas que traçam estratégias para se aproximar, como
aconteceu com o uso da língua geral.

DISCUSSÕES
O estudo de Eckart testemunha a língua brasílica geral, mas o faz dentro do
modelo discursivo jesuítico. 49 A companhia de Jesus desde a sua fundação, enfatizou,
as atividades pedagógicas. Desde St. Inácio, 1552, já se dizia que para pregar com
eficácia, é necessário se conhecer bem a língua do povo. A consequência prática
desses postulados, foi o desenvolvimento de uma importante obra gramatical. Não
diferente, nas páginas de seu diário, Eckart reafirma que vive este postulado jesuítico,
ao dizer que “A minha língua é a pena”. Como se dissesse, que o seu meio de
aprendizado, de trabalho, de experimentação, de alteridade, de tradução da realidade
e da sociedade, no seio de sua passagem pela Amazônia, era essencialemente
atravessado pelo registro escrito.
Eckart, desenvolveu atividades missionárias em aldeamentos nos vales do rio
Amazonas, Xingu e Madeira. Lugares de grande importância econômica e estratégica,
que deram acesso a um interior promissor de riquezas minerais e vegetais. Seguindo
na leitura do documento, com auxílio do dicionário étno-histórico da Amazônia

48
POMPA, Cristina. Religião como tradução, Missionários, tupi e tapuia no Brasil Colonial. São
Paulo: Edusc. / Montero, Paula (org.). Deus na Aldeia: missionários, índios e mediação cultural,
São Paulo, Globo, 2006, 583 pp. / GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação.
In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São
Paulo: Globo, 2006. p. 67-109. / AGNOLIN, Adone. Catequese e tradução: Gramática cultural,
religiosa e linguística do encontro catequético e ritual nos séculos XVI-XVII. In: MONTERO,
Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006.
p. 143-207.
49
ROSA, Maria Carlota. Um exemplo de descrição pedagógica no século XVIII: O Specimen
Linguae Brasilicae Vulgaris e a tradição jesuítica de segunda língua. In: Terceira Margem, 2:
181-189. 1994 / MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na extinta província do
Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra, 1987.
124

Colonial50, Anselm comenta sobre a ilha grande de Joanes, onde hoje é o Marajó, e
fala sobre os Nheengaíba, que segundo o dicionário étno-histórico de Antônio Porro,
são mencionados desde 1639 na foz do Amazonas por Acuña, é citado como um
numeroso povo que vivia na ilha do Marajó e no continente entre Cametá e Gurupá, já
em 1780, se encontravam reduzidos no Marajó, e integravam as populações de
Melgaço e Ponta de Pedra, quando viraram vilas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, conhecer bem, na medida do possível, os indígenas, principal alvo da
atividade missionária da catequese, observar seus costumes, mergulhar na sua língua,
significaria penetrar na sua alma, e fazer o que fosse possível para atingi-la e “resgatar
alguma consciência”. É por isso, que os assuntos de ordem espiritual, xamânica, que
tratam sobre a religiosidade dos povos indígenas, suas crenças, suas devoções, seus
rituais, suas formas de cura e alimentação, sua cosmologia, são temas sempre
abordados, registrados, estudados e alvos de grande atenção dos missionários
jesuítas, e certamente, com Anselm Eckart não seria diferente. Como nos mostra este
breve trecho do documento transcrito: “Tem alguns vestígios de Deus e da outra
vida.”: Uma exellencia superior a que chamam de Tupã , espantoso, e desta mostram
que dependem, tem grandes medos de trovões e relâmpagos, por isso dizem, que são
efeitos deste Tupã superior, trovão chamado Tupãcununga, vi estrondo feito pella
excellencia superior e o relampago chamado Tupãberaba, (...)”.

Referências

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura


nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização.


Belém: SECULT, 1999.

BARROS, Cândida & MONSERRAT, Ruth Maria. Fontes manuscritas sobre a Língua
Geral da Amazônia escritas por jesuítas “tapuitinga” (século XVIII). Confluência, Rio de
Janeiro, n. 49, 2º sem. 2015, p. 236-254.

BURKE, Peter; PORTER, Roy (orgs.). Linguagem, indivíduo e sociedade: história


social da linguagem. Tradução de Álvaro Luiz Hattnher. São Paulo: Editora da

50
PORRO, Antônio. Dicionário etno-histórico da Amazônia colonial. São Paulo: Instituto de
Estudos Brasileiros, USP, 2007.
125

Universidade Estadual Paulista, 1993.

ECKART, Anselmo. Memórias de um jesuíta prisioneiro de Pombal. Braga/São Paulo:


Livraria A. I./Loyola, 1987.

FREIRE, José Ribamar Bessa. Língua Geral Amazônica: a história de um


esquecimento. In: FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (orgs.).
Línguas Gerais: política lingüística e catequese na América do Sul no período colonial.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003, p.195-209.

FREIRE, José Ribamar Bessa. Da fala boa ao Português na Amazônia Brasileira.


Amazônia Em Cadernos, Manaus, v. 6, 2000, p. 1-65.

MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na extinta província do Maranhão


e Pará. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra, 1987.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo III. Rio de Janeiro:
Instituto Nacional do Livro, 1943.

MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação


cultural. In: MONTERO, Paula (org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação
cultural. São Paulo: Globo, 2006, p. 31-66.

PAPAVERO, Nelson; BARROS, Cândida. Apêndice V - O“Vocabulario da lingua Brazil”


(Códice 3143 da Biblioteca Nacionalde Portugal) e os Zusätze do Pe. Alselm Eckart, S.
J. (1785): obrasdo mesmo autor. In: PAPAVERO, Nelson; PORRO, Antonio (orgs.).
Anselm Eckart S. J. e o estado do Grão-Pará e Maranhão setecentista (1785). Belém:
Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013,p. 335-351.

FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO: UM CRÍTICO DO ENSINO


51
RELIGIOSO PROPOSTO PELOS JESUÍTAS NA AMAZÔNIA COLONIAL

52
DAMASCENO, Alberto

51
Trabalho é resultante de uma pesquisa mais ampla sobre a história da educação no Pará na
Colônia e tem como objetivo realizar uma abordagem acerca da educação dos nativos no
período colonial. alfabética.
52
Professor Titular da Universidade Federal do Pará, atuando na Graduação e no Programa de
Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB), na Universidade Federal do
Pará (UFPA), Belém, Pará – albertod@ufpa.br.
126

PANTOJA, Suellem 53

TOMÉ, Luane 54

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma análise a respeito das
críticas propostas por Francisco Xavier de Mendonça Furtado a respeito do ensino
religioso proposto pelos jesuítas na Amazônia colonial. O projeto jesuítico, em tese,
buscava educar os nativos a fim de que se formassem a partir de um modelo de
civilização concebido pelos europeus como ideal e nesse molde a religião era um dos
principais instrumentos educacionais. No entanto, Mendonça Furtado foi um grande
crítico desse ensino realizado pelos jesuítas, pois costumava chamar o ensino
religioso, de mais rudimentar do que os próprios índios e apontava suspeitas a
respeito da corrupção dos religiosos. A percepção sobre essa desaprovação do então
governador geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão no que diz respeito ao ensino
da religião cristã é o objeto deste estudo, que tem como metodologia principal a
pesquisa documental.

Palavras-chave: Ensino religioso; Mendonça Furtado; Jesuítas;

INTRODUÇÃO

Na Amazônia colonial, o governo cria um vínculo de consciências a partir do


sacramento do matrimônio dos brancos com as índias. Cristalizada numa obra,
digamos assim, mais inclusiva do que censuradora. É um fenômeno a que assinala e
introduz uma concepção cultural e religiosa de inserção de costumes, uma espécie de
unidade institucionalizada do mundo ocidental com o seu oposto. Nesse período, a
preocupação do governador Mendonça Furtado — um crítico agudo do chamado
“dever educativo” dos jesuítas — com os episódios das fugas dos índios nesse
53
Mestranda do Programa de Pós graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB)
na Universidade Federal do Pará (UFPA), membro do Grupo de Pesquisas intitulado:
Laboratório de Pesquisas em Memória e História da Educação. (LAPEM), vinculado ao Núcleo
de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica (NEB) Belém, Pará –
smartinspantoja@gmail.com.
54
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista de Iniciação
científica no Grupo de Pesquisas intitulado: Laboratório de Pesquisas em Memória e História
da Educação. (LAPEM), vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação
Básica (NEB); Belém, Pará – luanesampaioo@gmail.com.
127

processo de dominação lusa na região, parece revelar um sentido duplo. Se por um


lado, a propriedade, a educação e a civilização do trabalho estavam sendo ameaçadas
pelas constantes fugas e ocultamentos dos índios nos matos; por outro lado, a
economia do Estado estava sendo envolvida plenamente pelo comércio das religiões.
Dessa forma, objetivamos compreender quais eram as críticas de Mendonça Furtado
em relação aos métodos jesuíticos e analisar como essas críticas tiveram influência na
sociedade colonial que tem como característica importante a relação entre educação
de nativos e jesuítas.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada nesse trabalho foi a pesquisa documental que para


Kripka, Scheller e Bonotto (2015) “utiliza, em sua essência: documentos que não
sofreram tratamento analítico, ou seja, que não foram analisados ou sistematizados.”
(p. 243). Segundo as mesmas autoras, na pesquisa documental o pesquisador tem a
técnica como principal desafio, uma vez que o contato com os documentos “é a
capacidade que o pesquisador tem de selecionar, tratar e interpretar a informação,
visando compreender a interação com sua fonte.” (KRIPKA, SCHELLER e BONOTTO,
2015, p. 243).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As suspeitas de Mendonça Furtado eram firmes como uma rocha. Há muito


que o governador pombalino deixara de acreditar nas obras de catequese e educação
empreendidas pelos missionários. A situação real se vislumbrava de modo bastante
oposto. Mendonça Furtado (1963) escreve que abrir a cortina das religiões era
desvelar a desorganização do trabalho nas aldeias e, sobretudo, a própria sustentação
e corrupção dos religiosos. Costumava chamar o ensino religioso, de mais rudimentar
do que os próprios índios. Acusava os mesmos missionários de concorrerem com o
Estado em suas atividades econômicas, chegando inclusive a planejarem e
incentivarem as deserções indígenas do serviço real, para que assim pudessem
reaproveitá-los na extração das drogas do sertão.

Creio ser correto afirmar que a existência e manifestação dos mocambos —


como um corpo estranho na sociedade colonial, lutando pelo domínio de terras, com
ação produtiva e como fenômeno social e cultural, com laços de resistência e
solidariedade, dirigidas como um todo a um novo âmbito de vida coletiva —
correspondem à expansão de um mundo paralelo e pleno de especificidades em
relação a uma sociedade diferente e com valores antagônicos.
128

Pode-se notar que essa incidência intermitente de “gente fugida” (os índios),
contraria em múltiplos aspectos os objetivos do governo. Vemos assim, em sua origem
e natureza, os mocambos de índios, representarem um comportamento social, não
isolado, de um mundo infenso, que não quer se sujeitar a um determinado universo
material e espiritual. Suas manifestações assumiam formas ousadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos concluir que em que pese, a grande figura política
de Mendonça Furtado, que é em si mesma um objeto de estudo para a compreensão
da política pombalina, faz- se necessário duvidar do teor de suas acusações feitas em
suas cartas aos jesuítas, como principais “inspiradores” das fugas dos índios. Esta
tese era bastante cômoda para os pombalinos — e será também muito cômoda para o
historiador — pois, como se sabe, a necessidade de acusar “o inimigo comum”, ou o
“Corpo Poderoso”, como intitulava Mendonça Furtado aos jesuítas, já é uma vontade
antecipada para o estigma da ameaça e da culpabilidade.

Em outras palavras, os problemas da fuga dos índios e, mais ainda, da


existência dos mocambos, são demasiado complexos para serem atribuídos apenas
às ações dos jesuítas — não que estes não fossem habilidosos o bastante para tal
empreendimento. Mas, principalmente, porque o impulso originário do qual resultaram
as ações dos mocambos, deveu-se firmemente ao domínio de sua autonomia, isto é,
pela atitude de natureza independente desses sujeitos. As críticas de Mendonça
Furtado esclarecem um ponto de vista diferente do usual, por um agente político da
época, demonstrando então a problemática da educação dos nativos.

REFERÊNCIAS

DIRECTORIO, QUE SE DEVE OBSERVAR NAS POVOAÇÕES DOS ÍND IOS DO


PARÁ, E MARANHÃO EM Q UANTO S UA MAGESTADE NÃO MANDAR O

KRIPKA, Rosana Maria Luvezute; SCHELLER, Morgana; BONOTTO, Danusa Lara.


Pesquisa documental: considerações sobre conceitos e características na pesquisa
qualitativa. Atas CIAIQ2015, v. 2, 2015.

MENDONÇA, Marcos Carneiro de. .A Amazônia na era pombalina: correspondência


inédita do governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão
129

Francisco Xavier de Mendonça Furtado 1751-1759. (3 tomos). Rio de Janeiro: Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro, 1963.

EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE NA AMAZÔNIA: PRÁTICAS


EDUCATIVAS DA PAJELANÇA CABOCLA EM COLARES (PA)

NOGUEIRA, Thaís Tavares55; ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa56

RESUMO

Este estudo reflete sobre as práticas educativas em terreiros de pajelança da


ilha de Colares (PA). Trata-se de uma pesquisa etnográfica pautada na metodologia
da história oral. No campo teórico, parte de pressupostos da história cultural e situa-se
na discussão do pensamento decolonial, ao pensar esta história de sujeitos e seus
saberes até então subalternizados pela ciência moderna. Apontamos para uma
pedagogia cultural que compreende espaços diversos de aprendizagem e os
processos educativos de um modo mais amplo e complexo. Dentre as considerações,
ressaltamos a existência de uma prática educativa no terreiro, a exemplo do rito de
iniciação, ao observar o pajé como um educador que media toda a ritualística. Todos
os participantes dos trabalhos experimentam algum tipo de aprendizagem: sobre a
cultura das entidades nas suas falas e doutrinas; a cantar para acompanhar o trânsito
das entidades no terreiro; sobre fórmulas e receitas de banhos ou chás etc.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas Educativas. Saberes. Pajelança Cabocla. Pedagogia


Cultural.

55
Autora deste trabalho que parte da pesquisa de Mestrado em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de pesquisa
Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Integra o Grupo de Pesquisa História da Educação
na Amazônia (GHEDA/UEPA). Participa da Rede de Pesquisa Sobre Pedagogias Decoloniais na
Amazônia. E-mail: thaistnogueira31@gmail.com
56
Coautora e Orientadora deste estudo. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP) com Pós-Doutoramento pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
(CES-Portugal). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do
Pará (UEPA). Coordenadora do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia – GHEDA. E-mail:
mbetaniaalbuquerque@uol.com.br
130

INTRODUÇÃO
Este resumo parte da pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade do Estado do Pará e se volta para o estudo acerca dos
processos educativos que perpassam as práticas de pajelança no Terreiro de São
Jorge, localizado na Ilha de Colares – PA. Tal estudo reflete sobre as práticas
educativas neste terreiro e toma como base a trajetória de vida do sujeito que as
media: o pajé, aqui representado pelo senhor Robson. O pajé, então, passa a atuar
como um mediador cultural em campo, o principal interlocutor, a partir da
compreensão de mediadores culturais de Gruzinski (2001), ou seja, aqueles que
permitem o fluxo de circulação de conceitos, ideias ou objetos culturais. Assim, a
pesquisa tem como objetivo geral analisar o processo educativo presente na prática de
pajelança do terreiro de São Jorge, na ilha de Colares-PA e busca também
contextualizar historicamente este terreiro, descrever a prática educativa vivenciada
nele e mapear os saberes que lá circulam.

METODOLOGIA

A ilha de Colares foi escolhida para a realização deste estudo devido a vivência
que tem nela, na qual se pôde conhecer as práticas de cura da pajelança e um
número significativo de agentes e espaços dessa cultura. O Terreiro de São Jorge foi
selecionado como lócus devido à sua localização, no centro urbano de Colares,
diferente da maioria que se encontra em áreas rurais do município; a escolha se deu
também por ter grande procura por pessoas inclusive de localidades longínquas ilha a
dentro; e por revelar traços marcantes do xamanismo indígena em suas práticas.
Na metodologia, percorre-se as trilhas etnográficas (GEERTZ, 2008) em uma
pesquisa de campo, por meio de observação e entrevistas semiestruturadas, e diálogo
com a história oral, visto que o olhar se direciona ao sujeito pajé, suas práticas
religiosas e trajetória de vida (PORTELLI, 2016).
Para tanto, como condição ética à sua realização, fez-se necessário a
assinatura de termos de consentimento e gravação e reprodução das vozes dos
sujeitos com quem se dialogou em campo. Todos assinaram e concordaram em
participar deste estudo.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O suporte teórico parte de pressupostos da história cultural, ao pensar esta
história de sujeitos e seus saberes até então subalternizados pela ciência moderna
131

(SHARPE, 1992). Busca-se destacar pelo viés da resistência decolonial como uma
prática religiosa de matriz afroindígena como a pajelança permanece viva até hoje.
Entende-se a decolonialidade como uma corrente de pensamento e ações pautados
no sentimento de liberdade, respeito e alteridade do ser humano, independentemente
de sua raça, credo, lugar etc., que se volta àqueles que enfrentam a exclusão, todo
tipo de preconceito e opressão advindos do processo colonizador europeu.
Interessa refletir sobre a pajelança enquanto um saber ancestral, ao destacar
que em seus ritos ocorrem circulação de saberes, sejam de cunho religioso, moral,
estético, de medicina popular, de formação do próprio pajé. Aborda-se a temática da
pajelança como uma prática religiosa com rituais xamânicos de cura que teve sua
origem com os povos indígenas e sofreu influências no decorrer do processo
colonizador de culturas como a africana e a europeia e que hoje é praticada por não
indígenas, na maioria das vezes mulheres e homens do campo ou ribeirinhos,
chamada de pajelança cabocla (MAUÉS e VILLACORTA, 2008).
Observa-se em campo que todos que participam dos rituais no terreiro
experimentam algum tipo de aprendizagem, como quando se aprende sobre a cultura
das entidades nas suas falas e doutrinas; aprende-se onde sentar, onde não entrar, no
que tocar e o que cantar para acompanhar os trabalhos; aprende-se acerca de quais
ingredientes da natureza usar para tomar os banhos ou os chás para cura de doenças
ou em busca de boas energias para o seu dia a dia; a moral repassada pelas
entidades sobre caridade, suas missões nessa terra e o cuidado com o divino; há uma
pratica educativa configurada no rito de formação do pajé, sua iniciação, ao observar
nele próprio a figura de um educador.
A pajelança se mostra, então, como uma atividade que para se praticar
também se precisa aprender, como educação que está para além das práticas de cura
ou religiosas, forjada na sociabilidade dos sujeitos envolvidos, sejam eles humanos ou
não humanos. Aponta-se então, para uma pedagogia cultural na trajetória e práticas
do pajé Robson, que compreende espaços diversos de aprendizagem e os processos
educativos de um modo mais amplo e complexo, ao revelar que se aprende não
somente com os pajés no terreiro, mas também com as entidades que ali atuam, nas
relações cotidianas, em trocas culturais, por meio dos saberes que circulam nesse
espaço (COSTA e ANDRADE, 2015).
O processo educativo no terreiro de pajelança possibilita pensar uma proposta
contra hegemônica de construção do conhecimento, a partir de um conceito mais
amplo de educação e de respeito aos povos até então invisibilizados pela lógica
moderna ocidental (DUSSEL, 1993); uma educação que não compreende apenas a
132

relação com o humano, mas uma troca constante entre humanos e não humanos
(LATOUR, 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao pensar nessa organização observada no terreiro de São Jorge, pode-se
inferir que todos que participam dos rituais experimentam algum tipo de aprendizagem,
desde a chegada ao terreiro ao ritual de cura; da descoberta do dom ao rito de
iniciação do pajé. Aponta-se, então, para uma pedagogia cultural na trajetória e
práticas da pajelança, que compreende espaços diversos de aprendizagem e os
processos educativos de um modo mais amplo e complexo, ao revelar que se aprende
não somente com os pais de santo no terreiro, mas também com as entidades que ali
atuam. O que possibilita pensar uma proposta contra hegemônica de construção do
conhecimento, a partir de um conceito mais amplo de educação e de respeito aos
povos originários.

