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Coordenação editorial
Maria Carolina de Araujo
Capa
Ary Almeida Normanha
Edição de arte (miolo)
Antônio do Amaral Rocha
Produção gráfica
Elaine Regina de Oliveira
Preparação dos originais
Lenlce Bueno da Silva I
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Conselho editorial
Alfredo Bosi, da Universidade de São Paulo
Azis Simão, da Universidade de São Paulo
Flávio Vespasiano di Giorgi, da Pontifícia Universidade Católica
Hakira Osakabe, da Universidade de Campinas
Rodolfo IIari, da Universidade de Campinas
Rui Galvão de Andrada Coelho, da Universidade de São Paulo

Olha

Tu clamas por liberdade


Mas só aquela que te convém
Tu puxas a arma no escuro
E não SUportas ninguém feliz
Persegues a quem trabalha
Calúnia, carga e traição
Te julgas o mais esperto
Mas és mentira, só ilusão

ISBN 8508013477 Depois de passar o tempo


Colhe o deserto que é todo teu
Com todo teu preconceito
Segue pensando que enganas Deus
1989 E enganando a ti mesmo
Todos os direitos reservados Pois quem trabalha continuou
Editora Atica SA - Rua Barão de Iguape, 110 Em cada sonho suado
Tel.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656
End. telegráfico "Bomlívro" - São Paulo Que nem percebes o que custou.

MILTON NASCIMENTO.
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SUMÁRIO

Prefácio (Maurício Tragtenberg) ;. 7

Apresentação 9

I. Introdução 11
1"/1. Jornalismo e poderes Q!)
2. Conceito de notícia '.' 12

11. Imprensa e estruturação econômica da sociedade 23


1. O caráter de mercadoria da informação 23
O saber tradicional 23
Valor de uso e valor de troca da notícia 25
Imprensa e capitalismo @
I
i Marketing no jornalismo 33
I
I Jornalismo e literatura 37
2. As formas de encobrimento e de falseamento 39
I
i O jogo com o texto noticioso 40
I I A fragmentação da realidade, 40; A personificação dos
I processos sociais, 42; Outros processos, 47.
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O uso da linguagem e da técnica 48
A política do destaque e da supressão de informações 49
3. O telejornalismo 51

11I. A transformação da atividade jornal ística em grande


empresa capitalista, 56
1. A notícia e o trânsito de mercadorias 56
2. A imprensa artesanal e a político-literária 58
3. A concentração na imprensa 70
4. Jornalismo na era eletrônica ::~.~:'?3
IV. Jorn~lismo e esfer~s de poder: conflitos e arra~Jõ-~~~!'7
I. Estado sob a economia liberal 77
2. Liberalismo e ideologia 81
3. Imprensa liberal e sensacionalista 86 PREFÁCIO
4. Conflitos de poderes: liberdade de imprensa e censura . _ 94
5. Análise de casos concretos 101
O jornalismo sob o Estado fascista 101
A imprensa fascista e o monopólio do poder, 101; O É para mim uma honra prefaciar esta obra, após tê-Ia exa-
jornalismo e a propaganda de guerra, 106. minado, quando seu autor apresentou-a como tese de livre-docên-
O Caso Watergate 110 cia na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo.
A luta pela liberdade e o monopólio da imprensa nos Es-
Não tenho dúvida de que o livro de Ciro Marcondes Filho
tados Unidos, 110; A evolução da crise americana, 114.
ora editado pela Atica dividirá a sociologia do jornalismo em nossa
O jornal República e a rádio Renascença na Revolução terra em dois momentos: antes e depois de O capital da notícia.
dos Cravos 120 A bem da verdade, o livro não constitui ponto de partida,
Elementos histórico-econômicos, 120; A Revolução e as mas ponto de chegada do Autor, que já oferecera ao público inte-
aberturas políticas, 123; A crise dos meios de comuni- ressado na sociologia do jornalismo títulos como: O discurso sufo-
cação, 125. cado (Ed, Loyola), A linguagem da sedução (Ed. Com.-Arte) e
Política e imaginário (Ed. Summus), além de uma coletânea do
A reforma da imprensa peruana........................ .. 130
sociólogo do jornalismo Dieter Prokop, na Coleção Grandes Cien-
Elementos histórico-econômicos, 130; A nova política dos tistas Sociais da Editora Atica,
meios de comunicação, 132; O fim das experiências refor-
mistas, 134. Num livro que aborda tantos aspectos relevantes para o jor-
nalismo atual - a transformação da atividade jornalística em
6. Comentário 137 grande empresa capitalista, a situação do jornalismo sob o Estado
liberal e em alguns casos concretos, como sob o fascismo, sob Alva-
V. Excurso 140 rado, no Peru, e durante a Revolução dos Cravos, em Portugal
I. A experiência da imprensa alternativa (teses) 140 - fica difícil destacar um ponto em detrimento de outros.
') Novas experiências , .. 157 No entanto, chama a atenção a análise feita pelo Autor das
características do Estado moderno na época atual, que se conven-
A segunda fase da imprensa alternativa 157 cionou definir como época do "capitalismo tardio" ou do "capita-
1\ profissionalização das rádios livres e do jornalismo lismo monopolista".
alternativo 163' Para Ciro Marcondes Filho, o Estado na época atual é o
1\ Folha e as diretas-já .- 168 grande organizador da hegemonía, no sentido gramsciano do termo,
controlando, através de licenças, os instrumentos de reprodução
1\ crise do jornalismo 173
simbólica. Desativando a política e eliminando a· opinião pública
Morte c vida do velho Pasquim 176 com capacidade de opor-se, ele, através da comunicação de massa,
!\ morte do grande chefão , 178 reforça o controle social. Ou seja, sob uma fachada democrática,
o Estado no século XX realiza a "democracia totalitária" enun-
Ili!" í()(lr;.fía 181 ciada por TocquevilIe no século passado.
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Original e penetrante é também a análise. da questão da trans-


formação de fatos em notícias e destas em mercadoria. O primeiro
momento assinalado é aquele em que a ideologia penetra na co-
IIÍunicação; o segundo momento é aquele em que a notícia como
mercadoria cultiva a passividade e despolitização social.
O leitor de jornal é sujeito a estados de temor (a imprensa
nazista, com a tese do judeu como "inimigo privilegiado", o stali-
nismo e a criação do "inimigo do povo"), alternados com outros '.'

de tranqüilidade, dialética produzida pelo noticiário denotativo,


APRESENTAÇÃO
em que cenas de tragédias são intercaladas com cenas apresentando
celebridades artísticas ou um refrigerador "que só falta falar".
Ao leitor o jornal oferece um conjunto desconexo de fatos
que desorganiza qualquer estrutura racional presente no real. O Este livro condensa minhas preocupações com o caráter da
que há de organizado no jornalismo é que tais fatos são submetidos notícia numa sociedade de classes, b um trabalho teórico sobre o
a normas mercadológicas através da generalização, padronização, jornalismo no modo de produção capitalista. Acredito que as
simplificação e negação da subjetividade. constatações que fiz sobre o caráter da notícia nesse sistema eco-
Para o Autor a notícia está sujeita à lei do temorjtranqüili- nômico sejam suficientemente estruturais a ponto de serem aplica-
zação, na qual os fatos são apresentados sem contradições. Saques, das a qualquer formação social capitalista contemporânea. Ele não
greves, guerras são alinhados com técnicas de ganhar em loteria, tem, portanto, a intenção de ser um estudo localizado do caráter
corridas de cavalos ou com a exibição de vamps do estrelato tele- da imprensa em uma determinada realidade, Não se trata de um
visivo. Mas é justamente essa miscelânea que permite ao jornal estudo sobre jornalismo brasileiro nem das vinculações deste com
sobreviver como empresa, pois o espaço da matéria redacional é nossas instituições políticas e sociais. Isto, não obstante, não me
medido não pelo volume dos acontecimentos, mas pelo volume dos impediu de citar, vez por outra, exemplos deste país. Eles serviram
negócios, pelos anúncios. A parte redacional atua como apoio do em alguns casos para ilustrar a teoria, mas não pretenderam orien-
espaço publicitário. tar para si o foco do interesse da investigação.
Logicamente, a transformação do fato em notícia significa Minha preocupação neste estudo foi a de encontrar um quadro
mutilá-lo, tendo em vista algo mais rentável, e, por isso, ele é teórico que explicasse o caráter político, econômico e ideológico
"pasteurizado", embelezado para atrair a atenção do comprador. da notícia na sociedade de classes e, para tanto, precisei ir em
Para que a demanda por notícias se mantenha, as necessidades busca de pesquisas feitas em outros países sobre o assunto. Utili-
ou os interesses do leitor não devem ser totalmente satisfeitos pelo zei majoritariamente de fontes de consulta internacionais, uma vez
veículo (jornal, TV), pois o jornalismo não vende somente fatos que nossa investigação teórica sobre o jornalismo continua dema-
transformados em notícias, mas também a aparência, a força de siado fraca, ingênua, incompleta e, na maioria dos casos, pouco
impacto da notícia. científica. Nas fontes externas pude localizar, particularmente nas
Abolido o capitalismo privado - adverte o Autor àqueles investigações alemãs sobre o caráter do jornal na sociedade de
que concluem apressadamente -, o jornalismo como manipulação classes, estudos bem mais avançados que os nossos, que estão hoje
não desaparece para dar lugar a um jornalismo objetivo e im- ainda em estado incipiente.
parcial.
Esta contribuição, portanto, refere-se a um ordenamento teó-
A manipulação da notícia atua como censura, através de uma
rico sobre o estatuto da notícia na sociedade capitalista, uma ques-
visão fragmentada e personalizada dos processos sociais, da ma-
tão que pretende, pelo seu caráter de discussão e macroexplicação,
nipulação técnica e lingüística e da sonegação de informações
ser estendida e aplicada às diferentes realidades histórico-sociais,
"indesejáveis" .
inclusive à nossa.
Por tudo isso, este livro é leitura obrigatória para aqueles que
cultivam a "consciência crítica", nos dias que correm. Acredito que seja chegado o momento de se fazer uma revisão
do que existe à disposição do público em matéria de teoria da
MAURÍCIO TRAGTENBERG notícia. Há que se construir essa teoria com bases sólidas e alicer-

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çadas nos conhecimentos já desenvolvidos nas ciências sociais. Não


me baseio em uma "ciência" de comunicação, porque esta não
passa de um processo, uma forma de relacionamento humano,
como o é a relação com a natureza, com o trabalho, com a vida
social e produtiva. Pode-se pensar em uma ciência da mensagem,
em uma área de conhecimento que investigue o código lingüístico
e sua estrutura, e aí entramos no campo específico da semiologia.
Enquanto processo maior, contudo, enquanto mecanismo que en- I
volve meios, ideologias, usos políticos, manipulação e mobilização
de massas (como o é, de certa maneira, o caso do jornalismo), a INTRODUÇÃO
comunicação só pode ser apreendida como a ligação de tudo isto,
a ponte que toma compreensíveis os fenômenos de massa da socie-
dade moderna.
Negar essa perspectiva é cair no positivismo ingênuo (de
achar que o jornal, a notícia, são analisáveis como fenômenos 1. Jornalismo e poderes
isolados, separáveis em laboratório, onde se processaria a "divisão
analítica" do real - o real visto como composto de partes disso- O que significa jornalismo, por que se discute a imprensa,
ciáveis -, e se imaginaria que "a verdade está nas partes"), ou qual a importância de se fazerem notícias? Todas essas questões
então, na departamentalização do saber, irmã gêmea do empirismo encerram a preocupação fundamental de estudiosos, pesquisadores
prático, que como uma peste se alastra pelos mais distantes ambien- e profissionais do setor de informação sobre o papel que desem-
tes teóricos brasileiros. ' Essas duas vertentes são próprias do modus penha a atividade periodística na sociedade. CriªLjgrnais é encon-
operandi da investigação norte-americana. O horror que parte trar uma forIE,a ,d_e el,e:V,a~a uma alta potênda o inter'ess'eque'iêm
representativa das ciências sociais nos EUA tem à especulação teó- iÍ'Ídivídiiõs "é' grupos em afirmar'públícamentê'sliâs· opiniões' e 'iIÍfõr~
rica, à reflexão, à abstração conceitual encontra muitos represen- mações. É uma maneira de se dar eco às posições pessoais, de
tantes no Brasil. classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico,
A minha proposta é de ruptura com esses modelos. Meu livro que além de preservar uma suposta impessoalidade, llfirma-st<."",..~l.Q
contém imprecisões, constatações discutíveis, afirmações provisó- ~ ,pºder ~ §-ºº-~t?lliª,--,~m~~a.. ..yex-d,a.d,~~"
rias. Ele não pretende, fazendo tábula rasa de tudo que existe por O jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças
aí, impor-se como a única verdade. Não há nem vai haver verdade econômicâs e' sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala
absoluta alguma. É preciso livrarmo-nos dos deuses e dos mitos "sozinho.' :eJé---é-'ào mesmo tempo a voz de outros conglomerados
de toda natureza. econômicos ou grupos políticos que querem dar às suas opiniões
Este trabalho abre o caminho para a discussão do jornalismo subjetivas e particularistas o foro de objetividade.
e em especial da notícia sob a perspectiva da economia política. Se a Imprensa é livre, se é objetiva, se representa todos os"!
Nenhuma obra brasileira despertou para o tratamento deste tema setores da sociedade, essas sãoquesrões-colocadas, antes de mais'
sob esse ângulo. Parece-me que é o momento de se considerar essa n~~a,não pelos. grupos dominados, mas pelos próprios detentores (
abordagem. do poder, na medida em que se vêem ameaçados por outras infor- \
mações que põem em risco seu monopólio, venham elas da base "
da sociedade ou de grP.P9s. adversários. ,"
O fato de possuir jornais, denunciar fatos políticos e econô-
micos, além de funcionar como meio de venda de uma mercadoria
I (informação e opinião), é lIma fgrmade amenizar o desequilíbrio
real da distribuição de poder, pois, contra a voz da maioria domi-
I nada e despossuída da população, cujo agir social organizado (pas-

11'
12 13

seatas, movimentos, revoluções) ou não (quebra-quebras, lincha- educa nem o público nem o jornalista, a debater-se pelo vivo, pelo
mentos, assaltos) representa de fato uma forma de manifestação normal em primeira página. :É o extraordinário que vale como
pública de sua insatisfação, aparecem as vozes, em si reduzidas e notícia, mas nem todo o extraordinário.
poucas, mas excepcionalmente ampliadas e tornadas genéricas, da Eco não desenvolve mais o tema. Para mim, toma-se notícia
imprensa. Por um lado, a voz abafada, sufocada, explosiva da aquilo que é "anormal", mas cuja anormalidade interessa aos jor-
esfera pública popular, que não encontra veículos institucionaliza- nais como porta-vozes de correntes políticas. Uma embriaguês
dos seus para mostrar a "outra face da realidade" com a mesma qualquer não é notícia; ela o será se mexer com personagens que
ênfase de um grande jornal liberal diário ou de uma estação de TV desagradam essas correntes ou que representam poderes que o
monopolísta de audiência; por outro, a voz tecnológica, sofisticada jornal pretende combater. O jornal, assim, arranja, acomoda o
e falsa da esfera pública do poder, encobrindo, silenciando, ne- .'. . extraordinário na sua argumentação diária contra setores ou gru-
gando a outra. Não fosse assim, a imprensa na sociedade capita- i / pos sociais. O extraordinári~, __ ~a i~p~~p.~~.~s~ri!l", só_.Yi!.~-.!1°tícia
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lista não seria uma instituição-suporte. Ela tanto o é que seria quando pode ser utilizado éümü 'arma no combate ideológico. "'- ....
difícil pensar o capitalismo sem imprensa (que satisfaz tanto a ·--.'.E~te· é um lado da questâo;--a notícia" funcionandc corno
necessidade de difusão pública e pseudo-social de alguns monopo- agitação orientada, como forma de atiçar, de pôr mais lenha no
listas de classe, que dela se utilizam para "representar" a voz social, confronto de posições políticas. Isso até que seria o mais "sadio"
como a necessidade ideológica - portanto, falsa - de "multipli- do ponto de vista da democracia: todos terem a oportunidade de
cidade de opiniões", quando, de fato, as únicas opiniões diversifi- usar o extraordinário, o diferente, em proveito de suas posições
cadas que têm livre acesso aos grandes monopólios de comunicação políticas. Ocorre que é exatamente na utilização da notícia, o
são as dos próprios membros dos poderes a ela- associados e dos outro lado da questão, que se manifestam os processos menos
que em torno deles circulam), da mesma forma que seria impossí- democráticos de formação de opinião, porque os jornais são epife-
vel pensar uma imprensa sem capitalismo. nômenos das grandes correntes de opinião, conduzidos pelas clas-
Atuar no jornalismo é urna opção ideológica, ou seja, definir ses em conflito, classes essas que carregam, cada qual, grupos em
o que vai sair, como, com que destaque e com que Iavorecimento, constante disputa pelo poder. Os jornais são como pontas de
corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este processo é icebergs, que no nível externo representam a democracia formal,
realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo na qual todos seriam iguais, e, no fundo, escondem o poder político
de reprodução parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a ou econômico que os sustenta, que é incomparavelmente diferen-
angulação, a manchete, a posição na página ou simplesmente não ciado de um jornal para outro em relação ao seu tamanho e im-
dá-Ia é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas. :É portância.
sobre a notícia que se centra o interesse principal no jornalismo.
Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos
os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a
informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercado-
2. Conceito de notícia lógicas de generalização, padronização, simplificação e negação do
\ subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de manipulação ideo-
Umberto Eco certa vez declarou que a nossa noção de notícia 1 lógica de grupos de poder social e uma forma de poder político.
ainda é baseada no privilégio do anormal, no "interesse que ternos '\ Ela pertence, portanto, ao jogo de forças da sociedade e só é com-
nos saltos bruscos de estado" a que somos .submetidos na vida i preensível por meio de sua lógica. Essa lógica supõe três dimensões
cotidiana (Eco, 1979, p. 15-33). Ela é o reflexo de uma procura ! que abordarei neste trabalho: a) a inserção da notícia como fator
contínua pelo novo, pelo diferente: ,j de sobrevivência econômica (infra~estruTt:iiâÇportilllio)-aci 'veículo
i (comõ·'meicadoiía); b) como veiculador ideológico; e c) corno
Por que pensamos que um relato sobre a situação "normal" do \esfãbilIzadÕi'polí tico.
domingo do jovem trabalhador milanês não seja notícia e seja '-.... Não parto da posição ingênua de desvincular a notícia dos
suprimida das páginas coloridas? (Eco, 1979, p. 31).
confrontos de interesses e de poderes de grupos dominantes na
A isso Eco responde afirmando que a ideologia da notícia prefere sociedade, nem da acepção de que haja qualquer possibilidade de
debater-se pelo morto ou pelo monstro na primeira página, que não se realizar um jornalismo objetivo. Concordando com Francesco
14 15

CavaIla, 'fujo neste estudo da acepção de objetividade jornalística promessa de felicidade, de prosperidade, de tranqüilidade, salto
que consiste na representação racionalista não-deformada e não: possível ao reino da liberdade inacessível por vias normais e pelos
-deformável de determinada realidade (CAVALLA,1979, p. 71-2). caminhos convencionais indicados no capitalismo; de outro, a des-
I A possibilidade de possuir a verdade é falsa e tende ao discurso crição do martírio, da pobreza, da desgraça de nossas vidas, orien-
! dogmático; a objetividade é impossível. Isso não significa que tados segundo o princípio da realidade (do desempenho e da efi-
I tudo seja igualmente subjetivo ou que todas as expressões jornalís- cácia), nunca expostos como decorrência estrutural da irracionali-
ticas da realidade mantenham a mesma distância do real: há dade da produção econômica em confronto com as aspirações de
11: apropriações mais ou menos próximas da "verdade dos fatos". Es- vida, mas sim como argumentos contra setores individualizados e
;11 tar-se-ia mais próximo - sem, contudo, jamais chegar - da molecularizados.
I objetividade, na medida em que, ainda concordando com Cavalla, A política da notícia tende a incentivar permanentemente a
busque-se a informação que evita e denuncia sofismas, instrumentos passividade, a acomodação e a apatia em seus receptores. Isso se
I de persuasão ocultos, afirmações injustificadamente peremptórias; dá com o equilíbrio (instável e constantemente ameaçado) da dia-
I
que difunde outras interpretações dos fatos diferentes das dos do- lética da atemorização e da tranqüilização noticiosa. Explica Peter
:
minantes, a fim de mostrar o caráter meramente parcial e hipótetico Brückner que:
I' das mesmas; que declara explicitamente o caráter questionável da
li , própria escolha e da própria valoração. Mediante o emprego de posiçoes ja pré-formadas [ ... ], isto é,
I dos elementos existentes .de uma estrutura cognitiva, procura-se,
, A notícia, tal qual se apresenta para o receptor, como forma por meio da técnica de difusão de notícias, primeiro, que essas
"quebrada" de realidade, como pedaço do real, de onde se abstrai posições se reforcem, e, segundo, criar-lhes um clima social apro-
I' ! somente o fato específico que a originou, e como disposição múlti- priado (BRÜCKNER, 1971, p. 183-4).
i pla e diversificada no jornal, na televisão, no rádio, no cinema, atua
~II o reforço às opiniões e a criação desse clima apropriado operam
,
1I
I
í
. no receptor participando de um jogo psíquico, em que num mo-
mento ela desencadeia processos de preocupação e, noutro, de no sentido de incentivar a aceitação e a submissão. Karin Busel-
l , alívio e descontração. Não as notícias isoladamente, via de regra, meier aponta que, por trás do fato de os objetos da política de
']
,I mas o conjunto delas, o noticiário como um todo, ou mesmo a informação andarem juntos com a respectiva política dominante,
'i
programação noticiosa jogam com esse duplo caráter ideológico' da mostra~se não um pensamento autônomo, uma consciência política,
notícia. Trata-se da dialética da atemorização e da tranqüilização, que sena constante, senão, muito pelo contrário, um posicionamento
que compõe o fato noticioso. Não muito diferente das produções ~firmativo (BUSELMEIER,K., 1974, p. 144). A acomodação, con-
êulturais, que fazem parte do sistema imaginário (a dimensão dos tínua a autora, ocorre de duas formas: a) como sobreidentificação
conteúdos dos meios de comunicação para as massas, que trabalha com a política dominante (por exemplo, no caso dos trabalhadores,
com. o imaginário, a fantasia, o mundo não-real, as aspirações, conforme pesquisas feitas por Kern e Schuhmann, citadas por ela,
ansiedades e desejos, matérias-primas das novelas de televisão, dos em ,que estes declaravam-se "interessados por política", sendo,
filmes de cinema, da literatura e do teatro), onde este confronto porem, que esse "interesse" era identificado como "concordância
é bem atenuado e disfarçado, de "realidade diferente da nossa", com a ideologia e o sistema dominante") e b) como apatia política.
as produções do sistema realidade (dimensão da programação Essa apatia expressava-se no fato de os trabalhadores "conforma-
preenchida por noticiários, documentários, debates políticos, econô- rem-se" ou "limitarem-se" com suas realidades. Nesses casos, sua
micos, resenhas) comportam momentos que lançam preocupações situação ruim era aceita como imutável, e dela eles procuravam
no mundo do receptor, deixam-no incomodado, angustiado e até "tirar o melhor proveito" (HOLZKAMP, 1980, p. 290; KERN &
mesmo, em alguns casos, aterrorizado, ao lado de momentos que o SCHUHMANN, 1970).
relaxam, que o distraem, que o confortam. É falsa, portanto, a tese " ~ política de produção de notícias tem, assim, o caráter de
de que somente as produções no sistema imaginário são relaxantes, cultivar a-pãssividade. O tratamento que ela dá aos fatos, quer
i i
assim como a recíproca, a de que estas só são relaxantes. Essa como mitos (BARTHES,1982) ou signos (BAUDRILLARD, s.d., p. 99
dialética representa, no que se refere à produção medial, o jogo et seqs.; PROKOP,1979, p. 76 et seqs.), conduz, em qualquer caso,
com as emoções que se faz na cultura, no confronto político-parti- à despolitização do real: é a apresentação dos fatos como algo uní-
dário e eleitoral, nas disputas ideológicas, em suma .. De um lado, a voco, fechado, somente positividade, sem contradições; não háa

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" ".'.' .
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16
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17
ambivalência, mas a disciplina e a adaptação ao modelo; são
O que .0 público q~er, portanto, é o que lhe foi "sugerido"
enquanto dcsmontagcns do real - confirmações do esperado, for- querer. ASSIm funciona Igualmente o campo de ação nas eleições
mas que encobrem a dialética e qualquer penetração inesperada dentro das regras da democracia formal: o eleitor toma conheci-
além do visível. É uma organização do mundo não-contraditória. m~~to de todo o possível sobre as vantagens de votar nos partidos
O real, o contraditório, é esvaziado, e, como conseqüência, o sistema
III ofIClal~e?te consolidados e praticamente nada sobre as alternativas.

,
reforça-se e é inocentado. O conflito, O polêmico, o questionador A ~arÍlclpação ?o espaço livre para a propaganda política dos
I , que existe em cada fato desaparece. .. partidos nos meIOS de co~unicação não faz mais do que iludir
I, I qu~~to ao fato d~ que assim se garante a liberdade da palavra
Conflitos devem, se possível, ser evitados. Igual a determinadas
política: alguns rninutos por ano na TV ou no rádio são insignifi-
orientações da psicoterapia, parte-se do fato de que um leitor
il' distenso é um leitor satisfeito (JAENICK, 1972, p. 176). cantes e~ comparaç~o com a superioridade econômica dos partidos
I estabelecld~s'.A eleição não é decidida politicamente, mas no
plano econonnco,
Essa ideologia do "não-conflito" soma-se à prática de transformar
o serviço noticioso em pura "prestação de serviço", acrítica, onde A produção da preocupação por meio do serviço noticioso tem
I, I nada é tocado, nada é ferido, para que "todos, solidária e harmo- a ver ~om a diluição geral das preocupações da classe dominante
li niosamente" lutem para melhorar a sua realidade e, como os tra- na socle~ade, como pre.ocupação genérica. Em outra oportunidade
·eu sugeri que, na medida em que os meios de comunicação "de
I balhadores de Holzkamp, "procurem obter o máximo das situações".
massa" .burgueses produzem a ~oletivização do temor que tem a
O incentivo à acomodação manifesta-se pelo caráter de "para-
[I burgueSIa .das _tendenclas e mOVImentos antiburgueses, esses meios
lisação" que ela incentiva nas pessoas e pela não-permissão de de, con:uillcaçao transferem para o receptor, de forma igualmente
, manifestação de grupos sociais não-conformistas (HOLZER, 1972, anar~Ul~a (seI? apresentar nem investigar os reais determinantes
p. 77). Essa orientação reproduz a forma autoritária de trabalhar o economIco-pobtJcos, usando da parcelização, dos reducionismos
,I
material noticioso. De forma genérica, a participação dos receptores ete. ), ess~ te~or .. A,ss.im, o receptor teme e - em vez de questionar
if' não é procurada. O público que se satisfaça com o que lhe é a determmaçao histórics desses fatos - transfere tacitamente a so-
II, I oferecido: a verticalidade dos meios de comunicação corresponde luç~~ desses problemas p~ra o sistema como um todo. A produção
II plenamente à verticalidade do sistema político (v. tb. REYHER,
I política do medo por meio do processo jornalístico vai ser, assim
I: 1974, p. 21). Contra o argumento de que se "dá ao público o que a Are~ercussã~ .na opinião pública das preocupações de classe (eco~
1; I ele quer" estão as formas monopolistas de ocupação do mercado que normcas, políticas) do Jornal.
I liqüidam amplamente com qualquer aspiração à soberania do con-
I,
I sumidor. Axel Caesar Springer, proprietário da maior cadeia de
Em situações conjunturais de recrudescimento das formas au-
toritár~as .de dO?I~nação, a intimidação dos indivíduos passa a ser
jornais na Alemanha Federal, tinha para isso uma frase significativa: uma teclll~a cotidiana, No período nazista, esta técnica foi ampla-
,I : "Todos os dias, todos os meses, realiza-se na banca de jornal e nas
:'1 mente aplicada. Sua função era a de criar confiança no governo
portas das casas uma espécie de votação democrática na Alemanha, (BRAMS.TEDT, 1946, p. 164-5). No pós-guerra, particularmente
se o leitor quer ou não comprar este jornal" - o BUd (SPRINGER, caractenzado pela ~olarização. da guerra fria, o inimigo público
1967). A falsidade dessa argumentação revela-se no seu caráter p.erdeu sua conotaçao estereotIpada dos inimigos do Estado fas-
encobridor. No caso específico desse jornal, não há nenhum outro cIs.ta, como o "judeu usurário" e o "comunista ateu". O "inimigo"
tipo de alternativa para o leitor de imprensa sensacionalista de d~Ixo,~.,de .ter ~ontornos fixos e, conforme a propaganda da guerra
bancas e a oferta de jornais da imprensa privada em geral é total- fna, ja VIve J~nto ?e nós" (FUNK WERKENTIN, 1977, p. 190 et
mente uníssona; por outro lado, os editores semelhantes a Springer seqs.) .. Essa dlssem~ação de "inimigos públicos" por intermédio
- conforme indicam as pesquisas de público de jornal - puseram- dos m~I.os de comulllc.ação "de massa" viabilizados pela adoção de
-se previamente "de acordo" no que se refere às necessidades cons- cste!eotIpo~ e da confIrmação, na maioria dos casos, de marginali-
tatadas dos leitores, que se ligam à consciência existente e sugerem a zaç~es reais da estrutura econômica, política e social atua no
liberdade de escolha, sem dá-Ia (COLETIVO DE AUTORES... , 1984, sentido de quebrar possíveis laços de solidariedade e de união que
p. 133). ' ,
num segun d o momento, poderiam ser mobilizados contra o Estado:
19
18

A transmissão recíproca pelos grupos de relações humanas, ma~s como algo completamente estranho às pessoas. Como explica Dieter
precisamente a aceitação de preconceitos s?~iais tem algo de emi- Prokop, referindo-se às produções no sistema imaginário,
nentemente protetor e eminentemente aliviador: estamos tanto
mais indefesos e somos mais frágeis na sociedade human~. quanto em tal estética, que exclui o sujeito cogniscente tanto da perspec-
mais debilmente estamos identificados com grupos (BRUCKNER, tiva do filme como do receptor, falta o "realismo" de qualquer
mediação com a vivência e a prática dos membros da sociedade
1971, p. 96).
(PROKOP, 1974b, p. 132).
O contrapeso dessa carga psíq,:ica de preoc~paçõe~ ofe~ecid~s
em doses diárias pelo jornalismo realiza-se por meio da dísseminação Não há ação ou envolvimento possível do receptor das notícias se
de matérias que recuperam psicologicamente o receptor para a con- estas não forem associadas à sua realidade específica; sem a vincula-
cepção de vida e de prazer instítuCionaliza?os. Se algur:sasp~ctos ção ao contexto de vida, à experiência imediata, pessoal, não há
da programação noticiosa incomod~m ? leitor, outras dimensões ,o politização possível. O que faz a comunicação burguesa, dominante,
reconfortam: nenhum jornal sobreviveria se trouxesse em suas pa- é separar, tratar os fatos como ocorrências alheias, outras, diferen-:
ginas somente notícias ruins e preocupações. ~ lógica da impre.nsa tes do real cotidiano das pessoas. As notícias são transformadas em
no capitalismo é exatamente a de misturar coisas, de desorgamzar shows pela indústria da informação:
qualquer estruturação racional da realidade, e jogar ao leitor o
Encontramos aqui talvez naquela que foi definida como "socieda-
mundo como um amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma de do espetáculo", uma sociedade alinhada por estímulos emocio-
lógica interna. Ao lado das manchetes, que advertem so~re o pânico nais, por interesses superficiais, por fatos indiferentemente grandes
(da classe dominante) diante dos saques a estabelecImentos co- e pequenos, importantes ou banais, todos destinados a exaurir a
merciais, do aumento insistente dos roubos e assaltos, das greves, da atenção do grande público sem deixar marcas. Todo o fluxo co-
indisciplina civil, do terrorismo, convivem pacificamente manchetes municativo é espetáculo: as notícias chegam aos receptores prati-
camente sem poderes de informação/formação (LIVOLSI, 1979,
sobre vedetes, novos casamentos de artistas de TV, sobre como p. 40).
ganhar na loto, ou sobre a vitóriaarrebatadora do time de futebol.
Sem essa miscelânea, a imprensa, organizada como empresa lucra- A tranqüilização, o não-envolvimento do receptor com as ques-
tiva não teria sobrevivência comercial. A mesma lógica acompanha tões que direta ou indiretamente vão interferir efetivamente na sua
o j~rnalismo radiofônico e televisionado. vida (economia, política etc.), estão indissoluvelmente ligadas ao
O noticiário da imprensa (particularmente a sensacionalista) processo de trabalho no capitalismo:
sentimentaliza as questões sociais e cria penalização em vez de
O processo de trabalho e a socialização familiar produzem neces-
reação de descontentamento. Esse fato se dá particularmente por
sidades, das quais algumas podem ser satisfeitas na televisão por
mecanismo reducionista, que particulariza fenômenos sociais. meio da distensão econômico-instintiva; outras, ao contrário, pela
Uma reportagem ilustrada sobre o assassinato de uma criança é satisfação passageira, ligada à atividade da fantasia, poderiam
suscetível de levantar a opinião pública pequeno-burguesa num provocar fortes desarmonias na totalidade do ambiente de vida e
movimento de condenação ao ato brutal, mas um estudo q~e de trabalho [ ... ] Ao primeiro grupo de necessidades, que podem
demonstre com dados estatísticos, que no Nordeste do Brasil, ser satisfeitas por meio dos programas de televisão, pertencem,
morrem a~ualmente dezenas de milhares de crianças em conse- por exemplo, a tranqüilidade, o descanso do trabalho, o "desliga-
qüência da subnutrição seria incapaz de sus;itar maiores c0,m0- mento", as lembranças da primeira natureza, o emprego de todos
ções. Do mesmo modo, o te.lespectador-p~drao, que se emociona os músculos, nervos, forças do sentido e do entendimento para
até às lágrimas ante os sofrimentos morais d~ uma perso?ag~m um descanso uniforme - fato que na atividade abstrata do pro-
cesso de trabalho jamais pode ocorrer -, as lembranças da infân-
i I de novela vulgar, geralmente demonstra a mais espanto~a indife-
rença ao ser iriformado de que no Vietnã ou no Laos milhares de cia etc. [ ... ] Ao segundo grupo corresponde a maioria das neces-
sidades sexuais, as necessidades de onipotência reprimidas pela
I homens, mulheres e crianças são queimados com bombas napalm
educação ete. (NEGT & KLUGE, 1976, p. 212-3).
(CoSTA, 1974, p. 89).

Essa irracionalidade tem a ver com o caráter da produção noti- A necessidade de harmonia, portanto, surge da desintegração
ciosa como ruptura da experiência real e transmissão do mundo do ser humano no processo de trabalho, de seu isolamento com a

••••••••
11
20
21
I'! I
concorrência, da dispersão do tempo de vida em puros valores de inteligente e da interpretação com sentido, Nesse mundo o "jornal
trabalho c lazer (NEGT & KLUGE, 1976, p. 137). A satisfação Bild" traz a ordem (COLETIVODE AUTORES.. " 1984, p. 136).
,
! ' aparente das necessidades ~!.lm,dessa forma, como um organizador
regressivo da experiência, na medida em que a satisfação não ocorre . A dialética da ~reocupação e do alívio faz com que o jor-
em combinação com a experiência real, e funciona, segundo Prokop,
I, mais como algo que na prática ajuda os indivíduos a viver -
nalismo colabore efetJvamente, junto com o processo de trabalho e
a vinculação com as instituições normativas da sociedade, as uni-
praktische Lebenshilie, homologia com o que a Igreja chama de dades de reprodução simbólica, para a reformulação e a confirma-
"preocupação com a salvação da alma" (JAENICK, 1972, p. 175) - ção de opiniões e de atitudes políticas e sociais.
,I; 1 dentro desse complexo de situações estruturais (PROKOP, 1974,
. Di~nte da necessidade de o proprietário do jornal promover a
. p. 19). A tentativa de domesticação da fantasia não tem, entretanto,
I realização do valor de uso da mercadoria informação (notícia) e
ainda que atuando de forma sistemática através dos meios de
comunicação para as massas, nenhum acesso ao inconsciente (ne- opimao - ~~l.o_r de uso esse que tem papel adicional como su-
,I cessidades da primeira infância), que permanece ainda indestru- 12..Cl!.!~ da ideologi'ã-=-, o leItor-ao jóriúil é meio para esse fIm em
,I

I' tível (SCHNEIDER, P., 1969, p. 15). d.uplo se~tido (uma análise ,do valor de uso encontra-se no pró-
i ximo capítulo ) ',ror l~~ ~~dol no sentido estrito, como grupo-meta e
Se o processo de trabalho dissocia.ialiena, liquida com aspos-
I' :
;1 sibilidades de entrosamento e satisfação, ele provoca também ne- comprador do Jornal, efe _~u_n~ionacomo meio para a maximização
cessidades de fuga. d.º-Jucro; ~qui ele funciona como meio para o asseguramento do
SIstema existente - ou seja, dos editores, dos anunciantes e dos
:1 ;!: Trabalhos alienantes, imbecilizantes, com máquinas e de escritó- capitalistas como classe - (COLETIVO DE AUTORES.", 1985,
rio, um estado de tensão num sistema de submissão sem possibili-

riIL
p. 12~). Ass~m, a produção ideológica não é o objetivo próprio
I dades de alternativas criam uma necessidade de ruptura que, não do editor do Jornal senão parte do princípio de maximização dos
i podendo realizar-se individualmente, pode ser satisfeita por meio
da identificação com figuras do vídeo que não respeitam leis e ~ucro~. ,O put~o ~ado, evidentemente, é preenchido pela assimilação
IdeologIca,\ob]ellVo secundário da produção jornalístíca/
ir; !II normas. O efeito de tranqüilização, que vem no sentido oposto,
é sempre apresentado junto. O fora-da-lei sucumbe no fim à os editores determinam sua relação com o leitor, em primeiro
organização todo-poderosa que o caça, representada pelos preser- lugar, segundo pontos de vista econômicos [".] Na realidade,
'1 1
1 vadores individualizados da ordem, que, assim, são os verdadeiros trata-se somente de empregar ao máximo o conhecimento do
1 heróis da transmissão. A segunda identificação com as engrena- ",gosto", dos ?~se;os e ,das necessidades, do comportamento, para
I
gens de uma grande organização possibilita, por outro lado, a fms empresanais e políticos (COLETIVODE AUTORES," 1985 p.
I aceitação da própria situação, que estruturalmente é a mesma 123 e 128). ' ,
(BUSELMEIER,K., 1974, p. 136-7).
I \,Oc()r:re, entretanto, que jornais efetivamente colaboram com \
ii' Essas exemplificações do mecanismo desenvolvido nas produções .3.__formação de opinião.' É incorreto dizer que eles somente li
mediais do sistema imaginário. não são diferentes das produzidas reforçam: em alguns sentidos e em casos muito específicos eles
1I pelo jornalismo, enquanto matriz de produção. exercem uma ação verdadeiramente condutora:
f
O sentimento de "saber das coisas", a aparência do estar in- De acordo com resultados de pesquisas em comunicação de mas-.
,:1
formado, e de ter realmente uma ação no mundo não de todo con- sas, os leit~res são ~el.:tivamen~~ fáceis de ser influenciados, em \.
I
1I
formista corresponde à necessidade, no que se refere à informação, sua formaçao de opimao, por fatos" aparentemente irrefutáveis lI)
II em áreas em que eles têm pouco conhecimento prévio e poucas "
de participar,. mesmo que de forma aparente, da resolução das
questões sociais. É necessário que O leitor acredite que está rom- possibilidades de submetê-Ias à prova (GLOTZ & LANGENBUCHER,/"
1969, p. 167).
pendo com a aceitação passiva de tudo, com a mera submissão aos
homens e às instituições.
A semelhante constatação chega NoeIle-Neumann:
Para o leitor do "jornal Bild" a oferta informativa do jornal signi- Pessoas com pouca autoconsciência são mais facilmente influen-
fica um ponto firme em um mundo que escapa da conceituação ciáveis do que pessoas com elevada autoconsciência; opiniões sobre

Cfl,," ----._----- ._- ------------, ---------


22

'pesso(/s são mais facilmente modificáveis do que sobre tatos; argu-


mentos emocionais com indicações simples, diretas, de ações têm
mais efeito do que argumentos racionais [ ... ]. É correto que
existe uma tendência de conservar posições por meio da obser-
vação seletiva. Contudo, quanto mais limitada for a percepção
- por meio da consonância do relato ou do comentário - tanto
mais podem ser influenciadas ou modificadas as opiniões por
intermédio dos meios de comunicação de massa (NOELLE-NEU-
MANN, 1973, p. 67-112; NOELLE-NEUMANN& SCHULTZ, 1971, 11
p. 326 et seqs.).
\~A consonância das diferentes mensagens, complementa Prokop,
Uimita a seletividade do receptor por princípio. Além disso, deve-se
IMPRENSA E ESTRUTURAÇÃO
considerar que no efeito dos meios de comunicação de massa já ECONÔMICA DA SOCIEDADE
existe, antes de mais nada, uma tendência à consonância. Os meios
de comunicação assinalam uma opinião de maioria. Consonância
significa a falta de alternativas e, com isso, um reforço, uma con-
firmação de certas tendências na consciência do público (PROKOP,
1979, p. 151). o leitor torna-se um objeto do mercado que paga até
mesmo pelo papel no qual ele é embrulhado.
Dessa maneira, portanto, pode-se imputar aos produtos da indús- PROSPEKT- T AGESZEITUNG
tria informativa da consciência efeitos específicos no que se refere
à produção de comportamentos e posicionamentos políticos. Em-
bora observe-se uma capacidade muito pequena para que esses meios
de comunicação realmente alterem opiniões consonantes com o 1. O caráter de mercadoria da informação
status quo, não se pode negar que eles tenham papel importante
na formação de opiniões adaptadas às argumentações particularistas i
e classistas que são emitidas por seus veículos. A ideologia cons- o saber tradicional
trói-se todos os dias, e nessa permanente reconstrução o papel do Friedrich Geyrhofer investiga a função da informação na so-
jornal é o de um dos seus melhores artífices. ciedade atual a partir de sua comparação com outras formas de
transmissão cultural.
A Igreja e a universidade dão, ainda hoje, um quadro de como o
saber era administrado como um mistério e tido como um privi-
légio dos "iniciados". O catedrático era tão "iniciado" no seu con-
curso como o sacerdote católico, e a aula expositiva é - como
diz Horkheimer - a forma secularizada do sermão. [ ... ] O saber
aqui é qualificado somente pelo seu possuidor, oficialmente apro-
vado. O sacerdote e o professor sabem algo que é, em princípio,
inacessível aos estudantes e aos leigos. Não é o conteúdo do saber,
mas a autoridade do sabedor que o define (GEYRHOFER, 1973,
p. 44-6).

o caráter do conhecimento e o de sua transmissão são aqui


completamente distintos do da informação jornalística. Do conjunto
de fatos e noções socialmente disseminados, o jornalismo isola os
conhecimentos de outra natureza, como os mitológicos, religiosos e
: I
metafísicos. Para o jornal, trata-se de separar a informação prática

I
I

~f .2.·.
24 25

ou seja, vendável, facilmente assimilável - do conjunto mais derivado do saber. Saber não-socializado, saber secreto, saber usado
amplo de fatos e dados culturais. OJBEl1~lismo trabalha COlJl o como arma. Oposto a tudo isso, funciona o processo de informação
direito, () imediato, o rápido. Nessa perspectiva, ele distingue valo- jornalística. Nãó se trata de poder ou de monopólio secreto de
rativamente aquilo que pode ser facilmente disseminável no público fatos, mas, ao contrário, de sua publicidade., Mesmo que os jornais
e absorvível pelo mesmo. Totalmente distinto, portanto, é o caráter desvendem segredos militares ou escândalos públicos, esse desvendar
do saber hierarquizado e sacralizado. desnuda a informação secreta e suprime-lhe o poder, na medida
em que o fato é devassado. A..Jl.llblicidadedo fato subtrai o con-
O professor universitário destaca, na sua preleção, sua suposta
teúdo de poder da inforrnaçâo-, éfeminclar um escândalo público
/ autoridade: ele professa. O jornalista, ao contrário, entrega seu
saber por inteiro: ele informa (GEYRHOFER, 1973, p. 44-6). vende o jornal, mas não lhe transfere o poder. Nesse caso, o poder
associado ao controle da informação esvai-se pela perda do caráter
Junto ao saber transmitido reservadamente dos seus possuidores fechado, acessível somente a iniciados da informação não-jornalís-
socialmente confirmados, estes detêm também uma parcela de poder. tica.
Informação .significatambémpo{ler~:Teiio-l ogO com sua utilização
estªQimplícitas relações de dominação. A autoridade do sacerdote,
do catedrático, do profeta, do feiticeiro está na sua propriedade do
Valor de uso e valor de troca da notícia
saber. O saber aqui é negociado e serve como moeda para a Assim como uma roupa que se pode adquirir em uma loja,
ascensão na escala hierárquica da sociedade. Os escribas no mundo assim como uma fruta que se pode obter em uma quitanda, também
antigo ocupavam um posto privilegiado porque somente eles mo- notícias podem ser compradas. Elas não são somente produtos,
nopolizavam a capacidade de registrare de saber. Só era transmi- como supõe a acepção mais ingênua. Elas são, de fato, "a forma
tido o que interessava às elites que os sustentavam. A "queima de elementar da riqueza no capitalismo" (Marx ) ; são mercadorias.
arquivos" que se executa nos ambientes políticos, financeiros ou São produzidas para um mercado real e encerram em si a dupla
policiais não difere em nada de liquidações sumárias dos "mais dimensão da mercadoria: o valor de uso e o valor de troca. Ao
informados", em sociedades antigas. Trata-se do mesmo fenômeno: passar por uma banca de jornais, o indivíduo pode ser atraído para
o uso do conhecimento como form_a_cle poder,de distinção, de a aquisição de um periódico por força das promessas de satisfação
dominação e opressão. Assim, os "intelec:üiais" .do passado mani- de necessidades ou interesses que essa mercadoria contém. Da
pulavam o conhecimento como os do presente. Os serviços secretos mesma forma que uma roupa, um alimento, um objeto de uso
de informação dos governos operam a informação com fins políticos pessoal, também o jornal é produzido para a venda. Uma infor-
e ideológicos e são os representantes modernos dos "olhos e ouvidos mação pura e simples não é mercadoria. Para tanto é preciso que
do rei". A informação aqui não é jornalismo, não é venda, não é era seja transformada em notícia. Um acidente só vira notícia se
mercadoria. Ê valor, é poder, é status incorporado. Esta infor- nele estiver envolvido alguém, que o jornal pretenda destacar, con-
mação, como o domínio pelo feiticeiro da receita para a cura, forme suas intenções, positiva ou negativamente. O jornal, então,
representa um monopólio, como o é o da fórmula industrial dos cria, a partir da matéria-prima informação, a mercadoria notícia,
atuais conglomerados farmacêuticos. Tais informações são rouba-
expondo-a à venda (por meio da manchete) de forma atraente.
das, por elas são cometidos assassinatos e governos caem; no fim,
Sem esses artifícios a mercadoria não vende, seu valor de .troca
elas permanecem secretas. O poder que as envolve, como uma au-
não se realiza.
réola, acompanha aquele que as conquista. Em menor escala o
saber do sacerdote e do catedrático são conhecimentos emoldurados Para o comprador, o valor de uso realiza-se na aquisição do
de poderes. Essas informações são tanto mais importantes quanto jornal. Lá ele vai buscar a satisfação do desejo que o fez comprar
mais seu caráter estiver próximo ao princípio dominante na socie- o periódico. Com a leitura ocorre o uso; ao leitor, uma vez absor-
dade. Hoje as informações secretas sobre ogivas nucleares e áreas vida a informação, o veículo impresso (material) não mais inte-
de estacionamento de foguetes atômicos são, sem dúvida, incompa- ressa. A mercadoria notícia é uma das mais rapidamente perecíveis.
ráveis às informações antigas sobre segredos da alquimia ou dos Aceleradamente cai seu valor de uso. Para o editor do jornal (assim
entrepostos escondidos das mercadorias exóticas no mercantilismo. como para o dono da loja de roupas, o feirante etc.) sua mercadoria
Em ambos os casos, contudo, manipula-se com o poder, o poder tem importância somente enquanto meio para obter dinheiro. O

"'11--'
26 27
'l
jornal para ele não serve para se ilustrar, mas para aumento de seu o valor de uso não é somente a notícia, a informação, assim
i, capital. A sua perspectiva, portanto, é completamente diferente. No ~omo o valor de troca não é somente a compra. As duas esferas
I, I,
mesmo objeto ele 'Vê um interesse distinto em todos os sentidos interpenetram-se.
daquele do comprador. Para o editor, o valor da mercadoria se
~esmo os. anúncios podem, com subvenções encobertas, ter obje-
realiza na troca; é esta que garante a sobrevivência de sua empresa. tivos ocasionalmente não comerciais. [, .. ] Os procedimentos da

, É claro, que, além dessas considerações puramente econômicas


("ao proprietário do jornal só interessa a venda de sua mercado-
ria"), há, implicações de outra natureza e, em relação ao jornal
particularmente,
mercadoriasj
de ordem política e ideológica.' Mas todas'as
enão somente o jornal) veiculam também ldeowgía;
política parlamentar são precisamente adaptados aos mecanismos
da economia de troca: os partidos compram o voto do eleitor
pelo preço da prestação de serviço, a cédula eleitoral é a moeda
da democracia (GEYRHOFER,1973, p. 44-6).

Nesse sentido, já não se pode dizer que haja uma separação nitida
no-jornal isso aparece mais claramente. Essas considerações não são'
secundárias. Elas, contudo, não negam que a sobrevivência eco- entre o caráter de uso do informe jornalístico, ou seja, o caráter
nômica é de terminante (e, portanto, decisiva) na vida da empresa não-econômico do político, assim como do caráter de troca da
jornalística. mercadoria jornal, ou seja, o caráter não-político do econômico.
Temos, assim, em primeiro lugar, que no capitalismo o valor Explicando melhor: a política é também posta no mercado, também
; : de troca realiza-se com a obtenção do dinheiro: o valor de uso da é mercantilizada, também oscila segundo variações puramente eco-
mercadoria notícia é, para o editor - em última instância - so- nômico-mercadológicas. Dentro da mesma filosofia da "liberdade
mente meio para a realização do seu valor de troca. ~o consumidor", apregoada com tanta astúcia pelos ideólogos do
Em segundo lugar, há que se considerar a dupla "clientela" do " SIstema, segundo a qual a grande vantagem do mundo capitalista
comerciante de informações. é a de que "todos têm a mesma liberdade completa de escolher o
,f·
i. que mais lhes convier", da mesma forma que se "vende" a mercado-
O editor não vende seu produto jornal somente ao leitor; ao 't( ria política, vende-se a ilusão de que a quantidade e a variedade de
mesmo tempo, ele vende espaço publicitário aos promotores da ),
"ofertas" cobrem todo o leque democrático da sociedade. A ilusão
J publicidade (CoLETIVODE AUTORES... , 1984, p. 49).
instaura-se nos dois níveis: nem o consumidor manda nadano ato'
I ~. i
de consumir - ele está cada vez mais subordinado à ditadura dos
Ele colocará sua mercadoria, então, em "dois diferentes mercados",
monopólios (BARAN & SWEEZY, 1966) -, nem o eleitor tem real
que na verdade não passam de um só: o comprador do espaço
chance de decidir sobre qualquer coisa nó processo eleitoral. A
publicitário estará visando ao mesmo público, à faixa de leitores
venda de candidatos à presidência da República nos Estados Unidos
do jornal à qual ele pretende ter acesso.
e sua construção segundo parâmetros puramente mercadológicos
Há mais de cinqüenta anos Karl Bücher já desmascarava esse
(ZIEGLER, 1982, p. 21) confere à ação de votar papel idêntico ao
caráter do jornalismo, quando dizia que
!'I da ação de comprar. O povo compra um presidente pagando com a
I em qualquer imprensa, o jornal tem caráter de uma empresa, que moeda voto e espera "usar" seu produto obtendo o cumprimento
produz espaço publicitário como mercadoria vendável somente das promessas que a mercadoria lhe faz, uma vez exposta na loja.
por meio de uma parte noticiosa (BÜCHER, 1926, p. 21; v. tam- ~e forma análoga eu "pago" a assistência de um telejornal na tele-
bém p. 104, 162, 201 e 405). VIsão com a moeda "audiência". Presidente da República e jorna-
lismo são duas mercadorias que adquiro via televisão dentro de
A parte redacional, portanto, deve ser afinada conteudistica-
minha casa. Em nada difere da aquisição de uma dúzia' de bananas
mente de acordo com o espaço publicitário; o público não deve
na feira ou de um casaco no magazine. Essas operações tornam-se
diminuir, pois este é o principal argumento de vendas do editor aos
anunciantes, e é ele que é oferecido corno potencial de compra. ainda mais próximas por meio dos processos de compras com TV
por cabo. O que varia simplesmente é o meio de pagamento; numa
Teoricamente, o tamanho ideal da parte noticiosa é, para o editor sociedade de mercantilização total da vida, a aquisição generalizada
(diferentemente do que para o leitor), igual a zero; isso quer dizer c de todas as categorias de bens exige várias formas de pagamento.
praticamente que o editor, astuto em negócios, não mede a exten-
, são da matéria redacional pelo volume dos acontecimentos, mas As relações de troca transcenderam o mercado do modo de pro-
r
I
:
'
pelo dos anúncios (GROTH, 1930, p. 456). dução mercantilista para penetrar em todas as esferas da vida do
-.".'-'._'._.. I

28 29

capitalismo tardio no período de trabalho e de não-trabalho, quer com a devida observação da determinação do valor de troca sobre
sejam elas econômicas, políticas ou .ideológico-culturais, o valor de uso.
O jornal é, portanto, a um só tempo portador de informação A questão, contudo, não termina aí. A insuficiência da análise
e opiniões, por um lado, e portador de publicidade, por outro. Tal de Geyrhofer e de muitos teóricos do jornalismo como mercadoria
"duplo caráter" aparece não somente no volume da parte redacional é constatada quando eles explicam insatisfatoriamente o problema
mas, ao mesmo tempo, do sensacionalismo: todgS.9S.j.o:r:nais são,. uns mais outros menos,
sensacionalistas. Nenhum foge dessa determinação. Isso porque
o texto transforma-se, significativamente, em um espaço redacio-
transformar um fato em notícia não é o mesmo que reproduzir
nal para colaborações gratuitas de public relations dos publicitá-
singelamente o que ocorreu. Transformar um fato em notícia é
I
I:
i~
I
rios. [ ... ] As rep'ortagens e os relatos aparentemente objetivos e
independentes fazem publicidade para produtos dos clientes de
anúncios. [ ... ] A parte redacional funciona como apoio de vendas
também alterá-lo, dirigi-lo, mutilá-lo. Para Geyrhofer, "o caráter
de mercadoria da informação encontra-se na sua natureza e não
do espaço publicitário (COLETrvODE AUTORES... , 1984, p. 91-2). somente no seu aproveitamento comercial" (GEYRHOFER, 1973,
p. 44-6). Com efeito, a própria produção da notícia significa a
,
Informações aqui confundem-se com publicidade e ganham maior adaptação do fato social a alguma coisa mais rentável. Ele não só é
lil!
penetração, porque, disfarçadas, são tratadas como dados "neutros". embelezado, limpado, pintado de novo, como ocorre com outras
Paralelamente, a valorização do espaço publicitário nos jornais mercadorias na prateleira para atrair a atenção do comprador; o fato
funciona conforme sua posição em relação às notícias e sua impor- social ,aqui .é também acirrado, exagerado, forçado. De qualquer
, , tância. maneira, mudado para vender. E exatamente esse aspecto que foge

I> 11'
-, r
:\
A eficácia dos anúncios diminui de forma manifesta com o pro-
\ gres~i~o distan~iamento da parte redaci~n~l; os proll!0tores da
das análises costumeiras feitas sobre o jornalismo sob esse ponto de
vista. Semelhante às outras mercadorias, também no jornalismo o
I' valor de uso não se vende enquanto tal, mas como "aparência
i ..1 publicidade estao prontos a pagar a proximidade espacial de seus do valor de uso":
'\ anúncios, em relação à parte redacional, com consideráveis au-
xmentos (COLETIVODE AUTORES... , 1984, p. 72). Da contradição entre o valor de uso e o valor de troca, realizada
separadamente nas pessoas, resulta uma tendência que leva o
Isso conduz a uma inter-relação íntima entre informação e publi- corpo da mercadoria, a sua forma de uso, a sofrer sempre novas
cidade, com a clara dominância da última. A publicidade induz o alterações. A partir daí tem origem em toda a produção de mer-
li di conteúdo. cadorias uma duplicidade: em primeiro lugar, o valor de uso; em
I: 1,1

I segundo, e de forma particular, a manifestação do valor de uso.


