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FACULDADE DE LETRAS
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Rio de Janeiro
Abril de 2015
Cunha, Juliana Caetano da
C972p Paulo Leminski e a subversão poética /
Juliana Caetano da Cunha. -- Rio de
Janeiro, 2015.
180 f.
Literatura Comparada.
Examinada por:
___________________________________________
Prof. Doutor Ronaldo Lima Lins, UFRJ (presidente)
___________________________________________
Prof. Doutor Nonato Gurgel, UFRRJ
___________________________________________
Prof. Doutor Theotonio de Paiva, UNIVERSO
Rio de Janeiro,
06 de abril de 2015.
RESUMO
Título
Resumo
literatura brasileira.
Palavras-chave
2
RÉSUMÉ
Titre
Résumé
Mots-clés
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................. 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................170
4
Para Plínio de Arruda Sampaio,
5
Agradecimento
e Paulo Henrique.
6
povoam a vida: Rafael Nunes, Isabel Palmeira, Marina Íris,
Andrade.
7
Aos tantos professores incríveis que tive,
desistido.
8
A defesa da palavra
Roland Barthes,
O grau zero da escrita.
9
INTRODUÇÃO
10
O leitor, à primeira vista, poderá achar que este
brasileira.
11
poesia, que dirá apenas num livro,1 ainda que esse –
propósito no momento.
1
Recentemente, a obra poética de Leminski foi publicada num único
volume, o Toda poesia (2013); entretanto, são pelo menos seis os
livros de poesia do autor. Esse volume trouxe ainda alguns poemas
inéditos. Além disso, Leminski escreveu prosa, biografias e ensaios, e
traduziu. Apresentaremos o conjunto da obra no terceiro capítulo.
12
Descobrimos, ao longo deste processo de pesquisa, que
da realidade social.
13
Posteriormente, apresentamos o que nos parece essencial da
furacão.
***
14
pretensão de terminar este estudo com uma teoria pronta,
que brotar do outro: mais ainda, a forma não pode ser mais
296).
2
Marx não o menciona dessa forma, mas diz que seu método é
materialista e dialético, diz também que é histórico. Cf. Introdução à
crítica da economia política, 1982 [1857], e O capital, 1983 [1867].
15
não existe em si, mas em seu movimento, ou seja, nas
16
finalmente formular a teoria. Por isso a reprodução em
17
real)”, e assim por diante. Ainda que a imagem da espiral
que disse que “um homem não pode entrar duas vezes no mesmo
18
Não cabe anunciar muito do conteúdo do desenvolvimento
síntese.
19
Octavio Paz, entre outros já mencionados. Talvez o sumário
relações.
20
verdadeira obra de arte sobre quaisquer elementos sociais a
assim como surgia, sucumbia, uma vez que o muito novo hoje
21
CAPÍTULO I
sim
eu quis a prosa
essa deusa
só diz besteiras
fala das coisas
como se novas
22
Toda a obra de Leminski é marcada pela relação
23
Não há dúvida de que para Leminski a língua é uma
sociedade.
que para ser poeta era preciso ser “mais que poeta”, que
24
apontando para a necessidade de subversão, da língua à
***
4
J. Guinsburg, tradutor de Le plaisir du texte (Barthes, 1973), em O
prazer do texto (Barthes, 2004), usa o termo “fruição” para traduzir
jouissance. Optamos por substituir fruição por “gozo” sempre que usada
nesse sentido, seguindo a discussão apresentada por Leyla Perrone-
Moisés (2002, p. 79-81), também tradutora de Barthes. Desse modo,
reitero que onde se lê “fruição”, na tradução de J. Guinsburg, cito
como “gozo”, e, por conseguinte, a oposição original entre plaisir e
jouissance, em Barthes, aparecerá em português como prazer e gozo.
25
Uma simples justaposição de afirmação e negação, recheada
de ideias.
sobre o tema:
26
essência da representação como algo possível, necessário e,
voltaremos em seguida.
***
27
Se Leminski reclama de dispor apenas de um estoque de
formas, é preciso dizer que este era bem mais rígido antes
o “real”.
resistência.
***
28
Se nos propusermos a definir o “real”, encontraremos a
Karel Kosik:
estanques.
dele.