REFERÊNCIAS
COSTA, Marisa Vorraber; ANDRADE, Paula Deporte. Usos e possibilidades do
conceito de pedagogias culturais nas pesquisas em estudos culturais em educação.
Textura, Canoas, v. 17, n. 34, p. 48-63, mai./ago. 2015.

DUSSEL, Enrique. O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade.


Petrópolis-RJ: Vozes, 1993.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras,


2001.
LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede.
Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Salvador: EDUFBA; Bauru: EDUSC,
2012.

MAUÉS, Raymundo Heraldo; VILLACORTA, Gisela Macambira (Orgs.). Pajelanças e


religiões africanas na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2008.

PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz,
2016.
133

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita
da História: Novas perspectivas. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1992.
pp.39-62.

A estética do sagrado: comunicação, cosmovisão e experiencia


estética no Santo Daime

FERRO, Kélem C. Alves

RESUMO:

O Santo Daime é uma religião nascida em 1930 na cidade de Rio Branco (Acre). Suas
bases rituais constituem-se com o uso da ayahuasca - chá psicoativo trazido do
xamanismo - e com a realização de trabalhos espirituais centrados na execução de
repertórios musicais (hinários). A experiencia espiritual em estado ampliado de
consciência reúne diversos elementos que compõem esse ambiente religioso. Sua
forma de comunicar o sagrado é presente na performance praticada coletivamente.
Ayauasca é mediadora de saberes, mistérios e os hinos portadores dos ensinos
revelados na experiencia. Essa educação ocorre num espaço-tempo incomum,
comunicando-se numa dimensão estética sui generis. Os processos de ensino-
aprendizado desse pensamento estético e sua cosmovisão ocorrem de maneira
coletiva e individual. ALBUQUERQUE (2018) discute a educação mediada pelas
plantas e sua oposição aos processos de aprendizagem formal, BITTENCOURT
(2018), fala da representação do sagrado em estados de consciência potencializados
pela ayahuasca.

PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO, ESTÉTICA, RELIGIÃO, HINÁRIOS.

INTRODUÇÃO:

O Santo Daime é uma religião de tradição indígena nascida na Amazônia nos


anos de 1930 fundada pelo maranhense Raimundo Irineu Serra na periferia de Rio
Branco, Estado do Acre. A religião do Santo Daime surgiu a partir do contato de
Raimundo Irineu Serra – mestre Irineu – com o chá psicoativo Ayahuasca, utilizado por
diferentes povos indígenas em toda a região amazônica brasileira e em outros países
134

da pan-amazônia. Por isso o Santo Daime é considerado como religião ayauhasqueira


de tradição indígena.

Mestre Irineu estabeleceu as bases rituais do Santo Daime fazendo reuniões


em casa com poucas pessoas para quem distribuía o chá e indo, solitariamente, para
a floresta tomar Ayahuasca com o intuito de receber sua missão religiosa e espiritual e
foi assim, na floresta e em estado ampliado de consciência, que Raimundo Irineu
Serra encontrou, na mata, uma senhora que se apresentou com o nome de Clara e
mais tarde como Nossa Sra. da Conceição. A partir desse contato espiritual surgiu o
hino Lua Branca transmitido por essa entidade feminina à Irineu Serra.

As bases rituais do Santo Daime foram concebidas por Raimundo Irineu Serra
através da comunicação que ele travara, por meio da Ayauasca, com seres divinos e
entidades espirituais manifestadas por meio de intuições, visões, sonhos e, finalmente
se pronunciadas por meio dos hinos. Desde o primeiro contato com a entidade Clara,
Raimundo Irineu Serra passou a receber os hinos que formam o hinário “O Cruzeiro” o
primeiro hinário daimista.

A partir do surgimento dos hinários o Santo Daime começa a ser estruturado


em seu pensamento religioso, cosmologia e bases ritualísticas. Contudo e
estruturação dessa cosmologia, marcada pelos fenômenos de transmissão e recepção
de hinos, também agrega em seu arcabouço muitos outros elementos que, na prática
religiosa, comunicam um pensamento por meio da experiencia estética.

A presença da música, a dança, farda, o salão, a floresta e a performance


organizada de maneira coletiva formam os elementos que constituem uma estética do
sagrado presente nas práticas de hinários. Os modos de comunicar e os processos de
ensino e aprendizado deste sagrado circunscrevem-se numa pedagogia pautada na
vivência religiosa e na experiencia estética que por sua vez estão expressas, horas,
em meio a performance coletiva e, outras, na experiencia individual e intuitiva.

Atualmente no Brasil existem várias ordens e denominações religiosas


ayauhasqueiras consideradas de tradição indígena por herdarem, do xamanismo
amazônico, o uso ritualizado da ayahuasca. Existem, portanto, singularidades e
similaridades na cultura ayauhasqueira que se expressam em inúmeras combinações
de elementos comuns à experiencia espiritual mediada pelo chá. Esses elementos
comunicam um pensamento estético com representações próprias e relacionáveis
entre si. Para entender essa experiencia religiosa em sua dimensão estética e
pedagógica tomaremos por base os trabalhos espirituais com execução de hinários
em duas ordens religiosas distintas e levantaremos as seguintes questões:
135

De que maneira a experiencia religiosa promove uma educação estética?

Que processos de ensino e aprendizado perpassam essa experiência religiosa


e estética?

Qual o papel dos hinos na formação do pensamento estético religioso?

METODOLOGIA:

Este artigo quer desenvolver um estudo de caso feito a partir de trabalhos de


hinários realizados em duas comunidades religiosas de ordens diferentes a serem
definidas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

A dimensão estética e educativa da prática de hinários na experiencia religiosa


ayauhasqueira pode ser discutida à luz de teorias diferentes entre si mas que se
atravessam na perspectiva de olhar o fenômeno religioso de modo holístico e não
apenas como um fato social, antropológico, passível de ser descrito sob a lógica do
conhecimento mensurável científico moderno.

Seja pela necessidade de discutir processos educativos que ocorrem fora do


ambiente escolar e escapam aos métodos de ensino tradicionais ou seja pela
impossibilidade de descrever experiencias sensíveis, intuitivas e tudo mais que está na
dimensão do intangível devemos aqui nos referendar em trabalhos direcionados a
esses temas cuja formulação teórica também nos acolhe.

ALBUQUERQUE (2018) em seu artigo “Pedagogia da Ayahuasca: por uma


decolonização epistêmica do saber” discute a educação mediada pelas plantas em
oposição radical as pedagogias instituídas nos espaços de ensino convencionais e o
papel dos hinos como materialização dos conhecimentos trazidos pela ayahuasca
destacando a dimensão estética presente na educação daimista. A autora também
apresenta uma série de entrevistas entre praticantes do Santo Daime, de diferentes
culturas, com a intenção de registrar o fenômeno do despertar de saberes nesses
praticantes, dentre os quais os saberes artísticos se sobressaem ao longo das
entrevistas apresentadas.
136

ALBUQUERQUE (2018) cita a análise feita por Boaventura Santos (2009)


sobre o lugar dado aos conhecimentos que transcendem a lógica científica tratados
como “abissal” ou inexistente na ciência convencional.

Bittencourt (2008) em seu artigo “Ayahuasca em contexto” faz um estudo sobre


a produção artística visionária ligada a Ayahuasca a partir de uma análise sobre a
produção de arte ligada a Ayahuasca. O autor aponta similaridades entre os efeitos
reproduzidos nas obras estudadas e o conjunto de sensações que formam a
experiencia religiosa que ele chama de experiencia estética de comunicação com o
sagrado ou “cosmovisão”. Para o autor a há relações entre as cosmovisões presentes
nas diferentes culturas ayauhasquerias observadas e a representação estética da
produção artística visionária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O pensamento estético se aprende no conjunto de elementos que


envolvem a prática de hinários e está ligado a experiencia sensorial em estado
ampliado de consciência aproximando tais práticas religiosas de suas matrizes
xamânicas em diversos aspectos: aprender com uma planta, alterar as percepções
sensoriais e sensitivas, interação orgânica com o meio, entre outros. A raiz do
pensamento xamânico e neoxamânico reúne natureza e cultura, nesse sentido se
opõe a estrutura clássica do pensamento científico ocidental sobre a arte e estética
que compartimenta os saberes e tem na racionalidade seu fundamento basilar. Por
isso entender a formação estética presente na prática de hinários requer uma outra
base epistemológica capaz de problematizar e transpor os limites do pensamento
moderno ocidental.

REFERENCIAS:

Albuquerque, M. B. B (2018). Pedagogia da Ayahuasca: Por uma decolonização


epistêmica do saber. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 26 (85). http://
dx.doi.org/10.14507/epaa. 26.3519.

Bittencourt, M. C (2018) Ayahuasca em Contexto: produções imagéticas e


representações da experiência psicoativa. Revista Continente, Ed.207.
https://www.revistacontinente.com.br/edicoes/207/ayahuasca-em-contexto.
137

EIXO 4

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: A EXPERIÊNCIA DO ESCREVENDO NOSSA


HISTÓRIA

NAZARÉ, Mailson Lima57

RESUMO
O presente estudo analisa a participação de entidade da sociedade civil organizada no
Projeto Escrevendo Nossa História, o qual objetiva a inclusão social de jovens e
adolescentes a partir de praticas educativas, em parceria com o Ministério Público do
Trabalho – MPT, e organizações locais. Busca-se compreender as ações no campo da
educação não formal, a partir de análise documental, entrevista semiestruturada e
revisão bibliográfica. Dentre as principais conclusões destacam-se a valorização da
identidade e memória local, o envolvimento das comunidades atendidas e as
dificuldades de continuidade deste tipo de projetos.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas Educativas. Movimentos Sociais. Jovens e


Adolescentes.

INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a atuação dos movimentos sociais em práticas de
sociabilidades de conhecimento tem sido um campo de discussão que vem se
destacando no meio acadêmico, muito em função das dificuldades que os currículos
escolares apresentam de considerar a organização e os contextos da sociedade,
questão esta que coloca a Escola em uma perspectiva de repensar suas formas de
atuação para o cumprimento efetivo de sua função social, a de espaço que propicia a
socialização dos conhecimentos historicamente sistematizados.

57
Pesquisa em andamento, trabalho curricular.
Mestrando em Estudos Antrópicos na Amazônia, UFPA, Belém, Pará, mailsonlima@bol.com.br.
138

Assim sendo, em paralelo a educação escolar diversificam-se na Amazônia


espaços sociais de produção e práticas educativas nucleadas por organizações da
sociedade civil, indo ao encontro do pensamento de Brandão (1994), quando nos diz
que “ninguém escapa da educação”, pois ela está presente em diversos espaços e em
ações que organizamos.
Nesta direção este estudo se desenvolve visando compreender como se
desenvolvem as ações dos processos educativos não escolares que ocorrem através
do projeto “Escrevendo Nossa História”, coordenado pelo Centro de Estudos e
Memória da Juventude Amazônica (CEMJA), entidade de atuação nos movimentos
sociais que em parceria com o poder público, através Ministério Público do Trabalho
(MPT), no Pará, propõe construírem espaços de formação pautados pela perspectiva
da inclusão social de jovens e adolescentes de áreas carentes, em bairros com pouca
presença do poder público, áreas empobrecidas e vulneráveis na cidade de Belém,
Estado do Pará.

O estudo, ao partir da análise do espaço de atuação dos movimentos sociais


se contrapõe ao paradigma hegemônico da modernidade ocidental, que incorre na
negação de outros conhecimentos, propondo modelo único de produção de
conhecimento, o formal escolar. Desta forma autores como Brandão (2002), Santos
(2010), Ghon (2009; 2014), Trilla (2008), nos auxiliam nas reflexões teóricas da
investigação.

Nesta direção, o estudo não visa negar a importância ou a relavância da


educação escolar, mas sim contribuir para compreensão de outras perspectivas
educativas.

METODOLOGIA
Realizamos um estudo de caso, com pesquisa em andamento, cujo objeto da
investigação foi o “Projeto Escrevendo Nossa História”, que ocorreu no período de
2017 a 2018, para isto, recorremos à análise de conteúdo, através da coleta de dados
e de informações documentais sobre o funcionamento do projeto. Utilizamos também
entrevistas semi-estruturadas junto aos coordenadores do projeto e análise
bibliográfica de discussões teóricas sobre a temática. O lócus da pesquisa são as
comunidades das áreas do bairro Barreiro e da comunidade Vila da Barca na cidade
de Belém no Estado do Pará, onde se desenvolve o projeto sob a coordenação de
entidades da sociedade civil, no qual nos deteremos na análise da atuação do Centro
de Estudos e Memória da Juventude Amazônica (CEMJA), nas ações formativas para
139

jovens de 12 a 18 anos. O projeto se origina por iniciativa de multa financeira


gerada por uma ação trabalhista do Ministério Público do Trabalho (MPT), em face da
Companhia Docas do Pará, sendo executado por diversas entidades da sociedade
civil, visando atender jovens e adolescentes em diversas atividades como oficinas,
minicursos, rodas de conversas e palestras, com objetivo que estes sejam capazes de
escrever suas próprias histórias na sociedade.

RESULTADOS DISCUSSÕES

Entre as questões identificadas no estudo destaca-se a participação em rede


dos diversos segmentos da sociedade civil envolvidos no projeto, como forma de obter
êxito na mobilização e atendimento do público a ser beneficiado, auxiliando assim, a
execução organizada pelo CEMJA. Desta forma além das entidades como o Instituto
Internacional do Brasil – IEB e o Instituto Universidade Popular – UNIPOP, contava-se
com o apoio e articulação de organizações locais como a Paróquia do Perpetuo
Socorro, a Paróquia de Santo Expedito, Comunidade Santo Antônio de Lisboa - CAJU,
Comunidade Sagrado Coração de Maria, a Associação de Moradores da Vila da
Barca, o Centro de Referência de Assistência Social do Barreiro – CRAS Barreiro, o
Conselho Tutelar do Barreiro, a Delegacia do Adolescente - DATA, a Escola Santo
Afonso, a Escola Inês Maroja e a Escola José Alves Maia. Percebe-se a participação
de instituições do poder público nestas articulações, inclusive de educação escolar,
sendo nucleadas por uma organização da sociedade civil.

Este formato de atuação em rede é uma característica perceptível na maioria


dos movimentos sociais na atualidade, o que propiciou no projeto Escrevendo Nossa
História, uma forma de diálogo mais próximo com o território de atuação, conectando-
se com a realidade local, distanciando-se de um isolamento que geralmente se
envolve por estarem fora de uma superestrutura estatal, produzindo assim relações de
práticas sociais educativas através de articulações de reuniões, mobilizações e visitas
a moradores.

A partir destas articulações e de atuação em redes, os movimentos apresentam


suas pautas, produzem e fazem circular conhecimentos, mantendo suas
características de serem atores centrais de processos e dinâmicas de protestos e lutas
por mudanças e justiça social no mundo contemporâneo (GHON, 2014).

Nesta direção o Projeto Escrevendo Nossa História constroe espaços


educativos não escolares a partir da atuação dos movimentos sociais, se contrapondo
140

ao paradigma da modernidade que reconhece modelos únicos de produção de


conhecimentos, conforme verificamos nas atribuições relacionadas ao CEMJA (2017)
de desenvolver ações formativas socioculturais com adolescentes e jovens de 12 a 18
anos, das referidas áreas, e atuar diretamente no planejamento, coordenação,
execução e monitoramento de oficinas.

Assim, com a atuação da sociedade civil no Projeto Escrevendo Nossa História


podemos identificar práticas educativas extramuros escolares, na perspectiva da
formação em direitos humanos, no resgate da cidadania, na valorização da identidade
e da cultura local, resgatando a autoestima de jovens e adolescentes das áreas
atendidas.

Para Trilla (2008), temos uma realidade educacional, em que atuações


educativas não-formal e informal demonstram um universo social, e o caráter não
homogênea da educação como produtora de conhecimento.