As relações internas do leitor com os conteúdos redacionais fazem Isso porque até à venda, com a qual a perspectiva do valor de
parte de um contexto, com freqüência espacial e temporalmente troca atinge seu objetivo, o valor de uso tem tendencialmente
il estreito, da recepção das mensagens publicitárias, contidas em um um papel somente como aparência. 'É o estético no sentido mais
I: veículo. Resulta por isso, também, que uma ligação do leitor a amplo: a manifestação sensível e o sentido do valor de uso sepa-
uma matéria jornaIística específica influencia positiva ou negativa- rarn-se aqui do objeto (HAUG, 1972, p. 14).
!:I mente o êxito publicitário de determinados anúncios. Um efeito
favorável se dá, por exemplo, quando na parte redacional das Conforme a determinação mercadológica, também para a mer-
revistas de moda são apresentados modelos iguais ou semelhantes
cadoria informação e opinião é preciso a realização do maior valor
II aos dos anúncios, ou quando, em periódicos especializados, são
de troca possível sob o mínimo custo. Para isso o valor de uso
tratados problemas análogos nas partes de notícia e de publicidade .
. .\ ,'Ao contrário, reduz-se a eficácia publicitária por meio da leitura
~ e) de artigos específicos quando os textos jornaIísticos estão em con- deve ser tão escasso que a procura por novas mercadorias perma-
neça constante e, se possível, até mesmo aumente. Isso significa
'"tradição com os conteúdos dos anúncios (GÜNTHER,S. d.).
[ ... J que as necessidades de informação devem ou ser satisfeitas
só aparentemente ou só a curto prazo, para que a demanda se
Inversamente, a dimensão econômica impõe também normas polí- mantenha. [ ... J Quanto menor for o valor de uso real para o
ticas. A supressão do anúncio e das verbas publicitárias em jornais leitor, tanto mais se faz necessária a produção de uma "manifes-
define uma posição política clara em relação à determinação eco- tação do valor de uso" - aparência do valor de uso (COLETIVO
nômica na sociedade capitalista. Assim, os valores se interpenetram DE AUTORES... , 1984, p. 110).

~
:,"1'

30 31

Para mim, a aparência de valor de uso no jornalismo leva-o pouco um "aristocrata", mas sim pela aparência, pela demonstração
necessariamente a "sensacionalizar" a vida política, econômica e de statusassociada a isso. O mesmo ocorre com o carro. O valor
social de determinada formação histórica. O que caracteriza o associado ao carro está menos na potência, nas qualidades técnicas
jor?alisw...9~_~º_ é somente, vender fatos e acontecimentos (qüe e de uso do que na aparência de luxo, de prepotência, de "poder".
senafi?JJ.\uamente o valor de uso da informação), mas, ao transfor- O que se explora não é mais o produto mas sim características abs-
riia:Tos em mercadoria, explorar e vender a sua aparência, o seu tratas como "distinção", "alta classe", "bom gosto" (COSTA, 1974,
impacto, o caráter explosivo associado ao fato. Isso constrói a sua p. 138 et seqs.) e todas as formas de excepcionalidade e fuga do
"aparê?cia de valor de uso". Essa dimensão permaneceu totalmente cotidiano depressivo. Não obstante, embora um automóvel, um casa-
esquecida em Marx, embora ele tenha criado o conceito de "feti-
i
co ou uma bebida não transmitam a relação social que está por trás
chismo da mercadoria", segundo o qual a mercadoria assume diante de sua produção, sejam puros fetiches e dotados de "vida própria",
de seu produtor, o homem, um caráter gJgrnal, arevista podem deixar passar os conflitos internos de sua
produção: na análise do jornal liberal podem-se encontrar em uma
estranho, cheio de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas mesma página pontos de vista conflitantes sobre determinado assunto
e que (MIRANDA, 1978, p. 81-96). A luta de classes reproduz-se no
produto; as páginas do jornal e da revista, como realidades "dialé-
I além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as ticas' e não-monolíticas de produção de significados, reinscrevem
I outras mercadorias e expande as idéias fixas na sua cabeça de conflitos reais entre empregadores e empregados da empresa. O
madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por ini- jornal, portanto, embora produto-mercadoria capitalista, pode, mais
I
Ii
ciativa própria (MARX, 1971, p. 79-80).

Apesar de taisconstatações do caráter "humanizado", "de vida


do que as demais mercadorias, não produzidas para a "indústria de
consciência", quebrar, se bem que parcialmente, o monolitismo da
~! fetiche-mercadoria da sociedade capitalista.
11 própria" que assumem as produções e criações humanas diante dos
homens, o sentido do uso da mercadoria perdeu-se de vista em Para Walter Benjamin "as marcas do narrador prendem-se ao
Marx. conto como as marcas das mãos do ceramista prendem-se ao vaso
Marx subestimava, na sua análise da mercadoria, a importância de cerâmica" (BENJAMIN, 1961). Assim o era, ainda na expressão
do valor de us~: I Para de as determinações econômicas principais de Geyrhofer, a transmissão do saber no passado pelos professores
estavam em torno do valor de troca, que, com razão, representava e sacerdotes, a transmissão de conhecimentos mitológicos, físicos e
o modo de ordenação da sociedade burguesa. metafísicos. Em todas essas formas o transmissor não se neutraliza
na emissão, não desaparece como ocorre quando "as características
Ao não submeter radicalmente o valor de uso a essa lógica de subjetivas dos contraentes da troca abstraem-se completamente na
equivalência, ao manter o valor de uso no "incomparável", a trooa de mercadorias" (GEYRHOFER, 1973, p. 446). Esse é o caso
análise marxista contribui para a mitologia (verdadeira "mística"
do jornalismo, transmissor de conhecimentos aplicado à realidade
racionalista), que faz passar a relação do indivíduo com os obje-
tos, concebidos como valor de uso, por uma relação concreta e histórica dominada pelo mercado, e na qual este permeia todas as
objetiva, "natural", em suma, entre a necessidade própria do atividades sociais, não apenas as puramente econômicas.
homem e a função própria do objeto - em vez da relação "alie- Jornalismo significa, portanto, informação (como notícia) com
nada", reificada, abstrata, que ele teria comos produtos do valor tênue vinculação com seu produtor ou emissor: objeto de compra e
de trocar, haveria aqui, no uso, como que uma esfera concreta da
venda em um mercado em que não se sabe como, por que, de
relação privada, em oposição à esfera social e abstrata do mer-
cado (BAUDRILLARD, s.d., p. 166). onde ou para onde vai. Mercadoria pura e simples, matéria solta
e universal, como as demais mercadorias, fato social sem história e
Da perspectiva do valor de uso, contudo, existe também toda com reduzida ação no presente, reduzida inter-relação entre criador
uma mística na utilização da mercadoria, e é exatamente disso que e receptor, reduzidas proposta e colaboração para uma transfor-
se aproveita toda a indústria moderna de publicidade. N-ª-º se mação individual ou coletiva: alimento simbólico para a mente. Na
compra uma mercadoria pelo que ela é, mas sim pelo status "ela a produção da notícia, no tratamento dos acontecimentos, o que se "".
i associado: o fato de um pequeno-burguês comprar um uísque riã~ vende. é a aparência do valor de uso. A manchete, o destaque, a
,I se dá por ser o comprador um escocês de tradição secular, tam- atratividade são o chamariz da mercadoria jornal. Cornovalor de

I
._----------------_.

32
33

uso, ela seria árida e sem graça, como no Diário Oficial. Este, produzir esse tipo de imprensa. A mercantilização da informação,
entretanto, não é jornalismo, mas um veículo de notificação oficial. seu d?plo caráter, a aparencia do valor de uso são peças-chave na
Jornalismo, ao contrário, trabalha o fato e constrói, a partir dele, organização c~pitalista_da atividade econômica e da sua perpetuação.
um' outro mundo, A revolução que significou para o jornalismo a Ora, _uma sociedade nao estruturada sob as bases de exploração do
introdução' da reportagem, do artigo de fundo e de todas as formas

I
~ucro .e do trabalh<;> assalariado levaria, em tese, a um tipo de
desenvolvidas de tratar as notícias pode ser vista, então, como -ª.Rrl- Jor~ah,sI?-0 .menos ahenador e menos manipulador. Ocorre que esse
moramento da "embalagem da mercadoria" com o objetivo de tor- raciocmio ignora que a informação veiculada publicamente e assim
ná-Ia m-ais atraente. .
~xplo~a~a encerra em si - em decorrência mesmo do seu tratamento
A "nova apresentação periódica" da aparência do valor de uso, Jor~alíst:co :- uma inseparável função manipulativa. A m anipu-
i a agilidade -formal, o colorido, a diversidade ("compaginação laçao nao e apenas fruto do ato premeditado intencional. A
moderna", mais fatos, papel espelhado, novas cores, novos tipos ~a?ipulação é parte integrante, necessária, da transmissão jorna-
gráficos, suplementos coloridos, "comunicados de todo o mundo" hstIca:
I e "informes exclusivos", mais páginas, "o mais novo", "o mais
sensacional" etc.) servem somente ao objetivo de realizar o valor Manipula-se claramente em qualquer forma de redigir, de for-
de troca em forma de dinheiro sem melhorar o valor de uso ~ular, ~e es~olher e _de acentua.r as notícias. [ ... ] Dentro da
para o leitor (COLETIVODE AUTORES... , 1984, p. 111). Iíngua .n~o ha .separaça? en~re a informação objetiva e a tomada
Os críticos de Pulitzer acusam-no de algo desfavorável ao seu de posrçao subjetiva; ate o Informar mais cuidadoso muda o con-
mérito. Ele reviveu, segundo dizem, o sensacionalismo que marcou teúdo da emissão (GEYRHOFER,1973, p. 44-6).
os primeiros jornais populares da época da imprensa de um
penny, em 1830 [ ... ]. A resposta de '\Pulitzer era a de que as N~sse sentido, a possi?ilidade efetiv~ de um jornalismo não-manipu-
histórias de sensação e de interesse humano eram necessárias para latl~o, uma v~z. ro~pIdas as determinações mercadológicas da pro-
se conseguir uma grande circulação que, uma vez alcançada, cria- d.uç~o de ~otlc:as, e tot.almente utópica. Os jornais nos países so-
ria uma sadia opinião induzindo os leitores para as colunas edito- cialistas nao / sao,. por ISSO, menos manipuladores. O que muda,
riais e para o noticiário sobre os negócios públicos (EMERY, 1965,
nesse caso, e o tipo de manipulação. Os destaques que se vêem
p. 410).
nas manchetes do Neues Deutschland, da Alemanha Oriental são
Nesse período, portanto, já não se tratava de produzir jornais para ta~bém sensaci?nais em sentido amplo e necessariamente ma~ipu-
influir no debate público de idéias políticas (a ser visto no pró- lativos na. concelt~açã? d.a?a acima .. Libe~tar-se da forma capitalista
.,0\
--.-.; ximo capítulo); a imprensa, à medida que vai se transformando em de faz~r jornal na? s:!?illlfI.cafazer jornalismo objetivo e imparcial.
grande empresa capitalista, acompanhando o movimento geral da Este nao existe; significa, isto sim, valorizar diferentemente e se-
atividade econômica em direção ao modo capitalista de organizar a gundo ou~os_ critérios a divulgação de notícias. A mudança da
produção, tende cada vez mais a trabalhar seu produto segundo as forma capitalista de fazer jornalismo está mais no tratamento da
imposições da estética da mercadoria. Jornais de massa devem matéria. N? enfoq.ue; na valorização dos componentes da notícia,
tornar-se sensacionalistas para justificar, por meio de grande ven- ~a p~~spe,:tlVa subJetIv~ de aproveitamento do fato, que conduz à
dagem, o alto investimento de capital (EMERY, 1965, capo 17 a 20). identificação com o leitor e à quebra de relação coisificada entre
produtor e receptor de notícias,em suma, à produção de vínculos
solidá~ios. Essa forma de jornalismo apóia-se, assim, na forma
Imprensa e capitalismo essenclal~ente d.iferen~e de manipulação, valorizada em propostas
Aceitando-se a afirmação anterior de Geyrhofer, de que o ca- opostas as de onentaçao burguesa, comum aos diretores e proprie-
ráter de mercadoria da informação encontra-se na sua natureza e tários de jornal (ver capítulo V).
não somente no seu aproveitamento comercial, vai-se chegar à
constatação da "ilusão que é ter esperanças em um jornalismo
Marketing no jornalismo
rigorosamente objéiivo, uma vez libertado das exigências capitalis-
tas" (GEYRHOFER; 1973, p. 44-6). No jornalismo, bem como nas demais atividades econorrucas
A crítica que se faz ao jornalismo feito sob condições capita- e até mesmo na relação política de um sujeito ou de uma instituição
listas é a de que é da essência do modo de produção capitalista com seu meio, há sempre duas formas de se atuar sobre um

._- ----- ----- --------- -----


, 1

I 34
35

público receptor, uma clientela, um~ massa. Ou r01~p~ndo o ~ó- distinguem-se, em relação aos receptores (leitores, público etc.),
digo convencional do receptor, ques~onan~o dua:poslçoesanteno- duas visões de mundo opostas.
res introduzindo a dúvida, a reflexão, a inovaçao, ou atuando de A mercadologia no jornalismo trabalha no sentido de encarar
acordo e em consonância com as regras estabelecidas, com as ex- a notícia como uma mercadoria simples e vendê-Ia da mesma forma

I
pectativasconhecidas, com os padrões amplamente e.sperados., .No que são vendidas outras mercadorias na sociedade. AqlliL o valor
jornalismo, o primeiro tipo refere:s.e à atuação ar~opda e crínca, de uso reclama por sua independência: os bens culturais e políticos
construtora de opinião, atuante politicamente e inspirada nas formas nãó. são simplesmente mercantilizáveis, como automóveis e sabone-
de uso da imprensa como veículo de questionamento de valores, de tes." A dimensão política transcende o universo reduzido e fechado
promoção de novas idéias ~, .aci~a de ~~do, de "salto para fren~e" das estratégias de marketing: 'estas jamais captarão as dimensões
de seu público, de sua partícipaçao pohÍlca: ~ segunda for~a e a imprevistas, desconhecidas, explosivas, não-calculadas, "inacreditá-
do marketing jornalístico. Enquanto a pnmeira a~ança alem do veis" das massas. É por isso, também, que a expressão "marketing
conhecido, ousa lançar-se em busca de novas relaçoes e de trans- político" é errada, ou, pelo menos, irrealizável: a política, pela sua
formação, a segunda é confirmação do dado e do esperado. imprevisibilidade, não é disciplinável pelas estratégias de marketing:
I As conseqüên,cias políticas e ideológicas são igualmente anta- independente de todos os estudos de opinião, as pesquisas e enque-
I,
gônicás: no primeiro caso, o receptor "estranha", e~tra em contato tes sobre manifestação eleitoral, o amplo espaço dedicado às "sur-
com temas, propostas e opiniões novas, desconhecldas de. seu re- presas" pós-eleitorais confirma sempre que o instrumental mercado-
lógico só capta o óbvio e o racional. A ação e o comportamento
1 pertórioe vê seu u~i~e~so "ameaçado". Essa forma, P?r ~glr cont:a
o estabelecido e oftçlahzado, gera msegurança, e a pnmelra reaçao político, entretanto, são irracionais e imprevisíveis.
,! pode ser a de rejeição.' As vangúarda~ ar:í~ticas, _as inovações cul- Do ponto de vista empresarial, justifica-se o marketing jorna-
Iístíco através do fato de ele servir para se obter uma maior pre-
turais, as propostas políticas "revoluclOn~nas" sao em S.l um ~le-
i' visibilidade e, a longo prazo, garantir o direcionamento das neces-
mento gerador de crise: questionando o universo estabelecldo e fixo,
trazem a insegurança e o medo. (A moda, emb,~ra_prop~nha ?:o- sidades. O "gosto do público", descoberto por meio de um instru-
delos "contra o estabelecido e o convencionado nao se ldent1~lCa rp.ental técnico sofisticado e de especialistas em pesquisas de opinião,
j com os casos de arte, vanguardas culturais, intel~,::tu~is ou políhC~S e, neste caso, um elemento que passa a entrar nos cálculos empresa-
porque sua ruptura não atua no nível da conSClenCla - da _açao r~ais. O marketing investe nessa pesquisa e na atividade publicitária,
visando, como não poderia deixar de ser, uma maior possibilidade
! i prática e social - mas no nível do consumo.
trata de "estratégia mercadológica"
D~ fato, .nao se
no segundo sentido aqui apon-
tado, que vai buscar no convencionado os mod~los ?e produtos; a
de venda. Como empresa, a indústria jornalística não poderia al-
mejar outra meta senão a de aumentar seus lucros. O que preocupa,
"ousadia" da indústria da moda, não obstante, e vazia pelo. fato de não obstante, é a repercussão política da orientação da imprensa
não interferir na vida prática e política dos sujeitos revolucionando para tal atividade.
I sua visão de mundo, mas apenas referindo-se à di~ensão ~a ~up,~r-
fície, aparentando mudanças que não passam de permanenclas.)
A orientação para o "gosto do público" supõe uma submissão
às suas posições ideológicas e políticas, assimiladas acriticamente,
A primeira reação do receptor às comunicações do pri~eiro trabalhando-se sobre elas. Dispensa-se, portanto, pelo menos nesse
tipo, as que propõem "rupturas", é a de defesa ~d~fesa ate d~s plano, qualquer intervenção da imprensa para a transformação e
valores tradicionais, tanto na esquerda quanto na dIrelta)._ A,"~~,~~- o questionamento da opinião pública, tida como, em si, correta.
rpi!l;ls:ão dessa_~rey'Ql\l~õesé ;nQros~, mas, em .coI?P~~saçao, efl!tl- (Ora, esse raciocínio é falacioso: há de fato uma intervenção na
vamente transformadora. Há um salto quahtattv?, na medida opinião e no posicionamento do público, porque a imprensa é
em que "se rompe 'lima estrutur~anterior e. o SUjel.to com~ça _a veículo formador de opinião e de comportamentos: a longo prazo,
repensar e a reestruturar seu amblen~e e sua. vida. Çna~-~e ai nao os jornais - todos -,- por defenderem interesses particularistas e
apenas adeptos, mas convictos. Isso e o .que ínteressa P?ht1camen.te. setorizados, influem em realidade na' orientação política da socie-
Oposta mente, a segunda forma, por se fixar no que ~sta conve~~lO- dade; não são, de forma alguma, neutros. São veículos de mani-
nado, não provoca nenhuma ruptura, nenhuma. cnse no SUj~ltO; festação de facções políticas, grupos econômicos e poderes militares,
apenas confirmando o ,que sempre foi est~be!ecldo., A _ ades~~ e religiosos e sociais. Intervêm, portanto, de fato. A neutralidade
circunstancial, epidérmica, frágil. Nesses dois tipos de açao política mercadológica, aí, de atender o "gosto do público", cai por terra.)
36
37

Por outro lado, "atender o gosto do público", além de ser I~so porque orientação para o marketing significa aceitar irrefle-
falso e enganoso (por encobrir uma ação realmente de formação de hda~.ente, como critério, as necessidades existentes def~rmadas
opinião), é uma política conservadora: ogosto do público, a ideo- pela instrução deficiente, pelas preocupações, no trabalho pelo es-
logia do público, seu comportamento não têm nada de "sagrado" timulo ao consumo de publicidade etc. (COLETIVO DE AU';ORES
1984, p. 116). .. ,. "
que deva ser - nem nessa acepção ideológica - respeitado. Ao
contrário, a submissão das massas aos populistas, líderes carismá-
ticos, suas formas de votar em corruptos e de "consentir" com tudo Em sín~e~e, a orientaç~o mercadológica no jornalismo (como
em outras atividades culturais e políticas) significa praticamente um
isso mais demonstra seu caráter retrógrado. Por que então re-
puro "~orre: .a!rás do que está na moda" (se possível, até mesmo
forçar essas posições? Não existiria aí uma política nitidamente
produzir artIfICIalmente ~ moda). D~ ponto de vista teórico e polí-
conservadora de manter as massas na sua inconsciência?
tlCO~tr.ata-~e ?e,oportulllsmo e populísmo. A massa de receptores,
·-íÂ~~!ratég.i'a. mercadológica, aperfeiçoa o. .próprio ..sistema de o pubhc~ indistinto que ~omp:a diariamente de duzentos a quatro-
. 'dominaçaó, na medida em que. domestica, submete as aspirações centos mil exemplares de jornais, ou semanalmente até seiscentos mil
popularesaos seus modelos predeterminados de satisfação econ-. ~xemt:la~es de revistas, é o que menos ganha com essa orientação
sUÍÍÍo. ,Mais além, essa prática contribui para a despolitização do jornalística,
público e, com isso, "dirige-se contra os interesses de emancipação
Cr~ticar o n:arketing jornalístico não significa, por outro lado,
e autodeterminação do cidadão" (COLETIVO DE AUTORES, .. , 1984,
deSCOnSI?e!ar, a importância do pú~lico e do consumo do bem para
p. 116).
a. sobrevivência empresarial da instituição jornalística. Não significa
A estratégia de marketing para a orientação editorial é a dizer que se deva VIver sem controlar a "voz do público", expressa
fórmula mais utilizada pela imprensa "liberal", altamente conser- no volume de exemplares comprados ou encalhados nas bancas.
vadora, nos países industrializados, Por ser mais sintonizada com a Faze: estud?s mercadol?gi.cos relativos à saída do produto é indis-
programação e as estratégias empresariais em outros setores da eco- pensável ate para a pro~fla sobrevivência do veículo. O que não
nomia, essa forma de procedimento foi assimilada pela indústria se justifica em te~~os de Imprensa é a abdicação de sua importância
jornalística como um meio de a imprensa não sucumbir às retrações como agen~~ político, em troca do noticiar insosso daquilo que todo
de compra do mercado. Para salvar a empresa, portanto, abre-se o mundo ja esperava; o seu atrelamento a ciclos modistas e a
mão do caráter político do 'veículo, tornando-o um mero repetidor exploraç~o ?estes apenas para aproveitar o momento (e com ele
de fórmulas populares, subtraindo da atividade jornalística sua di- lucra~)" indiferente a que ~ "onda" eJ? breve desapareça e seja
mensão de quebra e de transformação da realidade. O papel his- substltUlda por outra nov.a, Igualmente Inconseqüente, superficial e
tórico do jornalismo, que no século XIX foi marcado pelo espírito tr~tada .em todos os sentidos apenas pelo seu aspecto sensacional.
de luta pelos ideais e pelas idéias sociais, pela mudança da realidade, DIst.anCIar-se d~s modismos e engajar-se na atuação junto às ne-
pelo questionamento dos regimes autoritários e da sobrevivência ao cessidades do público (tanto de difusão, denúncia, publicidade dos
arbítrio e do despotismo estatal (embora associado ao espírito do fato_s, co~o de resolução real de seus problemas, de suas reivindi-
liberalismo, com todas as suas limitações e deformações ideológicas) caçoes) sao políticas opostas da imprensa.
foi, no século passado - em especial no período político-literário
- o de se constituir numa força social considerável, num veículo
Jornalismo e literatura
realizador da política.
A'-p~§.q,!!.w. mercadológica em jornalismo baseia-se no prin- Nos Compêndio: da crí~ca da economia política Marx pergunta
cípiõ'-do copy-test. É uma técnica que consiste ell1~investigar q?e se as grandes Iendasépicag nao desapareceriam necessariamente com
noticias são mais observadas perüleitor. Nesse mecanismo simplista as novas tecnologias de produção jornalística, ou melhor, se "suas
do empirismo sociológico dos pesquisadores de mercado, fica-se na condíções necessárias" não deixariam de existir. Marx aponta qllLtL
.. superfície do fenômeno, nas respostas racionalizadas pouco inten- apare~I~ento da grande imprensa de massa destruiriaas"condições
sivas. Não se investiga em profundidade o porquê da declaração, materíais rde produção dessas obras literárias. A referência, sem
--ã;;"causas que estão além do nível consciente, tampouco as aspi- dúvida, não se liga somente às técnicas, mas efetivamente à sua
rações e os interesses que vão além do que o veículo noticia. forma de apropriação do trabalho e da criação humana. Tais tipos

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'-,.1'---'-;""
j Il~ ss
~;;'-.-.:~
39

;!I de produção intelectual são, com efeito, marginalizados na produção A poesia e a literatura não se subordinam à estandardização,
I
comercial ampla do jornal. Este não tem preocupação e interesse .ª__ditadura das formas jornalísticas, à lógica da mercadoria que
pelo poético, pelo literário. O jornalismo é essencialmente mun- trabalha com o facilmente inteligível, com o direto, com o "masti-
dano. Para se afirmar como "produção independente" a lit~J;:ª.turª gado". Além do mais, e principalmente, a literatura é uma expres-
buscou formas de fuga à estandardização da linguagem imposüt.pelo· são subjetiva, um manifesto humano diante da desumanização
jornalismo. Só isso pôde garantir-lhe a sobrevivência. Não se produtiva do processo jornalístico, um traço de insubordinação e
publicam poemas em jornais; não porque poemas não sejam infor- autodeterminação do sujeito perante os fatos, mas do sujeito autô-
mação. Naturalmente o são, e em geral informação crítica, pene- nomo, não como "ponto de venda" de outro veículo. Isso tudo
trante e conseqüente. A rejeição, contudo, não se dá por motivos é demasiado 'tdesaconselhável" à imprensa. Poesias são emanações
estilísticos, motivos de espaÇõ--õu·car"áterda publicação, A rejeição subjetivas e, na elaboração coletiva de notícias, não há espaço para
é de outra natureza, especificamente ideológica. O fato de certos o indivíduo, para a afirmação do homem como produtor, como
jornais na atualidade permitirem a alguns jornalistas renomados a . criador. Ao contrário, o modo de produção do jornal privilegia
liberdade de serem subjetivos, de usarem um estilo solto e pessoal, o impessoal, o anônimo, como sugere em escala maior toda a lógica
de romperem com o clichê lingüística particular daqueles órgãos
não muda em nada o caráter genérico da imprensa.
Peter Kammerer faz uma curiosa analogia nesse sentido, to-
da sociedade gerida pelo modo de pensar capitalista.
H~
~:.:~
I mando como exemplo a ligação entre o Partido Comunista Italiano
2. As formas de encobrimento e de falseamento
~' ~}.L:.'
e os intelectuais. Para ele (particularmente no período de crise de
identidade política de 1968), o partido subsumia dois tipos de
II
oportunismo: o dele mesmo como instituição (tentando organizar o tratamento que sofre a notícia antes de chegar ao receptor
um novo público - os intelectuais - como única força de ligação é o principal modo de se operar a chamada "manipulação" jorna-
entre sindicatos e organizações de massa) e o dos intelectuais, estes Iística. Entre a ocorrência de um fato social relevante, o aconteci-
!~ como "estrelas de Mercedes" do partido, como garantia de sua image mento "objetivo" e sua apresentação ao público surgem diversas
formas de intervenção que alteram sensivelmente o caráter e, prin-
II (KAMMERER,1976, p. 104). Semelhante situação ocorre no jornal.

:i ..' 'Os jornalistas personalizados funcionam como estrelas no jornal,


iiiêlhoram a sua imagem ao quebrar com a linearidade e a ditadura
do padrão estilístico, mas iludem quanto à espontaneidade e à
cipalmente, o efeito dessas notícias. É nessa altura que se opera
a adaptação ideológica, a estruturação da informação com fins de
valorização e de interesse de classe. O falseamento não se dá,
via de regra, de forma intencional; ao contrário, normalmente
11
1
criatividade, por não estarem estas à d.l~I??~ção de todos os jorna- ele faz parte da própria forma do jornalista estruturar seu mundo,
i listas mas somente da elite intelectual do veículo.
I de discernir os fatos (inconscientemente) com uma "visão domi-
11
De tal forma, enganosa é a presença de "teóricos críticos" em nante". O patrão, o orientador ideológico da empresa jornalística
instituições como a universidade, o Estado, a justiça que, como um não estabelece "regras de redação" para que as notícias, que entram
todo, funcionam de forma inibidora e repressiva. Essas manifes- como fatos puros, saiam como informações enviesadas. Tal proce-
1:1
I
tações isoladas (que são toleradas em todas as instituições da socie- dimento não chega a essas minúcias, muito embora o trabalho
dade capitalista ou então elevadas ao estrelismo como fator de dos copidesques nas redações jornaIísticas contribua na medida
-r-r-

ill aumento de vendas do produto) encobrem a natureza real das ins- em que buscam uma "padronização ao estilo do jornal" - para
tituições. Contratar um escritor ou um poeta para escrever nas uniformizar (e, portanto, moldar ideologicamente) e para subtrair
páginas não-noticiosas do jornal (no complemento cultural e de a explosividade de notícias..Em verdade as "normalizações técni-
lazer) não transforma o jornal em um veículo mais próximo da cas" do como produzir uma notícia atuam de tal forma que castram
literatura. Esta aparece e é sustentada ali como "ilusão de varie- grande parte do potencial crítico e da periculosidade das notícias.
dade" (ver o tópico 2 deste capítulo). O que há de ruptura, de Na elaboração da notícia-atua uma censura formal, externa
liberdade, de rejeição a princípios e normas rígidas da prosa e da e interna (autocensura), assim como formas de pensamento cen-
poesia ocorre fora do jornal, no seu veículo próprio. O jornal, ao surado, que não se confundem com os tipos de censura formal.
reproduzi-Ias, praticamente as domestica. . Destas não tratarei neste trabalho (v. para isso MARCONDES FILHO,

.,...••.
40 41

1982c); aqui vou me preocupar mais especialmente com as formas que vêem o contexto social, a' realidade, sem nenhum nexo, sem
de pensamento censurado que operam inconscientemente na ela- nenhum fio ordenador. Para a mentalidade fragmentada, a frag-
boração da notícia jornalística e que reproduzem nos jornais as mentação noticiosa cai como uma luva.
relações de dominação que estão entrincheiradas no psiquismo dos Os processos fragmentados de transmissão noticiosa quebram
indivíduos (dos profissionais jornalistas) na sociedade capitalista. a lógica dos fatos entre si; estes são tomados no seu aparecimento
Caracterizo basicamente três formas de falseamento ou enco- imediato e perde-se a dimensão de uma totalidade que os subsuma
brimento das notícias como pensamento cénsúfâdo, formas essas e os explique. Fragmentação, por outro lado, é acompanhada de
que concentram o mais importante do que se conhece sobre a ma- imediaticidade.
nipulação noticiosa. São elas: a visão fragmentada e personalizada
A rapidez de distribuir, que só agrava ainda mais a estrutura
dos processos sociais, o uso da técnica e da lingüística e a sone- evanescente de toda a informação e que contribui diretamente
gação das informações "indesejáveis". para a sobrecarga mental, o entorpecimento emocional, e a ilusão
de estar bem informado, pode ser vista como a conseqüência da
conversão de notícias em temas de consumo para o merchandising
o jogo com o texto noticioso competitivo (FIRST CATALOG ... , 1982).

A fragmentação da realidade A produção fragmentada de notícias, assim, é uma técnica


Peter Brückner constatou uma conexão estreita entre o homem também mercadológica. Opera-se, nesse caso, a desvinculação da
e o processo de trabalho (o grau de fracionamento da atividade notícia de seu fundo histórico-social, e, como um dado solto, inde-
produtiva) e, resultante disso, um comportamento dos indivíduos pendente, ela é colocada no mercado de informação; são destacados
mais consumista e tendencialmente produtivo, mesmo no seu perío- aspectos determinados (o sensacional, a aparência do valor de uso)
do de lazer (BRÜCKNER, 1972, p. 12). Isso significa que as ati- e outros permanecem em segundo plano. Como os demais produtos
vidades produtivas nas grandes unidades de produção, nos serviços de mercado ela deixa de transmitir em seu corpo um processo de
públicos ou privados despersonalizados, nas ocupações em produ- trabalho. Torna-se uma coisa jogada no mundo, um fato sem
ção em série e em massa, desenvolvem no indivíduo, pela sua origem e sem vinculação com nada. A informação reificada é o
própria função nesse processo como um mero componente a mais correspondente jornalístico do fetichismo geral da mercadoria no
em todo esse maquinário humano e material, aquele sentido já mundo de produção capitalista.
apontado por Marx de "alienação do trabalho". Tal ruptura entre Para ilustrar essa técnica, convém citar aqui um trecho de
o homem e o produto de seu trabalho, tal distanciamento da obra Brecht, reproduzido no trabalho de Dieter Prokop, (1979) que
final como "obra sua", saída de suas próprias mãos, na qual ele mostra de forma bem sugestiva como se procede a essa fragmenta-
se reencontraria e se reconheceria, cria no homem a "consciência ção (com o respectivo esvaziamento crítico) em comparação com
dividida", segundo a qual os produtos da atividade produtiva o produto artístico, para sua vendagem no mercado capitalista:
humana (concretos e também abstratos, como o Estado, a Igreja, Para chegar ao mercado, uma obra de arte que seja a expressão
a Moral etc.) já não são mais reconhecidos como produtos do adequada de uma personalidade na ideologia burguesa precisa ser
homem e parecem, estranhamente, assumir "vida própria". Sobre submetida a uma operação muito específica, que a dissocia de
este tema, o fetichismo (coisificação ou reificação) da mercadoria, seus elementos; os elementos chegam de certa forma isolados ao
já se escreveu bastante (MARx, 1971, p. 79-93; LUKÁCS, 1974, mercado. Esta desmontagem de obras de arte parece ocorrer, em
p. 97 et seqs.; FRoMM, 1979, capo 5; GOLDMANN, 1967). Ao primeiro lugar, segundo as mesmas leis do mercado que as dos
automóveis que se tornaram inutilizáveis, com os quais já não se
nosso tema interessam as repercussões no que diz respeito à cons-
pode andar e que, então, se desmontam em unidades menores
ciência e ao relacionamento do indivíduo com as mensagens da (metais, assentos de couro, lâmpadas etc.) e assim se vendem
comunicação mediada por esse processo fragmentador. A frag- (BRECHT, 1968, p. 180).
mentação da realidade em partes estanques repercute no caráter
da veiculação noticiosa no jornalismo. Tal fragmentação (que é a A transmissão noticiosa produzida dessa forma encontra tam-
forma geral de disposição do mundo na perspectiva burguesa) bém a maioria do público incapacitada a compreendê-Ia no con-
produz igualmente mentalidades fragmentadas, diluídas, difusas, texto mais geral.

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Falta tanto o quadro interpretativo para as imagens dos aconte- tado a buscar continuamente em si mesmo as causas para os pro-
cimentos que passam apressados [no vídeo], assim como um ponto blemas e as dificuldades que surgem no próprio meio (ROLZER &
de partida concreto, no qual as experiências fossem referidas ao SCHUHLER, 1971, p. 404).
contexto de vida próprio (BUSELMEIER, K., 1974, p. 148).
Na personalização espelha-se a matriz do discurso burguês,
Ou então: de forma geral, tal como se vê também na historiografia e nas
Pelo fato de o trabalhador ser excluído da planificação consciente ciências sociais. As determinações histórico-estruturais dos fenô-
da produção, feita de forma cooperativa, baseada na divisão do menos, como responsáveis pelas ocorrências no que se refere à
trabalho, também a contribuição para a manutenção e o desenvol- política e à economia sobre o dia-a-dia são desprezadas. Os fatos
vimento da sociedade que ele dá objetivamente não pode ser um aparecem soltos, sem relacionamento com fatores internos macros-
objetivo consciente de sua atividade (ROLZKAMP, 1980, p. 210). sociológicos da realidade.
Diferente da técnica de fragmentação da notícia, que pode
Assim, essa "colaboração" torna-se compulsória. O trabalhador s~ririférlrretada como "estratégia mercadológica" no sentido de
(como os demais suportes da produção social) opera, sem qual- "dividir para vender mais", a personalização dos fatos sociais e
quer poder consultivo ou decisório, essa maquinaria que é a jornalísticos está no núcleo da explicação histórica burguesa.
produção social, cujos frutos ficam-lhe bem distantes. No Prefácio ao 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx chama
A compartimentalização da história, sua redução a fragmentos
a atenção para o fato de que a burguesia se ocupa da história
desconexos é a técnica manipulativa que se opera no jornal, que (qual seja, da historiografia) como se ela fosse realizada por indi-
mantém os leitores e o público em geral incapazes de, separados víduos e não pelas classes:
da visão conjunta dos processos sociais, seu entrelaçamento e inter-
dependência, discernir no meio desse amontoado, quem, em última Vítor Hugo limita-se à inventiva, mordaz e sutil, contra o respon-
análise, detém as rédeas desse processo e para onde o leva. Essa sável pelo golpe de Estado. O acontecimento, propriamente dito,
forma de exposição das coisas, que não é privilégio só de jorna- aparece em sua obra como um raio caído de um céu azul. Vê
listas, mas também de políticos, administradores públicos, comen- nele apenas o ato de força de um indivíduo. Não percebe que
engrandece, ao invés de diminuir, esse indivíduo, atribuindo-lhe
tadores em geral, especialistas, historiadores, transfere para a ordem um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história do mundo.
social (como será exposto a seguir, no "personalização") um modo Proudhon, por sua vez, procura apresentar o golpe de Estado como
de interpretação difuso da vida política, econômica etc. Apertar o resultado de um desenvolvimento histórico anterior. Inadverti-
parafusos na fábrica, bater carimbos na repartição e assistir ao damente, porém, sua construção histórica do golpe de Estado
telejornal estão na mesma ordem lógica: a história passa e seus transforma-se em uma apologia histórica de seu autor. Cai, assim,
construtores só tomam conhecimento dela a posteriori. A quebra no erro dos nossos historiadores pretensamente objetivos (MARX,
da unidade, da totalidade na apresentação jornalística torna os 1968, p. 8).
homens objetos inconscientes das estruturas de dominação que
criam diariamente. Para tais historiadores, a história é feita por homens como Napo-
leão, Bismarck ou Hitler, como se eles não fossem componentes
de uma classe e não agissem de acordo com os objetivos dela.
A personificação dos processos sociais
Dessa maneira, a incriminação global de todo um conjunto social
O processo de personalização dos fatos sociais e das notícias historicamente responsável (a classe) torna-se impossível. A guerra
em geral, levado a efeito pela imprensa, está intimamente associado deixa de ser uma ocorrência histórica derivada, além de outras
ao mecanismo de intimização das questões públicas, da bagate- coisas, do confronto de forças imperialistas (na África, ou no
lização dos fatos e do culto à personalidade. próprio continente europeu) ou da preocupação dos setores eco-
Assim descrevem Holzer e Schuhler tal mecanismo: O público nômicos dominantes de impor seu poderio, liquidar adversários e,
aprende, com a ajuda da técnica de personalização, com isso, conquistar mais riqueza e força; ela passa a ser encarada
a questionar não as condições de sistema social no qual se trabalha como produto de atitudes e comportamentos de pessoas, isolada-
e se vive, e sim as vantagens e desvantagens de pessoas, procedi- mente, como super-homens, super-heróis que se impõem contra
mento através do qual esse público se vê, ao mesmo tempo, exor- tudo e contra todos para afirmar seu poderio diante dos homens

..,Ull e
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comuns. Por meio disso dissemina-se também a ideologia do culto O terrorismo de Estado, o jornalismo e as atividades insurrecio-
à personalidade. nais "vanguardistas" são todos, de certa maneira, parentes entre si.
\ Assim, os políticos são construídos, freqüentem ente, como figu- Que foi a bomba lançada sobre Hiroshima? A tentativa de matar
! ras paternas populares e que despertam confiança, cuja postura duzentos mil japoneses quando o Japão já estava à beira da ren-
( patriarcal-autoritária diante de leitores, ouvintes, telespectadores dição. Certamente não. Era um fato que valia pela notícia em
parece elevada [ ... ] (HOLZER, 1972, p. 77). que se transformava: mensagem dos EUA ao seu próximo adver-
sário, a União Soviética. E o que é hoje o depósito de bombas
Coisa semelhante ocorre com o populismo nos Estados capitalistas nucleares controlado por ambas as potências em luta (para ignorar
latino-americanos. os detentores menores)? (Eco, 1979, p. 26).
No que se refere à ideologia, as conseqüências de tais formas
são também consideráveis. Esse procedimento força o receptor a Umberto Eco se pergunta se a prática do terrorismo não parece a
filha natural, senão legítima, da ideologia da notícia (Eco, 1979,
um contexto de valorização burocrática e dependente e subtrai-lhe
p. 28). Os atos simbólicos de atear fogo às vestes, os seqüestros,
a possibilidad~ de colocar-se diante das instituições, que são básicas
os espetaculares assaltos a reuniões de ministros de países mono-
para a sua vida, de forma co-dirigente (HOLZER, 1972 p. 78).
Disso à "ideologia do destino", conclui Holzer - a' ideologia polistas de petróleo não são todas formas de roubar o acesso à
opinião pública, vedado intencionalmente a certos "movimentos"
segundo a qual não é uma específica organização da vida social
sociais? Nos seqüestros de personalidades diplomáticas, de agentes
que produz os problemas individuais diagnosticados, mas estes
secretos importantes ou de "algozes" do poder político opressor,
caem, por assim dizer, como que do céu -, o caminho é curto
(HOLZER, 1972, p. 79). uma das primeiras reivindicações dos seqüestradores é a divulgação
de seus manifestos. Isso torna claro o caráter do terrorismo de
O outro lado da moeda da personificação (positiva) dos fatos funcionar como meio de divulgação noticiosa forçada, como im-
sociais como produto de políticos, administradores, economistas posição da difusão de notícias. Certamente tais estratégias condu-
etc., é a perseguição personalizada de agentes dos males sociais,
zem à maior radicalização política:
caracterizada no recurso ao bode expiatório.
A definição de bodes expiatórios em jornalismo e na política depois do seqüestro de [Aldo] Moro a imprensa manifestou subs-
tancial adesão ao conjunto de normas, instituições, conquistas
em geral, obedecendo à mesma lógica da personificação, funciona,
civis e de costume que formam a nossa república, o nosso país
num segundo momento, como método de disseminação de descon- (PETROCCIOLI,1979, p. 80).
fiança, de quebra de solidariedade entre os grupos da população.
Jogar as pessoas umas contra as outras dilui laços que poderiam Os fatos não negam, contudo, que a política de perseguição perso-
torná-Ias mais fortes diante das instituições políticas. A técnica, nalizada (bodes expiatórios), algumas vezes terrorizada pelo Es-
portanto, tem nítidos efeitos ideológicos. tado, produz, no caso de grupos extremistas, a reação oposta da
O exemplo mais radicalizado dessa política deu-se durante a sociedade civil. OJ~ITºrismo ocorre quando há a falência do
perseguição fascista. Lá (como será indicado no Capítulo IV), o discurso político e do seu mito de representatividade; em casos,
Estado encampou a perseguição dos "inimigos públicos" e oficiali- portanto, de bloqueamento total do espaço noticioso burguês e
zou a campanha de encontrar, em pessoas isoladas, a causa de uma manipulação completa da opinião pública por meio dos mais
graves crises sociais: nos judeus, nos comunistas, nos estrangeiros. diferentes expedientes inclusive o do "bloqueio noticioso". Do lado
No pós-guerra, a construção de bodes expiatórios foi novamente do poder, em comparação, a reação ao desafio terrorista é de neu-
retomada na propaganda oficial de Estado nos casos em que se tralizá-Io.
tratava de veicular a ideologia da segurança nacional, derivada [ ... ] Por parte da opinião pública não se produz nenhuma reação
dos Estados Unidos e exportada maciçamente para países de sua digna de menção quando um representante do círculo dirigente
esfera de influência, como reforço "logístico" e jurídico das cam- mais restrito do Parlamento pede aos políticos que em questões
delicadas não informem à opinião e, numa inversão desconcer-
panhas ideológicas no período da guerra fria. Essa técnica assume
tante, porém reveladora do sentido de uma democracia parla-
nesse período, não obstante, contornos bem mais difusos e per- mentar, exorta os deputados a pôr fim ao "palavrório público"
secutórios. (AGNOLI, 1971, p. 59).

2
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Ante as ameaças e os desafios da sociedade política radicali- Em verdade, por meio dessas técnicas somente são mostrados os
zada, o Estado responde com Nachrichtensperre, com o bloqueio sintomas de uma situação, por exemplo, da criminalidade, da po-
das notícias. Peter Brückner dá a explicação científica desse breza e outros males sociais, e sua conexão causal com a matriz
processo: real de rendas e de oportunidade de empregos sob o sistema pre-
sente só é vista raramente (FIRST CATALOG ... , 1982, p. 29).
Em uma sociedade formada como na "comunidade popular", se
a toler~ncia, combustível da máquina pluralista, precisar adotar
um carater total, requer-se um inimigo igualmente total, absolu- Outros processos
tamente organizado e irreconciliável, como o comunista, o bolche-
vique, o chinês, o judeu, o ateu ou, nos últimos tempos, o estu- Naturalmente a fragmentação e a personalização não são for-
dante politicamente ativo. [ ... ] Os preconceitos - e isso é o mas únicas de encobrimento e falseamento noticiosos com os fins
que faz com que sejam tão difíceis de atacar - possuem uma ideológicos de deturpar e de mutilar a realidade, desconfigurando
função importante não somente para o grupo de referência (o sua real manifestação nos fatos sociais transformados em notícia.
"nós" como fetiche da debilidade do eu), senão também para a O First (Abridged) Catalog of V.S. Media Biases, Distortions and
economia psíquica daquele que compartilha, ele mesmo, do pre- Suppressions, apresentado pelo jornal Cyrano' s (1982) arrola ainda
conceito. Estamos familiarizados, pelo menos desde as colocações outras manifestações adicionais específicas que, igualmente, alteram
de Freud, com o fato de que nossa cultura impõe renúncias ao
as informações ou mesmo introduzem versões ideológicas aos fatos
indivíd~o. As rejeições instintivas impostas culturalmente pela
educaçao e pela moral conduzem a fortes tensões individuais de presentes e passados: As falsidades de registros históricos, de mé-
agressão, mas, em muitos casos, é impossível que a hostilidade todos moralmente ofensivos, dos objetivos perseguidos, são obe-
em resposta às rejeições instintivas impostas se volte contra sua dientemente "passadas" e vendidas ao público como cruzadas
fonte. Melhor deslocam-se os objetos substitutivos contra as cha- altruístas exigidas pela segurança nacional americana, pelos impe-
madas vítimas propiciatórias ou scape goats. Os sistemas raciais rativos morais; as distorções ocorridas com o realce somente de
ét?ico~ ou de preconceitos costumam deixar livre sempre algum~ aspectos positivos e negativos dos fatos, dependendo se o fato for
mmoria contra a qual a agressão possa descarregar-se impune- relativo ao capitalismo ou ao socialismo; a seleção de fontes, em
mente (BRÜCKNER,1971, p. 198-9).
que, por exemplo, setores do establishment são favorecidos em
relação a outros. Aqui, referindo-se às lideranças, proeminentes
A personalização da notícia conduz, assim, tanto ao endeusa-
mento quanto à execração individualizada dos agentes sociais, man- políticos e a um grande quadro de pessoas e instituições concor-
tendo seus verdadeiros suportes, as classes e agrupamentos estru- dantes com o status quo.
turais maiores, totalmente distantes dos fatos e de suas implicações. Seu produto mais típico inclui a blue-priniing dos planos e da
A política torna-se o espaço das idiossincrasias pessoais, das cau- política criptofascista e a montagem de "novas" teorias sociais e
sações subjetivas, dos humores deste ou daquele político que age de "fatos" que apóiam a legitimação da injustiça, da exploração
soberanamente na vida política. e da existência de grandes disparidades na riqueza e no poder.
(FIRST CATALOG... , 1982).
A participação e a ação do receptor resumem-se em esperar
pelas atitudes do político e torcer para que ele se "lembre dos O segundo tipo de fontes favorecidas inclui as "testemunhas da
desfavorecidos". A política, aí, separa-se do povo; dentro dessa multidão histórica", nas quais os media debruçam-se num "coro
mesma lógica está a funcionalização da política como "coisa para de vozes rabugentas descontentes", como cubanos anticastristas,
especialistas" . refugiados vietnamitas (que "estimavam os processos revolucioná-
P~rsonalização e fragmentação são técnicas que simplificam, rios em seus países"), negociantes em países que sofrem trans-
bagatelizam os fatos e desmformam as pessoas. As notícias são formações políticas e lúgubres vozes dissidentes "ouvidas tão Ire-
vistas do âmbito puramente do consumo e assim deglutidas junto qüentemente atrás da cortina de ferro". Outra manifestação, a
ao público. As informações são dadas ao público como saturação, usada para animar o consumo nacional por meio de
produtos, jogos, entretenimentos e recreações; e ele é o seu com- ondas de opinião, histerias públicas ou para reacender as mitologias
prador, Jogador, espectador ou observador de horas vagas (RIEs- usadas na guerra ideológica contra o socialismo. Esses processos
MAN, 1971, p. 257). são desencadeados pelo governo e diversos canais paralelos e segui-
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dos pelos meios de comunicação "de massa" ..formando um ~'bom-


notícia deve passar até chegar ao receptor. Não se trata da mani-
bardeio" noticioso: exemplo foi a volta dos soldados amencanos
pulação do jornal enquanto empresa ou do editor enquanto agente
do Vietnã, a volta dos reféns americanos do Irã, o compromisso
político ou ideológico (esses aspectos já foram vistos no início
solene com Lech Walesa e o Solidariedade na Polônia, e a venda
deste item), mas, isto sim, das formas de padronização do pensa-
cínica da farsa eleitoral em EI Salvador. A essa lista devo acres-
mento e da redação para a submissão dessas ao "modo de expo-
centar, finalmente, a polarização de conceitos, o maniqueísmo
sição, ao estilo do jornal". Também essa elaboração reveste-se
noticioso (por exemplo, liberdade ou totalitarismo, liber~ad~ ou
do caráter de desvirtuamento e deturpação noticiosa. A submissão
socialismo democracia ou ditadura, democracia ou totalitarismo
de um fato a uma ordem anterior e superior a ele transfere-lhe,
etc.) que força o leitor continuamente a optar entre dois extre:no~,
por motivo dessa própria padronização, uma perda de expIo sivi-
Na experiência socialista chilena d~ 1970 a 1 ~73, _com a. radI:ali- dade. A padronização redacional uniformiza o fato da cor do
zação das posições políticas e a instrumentalização de jornais e
jornal, subtrai-lhe qualquer traço insubordinado e o domestica.
notícias para fazer desmoronar o governo da ynidade Popul~r! os Pela sua própria presença, o jornal funciona como forma uniformi-
jornais polarizaram as questões apelando para interesses específicos zadora, alinhadora, organizadora do real: a sua presença como
de classe: os juízes e seus privilégios eram defen~id?s con~a a institucionalizador dos fatos políticos e sociais como notícias con-
instalação de "tribunais populares" pelo governo socialista, ~ liber- fere-lhe a autoridade enquanto meio. A expressão "o meio é a
dade de imprensa e a situação dos jornalistas contra o aparecimento própria mensagem", tão difundida na área de comunicação, corres-
dos "correspondentes (populares) de empresa". ponde a essa ilustração do meio jornal, que, enquanto forma (e
independente do que possa veicular), funciona como instituição,
portanto, como esvaziador de experiência, e como poder instituído.
o uso da linguagem e da técnica
O poder não se manifesta somente nas suas demonstrações práticas,
O uso de formas lingüísticas, ou seja, o uso de tom oficial, mas, também - e isso passa despercebido aos analistas mais apres-
de formulações anônimas tipo "fontes bem-informadas", ':P?rta- sados - na sua própria aparência, nas formas, no "estar lá".
-voz oficial", da forma passiva neutralizante, do tempo con~IcIOnal Rossi chama a atenção, no problema do estilo jornalístico, à
operam no sentido de favorece~ u~ compor~amento receptivo. A lespersonalização do jornalista.
transmissão noticiosa que usa taís figuras de linguagem tenta passar
O repórter e o redator deixam de ter como característica central
imagens neutras, oficiais, sérias e indiscutíveis com o mesmo tom
o domínio do idioma, de seu próprio estilo pessoal e da melhor
dos comunicados do governo que, se não correspondem à verdade, maneira de captar o interesse do leitor (conduzi-Io a ler toda a
pelo menos possuem um tom direto, restritivo, imperativo. matéria), para se transformarem em especialistas numa técnica:
a técnica de redigir informações que respondem às seis perguntas
Manifestações elucidativas são neutralizadas p~la~ construções ~esa-
das ou pelo condicional usado nas falas indiretas. Conteudos fundamentais (quem/ onde/ como/ o quê/ quando/ por quê), de pre-
brutais são nivelados e transformados em eufemismos, em "ope- ferência sintetizando-as no lead ou abertura da matéria (1980,
p. 26).
rações militares coroadas de êxito" ou em "medidas para garantir
a paz interna" (BUSELMEIER, K., 1974, p. 148).
O encobrimento e o falseamento notICIOSOS, ainda segundo
Da mesma forma, a utilização de termos técnicos desconhe- Rossi, atravessam vários filtros. O primeiro no processo é o do
cidos da maior parte dos leitores e, principalmente, dos telesp~cta- editor, que decide sobre o enfoque da notícia (aspectos caracte-
dores - assim como o uso de gráficos e tabelas, pelos qUaIS as rizados nas páginas anteriores, como fragmentação, personalização
informações são, na verdade, quase encobertas p~la própria .n;en- e outros), assim como pela conveniência em não se tratar deter-
sagem - dificultam seu entendimento e são facilmente marupu- minados assuntos (a pauta, a ser vista a seguir).
ladoras.
A "técnica" redacional é aquela que opera formas de trans-
A política do destaque e da supressão de informações
formação da notícia na própria redação do j?r~al, par.a enqua-
drá-Ia em padrões e normas da empresa. C~OVISROSSl (19~0) Enquanto as formas anteriores de distorção não são exclusivas
expõe de forma simples e direta todos os obstaculos pelos qUaIS a da atividade jornalística e diluem-se no discurso geral dominante

"".2
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da sociedade (como formas de subverter o real, de adaptá-lo a ção da realida?e, nesta última ocorre uma intervenção na maioria
interesses de classe, de arranjá-Io segundo várias conveniências), dos caso~ efetivamente consciente e direcionada do jornalista na
estas últimas formas, a política com as notícias e a decisão sobre reproduçao dos f~tos so~iais e históricos. Nessa reprodução e no
o espaço que elas devem ocupar, são formas especificamente jor- espaço. a ela dedIcad~ SItua~-se os. campos de ação jornaIísticos
na SOCIedade. A funçao política efetiva do jornal na sociedade de
nalisticas de deturpar a realidade.
A pauta dos jornais, da forma como é apresentada
r classes não é a d~ noticiar, divulgar fatos que interessam à classe
o~ a setores do~mant~s, mas. a de moldá-Ias, esticá-lose compri-
reflete apenas parcialmente o que está acontecendo ou quais os ml-~os, repr?dUZI,r. aSSIm a VIda pública e privada conforme os
assuntos que preocupam, efetivamente, o público em geral: ela parametros ideológicos de seus produtores. Trata-se, portanto, de
acaba refletindo muito mais o que os jornais estão publicando e mo~ltar uma segunda, natureza. dos fatos sociais, diferente, e em
a televisão está mostrando (ROSSI, 1980, p. 17). mu~tos ca~os" o~os~a a verda~eIra natureza das coisas. Fazer jor-
nahs~o nao e .so .dIvulgar notícias ideologicamente orientadas, mas
i I Temos aqui a primeira forma de realizar jornalisticamente um ta~b~m, e / ~nncIpalmente, redimensionar o conjunto dos fatos
seccionamento e uma seleção no conjunto de fatos sociais. O jor- SOCIaIS.(noh~las) de acordo com essa natureza, artificial. O mundo
nalista extrai da realidade o que lhe interessa (ou aos seus leitores) que o jornalismo recria é, portanto, um outro mundo com outros
e isso se transforma em notícia: da realidade é extraída somente fatos e outra ~tribuição de importância, que já não tem muito a
uma parte útil, sendo que essa utilidade é avaliada segundo obje- ver co~ a realidade, É um mundo forçado, cristalização ideológica
tivos puramente particularistas. O editor decide o enfoque da da realidade que seus produtores almejam e situam como ótima.
matéria, o tamanho que esta deve ter (em linhas), o tamanho e
os tipos do título e a colocação na página. Em suma, na mão do
editor está a definição política de como o fato deverá repercutir
na sociedade, de como de um acontecimento pequeno fazer um 3. O telejornalismo
escândalo, de como suprimir naturalmente a divulgação de ocor-
rências, como se elas simplesmente não tivessem realmente existido. . C? radiojornalisrno e o telejornalismo, embora sejam atividades
O editor aumenta, reduz, suprime fatos; de é o tradutor e "trans- Jorn~lIstlc~S que obedecem às regras gerais de produção de notícia e
formador" da realidade social em termos que interessam à sua de c!!stoLÇélodos ill.!?!l.' têm, al~m disso, aspectos adicionais que os
empresa e às convicções políticas e ideológicas que defende. Nas ~?f1!am, enquanto at1~I~a~e noticiosa, formas que reforçam caracte-
suas mãos está depositada a tarefa de trabalhar a opinião pública rísncas, c?mo superficialízação da transmissão dos fatos, reforço
e procurar moldá-Ia segundo essas intenções. Há fatos que, por ao esquecimento e recepção acrítica.
essa via, são totalmente suprimidos do noticiário ou reduzidos em
sua importância: E~s~ ,~istória .de Ma}vinas virou o que se chama um "~irco da
mídia mu~dla~. Ha duas semanas era EI Salvador, antes um
Como regra, são dadas coberturas hostis e totalmente inadequadas pouco a Nlcaragua e, claro, a Polônia, onde tivemos picadeiro
às edições, às idéias importantes e às notícias inimigas do interesse extra de alguns _do~os do mun.do m~is conservadores aplaudindo
capitalista. Por meio do downplay ; uma notícia embaraçosa tor- o que era - nao unporta quais as intenções conscientes de soli-
na-se inofensiva quando ela somente arranha a consciência de dane~ade - uma revolução operária. De repente, só existem
um público já supercarregado" (FIRST CATALOG ... , 1982,p. 29). Malvinas (FRANCIS, 1982a, p. 31).