29
assumindo um aspecto independente e
natural, constitui o mundo da
pseudoconcreticidade (Kosik, 1965, p. 11).
real.
movimento.
30
humanos. Enfim, é verdadeiro o fenômeno e verdadeira a
essência.
31
como a filosofia partem de uma “problemática inicial” que
***
32
Barthes (2004) diferencia os dois sentidos, compondo
5
A diferença entre os termos “prazer” e “gozo” (como os usamos aqui),
é correlata à oposição entre as expressões “texto de prazer” e “prazer
do texto”, assim como “texto de prazer” e “texto de gozo”. Ver também
Leyla Perrone-Moisés, que dedica uma seção de texto “Lição de casa”
(2005, p. 79-81) à palavra jouissance, discutindo esses conceitos e as
questões de tradução para o português.
33
Trata-se de um prazer geral, comum, que transita pela ordem
progressista.
34
estereótipo, o bom senso, o texto de prazer, a limitação ao
movimento da coisa.
por isso:
35
seria irredutível a seu funcionamento gramatical
***
18), e pode até ser de fato um não texto, mas veremos que
36
O combate político que Barthes trava é no campo da
condicionamento automático.
matéria.
37
Os modernismos,6 sem dúvida, colocaram a forma em
sentido, por seu lugar, por sua matéria, por aquilo que lhe
6
Autores como, por exemplo, Otto Maria Carpeaux ([1958], passim) e
Marshall Berman (1987, p. 34) usam o termo “modernismos” para referir
o conjunto dos movimentos artísticos e/ou literários identificados
como de ruptura, revolta ou vanguarda, desde a Modernidade até meados
do século XX. Trataremos do assunto no segundo capítulo deste
trabalho.
7
Nossa percepção de que se tratava de “busca pelo lugar do sentido”
não condiz exatamente com as considerações apresentadas pelos diversos
autores que estudamos, que vão mais na direção de identificar as obras
(ou manifestações) literárias vanguardistas como tentativa de
destruição da arte ou da linguagem, ou pelo menos de declaração de
guerra contra estas. Cf. Roland Barthes (2004b), Peter Bürger (2012),
Arnold Hauser (1972), entre outros.
38
ditadura civil-militar no Brasil). Não obstante, a
mallarmé bashô
um salto de sapo
jamais abolirá
o velho poço
(Leminski, 1993, LVC, p. 108)
39
sabemos, está apenas plantada a questão, podemos pensar
aquém da poesia.
se resolva.
detido está
40
fixado em linguagem sem o peso do sujeito
psico-lógico do Ocidente. Nenhuma moral da
história. O haicai é, para Barthes, um
lugar feliz em que a linguagem descansa do
sentido (2004, p. 87).
vida.
41
optou pelo caminho das múltiplas rupturas e de inovadoras
capítulo seguinte.
42
(Leminski, 1983, p. 139.)
contradição.
43
Para melhor contextualizar a imagem visual do debate
sobre a fotografia.
8
Cf. Sontag, Sobre fotografia, 2004; idem, Diante da dor dos outros,
2003; entre outros.
44
salto, é a lua refletida n’água, é o soldado na foto mais
9
A tese de doutorado de Nonato Gurgel (2003), intitulada Seis poetas
para o próximo milênio – entre eles Paulo Leminski e Ana Cristina
César, à luz de Ítalo Calvino – foi um importante referencial sobre a
obra de Leminski especificamente.
10
O autor trabalha a questão da visibilidade da forma a partir do
conceito de estratégias “ópticas”. Cf. Gurgel, 2003.
45
instante. Permite-nos quebrar a sua corrente de poder e
leitor, oprime.
***
46
(afirmando o evidente), se “o lugar mais erótico do corpo
sedutora. Acaba que o gozo não está no não texto; mas, sim,
12). Assim como algo dito carrega o não dito, o que aparece
compreensão da realidade.
47
enfrentar a toda-poderosa linguagem, pode se mostrar em
contradição.
48
socialista, anticapitalista, nem qualquer estratégia contra
o fascismo social.
sentidos.
***
49
O fazer artístico é uma forma de sair do “estado
***
50
desconhecer-se, de tocar o indizível, o amorfo – é também a
conhecível.
51
CAPÍTULO II
52
Para contar uma história, é preciso escolher um ponto
sentido.
contraditório disto.