Nesta direção destaca-se, um amplo debate epistemológico sobre a produção


de conhecimento no mundo contemporâneo que, no campo dos estudos dos
movimentos sociais, traduz-se frequentemente no reconhecimento dos movimentos
sociais (e outros atores sociais, como ONGs, entidades do Terceiro Setor etc.) e
espaços não acadêmicos como produtores de conhecimentos (GHON, 2014).

Santos (2010) destaca também que todos os conhecimentos sustentam


práticas e constituem sujeitos, é nesta direção que verificamos a atuação do projeto na
condução de práticas educativas não escolares, com ações de oficinas formativas e
espaços de interações sociais com objetivos de interferir na realidade das localidades,
como na tentativa de diminunir a violência e a condição de probreza, pois segundo o
Relatório do CEMJA (2017) um dos objetivos do projeto era contribuir com a mitigação
da violência por meio de processos de interação sociocultural de adolescentes, jovens
e seus familiares em situação de vulnerabilidade social, nas áreas do Barreiro e Vila
da Barca.

Outra questão relevante identificada diz respeito a práticas pedagógicas


desenvolvidas no projeto, as quais procuravam construir um mapeamento,
denominado de “tecido social”, que se traduzia em reuniões de planejamento e
monitoramento do projeto e o envolvimento das lideranças comunitárias e
representantes das instituições governamentais e não governamentais, visando
cartografar o território de atuação e construir vivências sociais.
141

Neste sentido o Projeto Escrevendo Nossa História, ao procurar articular ações


de prática educativas coletivas de educação não escolar contribui para inclusão de
cidadãos aos mecanismos de socialização de conhecimento que fortalecem uma
perspectiva de consciência social e dignidade humana, para que estes possam ter a
oportunidade de escrever suas próprias histórias, objetivo que projeto se propõe
alcançar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção de conhecimento em espaços de educativos não formais, como


práticas de educação não escolar se traduz em uma realidade desenvolvida por
ações de socialização que a sociedade civil, principalmente através dos
movimentos sociais vêem desenvolvendo na contemporaneidade.

Estas ações propõem incentivar e promover qualificação, compartilhar


experiências e vivências, articular parcerias a partir de projetos sociais, nos quais
implementam práticas educativas não escolares.

Assim, percebe-se que o projeto Escrevendo Nossa História ao visar


mudanças positivas nas áreas, com mobilizações sociais voltada à proteção e a
inserção socialmente de jovens e adolescentes, contribui para que a interação entre a
sociedade e indivíduos valorize a realidade e o contexto local, ou seja suas
identidades.

Destarte, dificuldades rondam estas práticas educativas não escolares, que


contribuem para a descontinuidade de suas ações, como as que envolvem atuar em
áreas de extrema pobreza com a precariedade dos serviços públicos, conflitos
relacionais e políticos entre as lideranças comunitárias dos territórios, assim como a
baixa escolaridade da população atendida, o tráfico de drogas na região, e
principalmente as dificuldades estruturais e financeiras para a manutenção e
desenvolvimento das atividades cotidianas.

Este cenário de dificuldades, é o que envolve o projeto Escrevendo Nossa


História, mas mesmo assim identifica-se, que o projeto se apresenta como uma
ferramenta de inclusão social, que atravéz da educação não escolar contribui para um
olhar diferenciado para jovens e adolescentes com a cidadania negada pela sociedade
“moderna”.
142

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos. Rodrigues. O que é educação. São Paulo, SP: Brasiliense


2002.p. 123.

CENTRO DE ESTUDOS E MEMÓRIA DA JUVENTUDE AMAZÔNICA. Relatório


Técnico, 2017. p. 27. Disponível em: < http://cemja.blogspot.com/> Acesso em 05 de
abr. 2019.

GHON, Maria da Glória.; BRINGEL, Breno M. (Orgs). Movimentos sociais na era


global. 2. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 250.
GHON, Maria da Glória. Educação não-formal, educador(a) social e projetos
sociais de inclusão social. Meta Avaliação. Rio de Janeiro, v. 1, n.1, p. 28-43,
jan./abr. 2009. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/45452039_Educacao_nao-
formal_educador_a_social_e_projetos_sociais_de_inclusao_social> Acesso em: 03
abr. 2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura


política. 3ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 511.

TRILLA, Jaume.; ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Educação formal e não formal:
pontos e contrapontos.São Paulo: Sammus, 2008. p. 168.

A PALAVRA NAVEGANTE: A ABERTURA DE LETRAS E O PROCESSO DE


EDUCAÇÃO INFORMAL NO ENSINO DE ARTE.

PEREIRA DA SILVA, Luana Priscila58

RESUMO

A arte enquanto parte integrante de um cotidiano, também pode ser cultura. Um dos
exemplos da rica cultura paraense são encontrados hoje no trabalho de moradores
das regiões das ilhas da capital paraense e arredores. Conhecidos como “abridores de

58
Artigo acadêmico produzido durante a disciplina Estágio em Espaços Culturais, no curso de licenciatura em Artes
Visuais da UFPA. A autora possui graduação em Licenciatura em Artes Visuais pela UFPA. Belém – Pa. E-mail para
contato: ppsluanapriscila@gmail.com
143

letras”, esses homens têm seu sustento provido através da abertura e pintura de letras
em barcos utilizando o modelo de tipografia vitoriana, legado da era da borracha
vigente nos tempos áureos da belle époque na cidade de Belém. Esta pesquisa retrata
sobre como a instancia informal de educação atua na transmissão de conhecimentos
e, especificamente, no ensino de arte, através do exemplo da abertura de letras,
considerando a educação informal como um fenômeno integralizador da cultura e dos
saberes locais, fundamentais para a sobrevivência da sociedade.

PALAVRAS CHAVE: Cultura amazônica; Abertura de letras; Educação em Artes.

INTRODUÇÃO

A cultura amazônica, especificamente a paraense, é fruto da capacidade de


adaptação do caboclo paraense mediante às condições nas quais o mesmo vive- hoje,
constam como o fluxo contemporâneo e a modernidade -. Os povos amazônicos
sempre foram sustentados través dos recursos da floresta, esta que moldou muito
daquilo que hoje reconhecemos como cultura por meio de sua relação com o homem.
Porém, com o surgimento das grandes cidades e dos centros urbanos, estes povos
precisaram encontrar outros meios de sustento, recursos estes que em sua maioria a
floresta não dispõe.

A abertura de letras encontra-se como um dos reflexos do sustento dos


moradores da região das ilhas e da cidade de Belém do Pará. Os pintores, em sua
maioria homens, se encarregam de abrir letreiros nos barcos, nomeando-os de acordo
com que o dono do barco deseja. Sabe-se que essa herança de tipografia, conhecida
como tipografia vitoriana, surgiu em um momento particular da história da capital
paraense, a era da borracha ou belle époque (1890-1910), onde a cidade de Belém foi
um grande polo de produção e exportação do látex retirado das seringueiras. Nesta
época, Belém do Pará foi moldada pelos comportamentos de uma sociedade
tipicamente burguesa, já que estava no núcleo da economia capitalista (COELHO,
2005). No decorrer dos anos, a tipografia dos barcos foi se transformando, tomando
outras dimensões e se tornando oficialmente um recurso de pintura utilizado pelos
moradores das regiões onde o barco é mais do que um transporte.
144

METODOLOGIA

A proposta de se trabalhar o conceito de educação informal em arte surgiu


através de um reconhecimento do trabalho realizado por esses pintores das
proximidades de Belém. Basta ir ao centro comercial de Belém e se deparar com a
variedade de barcos pintados à mão com tantas fontes, nomes, cores e tamanhos. A
curiosidade desperta e se faz questionar sobre como essas pinturas são feitas, quem
as produz e como esse conhecimento é repassado. A metodologia utilizada para
responder tais questões é demonstrada na forma de pesquisa bibliográfica, análise de
entrevistas e grupos de referência no assunto, como por exemplo o projeto Letras que
Flutuam, que mapeia a região das ilhas do arquipélago do Marajó em busca das
narrativas que cercam esse universo.

DISCUSSÕES

A priori, antes de se iniciar qualquer discussão sobre o tema proposto, é


preciso que se faça a definição precisa no que tange os conceitos sobre educação
formal, informal e não formal. A educação informal, abordada nesta pesquisa, seria
aquela que nutre todas as formas possíveis de educação no período de vida de um
sujeito e está presente em qualquer espaço do meio social ou cotidiano, como em
espaços de lazer e cultura ou até mesmo em domicílio, por exemplo (AFONSO, 1992,
p. 86). Já a educação formal e não formal, partilham de conceitos e formalismos
exigidos pela instituição escolar com fins de obtenção de títulos.
As condições macroestruturais de ensino hoje consistem nas discussões do
conceito de cultura a partir do suporte oferecido pelos documentos oficiais nacionais
em educação. Sobre cultura, os PCN’s apontam que “a seleção dos conteúdos é
baseada em critérios que visam despertar a curiosidade estimulando o conhecimento
da própria cultura, e a descoberta da cultura do outro em diferentes épocas”. (BRASIL,
1997, p.51). Por contextualizar, entende-
se que significa situar o conhecimento do próprio trabalho artístico, do outro e da arte
no contexto social, histórico e cultural. Mediante estes aportes, vemos no ofício da
tipografia das letras dos barcos certa continuidade e repasse desses valores culturais,
estéticos e de referência local, vê-se um resgate de valores sócio históricos dos povos
ribeirinhos. É pertinente refletir que a forma de aprendizagem das técnicas de abertura
de letras é dada de forma indireta e informal, pois na maioria dos relatos de pintores,
eles afirmam que havendo um primeiro interesse, aquele que possuía o conhecimento
145

da técnica passava a instruir o outro até que o mesmo a aprendesse e a partir disso,
seguisse independente e apto à pintura.
Apesar dos documentos oficiais apresentarem hoje um progresso no que diz
respeito aos saberes culturais, Peregrino (1994) aponta que a escola ainda reflete
valores e costumes de uma classe dominante e que muitos desses costumes são
impostos aos alunos sem que haja sequer uma afinidade com a sua realidade. O
reflexo disso é a manutenção de códigos distantes do aluno e de valores em que ele
não possui identificação, ou nas palavras de Rouanet (1989), manter num gueto
cultural “o indivíduo marginalizado que já vive em um gueto sócio econômico”. Esta
pequena justificativa já é suficiente para entendermos a importância de se pensar a
arte educação como suporte para o fortalecimento das questões culturais de um povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Educação e cultura são mãos que seguem unidas e, em tempos de


enfrentamento e partilha, são elas que possibilitam o desafio que é educar. É preciso
saber quem somos e de onde viemos, e se viemos da Amazônia, quem somos senão
sujeitos da terra e das águas? A água que leva os barcos é a mesma que nos lava
durante as chuvas, nos rega e nos transporta para onde o conhecimento está. A
abertura de letras e a diversidade que rege a região das ilhas, dos rios e da floresta, é
o reflexo de anos da construção de um conhecimento há muito tempo ignorado pelas
instituições de ensino, estas que priorizam outras formas de educar o sujeito. É
preciso seguir com firmeza e afinco em propostas que resgatem nossa cultura, para
que eduquemos sujeitos cientes de suas raízes, formadores de opinião e que saibam
o valor de tudo o que está ao seu redor.

REFERÊNCIAS

AFONSO, A. J. Sociologia da Educação não-escolar: reatualizar um objeto ou


construir uma nova problemática? In: BARZANO M. A. L. Educação não-formal:
Apontamentos para o ensino de biologia. Ciência em tela – Volume I, número I,
2008. Pg. 1- 5.
BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.
146

COELHO, G. M. Anteato da belle époque: imagens e imaginação de Paris na


Amazônia de 1850, Revista de Cultura do Pará, (16), n. 2, 2005.

PEREGRINO, Y. R. Da camiseta ao museu: o ensino de artes na democratização


da cultura. Paraíba. Editora Universitária UFPB. 1994.

ROUANET, S. P. O novo irracionalismo brasileiro. In S. P. Rouanet (Org.), As


razões do iluminismo (2ª reimpressão). São Paulo: Companhia das Letras. 1989)

PRÁTICAS EDUCATIVAS E SABERES DA BEBERAGEM EM QUILOMBOS


NA AMAZÔNIA PARAENSE


MASCARENHAS, Mayre Dione Mendes da Silva

RESUMO

Essa reflexão é parte de uma pesquisa em andamento vinculada ao Programa


de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual do Pará, a qual pretende
investigar a relação entre as sociabilidades mediadas pela beberagem e práticas
educativas não escolar. Trata-se de uma analise que evidencia o uso do emu, uma
bebida sagrada, para as comunidades quilombolas de África e Laranjituba Moju (PA),
tendo como central os saberes acumulados, transmitidos e partilhados por homens e
mulheres quilombolas. O caminho metodológico pretendido é da cartografia social por
meio da pesquisa participante, utilizando-se uso de dados tanto quantitativos quanto
qualitativos. O construto teórico apresentado nessa pesquisa são subsidiados pelos
trabalhos de Walsh (2012); Santos (2003; 2007); Albuquerque (2012; 2015); Arroyo
(2012), Freire (1996), entre outros. Utilizando-se das categorias conceituais evocadas
pela campo, tais como educação, saberes da experiência e pedagogia do cotidiano.

Palavras-chave: Beberagem, Quilombo, Prática Educativas, Saberes


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação( PPGED/UEPA) Graduada em letras e
especialista em Saberes Africanos e Afro-brasileiro na Amazônia pelo Grupo de Estudos Afro-
amazônicos - GEAM/UFPA. Vinculada ao grupo de pesquisa GHEDA/UEPA
147

INTRODUÇÃO

As sociabilidades centradas no produção e consumo de beberagem (bebidas


alucinógenas, caulin, etc.) entre as populações indígenas são conhecidas desde muito
tempo, “pois há em grande número de relatos e documentos da história oficial, o
registro o consumo da beberagem como uma prática cultural amplamente disseminada
entre os indígenas no Brasil colonial (Albuquerque. p.19. 2015). No entanto, ao que se
refere às populações quilombolas na Amazônia, ainda há poucos estudos sobre tais
práticas, principalmente se pensadas enquanto processos educativos. Este fato
aponta a perspectiva de atualização desse campo de pesquisa, no sentido de ampliar
os estudos já realizados até aqui sobre beberagens na Amazônia, tendo como objeto
de análise as práticas educativas mediadas pela beberagem quilombola, enfatizando
os processos de aprendizagem com vistas a compreender saberes que transitam em
ambientes não escolares e historicamente subalternizados nos processos
pedagógicos ocidentais modernos.
Focaliza-se na pesquisa a bebida sagrada Emu, de origem africana, produzida
nas comunidades do quilombo de África e Laranjituba, localizada na cidade de Moju-
Pa. A produção do Emu é uma tradição de mais de 300 anos, feita a partir da mistura
das ervas coletadas na mata. A bebida passa por um ritual sagrado e somente após
esse processo, estará pronta para ser utilizada para tratamento de saúde, como
medicamento, nos rituais de cura, em dia de tratamento espirituais e também em
rituais festivos.
Deste modo, a proposta de pesquisa problematiza os modos de aprender e de
ensinar a partir da diversidade de processos educativos e lança luz sobre
experiências, práticas, costumes e rituais transmitidos e aprendidos em ambientes não
escolares envolvendo os usos e a fabricação do Emu. Em vista disso, indaga-se: Que
epistemologias são evidenciadas por meio da prática da beberagem Emu em território
quilombola? De que maneira os saberes oriundos da bebida sagrada Emu contribuem
para o fortalecimento da identidade cultural quilombola?
Essas primeiras indagações desembocam nos objetivos dessa pesquisa, que
é cartografar as práticas educativas oriundas dos saberes da beberagem em território
quilombola com vista a identificar as contribuições para o fortalecimento da identidade
quilombola e analisar a relação entre as sociabilidades mediadas pela beberagem e
práticas educativas não escolar.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES
148

O modelo de desenvolvimento econômico, cultural, político e educacional


pensado para a Amazônia tem como fundamento uma lógica perversa que impõe um
pensamento único. Este modelo imposto, a partir de uma racionalidade, assim
chamada de “razão indolente” (SANTOS, 2013), se confronta com especificidades que
marcam ribeirinhos, camponeses, quilombolas, indígenas, etc., cria dicotomias entre
homem e natureza e entre as várias formas de conhecimentos produzidas pelos
grupos sociais, no que se refere ao modo de vida e práticas educativas. O conceito de
pensamento “abissal” (SANTOS, 2007), ajuda a pensar as dicotomias e hierarquias
entre saberes e refletir criticamente sobre essa cisão, promovendo rupturas com a
pedagogia dominante e oportunizando uma educação “pós-abissal” que ressalta a
pedagogia do cotidiano pautada nos saberes locais, tradicionais e da experiências
como uma possibilidade.
. Os conceitos vão ao encontro do proposito da pesquisa, pois apontam um
caminho possível a ser trilhado. Albuquerque (2012), buscando transgredir as
pesquisas e interpretações a respeito da educação escolar, ressalta a necessidade de
visibilizar a presença relevante de processos pedagógicos em diferentes espaços,
como é o caso das experiências da beberagem quilombola, que viabilizam
experiências pedagógicas em espaços esquecidos e silenciados. Albuquerque (2012,
p. 27), “concebe-se a educação como prática social que se inscreve na tessitura da
vida cotidiana, para além dos domínios sistematizados do mundo escolar”. Ao partilhar
os saberes da beberagem quilombola Emu, aprende-se muito ao longo da vida,
vivendo, fazendo coisas e interagindo com as pessoas, não somente sendo ensinados
por meio de ambientes escolares e “essa é uma das significativas vantagens do ser
humano - a de se tornarem capazes de ir além de seus condicionantes” (FREIRE,
1996, p 28).
Os resultados se apresentam de maneira parcial, por se tratar de uma pesquisa
em andamento, mas que já apontam para perspectiva decolonial. Uma vez que, nas
comunidades quilombolas de África e Laranjituba, a produção de conhecimento não
se efetiva apenas no espaço escolar. Outras formas de aprendizagens são efetivadas,
em espaços outros, tais como os barracões, os retiros de farinha, as trilhas, práticas
pedagógicas mediadas pelo Emu. Segundo o entrevistado 1 “nossos saberes são
herdados da nossa cultura ancestral, mas são lembrados, apenas em datas
folclorizada”. Nesse caso, o entrevistado se reporta ao calendário escolar, que apenas
faz menção aos saberes quilombolas em datas comemorativas, como o dia 20 de
novembro, dia da consciência negra. Para o entrevistado 2 o Emu é muito importante
“tem uma importância muito boa, porque é uma coisa dos nosso princípio, que vem
passando de geração a geração(...) Eu falo pra essas meninas abrirem o olho pra vê a
149

gente tá fazendo pra elas aprenderem...”. Portanto, é uma aprendizado que faz parte
do modo de vida quilombola, a qual evoca uma pedagogia própria repassado dos mais
velhos aos mais novos por meio de tradição do preparar, consumir, aprender e ensinar
os saberes e fazeres do quilombo.