Um caso de forte downplay, marginando a supressão, aconteceu Co~ efeito, a televisão exacerba a característica anárquica do jor-
no relato do massacre de patriotas em Timor Oriental, na Indo- nalismo em gera~. A anarquia do jornalismo é de caráter interno.
nésia, cliente do Pentágono. ~um mesm~ veículo Acolocam-se, sem conflitos, as notícias mais
A política de distribuição diferenciada de espaço, que varia díspares, mais heterogeneas; as capas dos jornais são como vitrines
do grande destaque à sonegação total da informação, deposita nas onde sao expostos os artigos separadamente. Uns mais, outros
mãos do editor as armas jornalísticas para o confronto de opiniões ~enos atraente~, ma.s de qualquer forma artigos para vender o
J
e de políticas. Enquanto as outras formas apresentadas anterior- Jornal. No telejornalisrno não há a primeira página as manchetes
mente caracterizam-se por serem atitudes "inconscientes" de distor- que chamam a atenção das pessoas na rua, que pro~ovem a venda

I
'-1
52 53

e a sua realização como mercadoria. O que há são pequenas Assim, os meios de comunicação, principalmente os eletrônicos,
manchetes ("chamadas") anunciadas durante a programação que ao relatarem uma ocorrência ou um movimento social reivindica-
convidam à assistência do telejornal. Essa inexistência visual da tório, um fato, enfim, atribuem-lhe status de espetáculo, de show
diversidade de bens expostos na vitrine como no jornal impresso propagandístico do grande circo de atrações que é vendido ao
exige que na televisão a chamada para o jornal esteja de a~ordo público comó vida social. Malabaristas, palhaços, domadores e
com as características do próprio meio. Por outro lado, o telejornal mágicos aparecem no vídeo das televisões travestidos de políticos,
não é consumido como o jornal impresso, isto é, nos momentos especialistas, homens do povo e artistas; pela sua exposição festiva,
definidos individualmente pelos leitores. Seu consumo é prefixado esses fatos, separados de qualquer vinculação com a realidade
no espaço a ele determinado dentro da programação. Por isso ele imediata do telespectador, são politicamente esvaziados. Por isso
tem de esmerar-se em cativar a audiência nesse único espaço de a TV pode apresentar até notícias e relatos sobre movimentos
televisão, pois, sem isso, perde sua possibilidade de venda. Dessa ~~v()lucionários, guerrilheiros, anti-sistêmicos em geral: a sua des-
maneira, a produção do telejornal deve obedecer a critérios de caracterização como fatos críticos e explosivos já foi feita ante-
atratividade e interesse diferentes dos utilizados pelo jornal im- riormente, não direta e formalmente no que se refere à linguagem,
presso. A própria abordagem da notícia deve ser feita de outra mas na sua apresentação. Q cenário, o apresentador, as cores e
maneira. Mais do que no jornal impresso, no telejornal os ele- todas as informações paralelas produzidas e veiculadas junto à
mentos de fragmentação e de personalização apontados anterior- notícia propriamente dita formam o pano de fundo neutralizador
mente devem ser radicalizados: no jornal de televisão só há do telejornalismo. Não é nas palavras e no texto que se irá encon-
fragmentos e peças soltas. São puros leads que pouco ou nada trar a política de esvaziamento da crítica no jornalismo. Estas
dizem sobre os fatos que se propõem anunciar. Na televisão mani- podem até desmenti-lo. O efeito se dá ao contrário, nas linguagens
pula-se com mais facilidade na escolha dos temas, no espaço que de fundo dos shows de notícias, que não por acaso têm essa deno-
Ihes é destinado, no destaque, no enfoque e até mesmo na expr.es- minação.
são do apresentador. E isso não é tudo. A televisão tra~smIte, A programação informativa da televisão vive de materiais que
além disso, a ilusão da verdade: ao ver as cenas do acontecimento satisfazem, ao mesmo tempo, interesses dos capitalistas a curto e a
o receptor rejeita a tese da manipulação pelo fato de "ter teste- longo prazo na utilização do seu meio de comunicação.
munhado com seus próprios olhos" o ocorrido. A mística das
imagens garante o estatuto de verdade absoluta e inocenta a O interesse a curto prazo é compreendido aqui e no que se segue
como o interesse de capitalistas isoladamente; o interesse a longo
deturpação. prazo é o do sistema capitalista total, que se forma por meio de
Fundamental no telejornal é o caráter de show da notícia e processos complexos e que não precisa ter como suportes os indi-
da realidade social. víduos isoladamente. O interesse do capitaL a curto praj:o apóia
seus objetivos de exploração também nos valores de uso que pos-
A [greve geral] de maio de 1968, para a qual os mídia contribuí- sam ter significado a longo prazo (por exemplo, nos conteúdos
ram grandemente, exportando a greve para todos os cantos da em que estão representadas experiências históricas, cristalizações
França, foi, aparentemente, o ponto culminante da crise; ?~ reali- e expressões de resistência social ou nos movimentos de canções
dade, foi o momento de sua descompressão, da sua asfixia, por de protestos). Da mesma forma, o interesse do capital a longo
extensão, da sua derrota. É certo que milhões de operários entra- prazo, que se expressa em diferentes graus nas idéias do "bem
ram em greve. Mas esta greve "mediatizada", transmitida e rece- comum" do "interesse público", tem conseqüências indiretas, a
bida como modelo de ação (quer pelos mídia, quer pelos sindi- curto prazo, limitadas, por exemplo, nos critérios de programação,
. catos) - eles não souberam que fazer dela. Abstrata em certo na censura (NEGT & KLUGE, 1976, p. 183).
sentido ela neutralizou as formas de ação local, transversais, es-
pontâneas (nem todas). Os acordos de Grenelle não a traíram. Essa divisão é significativa para a análise do telejornaI sob o
Sancionaram essa passagem à generalidade da ação política, que
põe fim à singularidade da ação revolucionária (BAUDRILLARD, ponto de vista do mercado. As programações que atendem aos
s.d., p. 225). interesses a longo razo têm baixo valor de troca. Elas interessam-se
por artigos como "bem comum", o "interesse público" e voltam-se
Telejornais como "shows da vida" extraem dos fatos toda a mais para o entretenimento, as "críticas equilibradas" e as eleições
sua explosividade e os transformam em variedades e diversão. reformistas. Elas dissipam da programação televisiva a evidência

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54
sim no fato de que esse processo não toca nenhum comportamento
do interesse mercadológico que aparece nitidamente nos produtos real, concluem os autores. A troca está no telespectador descar-
que atendem aos interesses a curto prazo. Estes são os interesses regar-se de seus próprios problemas ao ver no programa uma
individuais do capitalista - ansioso por intensificar a concorrência oferta mínima, um elemento que o sensibiliza e liga ao mundo,
com outras emissoras -, que são preenchidos com fatos e notícias mesmo de forma irreal. O produtor fornece-lhe, por seu turno, a
que rapidamente ficam obsoletos. Seu valor de uso de vida curta
é
mínima participação: sem isso não haveria a possibilidade de pro-
e, por isso, necessitam de constante "reposição". jeção e não haveria ressonância. A produção televisiva de notícias
Não é estranho, portanto, que o telejornal possa mostrar fatos baseia-se, portanto, nessa ligação elementar, pequena mesmo, entre
aparentemente anticapitalistas, se vistos apenas como produtos produtor e receptor. Isso cria a ponte entre experiência e comu-
para satisfazer aos interesses a curto prazo dos proprietários das nicação que torna a recepção possível.
televisões. A longo prazo são neutralizados pelas produções "gené-
ricas" - que, de forma discreta, afirmam e confirmam o status
quo. No que se refere ao mercado, quando se trata de vender mais,
de ganhar mais pontos nas pesquisas de audiência, o proprietário
da TV pode não se importar com o que é transmitido; vale tudo,
quando se trata de realizar sua mercadoria, seu valor de troca.
Nesse sentido, tudo pode ser comercializável. Todas as notícias,
mesmo que sejam anticapitalistas, funcionam para vender e garan-
tir o lucro, na lógica dos interesses a curto prazo. Isso porque
o capitalista, além de saber que a notícia isolada (separada, por-
tanto, de suas ligações mistificadoras apontadas antes: cenários,
recursos técnicos) tem pouco efeito politizador, sabe que a longo
prazo se está cuidando, na programação televisiva em particular
e em toda a política cultural em geral, da preservação do mundo
e das relações de produção e de propriedade presentes.
A transmissão noticiosa, por outro lado, também procura atuar
sobre o receptor de forma tranqüilizadora em função de seu des-
gaste no processo de trabalho.
As emissões de entretenimento preenchem [... ] sua função como
meio concentrado de desvio, somente se não espelharem o decurso
do dia e do trabalho diário; a necessária possibilidade de projeção
é dada ao telespectador somente quando essas emissões separam-se
bastante da sua experiência (NEGT & KLUGE, 1976, p. 186).

Nisso fundamenta-se o processo de troca que se origina da


audiência de televisão:
a experiência difusa do telespectador, que ele não tem condições
de organizar, é liquidada em favor do modelo de experiência já
pré-organizado da mensagem (NEGT & KLUGE, 1976, p. 185).

Por exemplo, quando um jogador de futebol é desclassificado numa


competição internacional, continuam Negt e Kluge, todo o país
solidariza-se com ele. Também o telespectador solidariza-se com
o esportista e acredita poder ser socorrido por outros em seu pró-
prio momento de perigo. A contradição não está na ajuda, mas

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57

constituído uma revolução na história das comunicações, não con-


seguiu evitar que a circulação dos impressos se mantivesse, naquela
época, restrita ao clero e aos que tivessem suficiente capital para
adquirir essa mercadoria.
A impressão do primeiro jornal ocorre pouco mais de um
século após o aparecimento dos tipos móveis. Contudo, ele iria
atender com exclusividade alguns núcleos de poder político e finan-
lU ceiro da época mercantilista (Antuérpia, Praga, Estrasburgo), inte-
ressados em fechar o círculo informativo sobre os fatos da vida
A TRANSFORMAÇÃO DA ATIVIDADE ,econômica e política. É o jornalismo iniciante do século XVII,
que já começava a assumir o caráter diário (HABERMAS 1965
JORNALtSTICA EM GRANDE EMPRESA p. 218 et seqs.), integrando cada vez mais um público interessado
CAPITALISTA em tomar conhecimento da situação macroeconômica limitando-se
não obstante, a atingir somente a categoria social' burguesa, o~
letrados ou os que de uma forma ou de outra freqüentavam os
círculos associados ao poder. O jornal não era uma iniciativa da
classe dominante, a nobreza feudal, na época em que apareceu.
A "falta de convicção" dos jornalistas, a prostituição de
suas experiências e de suas convicções pessoais só é com- Surgiu e teve a lógica do seu desenvolvimento associada à própria
preensível como ponto culminante da retiicação capitalista. expansão da burguesia como classe. Assim, antes de a burguesia
GEORG LUKÁCS
ocupar os postos decisivos de poder econômico e político, enquanto
arquitetava as formas de galgar os patamares do poder, seu jornal
É o caso então de nos perguntarmos se distorções, esfor- era artesanal, ainda que fundidor de interesses econômicos em
ços conotativos, contradições e ambigüidades, geralmente torno do meio de comunicação; posteriormente, nas lutas por sua
imputados aos interesses ideológicos patronais e facil- afirmação política na sociedade, ou seja, na batalha pela conquista
mente detectáveis na imprensa diária, não são, ao con-
trário, introduzidos pelos jornalistas, no esforço de pro- da chamada hegemonia do pensamento social (conquista de aris-
porcionar aberturas à matriz ideológica proposta pela tocratas para seu quadro, ampliação de seu espaço nos órgãos de
empresa e, ainda, quais seriam as repercussões desse representação político-partidária, imposição de sua visão de mundo
esforço sobre a vendagem. na literatura e nas artes em geral) ela encorajava o "jornalismo
ORLANDO MIRANDA literário" (o das discussões políticas do século XIX); por fim, uma
vez estabelecido seu poder na sociedade, vai-se desenvolvendo len-
tamente a imprensa nos moldes capitalistas, que consagra seu poder
1. A notícia e o trânsito de mercadorias real e a liquidação de todas as oposições políticas, contra as quais
ela lutou várias décadas para se afirmar. Tal explicação é certa-
o aparecimento do jornal está subordinado ao desenvolvi- mente grosseira: o desenvolvimento não se deu exatamente segundo
mento da economia de mercado e das leis de circulação econômica. essa forma esquemática. O que se pode fazer, não obstante, é
Ou seja, o jornal surge como o instrumento de que o capitalismo tentar uma adequação das fases do desenvolvimento do jornalismo
financeiro e comercial precisava para fazer que as mercadorias com o desenvolvimento econômico. Uma coisa não resulta obriga-
fluíssem mais rapidamente e as informações sobre exportações, toriamente na outra; busca-se aqui somente encontrar uma homo-
importações e movimento do capital chegassem mais depressa e logia entre os diferentes desenvolvimentos. Igualmente não se pro-
mais diretamente aos componentes do circuito comercial. Apesar cura concluir, a partir desse raciocínio, que a burguesia tivesse
disso, com o advento do jornalismo - e a transmissão de "rela- orientado o desenvolvimento e as transformações do jornalismo
ções" de que nos fala Costella (1978, p. 81) - só se pode falar segundo suas exigências políticas e sociais. Isso não aconteceu
em uma certa democratização da comunicação escrita, pois, embora nem com o jornalismo nem com os demais meios de comunicação.
a tipografia tenha acelerado o processo de produção de livros e Pelo contrário: as descobertas de novosIll~i.QS.,.~~.---emntlfl."iqação,
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na medida em que puderam satisfazer os interesses da burguesia, trata da imprensa manual, de caracteres gutenberguianos adaptados
receberam maciço investimento desta que, com fins lucrativos, à produção contínua de novos anúncios públicos. A imprensa
passava a ver essa descoberta como fonte de ganhos. Nem o aqui não é forte instrumento na organização e orientação da vida
111
cinema nem o rádio foram instrumentos criados pela burguesia econômica; antes, trata-se de um ofício individualizado, uma ati-
para ratificar sua dominação ideológica e política na sociedade. vidade modesta em que há uma discreta maximização dos lucros
Ela simplesmente investiu nesses meios e os expandiu, caracterizan- e um interesse puramente comercial (HABERMAS,1965, p. 199
do-os assim, a posteriori, como meios de sua difusão política e et seqs.).
ideológica.
Nesses escritos, os primeiros "jornais" de três ou quatro páginas,
o leitor é levado em primeiro lugar ao espetacular, ao singular-
mente novo. A isso pertencem as notícias sobre desastres, mortes
2. A imprensa artesanal e a político-literária e nascimentos de reis e imperadores, seres deformados, cometas
etc., às quais ligavam-se, conforme o caso, advertências morais
Enzensberger chama a atenção para o fato de que a imprensa de bom comportamento e devoção dos cidadãos, uma espécie de
é, incontestavelmente, filha da época burguesa (ENZENSBERGER, contrapublicidade disciplinadora (BAHR, 1968, apud COLETIVO DE
AUTORES •.• , 1984, p. 26-7).
1973, p. 24). Não é por coincidência, diz ele, que todos os grandes
jornais foram fundados no curso do mesmo século, no espaço de
que no seu conteúdo restringia principalmente o efeito dos pan-
tempo que se estende de 1780 a 1880: o Neue Zürcher Zeitung
fletos de elucidação da religião e os escritos políticos que seguiam
(1780), The Times (1785), o New York Herald Tribune (sob o
nome de New York Herald, 1835), o Deutsche Allgemeine Zeitung o movimento da Reforma. Nesse estágio já são colocados os fun-
(1843), The Guardian (sob o nome Manchester Guardian, 1850), damentos do uso empresarial do trânsito de notícias (COLETIVO
The N ew Y ork Times (1851), o Frankfurter Zeitung (sob o nome DE AUTORES... , 1984, p. 27).
de Frankfurter Handelszeitung, 1856), Dagens Nyheter (1864) e O proprietário da gráfica, ou seja, da imprensa a cujo serviço
o Berliner Bõrsen-Courier (1867) (ENZENSBERGER,1973, p. 25). estava o correspondente de Veneza para Estrasburgo ou Nuremberg,
Diferente dos cursi publici e da acta diurna da Antiguidade não dava nenhuma missão pré-traçada. Para ele era importante
romana, bem como das folhas volantes, das correspondências, das que as notícias pudessem ser vendidas, ou seja, trocadas no mer-
relações e das messagers boiteux (ENZENSBERGER,1973, p. 24) cado (COLETIVODE AUTORES... , 1984, p. 27).
do início dos tempos modernos, [~ imprensa burguesa caracteri- O que caracteriza essa chamada primeira fase do jornalismo
zava-se por sua ligação com a ~~pansão e a consolidação do novo é, assim, a produção tipográfica dos avisos que antes eram manus-
modo de produção na sociedade.LQjQrnaL SlJrgiu das necessidades critos ou transmitidos verbalmente por meio de mensageiros a reis
do comércio mundial no começo dos tempos modernos; o cálculo
ou grandes comerciantes '(COSTELLA,1978, p. 76 et seqs.). A
capitalista necessitava de um, fluxo de informações controlável,
função da imprensa nesse contexto é a de ser somente um inter-
regulável e acessível em geral: Ou, como explica Habermas,
mediário em um processo no qual o decisivo são os dois outros
o trânsito de notícias desenvolve-se não somente no contexto de pólos: o homem que vê, que toma conhecimento, e aquele a quem
necessidades do trânsito de mercadorias; as próprias notícias trans- interessa esse conhecer.
formam-se em mercadorias. A elaboração noticiosa comercial está
sujeita, assim, às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento ela A partir do estabelecimento dessa função, a informação passa
deve sua própria existência (1965, p. 15). a ser algo negociado. Essa diferença fundamental passa a ser fun-
ção da imprensa: tornar comercializável um bem abstrato que no
iInicialmente, porém, as fgrma:s de imprensa burguesa prece- passado era sinônimo de poder em si.
dentes às apontadas por Enzensberger .eram ainda essencialmente
_artesanais. Oriundas do sistema de correspondência privada e do- Nas formas tradicionais de sociedade o fluxo de informação era
armazenado hierarquicamente. A Igreja e a Universidade são ainda
tadas de técnicas elementares de produção de jornais, tais formas hoje um exemplo de como o saber era administrado como um
de imprensa apresentavam uma vaga idéia do que caracterizaria os mistério e tido como um privilégio dos "iniciados" (GEYRHOFER,
diversos impressos jornalísticos do século seguinte. Aqui ainda se 1973, p. 44-6).
I

.•.• 118 I
60 61.

II1 o advento da imprensa simboliza a ruptura com a forma segregada ajudasse a aumentar as vendas e os lucros dos comerciantes. Por
de armazenar informação. Enquanto o catedrático e o sacerdote isso, tais ideais "democratizantes" nunca se colocaram para essa
I
i detêm informações e as transmitem em doses discretas aos inicia- imprensa demolidora do saber enclausurado. A questão era inten-
li! dos, que têm um longo percurso pela frente até chegar a uma sificar o fluxo de informações e não distribuir cultura.
situação próxima a desses "privilegiados", o jornalista descarrega A passagem da imprensa informativa, dos "vendedores de I
tudo o que tem, nada ficando preso, retido, armazenado. Para ele notícias" para a imprensa de opinião, dos "portadores de opinião
a informação não é capital que poderá ainda render dividendos pública" (Habermas) marca a revolução empreendida a partir do
futuros, mas um bem que - como os alimentos - perece facil- final do século XVIII, caracterizando o início da segunda fase na
mente e que deve ser consumido integral e rapidamente. O jorna- imprensa, a do jornalismo literário e político. É nessa fase que
lista simplesmente veicula a informação recebida em troca de surge a redação como setor específico do jornal. É a época dos
dinheiro; os portadores das formas secularizadas de saber as detêm jornais eruditos, das revistas moralistas, época em que escritores
e negociam sua utilização. O poder destes baseia-se na contenção e políticos escrevem em suas páginas.,
do fluxo de seu saber; o jornalista, opostamente, socializa esse
No jornalismo literário os fins econômicos das empresas vão r
saber, dissemina-o na sociedade. Ele é um artífice da desmonta-
para segundo plano. Os jornais são escritos com fins pedagógicos
gem dos mitos secularizados. A questão é que tal função não se
e políticos. É também característica dessa fase a imprensa parti-
dá por motivos "democratizantes", mas sim, puramente comerciais.
dária, na qual os próprios jornalistas eram políticos e o jornal, o
Na tentativa de alcançar mais lucro também nesse setor do mer- seu porta-voz. A razão da sobrevivência dessas empresas total-
cado, a venda de notícias precisou ser aumentada. Isso significava, mente deficitárias em termos econômicos deve-se à sua função no
da mesma forma, que cada vez mais os acontecimentos e as novi- cenário das discussões políticas daquele século.e-
dades precisariam despir-se de seu significado político e transfor- Essa ~l1lPJensa insere-se nos meios políticos europeus, nos
mar-se em mercadorias para venda. [ ... ] Mesmo na comunicação
cafés e salões burgueses e fornece material à burguesia para as
individual as novidades vividas diretamente são continuamente
substituídas por conversas sobre os acontecimentos indiretos, "vi- suas discussões e seu entretenimento. ,É,. portanto, um veículo
venciadas por meio da notícia" [ ] As leis do mercado trans- interno da classe, no sentido de ser porta-voz de setores e grupos
formam, porém, não somente o [ ] sistema de notícias. Elas políti~~s e econômicos da sociedade que se debatem por melhores
tornam disponíveis publicamente e como mercadoria, a partir daí, postos no aparelho de Estado e na sociedade civil. Pouco tem a
não somente as "novidades" senão também os produtos culturais ver com a grande imprensa de massa do século XX. Serve ainda
de todos os tipos. Basicamente, são trasladados por esse caminho
para satisfazer exclusivamente esses grupos de interesse.
em forma de mercadoria, objetivações literárias, filosóficas e po-
tencialmente também religiosas, expostas ao acesso geral, à ('ClI- N a Paris de 1789 e também na Paris de 1848 cada político razoa-
culabilidade. (COLETIVODE AUTORES... , 1985, p. 27-8). velmente destacado criava o seu clube, cada dois criavam um jor-
nal: somente entre fevereiro e maio 450 clubes e mais de 200
A desmontagem do saber operada pelos jornalistas é predatória. jornais lá surgiram. (GROTH, 1928, p. 8 et seqs.).
Não se colocam pressupostos morais ou éticos. Tudo é vendável
e passível de ser absorvido pelo público. Os demais setores da sociedade praticam a comunicação de forma
Isso deve-se ao fato de que a expansão da atividade jornalís- puramente amadora.
tica não veio sustentada por um movimento social interessado na Nos jornais literários e políticos as funções de diretor (Her-
liquidação das elites do saber, da intelligentsia nobre. Muito dife- ausgeber) e editor (Verleger) separam-se nitidamente. As funções
rente disso, o surgimento da imprensa burguesa seguiu imperativos que anteriormente estavam exclusivamente nas mãos do diretor
estritamente econômicos, veiculação de avisos sobre mercadorias e agora são divididas. Ao editor (redator) cabiam também funções
fatos de ordem econômico-financeira, notícias, enfim, que eram empresariais e participação nos lucros do jornal. Com essa sepa-
vitais para a classe do capital. ,:~A imprensa só pôde expandir-se ração passa a impor-se também o artigo de fundo e a autonomia
por ter sido vista por essa classe como um excelente meio de infor- redacional. Nessa época, jornais são veículos de grande alcance e
mação e comunicação dos negócios; E, tanto naquela época come instrumentos puramente políticos. Os imperativos da rentabilidade I
agora, o que fosse veiculado só interessaria na medida em que não se impõem sobre as intenções políticas dos redatores. Multi-
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'*an.& ~
62 63

plicam-se os pasquins e a luta político-ideológica junto à imprensa a constituição da totalidade da nação - de forma social-revolu-
é intensa. O século XIX foi amplamente marcado por convulsões cionária - como esfera pública proletária. O inicio do movimento
sociais. operário inglês diferenciou-se claramente da atividade revolucio-
O período é marcado igualmente pela afirmação política do nária do trabalhador francês do século XIX assim como, inversa-
Estado burguês. Na Europa central, principalmente, onde movi- mente, o capitalismo inglês e a industrialização impulsionad.apor
ele, impuseram-se mais conseqüentemente lá do que no continente
mentos de nacionalismo, liberalismo e socialismo disputam as pre- (NEGT & KLUGE, 1976, p. 327).
ferências políticas, trata-se de consolidar as bases da democracia
formal. N a Grã-Bretanha o avanço determinado pela Revolução No continente, essa reação nostálgica viria a aparecer relativamente
Industrial no início do século XIX trouxe consigo a ebulição das mais tarde, especialmente nos países industrializados, e ~a Alema-
lutas sociais em vários níveis da sociedade. Após 1830 implan- nha ela foi conhecida somente no século XX, por meio de sua
tou-se a reforma eleitoral que garantia à classe burguesa ascendente manipulação pelo nazismo (MARCONDESFILHO, 1982, p. 47 et
o direito de voto, que iria se estender à maioria dos homens adul- seqs.). Nesse mesmo período, século XIX, França e Alemanha
tos. Tal foi o espírito do Reform Act de 1832, que teve como também convulsionavam-se politicamente. A revolução de 1848
conseqüência a mobilização posterior em torno dos direitos civis contra a aristocracia na França assinalava o avanço das campanhas
também para os trabalhadores. O movimento cartista significou, nacionalistas e socialistas, estas últimas principalmente incentivadas
nesse sentido, a primeira luta pelo reforço das estruturas de comu- por intensas campanhas políticas. A liberdade de imprensa vai ser
nicação, com tentativa de criação de um contra-sistema de co- uma reivindicação que aparece também na Alemanha, na sua revo-
municação, de organização da própria imprensa, formação, defesa lução de 1848. Nesse país pleiteava-se o livre trânsito de idéias, ao
e luta pelos ideais das classes proletárias (VESTER, 1976). Esse mesmo tempo em que se lutava por maior liberalismo e pela unifi-
movimento, que surgiu em fins do século XVIII contra as oligar- cação nacional.
quias e pela recuperação dos pequenos produtores, propunha a A maior revolução da história do jornalismo dá-se nessa fase.
substituição do modo de produção capitalista por estruturas coope- A inovação tecnológica transformará radicalmente os rumos e o
rativas de divisão do trabalho. Em princípios de 1800 os trabalha- caráter da imprensa política do século XVIII e XIX. Acompa-
dores levavam à frente o caráter reformista da sua organização, nhando a expansão industrial acelerada do início do século, a
pleiteando a democracia, o retorno dos antigos direitos e a imprensa produção de bens em massa e conseqüente dilatação do mercado,
sem selo (SWINGEWOOD,1978, p. 30). Embora sem propor ne- a ampliação da exploração colonial e a afirmação política e econô-
nhuma alternativa concreta ao capitalismo, a consciência operária mica da nova classe dominante, a imprensa começa a transfor-
ainda expande-se até 1840, quando a repressão do Estado consti- mar-se. Já é hora de se estender a "conquista tecnológica" para
tuído age mais radicalmente para liquidar o movimento. O cartismo a produção de jornais em massa.
foi historicamente não mais do que uma reação social do capita-
O ponto de partida marcante desse desenvolvimento foi a intro-
lismo iniciante, uma forma de socialismo prematuro do século XIX.
dução, animadamente festejada, da prensa rápida ~em. noveI?b.ro
As formas de estruturação social sob a filosofia do capitalismo, de 1814, pelo Times londrino), descoberta por Fn:dn~h Komg,
em que imperam a concorrência, o rendimento, a individualização que reduziu sensivelmente o tempo entre a ocorrencia de um
do trabalho operário, são estranhas ao trabalhador que se originava fato e sua divulgação em um grande território. [... ] O que o
de relações sociais bem distintas, no campo. O surgimento das jornal não transmitiu aos seus leitores foi o fato de que uma
corporações, da imprensa, das instituições educacionais e culturais máquina tão impressionante não poderia ser utilizada s~m um
gasto financeiro considerável, e que os custos mal podenam ser
não significava mais do que a reivindicação por algo que o capita- cobertos com o produto da venda (JAENICK, 1972, p. 172).
lismo lhes negava.A._q!t~.dll do movim_~_~..__ ~_~E!ista.~~l!LCOmO
. .resultado o aparecimento dossTndlcatos~-aas cooperà:U~ªL(!_s!emais A transformação tecnológica irá exigir da empresa jornalística
organizações, aindaquerelativamente desorganizadase sem lide- a capacidade financeira de auto-sustentação com pesados pagamen-
rança sólida Essa "reação nostálgica ao capitalismo moralmente tos periódicos, irá transformar uma atividade praticamente livre
'regulamentado" (SWINGEWOOD, 1978, p. 85) - o movimento car- de pensar e de fazer política em uma operação que precisará
tista - reivindicou mesmo assim vender e se autofinanciar. É o período de maturidade da imprensa

~.2. I
64
6S
como empresa capitalista que começa a surgir aqui. A fase do
veículo de comunicação em que o "impulso pedagógico deixava-se caracterizaria claramente como déspotas - mas com o sufocamento
financiar pela falência" (HABERMAS, 1965) irá, necessariamente, econômico. Se no campo político são dadas rédeas à oposição,
ceder o passo à imprensa sintonizada com as exigências do capital. no econômico elas são puxadas até o estrangulamento. Isso garante
Certamente esse desenvolvimento irá impor-se muito lentamente; à burguesia amplo campo de ação, pois, para 'ela, essas dimensões
são colocadas e rigidamente mantidas em separado.
a tendência, contudo, está presente e marcará inexoravelmente o
caminho a seguir. A partir da segunda metade do século X.!~ __.gelineia-se tam-
bém a divisão fundamental que ocorre dentro da imprensa e que
No início, em meio a uma imprensa motivada em primeiro lugar Habermas ignorou em seu estudo sobre a formação da esfera públi-
politicamente, a transformação de empresas isoladas em bases ca burguesa (HABERMAS, 1965). llª.t.a,.se da separação entre im-
puramente econômicas pretendeu representar apenas uma possibi-
J2I~mHl..~()mo empresa capitalista de um lado e a formação e a
lidade de investimento lucrativo; logo, contudo, ela passou a ser
uma necessidade para todos os diretores de jornal (HABERMAS, "-' consolidação da imprensa partidária de outro. A imprensa pura-
1965, p. 202). mente política (doutrinária, ideológica) dos partidos social-demo-
cratas, socialistas do século XIX caracterizou-se como o principal
A oportunidade de criar um jornal vai sendo cada vez menos um meio de discussão política e estratégica nos conflitos sociais do
resultado do movimento político e cada vez mais uma oportunidade final do século. A imprensa burguesa, particularmente a partir de
dos que têm o capital. 1830, começara a definir-se como imprensa de negócios para o
,. A conseqüência mais grave de todo esse desenvolvimento foi comércio de anúncios. É nessa mercantilização do jornalismo que
a ~~Pt~ssão. da liberdade individual do redator, do jornalista, e a se separam as tendências. Contudo, é fundamental que se ressalte,
iransferênda dessa liberdade exclusivamente para as mãos do pro- essa imprensa, como empresa capitalista, é a que mantém as carac-
prietário. Jornalismo aqui já deixa de ser livre manifestação de terísticas originais da atividade jornalística: busca da notícia, o
indivíduos isoladamente, forma de externalização de idéias e posi- "furo", o caráter de atualidade, a aparência de neutralidade, em
ções políticas. A ditadura do capital vai exigir liberdades plenas suma, o caráter "Iibertário e independente". Assim como o fun-
para si própria - "liberdade de imprensa" (ver adiante Capítulo cionamento econômico é regido pelo laissez-faire, também em pleno
IV, tópico 2) - e vai oprimir despoticamente as expressões e as capitalismo concorrencial.a atividade jomalística reflete o livre
manifestações públicas dos jornalistas. Um texto da época, segundo jogo ,.de_J.~ç-ªL~apitalistas da disputa política. Isso lhe confere
J aenick, diz que uma aparência pliíralista. A imprensa partidária que se forma a
grande quantidade de escritores é puramente rebaixada a ser- partir da negação do espírito empresarial que assumiu a imprensa
vidores, criados e "ajudantes de mercado"; o jornalismo cai em desse período já não mantém o espírito inicial do jornalismo. Te-
dependência a olhos vistos. Umajiova tirania está se formando mos agora uma imprensa de discussões políticas que penetra nos
jynto a.2..-J2Q9.n..llga!1ceir9.~.~:_~!:It9.r.i9-a~~iiúbIi~~-que· dividem debates do sindicato e das organizações operárias, mas não temos
entre si o ÍQIualismo (1972, p. 173). - ...
,... --- . mais uma imprensa noticiosa diária, puramente "informativa" e
superficial, que caracteriza o modo de produção informativa bur-
Essa passagem representa o que em termos políticos mais amplos
guês. Os. jornais tornam-se v~fc!!Jºs .._de. persuasãoje doutrinação
ocorria com a sociedade sob o Estado de direito burguês: a elimi-
ideológica, tornam-se muito' mais analíticos. e teóricos, participam
nação progressiva da cena pública e política dos agentes que cola-
cada vez mais de discussões programáticas e estratégicas. Thr-
boraram pela supressão dos privilégios feudais antigos e que agora,
narn-se, assim, instrumentos de condução (manipulação) .da .massa
uma vez instalado o poder do capital, tornam-se servos de um novo
senhor. Os políticos e os pequenos jornais, utilizados como massa
~er:<frJ~_~e_
~ão p~!.deJlc!º, progressivamente, - a vi~cui~ç~o .com as
necessidades.Infcrmativas i!lleclia~as ~<?. público. Nessa orientação,
de manobra para a consecução de objetivos políticos burgueses,
o jornal burguês avança bem mais em direção a veículo de massa
perderam, num segundo momento, a autonomia conquistada com
e de conquista do público leitor. Quanto mais ele tende à empresa
a mobilização política. Os novos senhores da sociedade burguesa
capitalista com lucros e perdas, que produz mercadorias de busca
buscam agora domar os rebeldes, não necessariamente com a proi-
e interesse amplo, tanto mais ele desenvolve melhores técnicas de
bição de circulação de seus veículos de comunicação - o que os "aprimoramento do produto".
I :
I [11 i

~. ea
66 67

o aparecimento dessas novas técnicas dá margem ao surgi- Esta está carregada de apelos às carências psíquicas das pessoas e
mento da imprensa de massa. Esta será o substituto funcional que explora-as de forma sádica, caluniadora e ridicularizadora. Assim
a burguesia encontrará para preencher a lacuna criada pela supres- como nos programas de TV modernos, o que se passou a vender
são da liberdade jornalística. Obviamente, a imp.1ensa
não foiulIlain()vação
º~,
massa
inteI!çi()nalmel1teplane]ada para isso, não
era muito mais do que a mensagem denotada. No jornalismo sen-
sacionalista as notícias funcionam como pseudo-alimentos às carên-
houve ulIlá'programaçªo ...dese~Sl.!EgilIlelltó exc1usivallle!lJe~~ra cias do espírito. No jornal informativo comum esse caráter era
substituir Ó jornalismo literário e político. ' EUlfoí, ao contrário, menos destacado, não deixando entretanto a forma noticiosa de
de'correncia dãsnovas facilidâd~-s-de prôduçã~ em grandes quanti- ser sensacional. O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da
dades, Y.Oltªclª!ll:1I1bémp~J:ªentreteLasmassªS~ellstQPizadas .pelos notícia, a sua carga emotiva e apelativa e a enaltece. Fabrica uma
discursos e lllovim'entações socialistas da. época. A "indústria cul- nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma. Os
tural",que Adorno e Horkheimer caracterizaram em 1947, apli- fatos sociais, embora não sendo sempre necessariamente notícia,
ca-se muito mais a essa época do desenvolvimento econômico: uma vez trabalhados para esse fim assumiam o caráter de mer-
produção de bens culturais (livros, jornais, impressos em geral) em cadoria.
larga escala para a ocupação do lazer (ainda modesto) das grandes A gradual implantação da imprensa de negócios, terceira fase
massas urbanas que se viram, com a mudança de vida e a supressão da história do jornalismo, iniciava-se, assim, após 1830, especial-
das formas de sociabilidade do habitat rural, desligadas das ativi- mente na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. A sua domi-
dades ocupacionais anteriores. nação plena dá-se a partir de 1875. A grande mudança que se
O primeiro jornal de massas surge [... ] já em 1833. Ele, o opera nesse tipo de imprensa é a inversão de importância e de
jornal Sun, não possuía nenhum artigo de fundo politicamente preocupação quanto ao caráter de mercadoria do jornal. O seu
diferenciado, senão relatos sobre processos de justiça, execuções, valor de troca, a venda dos espaços publicitários para assegurar a
suicídios, ocorrências locais e acontecimentos mundiais extraordi- sustentação e a sobrevivência econômica, passa a ser prioritário
nários. Já em torno de 1830 havia surgido, se bem que não pro- em relação ao valor de uso, a parte puramente redacional-noticiosa
fissionalmente, aquilo que seria denominado posteriormente "opi- dos jornais. A tendência é a de fazer do jornal um amontoado de
nião jornalística", e o que seria louvado como concreção, inteligi- comunicações publicitárias permeado de notícias.
bilidade, ilustração, como tomada de partido pelo zé-ninguém, e A introdução dos novos aparelhos de impressão exigia, como
criticado como personalização, ideologia etc. Trata-se de uma con-
centração em temáticas sensacionalistas e um correspondente tra- vimos, maior investimento de capital, um aumento do risco comer-
tamento dos acontecimentos. Nos anos de 1880-1890, no período cial e a submissão da política ao ponto de vista empresarial:
do Gilded Age, começa nos Estados Unidos a grande produção O jornal, à medida que foi se desenvolvendo como uma empresa
em massa. As misturas de sensacionalismo da imprensa de um capitalista, caiu na área de interesses alheios à empresa (HABER-
penny são, então, refinadas e apresentadas tecnicamente com mais MAS,1965, p. 203).
efeitos a partir de 1883 no jornal de Joseph Pulitzer, World, de
Nova Iorque. Aqui surge uma mescla de indiscrição, sensações,
escândalos, a que se denomina, a partir daí, "interesse humano" Dentro da própria estrutura redacional alternam-se as rela-
(PROKOP, 1979, p. 36). ções entre editor e redator. O redator perde a sua autonomia e
o tratamento e elaboração de notícias sobrepõe-se à "linha" edito-
A notícia, como mercadoria, vai recebendo paulatinamente rial. A partir de 1870, a escolha de títulos e a distribuição de
mais investimento para melhorar a sua aparência de valor de uso matérias no jornal sai das mãos do redator e vai tornar-se função
(HAUG, 1972): criam-se as manchetes, os destaques, as reporta- do editor (HABERMAS,1965, p. 203).
gens, trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas A fase de consolidação da imprensa de negócios como socie-
!
chamadas de primeira página. .Q~eve vender-se pela sua dade por ações vem no último quartel do século XIX, em que não
aparência. O que vai diferenciar-um jornafcliTo"sensacl(Jnalista" somente a empresa jornalística se impõe como única forma possí-
deoutro dito "sério" é somente o grau. Sensacionalismo é apenas vel de competir no mercado editorial mas também se formam os
o grau maisrªQiçªL c!e JlleIC.ªlltili7:ªçª,Q_,cl.Linfor.l1lação:
tudo o que grandes conglomerados da indústria da imprensa. Essa tendência,
se vende é aparência e, na verdade, ve~seaql!il~e-ª-jnfor- como expõe J aenick (1972, p. 174-5), não vem isolada, mas
.mação internanão __jr;Ldes.en~olv-er. _melb9I--ºº-ml~_ª__I!!ª1l~hete. acompanha o processo geral de concentração na economia. O

.,4. L.I
68
6'
apenas de produção em massa de bens culturais; agora implanta-se
suporte econômico dos meios de comunicação era tendencialmente
o processo em que
favorecido diante do suporte jornalístico, e nesse contexto resultava
uma linha comum, qual seja, a da necessidade de cuidar-se da não se cria somente um produto mas, principalmente, sua media-
possível concordância geral entre as expectativas dos assinantes, ção, com derivações secundárias, terciárias, efeitos de infiltração
dos interesses econômicos e da forma de escrever dos jornalistas e em que interessa o lado sensível do que ela reproduz e leva às
(JAENICK, 1972, p. 174-5). pessoas (ENzENSBERGER,1962, p. 8-9).

Assim, é correto que a publicidade demonstre um aumento dos Só isso pode explicar a manipulação ideológica moderna dos Estados
interesses do que é denominado "qualidade" de um jornal. Para fascistas e· da guerra fria.
os anunciantes, assim como para os editores, o trabalho jornalís- A tendência à formação de complexos de comunicação já no
tico representa um apoio de venda - isto, contudo, só se o jorna- início do século, acompanhando, de certa maneira, a expansão do
lista não vier com a idéia de questionar a própria base sob a
qual repousa a empresa editorial. Tendencialmente o interesse capital em diversificadas esferas da atividade econômica, trouxe
editorial força uma brecha de rebeldia crítica dos jornalistas; pouca correspondência da produção "alternativa", ou seja, pro-
ao mesmo tempo, porém, faz com que o jornalista retribua com a dução de jornais das classes dominadas. A cultura relativamente
defesa do existente, da situação dentro da qual a atividade jorna- distinta que os trabalhadores produziam e divulgavam no início do
lística promete ganhos à editora. "Qualidade" chama-se, nesse século ainda estava marcada pelos resquícios de saudosismo do
sentido, antes de tudo "eficiência"; e eficiência, assim sublinhou período pré-industrial. As formas religiosas, tradicionais, supers-
em advertência o Frankjurter Allgemeine Zeitung há algum tempo, ticiosas e de senso comum para explicar a realidade compõem
é, para aqueles que estão orientados pelo sucesso econômico, ex- essa "resistência" à penetração da ménsagem em grande escala,
clusivamente, o que "o mercado paga" (JAENICK, 1972, p. 175).
modernizadora da industrialização e de seus veículos de transmis-
são ideológica. A cultura política dessa classe proletária européia,
Nos Estados Unidos cria-se o conglomerado Hears, na In-
particularmente o proletariado continental dos países industrial-
glaterra o Northclyff e na Alemanha Ullstein e Mosse. Essa am- mente mais avançados, ainda era politicamente neutralizada (de-
pliação empresarial vai trazer consigo, evidentemente, uma melhor pendente de liderança) e, até aos anos 20, nada mais foi do que
organização funcional. Além da função e da centralização admi- uma subcultura da social-democracia desse período. A ideologia
nistrativa e financeira ocorre a sincronização com as agências no- de blocos (MARCONDES FILHO, 1982a, p. 13) com sua "luta de
ticiosas, igualmente monopolísticas. Pequenos jornais unem-se classes organizada", com suas divisões internas de trabalho (ideo-
também aos complexos jornalísticos, estendendo até as províncias lógico/político), em que cada um deveria especializar-se em uma
o processo unificador da informação. O crescimento do poder da atividade, sem ter em conta uma perspectiva global socialista (prá-
imprensa, como forte conglomerado econômico, político e ideoló- tica idêntica à divisão do todo em esferas independentes tal como
gico, vai agora .passar a representar para o Estado uma nova na cultura burguesa), foi a cultura que prevaleceu nas principais
ameaça. Na Europa "os governos levaram as agências diretamente nações industrializadas até o advento do fascismo. Uma curiosa
à dependência" (RABERMAS, 1965, p. 205). O Estado, q~e no tentativa de unificação dos produtos da indústria da comunicação
período liberal intervinha para assegurar a sobrevivência e a in- viria com Willi Münzenberg e seu Konzern de comunicação.
dependência das instituições de comunicação do público, agora
intervém para deter a exagerada expansão dos meios de comuni- A mais bem-sucedida contracomunicação até hoje foi o conglo-
cação em mãos privadas. Isso ocorreu principalmente na Europa. merado do Partido Comunista Alemão da época da República
de Weimar, associado ao nome de Willi Münzenberg. Ele com-
Após 1930, com a intensificação da publicidade como fator preendia o AIZ [uma revista para trabalhadores], Welt. am Abend
imprescindível para a sobrevivência e reforço do capitalismo mo- ["Mundo à noite"], Berliner Morgen ["Manhã berlinense"], a As-
nopolista diante das crises cíclicas de consumo (BARAN & SWEEZY, sociação do Filme Popular, a Sociedade de Livros Universo, a
1966) e do serviço do public relations, que passa a dotar de status Nova Editora Alemã, Eulenspiegel ["O bobo da corte"], Weg der
de poder público as empresas privadas comuns (RABERMAS, 1965, Frau ["Caminho da mulher"], o Magazin jür Alle ["Revista para
p. 210-13), opera-se a verdadeira revolução na comunicação: de todos"]. Além disso, Münzenberg coordenou a Ajuda Operária
indústria da cultura os meios de comunicação "de massa" tor- Internacional, um Banco de Ajuda com empréstimos populares,
a Liga Contra a Repressão Colonial [ ... ]. A Ajuda Operária
nam-se efetivamente indústria da consciência. Já não se trata

•.adS.
70 71

Internacional reunia uma série de empresas: mercadorias, creches, sento parte da tabela desses autores, relativa aos jornais diários
pesca por atacado, uma fábrica de sapatos, um ambulatório [ ... ]. . alemães em 1970, avaliados em marcos alemães por tiragem e por
Münzenberg criou jornais, equipamentos industriais, organizou ma- ano (AuFERMANN; LANGE & ZERDICK, 1973, p. 255-6). (Nota:
tinês, eventos de massa, fogos de artifício, dias de solidariedade,
1 marco alemão .= 0,4 dólares americanos em 1985.)
fundou Associações Vermelhas de Consumo, cooperativa de fabri-
cantes de meias e... uma fábrica de cigarros - com marcas
"Solidariedade", "Tipo Vermelho" (SCHWENDTER,1971, p. 264). Custos e rendas de jornais conforme a tiragem (1970)

Tiragem 5.000 % 25.000 % 100.000 % 250.000 %


3. A concentração na imprensa Custos a
Redaçãe : 2,39 14,2 2,78 15,7 2,88 15,4 2,65 13,6
No século xx a imprensa sofreu novas transformações. A Venda
Anúncios
2,42
2,07
14,4
12,3
3,25
2,27
18,3
12,8
4,07 21,8 4,42 22;7
mudança do papel do Estado na economia capitalista monopolista, 2,51 13,5 2,86 14,7
Administr. 1,02 6,1 1,15 6,5 1,25 6,7 1,30 6,7
na qual, a partir dos anos de recessão, tornou-se diretamente in- Composição e
tervencionista, caracterizou uma situação clara nas relações Esta- Impressão 7,48 44,6 6,55 36,9 5,69 30,5 5,47 28,2
do-imprensa. Nos regimes fascistas, como veremos adiante, a atua- Papel 1,41 8,4 1,74 9,8 2,25 12,1 2,75 14,1
ção do poder estatal em alguns casos calou completamente os jor- Soma 1 16,79 100,0 1"7,74 100,0 18,65 100,0 19,45 100,0
nais, em outros, manteve-os sob controle direto ou indireto, em
Rendas b
situações de crise econômica e política (como será visto no Capí- Venda 5,34 31,4 5,81 31,3 6,11 29,9 6,33 28,0
tulo IV). Anúncios 11,66 68,6 12,75 68,7 14,32 70,1 16,29 72,0
As conseqüências da concentração jornalística, porém, per- Soma 2 17,00 100,0 18,56 100,0 20,43 100,0 22,62 100,0
manecem, e esse fenômeno convive com o desenvolvimento econô- Lucros b
mico atual. 2 - 1 0,21 1,2 0,82 4,4 1,78 8,7 3,17 14,0
Renda anua] 816.000 5.568.000 24.516.000 81.432.000
A tendência à concentração atinge naturalmente, em primeiro Lucro anual 10.080 246.000 2.136.000 11.412.000
lugar, os pequenos jornais que têm na indústria publicitária muito
pouco que oferecer aos leitores de anúncios e são redacionalmente a As porcentagens desta coluna referem-se ao custo global.
muito pouco atraentes. A morte de jornais nos últimos vinte anos b As porcentagens referem-se à venda de jornais.
atingiu primeiramente os pequenos, com tiragem inferior a 60.000
exemplares, que não podem aumentar essa tiragem e que são pos- A tabela demonstra que um exemplar de um pequeno jornal
tos fora do mercado pela grande concorrência. Um jornal com
tiragem de. 50.000 exemplares, sem monopólio local e sem outras gasta aproximadamente dezessete marcos para ser produzido, dos
grandes encomendas de impressão para a própria gráfica, mal pode quais somente 5,34 marcos, ou seja, 31,4% vêm da venda em
sustentar-se economicamente. Com lucros só operam os grandes, bancas. O restante do custo tem que ser coberto pela publicidade.
que se tornam cada vez maiores. Do ponto de vista da economia Para grandes jornais a importância do anunciante cresce para 72 %
de empresa, a concentração jornalística é explicável a partir das (em relação aos 68,6% do pequeno jornal). Em compensação,
peculiaridades da empresa jornalística. A mercadoria jornal é seu lucro é quinze vezes maior do que o do pequeno proprietário.
vendida em dois mercados. Por um lado, as vendas vêm do negó- É interessante também observar a redução dos custos de compo-
cio de anúncios (rendimentos da publicidade); por outro, da sição e impressão, que correspondem a .44,6% (7,48 marcos)
venda direta, ou seja, das assinaturas e. da renda da venda em para o pequeno jornal e apenas 28,2% (5,47 marcos) para o
bancas. O editor vende o leitor à indústria de publicidade e ao
leitor a parte redacional como invólucro da propaganda (PRESSE- grande. Incomparavelmente dispares, por fim, são os lucros anuais
KONZENTRATION, s.d., p. 25). das empresas jornalísticas. Enquanto uma pequena unidade arre-
cada míseros 10.080 marcos anuais, uma grande tem mais de mil
Aufermann e outros demonstram empiricamente como os vezes essa renda.
grandes jornais não somente são mais estáveis que os pequenos, Além disso, as grandes empresas têm condições de deter-
assim como têm muito mais lucros (e, portanto, maior capacidade minar preços de anúncios e de assinaturas bem como o nível de
de impor-se monopolisticamente no. mercado). A seguir, apre- salários, pagamentos e a velocidade da mecanização e da auto-

