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CENTRO UNIVERSITARIO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ALTO VALE DO ITAJAI – UNIDAVI

CURSO DE DIREITO

DISCIPLINA: METODOLOGIA DE PROJETOS

PROFESSOR(A): CHEILA DA SILVA

FICHAMENTO DESTAQUES/ REFERENTE DE OBRA CIENTIFICA

1 Nome do autor do fichamento:

PELISOLI, Cátula da Luz. DELL` AGLIO, Débora Dalbosco. HERMAN, Steve.

2 Obra/ artigo/ ensaio em fichamento:

A Psicologia Jurídica e as suas interfaces: um panorama atual

3 Especificação do referente utilizado:

Abuso sexual contra crianças e adolescentes.

4 Resumo da obra:

CAPÍTULO 6 – Sete erros na avaliação de situações de abuso sexual contra crianças e


adolescentes.

“O abuso sexual é definido pela World Health Organization (WHO) como comportamento de
um perpetrador, homem ou mulher, que submeta a criança ou adolescente à atividade de
cunho sexual para a qual a vítima não pode consentir (WHO, 2006). A criança ou adolescente
vítima não compreende as ações às quais está sendo submetida e não está preparada nem em
termos de seu desenvolvimento físico tampouco em termos de seu desenvolvimento
psicológico. O abuso sexual é definido a partir de um espectro ampliado de comportamentos
que podem ou não envolver contato físico entre agressor e vítima. Práticas voyeuristas e
exibicionistas, sejam ao vivo ou on-line, por exemplo, não envolvem contato físico, mas são
claramente práticas inadequadas para crianças e adolescentes, com prejuízos potenciais para
tais vítimas. Comportamentos que envolvem contato físico também podem ser abusivos, como
toques e carícias no corpo com intenção sexual. (p. 106)

No Brasil, a Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, alterou o Código Penal de 1940,


atualizando as classificações para os crimes contra a liberdade sexual (BRASIL, 2009).
Atualmente, portanto, é considerado “estupro”: [...]a) Art. 218: “induzir alguém menor de 14
anos a satisfazer a lascívia de outrem”. Por sua vez, o “estupro de vulnerável” inclui: a) Art.
217: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”; b) Art.
218A: “praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar,
conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”; c)
Art. 218B: “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual
alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a
abandone” (BRASIL, 2009). (p. 106)

Percebe-se, portanto, que a legislação nacional trata do tema definindo o que é


tecnicamente chamado ‘abuso sexual’ como ‘ato libidinoso’ ou ‘conjunção carnal’. Tais
expressões merecem esclarecimentos. Ato libidinoso é diverso de afetividade. Diz respeito à
saciação da luxúria e da lascívia humanas, essas compreendidas como o apego a prazeres
carnais, sexualidade e condutas que se distanciam da moralidade. (p. 107)

A ressalva teórica sobre tais definições se faz necessária uma vez que o trabalho do
psicólogo [...]. O uso de diferentes conceitos é aquilo que este capítulo apresenta como o
primeiro erro nas avaliações envolvendo situações de abuso sexual. Considera-se aqui que o
erro, portanto, já começa na própria legislação brasileira, quando falha em definir com clareza
quais os comportamentos considerados sexualmente abusivos. Entretanto, além da falha
legislativa, na pesquisa acadêmica também há divergências quanto aos conceitos utilizados
para definir abuso sexual. (p. 107)

[...] do Ministério da Saúde, que entende o abuso sexual como abuso de poder, em que
a(o) criança/adolescente é utilizada(o) para gratificação do outro através da indução de
práticas sexuais com ou sem violência física. De forma semelhante, tais ‘práticas sexuais’ não
são claramente definidas, dificultando assim o entendimento de quais comportamentos
seriam abusivos de fato. (p. 107)

Além da falta de clareza na definição de comportamentos envolvidos no abuso sexual, a


definição da faixa etária considerada vítima também não está clara para o esclarecimento
desse que é um crime importante e prevalente no país e em vários outros lugares do mundo.
Já no Brasil, menores de 14 anos são considerados incapazes de consentir, assim como uma
pessoa portadora de deficiência mental ou que, por algum motivo, não possa oferecer
resistência (BARROS; WILLIAMS; BRINO, 2008). Dessa forma, existe uma lacuna na legislação a
respeito de adolescentes com mais de 14 anos, bem como a respeito de uma possível
diferença de idade entre vítima e perpetrador. (p. 108)

Na legislação, os principais problemas são, portanto: a) não apresentar especificidade em


relação aos comportamentos considerados abusivos; b) apresentar uma lacuna na definição da
faixa etária considerada vítima, esclarecendo a questão do consentimento em maiores de 14
anos. (p. 107)