METODOLOGIA
Optou-se pelo caminho metodológico da pesquisa participativa embasada
numa ótica crítica do modelo ocidental vigente, o integra também a investigação
proposta. Brandão (1999) aponta que a intenção pensada na relação que se
estabelece constitui o outro que também desempenha o papel de sujeito, e não objeto
de pesquisa. É nesse sentido que a pesquisa participativa singulariza-se por se tratar
de um método que “[...] vê na apropriação coletiva do saber, na produção coletiva de
conhecimentos a possibilidade de efetivar o direito que os diversos grupos e
movimentos sociais têm sobre a produção, o poder e a cultura” (Gajardo, 1999, p. 15).
Corroborando com as escolhas metodológicas, pretende-se usar como
instrumento de pesquisa: levantamento bibliográfico, entrevistas, observação
participante, análise e sistematização de dados. Quanto ao universo da pesquisa, o
quilombo possui 72 famílias, sendo que, para os fins da proposta dessa analise serão
considerados 20 sujeitos envolvidos no ritual de produção da bebida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se discute aqui, são reflexões de uma pesquisa em andamento, os


resultados, cujos traços são ainda embrionária, e portanto parciais, apontam para as
seguintes perspectivas : Práticas pedagogia do cotidiano, circulação de saberes por
meio de práticas educativas mediadas por beberagem, as quais se constituem como
experiências educativas não escolar válida, e portanto, apresentam-se como desafio
para o modelo da pedagogia ocidental moderna, partindo do pressuposto da
interculturalidade crítica, pois os saberes que circulam nas comunidades quilombolas
fortalecem movimentos de resistência frente à colonialidade que oculta e classifica
epistemes, de tal forma, criando relações assimétricas de poder. Assim, implica-se
pensar em pedagogias outras, mobilizadas por outros sujeitos (ARROYO, 2014) que
se qualificam por meio de saberes da experiência e do conhecimento de mundo, com
o qual estão intimamente ligados.

REFERÊNCIAS
150

ALBUQUERQUE, Maria Betânia B. Introdução. In: Beberagens e processos


educativos não escolares no Brasil. Belém: EDUEPA, 2012, (p. 19-43).
______. (Org). Saberes da experiência, saberes escolares: diálogos
interculturais. Belém: Eduepa, 2016.
ARROYO, Miguel. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petropóli: Vozes, 2012.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14ª
ed. São Paulo, Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
GAJARDO, Marcela. Pesquisa Participante: propostas e projetos. In: BRANDÃO,
Carlos Rodrigues. Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense,
1999.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia
das emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento
prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências. Revisitado Porto:
Afrontamentos, 2003. (p. 735-775).
______. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de
saberes. Novos estudos, nº 79, novembro 2007. Disponível em:
WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-
existir e re-viver. In. CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América
Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-
43.

COLARES (PA), UMA ILHA MUSICAL:


IDENTIDADES CULTURAIS E PRÁTICAS EDUCATIVAS

RODRIGUES, Denise de Souza Simões59; SANTOS, Artur Jonas Marques60

59
Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Pará (PPGED-UEPA). Líder do grupo sociedade, ciência e
ideologia – SOCID Endereço eletrônico: dssr@uol.com.br
60
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do
Pará. Licenciado em Pedagogia pela mesma universidade, integrante do Núcleo de Pesquisa
Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA) e do grupo Sociedade, Ciência e Ideologia – SOCID,
ambos da UEPA. Endereço eletrônico: arturjsantos40@gmail.com
151

RESUMO

Este trabalho parte da pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação


em Educação (PPGED) da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha Saberes
Culturais e Educação na Amazônia. Objetiva analisar o que as práticas educativas das
escolas de música na Ilha de Colares (PA) têm a revelar sobre a formação de
identidades culturais locais. Colares, localizada no nordeste paraense, possui 28
comunidades rurais e 7 escolas de música. Trata-se de uma pesquisa de campo com
base na etnometodologia e levanta questões significativas em um estudo bibliográfico
ao dialogar com categorias conceituais e fundantes ao estudo proposto, como cultura,
identidade, identidades culturais, entre outras. Estas norteiam uma discussão a partir
dos dados que emergem do campo, vivenciados nas escolas de música tradicionais e
centenárias, situadas em comunidades rurais de um espaço amazônico, que resistem
ao tempo e (re)afirmam saberes locais.

Palavras-chave: Cultura; Identidade; Identidades Culturais; Práticas Educativas


Musicais.

INTRODUÇÃO

Apresentamos neste trabalho um recorte de alguns dados sobre o estudo que


vem sendo desenvolvido no PPGED/ UEPA. O interesse pelo tema, que surgiu a partir
de um encontro realizado na ilha de Colares (PA)61, para a apresentação e lançamento
do livro intitulado “Saberes da Experiência, saberes escolares: diálogos interculturais”
(ALBUQUERQUE, 2016), o qual aborda os diversos saberes da região, como os
religiosos, os poéticos, os ambientais e como estes dialogam com as escolas locais.
Na ocasião, integrantes de escolas de música de diversas localidades ressaltaram que
seria interessante destacar, também, os saberes que circulam nessas escolas, sendo
quase centenárias e espalhadas por toda a ilha de Colares. Chama a atenção, assim,
as falas desses sujeitos que passam hoje a compor este estudo, bem como o dia a dia
das escolas de música e o envolvimento das comunidades em que estão inseridas.
Nessa perspectiva, pode-se entrelaçar as práticas educativas das escolas de
música de Colares às identidades culturais. Para isso, a pesquisa pretende responder,
a partir dos sujeitos envolvidos, o seguinte problema: o que as práticas educativas das

61
Localizada às margens da Baía do Guajará, na região do Salgado, nordeste do Estado do
Pará.
152

escolas de música na ilha de Colares/ PA têm a revelar sobre a formação das


identidades culturais de seus integrantes? E em decorrência, o estudo propõe,
também: a) Descrever os saberes que circulam nas práticas educativas das escolas
de música na ilha de Colares/ PA; b) Identificar o processo de inclusão dos integrantes
das escolas de música na dinâmica social em que estão inseridos; c) Traçar o perfil
sócio, econômico e cultural dos integrantes das escolas de música.

METODOLOGIA

O caminho metodológico constitui parte essencial neste processo investigativo


e sustenta os fundamentos que auxiliam no cumprimento dos objetivos propostos,
para isto trabalha-se numa abordagem qualitativa, conforme Minayo (2002, p. 21)
enfatiza: “A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se
preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado”. Assim, a pesquisa baseia-se na etnometodologia, a qual dá ênfase ao
objeto estudado como produto da cultura local, considerando os sujeitos envolvidos
como pessoas que têm saberes práticos para reconhecer e produzir culturalmente
processos sociais (HERITAGE, 1999).
Na pesquisa de campo, utiliza-se técnicas de entrevistas semiestruturadas,
tendo um total de 7 sujeitos envolvidos: 3 integrantes de escolas de música da ilha; o
atual presidente da escola de música Lira Nova; um ex-presidente que atuou por 20
anos na mesma escola; um ex-aluno que hoje é regente e professor da escola de
música 15 de Agosto; e um ex-aluno que hoje compõe uma renomada banda de
música em Belém.
Ao considerar as normas éticas para a pesquisa, utilizamos um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e um Termo de Cessão Gratuita de direitos
sobre gravação de voz e imagem para cada envolvido.

FUNDAMENTAÇÂO TEÒRICA

Rodrigues (2012) aponta que não as identidades são constituídas e estão em


constante transformação, mas devemos estar atentos em o que somos numa
coletividade. Ao trabalhar as escolas de música na ilha de Colares foi percebido o
envolvimento entre elas e a cultura local, assim, apoiamo-nos em Brandão (2002) que
possibilita compreender a educação como cultura, que ocorre em variados lugares ou
contextos, que nos cerca e nos envolve. Logo, é possível reconhecer as práticas
educativas de determinados grupos por meio de sua sociabilidade. Da mesma forma,
153

Oliveira (2015) aponta que nós somos criadores de cultura e responsáveis pelo reflexo
desta no mundo, sendo assim, autores e fazedores da nossa história e cultura. O
percorrer acadêmico vivido proporcionou o acesso a esses e muitos outros autores,
além de conhecer vários campos, como a história cultural, a qual dá visibilidade às
práticas do cotidiano dando enfoque para homens ditos comuns que passam a ser
ouvidos, a narrarem a história a partir de suas vivências. É o que Burke (2008)
considerou como a descoberta do povo, pois, historicamente, é possível observar que
as culturas populares foram postas como subalternizadas, sem valor para a ciência
moderna.
Para compreender melhor, pontua-se, brevemente uma contextualização
acerca do quantitativo de escolas de música na Ilha de Colares: a) na sede do
município temos: 1) escola de música Vereador José Queiroz Saldanha, fundada em
1948, pertencente à Associação Beneficente Prof. Luiz Gama; e 2) escola de música
Nova Harmonia, fundada em 21/09/2105, pertencente à Associação Artística Cultural
Nova Harmonia e b) na zona rural do município, temos: 3) a escola de música Novos
Talentos, fundada em 29/06/2005, pertencente à Associação Cultural Novos Talentos
em Genipauba da Laura; 4) a escola de música Treze de Maio, fundada em
13/05/1997, pertencente à Associação Beneficente e Cultural Treze de Maio em
Maracajó; 5) a escola de música Lira Nova, a mais antiga, fundada em 15/11/1922,
pertencente ao Clube Musical Lira Nova em Mocajatuba; 6) a escola de música Quinze
de Agosto, fundada em 15/08/2006, pertencente a Associação dos Filhos e Amigos de
Juçarateua (AFAJ) em Juçarateua, fundada em 23/11/1990, hoje dois pólos: um na
comunidade de Piquiatuba e outro na comunidade quilombola de Cacau, e 7) a escola
de música Professor Abelardo Pereira, fundada em 15/11/2013, pertencente a
Associação Cultural Clube Professor Abelardo Pereira em Candeuba. Além dessas,
nas comunidades de Ariri, Guajará e Aracê alguns músicos e moradores locais estão
articulando a criação de mais escolas de música para suas respectivas comunidades.
Todas essas escolas de música e mais os dois polos citados estão em pleno
funcionamento. Das localidades citadas com escola de música, é interessante
ressaltar que em todas elas há alunas/os matriculadas/os pertencentes a localidades
vizinhas, como por exemplo as crianças e jovens da localidade de Itabocal que vão de
bicicleta ou andando em grupo, aproximadamente quatro quilômetros em piçarra
alagada, para Mocajatuba ou Piquiatuba para participarem nas escolas de música Lira
Nova ou anexo da escola 15 de Agosto, respectivamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
154

O desafio de realizar estudos sobre temas educacionais relacionados ao


contexto amazônico e objetivando contribuir para a construção de práticas
socioeducacionais comprometidas com os saberes dos grupos socialmente excluídos
é grande! Entretanto, além de procurar fortalecer a identidade cultural da Amazônia
verifico a possibilidade de dar visibilidade às práticas educativas que favorecem o
enfrentamento ao preconceito e toda forma de opressão vivenciada por estes músicos
em toda a ilha de Colares.
Por fim, penso que urge propor um projeto possível de educação intercultural,
que possibilite o diálogo com os mais diversos saberes, compreendendo seus
conflitos, suas histórias de resistência, concebendo as diferenças com um olhar
heterogêneo para que se possa aprender com elas.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa. (org.). Saberes da experiência, saberes


escolares: diálogos interculturais. Belém: EDUEPA, 2016.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2002.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Trad.: Sérgio Goes de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
HERITAGE, John C. Etnometodologia. In: GIDDENS, Anthony e TURNER, Jonathan
(orgs.) Teoria Social Hoje. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa. São Paulo:
UNESP: 1999.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Paulo Freire: gênese da educação intercultural
no Brasil. Curitiba, PR: CRV, 2015.
RODRIGUES, Denise Simões. Identidades Culturais na Contemporaneidade:
contribuições ao debate teórico-metodológico. In: FARES Josebel Akel; RODRIGUES,
Denise Simões (Orgs.). Memória, imaginário e educação na Amazônia. Belém:
EDUEPA, 2012.
155

INFÂNCIA E PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA SEISCENTISTA62

BUECKE, Jane Elisa Otomar63

RESUMO

Este trabalho focaliza as crianças que viveram na Amazônia, no século XVII e visa
analisar as práticas educativas em que elas estavam imbricadas. É uma pesquisa de
natureza histórica, apoiada em crônicas, cartas jesuítas, outras fontes disponíveis em
que foi possível vislumbrar o objeto estudado. O referencial teórico se baseia na
História Cultural que alça as crônicas como documentos históricos, permitindo, a
despeito da visão etnocêntrica, extrair ainda que sutilmente o modo de vida de atores
antes invisibilizados, como as crianças. Os dados analisados evidenciam que essas
crianças foram importantes transmissoras da cultura autóctone na região amazônica e
não absorviam passivamente as instruções impostas pelo catolicismo pois mantiveram
forte vínculo com seu grupo social.

PALAVRAS-CHAVE: Infância – Práticas educativas – Saberes - Educação Colonial

INTRODUÇÃO

A pesquisa ora apresentada trata das práticas educativas em que as crianças


que viveram na Amazônia, no século XVII estavam imbricadas e tem por objetivo
analisar essas práticas. É um trabalho que está vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGED, da Universidade do Estado do Pará - UEPA e
está inserido na linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Ao
considerar minha experiência profissional como diretora escolar por cerca de quinze
anos em escola de educação básica, onde pude conviver cotidianamente com
crianças e suas várias nuances, passei a refletir sobre como seria a infância na
Amazônia em outro tempo e outro espaço: quem eram essas crianças? Como era o
seu cotidiano? O que significava ser criança no século XVII? O que lhes era ensinado?
Como elas aprendiam? Com quem?

62
Dissertação defendida em 2019, no Programa de Pós-Graduação da UEPA na linha “Saberes Culturais
e Educação na Amazônia”.
63
Mestre em Educação pela UEPA, Belém/PA, janebuecke@yahoo.com.br
156

METODOLOGIA

A pesquisa tem uma natureza histórica, apoiada em fontes documentais tais


como crônicas, cartas jesuítas, e demais materiais disponíveis que tratam da criança e
das práticas educativas no período delimitado. A ampliação do conceito de fontes,
proporcionada pelo movimento da História Cultural, permite considerar as crônicas
escritas por religiosos que estiveram na Amazônia colonial como documentos
históricos para o estudo do passado. Assim esta pesquisa se utiliza da História da
missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas circumvisinhaças (1874),
do padre capuchinho Claude D’Abbeville e a Continuação da história das coisas mais
memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (2007) do também
capuchinho Yves D’Évreux. Ambos os religiosos compunham a missão organizada por
Daniel de La Touche que intentou implantar uma colônia francesa na região – a
França Equinocial (1612-1615). Recorri também à Crônica da missão dos padres da
Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, escrita pelo padre João Felipe
Bettendorff que abrange a segunda metade do século XVII, o primeiro da chegada dos
portugueses à Amazônia e detalha a experiência dos jesuítas na região. Tais obras
relatam o contato dos padres com os nativos onde as crianças amazônidas são
mencionadas, como protagonistas em algumas situações que chamaram a atenção
dos padres e, consequentemente, também a minha tornando sua leitura imprescindível
neste estudo. Além dessas crônicas, as cartas do padre Antônio Vieira ambientadas
no período em que este inaciano esteve no Estado do Maranhão e Grão-Pará e/ou foi
responsável pela missão jesuítica nesta localidade, foram fontes relevantes. O
paradigma indiciário proposto por Ginzburg (1989) se apresenta como um modelo
epistemológico que oferece pistas para a condução da pesquisa e o estabelecimento
de conexões necessárias ao entendimento do tema em seu contexto, se configurando
com uma alternativa metodológica eficaz.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As categorias de análise do trabalho são infância, práticas educativas e


saberes e o referencial teórico para a fundamentação dos estudos realizados se
baseia em Ariès (1981), Charlot (2013), Brandão (2007), Oliveira (2007) e
Albuquerque (2012). Por práticas educativas entendo conforme Cunha e Fonseca
(2005), toda relação em que ocorre a transmissão e circulação de saberes. Tais
práticas não se restringem, portanto, ao sistema escolar onde predomina, em geral, a
157

transmissão de conhecimentos científicos. Focalizo os saberes transmitidos nas


diversas situações pedagógicas em que as crianças mencionadas pelo cronista
estavam envolvidas. Roger Chartier (1990) considera as representações como
construção social e histórica, cujo entendimento é fundamental para a compreensão
da própria história. As práticas de um determinado grupo contribuem para as
apropriações destas representações. Assim ao investigar as práticas educativas que
envolveram as crianças na Amazônia colonial busquei não perder de vista as
representações dos sujeitos envolvidos nessas práticas. Tais práticas se inscrevem
“[...] na tessitura da vida cotidiana, para além dos domínios sistematizados do mundo
escolar” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 27) onde predomina, em geral, os conhecimentos
científicos. Dentre as considerações possíveis, ao estudar as fontes é possível notar o
sentimento de infância se formando a partir da valorização da educação das mesmas
como estratégia de doutrinação e perpetuação dos valores morais da Igreja Católica.
Contudo, é possível captar pelas leituras que entre os nativos, já havia um sentimento
de infância marcado pelos rituais e evidenciado pelos saberes que estas crianças já
traziam consigo, como as danças por exemplo. Nestes rituais, valores como coragem,
eram transmitidos para os meninos que desde cedo eram preparados para serem
guerreiros. Diversos saberes circulavam na relação entre os jesuítas e as crianças na
Amazônia no século XVII, permitindo identificar tais relações como práticas
educativas. Alguns destes saberes compreendiam: canto, dança, rezas, utilização de
instrumentos musicais, ornamentação, leitura e escrita. Outras características da
educação cotidiana são a repetição, a observação e imitação. Os relatos também
ressaltam a curiosidade e avidez das crianças para aprenderem, bem como sua
persistência e atenção nos processos de aprendizagem. As brincadeiras das crianças
remetiam ao seu futuro papel no grupo. É possível observar que as crianças não só
aprendiam, mas também ensinavam e que seus interesses e habilidades foram
levados em consideração como estratégias para aproximação dos padres jesuítas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as práticas educativas nas quais as crianças da Amazônia Colonial


estavam envolvidas é possível inferir que houve uma circulação dos saberes entre
crianças nativas, filhos de colonos e jesuítas na interação destes diferentes grupos
sociais. Essas trocas culturais propiciaram não apenas a dominação dos povos
autóctones, mas também uma mestiçagem cultural com marcas indeléveis nos hábitos
158

e costumes existentes ainda hoje na cultura amazônica. Nesse processo as crianças


se destacaram como importantes protagonistas.