I
". jjO-
72 73

mação. Elas podem trazer profissionais de pequenos e médios sidade formal, ao mesmo tempo do asseguramento da estabilidade
jornais, tornar dependentes outros jornais, para os quais executam e da disciplina psíquica (PROKOP, 1972; p. 364).
trabalhos remunerados de impressão e pressionar concorrentes a
saírem do mercado por meio do seu poder econômico (COLETIVO Ou seja, interpretando as palavras de Prokop, a variedade sintetiza
DE AUTORES... , 1984, p. 79-80). Um caso típico foi a pressão no receptor uma relação de troca. As disposições, as aspirações por
exercida sobre as revistas simpatizantes da coalizão liberal Der felicidade (que podem ser transmitidas nos meios de comunicação
Spiegel e Stern, na Alemanha Ocidental, pela cadeia Springer. (A como "alternativas" à vida presente) são ameaçadoras de uma
primeira publicou, em sua edição n.? 32/1972, à página 3, uma relativa estabilidade psíquica. O receptor abre mão delas, por-
carta anônima que alertava seus anunciantes sobre supostas con- tanto, em troca dessa variedade formal que vem no jornal, de
seqüências de seus anúncios: "os senhores apóiam diretamente, caráter disciplinador. Em vários pontos deste trabalho chamei a
por meio da inserção de anúncios no Der Spiegel, a derrubada de atenção para o caráter "misturado" que se encontra no jornal. Sua
nossa ordem democrática livre".) O poder de mobilização de variedade interna ilude quanto a uma multiplicidade externa. Os
Axel Caesar Springer não pode ser avaliado com precisão. Helmut jornais reduzem-se a alguns poucos com a concentração, e disso
Schmidt, o penúltimo primeiro-ministro alemão, advertiu, certa vez, reverte uma maior heterogeneidade nos conteúdos desses poucos
que um deputado que se colocasse contra Springer cometeria um jornais. Trata-se de um reduzido espaço de escolha dentro de um
suicídio político (COLETIVODE AUTORES... , 1984, p. 82). No universo maior que já está fechado de antemão. Uma curiosa ana-
caso da revista Der Spiegel, esta perdeu, um pouco antes, por meio logia a isso é o processo de abertura democrática em Estados ainda
do "boicote de anúncios" proclamado pelo redator-chefe do jornal sob o governo autoritário e forte: o pequeno espaço para a prática
Welt, Herbert Kremp, do primeiro semestre de 1970 ao mesmo da liberdade é o espaço permitido por um poder maior aos atores
período de 1971, 15,2% (415 páginas) de anúncios, o que signi- e aos partidos, desde que não fujam aos seus limites.
ficava um retrocesso dos anúncios em cerca de dez milhões de
marcos (quatro milhões de dólares) somente no primeiro semestre
de 1971 (PRESSEFREIHEIT,1972, p. 11).
4. Jornalismo na era eletrônica
O crescimento dos monopólios e a progressiva concentração na
imprensa reduz sensivelmente os espaços de produção de jornais
Nestes últimos anos manifestaram-se os sinais do ingresso do
divergentes das opiniões dominantes. O processo, sem dúvida,
jornalismo em sua quarta fase, a fase eletrônica, que faz parte de
acompanha a monopolização geral da economia capitalista e só se
toda uma revolução tecnológica nos meios de comunicação, que
explica por meio dela. Com a concentração e os monopólios redu-
atinge o sistema de rádio, de televisão, de telefonia em geral e as
zem-se mais ainda as possibilidades de variedade de opiniões. Esta
demais formas de comunicação à distância.
torna-se, na atualidade, um verdadeiro mito, produto ideológico da
dominação econômica, para encobrir a verdadeira situação sufocada O que se introduz gradualmente são as formas de leitura de
jornal à distância (teletexto) e os terminais de vídeo nas redações
em que vive a comunicação de pequeno porte.
de jornal. São dois processos distintos, mas associados ao traba-
O mito da variedade ilustra-se pela real inexistência dessa lho jornalístico. Vários países europeus mantêm, até hoje, processos
variedade de veículos. A variedade transferiu-se para dentro dos de produção jornalística obsoletos do ponto de vista empresarial
jornais. Deve-se construir a variedade nos jornais em vez da va- porque a força de trabalho local não se submete às inovações tecno-
'i
riedade dos jornais, declaram políticos comprometidos com o poder lógicas, que, entre outros danos, suprime postos de trabalho.
,I (GLOTZ & LANGENBUCHER, 1969, p. 200 et seqs.). A diversi-
:'1'
Jornais tradicionais como o Frankfurter Allgemeine Zeitung,
dade é, o Times, somente para citar dois dos grandes, vêem-se bloqueados
no seu caráter formal, personalizante, fixada em cerimônias e nas suas tentativas de aumentar a utilização da mais-valia relativa,
"acontecimentos" superficiais, suficientemente abstrata para não que nos Estados Unidos e, principalmente, no Terceiro Mundo en-
conduzir ao conhecimento estrutural teórico e, com isso, a uma contram um terreno passivo junto aos jornalistas e seus sindicatos.
outra estrutura de necessidades [... ]. Mostra-se, a partir das A perspectiva empresarial sugere a reciclagem de profissionais como
necessidades, como troca da disposição em defender exigências forma de evitar que eles venham a submergir na enorme onda
de felicidade, que ameaçam o equilíbrio, pela garantia de diver- provocada pela modernização dos jornais. O que não se indica,

".3.
74 75

contudo, é que a reciclagem, apontada como a alternativa para a notícias, além de outras coisas, como foi visto no Capítulo lI, tó-
não-liquidação da mão-de-obra atualmente no exercício profissio- pico 3. Existe - e tudo indica que vá sobreviver - a exigência
nal do jornalismo, substitui apenas uma pequena parte dos atuais do público em conhecer, saber mais sobre determinados assuntos.
profissionais. Essa perspectiva não leva em conta que a substitui- A concorrência com a televisão exigiu que o jornalismo impresso se
ção tecnológica vem exatamente para baratear os custos de produção especializasse nas formas opinativas e interpretativas, deixando a
e, portanto, reduzir o pessoal, o que conduz inevitavelmente ao abordagem puramente informativa a cargo do jornalismo televisio-
aumento do desemprego. nado. Essa imperiosidade garantiu, pelo menos, a sobrevivênvia do
Segundo Elie Abel, jornal como empresa e sua separação clara do noticiário de tele-
visão. Contudo, num período de crises econômicas estruturais den-
a curto prazo [ ... ] ninguém ficará sem esses terminais, que
tro do mundo capitalista, crises essas que têm efeito direto também
simplificam a sistemática do trabalho graças à composição da
matéria completa a partir da própria redação (ABEL, 1982). nas empresas de comunicação (FRANCIS, 1982c, p. 8), as inovações
que reduzam o custo real do trabalho, bem como as que substituam
Com efeito, nos Estados Unidos os obstáculos às novas introduções o homem pela máquina (eliminando assim o fantasma do "poder
tecnológicas não se fazem sentir e, em alguns casos, a utilização de sindical" ou do "poder do profissional"), são bem-vindas e apoiadas
sistemas alternativos de distribuição de notícias pela imprensa es- pelas mídia dos grandes centros econômicos e políticos.
crita chega a ser até mais lucrativa que esta: A quarta fase do desenvolvimento do jornalismo abre a ques-
tão do papel do jornal de forma diferente das fases anteriores. Se a
A Time Inc. está desenvolvendo um serviço de teletexto onde
maior revolução ocorrida no curso histórico do jornalismo como
páginas de informação são transmitidas para receptores de TV
~, especialmente equipados [ ... ] A importância da divisão de vídeo instrumento de propaganda de classe (quer da forma diretamente
I! na empresa tornou-se patente no ano passado, quando passou à política de produzir notícias, quer da forma "camuflada" de vender
frente das edições com a maior fonte de renda da companhia a ideologia, por meio da mensagem publicitária) foi desencadeada
(FOLHA DE S. PAULO, 1983, p. 31). com a introdução de novos instrumentos e aparelhos de impressão
II
!l11
- mudanças tecnológicas, portanto, que obrigaram a empresa jor-
Como uma forma de ganhos extraordinários, um ramo de nalística a se alinhar junto às demais empresas em direção à forma
empresas tradicionalmente voltadas para o jornalismo impresso pode monopolística de dimensionar o mercado e de excluir as pequenas
passar, num futuro próximo, a investir paralelamente nas novas empresas -, então a nova transformação, cujos sinais estamos co-
tecnologias associadas ao vídeo. Isso permitiria também saírem meçando a sentir, traz mudanças estruturais igualmente sérias. Não
de suas crônicas crises financeiras, pois lhes possibilitaria investir há condições de se fazer uma previsão de seu desenvolvimento a
em um setor das comunicações muito mais lucrativo. Numa época longo prazo, mas isso não impede que se faça a projeção e a
em que a crise econômica afeta diretamente a indústria jornalística, avaliação do significado dessas inovações no presente e nos pró-
essa alternativa traria mais vendas - a televisão atinge pelo menos ximos anos. .
uma faixa extraordinariamente maior que o jornal - para a esta- As substituições tecnológicas nas empresas jornalísticas estão
bilidade da empresa. impondo-se e serão mais aceleradas nas próximas décadas nas
realidades em que a força e o poder historicamente acumulado do
Dos seis jornais de Nova Iorque [ ... ] apenas o New York Times
dá lucro. O mesmo ocorre com o Los Angeles Times (ABEL, trabalhador seja menor. No Japão, onde a atuação sindical é pra-
1982). ticamente inexistente, a robotização das indústrias encontrou algum
Os jornais sofrem. São ricos demais, dirão alguns, o que é obstáculo.
certo, mas têm custos gigantescos de pessoal (FRANCIS, 1982c, Os empregados do Asahi Shimbun sempre ofereceram resistência
p. 8). à automatização, não apenas da produção jornalística, mas tam-
bém da industrial (SIQUElRA, 1983).
Os lucros e as altas rendas, não obstante, não substituem as neces-
sidades do valor de troca, que, teimosamente, continuam a ser Em outras palavras, negocia-se a modernização exigindo a total rea-
exigi das dos jornais. Jornais televisionados da forma convencional daptação dos empregados e funcionários. Em termos políticos e
não satisfazem o público, pela sua escassez e pouca profundidade de econômicos, o papel da imprensa, como órgão de classe para ga-

.... 1.
76

rantir a legitimação das formas de dominação na sociedade com


progressiva tendência à centralização, reduzirá ainda mais os es-
paços de movimentação de opiniões (ainda que todos pertençam aos
quadros do pensamento oficial situacionista) e de organização de
~pinião públi~a, exigindo ~a sociedade civil formas antimonopolís-
ticas de orgamzaçao e de divulgação de fatos e de políticas. Afinal,
o outro lado das novas tecnologias eletrônicas é a sua contramani-
pulação e a inversão dos fins para os quais elas estão sendo usadas.
t IV
JORNALISMO E ESFERAS DE·PODER:
CONFLITOS E ARRANJOS

o jornalismo revela-se como uma eficiente prevenção


contra crises sociais, no qual o público, por assim dizer,
aliena-se de sua alienação.
HORST HOLZER

1. Estado sob a economia liberal

A discussão do envolvimento do jornalismo com o poder social


exige que se discuta inicialmente, mesmo que não seja de forma
exaustiva, já que não é essa a pretensão deste trabalho, a própria
questão do Estado e sua relação com as classes, no que se refere
ao plano ideológico e político. Estado e jornais sempre foram con-
/ siderados pela literatura política liberal "instituições independentes".
Enquanto formas fetichizadas, sem dúvida, elas funcionam como
organizações separadas. Os agentes que operam essas instituições,
porém, não se distinguem tão claramente. Isso não significa que os
detentores do poder político e do controle do Estado sejam também
proprietários de jornais. Enquanto especialização ou mesmo incum-
bência na sociedade capitalista, esses agentes desempenham funções
nitidamente distintas. Sua proximidade vem da origem de classe, da
ideologia de urna forma geral e do trânsito em esferas comuns.
Na interpretação moderna do Estado, este não compreende
somente uma dimensão coercitiva, a do monopólio e do exercício da
violência física. Estado passa a significar também a violência ideo-
lógica generalizada em vários órgãos diretamente ligados ou não à
administração pública. O Estado supõe, em autores de orientação
althusseriana, igualmente "aparelhos ideológicos". O procedimento

""a. S6
78 79

de Althusser, como tive oportunidade de demonstrar em outros O fato de o Estado não ser o mesmo que a empresa, não
textos (MARCONDES FILHO, 1982b; 1975), é inadequado para uma significa, por outro lado, que sua política difira da política da classe
pesquisa conseqüente da apropriação e disseminação ideológica empresarial e se desenvolva em oposição a ela. Em realidade, ele
por parte da administração pública: estamos diante de uma visão não é uma força autônoma mas, simplesmente, um "espaço de luta".
pronta, imutável, da conspiração ideológica de classe, com suas re- Ele necessita [... ) entre outras coisas, para poder legitimar o
lações funcionais e relativamente descompromissada com a base monopólio da violência, declarar-se corno uma força indepen-
econômica e com a história. dente, um pouvoir neutre. Dito de outra forma: ele precisa
O que cabe apreender do fato da perspectiva de a ideologia exigir o monopólio da violência e ao mesmo tempo não pode,
dominante ser disseminada por diversos órgãos ligados ou não à
por si próprio, usá-Io sozinho. Essa contradição expressa-se no -.'--=--1
j -
fato de que na sociedade moderna o monopólio da violência direta 1

.. l
administração pública, pelas unidades de reprodução simbólica (es- vale como algo atávico. A violência pública deve delegar sua )

cola, justiça, prisões, meios de comunicação, agremiações etc.) é competência a instâncias intermediárias (NEGT & KLUGE,1973,
esse continuum que Felix Guattari localiza "onde se opera a for- p. 123).
mação coletiva da força de trabalho" (GUATTARI,1981, p. 64). A
ideologia de Estado compreende, assim, um pouco mais do que a Trata-se de uma instituição sem nenhum distanciamento das
sua estrutura elementar de governo. Nas suas ramificações para lutas sociais e das classes em conflito, que toma partido e é
dentro da sociedade ele produz os elementos necessários para a formada por indivíduos dessas mesmas classes. Além de funcionar
como instância ordenadora e reguladora do processo social, ela
reprodução das relações de produção.
encerra também a dimensão da continuidade histórica e da preser-
Antonio Gramsci vai chamar de "sociedade civil" essa esfera vação: o Estado é também o órgão institucionalizador da ideologia
do Estado, formada pelos níveis não diretamente estatais, mas e da política de classes como sendo "da sociedade inteira". O
igualmente reprodutores das relações sociais. O importante da conceito gramsciano de "consenso" baseia-se nesse pressuposto. Sem
II caracterização do autor italiano é o conceito de hegemonia, ou seja, a liderança intelectual da sociedade, o Estado não tem condições
'I da relativa unidade que preside as instituições, que realizam a de se sustentar. O Estado é, acima de tudo, o locus de conservação
reprodução ideológica por excelência e que garantem a relativa da realidade, de realização efetiva e normativa dos imperativos de
estabilidade do sistema econômico. É somente com a clara locali- classe, o lugar em que, segundo Marx, os indivíduos da classe
zação do processo e da situação hegemônica que se pode identificar dominante fazem valer suas instituições comuns (MARX,s.d., p. 62).
o caráter e a lógica dos mecanismos de produção e distribuição de Por meio do Estado a dominação da classe burguesa dá um caráter
informações, dos meios de comunicação "de massa" e, especifica- global, coletivo (de interesse da sociedade toda) aos seus interesses
mente, do jornal. Ocorre, contudo, que o jornal, como meio de
particulares.
comunicação, não faz parte do Estado (como as emissoras de rádio
e televisão na Europa, enquanto "instituições de direito público"); é Urna hegemonia de classe vai mais além de sua própria base de
uma atividade puramente privada. Embora a atuação política e classe para estender-se às classes ou camadas sociais de apoio
ou submetidas ao bloco social dominante. Os modos de unifi-
ideológica dessas empresas tenda a aproximar-se da do Estado, a cação desse bloco podem ser diferentes: burocrático, policial,
diferença entre ambos ainda é muito real. Para Poulantzas a dife- parlamentar [ ... ) e ocultar uma contradição pronta a explorar
rença entre setor público e privado é puramente jurídica. Tal um período de crises (BUCI-GLUCKSMANN, 1978, p. 138).
acepção, porém, suprimiria das instituições estatais a relativa "mar-
gem de atuação possível", que é genericamente negada pelos veí- A hegemonia, portanto, forma uma unidade complexa. Ela é for-
culos de comunicação inteiramente em mãos empresariais, que não mada por três ordens de elementos: o Estado, as instituições da
têm nenhum compromisso formal - de caráter democrático - sociedade política e as classes, com predominância da classe do-
com a sociedade, e dos quais os cidadãos nunca vão exigir a minante economicamente (no caso do capitalismo). Esse bloco
prestação de contas. A empresa é a realização da ditadura burguesa ideológico em que, sob impulso e permanente reforço da classe do
em essência, em seu limite. A aparente neutralidade do Estado, ao poder, oficializam-se uma política e uma ideologia particulares como
contrário, permite conjunturalmente ações políticas e ideológicas. sendo gerais e trabalha-se por perpetuá-Ias, só ele permite a inves-

",aIULS
80 81

tigação dos mecanismos sociais gerais nos quais se insere o trân- 2. Liberalismo e ideologia
sito de informações.
O monopólio sobre o bloco ideológico significa também o do- A imprensa liberal é o produto ideológico da filosofia da eco-
mínio de mentes, domínio esse que vai além do universo estrita e nomia liberal, teorizada por Alexis de Tocqueville e J ohn Stuart Mill
imediatamente político-conjuntural. (TOCQUEVILLE,1956; STUARTMILL apud COHN, 1973).
:1 O discurso de Tocqueville em sua obra La démocracie en
A distinção entre senhor e escravo não depende somente do fato Amerique baseia-se numa postura aristocrática motivada pelo pânico
de se dispor do capital, das fábricas e das armas, mas também diante das massas. Trata-se de uma resposta da elite ao fermento
- e isso cada dia mais claramente - do fato de se dispor de
consciências (ENzENSBERGER, 1973, p. 19). revolucionário da França que derrubou a realeza e instaurou na
História um novo período em que "as massas" passariam a pleitear
A produção de consciências dá-se em vários lugares da socialização direitos civis e políticos. A supressão do direito da nobreza era um
dentro da organização social de classe: na família, na escola, no objetivo concorde com a nova sociedade burguesa emergente e sua
trabalho, no lazer. O que caracteriza essa produção dentro do prática econômica. A ordenação dessa nova liberdade, contudo,
precisava ainda ser arranjada em termos satisfatórios aos do~os do
modo de produção capitalista contemporâneo é a função de silen-
poder. A garantia das liberdades civis que acompanha o discurso
ciamento das massas, como foi visto em detalhes nos capítulos 1 e 2. liberal volta-se, porém, contra a violência das massas, contra a '.'ti-
A conseqüência mais séria desse processo é que ele realmente con- rania da maioria" - a massificação, no dizer de Tocqueville
segue criar posicionamentos conformistas.· Nas discussões atuais (COHN, 1973, p. 46) - e não contra o poder outrora despótico
sobre a capacidade de mobilização popular contra as usinas nu- dos nobres. Estes, ao contrário, reconciliam-se com os novos deten-
cleares, diante do perigo ecológico, Cohn-Bendit e Castoriadis cons- tores do poder e vão formar o governo no período pós-napoleônico.
tatam que não é somente o poder que molda as consciências das A filosofia do liberalismo, portanto, tem um caráter nitidamente'
i pessoas, mas existe igualmente uma vontade real nelas: elitista e de detenção do avanço das "massas politizadas" em direção
a uma diluição das "liberdades democráticas" em todos os níveis.
Há, pois, uma questão muito importante que se coloca: como
esta sociedade consegue manter-se e permanecer como um todo A interpretação liberal do Estado d: Direito b~r~uê~.[~qui, se-
quando "deveria" suscitar a oposição da grande maioria de seus gundo Mill] é reacionária: ela reage a força. da ~deIa mlclaltpe~te
membros? [... ] O sistema mantém-se porque consegue criar a absorvida em suas instituições de autodeterminação de um público
adesão das pessoas àquilo que é. [... ] Essa adesão é, certamente, que discute, logo que este seja minado pela massa sem proprie-
! contraditória: vai junto com momentos de revolta contra o siste-
ma. Mas é, apesar de tudo, uma adesão e não é uma simples
dades e ignara. [... ] Cidadãos letrados e podero:o~ devem, .na
ausência de uma aristocracia natural, formar o público de elite,
passividade (CASTORIADIS & COHN-BENDIT, 1981, p. 15-6). cuja razão determina a opinião pública (HABERMAs,1965, p.
! Essa é uma perspectiva que se coloca além das posições conven-
145-6) .

I cionais de crítica ideológica ou de crítica à manipulação; a consta- O favorecimento às massas vai cedendo espaço, assim, à formação
I tação de que, embora haja um movimento forçado no sentido de de novos monopolizadores do saber e dos direitos diante da ameaça
: I
manipular as pessoas, estas formam, no que tange à consciência, de a massa antiga aliada política, dividir o poder com a nova
um posicionamento efetivamente favorável à dominação de classe e "aristocraci~ não-nobre". A derrota do movimento cartista na
às repercussões dessa dominação social (status, prestígio, poder) e Inzlaterra foi a maior prova disso. O discurso liberal buscava,
co':no é amplamente sabido, a autonomi.a do poder _econômico an~e
política. Em níveis mais profundos do posicionamento social, as
as imposições do Estado. Buscava a livre expansao da economia
insatisfações emergem e são canalizadas para reações psicóticas e
sem o incômodo intervir com medidas punitivas ou normativas do
neuróticas, com sua violência, contudo, sempre desviada do núcleo
Estado. Este reduzir-se-ia a um espaço de legitimação política da
produtor dessas situações, que é o da lógica do capitalismo. O
burguesia e caracterizar-se-ia, naquela época, na verdade somente
jornal sensacionalista, o teatro rebolado, as manifestações sádicas
como o "comitê que administra os negócios comunitários de toda
de massa, enfim, uma grande quantidade de fenômenos modernos
a classe burguesa" (MARX& BNGELS,1975, p. 37). A "mão invi-
de massa ilustra esses desvios.

__ ISO
"-.)

.... ,
82 83

sível" do Estado sobre a economia deveria garantir as "liberdades nomia é economia. Todos, supostamente, teriam as mesmas chan-
civis", os "indivíduos", diante dos perigos da opressão da massa.e ~es na política.
de um Estado despótico.
Um dos cidadãos pode ser presidente de uma associação agrária
As necessidades dos grupos, que não poderiam esperar de um de um p~rtido, enquanto outro poderá ser um simples empregado
mercado, que se regularia por si mesmo, a sua satisfação, tendiam sem partido, de uma administração local do seguro de auxílio.
a uma compensação por parte do Estado (HABERMAS, 1965, Seja como for, diante da lista de candidatos eleitorais cada um
p. 140-1). deles não tem mais que um voto, cada qual é titular de 'um direito
eleitoral igual (AGNOLI,1971, p. 57).
Esse tipo de apelo à instituição pública, contudo, é marcante, espe-
cialmente na primeira fase do liberalismo, já que a doutrina pregava, Ocorre que a divisão é irreal e só satisfaz os objetivos mani-
ao contrário, maior desprendimento possível do controle público. O pulatórios. O econômico não é separado do político, como pretende
Estado deveria intervir, na melhor das hipóteses, como regulador ? discurso liberal. O exercício do voto, por exemplo, não é um ato
dos conflitos e garantidor da livre concorrência e do direito igual Isolado. Ele é, ao contrário, a etapa final de um longo processo
a todos. de pr~paganda, proselitismo e campanhas das mais diversas pela
O pensamento aristocrático de Tocqueville é mais satisfato- conquista do voto. É nessas fases anteriores que se define a natu-
riamente substituído pela postura liberal radical de John Stuart Mill, reza não estritamente política das eleições. O ato de votar separa-
que, igualmente, usa um posicionamento elitista para justificar sua damente é um ato individual e de todos. Existe, entretanto, a
teoria liberal. Em última análise, trata-se de dar um estatuto polí- "arte da manipulação de opiniões" que cai no âmbito puramente
tico às exigências do liberalismo da esfera econômica: à igualdade econômico e que burgueses do século passado, assim como os
do comprador perante as mercadorias no mercado deve correspon- ~tuais, não consideram. Segundo o liberalismo político, a igualdade
der uma igualdade diante do Estado. Em torno dessa questão é e de todos poderem votar. Não se estabelecem, no entanto regras
que giraram as disputas pelo sufrágio universal, liberdades civis, de igualitárias ou pelo menos critérios unifica dores de campanha 'política
imprensa e outras. Buscava-se a eliminação dos privilégios (feu- por9ue eles ultrapassam o controlável. Na propaganda política existe
dais), que eram um obstáculo à realização de objetivos econômicos a dimensão não diretamente observável, que é a dimensão do poder
e políticos da burguesia, mediante a equiparação no voto e no par- econômic? Votos são diretamente comprados ou trocados por
lamento. Aparentemente, todos colocavam-se em pé de igualdade mercadorias ou empregos e, no processo de negociação, usa-se farta
diante do mercado. A igualdade "natural" do discurso liberal é e cara panfletagern, são acionadas campanhas por meio de jornais
bem próxima, ironicamente, à do discurso socialista. Myrdal e demais meios de comunicação, são utilizados equipamentos, ho-
considera o socialismo um ramo revolucionário do liberalismo mens, instalações comerciais, industriais, escolares, para intensificar
(MYRDAL,1962, p. 130). Essa aproximação, cuja tese de igual- a difusão unissona da propaganda. Por meio do controle econô-
dade baseia-se no direito natural, é identificada por Tocqueville, mico amplo, a classe burguesa busca, na fase pré-eleitoral, encobrir
pelo menos no período do Manifesto comunista: e mesmo massacrar as opiniões divergentes por meio de sua má-
quina publicitária. No terreno da economia, a igualdade dos cida-
'Também o socialismo parece a Tocqueville só um prolonga- dãos para votar e serem votados transforma-se em uma concorrên-
mento dessas tendências, que iriam, finalmente, liquidar o Estado
fiscal em favor de uma economia de Estado e estabelecer o terror cia desleal e opressiva, coordenada pelos donos do capital. Na fase
de um mundo administrado (HABERMAS, 1965, p. 148). da propaganda, na campanha política, portanto, espelha-se nitida-
mente a irrealidade do mito político liberal. É evidente que isso não
A proposta liberal, não obstante, substitui as exigências do pro- significa que essa manipulação seja suficiente para impor uma vitó-
grama socialista, de domínio de uma classe sobre outra: instaura-se ri~ n~s urnas. Outros fatores históricos, econômicos e políticos e,
a suposta "equivalência geral", que do ponto de vista da burguesia principalmente, uma consciência oposicionista formada contra o
é a melhor solução ante a ameaça operária. Já naquela época, a bloco econômico do poder podem alterar sensivelmente os resul-
burguesia colocava-se a favor da liberdade política separadamente, tados eleitorais e impor-se ante a ditadura do capital. Isso, não
como se a. liberdade econômica não a determinasse. Para a classe obstante, é politicamente menos provável em situações sem crise
dominante, tratava-se de separar as coisas: política é política, eco- econômica e sem um trabalho de formação de opinião a partir das

fI' •.. Jiau


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84

instituições da oposiçao política antiburguesa. Tendencialmente, o fundam~nto da luta pela liberdade de imprensa, que foi sempre
pode-se dizer que a eleição já se define antes da votação por meio um? bandeira patronal, testemunha igualmente essa ideologia. Numa
de acertos, trocas de favores, de propostas, em suma, mediante sociedade en.t que a " 'liberdade econômica' foi sempre vendida (nos
acordos pré-eleitorais entre as partes mais poderosas econômica, po- Estados Umdos) como 'inseparável' da liberdade política e da
democracia e 'indispensável' para elas" (MONTCALM, 1982, p. 31),
lítica e ideologicamente.
Mesmo que o poder econômico pudesse ser oficialmente con- ape~a-se para os fundamentos liberais para reforçar a própria or-
ganização empresarial. A política liberal, como vimos, não existe
trolável, ainda resta uma esfera não-palpável da manipulação de
s~paradamente da economia liberal. Esta, igualmente, como ati-
opinião, que se realiza antes do processo eleitoral. Impor critérios
vidade capitalista, exige maior liberalismo (quanto mais, melhor)
de gastos de campanha, limitar o espaço de propaganda no rádio,
par:a a sua sobrevivência, que é vista do ângulo puramente empre-
na TV, no jornal, exigir prestação de contas de partidos e candidatos,
tudo isso atinge somente o nível econômico diretamente controlável. sarial.
Além disso, porém, ocorrem processos de indução, de manipulação, ~ .:ensura à imprensa, a perseguição aos jornais, o controle
de dominação política em várias amplitudes sociais (desde o patrão ' de opiruao representam, antes de tudo, uma ameaça à sobrevivência
econômica. da imprensa, à sobrevivência como empresa: Bem si-
que "indica" o nome de quem deve ser votado ao seu serviçal, do
tuados e ricos .don<:,s de jornais. liberais quando saem às ruas para
chefe que "aconselha" o voto para facilitar a promoção do empre-
clam~r por maior hberdade de Imprensa só o fazem em função de
. gado, até os grandes capitalistas que exigem de sens subalternos
compromissos políticos), bem como formas mais ou menos subli- se~s. llltere,sses pura~ente como empresários e capitalistas. A sua
minares de controle (propaganda velada, boatos, clichês, calúnias ~tl.vldade e que ,esta ameaçada, não o bem geral, o direito social
a ~nformação ~ a formação democrática de opinião pública. Mais
etc.). adiante voltarei a abordar a questão da liberdade de imprensa.
Todos esses elementos justificam a afirmação de que no mo- A afirmaçãe da existência de uma liberdade econômica associa-
delo liberal - que parte da separação de esferas da vida social e da. e, ne~essária ~ liberdade política e, mais ainda, a afirmação da
de sua não-interferência mútua - a teoria da igualdade eleitoral eXIste?CIa do capIta~ ~ da liberdade econômica como os garantidores
de todos os concorrentes é falsa. Em condições diferentes (mais das . hberda~e~ polítlcas e da democracia, estão muito longe da
I pobres, menos capital envolvido, menos acesso aos meios de co-
municação, menor poder de barganha, entre outras coisas) os par-
realidade histórica do capitalismo. Ao contrário, o capital, não
somente nos aspectos abordados nas exposições anteriores sobre a
I tidos ou candidatos já partem, no processo eleitoral, em situação manipulação .eleitoral, mas na atividade econômica e política geral,
desigual. Cavalos bem-alimentados, bem-tratados, com exercício e esteve antes interessado em suprimir as liberdades políticas do que
i
1'1
treino constante, sob intensa supervisão veterinária, têm muito mais em defendê-!as. David Montcalm cita, nesse sentido, exemplos de
possibilidades de vencer do que cavalos de corrida comuns. A como o capital floresce em territórios onde a democracia e os di-
II
ideologia liberal isola o processo de representação do momento do reitos h~mano~. ele~entares sã,o .barbaraJ?ente suprimidos, como o
I
voto, ignorando ou não dando importância ao aspecto "preparo". cas? da intensificação dos negocios amencanos na Argentina, sob a
II É nesse nível pré-eleitoral que se definem as 'questões e as eleições; ma~s cruel repressão política (I\1.0NTCALM, 1982, p. 31). Com
I um nível pré-político em que o jogo de poderes funciona como
é
efeito, ,
lei do mais forte e desmistifica a ideologia liberaL Igualdade real
!,'I "liberdade econômica" e "liberdade política" - pelo menos na
nunca existiu sob o liberalismo político, muito menos sob o eco-
nômico. A subordinação de todos à lei do mais' forte leva, em ~po.ca his~ór~ca do c~pitalismo - não são nem inseparáveis nem
indispensáveis uma a outra. De fato, deixadas em seu próprio
,política, à confirmação e ao governo dos mais poderosos na esfera
curso, elas tendem a mover-se em direções profundamente anti-
que é a determinante das demais esferas, em última instância, na téticas, Democracia política e econômica representam reoimente
do poder econômico. um~ ameaça para o poder econômico e político concentrado;
A ideologia liberal é sustentada, mesmo modernamente, por os interesses do trabalhador médio simplesmente não estão de
premissas tais como: acordo com os da oligarquia média (MONTCALM, 1982, p. 31).

O capital e a liberdade econômica são inseparáveisda liberdade . A liberdade. política é um espaço que somente quando con-
política e da democracia, e são, na verdade, seus asseguradores quistado por meto de lutas e de oposições conseqüentes pode se
históricos (MONTCALM, 1982, p. 31).
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afirmar diante do monopólio econômico e, portanto, informativo. A política. Como já citado, cada político pansiense razoavelmente
liberdade de imprensa que os grandes jornais liberais pleiteiam não destacado criava seu clube, cada dois criavam um jornal (GROTH,
é a mesma liberdade política dos pequenos grupos de oposição. 1960, p. 8 et seqs.). A perspectiva . de Tocqueville perdeu de
Uma oposição política, assim como uma imprensa oposicionista in- vista aspectos decisivos do desenvolvimento da imprensa: em pri-
dependente, é possível na medida em que sua base garanta a meiro lugar, o fato de que a imprensa estava amplamente aberta à
sobrevivência política e econômica que os grandes editores extraem voz dos mais isolados e dos mais fracos não correspondia, por
de suas empresas. Só se combate o monopólio da imprensa liberal, natureza, aos fatos, pois essa atividade exigia um capital inicial e
montada no capital do empresariado e dos anunciantes, com uma uma vivência junto aos círculos políticos. Os "mais isolados e
imprensa oposicionista desvinculada de grandes grupos econômicos mais fracos" significavam, no pensamento de Tocqueville, certa-
mas associada aos diversos interesses da sociedade civil não repre- mente aqueles agrupamentos políticos menores, sem dúvida pobres
sentados (ou representados de forma puramente mercadológica, ou sem prestígio, mas, ainda assim, um grupo que se organizava para
eventual, assistemática) pela "grande imprensa". fazer pressão diante das instituições políticas. Em segundo lugar,
T()Eqlleville. ignorou a tendênciaà concentração de empresas jorna-
Usticas que; no período em que viveu, já era UIU fato conhecido. O
liberalismo de Tocqueville captava as formas aparentes da nova so-
3. Imprensa liberal e sensacionalista ciedade burguesa e deixava de lado a sua dimensão realmente consti-
tutiva, a de ser uma sociedade rigidamente organizada em classes
No século XIX Alexis de Tocqueville dizia efusivamente que e com os poderes nitidamente distribuídos entre os mais bem posi-
a imprensa era a garantia da liberdade individual na sociedade cionados socialmente.
democrática que se seguia à aristocrática (TOCQUEVILLE, 1956, Na metade do século XIX a imprensa transforma-se a olhos
p. 213). Para ele a imprensa era uma arma eficiente, da qual vistos de veículo político em empresa com fins lucrativos. Esse
mesmo os mais fracos e os mais isolados poderiam servir-se: processo já foi demonstrado no capítulo anterior. Isso não significa .
dizer que o caráter político da imprensa tenha desaparecido. Ainda
a arte da impressão acelerou o progresso da igualdade e é ao não; vejamos o exemplo com jornais paulistanos contemporâneos:
mesmo tempo um de seus melhores antídotos (TOCQUEVILLE,
entre periódicos como um Shopping News e um grande jornal liberal,
1956, p. 213).
como O Estado de S. Paulo, ainda há diferenças estruturais básicas.
No primeiro caso temos um periódico que se dedica primordial e
Segundo Jaenick, os pressupostos de Tocqueville imputam, por um
declaradamente à venda de anúncios, permeado de notícias leves
lado, consciência autônoma ao homem isolado.
para quebrar a monotonia e a face puramente promocional do jornal.
Seu comportamento pode provocar mudanças, se ele é informado Em essência, trata-se de um vendedor de publicidade; a informa-
somente pela imprensa sobre os fatos dignos de crítica. Por outro ção aí é mero complemento, é intervalo entre anúncios, que são o
lado - e este pressuposto já não se dava mais na época em que verdadeiro valor de uso do jornal. Por ser um veículo cujo valor
. Tocqueville o formulou - o instrumento imprensa era disponível, de uso é a publicidade, esse mesmo uso é menos premente, menos
segundo esse modelo, para qualquer um, indiscriminadamente, na
imprescindível. A mensagem publicitária não é procurada pelos
medida em que a liberdade de imprensa permanecesse garantida
(JAENICK, 1972, p. 172). leitores como algo necessário; ao contrário, a própria evolução da
"promoção de vendas" no capitalismo monopolista (BARAN &
o ponto de partida de Tocqueville era o exercício individual da SWEEZY, 1966, capo 5) caracteriza a publicidade como um instru-
liberdade. Aí a imprensa ajudava o cidadão a exercer seu poder mento que se impõe autoritariamente às pessoas (em seu cotidiano,
político. Nos tempos áureos da imprensa liberal (último quartel do na poluição visual das ruas, nas mensagens em salas de cinema, as
século XVIII até a metade do século XIX) esse fato era realmente quais não foram nem compradas nem pedidas, na interrupção dos
mais observável, ainda que não de forma generalizada como o via filmes de televisão) e as força a consumi-Ia. Daí esses jornais
o aristocrata francês. Da propaganda iluminista até as revoluções serem distribuídos gratuitamente e, às vezes, de forma insistente,
republicanas e nacionalistas da metade do século passado a imprensa entre as pessoas nas suas casas, nas ruas, nos cruzamentos de
teve, como vimos no Capítulo III, uma função eminentemente trânsito. Diferentes disso, os jornais liberais não são somente a

••• Lb
88 89

imposição autoritária de publicidade, a promoção de vendas a todo forma fascistóide a impulsos já transformados, desperta perma-
custo. Seu valor de uso continua a ser a notícia, a informação, em nentemente sentimentos maldosos e comportamentos sádicos no
última análise, a afirmação ideológica. Publicidade aí aparece como telespectador (BUSELMEIER,M., 1974, referindo-se ao programa
forma de sustentação e de sobrevivência empresarial - hoje "Jogos sem limite", espécie de vale-tudo onde as equipes sub-
metem-se às mais incríveis tarefas "esportivas").

I
em dia,· dois terços das rendas do jornal vêm da publicidade
(PRESSEKONZENTRATION, s.d., p. 25) _ do próprio veículo in-
Em que outro aspecto se baseia o jornalismo sensacionalista
formativo. Q_.s.ensacional no jornal vende tanto quanto a matéria
que não nesses? Ele é o outro lado da opressão social do trabalho
de fundo: diferente do jornal publicitário, a mercadoria do jornal
e das exigências absurdas impostas ao trabalhador pelo processo
liberal é a informação, sensacionalizada e mutilada para tornar-se
de produção. De um lado, a sociedade cobra, impõe um ritmo e
mais vendável, mas ainda um artigo de real procura dos consu-
suas leis férreas de desempenho. Quem não se submete a elas,
midores. Sob essa perspectiva, jornais podem vender tudo, desde
cai fora. A luta pela sobrevivência no capitalismo é a mais violenta
que lhes seja lucrativo.
de todas. O trabalhador tem de arrancar forças de onde não tem,
O estímulo da sensação consiste em [o telespectador] poder, com para nela sobreviver. Esse desgaste, esse esforço supremo exige
transferência instintiva relativamente fraca, imaginar uma situação uma tranqüilização, uma pausa para recuperação. Aí entra a fun-
na qual ele põe em funcionamento sincronicamente todas as for- ção do jornal como lazer. Ao trabalhador interessa muito mais o
ças do sentido e da razão. As pessoas que no processo de tra- jornal que o descanse, que o entretenha, do que o jornal que o
balho precisam reunir um extremo esforço de sua atenção, com o jogue de novo contra o mundo do trabalho, da produção, da
uso somente parcial de forças individuais dos sentidos e da razão,
e que, sob dificuldades permanentes de coordenação, têm de dar política. A grande massa não lê os grandes jornais (liberais), os
conta eficientemente de suas capacidades individuais, exigidas pe- meios que a atingem são de outra natureza, são os que se prestam
riodicamente no processo de trabalho de forma irregular, extraem a dar pinceladas de informação devidamente temperadas com ele-
o aumento do seu prazer das situações de privações desesperança- mentos atrativos e sensacionais. E uma imprensa que não se presta
das, as quais o herói procura superar com o desgaste de todas as a informar, muito menos a formar. Presta-se básica e fundamental-
suas forças (NEGT & KLUGE, 1976, p. 188). mente a satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio
de formas sádicas, caluniadoras, ridiculariza dor as das pessoas. Por
Para Negt e Kluge, portanto, a necessidade do sensacional na notí- isso, a imprensa sensacionalista, como a televisão, o papo no bar,
cia vem de uma espécie de compensação associada ao processo de o jogo de futebol, servem mais para desviar o público de sua
trabalho. Os autores criam o paralelismo a partir do desgaste e do realidade imediata do que para voltar-se a ela, mesmo que fosse
extremp~~~ ..or.ç.o. p.el.o. desempenho e pela eficácia na realização do para fazê-lo adaptar-se a ela.
trabalh6.-- ~omo a atividade produtiva exige integralmente a aten- ;;,A forma sensacionalista de produzir jornal está também ligada
ção e 0\ desgaste físico e emocional do trabalhador no processode a exacerbações de neuroses coletivas e ao desvio dos culpados
trabalho, este encontraria nos fatos sensacionais o equilíbrio emo- pela situação das massas:
cional necessário para não entrar em pane. Michael Buselmeier
estende esse raciocínio também para os programas de televisão: A angústia, aumentando a agressividade já favorecida pela luta
social, será drenada para objetivos de ódio: ódios sociais, raciais,
As pessoas simples festejam, diante da tela, a vitória dos seus étnicos e políticos; para a propaganda de guerra e armamento,
colegas da televisão e gozam maliciosamente sua falta de habili- para a criminalidade selvagemente reprimida, mas nitidamente
dade, o que já é previsto social-terapeuticamente pelos respon- exaltada etc. (CARUSO,1967, p. 97).
sáveis. Enquanto o telespectador ri do ator que. derrapa no
sabão pastoso, que bate e machuca a cabeça nas bordas da No fundo, a imprensa sensacional trabalha com emoções, da mesma
piscina ou que tem de caminhar na lama, ele ri daquele que cai forma que os regimes totalitários trabalham com o fanatismo, tam-
I
na vida constantemente e que não dá conta do desempenho bém de natureza puramente emocional. É o desencadear de atos,
,I requerido, assim como no teatro pequeno-burguês ou nas quedas
ações, campanhas contra pessoas, instituições, grupos sociais que
grotescas dos filmes mudos, inconscientemente de si mesmo. A
mensagem recorre a necessidades humanas infantis reprimidas vai servir de matéria-prima para as futuras perseguições. Ojornal
(mais ou menos no fato de ele ou o outro rolar na sujeira) e as sensacionalista reforça preconceitos sociais (incriminação de me-
explora em vez de prestar esclarecimento sobre elas; apela de nores marginais, de mães solteiras) contra minorias sexuais, contra
90 91

opositores políticos, Presta-se a perseguir e canalizar ódios cole- contra os desejos capitalistas como os desejos capitalistas contra o
tivos contra grupos minoritários que na sociedade global já sofrem sentimento de culpa (SCHNEIDER, P., 1969, p. 14).
a marginalização estrutural. As formas populares de linchamentos, O trinômio escândalo-sexo-sangue aponta, pois, para os três
de depredações, de ações violentas de massa, de saques estão muito níveis de maior enfoque do jornal sensacionalista, sendo a moral,
próximas, em matéria de exacerbação emocional, à imprensa o tabu e a repressão sexual e, por fim, a liberação de tendências
sensacionalista. Na medida em que a imprensa desvia a ver- sádicas do leitor o fundo sócio-psicológico desse tipo de jornalismo.
dadeira causalidade das desgraças e da péssima situação social Os elementos sádicos e sua função em relação às imposições do
das classes mais pobres, ela orienta também a reação dessas clas- processo de trabalho já foram abordados em páginas anteriores.
ses contra o mal mais próximo. Motoristas de táxi lincham as- A dimensão moralista do jornal sensacionalista não se limita à
saltantes, favelados lincham charlatães, povo linchando pés-de-chi- exploração do sexo tabuizado por meio da publicação em primeira
nelo (BENEVIDES, 1982, p. 97 et seqs.). Nesse sentido a imprensa página de fotos de mulheres nuas. Esse procedimento isoladamente
exerce uma função nitidamente classista, em defesa dos privilégios não caracteriza o sensacionalismo; é mais um recurso roubado das
e da classe dominante, orientando a agressividade popular para técnicas visuais de atração do leitor e que também é amplamente
objetivos que não são os causadores estruturais de seus problemas. utilizado em outras publicações periódicas. A exploração do nu
Além de impedir a avaliação racional e lógica da causa da feminino só serve para realçar e separar o desfrute sexual como um
insatisfação do trabalhador na fábrica, pressionado permanente- desfrute igual ao de outra mercadoria, para provocar o prazer
mente pelos rigores e pelas exigências de produção, do homem puramente visual do sexo separado do indivíduo. Na procura vi-
comum no seu meio ambiente, ameaçado pelos assaltantes, abusi- ciada pelas fotos de mulheres nuas e, nestas, a curiosidade imediata
vamente extorquido pelas formas de exploração secundária (alu- pelas zonas sexuais transmite ao leitor - o homem e a sua mente
permeada pelo machismo (cf. MARCONDESFILHO, 1982d) - uma
guéis, cobranças adicionais de pequenos serviços, "caixinhas"), o
sensação de poder, o poder sobre a mulher, a possibilidade de -
jornal ainda desloca responsáveis e facilita que a justiça se ar-
pelo menos nela - exercer alguma autoridade. E o símbolo dessa
ranje dentro do próprio "universo possível" da classe. Já que os
autoridade está na posse material da mulher e do seu corpo que ele
ricos são inatingíveis, já que eles nunca são presos, cabe ao povo pode conseguir no bordel ou abstratamente na foto e nas relações
justiçar os culpados que lhe aparecem diretamente à frente. Se o com sua companheira. O nu reforça assim a ideologia de superio-
roubo vem do desemprego, a prostituição da falta de alimento para ridade masculina e do seu poder sobre o sexo "mais fraco".
os filhos, isso não interessa. O importante é apresentar "criminosos" Nessa medida, explica-se o caráter fortemente conservador e
,[ à opinião pública, aos quais se possam transferir ódios acumulados, preservador de privilégios da imprensa sensacionalista. Não so-
preconceitos, sadismos de toda a espécie. Alguém tem de pagar mente a mulher é o sexo preferencial nas notícias dos jornais
por isso. A violência exposta no jornal sensacionalista liga-se a sensacionalistas. Os ódios contra as minorias, os preconceitos em
esses fatos. Junto com ela vem a exploração do sexo, garantindo a relação aos marginalizados e a organização de "justiças domésticas"
perpetuação de anomalias e perversões sexuais, numa sociedade em já apontadas anteriormente, compõem um quadro da ideologia que
que a moral é machista, repressora, desigual e as oportunidades esses jornais reforçam, ideologia esta de um radicalismo e de um
de realização efetiva do sexo não-mercantilizado são mínimas fanatismo só comparáveis aos dos regimes fascistas.
(MARcoNDES FILHO, 1982d). Escândalos, sexo e sangue compõem O HP (Hora do Povo) reforça nas massas os elementos ideoló-
o conteúdo dessa imprensa que preenche o lazer do homem comum gicos, que, num futuro possível, poderão ser manipulados em
com neurose equivalente à do processo de trabalho. função de uma alternativa fascista. Isto é, [ ... ] o jornal prepara
terreno para a cooptação de sua base pela ultradireita (GENRO
O capitalismo tardio apropria-se não somente da produção ma- FILHO, ROLlM & WEIGERT, s.d., p. 35. O trecho se encontra
terial, mas também da produção psíquica dos assalariados, na grifado no original).
medida em que ele a expulsa da consciência (SCHNEIDER,P.,
1969, p. 15). Nessa citação, trata-se de um jornal sensacionalista "de esquerda",
o que, contudo, não impede que esse raciocínio seja aplicado aos
Ele desperta os desejos para frustrá-los e precisa reprimi-Ias para jornais sensacionalistas de qualquer tipo. (Hora do Povo satisfaz
decepcioná-Ias; ele precisa mobilizar tanto o sentimento de culpa as exigências aqui apontadas de jornalismo sensacionalista.)