53
capaz de contá-la. A compreensão de que tudo o que houve no
54
O central é que a reprodução do sistema, assegurada
55
política, “modernismo” em arte, cultura e
sensibilidade (Berman, 1987, p. 87).
insiste que
56
mais exóticas e extravagantes se
transformam continuamente em realidades
[…], ativando e nutrindo novas formas de
vida e ação (Berman, 1987, p. 92).
Leminski.
poeta.
57
2.1 – Um lance de dados no tabuleiro da história: sobre a
não linearidade
58
tempo do capitalismo – é este o tempo da tal Idade
Contemporânea.
59
autores identificam como pós-modernidade, entendemos como
transgressão dela.
60
terão grande influência sobre o pensamento ocidental, mas
61
“em última instância”, ou seja, as condições materiais não
senão não estaríamos fazendo este debate aqui, mas não são
62
“indivíduo soberano” do início da Modernidade nunca mais
***
mencionamos antes.
63
a elite dominante se apropria – pela
conquista, ou por outros meios bárbaros –
da cultura anterior e a integra a seu
sistema de dominação social e ideológico. A
cultura e a tradição tornam-se, assim, como
salienta Benjamin em sua tese VI, “um
instrumento das classes dominantes” (Löwy,
2005, p. 79-80).
combinado”.
64
“progresso ‘automático’ ou ‘continuo’; a única continuidade
exageradamente deterministas.
65
através da concepção alternativa que ele propõe: “o tempo
66
Benjamin apresenta um conceito para o “autêntico
Mallarmé.
67
Nota-se facilmente que a disposição das palavras
68
tradução dos termos isolados em francês (fora de frase ou
perfeitamente traduzível.
69
O que se verifica centralmente é que a disposição das
Essa poesia não pode mais ser declamada, por exemplo, sua
arte dramática.
70
(Mallarmé apud Campos et al., 1974, p. 149)
71
exemplo, o “cai”, palavra mais à esquerda da parte
direita.
72
pensamento, seu fluxo, seu trânsito e composição entre
73
‘romance’, como o gênero da literatura burguesa” (ibid., p.
“novelístico”:
do pensamento e da história.
74
já foi definido como “destruição do mundo
absurdo da guerra pelo absurdo da
literatura”, ou “ sátira triste depois da
tragédia”, ou “reação à estupidez geral”,
ou “estupidez sistematizada”, ou mesmo
“cume do l’arte pour l’art”, ou ainda “la
littérature contre la littérature”. Estas e
outras definições não revelam muita coisa
porque “Dada” não foi nem pretendeu ser um
movimento sério. Não produziu, realmente,
nenhuma obra de valor. […] desprezando a
linguagem e as línguas, “Dada” unificou os
grupos modernistas separados pelas línguas
e pela guerra. […] Alem do infantilismo,
que pode ser interpretado como desejo de
começar de novo num mundo devastado, não
havia nada de original em “Dada”. […]
Cubismo, futurismo e expressionismo,
separados durante tanto tempo, tinham-se
encontrado numa taverna de bêbados.
75
poesia concreta: produto de uma evolução
crítica de formas dando por encerrado o
ciclo histórico do verso (unidade rítmico-
formal), a poesia concreta começa por tomar
conhecimento do espaço gráfico como agente
estrutura. espaço qualificado: estrutura
espácio-temporal, em vez de desenvolvimento
meramente temporístico-linear, daí a
importância da ideia de ideograma, desde o
seu sentido geral de sintaxe espacial ou
visual, até o seu sentido específico
(fenollosa/pound) de método de compor
baseado na justaposição direta – analógica,
não lógico-discursiva – de elementos. “il
faut que notre intelligence s’habitue à
comprendre synthético-ideographiquement au
lieu de anlytico-discursivement”
(apollinaire). eisenstein: ideograma e
montagem. (em Teles, 1987, p. 341; grifos
nossos)
do ilógico.
minúsculas).
76
(Campos, A., 1964, p. 12)
77
blocos de concreto, prédios urbanos amontoados de gente ao
de expressão linguística.