REFERÊNCIAS

ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na ilha do


Maranhão e suas circumvisinhaças. Maranhão: Typ. do Frias, 1874. Tradução de
Cezar Augusto Marques. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/221724>. Acesso em: 14 nov. 2017.

ALBUQUERQUE, Maria Betânia B. Beberagens indígenas e educação não escola


no Brasil colonial. Belém: FCPTN, 2012.

ARIÈS, Philippe. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: LTC –


Livros técnicos e científicos, 1981.

BETTENDORF, João Felipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de


Jesus no Estado do Maranhão. 2. ed. Belém: Fundação Cultural Tancredo Neves;
Secretaria de Estado da Cultura, 1990.

BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In BURKE, Peter.
A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 2011.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. 1a ed. São


Paulo: Cortez, 2013.

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil; 1990.

CUNHA, Paola Andrezza Bessa; FONSECA, Thais Nívia de Lima e. Educação e


religiosidade: as práticas educativas nas irmandades leigas mineiras do século XVIII
nos olhares de Debret e Rugendas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23.,
2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: guerra e paz.
Londrina: ANPUH, 2005. CD-ROM. Disponível em:
<http://anais.anpuh.org/?p=14976>. Acesso em 21 de setembro de 2016.

ÉVREUX, Yves. Continuação da história das coisas mais memoráveis


acontecidas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614. Brasília: Senado Federal,
2007.
159

GINZBURG, Carlo. Sinais – raízes de um paradigma indiciário. In Mitos, emblemas,


sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179, 260-275.

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de, et al. Saberes Culturais: religiosidade e mitologia


amazônica. In: OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de e SANTOS, Tânia Maria Lobato
(Orgs.) Cartografias de Saberes: representações sobre a cultura amazônica em
práticas de educação popular. Belém: EDUEPA, 2007.

PRÁTICAS DE SOCIABILIDADE E EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA ALDEIA SÃO


PEDRO E FRASQUEIRA, POVO TEMBÉ 64

RODRIGUES, Fabrício
César C.65; TEMBÉ, Magno
Kamiran Oliveira Sousa66;
CORDOVIL, Karina Borges67

64
O trabalho teve início a partir da preocupação com o descaso com a educação indígena. Foram
realizadas pesquisas bibliográficas sobre o assunto e expedições à tribo do Povo Tembé, em 2013,
quando durante o curso de Pós-graduação na UFPA.
65
Licenciado e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Pedagogo
formado pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Especialista em Currículo e Avaliação na
Educação Básica pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Mestre em Gestão de
Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente da
Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA). Consultor pedagógico do Povo Tembé no
Território Indígena do Alto Rio Guamá –TIARG. Belém, Pará, e-mail:
fabmissionufpa@gmail.com, fabtembe@gmail.com.
66
Graduado em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Especialista em Educação Escolar Indígena pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Cacique da
Aldeia São Pedro. Professor da Escola Estadual Indígena Francisco Magno Tembé. Capitão Poço, Pará,
e-mail: kamirantembe@gmail.com.
67
Graduada em História, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestranda em Estudos Antrópicos
da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA - Polo Castanhal). Belém, Pará, e-mail:
kcordovil1@gmail.com.
160

RESUMO: O artigo busca analisar os espaços educativos e a sociabilidade em duas


aldeias indígenas (São Pedro e Frasqueira), localizadas no Território Indígena do Alto
Rio Guamá –TIARG, que passou a desempenhar uma educação diferenciada no
contexto da educação não escolar. A pesquisa foi desenvolvida com professores
indígenas e uma liderança, que atuam junto às crianças indígenas do 4ª e 5ª ano, e
com alunos do ensino fundamental. Os principais resultados demonstram que os
professores indígenas desenvolvem nos espaços educativos atividades lúdicas, pois
ao brincar, desenhar, ouvir histórias, jogar e construir materiais didáticos bilíngues,
entre outros, a criança aprende diferentes formas de interação que pressupõe um
aprendizado diferenciado e prazeroso, sejam elas reais ou de “faz-de-conta”, além de
estimular seu aprendizado, considerando o cotidiano sociocultural. Entende-se que
tais práticas pedagógicas são fundamentais para a construção de conhecimentos e de
sociabilidade das crianças e pré-adolescentes, pois são atividades lúdicas que têm por
objetivo valorizar a identidade étnica cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Educação diferenciada. Aprendizado lúdico. Espaços


educativos.

INTRODUÇÃO

O trabalho de Educação Social nas aldeias indígenas teve início em meados de


2015 e mantem-se até os dias atuais. É desenvolvido nos espaços educativos das
aldeias São Pedro e Frasqueira, com o objetivo de caracterizar as práticas
pedagógicas diferenciadas de ensino não-formais, propondo uma nova didática de
ensino que busque adequar as relações internas de sociabilidade, o que facilita a
posterior apropriação e uso dos espaços, viabilizando atividades recreativas e de
contação de histórias. Tal educação não formal diz respeito a uma concepção de
educação ocorrida no cotidiano, que pressupõe a responsabilidade social e interativa
dos professores indígenas e lideranças no processo de uma educação diferenciada.

A proposta de educação não formal para crianças e adolescentes tem o intuito


de promover mudanças qualitativas no processo de construção da própria identidade,
novos valores, atitudes, percepções e formas de socialização que possibilitem
transformações significativas acerca dos saberes e tradições. Gohn (2001), citado por
Castanho e Arima (2004), menciona existir uma conciliação em torno da ideia de que,
para os indivíduos dos mais variados grupos sociais e culturais, a cultura e o
conhecimento se transformaram, podendo ocorrer nos espaços de resistência e luta
social. É nesse contexto, nos espaços territoriais das aldeias em estudo, que acontece
161

a educação não formal, que se transforma em uma aula viva, com a valorização tanto
do lugar onde no qual os indígenas estão inseridos, quanto dos saberes tradicionais.

Desta forma, as falas dos professores indígenas demonstram o anseio de


contemplar, no espaço extraescolar, os costumes e as tradições, bem como a relação
com o ambiente natural, a partir de uma reflexão coletiva e interdisciplinar. Segundo
Valente (2014), a educação não formal é mais difusa, menos hierárquica e menos
burocrática, pois seus programas não precisam seguir necessariamente um sistema
sequencial e hierárquico de progressão, podendo ter duração variável, concedendo ou
não certificados de aprendizagem. Entende-se, portanto, que a educação não formal é
importante, porém não está isolada, já que é integrante da educação formal e ambas
devem ser compreensíveis a todos.

METODOLOGIA
A pesquisa pode ser classificada como exploratória, pois foram estabelecidos
critérios relacionados à prática de educação não formal, sendo o local de estudo o
município de Santa Luzia do Pará, nordeste paraense, nas aldeias São Pedro e
Frasqueira, localizadas no Território Indígena do Alto Rio Guamá – TIARG. A primeira
etapa foi o levantamento bibliográfico, em periódicos e livros específicos sobre a
cultura Tembé, bem como a leitura e discussão dos textos por meio da participação no
grupo de estudo.
Esse procedimento permitiu a percepção de estudos que fundamentam a
temática da Pedagogia Social. Foi realizada uma pesquisa de campo com abordagem
qualitativa, conforme indica Gonsalves (2003), para procurar informações no local, no
sentido de esclarecer os significados da realidade a ser pesquisada. Quanto às
intervenções pedagógicas para a realização deste estudo nos espaços de
sociabilidade das duas aldeias, foram realizados contatos prévios ao longo de todo o
ano de 2018, mediante a autorização da escola e das lideranças

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com a Pedagogia Social, a educação não formal já existe há muitas
décadas em países europeus, tendo cursos específicos para a formação de
educadores. No Brasil, as discussões apresentadas são mais direcionadas para os
atendimentos às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com Gomes (2009), a Pedagogia Social no Brasil está vinculada ao campo
da educação não formal, cujos trabalhos são tradicionalmente desenvolvidos por
162

órgão social sem fins lucrativos e setores privados em cooperação com igrejas e o
Estado.

De acordo com a abordagem de Moura e Zuchetti (2006), a educação não é


uma prática específica da escola, uma vez que ocorre, também, fora do espaço
escolar e, nesse contexto, possui propósitos diversos, o que requer reflexões que são
integrantes, porém de natureza particular. Os conhecimentos estabelecidos existem
em uma diversidade múltipla de culturas, de ideologias, de expressões, de modos de
existir e de vivências, ao atribuírem outras interpretações à própria existência,
originam novos saberes (Figuras 1, 2, 3).

Figuras 1, 2, 3 – Espaços de sociabilidade com atividades lúdicas nas aldeais

São Pedro e Frasqueira

Fonte: Autores desta pesquisa, 2019.

Os registros das atividades de campo demostram que os espaços de


sociabilidades nas duas aldeias são bem-vindos, pois, muitas vezes, os ambientes
escolares inseridos nessas comunidades não são pensados considerando as
especificidades que cercam as formas de aprendizagem e as experiências de cada
etnia. Sobre esse aspecto, Brand e Calderoni (2012) evidenciam a necessidade de a
escola considerar a visão de mundo indígena, que compreende o todo de uma forma
mais integrada e culturalmente contextualizada, relacionando o conhecimento à
espiritualidade e aos saberes locais. É importante repensar criticamente essa
realidade a partir da complexidade de fatores a serem analisados a fim de se alcançar
um resultado adequado no desenvolvimento de projetos arquitetônicos para as
escolas indígenas.
163

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo, a responsabilidade dos autores foi a de analisar a sociabilidade


nas aldeias, bem como as práticas educativas não escolares desenvolvidas por
professores e por lideranças indígenas em ambientes educativos. O objetivo foi
identificar ações e espaços que ofereçam uma riqueza de experiências, onde o
contato com a natureza se evidencia na convivência, no lazer e nos conhecimentos
necessários para atuar neste espaço.

Ressalta-se que a participação dos idosos, por serem os adultos mais


experientes, é importante, pois transmitem seus conhecimentos para as crianças e
adolescentes das aldeias onde tais saberes se constroem, se reproduzem e se
redefinem ao longo da história.

As atividades propostas são realizadas nos espaços culturalmente construídos


pelo povo Tembé que, devido ao seu diferencial lúdico, são relevantes para a
aprendizagem dos alunos. Ao brincar, desenhar, ouvir histórias, cantar, a criança
interage e constrói diferentes princípios de sociabilidade que lhe permite um
aprendizado significativo, contribuindo para o seu desenvolvimento biopsicossocial e
para vida.

O desenvolvimento do trabalho de campo e a socialização com os alunos em


alguns espaços da tribo, tais como, nas ramadas (local de reunião e festas dos
Tembés), no barracão da comunidade, no campo de futebol, em baixo das árvores,
foram essenciais, visto que a educação acontece de forma espontânea em vários
espaços das aldeias. Os professores possuem condições de (re) criar atividades, além
de proporem discussões e leituras de mundo que se aproximam das necessidades e
dos interesses dos alunos, desde que contextualizados e perceptíveis, o que garante o
seu fazer dentro da diversidade de princípios voltados para as memórias históricas,
reafirmando suas identidades étnicas.

REFERÊNCIAS

BRAND, A.J.; CALDERONI, V.A.M. de O. Território e saberes tradicionais: articulações


possíveis no espaço escolar indígena. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 7, p. 133-
153, dez. 2012. Disponível em:
164

http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/5060. Acesso em:


13 abr. 2019.

CASTANHO, M.I.S.; ARIMA, T.T. O espaço da educação não-formal e os processos


de desenvolvimento e aprendizagem: estudo de uma realidade. 2., 2004, Belo
Horizonte. Anais... Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, Belo Horizonte,
2004.

GOHN, M.G. Educação não formal e cultura política: impactos sobre o


associativismo do terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001 (Coleção Questões da
Nossa Época: v. 71).

GOMES, A.F.B. A pedagogia social na educação infantil. 2009

MOURA, E.; ZUCHETTI, T. D. Explorando outros cenários: educação não escolar e


pedagogia social. Revista de Educação – UNISINOS, vol.10, 2006.

VALENTE, J.A.; Narrativas digitais e o estudo de contextos de aprendizagem. Revista


de educação à distância – Em Rede, v.1, n.1, p. 32-50, 2014

A EDUCAÇÃO NAS LADAINHAS DA FESTIVIDADE DO GLORIOSO


ESPÍRITO SANTO EM BREVES/PA

SOUZA, Paula Fernanda Pinheiro

Resumo: O texto tem como propósito analisar o processo educativo vivenciado no


ritual das ladainhas ocorrido na Festividade do Glorioso Espírito Santo realizada em
Breves-Pará. Ancorada no que tem sido proposto pela História Cultural, na qual a
história “vista de baixo”, como propõe Burke (1992), ganha o espaço até então negado
pela história oficial, busco compreender de que maneira sujeitos simples vivenciam um
processo educativo em meio ao ritual. Trata-se de uma pesquisa etnográfica, com a
metodologia da História Oral, tendo como instrumentos de investigação entrevistas
semiestruturadas e observação participante. Com base em Ingold (2010), Fonseca
(2003) Albuquerque (2011, 2012) e Brandão (2007), conclui-se que a aprendizagem
no ritual das ladainhas ocorre através de uma educação da atenção, na qual se
165

aprende através da observação atenta das performances realizadas pelos rezadores


tradicionais de ladainhas.

PALAVRAS-CHAVE: Ladainha. Processo educativo. Educação da atenção.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho está pautado em uma concepção abrangente de
educação. Concorda-se, portanto, com a afirmação de que a educação não está
centralizada apenas em ambientes escolares, mas nos mais diversos ambientes nos
quais é possível haver troca de saberes. Brandão (2007), entende a educação como
sendo um processo vivenciado constantemente por todos seres humanos em diversos
contextos.
Nesse mesmo sentido, Albuquerque (2012), ao estudar as beberagens
indígenas como prática educativa, percebe a educação como uma pratica social
presente em todas as ocasiões da formação do indivíduo. Segundo a autora, isso
encontra solidez nas concepções vindas do campo da História Cultural, na qual
desloca-se o interesse de do pensamento pedagógico para as práticas cotidianas.
Assim, Albuquerque utiliza das concepções de alguns estudiosos, dentre esses
Fonseca (2003), que argumenta sobre a necessidade de ampliar os horizontes de
estudo sobre história da a educação, afim de incluir estudos sobre processos
educativos não-escolares.
De tal modo, compreende-se nesta pesquisa os rituais de reza de ladainhas,
ocorridas na Festividade do Glorioso Espírito Santo em Breves, como um espaço
educativo, nos quais circulam saberes. Afinal, de acordo com Cunha e Fonseca
(2007), prática educativa é toda relação em que saberes são transmitidos. Dessa
maneira, busco analisar como se dá o processo educativo vivenciado pelos rezadores
de ladainha.
A Festividade do Glorioso Espírito Santo teve seu início em Breves no ano de
1555, em agradecimento a uma graça alcançada por meio de uma promessa feita por
um casal, Dona Sebastiana Carneiro dos Santos e o Senhor Crescenciano da Cruz
Pereira, ambos já falecidos. Atualmente, ela é organizada por de Enilda Maria dos
Santos Pereira e Élida Maria dos Santos Pereira, filhas do referido casal com a ajuda
de alguns devotos e promesseiros.
166

METODOLOGIA
A análise baseia-se na abordagem qualitativa, na qual utilizou-se de uma
pesquisa etnográfica, que para Geertz (2008), permite descrição densa das culturas,
práticas, dos hábitos, crenças, valores de um determinado grupo social. Como
metodologia utiliza-se a História Oral, e como instrumentos de investigação entrevistas
semiestruturadas e a observação participante em campo.
De tal modo, este texto é tecido por meio das observações feitas durante os
cinco dias de realização da festividade do Gloriosos Espírito Santo no ano de 2018,
que ocorreu no período de 23 a 27 de maio. E das vozes das duas irmãs
organizadoras da festa, por meio de entrevistas realizadas individualmente no mês de
junho de 2018 e gravadas com o uso do celular. As mesmas foram consentidas pelas
irmãs no momento do esclarecimento sobre a pesquisa, ocasião em que assinaram o
Termo de Consentimento livre e esclarecido e a cessão gratuita de direitos sobre
gravações de voz e imagem.

DISCUSSÕES
No Brasil, como é de se imaginar, as ladainhas adentraram por meio da
colonização, sobretudo, por meio das missões dos padres jesuítas. Brandão (2010),
comenta que desde cedo os jesuítas, em seus trabalhos catequético no Brasil,
compreenderam a serventia de acrescentarem os dramas, os cantos e as danças no
ensino e nos rituais de catequese dos indígenas. Dessa maneira, as ladainhas eram
utilizadas como recurso pedagógico para o projeto de catequização dos povos nativos
que aqui viviam.
A prática das ladainhas esteve presente ao longo da catequização da região
marajoara, que teve início a partir de 1659. Percebe-se, então, que a origem das
práticas de rezar e cantar ladainhas no Marajó se deu, assim como no restante do
Brasil, primeiramente a partir dos ensinamentos jesuítas. As ladainhas eram fáceis de
ensinar e de aprender na catequização dos nativos, pois mesmo em latim elas
possuem o caráter melódico carregado de repetições, o que as tornam de fácil
apreensão. Posteriormente, com a chegada dos agostinianos na região marajoara o
processo de difusão dos rituais católicos obteve reforço.