.-e.IJ$
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93

Um dos elementos que caracterizava a ideologia do nacional-


comunicação interpessoal (SCHNEIDER,M., 1977, p. 129 et seqs.),
-socialismo era o fator racial. Por meio da ideologia de raça todos
essa carência é satisfeita, nas camadas baixas, com as formas de
os que não se aplicassem às características arianas eram necessa- , comunicação massificada que lhes são dirigidas.
riamente inferiores. A perseguição, que depois veio a se tornar
um fanatismo doentio e totalmente irracional, atingiu todas as mi- O abandono às teorizações é específico aos meios de comu-
norias, e não somente os judeus: comunistas (franceses, alemães e nicação que invadem grandes domínios das massas e são por elas
espanhóis) , pesquisadores da Bíblia, imigrantes, agitadores, cri- amplamente aceitos e procurados. O antiintelectualismo funciona
minosos, "associais", ciganos, homossexuais e outros (NGBK & como um eficiente meio de contenção dessas próprias massas .. Esse
KUNSTAMTKREUZBERG,1975, p. 106). Por meio da perseguição procedimento assemelha-se também às características apontadas an-
i
dos já marginalizados, rompem-se as possibilidades de ligação so- teriormente como sendo elemento componente de ideologias totali-
lidária dos oprimidos contra um poder central e favorece-se, assim, tárias de direita. Curiosamente semelhantes, os programas popula-
o Estado forte. -Cria-se uma dissociação social em prol da ideologia res de televisão, os jornais sensacionalistas, as festas de massa pro-
do "grupo seleto", que vem bem a calhar com a ideologia capita- . gramadas como grandes e lucrativos eventos turísticos repelem fron-
lista de consumo. O consumismo não faz mais que reforçar os talmente qualquer teorização. Teorizar significa pensar, raciocinar,
elementos "separatistas", distinguidores do público. A publicidade questionar, em última instância. Na busca insistente do entreteni-
localiza "lugares especiais para gente como você", carros e cigarros mento dispersivo, a função desses meios de comunicação acaba
que somente "alguns podem usar", bebidas que só os nobres co- sendo especificamente a de desviar as pessoas de sua vida, dos
nhecem, roupas que somente quem está in sabe usar. Em suma, a dissabores da política, da economia e da sociedade: há de se
ideologia da publicidade no capitalismo separa espaços privilegiados sobrepor um mundo harmonioso, tranqüilo, pacífico. Para isso fun-
(fictícios) para diferenciar o indivíduo da massa. O importante é ciona, nos adultos, a leitura de revistas em quadrinhos, as garga-
a distinção, o não ser igual, o ser melhor. Aí reside a essência da lhadas nos "Trapalhões", a cerveja junto ao jogo de futebol. São
moral burguesa, .no distinguir-se da massa, e aí mesmo define-se sua mecanismos de fuga que encontram boa recepção no público (que
rejeição às ideologias proletárias associacionistas antigas, que bus- busca uma saída para o fardo cotidiano da vida) e que atendem
cavam a identificação de elementos comuns, a união, o esforço às intenções dos "programadores da cultura". O importante é não
associado. fazer pensar; pensar só é socialmente sancionado quando se trata
No mais, a imprensa sensacionalista repete o modelo clássico de pensar no trabalho, pela empresa, para aumentar a produção.
do modo liberal de informação, apontado no Capítulo II, com todas Somente esse pensar é que é importante e valorizado. Semelhante à
as suas técnicas de manipulação. Há apenas um reforço maior em personagem Pardal, de Disney, que, como
elementos como o apelo ao sentimentalismo e o abandono às teo-
cientista só deixa de ser doido quando trabalha para o capital,
rizações. Assim como a infantilização do leitor, o sentimentalismo quando perde de vista a perspectiva tola e infantil da condição
desvia a possibilidade de uma apreensão amadurecida dos fatos humana dos patos para atender a demanda da reprodução do
sociais. A dor popular é um produto de fatores como situação de dinheiro pelo dinheiro (MARTINS, 1980, p. 17),
vida, desencantos pessoais e profissionais, frustrações de toda a
ordem. O apelo sentimental, fingindo tornar íntimo o jornal ao O pensador fora dos limites da racionalidade capitalista é um in-
leitor, encobre-o com uma falsa realidade e com um falso subjeti- divíduo, no mínimo, inoportuno. À ideologia, de forma geral,
vismo. Absorve e envolve o leitor, sem proporcionar-lhe, de fato, interessa aplicar o conhecimento com o objetivo único de aumentar
nenhuma melhoria. Parte da necessidade insatisfeita das pessoas, o rendimento do capital, seja por meio do planejamento, no apoio
sob o modo de produção capitalista, de ter um pouco de atenção à à promoção de vendas, nos serviços de relações públicas, de pu-
sua subjetividade. O subjetivo do fato não é trabalhado de forma blicidade etc.
emancipatória, auto conhecedora, e o leitor não é capacitado a se Teorizações, mesmo que sejam de aplicação imediata, não
afirmar na sociedade; contrariamente, a imprensa sensacionalista interessam a esse tipo de jornalismo. O que rende são os fatos
incorpora-o e subjuga-o, dando-lhe a ilusão de solidariedade ede 'crus (produtos finais de processos sociais mais complexos, eviden-
apoio. Assim como a busca do apoio psicanalítico nas camadas temente) .e sua demonstração superficial. Como as mercadorias em
médias e superiores supõe um vazio existencial e uma ausência de geral, interessa ao jornalista de um veículo sensacionalista o lado

", ••• ,C
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94

aparente, externo, atraente do fato. Sua essência, seu' sentido, sua Tratava-se, pois, de romper com os empecilhos políticos que pu-
motivação ou sua história estão fora de qualquer cogitação. dessem frear a atividade econômica, intensamente prometedora
com a produção em massa, e que poderiam redundar em perdas
econômicas. A liberdade política do empresário está associada, de
fato, à sua liberdade econômica. A relação, na verdade, é inversa.
4., Conflitos de poderes: liberdade A liberdade econômica e seu capital garantem a liberdade política,
de imprensa e censura No capitalismo a amplitude da liberdade política está na razão
direta do volume do capital; quanto maior o capital, maior a liber-
Na abertura deste capítulo, falei da premissa ideológica de dade. Do ponto de vista dos possuidores do capital, essa argumen-
situar o capital e a liberdade econômica como inseparáveis da tação realmente possui lógica. Ocorre que a imprensa, como uma
liberdade política e da democracia, que seriam, de fato, seus garan- instituição que se presta a um trabalho social, o de informar, à
tidores históricos. Dessa discussão chegou-se à confirmação do medida que tende à concentração nas mãos de alguns grandes
que foi apontado por críticos americanos dos mass media ligados empresários, fica cada vez mais longe da democracia política.
ao Cyrano's Iournal de que, ao contrário, tais componentes mo- Liberdades políticas e democráticas supõem que o povo, os grupos
vem-se em direções profundamente antitéticas: "democracia política economicamente fracos, os setores socialmente marginalizados, as
e econômica reais representam uma ameaça à economia concen- minorias políticas, tenham igual acesso à informação e à opinião
trada e ao poder político". pública que os pertencentes às elites sociais.
É em tomo desse eixo que deve girar a discussão sobre a O bloqueio do acesso à informação e ao jornalismo aos des-
liberdade de imprensa. Durante o governo socialista de Salvador favorecidos, já caracterizado na definição do Estado liberal, con-
AUende no Chile, a imprensa, nas mãos da burguesia, clamava duziria, nessa mesma época de transformação da imprensa em
continuamente por "liberdade de imprensa", muito embora contasse grande empresa capitalista, à perseguição dos jornais da segunda
com uma margem de ação razoável: Allende não suspendeu o livre fase do jornalismo, jornais políticos, que não se prestavam à "mas-
trânsito de idéias e aceitou governar sob a "artilharia informativa sificação". Da antiga imprensa político-literária do início do século
inimiga" (RUFFER, 1977, p. 61-85). Uma vez derrubado o governo passado, a ala conservadora e a ala liberal despiram-se de suas
socialista e implantada a ditadura de Pinochet, a imprensa liberal características político-conflitivas e convergiram para a grande im-
chilena não mais clamou por "liberdade de imprensa". Esse fato prensa, que, décadas depois, iria tender ao sensacionalismo e aos
ilustra como essa bandeira, assim como a da associação que reúne aprimoramentos da sua "aparência do valor de uso" (reportagens,
empresários do ramo jornalístico na América Latina, a Sociedad artigos de fundo, crônicas etc.). A ala socialista, não interessada
Interamericana de Prensa - SIP - (ECHENAGUSIA, 1975, p. 641-2; na "massificação" e na queda geral do nível jornalístico, manteve-se
MATTELART,1974b), refletem antes a preocupação empresarial atrelada às campanhas políticas e partidárias e encontrou nos gran-
dos donos de jornais e revistas do que objetivos democráticos e des capitalistas do jornalismo um poderoso inimigo. O comporta-
de soberania no ato de informar. mento da burguesia nas questões da liberdade econômica corres-
As primeiras reivindicações por liberdade de imprensa datam pondia ao
da metade do século passado, época em que já se haviam criado fato de que os jornais que desejassem se ocupar de problemas
os pressupostos para as vendas de jornais em massa, que garanti- políticos e sociais achavam-se expostos a disposições de permissão
riam rendas extraordinárias às empresas. É dessa época que data especialmente rigorosas. De acordo com as Determinações Gerais
também a passagem da atividade do redator de "profissão ocasio- de 06.07.1854, existia, para os periódicos de conteúdo social e
nal e paralela" para uma atividade principal, assegurada pelo político, a obrigação do depósito de caução de 5.000 táleres.
direito. Nesse sentido, a pressão da censura política prejudicava Nessas exigências, consciente e necessariamente indiferenciadas
para possibilitar uma interpretação classista, e também na proi-
sensivelmente a calculabilidade econômica dos jornais. bição posterior da imprensa socialista, torna-se clara a crescente
A exigência da burguesia proprietária por liberdade de imprensa identidade de interesses entre a economia capitalista e o Estado.
era agora [1852] somente uma exigência pela ilimitada liberdade [... ] Com a Lei de Imprensa de 1874, depois de caírem as
econômica do empresário (COLETIVO DE AUTORES ... , 1984, antigas ·limitações da legislação empresarial, é iniciado um novo
p.22). estágio de desenvolvimento na produção de jornal. Se até agora