Outro problema comum encontrado na prática das avaliações forenses de abuso sexual é a
equação simples, porém errônea, que associa a experiência de abuso sexual à manifestação de
sintomas de diferentes ordens: é o segundo erro, frequentemente cometido por psicólogos e
outros profissionais que avaliam tais situações. A princípio, cabe ressaltar que abuso sexual é
um evento de vida, e não um diagnóstico (KUEHNLE, 1998). Isso significa que pode ou não
ocorrer no curso de vida de uma pessoa e que não apresenta um conjunto de sinais e sintomas
que pertencem única e exclusivamente a esse evento. Segundo Everson e Sandoval (2011), não
há uma síndrome específica do abuso sexual e, portanto, as mesmas evidências podem gerar
diferentes conclusões. A complexidade é tal que há a possibilidade de que vítimas não
apresentem nenhum sintoma, enquanto que, por outro lado, podem ser observados sintomas
e quadros psicopatológicos em não vítimas (GAVA, 2012). (p. 107)
Identificar sinais e sintomas é uma habilidade essencial tanto para o psicólogo clínico
quanto para o psicólogo judiciário. Entretanto, é também essencial compreender que existem
duas lógicas diferentes e que o funcionamento do Poder Judiciário é diferente dos
fundamentos da clínica psicológica. (p. 110)

A Psicologia é um instrumental para o qual o sistema legal recorre para chegar a resultados
mais justos (HUSS, 2011). Para obter essas informações, os operadores do Direito têm
demandado à Psicologia a remessa de documentos, principalmente, mas também o
testemunho em audiências. Entretanto, em muitos casos, quando não há um psicólogo
ocupando um cargo dentro do Poder Judiciário ou que tenha sido nomeado para realizar uma
perícia psicológica, profissionais que atuam em outros contextos, como o da saúde, o da
educação, entre outros, são também chamados para compartilharem informações que se
façam relevantes ao caso. Nas avaliações periciais, a objetividade do profissional deverá ser
uma característica que lhe ajude a fornecer informações fundamentadas, uma vez que a
exigência é de um padrão elevado de precisão e relevância dos dados coletados (HEILBRUN et
al., 2003). Deve haver clareza, entretanto, sobre o papel de um documento elaborado por um
perito [...]. (p. 111)

Segundo Huss (2011), as avaliações terapêuticas e forenses distinguem-se em diferentes


aspectos. Um desses aspectos é o objetivo de tais avaliações: enquanto as clínicas buscam
reunir informações para reduzir o sofrimento psicológico, as forenses buscam resolver uma
questão legal. Outro aspecto fundamental diz respeito à relação entre o profissional e o
avaliando: na avaliação clínica, o cuidado e o apoio são esperados pelo avaliando em sua
relação com o psicólogo; por sua vez, o psicólogo no contexto forense possui um foco na
investigação a partir de informações objetivas. O ‘cliente’ na clínica é um, enquanto na
avaliação forense é o Poder Judiciário (HUSS, 2011) ou a própria sociedade (ECHEBURÚA;
SUBIJANA, 2008; ROVINSKI, 2007). Na avaliação clínica, a perspectiva do examinando é a
principal, ou seja, é a sua ‘verdade’ que importa. Na avaliação forense, é necessário um exame
mais minucioso e a verdade objetiva ganha mais valor. Nesse sentido, a precisão das
informações acaba sendo uma exigência bem maior no contexto forense, quando comparado
ao contexto clínico (HUSS, 2011). (p. 112)

Além de crenças como essas, vieses cognitivos como atalhos mentais também exercem
influência. Isso significa que a forma como processamos a informação em nosso cérebro vai
fazer com que compreendamos a situação de uma ou outra maneira. As heurísticas da
representatividade e da disponibilidade são atalhos mentais que usam algum nível de
informação para tomar decisões, mas não englobam toda a informação possível disponível
para executar tal tarefa. Assim, tomamos decisões considerando alguns dados, mas não todos
os possíveis, o que certamente aumenta a chance de erro (STERNBERG, 2001). Quando usamos
o atalho da representatividade, podemos utilizar a informação mencionada no segundo erro
para decidir sobre o evento do abuso sexual. (p. 114)

[...] diz respeito a aspectos técnicos da avaliação e envolve limitar a avaliação a apenas uma
fonte de informações sobre o caso, bem como utilizar instrumentos inadequados e entrevistas
sugestivas. Os estudos têm demonstrado que nas avaliações de abuso sexual os profissionais
limitam suas entrevistas às figuras da mãe e da criança/adolescente vítima, deixando de incluir
outras pessoas. Informações relevantes sobre o caso podem ser trazidas por outros familiares,
professores, babás e outros profissionais que, por ventura, atendam a família, e por isso
devem ser incluídos no processo. Além disso, o réu ou suposto abusador é entrevistado em
pouco mais da metade dos casos, reforçando o que a literatura já apresenta a respeito de uma
negligência em relação a essas pessoas (DELL’AGLIO; MOURA; SANTOS, 2011; MOURA;
KOLLER, 2008).” (p. 115)

5 Registros pessoais do fichador sobre os destaques:

As diferentes conceituações presentes na literatura, sobre a definição de abuso sexual e da


faixa etária da vítima, podem implicar confusões quando da avaliação de uma suposta
violência. A ausência de mais esclarecimentos na legislação brasileira também contribui para
que constantes comentários como ‘só passou a mão’ ou ‘tentou abusar’ (quando não houve
intercurso completo) continuem a ocorrer no cotidiano de serviços da saúde, da Educação, da
Justiça. Mesmo com todo a avança legislativo, não foi possível explorar todos os possíveis
comportamentos abusivos, deixando brechas, que podem deixar impunes agressores sexuais.

Rio do sul, 02/10/2020

Gisele Hecke

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