Na cidade de Breves/PA, localizada na Ilha do Marajó, por meio de entrevistas


e observações em campo, percebeu-se que cantar ladainhas configura-se como uma
prática realizada, atualmente, fora da igreja católica. Ou seja, o ritual faz parte do
catolicismo popular, aquele praticado por pessoas simples e sem uma relação direta
167

com a igreja oficial. Assim, os saberes inerentes ao ritual são transmitidos de pai para
filho ou dos mais velhos para os mais jovens
Ao longo das observações realizadas na festividade e das vozes das duas
irmãs, compreendi que a reza da ladainha carrega saberes que são apreendidos de
maneira quase natural no contexto próprio contexto da reza, por meio da observação
atenta dos aprendizes a performance realizada pelas rezadoras mais velhas.
No decorrer da festividade há a participação de várias pessoas, especialmente,
de velhos e de crianças. Isso porque, muitos avós levam os seus netos para
participarem do momento, o que proporciona aos menores um processo de ensino e
aprendizagem cultural. Ao analisar este processo em que a aprendizagem se dá por
meio da observação, percebe-se que essa forma de aprender, está diretamente ligada
ao que Ingold (2010), define como educação da atenção.
A ladainha, rezada de maneira cantada, requer dos rezadores vários saberes.
Destaca-se nesse texto os saberes musicais relacionados, sobretudo, ao canto. Esses
são apreendidos na vivência das rezas, as irmãs explicam que nunca fizeram aulas
formais de canto. Assim, tudo que sabem sobre cantar aprenderam desde quando
eram crianças com os pais na festividade e em outras rezas em que os
acompanhavam.
Rezar ladainha, portanto, não é apenas pegar um papel com a letra e cantar,
há toda uma melodia a ser seguida, uma maneira de se portar, na qual o corpo fala, o
olhar fala, as pausas falam. É importante destacar, por fim, que as formas de se rezar
ladainha variam de tempos em tempos, de lugar para lugar e de pessoa para pessoa e
a memória, a tradição e o esquecimento são as principais formas de manutenção do
ritual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ladainha como prática educativa, se desenvolve por meio de uma
educação que se dá através da observação. Tal afirmação, pode ser entendida como
válida, atualmente, por meio de concepções epistemológicas pós-modernas, nas quais
busca-se romper com o caráter hegemônico da ciência ocidental (SANTOS, 2010).
Compreende-se, portanto, que a educação nas ladainhas ocorre da mesma
maneira como Medaest (2011) descreveu ao analisar as práticas de transmissão e
aprendizagem na região do baixo-tapajós, nas quais os saberes são vividos e não
ditos. Essa forma de aprender com a experiência requer muita atenção, Bondía
(2002), comenta que a experiência nos tempos de hoje, em plena era da informação, é
quase impossível, isso porque para se ter experiência é imprescindível estar atento,
para sentir com os olhos e ouvidos. De tal modo, destaca-se a resistência do ritual das
168

ladainhas, no qual sujeitos simples vivenciam um processo educativo por meio da


atenção e da observação.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Maria Betânia B. Epistemologia e Saberes da Ayahuasca. Belém:


EDUEPA, 2011.
______. Beberagens indígenas e processos educativos não escolares no Brasil
Colonial. Belém: FCPTN, 2012.

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber de experiência. Revista


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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007.


_________. Prece e Folia. Festa e Romaria. Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2010

BURKE, Peter. O que é história cultural? 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
2008.
CUNHA, Paolo Andreza; FONSECA, Thaís Nívea de Lima. Educação e
religiosidade: as práticas educativas nas irmandades leigas mineiras do século XVIII
nos olhares de Debret e Rugendas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA:
HISTÓRIA: GUERRA E PAZ, 23., 2005, Londrina. Anais... Londrina: Editorial Mídia,
2005. p. 1 - 9. Disponível em: <https://anais.anpuh.org/?p=14976>. Acesso em: 17
ago. 2018.
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Cynthia Greive; FONSECA, Thaís Nívea de Lima (Orgs.). História e historiografia da
educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. pp.43-75.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2008.
INGOLD, Tim. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação,
Porto Alegre, v. 33, n. l, p. 6-25, jan-abr. 2010.
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Outra Amazônia: os santos e o catolicismo popular.
Revista: Norte Ciência, vol. 2, n. 1, 2011, p. 1-26.
MEDAETS, Chantal. “Tu garante?”: Reflexões sobre infância e as práticas de
transmissão e aprendizagem na região do baixo-tapajós. In: CONGRESSO LUSO-
AFRO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 11, 2011, Salvador. Anais
Eletrônicos... Salvador: UFBA, 2011. Disponível em
169

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set. 2018.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura; MENESES, Maria Paula. (Org.)
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. pp. 31-83.

PROPOSTA DIDÁTICO-METODOLÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AMAZÔNICO: DO FORTE
DO CASTELO AO MUNICÍPIO DE BELÉM DO PARÁ.

BARBOSA, Stefani
F.;
POMPEU, José
Henrique S.;
SILVA, Gabriel N. R.
da.

RESUMO.

O presente artigo é resultado de análise bibliográfica sobre a organização do espaço


amazônico cristalizado no bairro da “Cidade Velha” em Belém do Pará e de sua
relevância para o desenvolvimento cognitivo de crianças do ensino fundamental a
partir de uma proposta didático-metodológica em espaço “não formal” para aproximar
o conhecimento científico de seus conhecimentos do cotidiano.

Palavras-chave: Amazônia; Desenvolvimento; Não-formal.

INTRODUÇÃO.

Sabe-se que o universo amazônico é repleto de possibilidades para as mais


diversas discussões, mas um questionamento nos motivou a elaborar o presente
artigo: Como os estudos locais, de bairro, considerando os conhecimentos da vida
cotidiana do aluno podem ser utilizados para construir o conhecimento científico dos
alunos do ensino fundamental? A realidade amazônica é a realidade próxima (vivida)
dos discentes, e o município de Belém do Pará, e em especial o bairro da Cidade
Velha, tem um “papel engrenagem” no processo de organização do espaço
amazônico. Nossa justificativa é decorrente de a Cidade Velha ser o “marco zero”, o
início do povoamento português da capital do Estado do Pará e que deu o ensejo da
ocupação do espaço geográfico, no entanto, é importante desde já destacar que
170

tradicionalmente já se encontravam povos nessa área como a tribo dos Tupinambás,


só em seguida os portugueses se estabeleceram para controlar o território.

O objetivo do presente trabalho é a elaboração de uma proposta didático-


metodológica em espaço não formal, para assim vincular os conhecimentos
construídos em sala de aula aos conhecimentos vivenciados dos alunos. Para isso, se
faz necessário uma análise bibliográfica sobre as palavras chave “Amazônia”, “Forte
do Castelo”, “espaço não formal de ensino”; Os objetivos específicos são o de verificar
como se deu a construção da Cidade Velha a partir da colonização portuguesa e
identificar quais os agentes envolvidos na fundação da capital de Belém do Pará que
estavam envolvidos em suas origens. A presente proposta didático-metodológica pode
ser aplicada nas disciplinas de Estudos Amazônicos e de Geografia por entender que
os conteúdos trabalhados nestas disciplinas estão relacionados a discussões do
processo de organização do espaço amazônico, e que nesse sentido:

Estudar o município é importante e necessário para o aluno, na


medida em que ele está vivendo. Ali estão o espaço e tempo
delimitados, permitindo que se faça a análise de todos os aspectos de
complexidade do lugar. [...] É uma escala de análise que permite que
tenhamos próximos de nós todos aqueles elementos que expressam
as condições sociais, econômicas, políticas do nosso mundo. É uma
totalidade considerada no seu conjunto, de todos os elementos ali
existentes, mas que, como tal, não pode perder de vista a dimensão
de outras escalas de análise. (CALLAI e ZART, 1998, p. 11).

Ao trabalhar o bairro da Cidade Velha como parte do conteúdo referente à


produção do espaço amazônico, permite que os alunos se situem no espaço em que
vivem e assim compreendam alguns dos processos em que a sociedade constrói. O
ensino fora do espaço formal (o espaço institucionalizado, a própria escola)
proporcionará condições de aprendizagem mais vívidas porque não se restringe
apenas ao uso do pincel, do livro didático, do quadro e da sala de aula em si.

METODOLOGIA.

Consideramos o “trabalho em campo” enquanto um método didático importante


para se construir o conhecimento, dado que considera o “além do espaço formal de
ensino” (A escola), considera também a construção do conhecimento através de
espaços não formais de ensino que permite o contato mais direto do aluno com o
ambiente de estudo e a aproximação dos conhecimentos construídos em sala de aula.
Passini (2007, p. 172-176). O trabalho de campo conciliado às salas de aula permite
uma maior sensibilização do conhecimento pelo aluno, principalmente os do ensino
fundamental, dado que, segundo Piaget (1972), as relações espaciais desde o
171

primeiro estágio, – o de construção do real na criança, que vai de 0 a 2 anos de idade


– o segundo estágio – o “espaço representativo” que surge dos 2 anos de idade em
diante –, o terceiro estágio – o das operações concretas, que surge entre os 7-8 anos
aos 11-12 anos – e o quarto estágio – o das coordenações operatórias, a partir de 11
a 12 anos de idade – são o conjunto de experiências em evolução no discente em que
este percorre para ir além do espaço de vivência cotidiana, da prática concreta (Que
aqui tomamos como o trabalho de campo nesta proposta didático-metodológica) à
reflexão subjetiva do discente.

O que deve ser feito é uma construção do conhecimento com os alunos de


forma que os conteúdos aprendidos em sala de aula possam ser aplicados em seu
cotidiano, sendo assim um conhecimento significativo importante para o
desenvolvimento do alunado, como uma pratica complementar. É possível ser
elaborado junto com os alunos a construção de trajetos, de croquis (mapas mentais),
de pequenos textos que exprimam o que significa tal fenômeno ou tal fato para o
aluno, maquetes, montagem de fotos e figuras que podem culminar em murais na
escola e seminários com os próprios alunos, tudo isso de acordo com o planejamento
e organização estabelecidos pelo professor. Para que essas etapas metodológicas
sejam implementadas é fundamental, também, que encontremos na escola um
ambiente favorável a essas práticas de ensino.

RESULTADOS E DISCUSSÕES.

Analisando essas abordagens se depreende que o papel culminante do Forte


do Castelo é o de um símbolo materializado na paisagem intraurbana da cidade de
Belém do Pará que requer considerar uma interpretação e correlação espaço-temporal
e social das vivências das pessoas que frequentam e convive nesses espaços, local
que reúne elementos de condições histórico-geográfica da cidade de Belém e formas
de ocupação territorial de uma geopolítica de caráter colonial. Este símbolo com
múltiplos papéis ao longo do tempo deve servir para construir o conhecimento do
alunado a partir de trabalho “in loco”, no espaço não formal de ensino, sempre com o
planejamento, supervisão do professor e estabelecimento de objetivos claros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Nosso objetivo foi criar uma proposta didático-metodológica em espaços não


formais de ensino que pudesse servir para os profissionais da educação,
principalmente para a aplicação pelos professores, mas podendo ainda ser aberto o
172

leque de sua discussão e inclusão da proposta de “aulas de campo” no próprio Projeto


Político-Pedagógico do sistema de ensino, culminando em um aprendizado mais
significativo e estimulante para os estudantes.

REFERENCIAS.

BRASIL, Ministério da cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Disponível em: <http://www.infopatrimonio.org/?p=20278#!/map=38329&loc=-
1.4543589999999957,-48.50524399999998,17> Acesso em: 02/09/2018.

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, 1998.

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séries iniciais. GELPI, Adriana; SCHÄFFER, Neiva Otero. In: Guia de percurso
urbano. Porto Alegre. Editora da UFRGS. Associação dos Geógrafos Brasileiros,
2010. 200 p.

COELHO, Mauro Cesar. A fundação da cidade de Belém. 1° Ed., Belém: Estudos


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SAQUET, Marcos Aurélio; SILVA, Sueli Santos Da. Milton Santos: concepções de
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fortes a criação de municípios. Revista ACTA Geográfica, Ano II, n°3, Jan./Jun. de
2008, p. 59-83.

Para além e partir da escola: loteamento agroecológico como lugar de


aprendizagem e de saberes ambientais.

GONÇALVES, Nilberto Sousa68

RESUMO
Esta reflexão nasceu através da prática docente em uma escola pública, localizada há
poucos metros de um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) no nordeste paraense, com lotes voltados para a produção agroecológica.
Por intermédio de um questionário com perguntas abertas aos alunos do 3º ano do
Ensino Médio, verificou-se que, apesar da proximidade espacial da escola com
práticas e saberes ambientais locais ricos em cultura, história e geografia, ocorre a
predominância do desconhecimento sobre a agroecologia, agricultura familiar e a luta
histórica do movimento social no bairro onde a escola está inserida. Estima-se que,
através do diálogo entre saberes escolares e não escolares seja possível um diálogo
com a geografia vivida e a geografia ensinada e, dessa forma a ampliação da noção
de educação.

Palavras-chaves: Geografia ensinada e vivida, agroecologia, saberes ambientais


locais.

68
Mestrando da Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia do Curso PPGED-UEPA.
.
174

INTRODUÇÃO

Enquanto atividade produtiva, a agroecologia pode ser caracterizada a partir de


três dimensões: uma tecnológica, uma sociológica e uma metodológica (ROCHA et al.,
2015). A primeira, garante a transição agroambiental da produção agrícola para os
termos agroecológicos, a partir das seguintes práticas ou técnicas: consorciamento e
rotação de culturas, cobertura do solo, adubação verde, compostagem, biofertilizante,
defensivos naturais, uso de sementes crioulas, Sistema agroflorestal (SAF) e
técnicasde combate ao fogo (assero).

A dimensão sociológica, por sua vez, consiste na busca da segurança e


soberania alimentar, bem como na busca pela agrobiodiversidade, sempre no sentido
de garantir a autonomia da família camponesa. Por fim, a dimensão metodológica se
faz presente na questão da interação comunitária e no diálogo entre o saber popular e
o conhecimento científico.

Conforme a reflexão proposta, neste resumo, e baseado nas ideias de Rocha e


Nobre (2017) e Albuquerque (2017), acrescenta-se a essas três as dimensões
geográficas, que não se limitam apenas a localizar o assentamento e o lote produtivo
onde ocorre a produção agroecológica. Ao contrário, busca compreender as
determinações e as implicações das localizações geográficas, no tocante à ocupação
dos ambientes naturais e a exploração dos seus elementos, como um processo
histórico, no qual o camponês desenvolve práticas agroecológicas que podem ser
compreendidas como saberes ambientais e, dessa forma, como resistência social,
espacial e cultural ao avanço do capital no campo.

METODOLOGIA

Além das pesquisas bibliográfica e documental para fundamentar essa


reflexão, ela teve como ponto de partida a aplicação de um questionário com
perguntas abertas respondidas por 37 alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma
escola pública, localizada no Distrito Administrativo de Mosqueiro (Belém-PA),
localizada próxima ao assentamento Mártires de Abril, e que atende jovens
assentados em sua rede regular de ensino. Os alunos usaram linguagem própria,
escrevendo suas compreensões acerca dos seguintes temas: “agroecologia”, “reforma
agrária”, “agricultura familiar”, “movimentos sociais”, “Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra” e sobre o mencionado assentamento. O questionário compreende uma
das estratégias voltadas para o ensino de Geografia escolar, tendo tais temas como
objetos de conhecimentos, compreendidos, nesta reflexão, como saber
175

institucionalizado, pois, compõem a matriz 69 curricular proposta para o Exame


Nacional do Ensino Médio (ENEM), com as seguintes denominações: “produção
agrícola, sua modernização e transformação” e “as formas de organização social,
movimentos sociais”.

RESULTADO E DISCUSSÕES
Possivelmente, a reflexão aqui proposta não é um dado novo no universo do
ensino-aprendizagem de uma disciplina escolar específica, aqui conceituada como
Geografia Ensinada (RESENDE, 1996). Estima-se, inclusive, que evidenciar a
importância do diálogo entre saberes também não seja um esforço inovador nessa
seara. Contudo, faz-se mister sublinhar, a importância de se ampliar a noção de
educação dentro de um contexto, em que predomina a ideia de educação escolar
como única via possível, daí a relevância da compreensão do loteamento
agroecológico como um lugar de aprendizagem e do agricultor como educador,
baseado em Brandão (1995), segundo o qual o professor profissional não é único
praticante do acontecer pedagógico, muitos outros, atuando em múltiplos espaços,
como o agricultor que no lote e através de seu cotidiano de trabalho, materializa
princípios agroecológicos e promove a circulação de saberes e a possibilidade de
compreensão das “relações de ensino- aprendizagem como amplos processos
culturais” (ANDRADE; COSTA, 2017, p.5). Nesse contexto de aprendizagem
evidencia-se o saber na sua dimensão ambiental local “dada a crescente relevância do
tema no contexto das relações sociedade natureza e/ou lutas e resistências em prol ou
contra formas de regulação dessa relação” (ALBUQUERQUE, 2016, P.131)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma escola desconectada com a realidade do aluno é aquela que se mantem


distante da circulação de saberes, como os ambientais, promovidas pelos sujeitos que
representam a cultura local. Esse distanciamento é menos geográfico do que
epistemológico, pois, se justifica pela importância que se dá ao conhecimento
instituído (a geografia ensinada) em detrimento (da geografia vivida) dos saberes que
preenchem de vida a realidade local onde a escola está inserida. Sugere-se como
metodologia para o ensino de Geografia o trabalho de campo, enquanto ferramenta
favorável ao diálogo entre saberes ambientais (não escolares) e os científicos.