*_.11..$
I
I 97
I 96
I
I Essa tendência, inerente ao desenvolvimento do modo de produção
era possível proibir os jorn~is "POfl~ticlos;,q~e fãOX~~ a~:~~::
I ao conceito burguês, a partir do ma o secu o , . capitalista, vai claramente contra as possibilidades de uma opinião
I foram abandonando progressivamente problemas e _conteudos po- pública ampla e diversificadamente informada.
, .' capacidade de produçao, os pressu- O processo de concentração permite, no que tange à rentabi-
I I
~~~t~~ ;arC:I:r;;;a c~:ig~~dade social assegurada (COLETrvO DE lidade empresarial, vantagens em dois sentidos: por um lado, por
I

I
AUTORES... , 1985, p. 36). meio da racionalização do processo de produção e de distribuição,
I que provoca a queda dos custos e, por outro, pela economia de
I Esses fatos ilustram como foi possível, por meio d.e .i~strumen- impostos, divisão de riscos e fortificação das posições no mercado
I "líberdade de imprensa", cercear as possibilidades de

i
i
I
tos como a .
manifestações oposicionistas e fechar o unrverso po ItlC~ e
ma ão em torno das notícias "leves" e de a~a~o
r.
t d iníor-
~ c asse no
(HOLZER, 1972, p. 69). Isso conduz à dilatação das empresas
informativas que, uma vez mais fortalecidas no mercado, podem
assumir um comportamento monopolista e impor suas posições.
. I oeler A liquidação legal dos jornais de OP?SIçaO ~elO acomp~ . Esse é o caso das grandes cadeias americanas e européias de jor-
I ~had~ da expansão do poder do grande caplt~l .na Imprens~ .. nais. Assim como na esfera do consumo, de forma geral, o leitor
I I
I
, . forma capitalista de se organizar a a~lvldade jornalística
h~~~~~~a o acesso às opiniões individuais, princIpalmente aos assa-
não decide nada nem altera nada no produto que lê. O leitor já
I
I i
lariados cujo direito à escrita era vedado e reser:~do .s~ment~ aos
não escolhe o jornal que se adapta às suas posições políticas; hoje
I ele adquire o jornal que passa tangencialmente por algumas de suas
'ornalistas, que eram cidadãos socialm.ente privilegia os. .~ a
li I
I hberdade política e jornalística se subordina a? volume d~ caplt~l,
carências informativas.
Para Clóvis Rossi, só haverá liberdade de informação
li
II
I é evidente que os grupos economicamente mais fr~cos esdtaodm~Ito
quando houver uma prática das liberdades democráticas, coisa
Ionge d e a t·lllgI- . Ia E- por isso que a "luta pela liberda e e im-
I
. . r' - que, no Brasil, tem acontecido apenas rara e episodicamente
I I
I
sa" levada a cabo pelos donos de empresas jorna IStlc~S nao (ROSSI, 1980, p. 63).
I pren
tem
d de democrático em relação às possibilidades pol~tlcas de
I . ..na a ão Os empresários do [omalismo
.' usam-na p ara Impor-se Para isso, o jornalista propõe - reproduzindo aqui apenas em
I partlclpaça . . d ais
I como segmento significativo do empresanado que, ?omo os Não I , linhas gerais - que haja ampla liberdade de organização parti-
almeia arcela do poder, barganhando c0lll: o Est~do. ao se dária, de circulação de informações nas comunidades periféricas,
I
I J d P f alguma de democratizar mais a sociedade, como de influência do corpo redatorial de cada meio de comunicação
trata e orma, . (ROSSI, 1980, p. 64), apontando, portanto, transformações de
o exemplo chileno apontou, mas de garantIr um espaço para seu
ordem diretamente política no processamento das notícias. Ora,
produto no mercado geral capitalista. . essa sugestãoinvoca a prática jornalística do período do jornalismo
A roblemática decisiva da imprensa. pr~v~da resulta af~Im. ~~ literário e político do século passado (analisada no Capítulo 111,
seu pmodo de trabalho, organizado ~apIt~hstl~amente, e .da dI~a tópico 2), ignorando o problema principal: a necessária vinculação
mica econômica resultante disso, que se impoe nas considerações da questão da liberdade política com o problema econômico. Como
de rentabilidade da editora (HOLZER, 1972, p. 68). um bom modelo de democracia jornalística, o autor cita Le Monde,
indubitavelmente 'um exemplo de jornalismo liberal não-atrelado in-
Esse envolvimento orienta o posicionamento polít~co d~ imprensa. tegralmente a interesses econômicos e com respeitável margem de
Re etindo Geyrhofer, o valor de troca i~põ~-~e llldubltavelmente liberdade política. Le Monde, porém, é uma espécie de cooperativa
p I de uso O problema torna-se mais seno quando se obser-
ao va or . . r ti A de jornalistas, na qual a questão econômica é resolvida de forma ex-
vam os processos de concentração de empresas Jor?a .IS lca.s. , cepcional, comparada aos jornais liberais comuns. Suas propostas de
uestão da liberdade de imprensa torna-se ainda mais I~rea~Izavel democratização são válidas enquanto estratégia de ação e de mobili-
do ponto de vista de amplos setores da sociedade, marginalizados zação em torno do que há em matéria de jornais liberais. A médio
das esferas de poder. prazo, entretanto, elas não oferecem uma saída para o problema, "em
última instância determinante", que é o da função econômica. A pos-
A liberdade de imprensa [na concentração da ímprensal reduz-se
, liberdade de cem ricos poderem divulgar suas idéias que, em sibilidade de furar-se o bloqueio formado pelos órgãos concentrados
sentido amplo, são idênticas, e que' são apresentadas somente em da "grande imprensa" (monopolizadora de opinião pública, "cas-
diferentes embalagens (PRESS~KoNZENTRATlON, s.d., p. 24). tradora de liberdades" dos redatores e repórteres, enfim, detentora
98
99

de todos os meios e poderes de influir e mudar opiniões) é a de se nas, na linha editorial, nos "indivíduos incriticáveis", nas formas
desenvolverem microcentros autônomos de produção e distribuição de adaptação de textos etc.
de notícias, economicamente auto-suficientes e não-dependentes de Clóvis Rossi aponta vários níveis em que se realiza a ruptura
política de anunciantes. O monopólio informativo da "grande im- com a objetividade da informação jornalística e 'que, em alguns
prensa" que é, antes de tudo, um monopólio de poder econômico, casos, considero censura.
sem deixar de ser um monopólio de poder político e ideológico, Na definição da pauta, quando esta
só pode ser combatido por meio da luta pelo erguimento de meios
de comunicação molecularizados e autônomos, sólidos o suficiente reflete apenas parcialmente o que está acontecendo ou quais os
em relação às finanças, o que lhes possa garantir a sobrevivência. assuntos que preocupam, efetivamente, o público em geral [... ]
Essas possibilidades vão ser discutidas no próximo capítulo. . forma-se um cone de sombra sobre toda uma área de atividade,
A censura à imprensa é exerci da fundamentalmente em dois diretamente ligada à comunidade, que raramente ganha espaço na
níveis: a partir do aparelho de Estado (censura prioritariamente pauta, e, por extensão, no próprio jornal, revista ou TV (ROSSI,
1980, p. 17).
política) e a partir dos próprios jornais (censura prioritariamente
econômica, moral etc.) (MARCONDES FILHO, 1982c). O controle Informa-se, portanto, sobre o que se quer. Na verdade, a decisão
estatal da informação ocorre em situações em que há instabilidade de fechar o universo de acontecimentos em torno de alguns fatos
interna e o Estado passa a assumir o controle político da socie- prioritários revela a decisão ideológica de selecionar o que vai ser
dade: situações de exceção, ditaduras militares, Estados autoritá- trabalhado, assim como que espaço ganhará, que enfoque terá, de
rios, totalitários etc. Via de regra, contudo, o poder de controlar que lado se ficará. Esse nível de controle relativiza o universo de
as informações que se veiculam é distribuído pelas instituições que acontecimentos aos únicos que interessam momentaneamente à em-
fazem parte da sociedade civil (Igreja, escolas, universidade, apa- presa. O caráter liberal da imprensa trai-se nesse aspecto porque
relho judiciário, meios de comunicação "de massa", sindicatos, esta, não reproduzindo com a mesma evidência os fenômenos so-
agremiações). A essência política do modelo liberal das "demo- ciais, orienta a publicidade por meio do encobrimento dos fatos
cracias burguesas" européias está concentrada no controle indireto segundo seu interesse.
dos indivíduos e instituições. O Estado se mantém como uma
Na medida em que a imprensa define o que é história e o que
esfera pública indireta no controle e na observação dos indivíduos
ocorre na sociedade, desmascara-se seu partidarismo e sua função
e, nos pequenos espaços institucionais, é exercida efetivamente a
de reprodutora das relações de produção; ela deixa de ser "veículo
censura. O controle é satisfatório quando os cidadãos têm a re-
de utilidade pública" no qual os indivíduos encontrariam a trans-
pressão internalizada e a exercem como microunidades policiais
crição do que ocorreu na sua região, no país e no mundo, para
e estatais (ver para isso o Capítulo I). É incorreto, portanto, julgar passarem a ser um enfadonho e monótono house-organ.
que o poder sobre as pessoas, o controle da informação seja algo
produzido pela cúpula política de uma sociedade ou pelos seus É justamente essa verticalização a grande responsável pela disse-
conglomerados econômicos e utilizada sobre os cidadãos. Ao con- minação de um razoável grau de apatia e amorfismo nas redações
trário, o poder e a dominação exercem-se em todos os níveis. dos grandes veículos de comunicação de massa, atualmente, no
Brasil (ROSSI, 1980, p. 21).
O mercado geral de valores produzido pelo capital tomará [... ]
as coisas de dentro para fora, ao mesmo tempo. Essa traduzibili- Outro nível de deturpação, também citado por Rossi e repro-
dade geral dos modos locais de semiotização de poder não depende duzido no Capítulo II deste livro está na padronização estilística,
unicamente de dispositivos centrais, mas de "condensadores se- graças à qual
mióticos" adjacentes ao poder de Estado, ou que lhe estão direta-
mente enfeudados, e dos quais uma das principais funções consiste o repórter e o redator deixaram de ter como característica central
em fazer com que cada indivíduo assuma os mecanismos de o domínio do idioma, do seu próprio estilo pessoal e da melhor
controle, de repressão, de modelização da ordem dominante maneira de captar o interesse do leitor (ROSSI, 1980, p. 26).
(GUATTARI, 1981, p. 202).
Impõem-se, assim, ao trabalho jornalístico padrões e regras somente
No caso do jornal, a forma de censura típica não é a estatal, mas compatíveis com um modelo industrial de produção em série, no
a censura empresarial do jornal diluída nas relações de poder inter- qual as pessoas envolvidas com a produção têm a única função de

.-...
100 101

reproduzir o novo de forma sempre igual. As notícias são diferentes com os donos dos jornais, que envolvem amizades e grupos proxi-
(afinal, o valor de uso tem de ser renovado diariamente, pois a mos à casa editorial. Não são perseguidos grupos porque estes
perecibilidade da mercadoria é muito rápida) para que a empresa ameaçam a estabilidade empresarial, montada sob o poderio eco-
continue operando no mercado, mas a produção é sempre igual. nômico (estes só ameaçam o Estado constituído); são censuradas
Jornalismo, sob as condições atuais, não passa de reprodução coti- notícias que prejudiquem os interesses imediatos dos proprietários
diana do mesmo, sempre com nova fachada. No fundo, nada se de jornais. A garantia de funcionamento a longo prazo do sistema
altera e os leitores iludem-se em conhecer e vivenciar a história. econômico é transferida para o Estado e seu complexo de poderes
A censura empresarial da informação é, portanto, de caráter que promovem a reprodução da ideologia.
Ij distinto da censura pública, governamental. Quando o Estado
li
li exerce a censura, sempre sob condições "excepcionais", esta é
11 realizada por meio de um núcleo de poder no interior do próprio
p aparelho de Estado, núcleo este que, no período de exceção, in-
5. Análise de casos concretos
li cumbe-se de preservar a própria sobrevivência do Estado e das
J: relações econômicas e políticas dominantes na sociedade toda. o jornalismo sob o Estado fascista
li Esses grupos de poder no interior do Estado impõem-se aos demais
li grupos, igualmente poderosos (econômica, ideologicamente etc.),
mas ocasionalmente não-detentores dos instrumentos de dominação A imprensa fascista e o monopólio do poder
:r e controle. As características dessa censura, como ela opera, seu O Estado fascista permite demonstrar com relativa clareza o
caráter irracional e anárquico quando nas mãos do Estado já foram alcance da manipulação informativa de classe e os efeitos do radi-
:1 explicitadas por mim em outra oportunidade (MARCONDES FILHO, calismo político no plano do domínio e do controle ideológico
'I 1982c). Esse exercício da censura é, como visto, esporádico e total. Não farei aqui a exposição histórica do desenvolvimento do
'I
! transitório. Tanto no Estado liberal quanto na situação de capita-
lismo de Estado, o que de forma normal ocorre é o exercício par-
fascismo. Em relação ao fascismo alemão já expus detalhadamente
a sua ascensão e ocupação do terreno ideológico em outra obra
I ticular da censura em todas as empresas, inclusive nas empresas
de comunicação e especialmente nas empresas jornalísticas. Quando
(MARCONDES FILHO, 1982a, p. 25-60); em relação ao fascismo
italiano, há no mercado boas obras de consulta sobre a ascensão
os proprietários de jornais clamam por liberdade de imprensa, não e domínio de seu governo (POULANTZAS, 1978; BURON & GAU-
estão batalhando pela supressão geral da censura, mas pela supres- CHON, 1980; SILVA, 1973).
são desta como esfera de monopólio do Estado. O monopólio O primeiro jornal dedicado à causa fascista na Alemanha foi
,!I" I,'I eles pleiteiam para si próprios. Liberdade de imprensa não significa
I o Võlkischer Beobachter, adquirido pelos nazistas em 1920. Seus
liberdade para informar o que é necessário à sociedade, mas sim primeiros editores foram o poeta Dietrich Eckart e Alfred Rosen-
liberdade para que a censura dependa somente dos donos de jornal. berg, este último o ideólogo do movimento. Nos primeiros anos o
Uma outra diferença que ocorre entre a censura pública e jornal viveu em contínua dificuldade. Atingia 25.000 cópias e,
a censura privada das informações está no objeto de ambas. No em 1923, teve de fechar, após o fracasso do golpe de Estado. Em
Estado de exceção não são efetivamente censuradas as informações, 1925 volta a circular e irá atingir, em 1929, a tiragem de 26.000
mas visa-se mais especificamente calar vozes e grupos oposicio- cópias (ZEMAN, 1973, p. 19). Em 1926 aparece um jornal irmão,
nistas: notícias que são divulgadas em jornais situacionistas são o Illustrierter Beobachter. O mais antigo aliado das idéias nazistas
censuradas se apresentadas em jornais de oposição; nessa medida, era o jornal semanal de Julius Streicher, Der Stürmer. Esses jornais
a ação da censura não visa ao fato em si, mas à repressão aos estavam todos confinados à área do sul da Alemanha das duas
grupos que estão por trás dos meios de comunicação. O caráter primeiras décadas do século. Em Berlim, os irmãos Strasser cria-
da censura, nesse caso, é persecutório e policialesco, Na empresa ram o jornal Berliner Arbeiterzeitung (ZEMAN, 1973, p. 20).
de informação a censura ocorre mais diretamente por motivos A situação dos jornais nazistas, contudo, em que pese o su-
particularizados de controle e dominação: ela manifesta-se nas no- cesso eleitoral crescente do partido de Hitler, não atingia até 1930
tícias que, prejudicam interesses de anunciantes, que falam mal de um sucesso satisfatório. Os nazistas possuíam somente seis jornais
setores do-governo ou das forças armadas que se relacionam bem impressos no país, e o Võlkischer Beobachter, bávaro, não poderia

"'.'." a
102. 103

ser considerado um jornal nacional. Ele tirava quase 85.000 cópias. ~eich.stag, em 27 de fevereiro de 1933, inicia-se o processo de
Jornal, entretanto, não era, na ascensão do nazismo, um veículo silenciamento das vozes de oposição. Hitler usa o incêndio como
de comunicação por excelência: "Temos os melhores oradores do pretexto para acusar comunistas e social-democratas e manda fechar
mundo, mas faltam-nos penas ágeis e peritas" (GOEBBELS, 1934a, centenas de jornais. A agência Wolff Telegraphenbüro transfor-
p. 17). ma-se no Deutsches Nachrichtenbüro, e jornais e agências devem
entrar em sintonia completa com o novo regime.
Hitler buscava suprimir a sua inferioridade propagandística no
jornalismo por meio de ligações com outros monopólios de direita, A legislação de 1933, a Reichsschriftleitergesetz ("lei imperial
como o de Hugenberg. Este, um dos principais acionistas das casas que d~sciplina a escrita"), estabelecia, em seu parágrafo 5, que só
editoriais Ullstein e Mosse (monopolistas na época), dominava poderiam escrever para jornais e revistas os que, formados na
também a produção cinematográfica, possuindo a UFA (Filmes esp~cialidade, fossem maiores de 21 anos (inclusive), tivessem
Uni~erso S.A.), ,grande produto.ra de documentários semanais para nacionalidade alemã, origem ariana (o casamento com pessoas de
os cinemas da epoca (verdadeiro entretenimento de massas). A outra origem era também impeditivo à função), direitos e honra
união de Hitler com Hugenberg passava a significar o início do burgueses intactos, capacidade para assumir cargos públicos e para
bloqueio às publicações de esquerda, em que o mais visado era o os n~g?cios e, també~, com "as características exigi das para o
"conglomerado socialista de comunicações", de Willi Münzenberg exerCICIO do trabalho intelectual diante do público" (NGBK &
(MARCONDES FILHO, 1982a, p. 25-30). Münzenberg conseguira KUNSTAMT KREUZBERG, 1975, p. 70). Com esse decreto de 4 de
desenvolver, durante a República de Weimar (1918-1933), na outubf~, a conferência diária da imprensa do governo, espécie de
A~em.anha, ~m complexo ~ditorial d~ public~çõe.sde esquerda, cujo "entrevista coletiva", passava à jurisdição do ministério de Propa-
!' ganda. Aproximadamente 1.300 jornalistas perderam, com essa
principal veículo, o Arbeiter Illustrierte Zeitung, chegara a atingir
'I 500.000 exemplares em 1931 (ARBEITER ... , 1931, p. 838-9). lei, seus empregos; limitou-se também a criação de novos jornais
II Do ponto de vista jornalístico, (NGBK & KUNSTAMT KREUZBERG, 1975, p. 70). A mesma fonte
aponta que, segundo Willi Münzenberg, a propaganda hitlerista
em todas ~s publicações nazistas, as chamadas eram curtas, de controlava, conforme suas próprias declarações mais de trezentos
golpe certeiro, calculadas para atrair a atenção imediata, feitas antes jornais de língua alemã no exterior e exercia influência sobre um
para soar um coro de respostas do que para estimular a reflexão número pelo menos igual de jornais estrangeiros. Ela mantinha
do leitor (ZEMAN, 1973, p. 21). todo um sistema de "agências noticiosas" que publicavam notícias
1 de fontes tidas como húngaras, polonesas, inglesas ou francesas
il'i Não havia artigos que conduzissem a longas reflexões,
característico da imprensa alemã da época.
o que era
mas que, na realidade, originavam-se em Berlim, encontrando, dessa
'I forma, espaço na imprensa partidária alemã como "opiniões estran-
li As reportagens políticas continuavam a ser limitadas quase que ex- geiras neutras" (MÜNZENBERG, 1937, p. 27).
'I clusivamente a um único objeto: o movimento nacional-socialista Ainda segundo a nova legislação de 1933 não se deveria con-
marchando para frente. [ ... ] Violência, morte e sexo encontravam fundir bens privados com o bem geral, como forma de desorientar
também seus lugares na imprensa nazista (ZEMAN, 1973, p. 42). o público. Não se poderia publicar nada que injuriasse a Alemanha
na sua habilidade de se defender, sua economia, sua cultura ou
o crescimento do partido e das bases nacional-socialistas re- mesmo coisas que quebrassem as "regras de boa conduta" (ZEMAN,
fletiu diretamente na sua estrutura jornalística. Seu principal veí-
1973, p. 43l' . Tampouco havia a necessidade de censura, porque
culo, o Võlkischer Beobachter, que em 1929 tirava apenas 26.715
a funçao mais Importante do editor era a de censor (ZEMAN, 1973,
exemplares, passou em 1930 a 84.511, em 1931 a 108.746 e em
p.43).
1932 a 126.672 exemplares de tiragem (MÜNSTER apud ZEMAN,
1973, p. 20). O número de jornais nazistas sobe a 121 em 1932 J oseph Goebbels, ministro da Propaganda, por seu turno,
e é criada a agência noticiosa nazista N ationalsozialistische Par- transforma totalmente o caráter da atividade jornalística.
teikorrespondenz. Assim como regulou o curso de notícias na sua própria fonte,
. Com a ascensão ao poder, inicialmente por vias eleitorais, os Goebbels atacou o problema por seu outro extremo o trabalho
~azIstas co.me~ava:n a prepara: o terreno para as perseguições polí- editorial. [... ]. O Departamento de Imprensa do Ministério da
ticas e a Iiquidação das oposições, Com o ateamento de fogo ao Propaganda controlava o ingresso de jornalistas nas "conferências

•••••
104 105

oficiais de imprensa" [fontes regulares da vida jornalística de monopolista, em momentos de crise hegemônica capitalista, de
Berlim], assim como a informação que Ihes era fornecida. Sob o radicàlização política em Estados totalitários capitalistas, desapa-
regime de Goebbels, as conferências perdem gradualmente a sua rece completamente. Já apontei em outra oportunidade que o fas-
função original - a de informar os jornalistas. Os comen- cismo é, antes de tudo, um movimento retrógrado dentro do capi-
tários, em vez de serem dados por elas, eram dados pelo par-
tido: as notícias mais sérias passam a ser publicadas pelo Deutsches talismo, que antes conduz ao seu prejuízo do que ao seu progresso
Nachrichtenbüro. [... ] Os nazistas procuraram criar a sua própria (MARCONDES FILHO, 1982a, p. 180-1).
imagem de um editor ideal: um homem que não seria meramente Graças ao seu monopólio sobre o serviço noticioso e o poder ar-
um técnico, mas um lutador por ideais (ZEMAN, 1973, p. 42). mado político-policial e sua posição externa ao sistema de direito
restante e graças à posição especial de Himmler junto a Hitler, a
o editor Weiss, do Võlkischer Beobachter, assim o descrevia: SS estava em condições de levar a cabo a sua tarefa ideologicamente
definida de liquidação de judeus, com prejuízo material para o
editor nacional-socialista jamais é exclusivamente um jornalista,
sistema todo (MASON, 1966, p. 478-81).
mas é também - e em primeiro lugar - um propagandista, muito
freqüentem ente um homem de imprensa, um orador e um guar-
dião da SA em uma só pessoa. Queremos editores que queiram dar Em outras palavras, a ideologia e a política capitalistas não
suporte ao seu Führer e ao novo Reich não por obrigação mas por- podem prescindir da atividade de imprensa. O capitalismo não
que isso é o que desejam (GOEBBELS,1935, p. 39). sobrevive sem imprensa, e nem esta sem o capitalismo. Ela é a
confirmação pública e publicitária da ideologia que prega diversi-
I'
Essa proposta e "missão" está também presente em Goebbels: dade de opiniões, variedade ideológica, multiplicidade de opções
e de ações. O liberalismo, mesmo que totalmente desaparecido
A essência de um bom artigo de fundo consiste exatamente em ser na prática de vida das pessoas sob o capitalismo monopolista, pre-
um pequeno discurso propagandista apaixonado, que se ocupa dos
II mesmos argumentos dos que falam das coisas e das noções oral- cisa sobreviver em tese nas formas públicas de manifestação de
:! mente. O jornal deve ser um agitador de rua. Nossa imprensa é ideologia: jornalismo, artes, cultura são os sustentáculos dessa apa-
quase exclusivamente determinada por essa tendência. Seu objetivo rência democrática e liberal. Com o fascismo, esses pilares desa-
:\;, não é informar, transmitir fatos claros e objetivos, senão incitar, parecem e, não tarda muito, o sistema todo rui. Para Weiss, o
estimular, mover. Para nós, a imprensa é propaganda por meios jornalista deve abdicar de sua posição pretensamente de fora e
jornalísticos. Para nós, a imprensa tem a tarefa de ganhar as aderir abertamente à sustentação do Fiihrer. Aqui o jornalista
!I amplas massas populares para o Nacional-Socialismo. Ela tira de transforma-se em um agente do Estado, em um ideólogo do poder
suas informações conseqüências políticas, mas não permite que o
II leitor as elabore segundo seu próprio gosto. Ela realiza, propositada
absoluto.
I! Em Goebbels, a deturpação do jornalismo clássico fica ainda
n e conscientemente a influência política. Todo o seu pensar e sentir
l deve ser levado de qualquer, jeito, com seus meios, numa determi- mais marcante. Informar, transmitir os fatos - ou seja, a essência
nada direção ideológica (GOEBBELS,1934b). do valor de uso da mercadoria jornal - desaparecem. O Estado
cuida para que a supressão dessa função de compra seja amparada
Assim, no fascismo, desaparece completamente a idéia de e incentivada. Goebbels depura todo o caráter jornalístico da im-
jornalismo como atividade de crítica, de denúncia - em uma pala- prensa, transformando-a em mero aparelho propagandístico. É
vra, questionadora. Mesmo no estilo burguês e sob as limitações certo, portanto, afirmar-se que não se praticou mais o jornalismo
da imprensa jornaIística como difusão classista, em que, em última no Terceiro Reich, mas que se usou do meio impresso como veículo
análise, a divergência de opiniões não é mais do que a divergência de doutrinação política. "Jornal" era somente o cavalo de Tróia
política de alguns proprietários de imprensa, mesmo assim essa da doutrinação fascista.
forma de jornalismo previa um espaço possível para uma propa- A política jornalística dos fascistas, como toda a política pro-
ganda oposicionista. Em virtude de interesses a curto prazo da pagandística em geral, trabalhava no sentido de bloquear o livre
imprensa jornalística (apontados no Capítulo lI, tópico 3), existe desenvolvimento do raciocínio; a mística e a fantasia desempenha-
no jornalismo liberal burguês um espaço teoricamente explorável vam o papel decisivo. Os nazistas conseguiam criar uma atmosfera
por movimentos e órgãos de oposição. Essa ambigüidade da im- por meio da qual as pessoas eram seduzidas por previsões prome-
prensa liberal, que sobrevive até hoje na situação de capitalismo tedoras e fascinantes, ainda que falsas, e mesmo os socialistas

•••••• I
106 107

deixaram-se envolver nos seus mal-entendidos. Não se trata, como nem as autoridades partidárias nem ninguém mais poderia discutir
se vê, de dar a ilusão de participação, de "enxurrar" o receptor no rádio ou na imprensa temas relativos à política gerrnano-aus-
com informações fazendo-o crer que "conhece os fatos", como tríaca, a não ser que tenha sido feito um acerto prévio entre o
ocorre com a manipulação atual da informação jornalística nas Ministério da Propaganda do Reich e o ministro atual em Viena,
nossas sociedades de mercado (como se viu no Capítulo II). Aqui, Von Papen (ZEMAN, 1973, p. 43).
todo o processo funcionou como um delírio coletivo, uma fantasia
No período de guerra, o uso do noticiário radiofônico e cine-
real, uma loucura que valeu a destruição física do país e de
matográfico intensificou-se como poderosa arma propagandística.
seu povo.
A notícia como informação sobre a vida pública, de caráter denun-
A ausência de informações objetivas, não obstante, era com- ciador ou crítico, desapareceu completamente, como foi visto. O
pensada pela grande audiência (ainda que proibida e ameaçada Terceiro Reich passa a usar, então, agora mais intensamente, téc-
com o recolhimento a campos de concentração) de rádios estran- nicas manipulativas declaradamente moldadoras de posições favo-
geiras, principalmente inglesas, a leitura de jornais clandestinos e ráveis. Dentro e fora da Alemanha usa o rádio para disseminar
os informes de boca a boca, cuidadosamente reproduzidos na base preconceitos, construir clichês, para atirar os inimigos uns contra
da sociedade. Em 1933 alguns grandes jornais têm de submeter-se os outros.
à nova ordem: o Deutsche Zeitung, sintonizado com as idéias fas-
cistas desde 1925, critica Hitler em 1933. Sua edição é confiscada Os judeus são "sujos", os bolcheviques são sub-humanos, cruéis e
e é suspenso por três meses. Seu editor, Fritz Klein, é forçado à impudicos, os ingleses são hipócritas, malvados, dominados por
plutocratas, os norte-americanos são jactanciosos, incultos e obce-
demissão. Quando o jornal reaparece, está totalmente alinhado
cados por dinheiro. [ ... ] O inimigo poderia ser descarregado con-
à política oficial (ZEMAN, 1973, p. 120). Diante das perseguições tra outro inimigo, os poloneses e os franceses contra os ingleses, os
e exigências de atrelamento à política e ideologia oficiais, desapa- norte-americanos contra os ingleses, os aliados ocidentais contra os
recem inclusive tradicionais jornais burgueses do período da im- soviéticos etc. (RALE, 1979, p. 29-31).
prensa partidária e política (Deutsche Allgemeine Zeitung, de 1843;
Frankiurter Zeitung, inicialmente chamado Frankfurter H andels- O procedimento propagandístico, a "Blitzkrieg radiofônica"
zeitung, de 1856, Berliner Bõrsen-Courier, de 1867), e a informa- (HALE, 1979), era usado como complemento de guerra e das ações
ção jornalística transforma-se em pura matéria propagandística, militares. Havia de criar-se uma base psicológica de sustentação
sucumbindo o caráter noticioso do jornalismo fascista. Os jornais de guerra e das perdas militares e humanas. Evidentemente, só
viram meros "diários oficiais". Nesse processo, o valor de uso apareciam as notícias de vitórias e estas eram totalmente prepara-
passa a ser procurado em outras fontes alternativas, em que pese das como acontecimentos especiais.
a amedrontadora perseguição aos que transmitiam as notícias. 'Nas
U ma atmosfera pervertida de religião renascida caracterizava em
sociedades totalitárias, com o desaparecimento do jornalismo como boa parte as transmissões nazistas; essa era sua apoteose. As notí-
expressão pública e instituída da necessidade social por comunica- cias de cada frente eram, em geral, precedidas por suas próprias
ção e informação (que, no caso burguês, é transformada em mer- fanfarras, cantos e redobrar de tambores; a Sondermeldung ["Co-
cadoria mas não desaparece), as notícias, mesmo assim, continuam municação especial"] era uma montagem preparada de antemão
a existir como necessidades sociais. O trânsito delas é que muda; com melodias clássicas ruidosas e cantos bélicos, na qual interca-
lavam-se dramáticos silêncios. Acompanhavam somente os anún-
sua divulgação pública passa a ser perigosa, e ela torna-se não cios mais importantes dos sucessos nazistas (RALE, 1979, p. 35).
mais mercadoria, mas valor de uso puro.
Criava-se, assim, um verdadeiro show em torno do fato militar. As
o jornalismo e a propaganda de guerra massas eram incitadas a participar dessa festa e a prolongar sua
duração em casa. Toda a campanha ideológica do fascismo alemão
O início das operações militares marcaria uma intensificação apelava para as formas festivas de conduzir a política. Paradas,
do controle das informações pelo Terceiro Reich. Na Campanha festas, concentrações públicas com soldados, bandas e fogos eram
da Áustria em 1934 (por meio da qual a Alemanha prepara um o cotidiano da vida sob o Terceiro Reich. Isso tudo para dar
golpe àquele país, passo necessário para a formação do Gross- conta das imensas privações econômicas e sociais que o país sofria,
deutsches Reich - Grande Império Alemão), Hitler declara que principalmente no início das campanhas militares.

..,a•••
108 109

A divulgação da guerra e seu tratamento "jornalístico" por pois essa imposição contrariava a acepção do homem (mesmo
meio do cinejornalismo e do cinema, de forma geral, representavam reacionário): "Uma propaganda que só é acreditada pela metade
o preenchimento das esperanças do povo, que na vida prática sofria é sem efeito" (Isxxssox & FUHRHAMMER,1974, p. 66-7).
cada vez maiores privações. A economia de guerra levou a popu- Ao lado dos filmes épicos, anti-semitas, anticomunistas, de
lação a estados de carência que precisariam ser compensados com propaganda ideológica disfarçada em filmes de amor, de aventura
a festa política. "O jornalismo bélico era uma mescla de fato, ou "históricos" (como o Ewiger Wald), a informação propriamente
drama e manipulação psicológica", explica Halen, dando o exem- "jornalística" vinha dos cinejornais denominados Ufa-Wochenschau.
plo dos Noticiários do Front, as Frontberichte (RALE, 1979, p. Aqui buscava-se a informação sobre o front que, depois, era tra-
34). Semelhntes a estes, eram transmitidos semanalmente nos balhada ideologicamente, explorando-se o nacionalismo, o anti-
cinemas do país os documentários da empresa de cinema Universal, -semitismo, a ideologia militarista, em filmes como o H eimkehr
chamados Ufa-Wochenschau, cuja função era abastecer periodica- (dirigido por Ucicky, em 1941). O Ministério da Propaganda
mente o público com versões oficiais dos fatos ocorridos na Ale- realizou 96 dos 1.097 filmes de longa metragem produzidos na
manha e no mundo. Alemanha entre 1933 e 1945 (Isxxssox & FUHRHAMMER,1974,
Os fascistas davam menor importância à palavra impressa; p. 74).
a divulgação, o melhor efeito e a melhor manipulação seriam mais A manipulação da informação no Estado fascista é completa.
eficazes pelo rádio, e, mais ainda, pelo cinema e pelo aparecimento Com a supressão dos jornais liberais, a nova lei de imprensa de
público ao vivo. Daí o fato de o "jornalismo" durante o faseismo 1933, a perseguição às publicações oposicionistas ou mesmo leve-
ser basicamente audiovisual ou só auditivo. Não importava tanto mente divergentes, fechavam-se todas as portas à manifestação,
o texto, a idéia, mas a sua construção visual, o entretenimento. mesmo burguesa, de divergência opinativa e jornalística. Os jor-
O jornalismo fascista invade, mesmo que seja com notícias e com nalistas que continuavam a exercer a sua profissão eram ou decla-
política, essencialmente o âmbito do sistema imaginário, como os radamente fascistas ou transformados em meros operários da reda-
filmes em geral. Daí a pouca diferença conceitual entre os filmes ção que não possuíam nenhuma autonomia, nenhuma produção
políticos fascistas e os "noticiários" radiofônicos e as formas cine- própria. A informação oficial e privada reduziu-se a um monótono
jornalísticas. Um filme como Triumph des Willens ("Triunfo da e uníssono apoio generalizado ao Estado. Este orientava toda a
convicção"), de Leni Riefenstahl, 1934,cujo tema central era o informação que chegava à opinião pública. O episódio da queima
congresso do Partido Nazista em Nuremberg - portanto, original- pública de livros, as exposições contra "as artes degeneradas", e
mente político -, transforma-se, pelo tratamento da mensagem, todas as transformações da produção cultural conduziam a uma
em cine-espetáculo. O congresso do partido "era uma festa reli- espécie de revolução cultural, que objetivava não somente a su-
giosa, um batismo coletivo do espírito e uma confirmação sacra- pressão do pensamento e da contestação mas também a construção
mental anual" (Issxssox & FUHRHAMMER,1974, p. 68). A con- de urna nova mentalidade na nação.
cepção informativa dos líderes do movimento nazista era a de que A conseqüência na opinião pública dessa política e de toda a
as massas não precisavam de informações. situação de terror generalizado que se espalhou devido à política
de perseguições, prisões e fuzilamentos sumários foi o funciona-
A massa tem um entendimento pequeno, ela é acrítica e se esquece mento da rede subterrânea de informação. Na Alemanha, dife-
logo, e é para isso que a propaganda tem de se orientar. Ela deve
limitar-se a "alguns poucos pontos", a uma escolha de pontos de rentemente da Itália, da França ou da Iugoslávia, a informação
vista, que são transformados em palavras-chave que, então, podem pública, a notícia real, vinha por canais privados e circulava em
ser incuIcadas na consciência popular (HITLER, Mein Kampf apud grupos nos quais estava preservada a máxima segurança. Esse pro-
ISAKSSON & FUHRHAMMER, 1974, p. 65). cesso subterrâneo de atualização e circulação das notícias origina-
das das audições do exterior, dos jornais que entravam clandesti-
Assim, a concepção da propaganda que a atividade jornalística namente no país, dos testemunhos de fugitivos, das declarações
também implicava era a de chegar às massas não por meio da (proibidas de serem feitas) dos oficiais da SS, da contrapropa-
razão, mas principalmente pela emoção. Racionalmente a propa- ganda em caixas de fósforo, em embalagens de creme faeial, em
ganda não funcionava. Isaksson e Fuhrhammer já apontavam que toda a sorte de fontes, construía uma rede inoficial de relatos e
a identificação do judaísmo com o comunismo causava confusão, dados que supria a farsa pública que era o "jornalismo" fascista.
110 111

N a Alemanha não se armou nenhum movimento significativo de bastidores do poder e das influências sobre a imprensa, apoiada em
resistência, como ocorreu em outros países, como os acima men- uma reconstrução histórica do período e da crise capitalista dos
cionados, que pudesse fazer uso da informação clandestina. Isso primeiros anos da década passada, contudo, trazem outras inter-
e a ausência de um movimento político subterrâneo de caráter pretações dos fatos.
antifascista impediram que no pós-guerra, com o desmoronamento A "liberdade de imprensa" norte-americana é um dos mitos
do Estado fascista, tivesse ressurgido uma imprensa combativa e que acompanham o discurso ideológico dominante, apoiado na livre
política, interessada em desmascarar publicamente o holocausto empresa. Na prática, o poder público já possuía, desde o início
fascista (MARCONDES FILHO, 1982a, p. 167-8). Essa obra coube do século, instrumentos legais que intimidavam a livre manifestação
aos norte-americanos, que individualizaram a culpabilidade do re- do pensamento político. A chamada "lei de rolha", de Minnesota,
gime procurando os responsáveis pela catástrofe, como se fosse em 1925, que
possível atribuir a sujeitos históricos, personificados, a causalidade
por processos sociais coletivos (em grande parte apoiados pela po- permitiria a supressão de publicações maliciosas e escandalosas,
tinha sido aplicada por um tribunal ao Saturday Press, de Min-
pulação local) e sua bárbara ação contra inimigos e povos vizinhos.
-neapolis, para fazer calar seus ataques difamatórios a funcionários
O jornal acompanha as mobilizações políticas mais amplas públicos (EMERY, 1965, p. 762).
dos grupos político-partidários da sociedade civil em geral. No
período pós-guerra, esses países que combateram subterraneamente Emery aponta igualmente o Departamento de Correios, que
o fascismo trouxeram a público o debate e a responsabilidade ameaçava a líberdade de imprensa
histórico-social da barbárie. Sem julgamentos, sem condenações,
sem localizar causas e causadores, nenhuma dessas sociedades po- com seu poder de, sol] certas condições, excluir publicações de
deria livrar-se da ameaça extremista e da liquidação de suas raízes. malas postais: com o decorrer dos anos, as decisões dos tribunais,
as ações administrativas e o amplo uso dos poderes do chefe do
correio, durante a Primeira Guerra Mundial, para afastar das malas
postais as publicações socialistas, criaram no correio um espírito de
o Caso Watergate
censura. As coisas chegaram ao auge em 1943, quando o diretor
geral dos Correios propôs privar da taxa postal de segunda classe
A luta pela liberdade e o monopólio a revista Esquire. A taxa de segunda classe, argumentava-se, era
da imprensa nos Estados Unidos um privilégio que o governo podia suspender quando a publicação
não estivesse se servindo dele para fazer uma "contribuição espe-
Os acontecimentos políticos norte-americanos do início da cial ao bem público" (EMERY, 1965, p. 764).
década de 70, que terminaram com a renúncia do presidente
Richard Nixon em 1974, tiveram participação marcante da im- O final da Segunda Guerra Mundial iria marcar o llllClO dos
prensa (detalhes sobre o escândalo em: BANCO DE DADOS, 1982; movimentos norte-americanos pela liberdade de informação. Essa
FRANCIS, 1982b). O jornal Washington Post, por meio de seu luta implicava não somente o direito de informar sobre o que se
jornalista Barry Sussman, editor do distrito de Columbia, e dos passa e de criticar o governo, mas também o direito de acesso aos
repórteres CarI Bernstein e Bob Woodward, manteve a sua posição documentos públicos. Se o Caso Watergate "criou a lei 'liberdade
de denúncia das irregularidades administrativas do Presidente (mi- de informação', que permite ao cidadão certo acesso aos arquivos
crofones secretos instalados na sede do Partido Democrata, o de FBI e CIA, além de outras agências, verificando os complôs
arrombamento à residência do psiquiatra de Daniel ElIsberg, pro-
do governo contra o povo" (FRANCIS, 1982b), os precursores
cessado pelo governo por desvio de documentos secretos do Pen-
desse movimento já haviam iniciado, em 1955, com a criação da
tágono, espionagem), o que caracterizou o ato no plano nacional
Subcomissão da Câmara de Informação Oficial (Comissão Moss,
e internacional como uma "vitória da imprensa", da justiça e da
possibilidade de se questionar e levar às últimas conseqüências as de J ohn E. Moss, da Califórnia), a campanha contra o sigilo no
incriminações políticas, mesmo que o acusado seja o próprio pre- âmbito federal. Essa comissão conseguiu em 1958 a revisão do
sidente da República. Esta foi a conclusão geral admitida pela "regimento interno" de 1789 (EMERY, 1965, p. 766): quebrava-se
imprensa internacional na época e aceita de forma generalizada aí o bloqueio ao acesso a arquivos, o sigilo federal, abrindo-se uma
pela intelectualidade internacional. Uma análise mais detida dos brecha para futuras inquisições contra a autoridade pública.

..•.•,
112 113

o jornalismo que fazia críticas à situação política norte-ame- secretários da Associação Cristã de Moços, líderes trabalhistas e
ricana começou a dar seus primeiros sinais de vida no período após outros. Nutria uma admiração indisfarçada pelo governo nazista,
o crack da Bolsa de Nova lorque. O renas cimento liberal com o que' surgia, e reproduzia artigos de Gõhring (EMERY, 1965, p.
New Deal e a política de reconstrução nacional formaram o fundo 778). Não é o único exemplo de anticomunismo militante associado
sob o qual a crítica pública ganhou terreno. Diferente dos períodos a empresas monopolistas de informação. A cadeia jornalística
anteriores, em que a imprensa criticava os valores culturais e alemã Springer, surgida no pós-guerra, desenvolveu campanhas
sociais, assinala Emery, agora tratava-se de voltar as armas contra públicas, de caráter nitidamente extremista de direita, contra os
a política (EMERY, 1965, p. 769). A crítica política não se con- movimentos políticos estudantis alemães da década de 60 (v. tam-
centrava na esfera do poder político propriamente dito, mas visava bém MARcoNDEsFILHO, 1982a, p. 141-2).
também aos magnatas da imprensa, artífices do jornalismo sensa-
cionalista, como Hearst, Mac Cormick e Roy Howard: lutava-se Não é paradoxal assistir à formação de uma cadeia de jornais
contra as redes regionais, a padronização informativa, o excesso radicais de direita, cujo carro-chefe era o jornal sensacionalista-
de entretenimento e de sensacionalismo e a insuficiente interpre- -direitista Bild, num país em que a extrema direita acabava de ser
tação das notícias importantes (EMERY, 1965, p. 789). As críticas despojada do poder com a perda da guerra. Na Alemanha, a
tentavam a recuperação do ideal jornalístico, livre e autônomo dos derrota do nazismo não foi realizada por um movimento interno,
monopólios e da tendência à concentração da imprensa, que se produto de uma quinta-coluna organizada para pôr fim ao estàdo
processava de forma semelhante à da economia em geral, cujas de coisas e que tivesse apoio popular. Ao contrário, a derrota
inclinações monopolistas excluíam cada vez mais os pequenos em- veio de fora. Foram americanos e russos que destruíram e ocupa-
presários. Com a crise de 1929, entrou em colapso a autonomia ram o antigo império alemão. Essa ocorrência, além de impossi-
dos trustes, monstros saídos do crescimento da economia de "livre bilitar uma verdadeira limpeza ideológica de restos do fascismo no
empresa" que se demonstravam incapazes de gerir a expansão capi- país, ainda incentivou internamente a xenofobia, já tão alimentada
talista por si próprios. e fortalecida no governo nazista. Esse fato não permitiu que a
A crise dos anos 20 na Europa e nos Estados Unidos conduziu desnaziiicação viesse do próprio povo e com a destruição do mito
a uma reorientação política geral na esfera do econômico e do nacional. As idéias e os preconceitos disseminados e amplamente
poder de Estado, de vez que o liberalismo econômico anterior reproduzidos no Terceiro Reich jamais foram trabalhados interna-
I estava levando o sistema como um todo à auto destruição. A estra- mente no povo e superados "dialeticamente". No interior da cons-
tégia de superação da crise de 1929 deveria estar voltada para ciência popular do país, em que pese a destruição de guerra e a
I
uma transferência de poderes ao aparelho de Estado e à ativação
liquidação da parafernália nazista, tais componentes ideológicos
I
do capitalismo de Estado, em que o órgão público já não funcio-
não foram afastados. Foram-se os criminosos, o país (e as idéias)
I
naria como "poder moderador" do "livre jogo das forças econô-
micas", mas como instrumento efetivo de controle, planejamento estão salvos. O governo conservador de Konrad Adenauer e o
I
e organização da economia. Essa inovação abria também possibi- desaparecimento progressivo dos comunistas da cena política alemã
lidades à classe política e à sociedade civil de forma geral para do pós-guerra estão logicamente associados ao aparecimento, nesse
questionar não somente o Estado mas também os conglomerados mesmo período, da cadeia Springer na vida pública alemã. Sensa-
econômicos, cujo confronto recíproco desregulado levaria à ruína cionalismo e fascismo são dois aliados constantes na cena política
do sistema. capitalista (ver, no Capítulo IV, tópico 3, o comentário sobre a
I imprensa sensacionalista).
A cadeia Hearst, por exemplo, surgida em pleno período de
I
capitalismo concorrencial, atingiu seu apogeu em 1935, caindo em Assim como Hearst, Robert Mac Cormick, do Chicago Tri-
! seguida até 1951, quando se deu a derrocada jornalística do editor. bune, era um oligopolista da imprensa, de orientação ultraconser-
I Foi o maior império publicitário do mundo. Em 1937, no começo vadora de direita e oposicionista ao New Deal (EMERY, 1965, p.
I da queda, nove diários e cinco edições dominicais suas foram fecha- 782 et seqs.). Seu jornal atingiu mais de um milhão de exemplares
das, companhias cinematográficas e estações de rádio vendidas de tiragem em 1946, baixando para 900.000 em 1950. Seu sucesso
(EMERY, 1965, p. 776). Hearst era ardorosamente anticomunista, havia Iniciado em 1941, um pouco antes do ingresso americano na
sua "caça aos vermelhos" atingia líderes políticos, educadores, Segunda Guerra Mundial. Como durante os regimes extremistas

••••••
114 115

europeus, também nos Estados Unidos havia forte corrente de ex: SANTOS,1979, p. 146). No final de 1973 a economia volta a apre-
trema direita que interpretava a crise de 29 como uma ameaça a sentar quedas de crescimento econômico.
sua estabilidade econômica e ao sistema como um todo. . , Nos Estados Unidos a crise apontou resultados consideráveis.
I Em meados de 1976 o PNB americano era 12% inferior ao de
A evolução da crise americana 1973. Na indústria automobilística as vendas caíram em 1974
23% em relação a 1973, a produção diminuiu 25% ~ 40% do~
O Caso Watergate, assim como os demais casos a serem ana- trabalhadores foram demitidos. Na indústria de construção civil a
lisados, teve seu desenlace em 1974. Esse ano significou um marco
r no desenvolvimento da economia capitalista, cujos primeiros sin-
tomas foram as situações críticas dos meados dos anos 60 e a
produção de casas baixou de 2.500.000 unidades em 1972 para
898.000 em 1974. A taxa de desemprego geral alcançou a cifra
de 9,2%.' em maio de 1975 (BRIONES& SANTOS,1979, p. 147).
depressão econômica do início dos 70, desembocando na crise do ASSIm,
petróleo de 73. Esse período foi marcado, nos EUA, pela inefi-
ciência da política econômica de Bretton Woods, no pós-guerra, a te~dência depressi,::a inicialmente presente em 1967, que foi
para reerguer o sistema econômico internacional e usar mecanismos contida durante o penodo de 1971-73, alcançou, a partir de 1974
como o FMI (Fundo Monetário Internacional) para salvar as ~aráte.r de verdadeira "crise" econômica, reconhecida como tal
inclusive pelos mais veementes defensores do sistema· ademais
economias em recessão. Foi o caso, por exemplo, do auxílio pres- aceita-se o fato de constituir-se na mais grave situação encontrada
tado a nações européias, como a Itália, para que se reerguessem desde a crise de 1929-32 (BRIONES & SANTOS, 1979, p. 148).
das quebras decorrentes da crise de energia. A crise, inicialmente
rastejante nos anos 60, teve novo avanço no final da década: a ~al fato produziu-se igualmente no Japão e na Grã-Bretanha, para
estagnação virava inflação galopante, no dizer de Toni Negri. C?J? CItar apenas países capitalistas importantes.
o início da década de 70 e o recrudescimento das lutas SOCIaiS
. As repercussões políticas não foram menos alarmantes. Apro-
principalmente na Europa (a América Latina sofria nesse período
ximadamente na metade da década de 70 (período a que se referem
o crescimento acelerado dos movimentos de guerrilha rural e ur- as experiências analisadas), a política internacional acusou uma
bana, assim como das mobilizações na sociedade civil para uma baixa na política americana (externamente, com a derrota do
rápida mudança das relações de produção e dos regimes políticos
Vietnã e Camboja, o fim das ditaduras na Grécia e Portugal,
implantados, como foram os casos da Argentina, Brasil, Chile,
Bolívia, Uruguai), os centros de poder no capitalismo tardio ini- a n.lU?ança do reg!me e~panhol, o fim do colonialismo em Angola,
ciaram as articulações para a reorganização do poder público e Gume e Moçambique; internamente, com o Caso Watergate e a
da atividade econômica, no sentido de reafirmar as bases de domi- ~errubada ~e Nixon), associada à instabilidade econômica genera-
nação. Na Europa, compuseram-se, num primeiro momento, com lizada do SIstema capitalista internacional. Autores apontam que
governos social-democratas, visando à estabilidade política (Social- a queda de Nixon deveu-se também ao fato de ele ter estabelecido
-Democracia alemã, Partido Comunista Italiano; PSOE - Partido a política de détente com a URSS e a China, contrariando os
Socialista Espanhol -, socialistas portugueses passaram a ser, após "falcões" da linha de confronto (DINES, 1983, p. 6-7).
1973, conforme o caso, os fiadores da estabilidade política, bus- . A crise interna americana durante o escândalo Watergate con-
cando controlar a ação operária, e também os implantadores da flgur~u-se como um desencontro (e confronto) entre as políticas
austeridade política exigida pelo FMI, de acordo com as orienta- d~ Nlxon. Em. 1971 Nixon havia desvalorizado o dólar (supri-
ções monetaristas). Essa política significou, na prática, um aumento mindo a necessidade de reconversão de dólares em ouro), decre-
da repressão nos países industrializados que pudessem representar tado limitações de importação de países asiáticos e instaurado
qualquer ameaça à estabilidade da metrópole do capitalismo inter- controles de preços e salários. O setor econômico da indústria
nacional. americana que agia basicamente no mercado interno estava entu-
Nesse primeiro período de 1971 a 1973, sentiu-se uma reto- siasmado; o capital multinacional, contudo, e o pessoal de todas as
mada da economia, incentivada pelos estímulos artificiais à produ- instit~iç~es .(banco.s,. meios de comunicação, postos de governo,
ção e ao pleno emprego, com base, principalmente, na desvalo- assocl.açoes industriais) a quem era "clara a ameaça da economia
rização do dólar em fins de 1971 e início de 1973 (BRIONES& mundial pelas ações de Nixon viraram-se contra essa política

.7'1"
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I (ROGERS, 1980). O surgimento da "Trilateral" deve ser compreen- documentos do Pentágono, o processo sofrido pelo psiquiatra de
dido igualmente nesse contexto. Daniel Ellsberg, cujo consultório fora invadido por pessoas poste-
A Comissão Trilateral significava a vitória da orientação polí- riormente ligadas ao Watergate, colocara em risco a moral do
tica que apoiava o pluralismo ideológico, aceitava governos comu- Pentágono, bem como de outros presidentes. Lá estava apontada
nistas na Itália ou na Espanha e concentrava a problemática prin- a ligação de Kennedy com a morte do presidente do Vietnã. O

I
cipal no plano econômico. Seus representantes eram Brzezinski e processo foi detido por iniciativa dos próprios democratas, maioria
Rockfeller. Essa orientação opunha-se à de Kissinger, que não no Congresso, que viam nisso a desmoralização de Kennedy e
dispunha de nenhum plano econômico global e era favorável à solu- Lyndon J ohnson. Tampouco interessava ao Washington Post ir
ção de força, apoio a ditaduras militares e genocidas (Reza Pahlevi, mais adiante nesse caso, devido às suas simpatias políticas já apon-
Pinochet), bem como a práticas antidemocráticas nos próprios tadas. A questão, portanto, deveria concentrar-se na pessoa do
Estados Unidos, como foi o caso do escândalo Watergate (SIST & presidente Nixon, que, cada vez mais, perdia crédito junto à opinião
lRIARTE, 1969, p. 167 et seqs.). pública e que poderia muito bem personificar a crise americana e
Esse complexo de situações de ordem política e econômica internacional e, com a suá eliminação pública, significar o expeli-
formava o pano de fundo sobre o qual desenrolaram-se os episódios mento do "corpo estranho" do "sadio" desenvolvimento político-
da crise do governo Nixon, Nessa crise estiveram amplamente envol- -econômico dos EUA na década de 70.
vidos o jornal Washington Post, o governo e o aparelho de justiça As discussões sobre a ligação da imprensa com a queda do
americano. governo Nixon, ligação essa em que também o Judiciário teve
Ainda que as possibilidades de a imprensa penetrar no ap~- papel importante (o juiz J ohn Sirica e o promotor especial Archi-
relho de Estado e incitar a opinião pública contra desmandos admi- bald Cox), assim como o Legislativo (o senador Sam Ervin, da
nistrativos e abusos de poder dos governantes sejam hoje, nos comissão especial do Senado para apurar os fatos), conduzem a
EUA, maiores do que nas frágeis democracias terceiro-mundistas, interpretações de diferentes naturezas.
não era esta a situação do Caso Watergate, quando jornalistas já Empenhados na destituição do presidente Nixon estavam,
haviam sido perseguidos por motivos políticos, William Farr, repór- como vimos anteriormente, interesses, em um primeiro momento,
ter do Los Angeles Times, teve de cumprir 46 dias de prisão por econômicos e políticos: os grandes capitalistas, enredados com o
recusar-se a revelar as fontes de um artigo sobre a família Manson, comércio internacional, as multinacionais procurando uma política
'ÍlOS EUA; em 29 de junho de 1972, o jornalista Caldwell, do New econômica mais flexível e um escoamento mais livre de seus pro-
Y ork -Times, que havia se recusado a testemunhar diante de um dutos no período de recesso, e os países industrializados associados
grande' júri sobre as atividades dos Panteras Negras, foi condenado na Comissão Trilateral. A própria filosofia do trilateralismo, de
pela Suprema Corte americana (OPINIÃO, 1973). minimização de atritos e concorrências dentro do mundo trilateral,
O Washington Post foi o jornal americano que mais rapida- de despolitização de assuntos como inflação, desemprego, relações
mente cresceu em estima nas últimas décadas nos Estados Unidos. internacionais que, como resultado político, trariam a eliminação
Em termos editoriais o jornal evitava dar apoio direto a políticos, das "esferas de influência" - em troca do fomento de relações
tendo, não obstante, favorecido Dewey, Eisenhower e Kennedy econômicas multilaterais e da possibilidade de evitar pequenas
em suas candidaturas. Foi o primeiro jornal a criticar abertamente guerras e na aproximação com países do bloco comunista, "para
o movimento do senador Joseph R. Mac Carthy, de Wisconsin, em solapar o apoio que estes dão a movimentos de libertação" (SHOUP
1950, o que depois levou o nome de "macarthismo" (EMERY, 1965, & MINTER, 1969, p. 16 et seqs.) - estava em desacordo com a
p. 806). política de Nixon. A tese da derrubada de Nixon por estabelecer
a détente com a URSS e a China é, portanto, oposta à própria
O início dos ataques dos jornalistas do Washington Post ao orientação da Trilateral. Certamente esta surgiu no governo Nixon
presidente Nixon foi marcado por uma tentativa, semelhante às (1972), mas a política do presidente ia em direção oposta ao
anteriormente apontadas, de intimidar os jornalistas. Esse combate "liberalismo econômico internacional" proposto por 'Brzezinski e
iniciara-se com o vice-presidente Spiro Agnew; além dele, o próprio Rockfeller. Ambos interessavam-se mais pela substituição da polí-
Nixon ordenara a abertura de inquérito paralelo sobre a publicação tica de "banhos de sangue" kissingeriana por um relacionamento
dos dossiês do Pentágono (AMALRIC, 1973, p. 19). O desvio de das grandes potências do mundo capitalista como Terceiro
118 119

Mundo, de forma a substituir a imagem desgastada dos Estados jornalismo político e literário do século passado (ver Capítulo 111,
Unidos como agressores e ocupantes de outros países. Tratava-se tópico 2). No presente, a imprensa não pode ser vista separada-
agora de dissolver essa imagem e substituí-Ia pela do país-irmão, mente do conjunto de forças políticas que promovem mudanças no
do aparente apoio às economias subdesenvolvidas e enfraqueci das governo e no curso da história de diversas formações sociais. ,À
com a crise econômica. A política dos direitos humanos de Carter derrubada de Getúlio sucedeu-se, após breve intervalo, o governo
viria selar institucionalmente o empenho trilateralista. de Juscelino Kubitschek, íntrodutor no Brasil do grande capital
A destituição de Nixon poderia significar também a recupe- industrial ligado às corporações transnacionais. Não é casual que
ração da política externa americana, seriamente questionada pela a "destituição" do governo Getúlio Vargas tenha encerrado uma fase
participação do país no Vietnã, Camboja, Laos, principalmente histórica no Brasil, a do nacionalismo, como poder instaurado no
após a publicação dos documentos secretos do Pentágono, que Estado, e aberto o espaço institucional para um governo "interna-
responsabilizaram diretamente os presidentes predecessores pela cionalista". Os militares que deram retaguarda a Carlos Lacerda
escalada no Vietnã. já coqueteavam com a burguesia internacional, desgostosa com a
política getulista por esta ser sintonizada com o nacionalismo argen-
Urgia, portanto, personificar o escândalo, na busca de res- tino do período.
ponsáveis isolados pelo processo. Como já demonstrei nas "téc-
nicas de falseamento e encobrimento da notícia" (Capítulo 11), o No caso Watergate, o efeito mais significativo no panorama das
recurso à personificação de conflitos sociais, guerras, questões polí- relações internacionais e da sustentação teórica do modo de pro-
ticas sérias funciona como meio ideal para isentar as classes sociais dução capitalista, a partir de sua metrópole, foi, sem dúvida, o
da responsabilidade civil por esse procedimento. Assim como no ideológico-propagandístico. Com a renúncia de Nixon, "a nação
Estado fascista, em que, após finda a guerra, foram procurados respirava aliviada"; o pesadelo e as pressões de toda parte termi-
individualmente os responsáveis, também aqui não se trata de in- navam. Todo o escândalo não deixou de produzir uma "moral da
criminar a política de forma geral - como realização de planos de história", que passou a ser reproduzida e repetida insistentemente
classe pelo aparelho de Estado - mas sim de políticos. O redu- pela imprensa e meios de comunicação em geral: em primeiro lugar,
cionismo de encontrar bodes expiatórios nos grandes fatos polí- a imagem americana limpa-se aos olhos do mundo. Exige-se a
ticos é recurso da forma burguesa de manipulação jornalística, saída do presidente corrupto, e essa saída tem o curioso efeito de
derivado de sua própria maneira de explicar o mundo e as relações fa:er a opinião ver que eles eram os únicos corruptos, os que
sociais, como produto de homens isolados e não de classes. SUjaram a moral nacional. Cassando-se meia dúzia de altos manda-
tár~os desonestos, os demais políticos, no plano psicológico, não o
No Brasil, o episódio do suicídio de Getúlio Vargas apresenta
senam. Internacionalmente, a eliminação de Nixon como presi-
algumas semelhanças com o episódio Nixon, em que a imprensa
dente significava a redenção americana dos males cometidos no
desencadeou a batalha de desmoralização do presidente. No Con-
Sudeste Asiático e a limpeza do nome do governo americano. Em
gresso e na imprensa brasileira da época articulou-se intensa cam-
segundo lugar, emergiu a acepção de que "justiça se faz" nesse país
panha difamatória ao segundo governo de Getúlio, em que se
e de que. a "imprensa é realmente soberana". Em suma, reforçaram-
multiplicavam as "denúncias de malversações de toda a natureza,
-se os mitos que a propaganda ideológica americana sempre primou
concussões, peculatos, enriquecimentos ilícitos e indefensáveis fi-
em reproduzir. A destituição de Nixon valeu mais do que milhões de
nanciamentos pelo Banco do Brasil [ ... ]" (BARBOSALESSA,1967,
artigos das Seleções do Reader's Digest, impregnados pela "missão"
p. 205). A imprensa lacerdista da época, apoiada por setores
de reproduzir a ideologia e os mitos da "democracia americana"
conservadores e militares, que viam na política getulista de buscar
política esta que vive sob o liberalismo de realidade inexistente. '
apoio junto aos trabalhadores urbanos uma ameaça de importação
I'
do justicialismo de Perón para o Brasil, obteve a retaguarda neces- Diante dessas manipulações, a opinião pública, na nomeação
sária para incentivar sua campanha através da Tribuna da Imprensa. do bode expiatório, recuperava de novo a confiança no seu go-
Tratava-se de utilizar a imprensa como veículo de agitação e de verno, no Estado americano como libertado das máculas dos crimes
"incendiamento" da situação política. Aqui, como lá, não se tratava de guerra no Vietnã.
de um poder autônomo que, em nome das "liberdades constitu- O fato de o Estado permitir que essa investigação fosse levada
cionais" e salvaguardado por elas, agia independentemente. Essa a efeito não significa, contudo, a abertura indiscriminada ao ci-
imprensa existia como prática generalizada somente no período do dadão dos negócios e segredos de Estado. A denúncia do Pen-

i• .,.
120 (121 ;
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tágono e de sua ligação cnmmosa na Sudeste Asiática e, mais e de execução da Revolução dos Cravas. Um desses conflitos
especialmente, no escândalo que foi o flagrante das arrombadores envolveu, nesse ano e no seguinte, o jornal República, de proprie-
da sede do Partido Democrata em Washington e suas conexões com dade de socialistas, em conflito com os gráficos comunistas e a
i a CIA e a Casa Branca, não teria sustentação política (e econômica) rádio Renascença, atribuída à Igreja Católica.

I
se essas forças denunciadoras não estivessem interessadas, através O desenvolvimento português foi marcado pela estrutura eco-
da imprensa - no casa, velha aliada das interesses democratas -, nômica preponderantemente agrícola e extrativa, na qual o processo
em mudar a presidente e impor uma política econômica nacional e de industrialização acusou relativo atraso em comparação às nações
internacional mais Iavorábel ao grande capital multinacional, A vizinhas. Essa situação marcou também a constituição e a distri-
pesquisa dos grandes anunciantes da Washington Post, em especial buição de classes, em que a classe operária estava em inferioridade
da primeira metade de 1974, daria uma pista para a localização numérica e com restrita pesa social e política, enquanto as camadas
dos grandes interessados na queda de Nixon, que ao mesmo tempo médias, como é comum nas economias dependentes, formavam ou
davam o respaldo econômico necessário à continuidade das inves- uma pequena burguesia manufatureira, artesanal, ou a pequena-bur-
tigações. Houve, sem dúvida, interesses idealistas na processa todo guesia de Estado, parasitária e "inchada" (POULANTZAS,1976,
dentro das diversas instituições que se envolveram no esclareci- p. 12). A acumulação primitiva dependia, no caso português, da
mento das fatos. NãO' se rpode, entretanto, num trabalha de análise exploração de suas colônias africanas, fornecedoras de bens a baixo
política, abrir mão da identificação de forças macrossociais que custo,cuja pilhagem era financiada indiretamente pelo capital
instrumentalizaram a imprensa e a poder pública para obter reforço estrangeiro (POULANTZAS, 1976, p. 21).
à sua causa. Não se trata aqui de imputar a entidades abstratas, Na estrutura de classes em Portugal, segundo Poulantzas (1976,
fetichizadas, a culpabilidade nos fatos; ao contrário, elas são per- p. 36), a burguesia divide-se em frações de classe principalmente em
feitamente localizáveis na estrutura de poder americano (políticos virtude de sua ligação com o capital estrangeiro. De um lado,
ligados aO' Partida Democrata, principalmente), nas mídia ameri- encontra-se a burguesia compradora, corri interesses subordinados a
canos, cujos interesses estavam prejudicados pela administração esse capital e que é a realizadora desse capital no país, ligada à
Nixon (o Washington Post, o Newsweek e duas estações de TV da área financeira, bancária e comercial e podendo operar no setor
mesma cadeia tinham suas concessões ameaçadas pelo presidente industrial, nos ramos inteiramente dependentes e subordinados ao
Nixon), e nas grandes corporações econômicas citadas anterior- capital estrangeiro. Os importantes grupos portugueses no setor são
mente. Não são máquinas nem poderes obscuros e extraterrenos CUF, Espírito Santo, Borges & Irmão, Portugueses do Atlântico e
que fazem a rpolítica, mas homens de carne e osso na defesa de seus outros. SãO'predominantes na área bancária e estão orientados para
interesses e privilégios de classe. Ê na articulação deles - cama a exploração colonial africana. De outro lado, a burguesia local
classe ---.:.,cam as instrumentos de que dispõem, que está a chave portuguesa, em que pesem seus interesses associados aos da bur-
para compreender as fatos históricas. guesia estrangeira, sofre das contradições de sentir-se frustrada em
relação à repartição do balo de exploração das massas e interessa-se
pela intervenção estatal, que lhe possa garantir o domínio de setores
o jornalRepública e a rádio Renascença
dentro do país e, assim, maior competitividade em relação ao
na Revolução dos Cravos
capital estrangeiro. As camadas médias, abaixo dessa classe, estão,
como vimos, no aparelho de Estado ou na pequena indústria manu-
Elementos histórico-econômicos fatureira e artesanaJ.
Após o 25 de abril de 1974 - data da Revolução dos Cravos, A economia portuguesa vista de forma ampla, acusou na pós-
em Portugal, que acabou com os restos da .ditadura salazarista, no -guerra, e particularmente após 1960, um crescimento considerável
poder totalitariamente desde a década de 30 -, o Movimento das de investimentos.
Forças Armadas (MFA) assumiu provisoriamente o poder. Pouco O volume de investimentos estrangeiros diretos dobrou entre 1963
depois desse fato, desencadeou-se na seio das forças antifascistas, e 1965, e não parou de crescer desde então. Os investimentos
que lutavam para a deposição da ditadura, um conflito de ordem estrangeiros concentraram-se progressivamente nos setores de ca-
político-ideológica. Comunistas e socialistas compuseram os grupos pital industrial produtivo, através de filiais de multinacionais (in-
mais acirradamente envolvidos nas questões de poder, de orientação' dústrias químicas, metalúrgico-mecânicas e eletrônicas e, também,

.:4 .••
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122 123

nas diversas indústrias de transformação - confecção etc.). Para- foi este período (1973-74), tenham ocorrido (ou se desenvolvido)
lelamente, o PNB vinha aumentando de 6% ao ano, aproximada- mudanças radicais em regimes autoritários europeus (Portugal
mente, desde 1960; além disso, entre 1960 e 1970, a taxa de Grécia, Espanha), resquícios anacrônicos da época fascista ante~
I crescimento da agricultura não ultrapassa 1,5, a da indústria 9,1 e da Segunda Guerra Mundial, que levaram países da Europa a uma
a do terciário 5,9. [ ... ] O caráter original do capitalismo portu-
"queima de etapas" visando à aparente equiparação ao nível eco-

I
guês, comparado ao da Grécia e Espanha, é a extrema concentra-
ção e centralização do capital, visto o estado de industrialização nô~~co das outras nações. Isso exigiria, sem dúvida, a renovação
do país: 168 sociedades dentre 40 mil (ou seja, 0,4%) detêm política e a abertura de espaço para os grupos e partidos de
pelo menos 53% do capital (POULANTZAS,1976, p. 15). esquerda (socialistas e comunistas). A forma de garantir a ordem
política burguesa esta~ia. nas mãos da social-democracia européia,
Esse capital, como vimos acima, está ligado ao capital estrangeiro, cooptada pela burguesia Internacional.
e em especial ao do Mercado Comum Europeu, principalmente ao Esse processo teleguiado de mudanças estruturais deve-se tam- ~;~"" .,

da Alemanha Ocidental e ao do Reino Unido (POULANTZAS, 1976, bém à "fraqueza ideológica e política" dessas classes dominantes. irili
'J';)
p.22). Constatou-se a "incapacidade das burguesias de levar adiante a . .~j
As relações com o Estado foram-se alterando significativamente própria revolução democrático-burguesa" (POULANTZAS 1976 .~

nesse período. A Revolução dos Cravos não foi somente obra de p. 38, grifado no original). Essa debilidade e mesmo a ausência
generais insatisfeitos com as campanhas na África ou a questão do de um discurso ,b~rguês próprio também no caso de Portugal repre-
colonialismo e dos poderes absolutos (e retrógrados) do regime se~taram ~m facIl. espaç~ de manobra para as burguesias estran-
salazarista. Também no seio das classes dominantes, em parti- geiras, mais consolidadas Ideologicamente, se imporem em Portugal.
cular da burguesia local portuguesa, foi-se formando uma posição Esse fato ~parece novamente quando o Movimento das Forças
política de distanciamento do governo e isolamento do regime, lide- Armadas, liderando a Revolução, não encontrou nenhuma resis-
rado nos seus últimos anos por Marcelo Caetano. Essa não foi a tência político-ideológica por parte dos antigos governantes. Seu
política das burguesias compradoras, que o sustentaram até o fim poder e:a exclusivamente econômico (dependente) e, fora disso,
(POULANTZAS, 1976, p. 39), servindo de respeitável base infra- nada fOI gerado além da repressão política e da repressão cultural
-estrutural de apoio do Estado. em geral, sem produzir algo em troca que ocupasse esse espaço
Em termos ideológicos, as relações com o capital estrangeiro cultural.
exigiram, em países como Portugal, uma acelerada destruição das
formas arcaicas de produção econômica ainda existentes no país, A Revolução e as aberturas políticas
bem como a realização da industrialização dependente, incapaz de
prover o país de uma política autônoma de investimento industrial. ~ Revolução dos Cravos foi possível graças à união de forças
Em 1974 as políticas econômicas traçadas pela Comissão Trilateral, economicas e militares contra o regime de Marcelo Caetano. O
expostas no Caso Watergate, exigiam uma reordenação até mesmo golpe, pelo menos em sua primeira fase, apesar da imagem de uma
no relacionamento entre países participantes do "bloco ocidental". "grande abertura democrática" após mais de quarenta anos de di-
A reordenação previa a concentração da política no desenvolvimento tadura salazarista, foi conduzido por forças militares e econômicas
e na ajuda econômica aos "elos mais fracos" do sistema capitalista sem nenhum compromisso com a liberalização geral do regime.
para evitar torná-los "presa fácil" dos regimes soviético e chinês, em
Dur~nte a primeira fase da derrubada do regime (a Revolução de
vez da política anterior de "banhos de sangue", hoje retomada pela Abnl) s~tores da própria grande burguesia compradora (o grupo
administração Reagan. N aquele período, contudo, urgia às bur- ~hampa.lrma.ud, po~ exemplo), e mais algumas grandes companhias
guesias estrangeiras que operavam em Portugal dinamizar certas internacionais, apoiaram a experiência de Spínola (POULANTZAS
estruturas econômicas para adaptá-Ias ao estágio capitalista geral e 1976, p. 50). '
serem, assim, igualmente produtivas em território onde os custos
de produção são sensivelmente mais baratos. Tratava-se, para esses Tratava-se, assim, de uma aliança entre forças capitalistas não-retró-
investidores estrangeiros, de gerar mais lucros, indiferentes se esta gra~as, con; v.istas ~ transformação das formas obsoletas de explo-
política minaria a médio prazo o regime. Não é por acaso, portanto, r~ça? economica (h~ad.as ao período salazarista de estagnação eco-
que mediante a crise geral do capitalismo, cuja fase mais marcante nômica ) e sua SUbStItUIÇão por um capitalismo mais modernizado,

MIII ••
125
124

sintonizado com estágios de desenvolvimento europeu mais avan- tidos de oposição, que estavam proibidos pela ditadura, encontravam
um povo e uma classe política afastada do processo político. Não
çados. De acordo com a filosofia da Trilateral, havia nas esferas
principais de poder do "bloco ocidental", a tendência de apoio a houve, nem poderia haver, nenhum trabalho de politização popular