78
forma, o poema fica mais conhecido como “Metaformose”, a
materesmofo
temaserfomo
termosfameo
tremesfooma
metrofasemo
mortemesafo
amorfotemes
emarometesf
eramosfetem
fetomormesa
mesamorfeto
efatormesom
maefortosem
saotemorfem
termosefoma
faseortomem
motormefase
matermofeso
metaformose
79
A última frase do poema de Mallarmé é: “Todo
80
Halley, o resultado da ação histórica dos
indivíduos e dos grupos sociais continua
consideravelmente imprevisível (Löwy, 2005,
p. 149-150; grifo nosso).
dialética.
81
e atividade poética inovadora, enfim, descontinuidade da
1983, p. 76).
82
2.2 – A luta entre o autômato e o sujeito histórico: sobre
a ruptura vanguardista
Antonio Candido,
Literatura e sociedade
1867).
83
reflexão sobre o advento da Modernidade, juntando os
1987, p. 144).
84
Berman. Mas para este estudo vale destacar especialmente
reflexão.
85
mostrador dos relógios e, entretanto, leve
como um suspiro, rápida como uma olhadela.
E se algum importuno vier me perturbar
enquanto meu olhar repousa sobre esse
delicioso mostrador, se qualquer gênio
desonesto e intolerante, qualquer demônio
do contratempo vier me dizer: “O que olhas
tu com tanto cuidado? O que procuras nos
olhos desse ser? Vês a hora, pródigo e
mortal preguiçoso?”, eu responderia, sem
hesitar: “Sim, eu vejo a hora: a
Eternidade” (Baudelaire, 2006, p. 92).
86
dimensão de um, ora na dimensão de outro (Cf. POHLMANN,
imutável.
87
reclamam formas novas. (Rimbaud, 1871, s/p;
tradução nossa)11
“espírito moderno”.
11
Texto original: “Mais inspecter l’invisible et entendre l’inouï
étant autre chose que reprendre l’esprit des choses mortes, Baudelaire
est le premier voyant, roi des poètes, un vrai Dieu. Encore a-t-il
vécu dans un milieu trop artiste ; et la forme si vantée en lui est
mesquine — les inventions d’inconnu réclament des formes nouvelles”.
88
Segundo Paul Valéry, “uma das maiores disputas da época
de grande autonomia).
89
igualmente marcará os novos rumos da poesia: “Antes de
palavras:
sonoras:
90
substantivos, verbos e adjetivo. As sílabas se organizam
grafia delas.
***
91
cujo poder de ação sobre as coisas era
insignificante se comparado ao que nós
possuímos. Mas a surpreendente expansão de
nossos meios, a flexibilidade e a precisão
que eles alcançam, as ideias e costumes que
introduzem, nos asseguram mudanças próximas
e muito profundas na antiga indústria do
Belo. Em todas as artes há uma parte física
que não pode mais ser vista nem tratada
como anteriormente, que não pode escapar da
agressividade do conhecimento e do poder
modernos. Nem a matéria, nem o espaço, nem
o tempo são, há vinte anos, o que vinham
sendo desde sempre. É preciso ter em conta
que novidades assim tão grandes transformam
toda a técnica das artes, operando,
portanto, sobre a criação ela mesma,
chegando talvez a modificar
maravilhosamente a própria noção da arte.
(VALÉRY, 1960 [1928], p. 1283; tradução
nossa.12)
92
“noção”, como diz Valéry. No decorrer do artigo, o autor –
obra.
93
se escreveu […] sobre a questão de saber se
a fotografia era ou não uma arte, sem que
se colocasse sequer a questão prévia de
saber se a invenção da fotografia não havia
alterado a própria natureza da arte”
(BENJAMIN, 1994, p. 176; grifo original.)
94
Tanto quanto os valores, as técnicas de
comunicação de que a sociedade dispõe
influem na obra, sobretudo na forma, e,
através dela, nas suas possibilidades de
atuação no meio. Estas técnicas podem ser
imateriais – como o estribilho das canções,
destinadas a ferir a atenção e a gravar-se
na memória; ou podem associar-se a objetos
materiais, como o livro, um instrumento
musical, uma tela.
Em poesia, o refrão, a recapitulação, a
própria medida do verso estão ligados ao
fato dela se haver originado em fases onde
não havia escrita, prendendo-se, pois,
necessariamente, aos requisitos da
enunciação verbal, às exigências de
memorização, audição etc.