69

http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_enem.p
df Acesso em 10/03/2019
176

REFERÊNCIAS

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Amazônia: uma alternativa para o sistema de “derruba e queima” estudo de caso do
lote agroecológico de produção orgânica (LAPO). 2015. Cad. Agroecol. v. 10, n. 3,
2015. Disponível em: <http://www.aba-
agroecologia.org.br/revistas/index.php/cad/article/ view/17379/11340>. Acesso em: 18
jan. 2018.
ROCHA, A. C. O.; NOBRE, H. G.. Limites e perspectivas da transição agroecológica
em assentamentos rurais no nordeste paraense. Retratos de assentamentos, v. 20,
p. 275-306, 2017.

“NO MEU TEMPO A GENTE APRENDIA ASSIM”: BRINCADEIRAS DE


RUA, PRÁTICAS EDUCATIVAS E PARTILHA DE SABERES NA BELÉM DE
ANTIGAMENTE (1935-1961)70

CARVALHO, Nazaré Cristina71; NERY, Guthemberg Felipe Martins72

70
O texto é um recorte da pesquisa de Mestrado desenvolvida junto ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de pesquisa
Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Intitulada de “Brincadeiras, saberes e educação em
memórias de velhos na cidade de Belém/PA (1935-1961)”.
71
Doutora em Educação e Cultura pela UFRJ/RJ, Belém, Pará, n_cris@uol.com.br
72
Doutorando em Educação pela UFPA, Belém, Pará, guthembergmartins@gmail.com
177

RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar a cultura do brincar de rua, sua dimensão
educativa e os saberes criados e partilhados por crianças que habitaram a cidade de
Belém do Pará, em meados do século XX (1935-1961). Como resultados, as
narrativas advindas das memórias das pessoas aqui ouvidas revelam imagens afetivas
de um repertório brincadeiras coletivas realizadas nas ruas da cidade e que
incorporavam aspectos da cultura vivenciada pela criança no seu cotidiano. No interior
desta cultura do brincar a criança manifestava um tipo singular de pedagogia, a qual
denominamos de educação lúdica. Esta educação, criada e nos jogos e nas
brincadeiras, possibilitava as relações pedagógicas interpessoais repletas de ensinos,
aprendizagens e vivências concretas da/na cultura, da ludicidade e de um conjunto de
saberes que possibilitavam à criança o diálogo, a apropriação e transformação do
mundo em que vive.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura do Brincar. Criança. Educação. Saberes culturais.

INTRODUÇÃO
A brincadeira é uma atividade essencial na vida humana, principalmente na
vida da criança. É por meio do brincar que a criança apropria-se da cultura na qual
está inserida, não apenas reproduzindo ou imitando, mas interpretando e reinventando
suas próprias significações e seu modo peculiar de relação e diálogo com o mundo ao
seu redor. Como diz Huizinga (1990, p. 7), “Encontramos o jogo na cultura, como um
elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a, marcando-a
desde as mais distintas origens até a fase de civilização em que agora nos
encontramos”.
Como prática humana e como elemento inerente da cultura, o brincar
possibilita à criança, a partir das relações pedagógicas interindividuais com outras
crianças e com os adultos, a criação de formas singulares de práticas educativas,
além de partilhar uma diversidade de saberes. Dentro dessa lógica, autores como
Brandão (2005, p.26) acreditam que “a educação aparece sempre que surgem formas
sociais de condução e controle de aventura de ensinar-e-aprender”.
Com base na prerrogativa acima descrita, a proposta deste texto objetiva
analisar a prática cultural do brincar de rua de crianças que viveram suas infâncias na
cidade de Belém, nos meados do século XX. Além do mais, com o objetivo de
identificar a dimensão educativa e os saberes produzidos, legitimados e
intercambiados no contexto desta atividade.
178

METODOLOGIA
Para compreender a prática educativa que perpassa a cultura do brincar da
criança de outra época, a pesquisa assenta-se na abordagem qualitativa e nos
pressupostos metodológicos da história oral. O trabalho com tal método apoia-se nos
cânones de Freitas (2006), Montenegro (2010) e Thompson (1992).
O local selecionado para o registro de lembranças e experiências sobre o
brincar infantil do passado foi o Abrigo Lar da Providência, localizado no bairro do
Sousa, Belém/PA. Foram entrevistados 10 (dez) moradores da instituição, sendo seis
mulheres e quatro homens, que viveram suas infâncias na cidade de Belém do Pará,
entre os anos de 1935 e 1961. Quanto à escolha dos entrevistados, respeitou-se
alguns critérios estabelecidos previamente. O primeiro foi o de possuir a idade acima
de 65 (sessenta e cinco) anos. O segundo, ter vivido seu período de infância na cidade
de Belém do Pará. O terceiro, apresentar disponibilidade e livre consentimento em
participar da pesquisa. Por fim, possuir condições físicas e psicológicas para lembrar e
narrar suas brincadeiras de infâncias.
Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a técnica da entrevista, do
tipo semiestruturada, com o intuito de obter o máximo de informações a respeito da
temática proposta na pesquisa. Ao término de cada entrevista, o termo de
consentimento e livre esclarecimento foi apresentado e lido em voz alta a cada
intérprete. Cada entrevistado teve o direito de decidir ou não assinar o documento
para conceder a autorização de utilização de sua voz para a elaboração deste
trabalho. No que concerne à análise e interpretação dos dados obtidos durante as
entrevistas, recorreu-se a análise de conteúdo concebida a partir da produção teórica
de Bardin (1997).

DISCUSSÕES
Na Belém da metade do século passado (1935-1961), as crianças da
vizinhança reuniam-se em grupos para saciarem o desejo de brincar. Amigos, irmãos,
primos e conhecidos do entorno constituíam nas ruas da cidade os muitos grupos
infantis. Esses grupos de crianças possibilitavam o acontecer de uma interação lúdica
que permitia, por meio da brincadeira, o contato com o meio social e cultural de
maneira mais livre e íntima.
As reminiscências escutadas revelaram um amplo repertório cultural de
brincadeiras de rua. Jogos como a ciranda, o contar histórias, o jogar bola, a peteca, o
lançar pião e carrapeta, as corridas de aro, a macaca, a perna de pau e o soltar
papagaio marcaram a infância da criança de outra época. Leia-se a narrativa evocada
179

por seu Antônio73: “Nunca tive muitos brinquedos, mas fui muito feliz porque brinquei e
me diverti muito com meus amigos brincando na rua daquelas brincadeiras de bola, de
pião, peteca, de macaca e construindo aqueles brinquedos de perna de pau. Disso
tudo eu não posso reclamar”.
Nas vivências cotidianas das brincadeiras de rua acima mencionada,
perpassava um peculiar modo de ensinar e aprender, a qual denominamos de
educação lúdica. Esta educação não-formal, criada e experimentada no ato cultural do
brincar, possibilitava relações pedagógicas interpessoais entre criança-criança e
também na relação criança-adulto. Dona Fátima, ao se referir às brincadeiras de sua
infância, descreve a dimensão educativa presente na interação entre as crianças da
vizinhança: “a gente aprendia essas brincadeiras com as outras crianças da rua,
sempre tinha aquelas que conheciam e ensinavam para a gente. A macaca eu aprendi
com as minhas amigas mesmo [...] jogar a pedra assim e sair pulando nos quadrados
que a gente riscava no chão.”.
Através do brincar nas ruas da cidade, as crianças apreendiam e socializam
inúmeros conhecimentos, educavam e eram educadas reciprocamente. Tal educação,
também materializava-se através de práticas culturais de adultos que ensinavam e de
crianças que aprendiam o repertório lúdico de brincadeiras, pois conforme a fala de
dona Maria: “nas noites de luar, os mais velhos ficavam conversando às portas das
casas e olhando a gente brincar na rua. Quando a gente não sabia uma brincadeira,
elas vinham e ensinavam aquelas cantorias de roda”.
Conforme Brandão (2002, p. 22), os saberes culturais são frutos das
experiências de vida considerando os diferentes aspectos sociais, vinculado ao senso
comum a partir das vivências do cotidiano. Com este olhar, percebe-se que a criança
de antigamente em sua vivência concreta da/na cultura da brincadeira, desenvolvia
práticas de ensino-aprendizagem cujos conteúdos implícitos educavam para a
construção, legitimação e partilha de uma constelação de saberes necessários à
compreensão e interação com o mundo à sua volta.
No ato cultural do brincar de rua da criança, existiam vivências e relações
lúdicas cotidianas repletas de conhecimentos e conteúdos explícitos criados e
partilhados por meio de jogos, brinquedos e brincadeiras. Nele estavam inseridos os
saberes: da convivência coletiva, do diálogo grupal, da união, da amizade, da
liberdade, do compartilhamento, da oralidade, da expressão corporal, da criatividade,
do reaproveitamento de objetos, do reconhecimento e respeito as regras.

73
Neste trabalho optou-se por usar um nome fictício para cada entrevistado, preservando,
desse modo, a identidade das pessoas ouvidas nesta pesquisa.
180

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Este trabalho traz uma grande contribuição teórica para compreender a cultura
do brincar de um tempo ido, pois a partir das lembranças fornecidas pelos moradores
do abrigo Lar da Providência, pode-se identificar uma diversidade de expressões
lúdicas que marcaram a infância da criança belenense
As brincadeiras mencionadas pelos intérpretes desta pesquisa propiciam a
reflexão sobre o significado do brincar atual. Hoje, algumas dessas expressões lúdicas
ainda podem ser visualizadas em bairros afastados do centro da capital paraense,
como é o caso do jogo de bola, do soltar papagaio e do jogar peteca. Contudo, fica-se
com a impressão de que o brincar de ciranda, de contar histórias, de corrida de aro, de
jogar pião, de pular macaca e tantos outros brincares realizados nas ruas parecem
não estar mais no rol das brincadeiras presente na cultura da criança belenense.
No contexto cultural do brincar de uma época passada, encontra-se ainda um
tipo distinto de pedagogia repleta de ensino, aprendizagem e uma densidade de
saberes infantis construídos de forma coletiva e que possibilitava à criança um
momento prazeroso para explicar, lidar e se relacionar com seu mundo, com os outros
ou consigo mesma.
Para não concluir as considerações a respeito das brincadeiras, e sim pausar
as que foram discutidas nesta pesquisa, deixo a fala de dona Nazaré quando esta diz:
“Ainda lembro um monte de histórias dessas brincadeiras antigas, volta aqui outro dia
que te conto o resto.”.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BRANDÃO, C. R. A educação como cultura. Campinas, SP: Mercado de letras,


2002.

______. O que é educação. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2005.

FREITAS, S. M. História oral: possibilidades e procedimentos. 2, ed. São Paulo:


Associação editorial humanitas, 2006.

HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Trad. João Paulo
Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1990.
181

MONTENEGRO, A. T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. 6. ed.


São Paulo: Contexto, 2010.

THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Trad. de Lólio Lourenço de Oliveria.


Rio de Janeiro: Paz eerra, 1992.

ESPELHO DA METRÓPOLE: IDEAL DE CIVILIZAÇÃO E PRÁTICA


EDUCATIVA A PARTIR DO OLHAR SOBRE O MODO DE VIDA NOS ESCRITOS DE
FREI CAETANO BRANDÃO NO GRÃO-PARÁ (1785-1789)

SILVA, Felipe William dos Santos Silva 74

RESUMO
O presente trabalho objetiva mostrar de que forma a prática educativa no Grão-Pará
no século XVIII, além da catequese e da evangelização da gente do “sertão”, também
estava relacionada ao modo de morar dos habitantes e quais sentidos o bispo atribui a
este domínio do cotidiano dos habitantes do Grão-Pará no século XVIII. A partir dos
indícios encontrados na documentação, é possível pensar como esse aspecto
contribuiria para a consolidação da ocupação portuguesa na Amazônia, preconizando
um ideal de civilização para que o Grão-Pará pudesse tornar-se “espelho da
Metrópole”.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia Colonial, civilização, vida privada, prática educativa.

INTRODUÇÃO
Entre 1785 e 1789, o bispo Frei Caetano Brandão realiza uma série de quatro
Visitas Pastorais, empreendidas pelo interior do Grão-Pará, com o intuito de
evangelizar e “civilizar” os habitantes do Sertão, levando os ensinamentos e ideias do
cristianismo, bem como de inspecionar os costumes da gente da região, conforme o
que se esperava de uma Viagem Pastoral. No entanto, à medida que se adentra na
leitura dessa documentação, percebe-se uma série de indícios que permitem
vislumbrar os modos de vida da população e quais sentidos o religioso atribui a eles.
O olhar sobre o modo como as casas são construídas é objeto de preocupação
do religioso português, uma vez que a sociedade já é vista pela concepção de

74
O presente trabalho é oriundo de um capítulo da Monografia, que se encontra em desenvolvimento e a ser defendida
no ano de 2019 como requisito para a obtenção do título de Licenciatura Plena em História. Concluinte do Curso de
História da Universidade Federal do Pará e bolsista de Iniciação Científica, tendo como orientador o Prof. Dr. Rafael
Chambouleyron. Email: fwsilva97@gmail.com.
182

indivíduo, ou seja, é necessário resguardar a sua vida particular no interior do espaço


doméstico, ao contrário da sociedade de caráter comunal, onde se pode verificar
moradias habitadas por várias pessoas, se constituindo numa prática educativa para a
civilização. Também é um contexto em que as habitações começarão a ser divididas
em compartimentos, evitando não apenas desvios morais como também prezando
pela questão da higiene, já que muitas pessoas morando num mesmo lugar é propício
para proliferar doenças.
Uma casa compartimentada e bem resguardada dos olhares de quem passa na
rua mais do que uma questão de decoro, é um indicativo de civilização. Civilização
esta que foi concebida nos escritos do século XVIII, dos quais os Diários de Frei
Caetano Brandão, relatando suas visitas pastorais nas localidades do Pará, figuram
como exemplo. O objetivo deste artigo é mostrar como, através dessa concepção de
indivíduo, tais documentos preconizam uma maneira de civilizar o Sertão, através do
modo como as casas são edificadas, ajudando no processo de intervenção portuguesa
na esfera da vida cotidiana no Grão-Pará no século XVIII.

METODOLOGIA
Pretendemos, primeiramente, mostrar a função oficial de uma Visita Pastoral e
como ela foi se transformando em um mecanismo de mapeamento da região
amazônica, no que diz respeito aos seus aspectos culturais, econômicos, naturais e
sociais, a fim de atender às pretensões metropolitanas para o Grão-Pará.
Posteriormente, a discussão introduzirá um esboço da trajetória de Frei Caetano
Brandão, com o intuito de compreender as suas matrizes de seu pensamento, a partir
de como o bispo concebe a vida privada na Amazônia do século XVIII.
E por último, o terceiro momento do artigo tentará mostrar como, a partir das
impressões de Frei Caetano Brandão, no que diz respeito às moradias que observou
no Grão-Pará do século XVIII, preconizar-se-ia um modelo de civilização, a partir da
necessidade da intervenção portuguesa na urbanização da Amazônia, como também
incrustar a região Norte da Colônia no ideal de progresso, fomentado ainda ao tempo
de Pombal e suas reformas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O trabalho se baseia no conceito de “arquitetura vernácula”, proposto por
Carlos A. C. Lemos, que nos ajuda a refletir sobre o modo como seriam pensadas as
construções coloniais em várias regiões da Colônia. O intuito desta discussão é
mostrar como as edificações pensadas pelos moradores, baseadas numa forma de
183

concepção de mundo, se chocam com a configuração de habitação que Frei Caetano


Brandão se depara, acostumado ao modo europeu de conceber uma casa.
O conceito ainda permite auxiliar no sentido de pensar como, através das
impressões pessoais do religioso, é possível vislumbrar um certo ideal de civilização
para o Grão-Pará, instruindo a população a construir habitações de acordo com o
modelo pensado a partir da Metrópole, numa tentativa de o Norte da Colônia se tornar
o “espelho de Portugal”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo como foco a educação no morar dos habitantes, o trabalho defende a
tese de que essa educação voltada para o individual e para o resguardo da vida
particular compõe um dos ideais de civilização pensados para a Amazônia do século
XVIII. A essas habitações construídas de forma rudimentar, com materiais primitivos,
seria atribuído um sentido de incivilidade, de vida selvagem, fazendo-se
imprescindível, na visão do religioso, a intervenção metropolitana na Amazônia.
A partir desses escritos, a educação não passaria apenas pela catequese, mas
também viria a atingir a vida privada dos indivíduos, pois também os costumes da
gente eram vistos como um entrave para o desenvolvimento da Amazônia. Sendo
assim, tais práticas educativas também tinham o intuito de “civilizar” a gente do Sertão,
preconizando um modelo de comportamento com o espaço da casa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALGRANTI, Leila Mezan. “Família e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e;
NOVAIS, Fernando (coord.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida
privada na América portuguesa (Vol. 1). São Paulo: Companhia das Letras, 2012,
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urbana colonial. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2008.

BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália


(Séculos XV-XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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introdução de Luís A. de Oliveira Ramos. Porto: Universidade do Porto, 1991.

CHARTIER, Roger (Org.). História da vida privada: da Renascença ao Século das


Luzes (Vol. 3). São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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COELHO, Mauro Cézar. “O imenso Portugal: vilas e lugares no Vale Amazônico.


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LEMOS, Carlos A. C. História da Casa Brasileira (coleção Repensando a História).


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PAIVA, José Pedro. Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777). Coimbra:


Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006.

PINTO, Jefferson de Almeida. “Dom Frei Caetano Brandão (1740–1805): historiografia,


memória e ideias políticas”. Anais do XVII Encontro de História da Anpuh-Rio,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2016.

RYBCZYNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma idéia. Rio de Janeiro:


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SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “O governo das conquistas do norte: trajetórias


administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de
Doutoramento em História, Universidade de São Paulo, 2008.

TOURINHO, Helena Lucia Zagury; SILVA, Maria Goreti Arapiraca da. “Quintais
urbanos: funções e papéis na casa brasileira e amazônica”. Boletim do Museu
Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 11, n. 3, p. 633-651, set.-dez. 2016.