I antes de 1974. O Partido Comunista de Álvaro Cunhal e o Socia-
regimes estagnados economicamente para que estes não viessem a
lista de Mário Soares iriam iniciar seu trabalho de politização a
ser "presa fácil" dos regimes socialistas. Era preciso, portanto, a
partir do nada. Essa situação de total desconhecimento das classes
reforma das estruturas econômicas e sociais (ocorrida de fato em
do~i?adas de toda a história e das lutas por melhores situações
Po~tugal, ?spanhae Grécia). Em alguns casos, como o português,
SOCIatS de seus antecessores e dos povos vizinhos iria marcar o

t serra preciso remover todo o aparelho de Estado viciado nas formas


salazaristas de exploração econômica, contra-indica das para a solu-
ção da crise interna e internacional. Isso significa que o movimento,
grande descompasso entre a "revolução" e as aspirações populares.
O golpe foi dado por militares e seu envolvimento deu-se também
pelo baixo moral em que se encontravam diante do fracasso das
antes de ser "uma conquista das massas", foi um processo articulado
~a.n:panhas na África. O "Movimento dos Capitães", cujo caráter
~ p~rtir das cúpulas. Generais insatisfeitos com as campanhas da
inicialmente .foi reiv~ndicatório, sendo somente depois político, foi
África, burgueses preocupados com maior liberdade de ação num
amplamente influenciado por setores mais intelectualizados do jovem
governo mais flexível e dinamizador da economia e políticos bus-
oficialato português.
cando mais espaço de atuação realizaram a revolução, que chamou,
num momento posterior, as massas às ruas para saudar com cravos
vermelhos os tanques que entravam em Lisboa. Não havendo a A crise dos meios de comunicação
mobilização anterior das massas, não se justificaria nenhum com- O jornal República data de 1910. Historicamente seus profis-
promisso com reformas liberais e abertura de amplo processo de- sionais gráficos tinham orientação comunista, o que não ocorria
mocrático no país. Por isso, o primeiro período da Revolução, com o diretor do jornal, Raul Rego, que se colocava ao lado dos
período em que o conflito com os meios de comunicação (jornal socialistas.
República, rádio Renascença) tornou-se público, foi mais tenso.
A crise no jornal República ocorreu quando a contradição
Empolgados com a queda do regime, trabalhadores e baixos assa-
interna principal da Revolução dos Cravos projetou-se dentro de
lariados em geral mobilizaram-se buscando obter frutos melhores
um órgão de imprensa: um Estado conduzido por uma liderança
da Revolução: liberalização geral e transição para o socialismo.
socialista detendo as iniciativas políticas de conquista de espaço dos
Esse programa chocava-se com a orientação dos militares e de
grupos políticos minoritários de esquerda, como as dos comunistas.
Spínola, que pretendiam manter sob suas rédeas o avanço do pro-
cesso democrático. Não tendo havido essa participação das massas O conflito teve seu caráter "análogo à contradição geral" do
antes da derrubada do regime, não havia tampouco um compromisso Estado português pelo fato de o jornal ser, como o Jornal Novo
real do Estado recém-constituído de empenhar-se na realização das propriedade do Estado. Outros jornais eram financeiramente con-
exigências democráticas. Isso passou a ser a nova luta que se colo- trolados pelo Estado, como o Diário de Notícias, O Século, Jornal
cava diante das massas urbanas portuguesas: derrubado o salazar- do Comércio, Diário Popular, Diário de Lisboa, A Capital (OPINIÃO,
-caetanismo, era preciso agora derrubar seus sucessores, que pensa- 197 5b ) . O conflito serviu para denunciar a tendência existente
vam em promover somente "liberalizações econômicas". Marcelo junto aos militares de monopolizar a informação. Aos 25 de abril
Caetano havia tentado, em seu período de governo, conduzir um todas as direções de jornais haviam sido substituídas, com exceção
processo de modernização da economia; oposto, portanto, à política da do jornal República, cujo diretor, Raul Rego, era conhecido anti-
anterior do ditador português. O desencadeamento de tal processo, -fascista (COLLIN, 1982, p. 111).
aliado às necessidades de classe de setores importantes da bur- Em princípios de maio, criavam-se os "comitês de redação"
guesia portuguesa, conduziria inevitavelmente, contudo, à sua pró- uma das conquistas da Revolução para combater a censura interna
pria destituição. e dinamizar o processo de democratização da sociedade portuguesa.
O jornal, bem como o rádio (particularmente a rádio Renascença),
O regime "fascista" de Salazar, diferente dos regimes fascistas seriam os principais terrenos de confronto entre os protagonistas
clássicos, não logrou criar bases populares de sustentação que o
do 25 de abril: na sua forma de produção emergiram as questões
mantivessem. Isso prejudicou também o reformismo de Caetano,
relativas à contradição entre ideais socialistas do 25 de abril e o
abrindo espaço para mudanças totais no quadro político. Os par-
126 127

espírito politicamente mais cauteloso dos militares do MFA, muitos tarde, iria tender para um posicionamento moderado e cauteloso,
deles não descomprometidos com a ideologia anterior. "sem radicalismos" políticos .
. . Após a depuração de Ramiro Verado da TV Portuguesa, os A Igreja Católica era proprietária de 40% da rádio Renas-
militares do MFA tentariam capitalizar a imprensa para a Revo- cença (o que não a impedia de exercer o controle total da pro-
lução. Em meados de maio, não obstante, reiniciava-se a ação da gramação). A crise com a emissora iniciara-se em 30 de abril: dias
censura sobre a atividade jornalística. Raul Rego, ex-diretor do antes o radialista Luiz Felipe Martins fora ameaçado de dispensa
República, assume o posto de ministro da Comunicação Social e, por transmitir uma nota da agência Nova China. Desta vez a

t de sua posição moderadora, iniciam-se as advertências aos jornais e


começam as ameaças de censura (COLLIN, 1982, p. 111). Aos 7
de junho é preso Saldanha Sanches do jornal Luta Popular e três
administração da rádio, ainda fortemente impregnada da filosofia
repressiva anterior, veta a retransmissão de uma reportagem sobre
a chegada de Álvaro Cunhal e dos cantores Luís Cilia e José Mário
dias após, o comandante Mário Fernandes suspende uma emissão Branco. Nesse momento, a rádio entra em greve até 'as 22 horas.
de televisão por ser "demasiado crítica à Igreja" (COLLIN, 1982, ~s negociações políticas vão até 1: 30 horas do dia seguinte. Das
p. 111). discussões chega-se ao acordo de abolir o sistema de censura e à
O primeiro decreto sobre a imprensa do governo da Revolução criação de u.m conselho de gerência, em que participam represen-
saiu em 21 de junho. Suprime-se através dele a censura, mas os tantes do episcopado e a comissão de gestão, formada e eleita por
jornais são obrigados a publicar os comunicados do governo, são trabalhadores (COLLIN, 1982, p. 114-5).
proibidos de criticar as Forças Armadas, e cria-se uma comissão A censura, contudo, não era algo ligado somente às adminis-
par~ v~giar a salvaguarda dos decretos (COLLIN, 1982, p. 111). trações da comunicação. A mesma postura repressiva dos diretores
A técníca de amedrontamento, portanto, repete a matriz caetanista da rádio era defendida pelo próprio general Spínola, o protago-
anterior. O poder dos militares não pode ser questionado frontal- nista principal da Revolução dos Cravos. Em 25 de maio, quando
mente pela imprensa, e esta tem de submeter-se novamente a leis a rádio dá cobertura à manifestação pela libertação do capitão
rigorosas. As. punições neste período são as multas (punições, cubano Peralta, Spínola enfurece-se e ameaça fechá-Ia. Da crise
portanto, classistas, de vez que os pequenos jornais, os mais visados resulta a dispensa de quatro jornalistas, que serão, mais tarde,
com esse tipo de repressão, são os primeiros a sucumbir nesse sis- substituídos por outros, em 18 de julho. Alegando "motivos sus-
tema). A Capital e República têm de pagar 30.000 escudos por peitos" a direção da rádio Renascença demite onze outros jornalistas
terem condenado, através de suas publicações, a prisão de oficiais em 7 de setembro (COLLIN, 1982, p. 116). A crise permanece. Na
que se recusaram a intervir na greve nacional dos correios (COLLIN, passagem do ano para 1975 não se dá a conciliação entre o conselho
1982, p. 112). Em princípios de agosto, a censura volta a atacar. de gerência, responsável pelas perseguições e punições no quadro de
Acusados de dar "informes sobre manifestações ilegais", o Repú- jornalistas da rádio e a comissão de trabalhadores, empenhada em
blica e A Capital são suspensos por 24 horas, enquanto o Diário fazer-se respeitar enquanto categoria política profissional. Aos 4 de
~e Li~boa, por ter qualificado de alarmante a situação de Angola, fevereiro de 1975, dado o impasse que atingiram os conflitos entre
e p.Ulll~O com 48 horas (~OLLIN, 1982, p. 112). Os demais jornais direçã,o e jornalistas da rádio, é deflagrada nova greve geral, que
solidarizam-se e reagem a medida. O acirramento faz o governo durara até 11 de março, data do frustrado golpe do general Spínola.
retroceder e voltar atrás na punição. No início de 1975 promulga-se a Nova Lei de Imprensa em
Por meio da política em relação à imprensa, sentiu-se no Portugal. Os conflitos constantes entre jornais e o governo atingiram
governo português revolucionário a incerteza quanto às ações polí- solução de continuidade, e era necessária uma nova regulamentação
ticas a serem tomadas. Pela própria constituição do Movimento das que controlasse a mobilização dos trabalhadores e lhes oferecesse
Forças Armadas e seu caráter heterogêneo, reunindo oficiais das um mínimo de garantia contra a repressão das direções. A Nova
mais distintas orientações político-ideológicas, o governo da Revo- Lei de. Imprensa tinha caráter antimonopolístico e instituía o con-
lução ainda demonstrava nesse período a dubiedade de ação carac- selh~ de redação nos jornais, por meio do qual os redatores elegiam
terística de crise interna. A diversidade de posicionamentos e as os diretores, que eram aprovados pela administração do jornal. A
lutas intestinas pelos rumos da Revolução pautaram a indecisão conquista de processos mais democráticos na imprensa deve-se às
militar. Na sociedade civil o clamor pelas aberturas democráticas mobilizações anteriores dos jornais contra a tentativa de transformar
entrava em franca contradição com a hesitação do poder que, mais a Revolução em um novo regime autoritário, sob a direção de

dI·1 LI'"
.-. 128

Spínola. A luta dentro da imprensa significava uma miniatura


do que em escala maior ocorria na sociedade em geral: derrubado
o fascismo, exigia-se agora, no Estado português, a eliminação dos
homens do velho regime e de suas idéias do seio do novo Estado.
ele, os trabalhadores haviam desrespeitado
terem ocupado o jornal (JESUÍNO, 1975).
a lei de imprensa, por

Daí para frente, na segunda metade de 1975, entra em declínio


129

I o poder dos jornalistas e esvazia-se sua experiência política. Os


O principal obstáculo da Revolução dos Cravos foi a batalha
militares assumem o República que, endividado, irá sobreviver so-
que foi preciso travar contra o salazarismo cultivado nas Forças
mente até o final do ano. Raul Rego também abandona o jornal,
Armadas e contra o despreparo político das bases, mais de quatro
fundando outro, A Luta. A rádio Renascença deixa de ir ao ar aos
décadas alijadas do processo e das decisões políticas significativas.
7 de novembro.
r Esse desafio ilustrou a incapacidade das forças políticas emergentes
para assumirem o novo Estado e para implantarem-se
e protagonistas do desenvolvimento político posterior.
como poder Dois meses antes, em 19 de setembro, definia-se mais clara-
mente o rumo político da Revolução dos Cravos, quando o 6.°
governo provisório, de Pinheiro de Azevedo, de direita, assume o
Aos 11 de março de 1975 ocorria a tentativa de golpe de
poder. O caso português de conflito entre Estado e imprensa coloca,
Estado de Spínola. Foi bombardeada a rádio Clube Português, de
como nos casos anteriores, a questão central do relacionamento entre
caráter progressista, enquanto na rádio Renascença os conflitos e a
processo revolucionário e a liberdade de imprensa, principalmente
greve permaneciam. Em 27 de maio os trabalhadores decidem
se essa liberdade não é entendida como liberdade empresarial, mas
ocupar os estúdios da rádio. A redação do Porto rompe com Lisboa
sim liberdade dos menos favorecidos na estrutura organizacional do
e mantém a orientação do conselho de gerência, de caráter anti-
jornal, os gráficos, o proletariado da informação. O exemplo por-
operário e anticomunista. O Instituto Internacional de Imprensa,
tuguês deixou claro os limites do MF Ae de seus oficiais, no
tal como as atividades da Sociedad Interamericana de Prensa na
tocante à política para a imprensa e, em última análise, para a
América Latina, tenta intervir contra os trabalhadores (COLLIN,
opinião pública e a democracia civil. O principal problema do novo
1982, p. 123). No início de julho de 1975 o governo pretende
governo saído do 25 de abril foi eminentemente político. Os mili-
entregar a emissora ao episcopado, na tentativa de esvaziá-Ia poli-
tares, incapazes de dar um rumo claro e seguro no desenvolvimento
ticamente.
do processo de dessalazarização do Estado, deixaram-se envolver
Trata-se, nessas diferentes medidas, de "encampar" o jorna- pelas questões ideológicas acirradas pela direita, temerosa da perda
lismo de oposição e as mobilizações de base que têm no rádio e do seu poder político, e acabaram funcionando como novos guar-
na imprensa sua sede principal. O governo revolucionário, não diães do poder econômico. Sua tendência foi nitidamente a de
conseguindo impor-se politicamente com sua inconsistência ideoló-
estabelecer um monopólio de informação, contraditório com o pró-
gicae programática, busca comprimir a imprensa libertada e deter
prio caráter do movimento. A frustrada tentativa de golpe de
o avanço dos trabalhadores dos jornais em direção à progressiva
apropriação dos meios. Spínola, que reforçou a posição dos trabalhadores, por sua vez
enfraquecidos ante a desastrosa tentativa de Otelo de Carvalho, de
O conflito com o jornal República encontraria seu ápice tam-
entregar o poder ao povo de forma igualmente golpista, marcou,
bém nessa época, verão europeu de 1975, quando o setor gráfico e
administrativo tenta assumir o controle de informação na redação junto com os demais acontecimentos, a conflituosa definição de
(OPINIÃO, 1975b). Os trabalhadores, para isso, ocupam o jornal poderes,que da direita passaria, por via eleitoral, aos socialistas de
e passam a deter o monopólio sobre o que deve e o que não deve Mário Soares, de tendência bastante moderada.
ser dito, implantando uma espécie de "ditadura dos gráficos" O controle do poder pelos setores da direita e o afastamento do
(OPINIÃO, 1975b). Essa comissão de trabalhadores, que tenta con- MF A da função de salvaguarda da Revolução marcou o final do
duzir o processo de "saneamento da direção" e ocupa o jornal confronto social mediado pela imprensa, no qual uma experiência
dentro da mesma política de ocupação dos jornalistas da rádio socialista esvaziou-se diante do despreparo dos líderes e, em parte,
Renascença nessa mesma época, marca o ponto de cristalização dos devido à própria radicalização das bases, que conduziram à subs-
conflitos entre o ainda oscilante Estado português e as exigências :' tituição do governo Vasco Gonçalves e prepararam o terreno para o
radicais da base por maior poder político. Esse fato leva o ministro retorno ao poder dos velhos dominantes. A imaturidade política
da Comunicação Social do governo Vasco Gonçalves, José Correia I'
dos partidos e das organizações de esquerda desgastou a experiência
J esuíno, a ordenar o fechamento e a lacração do jornal. Segundo l e inutilizou a proposta renovadora da Revolução dos Cravos .
.'I'

- ....,.
130 131

A reforma da imprensa peruana vindos da ba~e econômico-social (setor de exportação da burguesia)


e teve de abnr um espaço de governo ao partido Apra para garantir
sua legitimação política.
Elementos histórico-econômicos
. A ~nclusão do Apra nos planos de Odría, juntamente com a
De acordo com a pesquisa de O'Donne1, o Peru é um país no aliança informal com a elite exportadora de Manuel Prado candi-
qual, até o final do século XIX, nenhum setor da classe dominante dato à presidên.cia em 1956, representaram o final da perseguição
teve a capacidade de formar um Estado nacional e de dar à socie- ao partido, aSSIm como a sua dissolução como voz associada às
dade uma identidade nacional (O'DONNEL, 1982, p. 255). As classes populares.
receitas nacionais levaram ao enriquecimento da burguesia comer-
A década de 60 foi marcada pela necessidade de reformas
cial, cujo capital era destinado ao comércio importador, que tomava
estruturais, de caráter nacional-popular. Em 1963 Belaúnde Terry,
empréstimos do governo, o que aumentava seu endividamento. Às
séries de fracassos econômicos iria somar-se a derrota frente ao em meio a um clima de reivindicação popular (recuperação de terra
Chile na Guerra do Pacífico. Na passagem do século, os grandes por parte dos camponeses, evolução do movimento trabalhista
setores da economia já eram dominados pelo capital estrangeiro, emergência de novas ideologias na Igrej a e no exército), chega ao
como era o caso da agricultura, da mineração, do transporte, dos podere assume a realização dessas reformas, o que não chegou a
bancos e do comércio internacional (O'DONNEL, 1982, p. 256). ocorrer devido à objeção e à força do setor latifundiário e do
Em 1920, deu-se início a um tipo de desenvolvimento econô- partido Apra, aliado a Odría, que bloquearam todas as transfor-
mico associado e dependente do capital estrangeiro; o governo do mações propostas com relação ao aparelho de Estado (câmaras
país coloca-se como seu defensor e, dessa forma, impõe esses inte- legislativas) . A obstaculização das mudanças foi um bom argu-
resses aos latifundiários e comerciantes. O volume de empréstimos mento para os militares posicionarem-se contra o sistema "demo-
dos Estados Unidos cresce. É dessa época a importante reorgani- crático representativo" no poder (O'DONNEL, 1982, p. 259).
zação do sistema de classes no Peru: A Revolução Peruana, que levou ao poder Velazco Alvarado o
No norte, os enclaves açucareiros minaram a velha aristocracia qual, entre outras reformas, instituiu a reforma da imprensa peruana,
proprietária de terras, absorveram muitas propriedades de tamanho deriva-se da crise política advinda da coalização Be1aúnde Terry
pequeno e médio, converteram muitos fazendeiros arrendatários e com o partido "oposicionista" Apra. Ambos os blocos não se
membros de comunidades indígenas num proletariado rural e deslo- opunham aos gastos públicos para o patrocínio político de partes
caram parcialmente a burguesia comercial e a classe artesã. Nos alti- dos setores populares peruanos, que substituíam reformas mais ra-
planos centrais, na área de enclave de mineração, foi conseguido
um alto grau de concentração da produção através da compra de dicais na estrutura econômica da sociedade. A partir de 1965 ini-
centenas de propriedades de tamanho médio (O'DONNEL,1982, ci?u-se a crise no setor exportador, que sustentava os gastos pú-
p.256). blicos anteriores. A crise política que se avolumava ligava-se aos
escândalos públicos do governo e de sua família. Essa situação
Assim como ocorreu no Chile na década de 1930 com a crise deveria ser solucionada com reformas políticas associadas a inves-
econômica, por meio das mobilizações populares surgiram os pri- timentos estrangeiros e com a desvalorização da moeda. Esse de-
meiros partidos que buscavam modificar as bases sob as quais senvolvimento ainda poderia ter sido sustentado por algum tempo
estava erguido o Estado peruano. Desse processo político, surge o não fos~e o estouro do escândalo entre o governo peruano e a
partido Apra, que se articulou como representante do poder popular International Petroleum Company, subsidiária da Standard Oil o
e que recebeu violenta repressão política, desaparecendo temporaria-
que tornou insustentável a. posição dos governantes.'
mente após a derrota na confrontação com o exército. Em 1945 o
partido Apra retorna à cena política, já no clima de pós-guerra e O governo de Velazco Alvarado, devido ao seu caráter nacio-
participa do curto espaço democrático até o golpe de Manuel nalista e socialista, iniciou em 1968 um período de reformas sociais
Arturo Odría, de 1948 (O'DONNEL, 1982, p. 256). profundas. A época correspondia ao avanço dos governos popu-
A década de 50 é marcada no Peru por um novo ciclo de lares em outros países latino-americanos. No Chile, as forças
investimentos industriais eem recursos naturais no país. Na metade políticas já se articulavam para levar ao poder, em 1970, o governo
da década o presidente Odría encontrou obstáculos à sua "reeleição" da Unidade Popular, de caráter socialista. Na Argentina, no Brasil,

Ic:-n ."
132 133

no Uruguai, as forças oposicionistas igualmente articulavam-se vi- Por isso, as reformas de base na economia antecederam a reforma
sando ocupar mais postos no aparelho de Estado. Alvarado co- de imprensa de 27 de julho de 1974.
meçou pela eliminação da oligarquia exportadora, do sistema de A filosofia política do novo governo era a da participação de
haciendas e pela nacionalização dos enclaves agromineradores todas as classes nos problemas da nação, por meio de cada diário
(O'DONNEL, 1982, p. 259). Ideologicamente, a orientação socia- com a atuação dos respectivos jornalistas. '
lista do governo revolucionário, não obstante, era de inspiração
democrata-cristã (OPINIÃO, 197 4a), e o governo, nas suas reformas No jornal que vou dirigir, da comunidade educacional [o povo]
de base, não deixava de manter suas ligações (concessões) com se reur~irá _em assembléia e discutirá a política de educação e se
pessoas associadas ao antigo poder: na reforma da imprensa, Alva- ~eterr~ll~arao os .aspectos que serão transcritos depois sob a forma
Jorn~l~shca. O Jornalista agora não é o braço apenas, ele vai
rado nomeou Cornejo Chaves para administrar o jornal El Co-
participar ~as assembléias. Ele não só senta à máquina para redi-
mercio, um homem de forma nenhuma identificado com posições grr ,a noticia, mas também participa da discussão da notícia que
de esquerda (OPINIÃO, 1974b, p. 16-7). sera dada (ELDREDGE,1974, p. 15).
As nacionalizações levadas a efeito pelo governo revolucionário
em seu Plano Inca foram, primeiramente, em outubro de 1968, a O interesse dos leitores, ainda segundo Eldredge, era sentido
da International Petroleum Corporation (lPC) - empresa ligada à pelo volume de correspondência que invadia a redação dos jornais.
crise política anterior, que deu origem ao golpe - e, depois, a da "Eram ?s novos proprietários do jornal", que, dessa maneira, leva-
indústria de mineração, em abril de 1970, a de setores importantes vam ~dlante seu dese~o. de participação. O duplo papel do jornal
da economia (papel, metais não-ferrosos, siderurgia, química básica, devena ser o da participação e o da "comunicação vinculatória"
fertilizantes, cimento), em julho de 1970, a de produção de óleo e que não permitisse o divisionismo (ELDREDGE, 1974, p. 15). '
farinha de peixe, assim como a da comercialização de fertilizantes e Testemunhas dessa revolução na imprensa peruana asseguram
da eletricidade, em 1973. A reforma agrária foi iniciada em 24 de 9ue houv_e um a.uJ?~nto de informações culturais em substituição às
junho de 1969 e foi considerada, após a de Cuba, a maior reforma informações POlICIaIS, sendo que uma das primeiras medidas foi a
agrária já posta em execução na América Latina. No Peru, apenas da eliminação do sensacionalismo (OPINIÃO, 1974a, p. 15). Ora,
2 % da população era proprietária de praticamente toda a riqueza sensacionalismo, como vimos anteriormente, não é somente um
agrária. "vício~' q.ue se, e~imina, ou algo que simplesmente se limpa das
redaçoes jomalísticas. O sensacional não está somente nas notícias
n.o jornal. É ,a I?entalidade do leitor que é presa fácil do sensa~
A nova política dos meios de comunicação cional pelo propno processo de formação ideológica na socialização
A situação dos meios de comunicação no Peru apresentava, burguesa. A busca de notícias sensacionais pertence a um contexto
no período da Revolução, o segui:nte quadro: a imprensa, controlada lógico, assim como outros elementos da cultura popular, como
inteiramente pela propriedade privada; o rádio e a televisão com os programas "m~r:do-cão" ~e televisão e a própria visão frag-
participação estatal de 25 % e 51 % respectivamente; e as revistas, mentada e superficial da SOCIedade e seus conflitos internos. A
mantidas no setor privado, sem terem sido tocadas pela Revolução. lógica do jornalismo sensacionalista deve ser buscada na lógica de
Com as mudanças estruturais na economia peruana e o esva- classes, de luta encarniçada por manutenção de status de "diferen-
ziamento político dos grupos que compunham o poder, os grandes ci~ções so~iais",. pregadas pela ideologia burguesa, q~e cultiva no
jornais deixaram de representar significativamente qualquer setor leitor o distanciamento aparente "daquele mundo miserável" do
da sociedade peruana. Sem suas bases econômicas de sustentação, sangue e da violência urbana. Ver um mundo pior não conduz ao
esses periódicos tornavam-se instrumentos fragéis e facilmente pas- acomodamento no seu "rnundinho", aparentemente não tão ruim?
A reforma da imprensa, que procura "aumentar a oferta de 'in-
síveis de transformação pelo Estado. Esse era o caso do La Prensa,
form~ções culturai~' " estaria sujeita a erros elementares no que diz
antigo porta-voz dos grandes proprietários rurais, que, após a
respeito ao conhecimento do universo jornalístico. Sensacionalismo
reforma agrária, não passava de representante político de três mil
não desapa~e~e por decreto, nem por decisão administrativa do jor-
famílias do país e de seus interesses específicos. A médio prazo a ~al. No maximo, o que se consegue é suprimir aquele sensaciona-
estratégia política de Alvarado visava subtrair a base econômica dos lismo, enquanto o resto da sociedade continua a assumir uma visão
meios para, uma vez esvaziados, atuar mais livremente sobre eles. sensacionalista da história.
135
134

Não se apreende, portanto, uma lógica política clara nas mu-


o fim das experiências reformistas
danças de chefia nas empresas jornalísticas. A anarquia na distri-
A queda de Ve1azco Alvarado ocorreu em 29 de agosto de buição de chefias mais corresponde a modelos clientelistas de
1975, pouco mais de um ano após a decretação da nova lei de administração pública. Mesmo a tentativa de dar aos "opositores
imprensa. Um dos principais objetivos do governo revolucionário sociais" das classes dominantes a condução dos jornais (da bur-
- a aplicação das reformas de base e a administração das empresas guesia agrária para camponeses, por exemplo) não significa que se
estatizadas a partir de cooperativas - não surtiu o efeito esperado. crie daí uma imprensa popular. A visão de gabinete do processo
Quanto aos jornalistas, deparavam com uma contradição básica: marca o desperdício de grandes oportunidades históricas. Esses
de um lado, o controle e o poder deveriam surgir das bases sociais jornais, periódicos de grande circulação nacional, uma vez entregues
de produção e de sustentação (jornalistas e leitores); de outro, a grupos outros que não aqueles que junto a eles trabalhassem e
porém, a responsabilidade pela nomeação da administração, cargo que buscassem transformar a partir da base a sua elaboração, ten-
em última instância mais decisivo, era do presidente. Uma revolução deriam, a médio prazo, à descaracterização e ao desaparecimento.
"de cima para baixo", em que as principais administrações - em A contradição do reformismo de Alvarado acirra-se quando novos
alguns casos de duvidosa sintonia com o governo - poderiam proprietários têm de manter o jornal com boa margem de renda:
entrar em choque com o crescente poder das representações de
O primeiro [problema] enfrentado pelos novos diretores era a
base e sem o necessário respaldo popular (a própria Revolução não necessidade de fazer concessões destinadas a conservar o antigo
foi fruto de uma organização e luta do povo), teria seus dias leitor já que, de um lado, havia a expropriação a pagar e, de outro,
contados se não se mantivesse militarmente sempre assegurada. O para obter rentabilidade, era necessário conservar o estilo compe-
dilema da Revolução estava no confronto entre desejos e caprichos titivo (FESTA, 1982, p. 51).
do poder individual e a desastrosa uniformidade imposta por um
órgão estatal (OPINIÃO, 1974b). Para Vargas Llosa, a nova lei A contradição entre linha editorial independente e êxito econômico
de imprensa levaria à "uniformidade cinzenta e servil" e à "fos- fazia-se sentir também na "nova imprensa" e funcionava como um
silização e dogmatização da imprensa peruana" (OPINIÃO, 1975b). breque às reformas mais radicais. Em última análise, o modelo
A simples mudança de proprietários, evidentemente, não levaria a econômico capitalista é que vai determinar o sucesso ou não dessas
mudanças estruturais na visão jornalística. Velazco Alvarado subs- reformas, já que, enquanto empresas jornalísticas, esses jornais não
tituiu, nos grandes jornais, os antigos proprietários por novos, apa- poderiam fracassar (principalmente agora, como verdadeira "voz
rentemente seus "opositores sociais". El Comercio, da burguesia do povo"). Por meio da busca de continuidade da orientação
importadora, comercial e média (família Miró Quesada), passou para política geral (classista, senão em seu conteúdo, sem dúvida em sua
organizações camponesas (chefiado por Hector Cornejo Chaves, em apresentação e modo de produção) e do lucro como suporte infra-
verdade um homem que nada conhecia dos problemas do campe- -estrutural da empresa, esses jornais "acendiam uma vela a Deus e
sinato); La Prensa, da burguesia agrária (grupo Beltrán), passou outra ao Diabo". O paradoxo dessa situação está no fato presente,
para os sindicatos (da indústria, da pesca, das minas, das comuni- que põe em evidência o caráter essencialmente capitalista da ati-
cações) sob o comando de Walter Peíialoza, um especialista em vidade jornalística (do atual momento histórico), já descrito no
Capítulo I11. A multiplicidade de opiniões jornalísticas está na
educação; Ultima Hora, pertencente 'ao mesmo grupo anterior, pas-
relação com a multiplicidade de concorrentes capitalistas que plei-
sou às mãos dos "autônomos"; Expresso e Extra, pertencentes à
teiam ascender na esfera do poder. Os jornais são somente seus
burguesia financeira (grupo Ulhoa), passaram a organizações edu-
porta-vozes. Manter a mesma estrutura organizacional, que inclui
cativas, chefiados por Alberto Ruiz Eldredge, o ex-embaixador pe-
i, I a busca do lucro empresarial (com extração de mais-valia etc.), só
I
ruano no Brasil; Correo, da burguesia pesqueira (grupo Banchero) ,
I conduz ao reforço das estruturas e do modo de organização burguês.
passou às mãos de "profissionais" sob o comando de Hugo Neira,
A política de "conquista do público médio" dos meios de comuni-
um expert do movimento camponês; Ojo, pertencente ao mesmo
cação nas' mãos da Unidade Popular no Chile de Allende en-
grupo, passou a escritores e intelectuais; e, finalmente, La Cronica,
volvia-se com a mesma contradição (MARCONDES FILHO, 1982a,
da burguesia financeira (grupo Prado), foi para a Empresa Pública
p. 61-85). Jornais genuinamente populares não surgem por de-
do Estado, nas mãos de Ismael Farias, um ex-trotskista anticomu-
cretos presidenciais de transferência de donos; são frutos, ao con-
nista (v. tb. FESTA, 1982, p. 49).
136 137

trário, de mobilizações políticas que passam a sentir necessidade pondo fim à experiência "revolucionária" de transformação social
deles para organizar e divulgar seu movimento. Para combater a pelo incentivo estatal às organizações cooperativas e populares e
imprensa burguesa classista, toda mobilizada contra sua política pelo controle de sua manifestação.
reformista, Alvarado deveria ter incentivado o surgimento de meios
jornalísticos de comunicação populares desvinculados da estrutura
e das amarras da imprensa burguesa. Alvarado pretendia um "li-
beralismo revolucionário"; ele próprio estava iludido com a possi- 6. Comentário
bilidade de uma imprensa popular, partindo do ingênuo ponto de
vista de que mudando-se as lideranças, mudam-se os jornais (como De todos os casos estudados podem ser tiradas algumas cons-
se o capitalismo fosse o produto de alguns capitalistas, que o tatações comuns em relação ao uso que se faz da imprensa, tanto
impunham à sociedade). Não foi possível. Não se criaram as bases pelo Estado quanto pelos grupos de poder econômico e político na
de sustentação e não se construiu, a partir disso e das cooperativas, sociedade.
uma nova opinião pública, que se opusesse à organização econômica Os casos históricos demonstraram que a imprensa não fun-
e política burguesa. ciona independentemente da formação social. Nos períodos de
Os "setores significativos" aos quais os jornais foram transfe- crise política ela é claramente manipulada e instrumentalizada. A
ridos, por sua vez, só existiam de forma organizada na imaginação análise do fascismo e da experiência peruana mostra que a imprensa
dos governantes (OPINIÃO, 1974b). Vez por outra a imprensa sofria a manipulação do Estado para a realização de sua ideologia;
estatizada defrontava com dilemas ideológicos que exigiam maior na ausência de um suporte histórico-econômico de classe, o Estado
preocupação com o problema. O caso da Centromin, empresa de autoritário usava a informação para impor aos demais grupos so-
mineração criada após a expropriação da empresa Cerro de Pasco, ciais a sua verdade. No fascismo, por meio da mistificação e do
reflete essa dificuldade: "Editorialmente não se podia continuar a encobrimento do terror real que a sociedade vivia; na experiência
agir da mesma maneira de antes, tornando o governo impopular" peruana, na tentativa de afirmação de sua "revolução popular".
(OPINIÃO, 1974b) . A imprensa, assim, estava atrelada: o exer- Em nenhum dos casos houve a participação efetiva de classes his-
cício da crítica e da defesa dos interesses dos trabalhadores estava toricamente relevantes no processo de sustentação da difusão ideo-
subordinado à questão mais global de não prejudicar a imagem do lógica por meio do jornalismo. No Peru, Alvarado achava que o
governo e seus compromissos políticos e econômicos (o Peru evitou desligamento da imprensa de sua base estrutural de classes manteria
um choque mais frontal com os Estados Unidos após as naciona- o seu veículo, seu meio de comunicação, independente. Os fascis-
tas não raciocinavam diferente. Para uns como para outros, em que
lizações; por meio de indenizações buscou manter uma política de
pese a sua posição política oposta (mas curiosamente caracterizada
"respeito mútuo", que prejudicou sensivelmente sua política in-
em ambos os casos como uma revolução nacionalista e socialis-
terna). Os conflitos e as crises vindas das carências sociais, assim, ta ... ), a forma de usar a imprensa com fins ideológicos foi a
deveriam ser controladas para que a Revolução e sua delicada base mesma e o fracasso semelhante. Muito embora a participação
de sustentação não perigassem. Em suma, exigia-se do povo um popular nos projetos de Alvarado tivesse sido incontestável e in-
compromisso tácito de salvaguarda de uma revolução que não era comparável com a mística do popular no fascismo, nenhuma das
sua e cuja condução atenderia supostamente seus interesses a longo experiências logrou conquistar o real poder da imprensa para re-
prazo. Essa hipoteca de solidariedade impunha, dessa maneira, forçar sua estratégia de ação. As unidades de reprodução simbó-
novas restrições tanto ao povo quanto às classes dominantes. lica não são necessariamente instrumentos do Estado; por isso é
Assim se colocava a questão e o dilema do governo revolu- falsa qualquer alusão à existência dos "aparelhos ideológicos de
cionário de Velazco Alvarado e sua incapacidade de organização da Estado" de Alfhusser (v., para isso, MARCONDES FILHO, 1982b).
população de maneira corporativa, procurando romper a autonomia A imprensa, ao contrário, apesar de sua dependência para
das organizações populares incorporando-as em sua própria orga- com grupos sociais mais significativos no contexto econômico, polí-
nização trabalhista (O'DONNEL, 1982, p. 260). Isso trouxe-lhe, tico e militar, pode estar em constante conflito com o Estado dentro
como conseqüência, o confronto aberto com as organizações de do modo de produção capitalista. Em alguns casos ela é utilizada
trabalhadores, que se somou à insatisfação da burguesia industrial, para sacudir as estruturas do Estado, em geral visando ao reforço

I ,.,c•• :,
r
138 139

destas. O caso Watergate como o caso Getúlio demonstram que a insistir novamente naquela argumentação. Diante de uma economia
imprensa pode ser utilizada para provocar reformas, golpes, altera- de mercado, em que se visa exclusivamente à venda e ao lucro,
ções substanciais dentro do aparelho de Estado, sem, no entanto, qualquer tentativa de produção de um meio de comunicação ge-
propor-se a alterar o próprio caráter do Estado capitalista. Os nuinamente popular, subordinado a essas determinações, não con-
setores dominantes na estrutura econômica, por exemplo, usam suas seguirá mantê-lo íntegro em seus propósitos políticos, após um pe-
páginas para, sob a fachada do "bem comum", da salvaguarda dos ríodo de produção contínua para o mercado. As deturpações de-
direitos e garantias civis de toda a população, impor sua vontade. correntes da necessidade de venda, dos mecanismos de atração da
Em outros casos, como o demonstrou a experiência portuguesa, mercadoria notícia, sua mutilação para a produção da aparência
ela tornou público o conflito entre os grupos que buscaram levar do valor de uso irão minar continuamente as propostas de formação
vantagens com a derrubada do poder autoritário anterior. Para o de novos pensamentos e propostas políticas.
Estado a função da imprensa na sociedade de classes é continua- A imprensa, nesses tipos de sociedade, é um palco débil onde
mente uma função incômoda. O Estado, de forma ampla e gené- são representados interesses e propostas de setores e grupos signifi-
rica, como instituição de realização dos interesses de classe, mas cativos política, cultural e, acima de tudo, economicamente na so-
também particulares, como monopólio de poder de uma determinada ciedade. Sua debilidade e fragilidade demonstraram-se pela sua
facção da classe dominante (o "bloco no poder", nas palavras de supressão ou seu cerceamento nos momentos de crise hegemônica.
Poulantzas), sofre, pelo próprio caráter conflitivo da administração Como as demais instituições da estrutura política das sociedades
burguesa da sociedade, insistentemente, os ataques das facções que não-socialistas modernas, ela assume a função de aparência, de vi-
estão fora do poder. Isso explica parte do teatro que são as lutas trina de um sistema político que mais diz sobre suas propostas do
intestinas burguesas no seio do Estado e diante da opinião pública, que sobre suas realizações efetivas. Ela demonstra o que poderia
que assumem a aparência de lutas abertas, democráticas, na so- e deveria ser a democracia, mas é, enquanto instituição burguesa,
ciedade de classes. pura ideologia: além da imprensa e dos grupos que têm poder e
Da perspectiva do Estado, por outro lado, as relações com a capital para sustentá-Ia e por meio dela construir a segunda natu-
imprensa, conforme a descrição dos casos citados, demonstraram reza, está a sociedade real, prenhe de lutas e convulsões, que
via de regra uma situação de desconhecimento ou mesmo de inge- decididamente fazem a história.
nuidade em relação ao tratamento com a imprensa. A liquidação
do sensacionalismo, do caráter classista do jornalismo pela simples
substituição de seus proprietários é o mesmo procedimento simplista
de se achar que a mudança nas relações de propriedade e de
produção vai causar automaticamente a transformação da consciên-
cia dos indivíduos atuantes nesse processo, a saber, de consciência
alienada em politizada. A fragilidade dessa argumentação, fluente
nos meios de esquerda e demais correntes ortodoxas, comprovou-se
pela prática das revoluções socialistas, onde de fato só ocorreu uma
pura transferência de poder e não a emancipação das classes do-
minadas.
Outro exemplo do simplismo das visões de governantes em
relação à imprensa foram os casos nos quais se colocavam acriti-
camente as propostas de imprensa popular, funcionando dentro da
lógica do mercado capitalista e sujeita às deturpações de seu caráter,
vindas dos mecanismos de sobrevivência econômica no capitalismo.
Já comentei esse tema quando da análise dos meios de comunicação
sob o governo socialista de Salvador Allende no Chile de 1970 a
1973 e seu fracasso em relação à política dos meios de comunicação
(MARCONDES FILHO, 1982a, p. 61-85). Acredito ser desnecessário

I ••- ••~1~
I,

II
141

durou enquanto o Movimento da Autonomia Organizada manteve


a liderança junto aos ativistas políticos (v., sobre isso, MARCONDEs
FILHO, 1982a, p. 86-128). O jornal dissolveu-se em princípios de
1981, diante da mudança de curso do próprio Movimento Social
Italiano e da crise geral das perspectivas políticas e do marxismo
nesse país.
As demais experiências foram "aplicações" da experiência do
Lotta Continua em outros países e tentativas de uma estruturação
V desse tipo de jornalismo, de forma mais sólida do que o modelo
original. O Libération, jornal fundado por Jean-Paul Sartre, rea-
EXCURSO lizou na França uma experiência com jornalismo não-alinhado e,
apesar dos diversos conflitos e interrupções, continua a ser editado
simultaneamente em várias cidades grandes e tem circulação diária.
O Tageszeitung (Taz), jornal dos movimentos oposicionistas ale-
mães, marginalizados pela imprensa oficial, nasceu em 1978, no
1. A experiência da imprensa alternativa (teses) período do seqüestro de Hans Martin Schleyer, presidente da Asso-
ciação dos Empresários da República Federal Alemã. Sobrevive
Nós jazemos nossas revistas pelo mesmo motivo que as
crianças brincam, gritam e jazem barulho. Porque nós
até hoje e conta com um número superior a vinte mil assinantes,
vivemos! Isso é tudo. Porque nós vivemos. que garantem, junto com a pequena publicidade, a sobrevivência
do jornal.
De uma revista undergroundalemã O característico dessa nova imprensa é a proposta de desvin-
culação das correntes políticas. A "linha" desses jornais, se é que
A seguir, farei a exposiçao de aspectos interessantes e novas se pode dar esse nome à sua orientação, é somente a de dar espaço
colocações postas em prática pela imprensa européia não-alinhada. e publicidade aos movimentos e aos grupos postos à margem dos
Trata-se de experiências modestas, isoladas, recentes e subordinadas, processos políticos, econômicos e sociais. São, portanto, [ornais-
evidentemente, à realidade histórico-social de que emergiram. Não -instrumento antes de serem jornais-ideologia. Sua proposta é a
pretendo que estes casos dêem a impressão de receitas; são apenas de serem apenas porta-vozes e não condução desses movimentos.
novos dados a serem juntados à discussão das perspectivas e saídas Essa orientação, à primeira vista ingênua, constituiu-se, não obs-
do jornalismo não interessado em reproduzir as relações de domi- tante, na prática, em uma proposta viável, pelo menos nos con-
nação e exploração do capital. textos em que ela foi aplicada. Cabe-nos conhecê-Ias e discutir a
As experiências apontadas surgiram de um mesmo marco his- possibilídade de colocar em prática essas experiências em situações
tórico: o Movimento Estudantil de 1968. A primeira delas, a do como a nossa.
jornal italiano Lotta Continua, vem do resultado da ação política Além dessa orientação, esses jornais apresentam "teses" de
do partido homônimo, cujo surgimento simbolizou a ruptura da como pode ser um outro jornal. A seguir, apresento algumas delas,
esquerda italiana com as concepções ortodoxas em política, tanto que deverão contribuir para o nosso debate sobre o assunto.
do Partido Comunista Italiano quanto das demais agremiações
marxistas-leninistas, Este foi o primeiro "jornal de novo tipo" Tese 1: A organização e a reunião de projetos isolados cria um
surgido dessa realidade. Sua característica principal foi a de ser o meio comum de comunicação.
veiculador principal do "Movimento". Ele corporificou inúmeras
Embora todos os encontros das "iniciativas" e apesar de todas
propostas de mudanças em relação ao uso dos meios de comuni- as discussões entre os setores importantes [... ] e, apesar das di-
cação para fins sociais e políticos. Sua nova linguagem, que rompia vergências e intrigas, o Tagesz.eitung tornou-se, exatamente pela
com os clichês e o academicismo dos jornais partidários clássicos, sua cobertura nacional, o mais forte fator de ligação emocional
sua seção subjetivista de "cartas do leitor", sua diagramação, suge- e de argumentação entre os projetos alternativos isolados...
riam uma nova forma de fazer-se um jornal político. A experiência (HÜBSCH, 1980, p. 101).

•. 11."
142 143

I
o jornal, nesse caso, não atua como o porta-voz de um setor, de jornal acima mencionado. A expenencia tem demonstrado que a
um grupo, de um partido do "movimento de oposição ao sistema", imposição de linhas e de grupos no interior dessas instituições-teto
I' mas sim como o lugar de discussão, de proposição de projetos é que leva à crise e ao seu desaparecimento.
diversos. Ele funciona como "espaço público" genérico para todos
os movimentos que almejam publicidade e divulgação em geral. Tese 2: O financiamento de um jornal não sintonizado com as for-
Organizado dessa forma, esse jornal de caráter oposicionista e anti- mas empresariais de exploração de mercadoria pode ser
monopolista poderia encontrar nas bases sociais um sentido de feito com classificados alternativos e venda de assinatura.
instrumento de difusão, de organização e de discussão de suas pro-
posições. Segundo a sua concepção, nenhum órgão de oposição Os episódios de ameaças de bombas e destruição de bancas
de esquerda consegue ter .penetração e capacidade de solidarizar de jornais, no começo dos anos 80 no Brasil, para intimidar a
todo o vasto espectro de facções e grupos se não se dispõe a abrir imprensa alternativa, conseguiram, de certa maneira, melindrar os
espaço a todas as manifestações anti-sistêmicas, se não permite, revendedores e prejudicar sensivelmente empresas jornalísticas de
igual e amplamente, a crítica e a contestação. oposição que portavam uma proposta nova. Esses fatos, que culmi-
A idéia que está por trás dessa concepção é a de que princi- naram com o fechamento de um periódico (o jornal Movimento),
palmente o combate à tendência de diluição, esmigalhamento, dis- demonstram claramente os problemas de se sustentar um veículo
persão da oposição em centenas e milhares de grupos que passam político de oposição somente com a venda em bancas. Além de
a defender o seu território, a sua luta, a sua verdade, é o que ter de submeter-se às imposições das distribuidoras, é preciso contar
esvazia a luta. Esses grupos seriam, assim, tão conformistas quanto com a colaboração dos jornaleiros, nem sempre interessados na
a imprensa comunitária oficial. Buscariam apenas dar espaço à venda de jornais de oposição. Isso gera uma estrutura financeira
sua propriedade intelectual e defendê-Ia. Essa tendência à mole- débil, uma instabilidade na empresa, negativa do ponto de vista do
cularização da oposição só seria eliminada com a organização de trabalho jornalístico, e esvazia projetos bem-intencionados. Um
um teto básico, sob o qual - já que jamais irão se aliar - esses jornal de oposição que procure quebrar com o esquema de rnercan-
grupos pelo menos se encontrariam e secontactariam. Na Itália tilização das notícias e seu rmsumo passivo não poderia, então,
havia sido criada para o movimento das rádios livres uma institui- prescindir de capital. A fonte de obtenção desse capital, não obs-
ção-teto, a Fred, que reunia diferentes iniciativas e se propunha a tante, não pode ser o "livre mecanismo do mercado", da venda
aproximá-Ias pelo menos fisicamente. Sem forçar para que o jornal em bancas. É no interior do seu público, num trabalho específico
tenda a uma única direção política, o que facilita a dogmatização e com esse público que se pode levantar o capital para o seu finan-
a forma ortodoxa de fazer jornalismo, outras experiências, como ciamento. A experiência política alemã demonstrou que somente
essa citada acima, encaram o jornal não como o veiculador da com pedidos de donativos aos seus leitores (público formado por
opinião do grupo, do partido, do setor do movimento social, mas leitores não majoritariamente endinheirados, mas basicamente es-
como o "facilitador" para que diversas opiniões oposicionistas te- tudantes, desempregados) o jornal Tageszeitung conseguiu arre-
nham espaço sem que isso tenha de ser uma esmola dos realizadores cadar mais de um milhão de marcos (1 marco = 0,4 dólar em
do jornal. A idéia é a de o jornal não funcionar como um veículo 1985) para apoiar o movimento revolucionário de El Salvador em
reprodutor de posicionamentos ou como porta-voz de setores (como princípios de 1980. Nas suas páginas, estudantes chegaram a afir-
no caso do jornal burguês) que defendem suas posições e difundem mar até mesmo ter doado um pouco de sangue para receber o
pelo jornal plataformas particulares, mas de criar o espaço possível, dinheiro que depositaram em favor da campanha de donativos.
um mero instrumento para uso de formas diversifica das de oposi- Esse tipo de solidariedade, nacional e internacional, sempre faltou
ção, que realize, em suma, a abertura de espaços informativos às formas institucionalizadas (em partidos, associações etc.) de
generalizados, que a ideologia liberal tem como proposta, mas que oposição.
não pode realizar em virtude do caráter da grande imprensa no No campo das oposições existe de fato o capital para o finan-
capitalismo, subordinada aos imperativos econômicos de seus pa- ciamento de um jornal oposicionista de qualidade e de campanhas
trocinadores. de solidariedade a grevistas, a movimentos de libertação e outros.
A organização Fred, dentro do contexto italiano, no entanto, O que sempre faltou foi um veículo coniiâvel, para o qual esse
diluiu-se em fins da década de 70, fato que não ocorreu com o público pudesse remeter seus donativos e contribuições diversas .

• . 11'
...-....---- ..---~-------- ..-.----- r--------···
I i

144 145

Um novo jornal, de acordo com as experiências apontadas, poderia Por outro lado, a "administração da publicidade" definindo
criar espaços com o financiamento do público não-alinhado com a uma "política de publicidade" pode criar mecanismos que impe-
imprensa comercial existente e com as doações espontâneas. Essa çam a subordinação financeira do veículo a um ou a vários anun-
foi a principal fonte de renda dos jornais citados no início deste ciantes. O purismo dos temores de alguns jornais de oposição, de
capítulo. Conseguir pelo menos vinte mil leitores assinantes permi- acharem que os anunciantes os vão dominar, tem origem no fato
tiria garantir a: sustentação provisória do meio de comunicação de eles acharem que o grande anunciante anuncia aleatoriamente
nos primeiros semestres. nos veículos; ao contrário, ele o faz também segundo suas convic-
Esse procedimento, conforme experiências de 'outros jornais ções (anuncia em jornais "sérios" ideologicamente) e principal-
, I de oposição e, em especial, a dos jornais partidários tradicionais, mente de acordo com o público do veículo. A relação de subordi-
, ,
pode conduzir, por outro lado, a mecanismos viciados de obtenção nação aos grandes anunciantes é muito mais clara nos grandes jor-
de donativos de simpatizantes. Quando as doações tornam-se per- nais liberais. Aí eles exercem o poder de pressão porque funcionam
ir I manentes o jornal não tem mais sustentação real e o público já o como reguladores de uma informação que atinge o público burguês
abandonou. por excelência. O anúncio em veículos alternativos não somente
A outra dimensão totalmente negligenciada pela imprensa opo- é mais inibidor para o grande anunciante, bem como é uma área
sicionista é a dos "classificados alternativos". Essa negação é in- em que as influências e sugestões do patrocinador são bem mais
I indiretas. Ele só penetra nesse público quando tem um produto
gênua e purista. Parte da concepção que a introdução da publici-
dade vá funcionar como uma "dominação econômica" sobre a específico para ele, um fim, portanto, de atender seus interesses a
linha do jornal. curto prazo (vender).
I
De fato o desenvolvimento do pequeno anúncio por meio dos lei- Tese 3: O caráter do jornal não está na sua ruptura com o modo
tores do Pjlasterstrand é de grande importância para a consciência industrial de produção de notícias.
dos grupos [de esquerda], da comunicação alternativa, do desenri-
jecimento da comunicação, pura e simplesmente (HÜBSCH, 1980,
p. 104).
Enzensberger afirma que "não se trata de rejeitar este apare-
lho industrial num gesto impulsivo, mas de entrar no seu jogo peri-
Os pequenos anúncios, que ocupam de 10% a 20% de todo o goso" (ENZENSBERGER, 1973, p. 22). Isso quer dizer que as pro-
postas de fazer um tipo de jornal diferente não precisam apelar
volume do jornal e que são subdivididos em diversos setores, não
para formas de produção artesanais do jornal. É um erro atribuir-se
ocasionam nenhum prejuízo à orientação do jornal; eles servem à técnica atual de produção jornalística o caráter manipulador. O
também como forma adicional de concentrar e difundir não somente inverso é que é verdadeiro. Há de se aproveitar essas inovações
política entre o público de oposição; muito mais, essa página de técnicas e utilizá-Ias em favor de outra mensagem; isso, evidente-
"classificados alternativos" colabora para a criação de um ambiente mente, não implica que os efeitos dispersadores, desmobilizadores
contracultural em oposição à cultura mercantilizada dominante, dessas técnicas devam ser considerados secundários. A introdução
onde livrarias, lojas de música, de chá, cafés, cinemas, teatros, e de novas tecnologias do jornalismo, como vimos no Capítulo IU,
espetáculos musicais etc. ganham um espaço de divulgação e com- provoca problemas sociais reais, principalmente pela sua política
põem um conjunto de ofertas ideologicamente mais ou menos sin- de supressão da mão-de-obra e de poder sobre os trabalhadores,
tonizadas. Pode-se criar, assim, uma cultura alternativa, um espaço por meio de sua demissão real e da redução dos funcionários.
de encontro e comunicação, em que se troquem informações, pro- Tanto a técnica como o progresso não são conceitos em si,
jetos, idéias e se articulem formas de organizar comunicação e mas conceitos dependentes. Progresso e inovação tecnológica só
cultura de maneira independente e autônoma. Os "classificados existem "em função" de alguma coisa. Discutir pura e simples-
alternativos", além de anunciarem comunicados individuais do lei- mente sobre vantagens e desvantagens de uma ou de outra é, por
tor a um público já específico e certo, poderiam ser, além disso, isso, um debate ingênuo, porque não questiona os fins. Assim
um espaço de circulação de idéias e produtos culturais, totalmente como a ciência não pode ser avaliada senão em relação aos seus
ausente nos centros urbanos capitalistas, onde a imprensa oposi- fins (daí o caráter político das discussões sobre a epistemologia,
cionista rejeita essa dimensão de publicidade. sobre ciência e ideologia, e dos posícionamentos em torno delas),

.., ...11"
----I
146
147
}..

O mesmo ocorre com a técnica. No jornal as instalações indus- (o que é comum na imprensa liberal instituída) cansativos. Isso
triais, produtos históricos do atual estágio de ?e~en~ol-;,imento da,~ vai exigir, evidentemente, uma grande elasticidade da distribuição
forças produtivas, satisfaze~. com sucesso as eXlgenc~as '?urguesas
I! de produção e difusão noticiosa. É s?mente _a partir daz que ~o~e
surgir uma nova utilização desses .meIOs, e nao com o. recuo h~s~o-
do espaço dentro do jornal, sem ter rigidamente pré-definidas
áreas que ocuparão as diferentes seções. O jornal Tageszeitung
as

não permitia que figuras proeminentes da sociedade usassem seu


I rico a modos de produção antenores. Ess~ ro~nantlsmo n~llIfIca espaço. Estas, se quisessem, teriam de pagar por ele.
todas as tentativas de transformar a comumcaçao, porque 19n?ra
A valorização do que não é normalmente valorizado, o espaço
a assimilação cultural que tiveram as massas reéeptoras dos m~IOs.
para todos os marginalizados não se dá, porém, somente por meio
Esses meios são a sua linguagem e seu modo de estruturar a vida;
de uma "inversão de conteúdo". Se as pessoas que fazem um
ignorá-los seria romper bruscamente ~om um dado cultural, sem
outro jornal, elas próprias, mantêm e reproduzem a hierarquia valo-
o qual a comunicação dificilmente tena o mesmo efeito.
rativa oficial (nas esferas não diretamente políticas), elas dificil-
mente descobrirão essa nova forma de estruturar um jornal. O
Tese 4: Não se pode produzir um outro jornal sem redeiinir a
problema coloca-se numa fase anterior à própria elaboração do
escala de valores noticiosos dominante.
jornal, a saber, na forma de esses jornalistas encararem e interpre-
tarem o mundo.
Transformar o jornalismo o!ientado par~ a ven?a m~rcadoló-
;11 gica significou, nos exemplos cItad~s, tam~em redlmensIOn~r os
Tese 5: Para chegar-se a uma posição democrática dentro da 'pro-
temas e sua atribuição de importância. Na Imprensa con~encIOnal
dução jornalística há que se abrir mão de todo o dogma-
liberal a ordem dos temas obedece à lógica do mercado; divulga-se
tismo e rigidez de posicionamentos.
o que' pode ser rapidamente consumido. A escala de i~portância
obedece a fatores, filtrados ideologicamente, que se relacionam com
a escala de importância oficial na sociedade bu!guesa em ger~l.
o dogmatismo político das oposições só tem levado à forma-
ção de guetos, que sempre foram o maior obstáculo para a reali-
São os valores institucionalizados, ligados ao capital, ao status, as
zação de projetos alternativos mais amplos englobando setores
personalidades, em uma palavra à lóg~ca. ~o con~umo. R?mper .:
A

~I significativos da sociedade. A formação de guetos, assim como a


com isso significa propor uma nova atribuição de ímportãncia.
I
eleição de um setor, grupo ou classe social privilegiada em torno
As doze páginas do Taz [Tageszeitun?] têm [ .. :1 .espa90 ~ara do- da qual se deveria trabalhar politicamente, reduz a mobilização
cumentações, para textos de entrevistas d~ pag!na inteira, q,ue política a esses marginalizados desviando as lutas pelos marginali-
devem oferecer informações de fundo. A discussão sobre o Islao, zados indistintamente do processo econômico e social capitalista.
.u
por exemplo, pôde obter no Taz um esp~ço in~r!v.elmente gran~e, Daí a ocorrência de paradoxos tais como o de minorias marginali-
o que ilustra a tendência de não se deixar dirigir pelas .reaçoes zarem outras minorias. Nessa postura está clara a redução do pro-
superficiais-emocionais, me~mo quando ~m~ postu~a negahv~ an~e
determinados temas force a argumentaçao rrrefletI~a.' por .~IS.cutlf cesso de marginalização a uma dimensão da sociedade. Margina-
com base em um tratamento rico em registros políticos diários e lizados passam a ser somente aqueles que estão economicamente
relevantes de um tema tão explosivo como a religião ou o Islão em inferioridade, como os trabalhadores, os desempregados. Os
(HÜBSCH, 1980, p. 130). grupos marginalizados social (de colônias étnicas, raças e culturas
diferentes), sexual ou mesmo fisicamente são ignorados da luta, o
Basicamente aí imperou a filosofia de que não são os jornalis- que só reforça o próprio caráter das discriminações, que funcionam
tas (segundo a sua definição da pauta e s~a atribuição de impor- socialmente como fatores de desarticulação dos grupos desfavo-
tância), mas a própria sociedade, quem defm~ os temas, ,de. acordo recidos.
com a sua própria manifestação ou por meio das denúncias que
A colocação de grupos de diferentes matizes políticos em pólos
são feitas nas páginas do jornal. Somente um t:at~I?ento de fund_o,
opostos toma-os sujeitos à comercialização do ambiente [de po-
envolvendo os participantes, contando suas histórias (sua versa~ sição] alternativa e colabora para isso (HÜBSCH, 1980, p. 124).
dos fatos), dando-lhes ~spaç? a?erto e, livr~ I?ara isso co.~~ca:se
como a negação dessa filosofia, indo ate as ultl~,:S conseque~clas Com efeito, a comercialização vive da apropriação individualizada
dos acontecimentos, prolongando-se na sua exposiçao sem torná-los das propostas anti-sistêmicas que, por esse motivo, se deixam con-

a ..• ,.
148 149
...
sumir mais facilmente. Juntar sob um mesmo teto de comunicação Nessa direção também confluíram as expenencias da rádio Alice,
diferentes proposições, ao contrário, reforça-as e mantém-nas em.' com sua "linguagem suja" e delirante (COLLETTIVO AjTRAVERSO,
"

um espaço alternativo, mais fortalecido ante as incursões da indus- 1981; MARCONDESFILHO, 1982a, p. 109, 123,215).
i trialização e comercialização de seu potencial crítico e questiona- A proposta da rádio Alice, porém, como demonstrei em O
;I dor. A falta desse fórum comum conduz a que, molecularizados, discurso sufocado (p. 122-3, 233), não vingou. Segundo seu idea-
I esses "ambientes oposicionistas" estejam mais tentados à "integra-
: ' lizador, Franco Berardi ("Bifo"), a razão está na falência do pró-
I, ção" nos padrões consumistas oficiais. Essa é, sem dúvida, uma
,I "
prio movimento social que a sustentava (a Autonomia Organizada).
das propostas mais difíceis. Para resistir às tentações da integração A nós parece que as causas vão mais além: a linguagem delirante
e da ruptura é exigida desses grupos uma autonomia ideológica foi um interessante exercício político e comunicativo. Em que
raramente existente. medida, porém, conseguiu superar as barreiras da resistência popu-
. i lar às inovações de forma e conteúdo da mensagem radiofônica,
Romper com o dogmatismo significa também inovar, quebrar
esquemas tradicionais, pesquisar novas formas, enfim, demonstrar ainda não está bem esclarecido. Será que o ouvinte estava prepa-
i rado para essa inversão de sentido? Até que ponto essa inovação
uma vida interna nesses movimentos.
:i não pecou pelo excessivo vanguardismo?
I
, ' Descobrir a nós mesmos e ao nosso ambiente caminha junto com o
novo descobrir da linguagem: dissolver certezas incrustadas e ques- Tese 6: O rompimento com a recepção passiva da informação
tioná-Ias (PROSPEKT, s. d., p. 45). exige a inclusão de história e de subjetividade.
Essa foi a proposta, revolucionária em matéria
de jornalismo, ?o Uma das primeiras experiências com O rompimento da relação
Lotta Continua, em relação ao uso eminentemente popular da lin- "objetiva" dos meios com seu público foi idealizada também pelo
'I guagem jornalística (sem se ater às limitações formais dos esquemas grupo Ay'Traverso e sua "linguagem delirante" no rádio. No jorna-
jornalísticos convencionais), de falar e redes cobrir a linguagem do lismo, esse fenômeno deu-se com o Lotta Continua, pelo menos de
povo, bem como de sua seção de cartas: forma experimental. Trabalhar a subjetividade significava, então,
tornar os meios de comunicação mais próximos, mais humanos,
Nosso jornal - em especial, por exemplo, a página de "cartas do mas não de forma como o fazem os programas de rádio com a
leitor" - tornou-se um espelho desse processo. Alguns temas que participação de ouvintes, "que dão a sua opinião". Isso seria o
até então nunca tiveram oportunidade de ser sequer citados no
jornal foram tratados, de repente, de forma minuciosa e em todas mesmo que mistificar a participação e realizá-Ia só de forma apa-
I: as suas contradições: por exemplo, o problema das formas de re- rente. A história e a subjetividade individual implicam também
lacionamento cotidiano dentro da esquerda, das relações entre ho- transformar os relatos jornalísticos em transmissão humanizada das
mens e mulheres e das mulheres entre si, ou os medos e as difi- notícias, em que entrem impressões, opiniões, transcrições, obser-
culdades dos trabalhadores, que se viram, de repente, diante de uma vações não-elaboradas dos protagonistas dos fatos, sem que isso
transformação profunda das relações sociais e tinham ~~da vez seja manipulado de forma piegas. Significa, antes de mais nada,
mais dificuldades em determinar o seu papel como oposiçao ope-, respeitar o sujeito e restituir-lhe a autoridade sobre o relato do
rária, especialmente porque o novo Am~vimento de esqu;~da já não' fato; significa desoficializar a informação e subtrair o privilégio dos
os aceitava como o ponto de referência central da política, e eles
"especialistas" na atividade jornalística. A história de cada um,
mesmos, em parte, não se sentiam mais como tal (LOTTA CONTINUA,
o subjetivo, a consideração dos sofrimentos, das reclamações, dos
s. d., p. 45).
problemas individuais, mas que têm sua determinação nos fatos
liI Trata-se, diz Moretti, referindo-se às cartas do Lotta Continua, sociais, conduzem a relações solidárias na medida em que não
são esvaziados na forma "objetiva" de se transmitir e que não são
[ ... ] de começar [ ... ] a utilizar uma possibilidade completamente desatados da vida e da experiência real do receptor. Prokop tem,
,11,.]1
I,
nova, na história da informação italiana, do uso da palavra. Ex- em relação a isso, uma hipótese:
I plicam-se, assim, os balbuciamentos, as ingenuidades, os equívocos,
que, porém, ninguém entende, como profundo valor cultural desse Uma mudança e um melhoramento realmente qualitativo das ins-
tipo de criação nas comunicações de massa (MORETTI, 1979, tituições, do seu valor de uso específico, dar-se-á apenas quando for
p.141). possível desenvolver, para cada instituição à qual a massa está

§lI 1M"
150
.•. 151

ligada, alternativas qualitativas, dissolver o positivismo prático con- A tendência, demonstrada nos Capítulos I e II deste trabalho,
tido em todas essas instituições; quando, por exemplo, se puder, a
foi a de caracterizar O jornalismo como produtor de mentes mal-
partir da crítica da forma existente, fragmentada pela maneira po-
sitivista de transmitir as notícias, garantir uma transmissão e um -informadas. A produção de estereótipos, a veiculação de precon-
tratamento de notícias institucionalmente, que não ofereça "infor- ceitos e a criação de clichês são recursos da dominação que usam
mações" livres de valores abstratos, senão verdadeira história e da forma lingüística para conquistar as mentes. Esse aspecto já
subjetividade, que desenvolva e inclua, junto às experiências, as foi exposto suficientemente (v. também MARCONDES FILHO, 1982a,
necessidades, os interesses derivados dos seus contextos de vida; p. 215 et seqs.).
quando for possível dar, como alternativas ao existente, ofertas de
Substituir os clichês na forma de transmitir notícias prevê a
entretenimento não-padronizadas e garanti-Ias institucionalmente,
nas quais as capacidades humanas para o grotesco, o acrobático, o introdução de novas formas de pensar, em que o receptor pondere
cantar, o dançar, o carnaval, a magia, seu interesse em sensações, os aspectos da questão, sem receber de antemão definições já pron-
boatos etc. possa desenvolver-se com os meios de produção avan- tas e aptas a serem consumidas. Significa usar a capacidade de
çados de forma não perturbada pelo "efeito" da razão calculista; discernimento do receptor e permitir que ele, a partir do contrato
quando for possível, como alternativa para o esporte existente, de- com. os elementos que compõem os fatos, possa formar sua opinião.
senvolver formas de competição por meio do movimento corporal, O discurso liberal previa, no seu aspecto formal, essa possibilidade:
que façam do corpo um meio de articulação dos conhecimentos e a apresentação multivariada de dados e de interpretações que per-
das capacidades (dança, pantomima, acrobática) em vez de um mitissem uma "visão ampla" do acontecimento. O discurso domi-
meio para a disciplina psíquica; quando for possível trabalhar os
nante e o discurso jornalístico, permeados de clichês, impedem que
acontecimentos, as experiências, as necessidades e os interesses
com os meios de produção avançados da cultura de massa de forma se opere esse discernimento do verdadeiro sentido dos fatos.
racional, segundo a sua própria lógica. O modo autônomo de co- Ver a sociedade de forma não-estereotipada é o mesmo que
nhecimento das obras de arte autênticas iria encontrar, então, por afastar fetiches que encobrem a verdadeira natureza dos processos
meio disso, sua realização coletiva (PROKOP, 1972, p. 158-9).
sociais das instituições e suas funções ligadas a interesses de classes.
É transmitir os fatos sociais como produtos de homens e classes
Enquanto suposições, as propostas de Prokop são, evidente-
na luta pela imposição de seu poder e dominação, e não como
mente, muito válidas. Vistas do ângulo da realidade objetiva das
pessoas e suas relações com o meio, não obstante, chegam a soar obras personalizadas e fragmentadas. .O clichê bloqueia o acesso
como idealistas. São propostas colocadas no plano do "dever-ser" do raciocínio à transmissão noticiosa. Ele transforma atos, pessoas,
e, como tais, possivelmente transportáveis para o reino das colo- idéias em blocos fechados que, como as demais mercadorias, são
cações imaginárias. Podem, nesse caso, animar as políticas e as postos à venda e consumidos acriticamente.
perspectivas de ação na comunicação, no sentido de motivar o dire- A derrubada do clichê encerra, por outro lado, uma prática
cionamento dessas práticas. da chamada "conscientização". Essa é a fase mais difícil. Suprimir
os estereótipos por meio de um veículo "de massas", como a im-
Tese 7: O combate aos mitos e estereótipos que caracterizam as prensa, ainda que seja uma meta válida, dificilmente ocorre sem a
formas de transmissão da imprensa convencional liberal mediação física dos agentes. Nenhum processo de afloramento de
produz novas interpretações não-passivas.
consciência crítica pode prescindir da relação direta dos indivíduos.
Um relato de J. B. Natali explica essa concepção: Os meios de comunicação eletrônicos, por isso, têm a capacidade
não só de massificar a informação, mas também de inviabilizar -:-
Tínhamos um prazer perverso em transmitir nossas informações pelo caráter de suá veicuIação -, por si só, a consciência crítica.
de tal maneira que elas não confirmassem, necessariamente, as
idéias pré-fabricadas de nossos respectivos leitores. [... ] Fomos
ou somos, os três e outros tantos, considerados bons profissionais. Tese 8: A transmissão de noticias que não reproduza o medo, mas
Nunca exaltamos mundanamente as protuberâncias dos seis de a esperança e a ação, torna o jornal um meio de comu-
Brigitte Bardot, nunca exageramos os riscos da guerra atômica na nicação mais participante.
Europa, nunca caricaturamos a potencial idade militar do bloco
oriental. [ ... ] Ser um correspondente é brigar contra os mitos e O isolamento das pessoas nas formações sociais industrializa-
ganhar a briga (NATALI, 1982, p. 23). das do capitalismo tardio inibe as possibilidades de ruptura.
152 153

Característica da Nova Esquerda é [ ... ] a preocupação de junt'~r Uma democracia efetiva depende da definição e da defesa dos
11',1" experiências feitas com novas situações de vida. A política, no elementos básicos a que cada um tem direito. Não será exagerado
nosso modo de ver, não termina diante do cotidiano, das relações dizer que a dominação se consolida e se prolonga tão impunemente
que criamos entre nós, das nossas formas de comportamento, medos nas formações sociais menos desenvolvidas pela manutenção desse
e desejos (PROSPEKT, s. d., p. 5).
estado de coisas: o problema central não resolvido, que está na
base da dominação, é o problema do direito. Enquanto os indi-
As emoções e sentimentos que são produzidos e reforçados indus-
víduos, por mais simples que sejam, não desenvolverem uma cons-
trialmente pela organização produtiva da consciência, como os me-
ciência efetiva sobre seus direitos (desde os mais cotidianos, como
dos, as racionalizações, os sentimentos de impotência, enfraquecem
o direito de ser bem atendido, o direito de reclamar e devolver
as estruturas psíquicas de sustentação dos indivíduos. A desco-
mercadorias estrangeiras e defeituosas, o direito de impor-se nas
berta do caráter ilusório do acesso ao bem-estar e à satisfação dos
filas e nos guichês, até os mais profundos, como o direito ao traba-
desejos, da participação política e da "soberania" no consumo con-
lho, ao pagamento condigno, o direito político), enquanto os ele-
duz, quando transformada em agente de rebelião, a histerias cole-
mentos dessa "consciência dos direitos individuais" na sociedade
tivas e a violências generalizadas, como já foi exposto mais deta-
não forem desenvolvidos, toda e qualquer dominação impor-se-á
Ihadamente por mim em outro trabalho (MARCONDESFILHO, 1982a,
impunemente e ignorará permanentemente os prejudicados.
p. 225). O que importou ao outro jornalismo foi trabalhar as
emoções que normalmente deságuam na cultura massificada. O
Tese 9: Não há possibilidade de obter suficiente ressonância na
capitalismo não cria desejos espontâneos, ele trabalha-os ou explora
massa se o outro jornal não procurar explorar a dimensão
a sua insatisfação na vida social. As "massas" possuem potencial-
da fantasia.
mente "um volume grande de aspirações e de desejos que podem
Ih
li' se tornar facilmente objetos de projetos políticos mais radicais. Os
Sobre essa questão já discorri em outro trabalho, com base
fascismos europeus e o populismo latino-americano são exemplos
na análise de experiências históricas concretas que deixaram bem