A INSTRUÇÃO COMO NORTE DA PRÁTICA GOVERNATIVA: UM ESTUDO


A PARTIR DAS MISSIVAS DE FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO E
ANTÔNIO ROLIM DE MOURA TAVARES (1751 – 1763)1

RIBEIRO, Otávio Vítor Vieira 75

RESUMO
O presente trabalho toma a escrita enquanto forma de governo das conquistas como
seu objeto de estudo. O objetivo reside em entender, a partir das instruções presentes
nas missivas trocadas entre o governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, e o governador da capitania do Mato Grosso,

75
O presente trabalho constitui parte da monografia de conclusão de curso que se encontra em desenvolvimento para a
obtenção do grau de Licenciado Pleno em História. Concluinte do Curso de Licenciatura Plena em História e Bolsista pelo
Programa Residência Pedagógica/UFPA, Belém, email: otaviovieira_16@hotmail.com.
185

Antônio Rolim de Moura Tavares, como se conformaram as práticas governativas das


autoridades coloniais, mediadas pelo exercício da escrita de cartas, entre 1751 e
1763. A documentação levantada encontra-se disponível no Projeto Resgate, do
Arquivo Histórico Ultramarino e nos três volumes da obra A Amazônia na era
pombalina, de Marcos Carneiro de Mendonça.

PALAVRAS-CHAVE: Instrução, Prática governativa, Missivas, Governo das


conquistas.

INTRODUÇÃO
O debate sobre a escrita e a circulação de cartas durante o contexto moderno
europeu vem sendo discutido sob a perspectiva da mediação e da tessitura das
relações políticas e diplomáticas entre os Estados nacionais e da aproximação entre
distantes que as palavras passaram a representar inseridas na veiculação de uma
“cultura epistolar” (BOUZA, 2005 e CARDIM, 2005).
No que diz respeito à América portuguesa, esse horizonte analítico vem sendo
apropriado pela historiografia para se compreender a noção de “governo à distância”
através do qual se configurou a estrutura administrativa vigente e a relação entre o
centro lisboeta e as conquistas ultramarinas durante o período colonial (CONCEIÇÃO,
2015, 2011, 2006, 2005a, 2005b; CANOVA, 2011; LOUREIRO, 2010; MENDES, 2013;
SANTOS, 2007; SANTOS, 2008; SANTOS, 2013).
Tendo isto em vista, a discussão ensejada no presente trabalho objetiva
entender, a partir das instruções presentes nas correspondências trocadas entre o
governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, e o governador da capitania do Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura
Tavares, como se conformaram as suas práticas governativas, mediada pelo exercício
da escrita de cartas entre 1751 e 1763, pensando-as enquanto modalidade de ensino
do “bom” desempenho do governo colonial.

METODOLOGIA
A documentação levantada para a construção da análise aqui proposta tomou
como critério de seleção apenas as cartas assinadas e trocadas pelos governadores
Francisco Xavier de Mendonça Furtado e Antônio Rolim de Moura Tavares. Sendo
assim, é necessário ressaltar que a capitania do Mato Grosso dependia formalmente
do Estado do Brasil e não estava sujeita ao governo do Estado do Grão-Pará e
Maranhão.
186

Os documentos selecionados se encontram disponíveis no Projeto Resgate, do


Arquivo Histórico Ultramarino e nos três volumes da obra A Amazônia na era
pombalina, de Marcos Carneiro de Mendonça, compreendendo assim o recorte
temporal que vai de 1751 a 1763, que se justifica pelo período em que Antônio Rolim
de Moura Tavares permaneceu no cargo de governador da capitania do Mato Grosso.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A análise proposta toma os trabalhos de Fragoso (2012, 2017) como
referencial teórico para compreender as dinâmicas que constituíram a relação entre o
reino e as conquistas e os seus desdobramentos na tessitura das relações político-
administrativas entre as autoridades coloniais como uma modalidade de ensino
presente na troca de missivas que se voltava para pensar a prática governativa de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, no Estado do Grão-Pará e Maranhão e
Antônio Rolim de Moura Tavares, na capitania do Mato Grosso durante a segunda
metade do século XVIII.

Para tanto, o conceito de “monarquia pluricontinental e polissinodal” defendido


por Fragoso e Gouvêa (2010) é tomado como categoria analítica norteadora desse
processo, que inserido no fluxo da comunicação política entre as autoridades
ultramarinas, constituiu a governação nas conquistas através das instruções trocadas
e recebidas através das missivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolvimento da pesquisa, espera-se poder contribuir de forma


sistemática para o campo de estudos da história administrativa do período colonial
amazônico e da sua relação articulada com o reino de Portugal e as demais
conquistas que compunham o imenso Império português durante o contexto moderno.

REFERÊNCIAS

BOUZA, Fernando. Introducción. Escritura en cartas. Cuadernos de Historia


Moderna. Anejos. IV, 2005, p. 9-14.

CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. Entre o ofício e a amizade: o discurso epistolar do


vice-rei 2° Marquês do Lavradio no século XVIII. Cadernos de História, Belo
Horizonte, v. 16, n. 25, 2º sem. 2015, p. 144, 149.
187

___________________________. Sentir, escrever e governar: a prática epistolar e


as cartas de D. Luís de Almeida, 2ª Marquês do Lavradio (1768 – 1779). 2011. 384 f.
Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós – Graduação em História Social,
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___________________________. No vai e vem das cartas: a arte de governar da
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(Mestrado em História) – Programa de Pós – Graduação em História Cultural,
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___________________________Lidas novamente… A escrita epistolar como prática
do governo colonial. Revista Esboços (UFSC), Florianópolis, v.1, 2005a, p. 127-140.
___________________________ “… vou nesta occazião á presença de V. Ex. a …” A
prática da escrita de cartas, entre Portugal e a América portuguesa, na segunda
metade do século XVIII. Anais da VI Jornada Setecentista, Curitiba, 2005b, p. 68-78.
CANOVA, Loiva. Antônio Rolim de Moura e as representações da paisagem no
interior da colônia portuguesa na América (1751 – 1764). 2011. 319 f. Tese
(Doutorado em História) – Programa de Pós – Graduação em História, Universidade
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CARDIM, Pedro. Nem tudo se pode escrever. Correspondencia diplomática e
información política en Portugal durante el siglo XVII. Cuadernos de Historia
Moderna. Anejos. IV, 2005, p. 95-128.
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. “Poderes e mercês nas conquistas americanas de
Portugal (séculos XVII e XVIII): apontamentos sobre as relações centro e periferia na
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___________________________. Modelos explicativos da chamada economia
colonial e a ideia de Monarquia Pluricontinental: notas de um ensaio. História (São
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FRAGOSO, João Luís Ribeiro & GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Monarquia
pluricontinental e repúblicas: algumas reflexões sobre a América lusa nos séculos XVI-
XVIII. Tempo - Revista do Departamento de História da UFF, v. 27, 2010, p. 36-50.
LOUREIRO, Marcelo José Gomes. A gestão no Labirinto: circulação de informações
no Império Ultramarino português, formação de interesses e a construção da política
lusa para o Prata (1640 – 1705). 2010. 174 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Programa de Pós – Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
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MENDES, Caroline Garcia. A circulação e a escrita de cartas do governador geral


do Estado do Brasil Francisco Barreto (1657 – 1663). 2013. 219 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós – Graduação em História Social,
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SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias
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Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós – Graduação em História Social,
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SANTOS, Marília Nogueira dos. Escrevendo cartas, governado o Império: a
correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no ultramar
português (1690 – 1702). 2007. 267 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa
de Pós – Graduação em História Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói.
SANTOS, Nívia Pombo Cirne dos. O Palácio de Queluz e o mundo ultramarino:
circuitos ilustrados. Portugal, Brasil e Angola, 1796 – 1803. 2013. 395 f. Tese
(Doutorado em História) – Programa de Pós – Graduação em História Social,
Universidade Federal Fluminense, Niterói.

A ARTE DE PARTEJAR: PRÁTICAS E SABERES CONSTRUÍDOS SOBRE A


PARTURIÇÃO EM BELÉM

MESQUITA, Elainne Cristina da S.76

RESUMO
Buscou-se nessa investigação compreender saberes, práticas e a atuação das
parteiras, observando como seus saberes foram combatidos pelos esculápios da
ciência e pelos aparelhos higienistas implementados na cidade de Belém a partir do
século XIX e inícios do século XX. O espaço de cura institucionalizado, a Santa Casa
de Misericórdia do Pará, assumiu nesse período a responsabilidade de ensinar e
preparar mulheres para as artes da parturição servindo como zona de contato entre os
saberes populares e científicos. Observou-se que mesmo as parteiras técnicas, ou
seja, que cursaram algum tipo de instrução institucionalizada, sendo licenciadas para o
ofício, possuíam conhecimentos anteriores sobre a parturição derivados de suas

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Doutora em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal da Bahia (PPGH/UFBA). Professora de História da rede privada de ensino, atuando
nos segmentos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
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práticas cotidianas e asseguravam seus espaços dialogando com a cientificidade.


Consideramos que as experiências das parteiras práticas foram introduzidas nos
arcabouços médicos cientificistas e ganharam um novo léxico ressignificado e o
conhecimento substancialmente prático e cotidiano destas mulheres foram realocados
pela disciplinarização e institucionalização médica de seus saberes e receberam
tratamento diferenciado alimentando os campos em construção da ginecologia e
obstetrícia.

PALAVRAS-CHAVE: Parteiras; Saberes populares; Práticas de cura; Medicina.

INTRODUÇÃO
O costume comum entre as mulheres de cuidarem de suas doenças e curarem-
se entre si fazendo uso de saberes antigos transmitidos e aprendidos entre parentes e
grupos sociais, muitas vezes domésticos, deslocou saberes sobre a cura para campos
marginais das feitiçarias e dos saberes proibidos, porém estes saberes deslocados
podem ser percebidos historicamente como elementos importantes para a
compreensão dos espaços das mulheres na sociedade enquanto agentes
determinantes para a legitimação das práticas de cura populares.
O ofício da parturição ou do trato de doenças femininas legitimou-se
socialmente através dos intercâmbios de práticas e saberes acumulados, trocados,
experimentados, modificados que atravessaram incontestes os espaços possíveis
onde as práticas de cura poderiam se fundir com o campo da religião e da ciência.
Porém muitas sociedades podem apresentar, mesmo que contraditoriamente, as
mulheres como sujeitos necessários a manutenção dos papéis de mãe, esposas,
irmãs, contudo esta importância estaria condicionada a um poder específico. Este
poder específico, ao mesmo tempo em que institui papéis necessários e importantes,
estabelece em contraposição outros papéis como perigosos e profanos, criando a
ilusão de que toda norma para existir possui um desvio, todas as mulheres que se
apresentam dentro dos padrões estabelecidos possuem como espelho outras que se
apresentariam como exemplos de comportamentos desviantes (ROSALDO, 1979,
p.48).
De acordo com Del Priore (1997, p.88-89) é possível observarmos as conexões
históricas entre os saberes medicinais populares e as artes da feitiçaria, pois as
mulheres para combater suas doenças cotidianas lançavam mão de práticas de cura
informais, por meio de fórmulas gestuais, orais e de receitas ancestrais. Contudo o
advento do século XIX trouxe ao seio dos debates sobre os saberes e as práticas da
parturição novos questionamentos nascidos da cientificidade que lutava para se
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estabelecer como conhecimento genuíno e nessa disputa entre saberes a medicina


consolida-se como detentora legitima dos saberes e do ofício da parturição em Belém.

METODOLOGIA
Para os primeiros diálogos sobre a temática utilizou-se como fonte documental
os periódicos, “Folha do Norte”, “Diário de Notícias”, os “Ofícios expedidos pela
Diretoria Geral do Serviço Sanitário (1919-1920)”, “Annaes da Câmara dos Deputados
do Pará (1894)”, e a obra histórica escrita pelo médico Pedro Luiz Napoleão
Chernoviz, “Diccionario de Medicina Popular e das Sciencias Acessorias para uso das
famílias” (1878).
Por ser uma investigação histórica fez-se necessário uma abordagem crítica
das fontes selecionadas para compreender melhor como os discursos sobre os
saberes e as práticas das parteiras foram construídos pelos médicos cientificistas que
se consolidavam como intelectuais e disseminadores da cura em Belém no fim do
século XIX e início do século XX.

DISCUSSÃO
Para combater os saberes e práticas de parteiras muitas denúncias com forte
argumentação política concentraram-se entre alguns médicos que exigiam
intervenções públicas educacionais e de saneamento para as práticas obstétricas e
ginecológicas, incluindo projetos sociais de criação de creches e maternidades. O
deputado e médico-parteiro Dr. Firmo Braga, em 1894, fez acirrado discurso contra a
atuação das parteiras práticas na região, condenando os métodos utilizados no parto,
alertando a população para os perigos a saúde pública e reclamando o
reconhecimento e implantação da ciência obstétrica em Belém. Apresentando um
projeto de criação de uma maternidade e creche, o Dr. Firmo Braga justificava seu
discurso na ampliação da assistência pública a saúde, observando que o mesmo
deveria dirimir os autos índices de mortalidade infantil e de mulheres durante o parto,
provocados pela ineficiência das parteiras e de suas práticas rudimentares e
primitivas. (“Discurso do Dr. Firmo Braga”. Annaes da Câmara dos Deputados do
Pará: sessão ordinária da 2ª legislatura. v. 4. Pará: Imprensa Official, 1894. p.182-
183.)
As medidas reguladoras pretendiam organizar as práticas de cura relacionadas
a parturição e a ginecologia em um espaço determinado pelo cientificismo, o Hospital,
porém não podemos considerar que tais medidas de organização foram amplamente
determinantes para a diminuição das práticas de parteiras ou ainda para sua extinção.
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O constante recrudescimento da cientificidade sobre os corpos das mulheres


trouxe um compendio de saberes que pretendiam regulamentar a ação feminina sobre
seus corpos, sua sexualidade e suas condutas morais. Os conhecimentos das
parteiras foram desvalorizados, pelo menos discursivamente, pelos saberes médicos-
científicos que reclamavam publicamente por providências. Em 1903 a “Folha do
Norte” traz publicado um apelo anônimo de um médico que dizia ser necessário na
cidade “sob a direção de médicos competentes, de um pequeno curso de
aprendizagem para parteiras, anexa à maternidade da Santa Casa”. A formação e
habilidade da parteira cursista deveria ser comprovada pois como “enfermeira seria
uma auxiliar valiosa na clínica civil e, de certo, milhares de vidas seriam poupadas.”
(“Partos e parteiras”. Folha do Norte, 7 de agosto de 1903, p.1.)
O dito médico anônimo pede apoio das autoridades para criação de uma
escola que implantasse um curso para parteiras diretamente ligada a Santa Casa de
Misericórdia do Pará, instituição considerada uma das pioneiras no tratamento de
doenças de mulheres, de partos e de problemas relacionados a ginecologia e
obstetrícia. Neste discurso fica evidente a preocupação em estabelecer dentro dos
espaços considerados de saber científico regras e práticas que promovessem a cura
através da ordenação e experimentação dos saberes.
O médico Napoleão Chernoviz (1890, p. 91-102) em seu “Diccionario de
Medicina Popular e das Sciencias Acessorias para uso das famílias”, utilizando um
discurso pedagógico discorre sobre a gravidez, citando a experiência de uma parteira
para identificar a concepção, ou seja, certificar-se que a gravidez é notória. O autor
descreve que na dúvida se uma mulher encontra-se em estado de gravidez, “desde o
fim do terceiro mez, o exame feito por uma parteira remove todas as dúvidas.
Apalpando o ventre, ou introduzindo o dedo para verificar o estado do útero, pode ella
[parteira] adquirir alguma certeza.” Chernoviz segue o “modo de examinar o útero para
reconhecer a existência da gravidez”, descrevendo a prática da parteira que
consequentemente deveria ser similar à de um médico. Podemos nos perguntar se a
parteira que Chernoviz se refere seria a parteira técnica já introduzida na seara médica
pelos cursos proclamados no final do século XIX e inícios do XX em alguns hospitais
pelo país, ou se refere a parteira prática? Podemos inferir sobre o assunto que,
mesmo as parteiras que cursaram algum tipo de instrução na Santa Casa de
Misericórdia do Pará, por exemplo, já possuíam algum conhecimento sobre a
parturição e muitas delas seriam “aparadeiras” conhecidas que pretendiam assegurar
seu ofício dialogando com a cientificidade e não necessariamente indo de encontro a
ela (MOTT; 1999, p. 02).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os saberes populares ameaçavam em grande parte a empreitada científica e o
estabelecimento de um novo status de cura em Belém, a ginecologia precisava ganhar
a confiança das mulheres e provavelmente não era tarefa fácil tendo em vista toda
uma tradição cultural e sistemas complexos de valores e crenças que colocavam as
parteiras em posição privilegiada na cena dos partos e no trato de doenças femininas.
Outro item importante para pensarmos na conjunção e organização de saberes gira
em torno da introdução das parteiras nos hospitais e na institucionalização e
organização de seus saberes a partir da propiciação dos diplomas de parteiras e da
introdução de aulas em hospitais por exemplo. Podemos considerar que as
experiências das parteiras populares foram introduzidas nos arcabouços médicos
cientificistas e ganharam um novo léxico rebuscado e ressignificado. O conhecimento
substancialmente prático e cotidiano destas mulheres parteiras foram realocados pela
disciplinarização e institucionalização médica e receberam tratamento diferenciado
fomentando os saberes da futura ginecologia e obstetrícia.

REFERENCIAS

CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de Medicina Popular e das


Sciencias Acessorias para uso das familias. Pariz: Casa do Autor. 6ª ed. 1890. Vol.
1. e Vol. 2.
DEL PRIORE, Mary (orgs.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,
1997.
MOTT, Maria Lúcia. Fiscalização e formação das parteiras em São Paulo (1880-1920).
Rev. Esc. Enferm. USP [online]. 2001, vol.35, n.1;
__________. A parteira ignorante: um erro de diagnóstico médico? Revista Estudos
Feministas. v 07 n 01_2. Santa Catarina: UFSC, 1999.
ROSALDO, Michelle; LAMPHERE, Louise (Orgs.). A Mulher, a Cultura e a
Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 48.
VIANNA, Arthur. A Santa Casa da Misericórdia Paraense: notícia histórica (1615-
1902). 2.ed. Belém: SECULT, 1992.

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