de como as "massas", o povo em geral, depositam nas mãos dos
claro as insuficiências da comunicação de oposição, especialmente
11'1 seus líderes carismáticos as esperanças de que não encontram satis-
as formas de comunicação artística e jornalística partidárias de
fação na sociedade real. Esses líderes, assim como, de outra ma-
esquerda em momentos de crise política e "hegemônica" (MARCON-
neira, os ídolos da cultura massificada, absorvem esse potencial
,I,
~ ':,11
DES FILHO, 1982a, passim). Não somente eu; a literatura de aná-
e o trabalham de forma reacionária. Sua função estabilizadora
I,;: lise política desse fenômeno já forneceu muito material para confir-
está, exatamente, no desvio que promovem dessas energias puras,
mar a tese de que um dos problemas até hoje não resolvidos pela
li! 11
matérias-primas que vão compor o gosto de massa no capitalismo
esquerda é o da apropriação dos meios de comunicação "de massa"
"I tardio (REYHER, 1974).
'11 de forma satisfatória (consultar bibliografia a respeito em MAR-
Os medos e frustrações sociais resultam do estado de perma- CONDES FILHO, 1982a). A fantasia é uma dimensão muito mais
nente menoridade em que é deixado o povo, aliás, o receptor diante presente e importante no cotidiano do que normalmente se crê.
I,'1.11,11,,
das mensagens da comunicação e, em especial, do jornalismo pro- Negt e Kluge afirmam que o trabalho produz não somente a mais-
1 '["
i i; duzido de forma convencional-liberal. Esse tipo de produção,
-valia, mas também a fantasia (NEGT & KLUGE, 1976, p. 66 et
1 jogando com a "dialética de atemorização-tranqüilização", infan-
seqs.). Isso ocorre pelo fato de o trabalho alienado não suportar
tiliza o receptor, suprimindo-lhe - junto com as formas apontadas
l'II'li'I,. a realidade, e se criarem, a partir desse fato, mecanismos de defesa
i 'li: de manipulação - a capacidade de julgamento e de ação própria
1!lii que "asseguram o ego contra as trepidações da realidade alienada"
auto determinada. A transformação da vida cotidiana em uma situa-
i' (NEGT & KLUGE, 1976, p. 66). Sua forma, continuam os autores,
"li l ção temerosa, preocupante, angustiante, que encontra tranqüiliza-
ção nas satisfações aparentes de desejos via indústria da consciência é a crítica prática inconsciente das relações de alienação; seu con-
tende estruturalmente a apaziguar as "massas" e a canalizar seu teúdo, a consciência invertida.
, potencial de violência para "inimigos públicos" ou para as "vítimas A fantasia é o domínio sobre o qual agem as produções da
1I',!I propiciatórias" de que falava Brückner. indústria da consciência: televisão, cinema, revistas etc. Ela é ati-
lill O encorajamento do público para fazer prevalecer seus direi- vada maciçamente por essa indústria com fins, neste caso, mera-
,Iill tos vai na direção oposta à tendência da informação dominante. mente consumistas. Esta fantasia desenvolvida separa os homens
1:'1

,il:
I1I

lU- aI.
154 155

de seus objetivos reais, ou seja, conseguir na sociedade a realização ções de trabalho e de convivência que separam o homem de sua
de satisfação, felicidade, paz, dignidade etc., elementos negados realização, até mesmo no lazer -, os indivíduos conhecem uma
sistematicamente na organização burguesa da cultura. Esta oferece, real satisfação, uma real liberdade: nos atos, na realização concreta
ao contrário, a satisfação aparente de tudo isso por meio do con- de suas aspirações 'por proximidade, aconchego, felicidade e demais
sumo de mercadorias abstratas, como a sensualidade das mercado- sensações e experiências enriquecedoras da personalidade.
rias (HAUG, 1972) ou a "espiritualidade" das novelas. A fantasia
Completamente reprimidos por essa luta nas trevas são os desejos
realmente libertadora, aquela associada ao livre desenvolvimento
infantis originais. O novo Volkswagen, o aparelho de TV em
das pessoas, à expansão de sua capacidade crítica, à realização cores, as viagens programadas, quer pertençam ao trabalhador
efetiva de suas necessidades de afeto, aproximação, solidariedade, como desejo ou como realidade, constroem permanentemente as
apoio, compreensão, essa fantasia, por libertar o indivíduo, não é barricadas progressivas contra os desejos originais e humanos
desenvolvida pela cultura e pela comunicação oficial. Ao contrário, (SCHNEIDER, P., 1969, p. 14).
as fantasias criadas industrialmente funcionam desencadeando e
reforçando opressões, sadismos, perseguições, perversões, formas, :e. na exploração da fantasia que se encontra a possibilidade de
enfim, domesticadas de imaginar o real. As fantasias libertadoras fazer frente aos meios de dominação ideológica dentro do campo
aparecem então como "loucuras", como devaneios sem sentido. No onde essa dominação se realiza com mais eficiência:
capitalismo tardio a única fantasia permitida é a fantasia da auto-
mutilação e da subserviência. O dormitório pequeno-burguês que o "proleta" compra tão logo
tem possibilidades para isso, até mesmo quando ele é revolucionário
Na verdade, contudo, é possível a realização de uma outra por convicção; a repressão à mulher, que faz parte disso, mesmo
fantasia. ,A fantasia, assim como a apropriação do subjetivo, do quando ele é comunista; a roupa "decente" do domingo; as formas
afetivo, do emocional de forma psicanaliticamente progressiva (de rígidas de dança e milhares de outras "coisas insignificantes" têm
forma emancipadora) como instrumentos para a politização da - em efeito crônico - incomparavelmente mais influência rea-
subjetividade, da interioridade, da cultura, em suma, como ela se cionária do que milhares de discursos revolucionários e panfletos
apresenta nos indivíduos (exposto na tese 6 deste capítulo), tam- poderiam remediar (REICH, 1933, p. 80).
bém possui, além da forma de exploração capitalista de sua poten-
cialidade, uma outra forma de sua exploração, uma forma pre- Tese 10: Não adianta transmitir informação crítica e "conscienti-
ocupada com a sua liberação. Na fantasia exprimem-se impressões zadora" sem ligá-Ia à prática concreta do receptor.
atuais, desejos passados e aspirações futuras.
Uma forma emancipatória de comunicação não deveria des-
A produção cultural emancipatória não pode [ ... ] reproduzir uma vincular a informação da experiência de vida dos homens, ela as
"realidade objetiva", que transcorre de forma natural, mas precisa uniria. Exatamente o oposto propõe a comunicação de dominação:
traduzir as necessidades, interesses e conhecimentos das massas -
isto é, de forma estrutural, também dos grupos preparados - em separar, desatar o homem, no seu momento de lazer, das situações
imagens ricas em sentido, diversificadas, em sinais cifrados simbo- concretas em que vive e que assiste por meio da produção infor-
licamente e aí então tematizá-Ios; ela deve articular as experiências mativa. O jornalismo, dando a ilusão de participação, de "co-
das massas e transmiti-Ias desde os detalhes à teoria por meio do -gerência" da causa pública, cria no leitor a aparente sensação de
fantástico, do melodramático e do teatral [ ... ], por meio da provo- estar bem informado, estar acompanhando, estar "de olho". Essa
cação do conhecimento: por meio de imagens, que nos indivíduos,
situação é irreal. Em sua vida concreta, em seus dilemas de traba-
seja nos sonhos ou no inconsciente - não-apropriadas pelasinsti-
tuições -, guardam a lembrança de felicidade e de vida livre lho, de vivência social, sujeito a todas as formas de exploração
(PROKOP, 1974b, p. 25). secundária, em sua família, objeto do trabalho desarticulador e
detonador da ideologia individualista do capital, esse leitor atua: a
Essa "lembrança de felicidade e de vida livre" de que se fala informação dá a ilusão de participação quando, na verdade, trata-se
aqui tem a ver com a história de vida e os elementos armazenados somente da "notificação". Participação real não há nenhuma; as
na memória, que se referem à primeira infância, momento em que, notícias não influem em sua vida e nem mexem com seu cotidiano,
diferentemente da vida posterior, adulta - cheia de repressões, no sentido de exigir desse leitor uma ação em sua vida, induzido
autopunições, imposições do superego e, principalmente, das rela- por elas. Para se chegar à ação é preciso ativar essas problemáticas

2 _2 t,
...... _-_._----------------------

:1

156 157

e reduzi-Ias ao nível das necessidades individuais: somente com a 2. Novas experiências


vinculação à experiência imediata, pessoal, é que se consegue a
mobilização. A ilustração das experiências européias do outro jornalismo
Nesse sentido, a noção de funcionalização do receptor como refere-se ao período de aparecimento e auge dessa imprensa (1970
realizador da comunicação é imprescindível: a 1975). Após essa fase, o movimento da imprensa alternativa
européia foi alvo de novas reflexões e atingiu o que se qualificou, a
A espontaneidade produtiva não é a transmissão abstrata da teoria partir de 1980, de segunda fase do novo jornalismo europeu.
emancipatória e da crítica. O caráter emancipatório da práxis não
se realiza no terreno da pura consciência, senão no do trabalho A seguir são apresentados alguns textos de caráter jornalístico,
concreto, ou seja, não num melhor abastecimento de uma população que buscaram atualizar a discussão sobre a nova imprensa, seus
. ~ subnutrida, principalmente de noções e cultura mais elevada com meios de sustentação e seus problemas, a fim de que o leitor bra-
mercadorias "melhores", mas com a supressão da contraposição sileiro se inteire de seu desenvolvimento e possa utilizá-los na aná-
I entre produtores e consumidores (PROKOP, 1974b, p. 131).
I lise da crise que hoje atravessa nossa imprensa diária, debatendo
também as possibilidades de novos órgãos informativos, alternati-
Ligar as informações à prática concreta do receptor significa, vos e críticos no País.
assim, torná-Io agente da transformação e não simplesmente "mais
conhecedor". Por meio das formas de comunicação, que operam
com a informação e os elementos que a tomam atraentes (assim, A segunda fase da imprensa alternativa ••
como, de forma mais ampla, o trabalho com os demais meios de
comunicação deve levar em conta os conteúdos de entretenimentos, O jornal Libération, criado por intelectuais e ativistas do Maio
de 68 francês - hoje o "jornal da moda" de Paris -, será em
'!i de personalização, de intimidação, de sonhos, de brutalidade),
breve o maior jornal do país. O jornal alemão Tageszeitung, polê-
I~ , atingir-se-ão as formas emancipatórias do trabalho nos mídia so-
mente se aí forem introduzidos elementos que ativem o receptor mico e irreverente, não desapareceu, embora tenha atravessado
crises dolorosas. As rádios livres contornam os problemas finan-
de forma a não consumir esses conteúdos, mas que os tematizem
ceiros e políticos dos últimos anos apoiadas em bancos e agências
e os discutam, mesmo seus medos, racionalizações, sensações de de publicidade próprias: a própria rádio Regione, do Partido Co-
impotência, e possam, por meio disso, superar as barreiras para a munista Italiano, entra na concorrência direta pela publicidade. O
prática real (v. também PROKOP,1974, p. 133). que está ocorrendo com a comunicação alternativa européia? Que
Esse é o objetivo mais decisivo e, por isso também, o menos experiências tem tido que vivenciar para se manter, e a que está
atingível. Romper com o consumo dos conteúdos significa também levando tudo isso?
romper com a forma capitalista de pensar do receptor. É a pro-
posta de se viabilizar uma nova relação com os meios sem, ao Rádios e jornais órfãos
mesmo tempo, oferecer uma nova forma de relacionamento com As principais indagações, quando se discute os rumos da co-
tal "aparência de compensação". De que mecanismo deverá se municação alternativa européia, referem-se àquelas propostas origi-
utilizar essa comunicação emancipatória para levar os indivíduos a nais que caracterizaram essas experiências: a ligação com os movi-
discutirem e romperem com seus medos, racionalizações etc.? Esse mentos populares, o caráter ideológico, a tentativa de abolir a
processo não é demasiado arraigado na cultura das massas para censura patronal, as relações maiores com a política, enfim, o "novo
permitir semelhante transformação? Sem dúvida encontram-se aqui jornalismo".
os determinantes últimos do posicionamento político-ideológico dos Do ponto de vista histórico, o chamado "Movimento" (as
receptores. Identificar o mal, contudo, não significa possuir as ebulições políticas européias que surgiram em 1968 e se prolonga-
armas para vencê-Io. ram até a crise de 1977) já desapareceu. Rádios, jornais, projetos
Esse é o trabalho seguinte. Tornar viável uma proposta de alternativos ficaram órfãos, e a única forma de sobrevivência hoje
revolucionamento dos meios de comunicação, e do jornal em espe-
cial, implica repensar e adequar às situações específicas as pro- * Publicadooriginalmentesob o título "A outra alternativada imprensa",na
postas e os sonhos de atuação sobre a natureza real. ago. 1984. Folha Ilustrada, p. 46.
Folha de S. Paulo, 25

tU.1 d'l.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
158 159

está na luta e na concorrência com os demais meios alternativos e acreditam que em menos de seis meses o grande jornal francês
com os meios ditos "burgueses", por um lugar no espaço da contra- será batido. No caso do Libération, trata-se não somente de um
-informação e da política oposicionista. Os que sobreviveram ao novo grupo, mas principalmente de uma nova concepção da notícia.
marasmo político dos últimos anos apelam de todas as formas para (O Le Monde atravessa hoje uma séria crise administrativa e de
não submergir. sua própria concepção de jornal. Para fazer frente à concorrência
com o Libé, por exemplo, deixará de ser vespertino, barateando
Mitterrand apóia o Libération assim os custos de produção.)
O "jornalismo militante" do começo dos anos 70 tinha criado Característico para o jornalismo francês é o periódico de gera-
novas formas de produção da notícia. Periódicos como ID de Ber- ções. Enquanto o Le Monde situava-se como o jornal da geração
lim e o Blatt de Munique, buscando oferecer uma informação não- do pós-guerra, baluarte da oposição centro-socialista à situação de
-comprometida com os jornais liberais comuns, estimularam a "re- submissão ao domínio alemão, o Libération surge como o porta-voz
portagem na l.a pessoa", a "reportagem feita pelo próprio envol- da juventude inconformista, quebradora de tabus, que não aceitava
vido na notícia", ou seja, a notícia sem a mediação do profissional a ordem gaulista-giscardiana anterior. Os jovens de 68 amadure-
de jornalismo. Desenvolveram-se aí experiências incríveis, com ceram e hoje ocupam postos significativos na indústria e na eco-
temáticas que iam desde as confissões sentimentais e os problemas nomia francesa. São esses leitores que se vêem hoje muito mais
conjugais, até as discussões sociais -- preferencialmente tratadas identificados com o novo jornal do que com o da sua geração pre-
com enfoques puramente pessoais e muitas vezes imprecisos: era cedente. Libé é, como o Le Monde, uma cooperativa, e cerca de
preciso romper com o formalismo da notícia e da reportagem, que 10% de seu capital social foi adquirido por um grupo de "indus-
tornavam tudo simplesmente "pura mercadoria". triais socialistas" franceses -- o que não prejudica a autonomia
Aos poucos, a moda espalhou-se pela Europa e não era admis- editorial. Um desses co-proprietários é a multinacional Gaumont,
sível fazer-se jornalismo de outra forma. Seria, pelo menos, anti- cujo último filme -- Carmen -- nem por isso deixou de ser dura-
, quado. O modelo foi usado até gastar. Chegou um momento na mente criticado nas páginas do jornal.
imprensa alternativa que a nova fórmula já tinha ficado insuportá- A característica principal do Libération é a apresentação da
vel: árido, monótono e ironizado pelos demais, os mitos do novo notícia pelo ângulo cultural. Num país que nos últimos trinta anos
jornalismo começaram a ser derrubados. praticamente só fez jornalismo de opinião, o Libé aparece como o
A crise do jornal militante no final dos anos 70 vai marcar a jornal que também realiza reportagem e, mais do que isso, trata
falência de todo o jornalismo descomprometido com a sobrevivên- as notícias não somente por um ângulo, político, econômico, etc.,
cia e com o enraizamento mais efetivo nos movimentos sociais. mas procura uma abordagem multifacetada, onde o enfoque cultu-
Assim desapareceu o jornal italiano Lotta Continua, famoso pela ral sobressai. Assim tornou-se o "jornal da moda" parisiense. Libé-
sua seção de "Cartas do Leitor", onde problemas subjetivos dos ration é o jornal endereçado aos que estão na ponta, na dianteira
leitores eram discutidos e alcançavam a publicidade de notícias dos fatos sociais, econômicos, culturais e políticos. Foi ele que
políticas e econômicas mais comuns. Foi um período de mudança lançou a música brasileira -- Chico Buarque, Milton Nascimento
de rumos. -- e é o principal orientador hoje da cultura e dos modismos do
O jornal Libération precisou superar essa crise do "militan- povo francês.
tismo" para afirmar-se e assegurar-se economicamente. A França Essa posição foi alcançada à custa da ruptura com a ideologia
só absorveu o jornal depois de dez anos. Fato significativo foi a que o acompanhava desde 1968. Em 1981 o jornal fechou para
entrevista exclusiva de François Mitterrand após sua posse, conce- "limpeza da casa". Aí os militantes, aqueles que faziam o jornal
dida ao Libé. O jornal tem hoje uma tiragem de 260.000 exem- para si mesmos e suas discussões teórico-políticas, "espirraram",
plares e já deixou de longe de ser um "jornal alternativo". (Co- mantendo-se a corrente mais profissionalizante de Serge July, o
menta-se na redação do jornal que todo político francês, hoje, corpo e alma do jornal. De suas páginas desapareceram as opiniões
recebe no seu café da manhã somente dois jornais: o Libération políticas; hoje lá só se discutem questões técnicas. Com isso, tam-
e o Financia! Times.) Não faz muito tempo, o Libé bateu o Le bém desapareceu a vinculação com os grupos sociais de base: "Não
Matin. Já havia superado antes o Quotidien e o Humanité. Suas pode existir um jornal cotidiano democrático", explicou-se José
baterias agora estão voltadas contra o Le Monde, e seus jornalistas Rego, da equipe de redação. A dinâmica cotidiana da produção

J 1.1."
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do jornal não pode se dar ao luxo de ir às bases, ouvir os implica-


16l

dos, trazer seus testemunhos à redação. Jornalistas tomam o lugar moralidade pública, pelo direito, sem mais fazer diferença entre
dos relatos em 1.a pessoa. esta ou aquela ideologia, as clássicas divisões entre certos e errados.
I1
,
,I I Rádio de base, mas profissional
A rádio Popolare, embora comprometida com movimentos
sociais, nega qualquer direcionamento político dos programas: os
O desaparecimento dos jornalistas ou radialistas "militantes" horários estão aí à disposição de quem quiser. Cada um faz a
i. dos órgãos da "comunicação alternativa" não se deu somente no propaganda que achar melhor. A emissora só tem o cuidado de
,I Libération. Praticamente em todos os importantes veículos da cha- não fazer seu empenho publicitário interferir na programação. Mais
1I mada "contra-informação" eles foram substituídos por profissionais neutra ainda procura posicionar-se a rádio comunista Regione, di-
da notícia. Na rádio Popolare de Milão, após uma crise, em 1982, zendo-se absolutamente não-ideológica e sem sofrer nenhuma espé-
!
a direção resolveu dar seu "grande salto para frente", dando todo cie de influência do partido. Afinal, afirma Mauricio Cosme, "o
o apoio a uma organização mais profissional de seu espaço. Essa rádio tem que ser outra coisa, senão seria somente uma cópia do
rádio, marcantemente uma "emissora de base", sempre viveu e par- jornal Unitá". .
ticipou com os trabalhadores da Lombardia (norte da Itália) e
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particularmente de Milão nas reivindicações pelos seus direitos. As Qualquer coisa vai ao ar
emissoras que não se profissionalizaram (Canale 96, Black-Out, O novo jornalismo, derivado das rádios livres e dos jornais
Alice) desapareceram. O caráter profissional não subtraiu da rádio "alternativos", estabelece, como inovação no mêtier, novas soluções
o destaque principal para a informação. Os déficits econômicos, entre patrões e empregados. De forma geral, desaparece a figura
não obstante, não poderiam continuar a ser adiados ou parcamente do patrão, do chefe de redação ou do editor que orienta a matéria
encobertos com doações e auxílios voluntários. O salto qualitativo e dirige a opinião: desde a elaboração da pauta, passando pela
veio com a nova filosofia da emissora, preocupada agora em pagar reportagem, a redação, até as conseqüências, a responsabilidade
melhores salários e sair da precariedade e do voluntariado. Para (e a liberdade) do texto, tudo fica somente nas costas dos jorna-
isso ela investe na publicidade e em fontes externas. listas. As hierarquias são abolidas. A rádio Popolare não faz con-
trole algum do que vai ao ar, o mesmo ocorrendo com a influência
Velhos esquemas já não servem do Partido Comunista na rádio Regione de Milão.
A ideologia, diante de tais transformações estruturais da Jor~ais alemães de contra-informação, ao contrário, demons-
comunicação alternativa, sofre igualmente suas modificações: en- tram cunosas formas de um sutil cerceamento. A revista de Daniel
quanto o Libération considera-se e é tido como um jornal da Cohn-Bendit, ex-líder estudantil de 68, Pflasterstrand, foi levada a
"direita socialista liberal", que apóia o ministro da Economia criar um debate interno na redação para "julgar" a notícia elabo-
Delors nos seus projetos de austeridade econômica, atua contra as rada por um de seus jornalistas, que tratava o governador de Hesse,
empresas estatais e critica a Nicarágua em nome de um liberalismo Holger Bõrner (social-democrata), de forma demasiado positiva.
econômico do velho estilo do selj-made man, jornais da esquerda De forma semelhante, o jornal Tageszeitung de Berlim condenou
alemã, como o Tageszeitung (Taz), mantêm-se ainda fiéis aos um de seus jornalistas, credenciado na Câmara Municipal, por uma
compromissos com os grupos oposicionistas, afirmando-se, como o matéria por ele criada, onde o relato era "demasiado próximo" à
faz Heide Platen da redação local de Frankfurt, "jornal de esquerda Democracia Cristã. O redator, em sua defesa, usou o argumento
de que "às vezes deixa-se influenciar pelo ambiente". O Libération
no mais amplo sentido", ou seja, jornal da esquerda não-dogmática.
resolve esses conflitos de forma pelo menos mais informal: não há
A filosofia, entretanto, do Libé coloca os termos em um nível uma imposição de linha ou orientação. O critério é algo como a
que vai além das concepções tradicionais. Esquerda e direita, co- "moral coletiva". Qualquer artigo um pouco "fora", muito exa-
menta comigo José Rego, são esquemas que já não nos ajudam gerado, ou que "force a barra" é ridicularizado pelo próprio pessoal
muito: o que é ser de esquerda? Apoiar Moscou? Aceitar os cri- da redação e assim se dá a "coerção" do jornalista.
mes dos países socialistas? E de direita? O que significa isso hoje?
A perplexidade explica a nova postura do jornal, neste caso nitida- Minorias perdem a vez
mente francesa, de lutar pelos valores em si: pela liberdade, pela Significativo, em muitos veículos de comunicação alternativa
é seu distanciamento de alguns movimentos sociais. As minorias

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li (feministas, homossexuais, estrangeiros), que}lá dez ~nos tinhamà tempo e trabalho, são menos reconhecidos. A marcha do sucesso
I jornalístico parece que caminha no sentido oposto: o da desvincula-
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sua disposição páginas inteiras do jornal, estao r~d.uzldas agora ao
I! jornalisticamente "novo" ou "interessante" .. Noticia ..se pouco, d,?s ção com as lutas sociais.
li I' i grupos marginalizados no Libé e no Taz, po.sslVelmentepela propna O movimento de rádios livres francesas e alemãs perdeu o
I
!, desarticulação desses grupos em buscar no Jornal um espaç? p~ra a fôlego. As aventuras piratas alemãs cansaram e a experiência
I
! difusão de idéias. O conceito do "jornal para todas as minorias", italiana na quebra do monopólio estatal da RAI foi a pior expe-
que era comum no início do jornalismo alte~nativo europ,e,!, desa- riência para as esquerdas: abriu-se somente o caminho para as
parece diante da imperiosidade de se f~z~r Jornal ?e. not}CI,:S(em emissoras comerciais ocuparem os espaços, e na ponta-de-lança,
geral) e de atender à diversidade de 'p~bhcos. O umco ,o~gao que sofrendo cacetadas e tendo os equipamentos apreendidos, vinham
dá apoio - não aos movimentos SOClalSem geral, mas a lmpre~sa as sofridas rádios livres de esquerda. Somente aquelas estações
carente e deficitária - é a instituição alemã Centro para os MeIOS que aproveitaram o momento e se rearticularam puderam sobre-
de Comunicação Alternativos, de Frankfurt, que possui até um viver. A rádio Popolare profissionalizou-se na linguagem, na pro-
fundo de apoio a esses jornais. dução e na comercialização de seu produto sem descaracterizar-se,
As rádios livres mantêm um vínculo maior com os movimentos Produz programas muito populares e de grande audiência como a
de base (dos desempregados, de trabalha~ore~, dos que não têm Rassegna Stampa (das 8 às 8h30) onde são comentadas as notícias
. casa) porque sua sustentação tem a .ver mal~ dlret~me?te co~ el.es. do dia ou a Rassegna Sindacale, uma hora antes. A condução dos
Mesmo assim a rádio Regione considera a importância do público programas se dá de forma discreta e sem rigidez. "Informação
somente corno consumidor de seus serviços, que vão desde a au- rígida é deletéria", diz Giovanni Acquati, presidente da rádio: a
diência de informativos (única programação da emissora) até a rádio Popolare não afirma nenhuma posição, é somente um instru-
i, comunicação de problemas e o uso dos serviços de utilidade pública. mento de seus ouvintes. Esse instrumento, sem dúvida, o faz o
I ' meio, de todos, o mais democrático.
Mais suor, menos salário
Trabalha-se mais na comunicação alternativa do que na im- •
prensa convencional, afirmam seus jornalistas.. O emp~n~o pare.ce
valer a pena pelo produto do trabal~o e pela lU?ependencla pr~h~- A profissionalização das rádios livres
sional. O Libération expande-se hoje, alem do Jornal, para a rádio e do jornalismo alternativo .•.
Libé e a Télélibé, que produzirá filmes para a TV francesa, tud.o
no estilo da "moda Libé". Outros jornais, mais atrelados aos m?vI- "Não dê seu dinheiro aos costumeiros gatos e raposas, que
mentos sociais, como o Tageszeitung e o Pilasterstrand, conside- depois o investirão em negócios alucinantes", diz a publicidade do
ram-se mais profissionais que o jornal francês (ganham bem menos MAG 2, o banco da esquerda milanesa voltado para o financia-
inclusive), por conseguirem produz!r. bo~ infor~ação (que é, se- mento de iniciativas da oposição política. A idéia parece à primeira
gundo eles, sugada pelos jornais tradicl~nals) e vI~ere~ sob ~ ~terna vista despropositada: bancos, financeiras, agências de publicidade
ameaça de crise - e isso em um pais onde nao ha tradição de sempre haviam sido alvo das críticas da esquerda. Mas os tempos
jornais, como a Alemanha. mudaram. Chegou-se à constatação de que as rádios livres, os
jornais de grupos minoritários etc., são muito frágeis se permane-
A "grande imprensa" do Der Spiegel e d.a revista Stern rou?a cerem isolados e não tiverem por trás de si um respaldo econômico
os melhores jornalistas da imprensa alternativa no mesmo estilo e financeiro mais forte.
que o faz com a imprensa de interior ou de comunidades. O esva-
ziamento profissional mantém esses jornais permanentemente con- "Delírios" X proiissionalização
denados ao jornalismo de segunda ~ateg?ria, embor~ tratando temas Originalmente, a iniciativa de centralização de um sistema pró-
importantes, boicotados pelas rnais diversas razoes pela grande prio de trocas e de cheques e a fundação de bancos exclusivos
imprensa.
Projetos mais comprometidos com a "cons.trução de, ~m ar- * Publicado originalmente sob o título "A esquerda usa as armas do sistema;
quivo da informação alter~ativa", como ? Projeto Memona, d.o bancos cooperativos e publicidade subsidiam a profissíonalização dos antigos
Centro de Meios de Comumcação Alternativos, embora custe mais 'nanicos' ", em Novo Leia, São Paulo, novo 1984. Ano 7, n. 73, p. 32-3.

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164

para defender a oposição política da fraqueza econômica e do esva- para os vinculados. Por ser uma cooperativa, o banco é bcncficiad ••
ziamento já haviam sido imaginadas pelo movimento das "subcul- -por lei, devendo ter uma retenção fiscal de apenas 10%, em COJII"
turas" nas comunas dos anos 60, em projetos como o Digger. paração com os 21,6% dos bancos normais. Os clientes são "gente
Naquela época, entretanto, a utopia era a de construir de fato todo politizada" e pessoas simples, que já se distanciaram dos bancos
um "contra-sistema" de economia e finanças, paralelo ao sistema normais. Dos empréstimos oferecidos às cooperativas, o banco
convencional. A ingenuidade dessa proposta revelou-se quando MAG 2 espera receber 17% de juros. Garantia para o retorno,
entrou em recesso o movimento político que a sustentava. A crise de fato, não há, a não ser a moral de confiança mútua. Dessa ma-
política das esquerdas do final dos anos 70 varreu do velho conti- neira, o banco já financiou 65 milhões de liras (mais ou menos
nente centenas dessas experiências "revolucionárias". 80 milhões de cruzeiros) à tipografia Il Girasole, seis milhões ao
teatro que organiza o Festival de S. Arcângelo de Romanha e dez
Assim submergiram aqueles projetos ultracriativos que haviam
milhões à cooperativa Achille Stuani, que dirige uma trattoria. A
caracterizado a "revolução nos meios de comunicação" da socie-
decisão sobre o financiamento é tomada pelo conselho administra-
dade italiana. O jornal Lotta Continua, que havia quebrado a aus-
tivo, em reunião aberta com todos os sócios.
teridade do jornalismo de esquerda, relatando os fatos de modo
pessoal e subjetivo, e usando, mesmo para a política, a linguagem . . . ~ idéia do banco MAG 2 é disputar os depósitos e apoiar
coloquial e popular; o jornal Il Male, que se caracterizou por fazer uuciativas comprometidas com movimentos sociais ou sindicatos
cópias idênticas de outros jornais e criar com isso reações de susto, na Lombardia (norte da Itália) e, em especial, em Milão, a capital
desorientação, preocupação ou humor (até em países socialistas o finaceira do país. O modelo não é original. Em 1979, a CISL
jornal fazia furor, distribuindo suas "edições piratas" de periódicos (Confederação Socialista dos Trabalhadores Italianos) apoiou a
corno Pravda, Tribuna Ludu e outros). A rádio Alice, de Bolonha, criação do MAG 1 (330 sócios e 320 milhões de liras em
que escandalizava o público com "delírios" ao microfone, em que depósito); e a concepção de "bancos alternativos" parte de uma
tudo era possível e incentivado, e se praticava - sem preocupação proposta do Partido Verde alemão, há mais tempo engajado nos
no que iria dar tudo isso - a verdadeira "linguagem suja", jamais negócios e "infra-estrutura econômica de apoio" dos alternativos.
ouvida nos aparelhos de rádio. Para dinamizar a venda de espaços radiofônicos, a rádio Po-
Outras iniciativas, em compensação, sobreviveram. E isso à polare criou também uma agência de publicidade. Tais fatos não
custa da profissionalização e do abandono das teses experimenta- devem, entretanto, levar a crer que essa rádio tenha perdido as
listas e vanguardistas, corno foi o caso do jornal francês Libération, ligações com os trabalhadores e com a contestação política de
saído do movimento de maio de 1968, o da rádio Popolare, de esqu~rda. Ao contrário, a iniciativa foi levada a efeito após dis-
Milão, e do jornal alemão Tageszeitung. cussoes com os trabalhadores, nas quais resolveu-se apelar tam-
Na rádio Popolare, Giovanni Acquati, seu presidente, afirma bém para a veiculação de publicidade para a sobrevivência da
que é inútil tentar progredir com salários baixos. Para sair dessa emissora (sem que isso viesse a interferir nos conteúdos). O pro-
"fraqueza estrutural" torna-se preciso que o veículo seja montado blema maior, no caso, não foi a publicidade excessiva, que poderia
corno urna organização econômica mais sólida. Doações, assinatu- comprometer a autonomia da estação, mas, opostamente, a ausência
ras (no caso de jornais) ou compra de quotas (das rádios) funcio- dela, que geraria débitos que os sócios deveriam cobrir. Em vez da
i'l nam, a médio prazo, apenas corno formas precárias de sustentação. negação original da publicidade, como corporificação do capital nas
i, páginas do jornal, o veículo aceita hoje qualquer allunciante, em
Uma nova fase na comunicação alternativa inicia-se com a produ-
ção mais profissional e comercial da informação. qualquer volume.

Bancos alternativos Publicidade & Jornalismo

O banco MAG 2, em cujo conselho de administração está A utilização da publicidade na rádio Popolare foi necessana
Giovanni Acquati, possui 98 sócios e 120 milhões de liras em depó- para que a rádio desse o "salto para frente" na sua vida, o boom
sito. Cento e oito milhões de liras já estão reinvestidos. O interesse jornalístico e empresarial. Para isso, o orçamento da agência acusou <-,

principal é no financiamento de pequenos negócios. Aos investi- um forte crescimento nos últimos meses. Os custos operacionais de
dores são oferecidos juros de 11 ,5 % para depósitos livres e 13,5 % uma emissora do tipo da rádio Popolare - que não vive só de.

2Lm~
166

músicas e de notícias de jornais lidos ao microfone - são altos, manutenção da Memória Alternativa. Funciona hoje, também, como
levando-se em conta que se trata de uma emissora política, opo- instituição que luta para recuperar financeiramente periódicos em
sicionista e comprometida com setores e grupos de base da popu- sérias crises de capital. Seu Fundo de Solidariedade a Jornais ajuda
lação (trabalhadores, desempregados, minorias). Para sair da si- a imprensa alternativa nos processos que sofre, movidos por con-
tuação de crise que atravessava, surgiram as propostas do banco, da glomerados, políticos ou instituições, assim como contra as constan-
agência, as doações, bem como apoios maciços de partidos políticos tes ameaças de falência.
(Democracia Proletária, Partido da Unidade Proletária, grupo de A imposição de uma linha mais profissional nos veículos
esquerda do Partido Socialista Italiano, Federação e Confederação alternativos não se deu sem conflitos políticos e ideológicos. O
dos Trabalhadores Metalúrgicos da Itália). Em termos de agência, episódio mais marcante foi o do jornal Libération, de Paris. De um
o volume publicitário, uma vez superada a estagnação do período periódico feito inicialmente no estilo dos panfletos maoístas, o jornal
de 1982, cresceu novamente em 1984. sofreu seu primeiro conflito sério entre 1977 e 1978, com a "crise
Mais organizada em termos publicitários, a emissora do Partido da militância" no jornalismo. Segundo seu jornalista José de Sá
Comunista Italiano, rádio Regione, possui um rico material pro- Rego, a ala minoritária "militante", defensora de uma noção de
mocional para vender seus espaços aos anunciantes milaneses. jornal como um grupo fechado, "autoprotegido contra o mundo
Transmite até nove minutos de anúncios por hora (o que permite exterior", perdeu terreno para os profissionalistas, liderados por
a legislação) e, como as demais, não recusa o grande anunciante. Serge July, fundador e principal homem do Libération até hoje. Em
Ela não se opõe, inclusive, paralelamente à divulgação de confe- 1981, metade da redação abandonou o jornal e, após um período
rências, mostras e afins, à cessão de seus equipamentos para expo- em que esteve com sua publicação suspensa, o periódico ressurgiu
sições comerciais e apresentação de novos produtos. Estruturada com a nova filosofia, que o levou à posição atual de segundo jornal
como uma rádio que só dá notícias, 24 horas por dia, a rádio francês, após o Le Monde e, possivelmente, de futuro maior jornal
Regione pretende cobrir assim seus altos custos operacionais, devido do país. O custo ideológico e político desse parto foi a definição,
a um estilo idêntico ao das rádios americanas tipo all news - noti- por um lado, mais profissional e, por outro, menos extremada poli-
il ciário incessante dos mais variados tipos, desde jornal falado, co- ticamente.
mentários, até serviços de utilidade pública para localizar pessoas ou Seu estilo jornalístico também é inovador. Embora após o
dar as condições do trânsito. A qualquer hora que se ligue o rádio, "racha" tenham-se afastado certas técnicas da imprensa alternativa
j, I: o ouvinte pode saber - e em primazia absoluta - o que ocorre
na vida política, econômica, social e cultural. A comunicação "dos
(subjetivisrno, transcrição direta do gravador), o periódico afirma-se
hoje produzindo notícias onde o ambiente, o contexto, o fundo em
comunistas", neste caso, embora não tão audaciosa no que se refere suma que acompanha o fato, compõem o enredo, a história, per-
II às inovações, demonstra uma ruptura com o modo ideológico e mitindo ao leitor uma certa visão do conjunto, "uma abordagem
i,il doutrinário das emissões dos países do "bloco socialista", onde o cultural", como dizem seus jornalistas. Libération trabalha os temas
Ilil,1"
jornalismo mal aparece. culturais com o mesmo realce que os temas políticos, quebrando,
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I'! assim, a tendência de se dar primazia à política.
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Jornais falidos
Luta ideológica
A venda de informações também é uma fonte de renda para o
reforço econômico das instituições da comunicação alternativa. A questão que se coloca nesta segunda fase da comunicação
Assim opera o Centro para Meios de Comunicação Alternativos, de alternativa diz respeito, portanto, à capacidade de consolidação eco-
Frankfurt. Após o desaparecimento, em 1981, do jornal ID (um nômica dos jornais e rádios de oposição política sem que isso im-
dos primeiros órgãos da imprensa alternativa alemã e que se plique perda da autonomia ideológica, mesmo que essa comunicação
caracterizou por criar um novo gênero de jornalismo, onde os seja partidária da "abertura do espaço para qualquer grupo de
próprios envolvidos nas notícias "montavam" a reportagem e onde oposição de esquerda, sem distinção de tendências ou programas"
o tom subjetivo e intimista buscava quebrar a frieza do jornalismo (como a rádio Popolare). A viabilidade da comunicação, resguar-
clássico), esse centro apropriou-se dos arquivos do jornal e criou dando esses dois lados, é o desafio. Essa política é a mais pro-
um imenso banco de dados para a venda de informações para a missora para órgãos de comunicação que, após muitos solavancos,

x, ibr •.
168
1(,"

começam a firmar-se e a ganhar respeitabilidade. A feudalização dã


opinião pública. Em abril, a tese se confirmaria, quando o jornal
imprensa alternativa por grupos políticos e partidários, exclusivistas,
constatava que "o país estava mudando" (FSP, 15.04.84).
além de esvaziar e inviabilizar o veículo, o descarta da concorrên-
Esse curso assumido pelo periódico, cujas implicações políticas
cia com os grandes meios e deixa órfão um exército de leitores, que
e mercadológicas retomaremos mais adiante, foi rapidamente assi-
poderia exatamente ancorá-lo em solos política e financeiramente
mais firmes. milado pelos seus melhores jornalistas. Tarso de Castro inicia uma
campanha com textos e fotos (onde as mais curiosas imagens de
políticos eram acompanhadas da frase Eu quero votar pra presidente,
• slogan da concentração de São Paulo em 25 de janeiro), Ricardo
Kotscho escrevia que o País reencontrava a Nação, Cláudio Abramo
A Folha e as diretas-já * e tantos outros, enfim, a elite jornaIística da casa entrava de corpo
e alma na luta, sob o patrocínio do periódico.
No movimento pelas diretas-já destacou-se o papel da imprensa
e, particularmente, o do jornal Folha de S. Paulo, que em meio à A posição editorial, porém, nunca abandonou o cautelismo de
avalanche geral acabou saindo como seu porta-bandeira. O jornal exigir que o movimento fosse mantido sob as rédeas de seus orga-
encampou a luta, fez-se seu articulador e lucrou política e finan- nizadores: em 5 de abril, seu editorial repelia energicamente a pro-
ceiramente com isso. Que motivos teria levado a empresa a em- posta de greve geral pelas diretas-já: ela introduziria a "fratura" no
barcar nessa luta? O que significa essa atuação política inesperada movimento, ou seja, a desordem; seria um instrumento "não próprio
e contraditória, se olharmos a história do engajamento do jornal em da política" e "desestabilizador". Nada de radicalização era a pa-
nossa vida pública? Enfim, que participação teve a Folha nisso lavra de ordem contra a greve geral defendida, entre outros, pelo
tudo? Conduziu? Foi conduzida? Foi a alma ou a sombra do movi- PT. O "espírito ordeiro" (27.04) deveria prevalecer. Não é outra
mento pelas diretas-já? senão a conotação que se dá à figura de Lula no seu "Poster das
Diretas-Já", publicado na edição de 25.04: enquanto Dante de Oli-
Renovação da imagem veira, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Tancredo Neves pousam
Quando Otávio Frias Filho, diretor da redação da Folha de S. como heróis da independência - que era de fato das massas _
Paulo, esteve no ato público suprapartidário (manifestação no Lula aparece caracterizado na extremidade do quadro como um
estádio do Pacaembu, em São Paulo) de 27 de novembro de 1983, pobre boiadeiro, espectador à margem da mobilização da campanha.
as suas expectativas para o movimento das diretas-já não eram Tal deturpação do verdadeiro caráter da campanha, e, mais ainda,
muito alentadoras. Os oito mil que foram à praça não o estimula- da importância decisiva do presidente do PT no seu desencadea-
ram, a ponto de ele apontar aquele evento apenas como uma aglo- mento, convocando a população e cobrando dos governadores a
meração de representantes da sociedade civil e não "do povo". participação na manifestação do Pacaembu, só pode ser interpretado
Nessa oportunidade, ele também acusava o PMDB de querer apos- corno manipulação. Tancredo, que sabotou a evolução do movi-
sar-se das diretas antes de conquistá-Ias (FSP, 29. 11 .83). As mento, procurando frear-lhe a explosividade ("Insistir nas diretas é
diretas eram uma necessidade, refletia o jornalista, mas o interesse pouco promissor", 13.04; "tem efeito desmobilizador", editorial
era também dos grandes empresários. Aquela movimentação, que de 24.04), ao contrário, é tornado herói pelos desenhistas da
Folha.
cresceria como uma bola de neve até a concentração de 25 de
janeiro e a grande passeata de São Paulo, em 16 de abril, assinalava,
Um grito parado no ar
entretanto, algo maior, que poderia render ótimos dividendos polí-
ticos para a imprensa. "Os meios de comunicação são de modo Em maio de 1983, uma "Pesquisa Folha" concluiu que o povo
geral contra o restabelecimento das diretas", dizia Fria~ .Filho; o queria escolher o sucessor de Figueiredo de forma direta (72,4%).
País, porém, aponta sinais de exaustão e de insuportabilidade da Aureliano Chaves, em 26.11.83, anunciava que "as eleições diretas
crise econômica e social. Parecia chegado o momento de apostar virão", dando um presumível apoio à concentração no Pacaembu
nas massas e construir, por meio disso, uma imagem renovada na realizada no dia seguinte. Em fins desse ano, elas já pareciam tão
irreversíveis que até mesmo políticos do PDS já a assumiam.
* Publicado originalmente em Novo Leia, São Paulo, jan. 1985. Ano 8, n. 75, O chamado "comício-monstro" de 25 de janeiro, organizado
11 p. 16-7. com forte esquema publicitário, tornou a questão de interesse ver-
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i ,~ i, dadeiramente nacional. A expressão "diretas-já" surge do mani- nossos políticos. Procuram bodes expiatórios para justificar medi-
! li! festo do movimento de 25 de janeiro, lido em 14 de fevereiro, junto das punitivas e o recurso à censura. Tomam os meios de comuni-
" i ao lançamento da cor amarela no Spazio Pirandello. "É preciso cação como se fossem instituições independentes do corpo .social,
armar o elo que nos une. Por eleições livres e diretas. Já. O com vida própria, e não como órgãos dirigidos por homens com seus
amarelo é o elo que nos une. Todos juntos nesta grande viagem interesses de classe e suas intenções políticas imediatas. Não foram
de cidadania e soberania." os meios de comunicação lacerdistas que fizeram o 64, nem o con-
A expressão diretas-já é usada pela Folha em 11 de abril junto de todos os meios: estes somente deram o respaldo do movi-
quando se refere a ela como o slogan dos partidos clandestinos de
mento que já se articulava nos quartéis, no clero, nas classes médias
oposição Alicerce e PC do B, durante o comício do Rio de Janeiro.
urbanas, nas instituições como IPES, IBAD etc. O jornal funcionou
Daí para frente, a Folha iniciará uma divulgação exaustiva e osten-
siva do movimento. Durante o mês de fevereiro e março, por aqui, como em qualquer outra parte, no máximo, como articulador,
exemplo, o destaque dado pelo jornal aos comícios em outras organizador do movimento.
capitais brasileiras não passava em média de 75% a 100% de Alberto Dines aponta, na discussão do mesmo dia (publicada
uma página de suas edições. No mês de abril, ele atingiu seu pico: em "Tendências e Debates" de 05.05), que "a TV não é a única
a partir do início do mês, a cobertura do tema era de duas a três condicionadora da vontade nacional, mas passou à ser, ela própria,
páginas por dia (nas retrancas: "sucessão pelas urnas", "emenda condicionada por um canal de menor alcance, porém de fogo ini-
Leitão", "horas decisivas", "a marcha da decepção"). Com a con- gualável: a palavra escrita". De fato, o jornalismo impresso re-
centração de São Paulo em 16 de abril, o destaque começa a crescer cuperou, principalmente durante o período de vigência das medidas
(nesse dia, 5 Yz páginas sobre o assunto e mais 3 sobre política de segurança, sua importância como fonte de informações em pri-
nacional). De 24 a 26 de abril, a Folha deu mais de doze páginas meira mão: O Estado de S. Paulo conseguiu derrubar a censura
para o assunto, caindo posteriormente para oito (27.04) e para seis imposta à informação, via rádio e TV, publicando treze murais no
(28 e 29.04). Outros periódicos paulistanos (O Estado de S. Paulo dia da votação da emenda Dante de Oliveira.
e o Jornal da Tarde), embora dessem destaque aos dias decisivos de Isso não deu à palavra escrita, por outro lado, o status de
24 a 26.04 (o JT deu várias páginas no dia da passeata e nas horas "condicionar" as massas. Sabemos que nenhum meio de comu-
decisivas para a aprovação da emenda), mantiveram uma cobertura nicação, nem sequer todos juntos, pode impor uma "verdade" do
discreta do tema. poder contra a realidade que as pessoas vivem e contra a memória,
A Folha, ao contrário, buscava "empurrar a massa". Em mesmo que apagada, das massas: nem Pinochet, nem Médici, nem
"Todos à passeata", editorial de 15.04, o jornal cobrava do Comitê Maluf, nem qualquer outro tirano jamais conseguiu formar uma
Suprapartidário mais empenho na preparação do ato cívico e enga- opinião pública favorável só com base nos meios de comunicação,
jamento efetivo do governo do Estado. que fosse contrária à experiência das massas.
Em matéria publicada pela Folha de 05.05, o ex-ministro das A posição da Folha no movimento das diretas-já foi a da
Comunicações, Said Farah, dizia que os meios de comunicação organização a nível macrossocial e da divulgação do processo diri-
foram a campanha das diretas-já (o grifo é dele). E isso ocorreu gido pelo Comitê Suprapartidário. Ocorre que nem o jornal nem o
tal como "praticamente sozinho Carlos Lacerda, a rádio Globo e a comitê imaginavam a forma explosiva como tudo foi crescendo.
Tribuna da Imprensa haviam feito em 1964", argumenta o político. Nesse ponto perderam a compreensão das coisas. Ninguém previa
'í Nada mais tolo. Da mesma forma impressionado estava o ministro a explosão tão intensa e enérgica das massas (estas, que há muitos
.i' Leitão de Abreu ao dizer em 14.04 que a imprensa estaria "exer- anos buscam um meio forte e poderoso para canalizar sua insatis-
II cendo uma influência que muitos assinalam como superior à in- fação e seu protesto, encontraram na campanha um excelente escoa-
fluência dos partidos". douro). Sentindo a agregação de que passou a ser objeto, a Folha
obteve os melhores lucros políticos (ideológicos) e econômicos.
Importância dos mídia
r: Apesar disso, o jornal não reconhecia oportunismo na apropria-
i i A tendência de se transferir para os meios de comunicação a ção do movimento como "marketing político"; ele apoiava-se em
II
,,1' responsabilidade das transformações sociais é bastante conhecida em justificativas como as de um grande empresário da imprensa, Ro-
,r
172
17.1

berto Civita: "O marketing é, em essência, um procedimento demo-


crático" (05.05.). enquanto o JT publicava receitas de cozinha, o Estadão versos de
De fato, conhecer as necessidades do público (não para de Camões, a revista Veja desenhos e arvorezinhas, Opinião faixas
fato atendê-Ias, mas para não perdê-lo ) é o que rege o caráter pretas, a Folha nada fazia para protestar contra o corte arbitrário
empresarial do jornalismo. Isso não tem nada a ver com demo- de matérias imposto pela rigorosa censura.
cracia, principalmente se o veículo encontra um ótimo filão para A abertura política significou uma explosão das camadas mé-
aumentar seus lucros à custa da emocionalidade da massa de seu dias da população asfixiadas pelo fechamento político. A Folha
público. absorveu rapidamente jornalistas que batalharam na imprensa al-
Também as redes de televisão tiveram que mudar, não porque ternativa e a partir desse período procurou lançar-se como o jornal
o público impôs (ilusão liberal, principalmente no atual estágio de da abertura. Em 1982 sua campanha simpatizante do PMDB po-
monopolização e cartelização da economia), mas porque perdiam deria confiar-lhe o preenchimento desse espaço jornalístico do pú-
credibilidade e audiência, ou seja, porque seu produto (telejornal) blico, que sustentou algum tempo a imprensa alternativa, não co-
berto pela imprensa liberal. O empenho na campanha de 82 pôde
não era mais "comprado". O lucro, portanto, impôs a virada, a
. ponto de não atenderem (Globo e Manchete) às "recomendações" significar um primeiro passo na sua (tardia) afirmação política,
do Planalto para não darem destaque às passeatas. Conforme a Com a perspectiva das diretas-já a Folha entrou no movimento,
revista Veja, a credibilidade da TV, após seus sucessivos boicotes às após uma curta indecisão, para dele sair como o jornal dos novos
tempos.
movimentações do final de 83 e início de 84, foi para 28 pontos
negativos. A competição com a rede Bandeirantes justificava a mu-
dança política; afinal, o que se coloca em primeiro lugar para os Importância relativa
meios de comunicação é a sua garantia como empresa (obtenção de A história da Folha, entretanto, era quem iria preparar-lhe as
lucros), ficando a questão ideológica (mais geral) para segundo maiores ciladas. Entusiasmada com o efeito das diretas-já e iludida
plano.
com a noção de que "jornal também faz movimentos sociais", seus
A contradição aparece na competição com o Jornal da Tarde, editoriais continuavam a conclamar a população, maio adentro, pela
que, jornalisticamente, assim como O Estado de S. Paulo, teve mobilização das diretas-já. Que rumo seguir? Apoiar Lula na sua
momentos de melhor desempenho. Tarso de Castro dizia em 18.04 convicção de não ir ao Colégio nem abandonar as ruas ou acompa-
que "o JT fez um trabalho através do qual ele, e somente ele, nhar as lideranças políticas, que já haviam conseguido força bas-
conduziu a campanha",' e complementa: ele soube "fazer a hora", tante para barganhar politicamente nas negociações pós-abril e já
enquanto a Folha perdeu essa chance; o destaque desta como o descartavam a participação do povo? Passada a agitação, o jornal
jornal das diretas-já se deu mais devido à ânsia pela conquista da retoma à sua importância relativa. Não tendo lutado desde o início
posição política no movimento do que à ação jornalística. contra as arbitrariedades repressivas e pela restituição do Estado
Como se explica? de Direito, mas ingressando no movimento pelas diretas-já em seu
A Folha de S. Paulo nunca gozou diante da opinião pública desabrochar, a participação do jornal não pôde ser identificada
de uma identidade política definida. Diferente de O Estado de S. como a de um integrante estrutural da nova democracia que está se
Paulo, que possui uma situação clara como jornal conservador, instalando no Brasil, liderada por setores como o empresariado
porta-voz das elites paulistas que compuseram o empresariado do liberal, os movimentos de base, o clero progressista etc. Em que
Estado, melhor representante do pensamento das classes dominantes pese o benefício que trouxe à luta pela emancipação do povo,
insatisfeitas ante a ditadura getulista, a ameaça janguista e formas cedendo-lhe um canal de expressão política, essa participação só se
autoritárias que o prejudicassem, a Folha, em período de menor tornaria efetiva e só lhe garantiria a identidade política se, em vez
existência, não construiu identidade poIíticà. Como jornal lido ma- da perspectiva de sondar as aspirações da população, para lhes
joritariamente pelos setores da "classe média", que se ampliou sig- atender, se colocasse ao seu lado, articulando-as junto ao poder
nificativamente após 1950, a Folha oscilou, como eles, de posições público.
direitistas para esquerdistas. Assim, ela esteve contra João Goulart
ao lado de O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e Tribuna da
Imprensa. No período de censura à imprensa do governo Médici,

I

l a ..• ',"
f7S
174
(10D-
A crise do jornalismo * presa. Tacitamente, porém, questionava-se a atualidade do "cst ilo
Estadão".
Em novembro de 1984, o jornal Le Monde anunciava sua mais
séria crise financeira. A tiragem caiu de 500000 para 275 000 Saídas discutíveis
exemplares, e as causas apontadas foram a concorrência com a TV, O Le Monde pretende emitir ações e obrigações, abrindo o
a queda do interesse pela política, o desaparecimento de seu público- capital aos leitores. Em relação aos capitais externos, seu diretor
!i
-base, o insucesso político de François Mitterrand e, finalmente, a declara que só os receberá se "minoritários, diversificados e perma-
questão do estilo: paginação pesada, análises em profundidade. nentemente identificados". Até que ponto isso permitiria a autono-
Com exceção deste último fator, parece que os demais são apenas mia é discutível, pois não se pode dizer que exista um controle
aparentes. Seu mais forte concorrente, o Libération, compete da "individual" dos capitalistas; o poder econômico atua de forma não
mesma forma com a TV, apóia (ainda que mais criticamente) fragmentada, mas em bloco, como um sistema.
Mitterrand, e não se pode dizer que o interesse do público pela
política (talvez pela "velha política") tenha diminuído. Para André O New York Times perdeu milhões de dólares há pouco tempo
Fontaine, da administração do jornal, após o crescimento espetacular e precisou vender suas revistas de saúde, pois estas haviam iniciado
de 1956, seus jornalistas "dormiram sobre os louros" e não soube- uma série sobre a competência médica. Após ameaças, a indústria
ram adaptar-se aos novos tempos. médica retirou os anúncios das revistas do grupo e decretou o fim
da publicação.
No nosso caso, a chamada "grande imprensa" não está ilesa des-
sa tendência avassaladora. Há quase dois anos, o jornal O Estado de A ameaça econômica surge, entretanto, também pelo lado do
S. Paulo e o Jornal do Brasil precisaram ser socorridos por um pool leitor e daqueles que são prejudicados pela imprensa. Em 1984, a
de bancos para que fosse garantida sua sobrevivência econômica. CBS foi processada em 150 milhões de dólares pelo general West-
Fundado há 110 anos por comerciantes, fazendeiros, empre- moreland, e a revista Time em 50 milhões por Ariel Sharon,
sários e jornalistas, O Estado de S. Paulo se propunha "indepen- acusadas de difamação. Na Itália, La Tribuna degli Investimenti
dente", liberal, republicano e abolicionista. Era o que se caracteri- pagou três e La Repubblica 70 milhões de liras em processos mo-
zava por um "jornal de opinião", periódico ao estilo da imprensa vidos pelo mesmo motivo por políticos.
político-partidária do século XIX na Europa, usado para reforçar Alguns jornais tentam firmar-se como empresas mais sólidas
opiniões, influenciar, organizar as classes dominantes e - na tra- e zarantir seu público por meio da política mercadológica. Embora
dição do Iluminismo - conduzir a política sob o signo da razão o ~úblico signifique para a empresa um valor secundário - o valor
burguesa. Com o aparecimento da imprensa sensacionalista, na principal é o anunciante, que garante pelo menos 2/3 da cobertura
Europa e nos EUA (por volta de 1870), jornais políticos (do estilo dos custos de produção do jornal -, ele tem que ser mantido, e é
do Estadão) começaram a perder terreno e se tornaram anacrônicos. a mercadoria que a empresa tem a oferecer ao anunciante. O pro-
No Brasil, O Estado de S. Paulo se manteve como o único blema da orientação mercadológica é o de descartar a importância
"jornal ideológico" de envergadura, com compromissos de classe, no do leitor como fator político para o jornal e encará-lo apenas como
quadro paulista. Atuou em 1926, apoiou Vargas em 1930, batalhou meio de aprimorar o produto. Embora a crise atinja jornais tra-
pela Revolução de 1932, sofreu intervenção de Adhemar de Barros, dicionais, de sólida ligação política e ideológica com sua classe
de 1940 a 1945, participou do golpe de 1964 e opôs-se à censura social (como o Estadão), a alternativa não poderia ser a de excluir
federal de 1969. Nesses episódios, manteve coerência com sua po- o peso político desse público (como na mercadologia) , mas traba-
lítica liberal e com as posições de interesse das classes burguesas. lhar com ele.
O aparecimento do Jornal da Tarde, em 1966, marcaria, não As alterações estilísticas e gráficas do jornal podem, como
obstante, um momento de reflexão da direção da casa em relação no caso do Libération, manter uma relação com esses leitores sem
ao estilo de seu jornalismo. O JT serviria como espaço de expe- instrumentalizá-Ios para a venda ao anunciante. Alguns órgãos de
rimentação dos Mesquitas em termos de inovação, diagramação, velho estilo parecem sofrer de um "mal da idade" (diagramação an-
novo "visual", sem comprometer política e ideologicamente a em- tiquada, estilo austero, pouca flexibilidade); eles ignoram as trans-
formações do gosto do público, que vivencia no cinema e na TV o
* Publicado originalmente em Novo Leia, São Paulo, jun. 1985. Ano 8, n. 80, desafio da imagem, a quem são mostradas mais fotos, mais cores e
p.29.
176
I 177
II
II
melhor técnica e são trazidos o movimento e o tratamento dos fatos A imprensa havia descoberto, na criptomensagem da ironia, das
:'i ,li como espetáculo. A saída para o jornalismo só pode ser procurada matérias culturais, não somente um território onde poderia fazer
, i dentro do jornalismo, renovando os estilos, modernizando-se gra- denúncias, mas também sua sobrevivência e afirmação (Opinião, no
II ficamente, acompanhando as exigências de um texto e uma ilustra- começo da década de 70, chegou a competir com Veja em termos
I ! ção mais dinâmicos, leves, equilibrados na sua linguagem gráfica. de tiragem).
,I I
11
Tomar empréstimos ou atuar mercadologicamente são políticas A censura, entretanto, aparecia, mesmo que relativamente tarde
que, além de não tocarem no núcleo da questão por serem respostas para o estilo de governo. De 1971 a 1975, também os tablóides
, 1
I1
externas, esvaziam o jornalismo naquilo que ele tem de mais ex- começam a ser asfixiados e têm de encontrar fôlego e condições de
clusivo: a capacidade de se tornar uma efetiva força de expressão de infra-estrutura para sobreviver. O Pasquim foi o único represen-
"
sua massa de leitores. tante da imprensa alternativa (na época, chamada de nanica) que
ill existe até hoje.
li, • É difícil falar de um único Pasquim. Sem dúvida alguma, o
Pasquim mais revolucionário foi o do primeiro período, que durou
I1
Morte e vida do velho Pasquim ,', até a primeira apreensão do jornal e a prisão de todo o corpo de
redatores. Mais tarde, ele apenas viveu dessa fama, passando por
No momento em que foi baixado o AI-5 (1968), a imprensa vários diretores, vários estilos e caminhos sem rumo definido. Essa
e a política brasileiras começaram a sentir o que era de fato um parece ser a fraqueza maior do jornal. Enquanto descobridor de
Estado autoritário. Nada mais daquele "espaço flexível" em que, uma nova linguagem (o humor, a sátira política), retomando o
contrariando as intenções dos militares, os estudantes ainda faziam projeto precocemente interrompido do Pii-Pat, de 1964, o Pasquim
provocações, a Revista da Civilização Brasileira continuava a agitar suplantou e derrubou todas as formas de jornalismo político e da
a intelectualidade, o teatro e a música insistiam em questionar a grande imprensa. Por acaso, a direção do jornal descobriu um
legitimidade do regime. O AI-5 veio para acabar com os mal-enten- filão totalmente inesperado para explorar a imprensa. A perspicácia
didos: liquidou tudo o que era vivo, qualquer coisa que ousasse dar dos nossos censores iria ainda demorar muito para desvendar suas
sinal de sobrevivência. Calou a política, a arte, o ensino e até mes- formas latentes de fazer política. O problema principal é que, tendo
mo seus fiéis colaboradores, a grande imprensa. Tradicionais jor- sido a descoberta casual, a equipe do jornal não soube "segurar a
nais conservadores tiveram de submeter-se à mordaça da censura. bola", não soube como continuar a impor-se como imprensa legí-
A asfixia foi geral. Não havia mais forma de fazer política aberta- tima de oposição (e, com isso, firmar seu público nos 200.000
mente. Só quem viveu esse período pode lembrar-se do negror geral exemplares) . Em pouco tempo e após a primeira "cacetada" da
que foi a nossa vida política e cultural. censura, o jornal ficou mambembe e sua tiragem caiu novamente,
Em 1969, o jornal satírico carioca Pasquim rompeu o cerco. Como ocorria com outros jornais pequenos, havia, na realidade
Em meio ao fechamento geral, o tablóide foi lançado e estourou repressiva dos anos 70, um espaço para o jornalismo crítico (tanto
rapidamente. Dos iniciais 20.000, o jornal passou logo a 200.000 o político, com matérias substantivas, como o Opinião, como o
exemplares de tiragem. Pasquim havia descoberto a fissura do satírico, o cultural etc.) , espaço este que se mostrava politicamente
regime: paranoicamente empenhados em calar toda e qualquer ma- muito mais promissor do que o da grande imprensa atrelada ao
nifestação política ou ideológica oposicionista, obtusos militares não poder ou amordaçada. Era na imprensa tablóide de oposição que
estavam despertos para a "política subjacente" que se poderia fazer grandes nomes do jornalismo poderiam falar livremente. Hoje eles
com o jornalismo satírico e irreverente. Criou-se, a partir daí, quase foram absorvidos pela grande imprensa e, curiosamente, desapare-
uma "cumplicidade tácita" entre leitores e jornal. Durante seu pri- ceram todas as formas de jornalismo alternativo.
meiro período de vida, o Pasquim foi a única voz de denúncia do O Pasquim,como os demais, não entrou em declínio por causa
sistema. A ele se seguiram, usando do mesmo tamanho tablóide, de censura, mas pelo desaparecimento desta. Estruturalmente muito
Opinião, Politika e, mais tarde, Bondinho, Grilo, Jornalivro e Ex. mais decisivo do que as bombas, os cortes de matérias, o censor na
redação foi a incapacidade de se transformar (em termos de lingua-
* Publicado originalmente em Novo Leia, São Paulo, jul. 1985, Ano 8, n. 81, gem e política) e continuar a "militar" nos novos tempos de aber-
p. 27. tura. Em fevereiro de 1985, o Pasquim ficou duas semanas sem
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178

circular. De volta às bancas, seu principal jornalista, Jaguar, cons- Sonntag, Bild am Sonntag ; Hamburger Abendblatt Das Neue Blatt ;
ciente da crise do jornal, apresentou um plano de renas cimento para revistas: Hõr zu (com tiragem semanal de quatro milhões de exem-
o irreverente tablóide: mudança da equipe de colaboradores, orien- plares), Jasmim (novecentos mil) e Kristall. Seu quadro de fun-
tação mais empresarial, edições regionais, participação no rádio e cionários corresponde a cerca de doze mil pessoas.
na televisão, realização de concursos, cursos, debates universitários, Springer sempre se considerou um "cruzadista", missionário do
venda como encarte em jornais de outros Estados e outras. anticomunismo, para quem a "emancipação" só poderia ter um
Há um vazio no jornalismo brasileiro: a grande imprensa não significado: a "libertação" dos alemães do Leste do jugo soviético.
satisfaz, em termos de substância, vitalidade e crítica, o espaço dei- Sua visão de mundo compreendia como lema principal da imprensa
xado pela pequena imprensa da década passada. Há, por outro alemã a "sociedade como totalidade" (= restituição da Alemanha
lado, um público que salta de jornal em jornal, de revista em revista, Oriental ao bloco capitalista e extinção de seu "domínio ilegítimo").
sem encontrar um veículo seu. O vácuo jornalístico na vida política A linha divisória dos dois países era chamada por ele de "fronteira
e cultural brasileira é cada vez mais gritante e os veículos da grande do arbítrio" (terminologia também usada pelos nazistas).
imprensa cada vez menos o preenchem. Para Springer, a imprensa era a "escola dos adultos, que os
ajuda na formação e orientação" (Bild: os leitores, diante da in-
• capacidade de compreender o mundo, precisam de um jornal que
lhes diga "para onde as coisas vão"). Seguindo Hitler, dizia
A morte do grande chefão * Springer saber o que, desde o fim da guerra, o leitor alemão não
desejava de forma alguma: refletir.
Os monopolistas da informação perderam seu mais fiel cola- Nos meados de 1960, a Alemanha Federal foi marcada por
borador com a morte de Axel Caesar Springer. uma grande onda de manifestações estudantis em repúdio à presença
Springer iniciou no jornalismo antes da Segunda Guerra Mun- americana no Vietnã. A imprensa de Springer posicionou-se fron-
dial, trabalhando no Altonaer Nachrichten e criando, posterior- talmente contra os estudantes e distorceu de forma ostensiva os
mente, o Hamburger Abendblatt. Finda a guerra, as Forças Aliadas acontecimentos. O jornal BZ publicava, em 1966, manchetes anti-
proibiram aos fascistas e aos antigos editores o exercício do jorna- estudantis como "Vergonha para nossa Berlim". Em 1967, o
lismo. A nova imprensa, para funcionar, necessitava da licença Berliner Morgenpost fazia o contraponto: "Até quando o Senado,
americana. =Assim 'Surgiu, já em 1945, o Frankfurter Rundschau, até quando os berlinenses vão querer ver isso?" Os políticos aos
naquela época antiíascista e com colaboradores comunistas. Dois poucos juntaram-se a Springer.
anos mais tarde, estes últimos começam a perder terreno e ideólogos No início de 1968, diversos professores e intelectuais propu-
mais sintonizados com as velhas idéias voltam. Axel Springer seram-se a um grande debate na Universidade de Berlim sobre
obtém duas licenças: uma para a revista Hõrru e outra para os Springer e a manipulação da opinião pública. Misteriosamente, o
Nordwestdeutsche Heite. Começa aí sua rápida ascensão na im- reitor cancelou o encontro por pressões vindas do Senado berlinense.
prensa. O Movimento de Oposição Extraparlamentar (APO) e a Liga
No pós-guerra, duas grandes ondas de intimidação dos inimigos Estudantil Socialista (SDS) organizam, então, uma grande cam-
políticos foram desencadeadas pela imprensa de Springer. A pri- panha para denunciar o cornplô dos poderosos. A reação da cadeia
meira foi na década de 50: apoiado por Franz Jozef Strauss, Springer foi a da criminalização da APO, mais frágil que o movi-
Springer lança o comitê "Salve a Liberdade", reunindo as forças de mento estudantil francês, e a tentativa de distanciá-Ia da simpatia
extrema direita e bloqueando o acesso da esquerda ao cenário polí- da população.
tico. A segunda onda, mais violenta, veio em 68. Vendo que essa estratégia era muito lenta, Springer experi-
O conglomeradoSpringer reúne sete jornais: Bild (mais de menta uma nova fórmula: a campanha da imprensa não mais seria
quatro milhões de exemplares diários e cerca de doze milhões de contra os grupos (SDS, Clube Republicano) mas contra pessoas
leitores), Die Welt (o maior jornal conservador alemão), Welt am isoladamente. Em fevereiro de 1968, o jornal Extra publica foto
e curta descrição do presidente do Clube Republicano, como se
* Publicado originalmente em Novo Leia, São Paulo, novo 1985. Ano 8, n. 85, fosse criminoso. A campanha segue com a perseguição do conglo-
p.34. merado e o atiçamento das massas contra Rudi Dutschke, líder da

l ••••••
180

SDS, chamando-o de "inimigo n.? 1 do sistema", "símbolo das


agitações". A perseguição fanática se desencadeia.
Em 22 de fevereiro de 1968, o jornal Die Welt apresenta
mineiros portando cartazes acusando Dutschke e exigindo: "Acabem
com esse bando". Segundo a matéria, pessoas com cabelos compri-
dos já começavam a ser supeitas para a população. Bastaria uma
palavra e haveria pancadaria. Num momento da reunião de mil
mineiros, ao se dizer que "Dutschke estaria lá", criou-se um clima BIBLIOGRAFIA
de violência coletiva tal que nem cem policiais conseguiram deter ...
Na quinta-feira santa de 1968, Rudi Dutschke recebe um tiro
de um operário em meio a uma passeata. Bild dizia, após o fato,
que não é a sociedade que semeia ódio e violência, mas Dutschke.
ABEL, Elie. 1982 apud MIGUEL, Sérgio. "Imprensa escrita usará ele-
Para impedir que a população se sensibilizasse com o líder estu- trônica", diz especialista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 ago.
dantil, o jornal passa a caracterizar o operário (Bachmann) de 1982.
psicopata e criminoso. Construiu até uma história onde sua mãe o AGNOLI, Jobannes. 1971. La transformación de Ia democracia. In:
caracterizava como outsider e admirador de Hitler ...
- & BRÜCKNER,P. La transjormacián de Ia democracia. México,
Assim procedeu Springer: incitou a massa, conduziu o aten- Siglo XXI.
tado, saiu de cena e criminalizou tanto vítima como agente. Perante AMALRIC,Jacques. 1973. Uma vitória do quarto poder. Opinião, Rio
a opinião pública, os jornais da cadeia distanciaram-se dos dois: de Janeiro, n. 28.
Bachmann não passava de um fascista e Dutschke de um radical ARBElTER-ILLUSTRIERTE-ZEITUNG. 1931. Das Wachstum der A-I-Z ..
comunista. A imprensa, neutra. Berlin, n. 41.
Os estudantes em 1968 tentaram agir contra o conglomerado AUFERMANN,Jõrg; LANGE,Bernd-Peter & ZERDICK,Axel. 1973. Presse-
bloqueando a saída dos jornais. A polícia garantiu a livre expedição konzentration in der BRD: Untersuchung, Ursachen und Erschei-
do Bild e do BZ de Berlim .. A colaboração da polícia com Springer, nungsform. In: AUFERMANN, J.; BOHRMANN,H. & SALZER, R.,
porém, transcende esses eventos: quando os radicais Baader, Meins hrsg. Gesellschaitliche Kommunikation und lniormation. Kônig-
e Raspe foram presos em Frankfurt, o jornal exibiu fotos que só a stein - Frankfurt Athenãum-Fischer Taschenbuch.
polícia poderia possuir. BAHR, Hans-Eckehard, 1968. Verkündigung ais Information. Harn-
Com todos esses meios e políticas, o conglomerado manteve-se burg.
e fortaleceu-se. A política contra os direitos civis continuou em BANCODE DADOS.1982. Há dez anos ocorria o Caso Watergate. Folha
1974, quando Springer se posicionou contra os que lutavam por de S. Paulo, São Paulo, 17 jun. 1982.
habitações em Frankfurt, e em 1977, contra a Campanha Anticons- BARAN,Paul & SWEEZY, Paul. 1966. Capitalismo monopolista; ensaio
trução da Usina Nuclear de Brokdorf. Contra outros veículos, sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro,
Springer agiu monopolisticamente e fazendo campanha para minar a Zahar.
sustentação financeira das revistas Stern e Spiegel, por serem estas BARBOSALESSA. 1967. Nova história do Brasil. Porto Alegre, Globo.
social-liberais, acusando-as, frente aos anunciantes, de "ameaçarem BARTHES,Roland. 1982. Mitologias. São Paulo, DifeI.
a ordem social alemã". A briga rendeu prejuízos fabulosos às re- BAUDRILLARD, Jean. s.d. Para uma crítica da economia política do signo.
vistas. São Paulo, Martins Fontes.
O império floresce. O jornal Bild fatura por ano 1,3 bilhões BENEVIDES,Maria Victória. 1982. Linchamentos: violência e "justiça"
de dólares em anúncios e o rumo da imprensa é de concentrar-se popular. In: DA MATTA,R. et alii. Violência brasileira. São Paulo,
cada vez mais. Morrem os jornais com tiragem menor que sessenta Brasiliense.
mil exemplares, e outros são absorvidos. A tendência geral, dizia BENJAMIN, Walter. 1961. Der Erzahler. llluminationen, Frankfurt.
Springer, é a da "grande informação". BRAMSTEDT,E. K. 1946. Dictatorship and political police; the techniquc
of control by fear. London.

~L"l I
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Alguns ensaios incluídos no volume:


• O papel da soci()lo~ia do filme no monopólio iuternaciunal
• O trabalho como estereótipo: os filmes de D. W. GriHilh
• A esfera pública
• Ensaio sobre cultura de massa e espontaneidade
• Fascinação e tédio na comunicação: produtos de monopóh«
e consciência

Coleção Grandes Cientistas Sociais - volume 53

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