95
Vale reiterar, portanto, que, a partir de outra forma
***
96
No primeiro capítulo, falamos da poesia que representa
97
moderna, embora a influencia nem sempre seja direta a
98
(Apollinaire, 2008, p. 157)13
13
No original é possível ler o que Álvaro Faleiros traduz por:
“Encontrarão aqui / uma nova representação do universo / no que há de
mais próprio e / de mais moderno // o homem o homem o homem o homem...
// deixem-se levar / por esta arte / onde o sublime / [não... elege] /
o encanto / e o brilho / não confunde / a nuance // é a hora / agora
ou nunca / de ser sensível […]// bem terrivelmente” (Apollinaire,
2008, p. 156).
99
É a erupção da linearidade narrativa, mais uma vez. Em
do poeta curitibano.
100
vale apresentar uma poesia bastante gráfica da mesma seção
“Sol-te”.
só o traço existe.
101
fase, contradições, crises e guerras), tiveram
102
fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio
radicalização inicial.
103
Tzara e Marinetti representam o que há de mais
inclusive literárias.
Tzara.
Pegue um jornal
pegue a tesoura
escolha no jornal um artigo do tamanho que
você deseja dar a seu poema
recorte o artigo
recorte em seguida com atenção algumas
palavras que formam esse artigo e meta-as
num saco
104
agite suavemente
tire em seguida cada pedaço um após o outro
copie conscienciosamente na ordem em que
elas são tiradas do saco
o poema se parecerá com você
e ei-lo um escritor infinitamente original
e de uma sensibilidade graciosa, ainda que
incompreendido do público
(Tzara apud Teles, 1987, p. 126)
que este […]. Os poetas também falavam como que por meio de
análise precisa.
105
O autor coloca ainda, sobre o cubismo e o surrealismo
capitalista.
***
vanguardas literárias:
106
o tema dos desejos e impulsos insaciáveis,
da revolução permanente, do desenvolvimento
infinito, da perpétua criação e renovação
em todas as esferas de vida; e sua antítese
radical, o tema do niilismo, da destruição
insaciável, do estilhaçamento e trituração
da vida, do coração das trevas, do horror.
(Berman, 1987, p. 100)
107
de Engels, que compara a interminável
tortura do operário, forçado a repetir sem
parar o mesmo movimento mecânico, com a
condenação de Sísifo ao inferno. Mas não se
trata apenas dos operários: toda a
sociedade moderna, dominada pela
mercadoria, é submetida à repetição, ao
“sempre igual” (immergleichem) disfarçado
em novidade e moda: no reino mercantil, “a
humanidade parece condenada às penas do
inferno”. (Löwy, 2005, p. 90)
questão:
108
Como uma coisa deixa de ser ela mesma para
ser outra coisa?
Este será o grande problema da ciência
ocidental. O saber como, a explicação das
mudanças. Há constantes no fluxo das
metamorfoses. Descobrir essas constantes é
o supremo dever do intelecto humano. […]
Essências, metamorfoses: essas as matérias
primas com que trabalha o tão estável e
instável espírito humano. (Leminski, 1998,
p. 71)
história”.
109
saber se a humanidade será capaz de levar a cabo na
mesma.
aos quais fomos levados por Leminski – que fez de sua vida
110
Capítulo III
PAULO LEMINSKI
no nome Paulo eu leio pau e eu leio lua
e eu leio o kê não se lê se a alma é pekena ou se
a lei é mula no nome paulo leminski eu sou sim
e eu sou não e eu sou pluma um som ki pula pula
ali na mola ká na kama lá na lama ou ali na lona nua
eu leio Paulo Leminski em mim assim komo se lê poesia
Marcelino Freire
111
Fazia poesia, era isso que fazia. Paulo Leminski
112
Esse é seu único “foto-poema”, ou poema fotográfico,
1999, p. 194).
mais significativos:
113
lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
(Leminski, 1983, p. 59)
114
deixa de ser provinciano, porque provinciano é justamente
fazia:
o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo e pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
em nosso piquenique
(Leminski, 1983, p. 87)
115
circensis”, música de Caetano Veloso e Gilberto Gil (1968),
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
116
Na última estrofe, a maior utopia desse poeta; nos
que moinho, ele mesmo era uma usina de versos movida pelo
de si mesmo”.
117
não será poesia: “Quem escreve como se escrevia há vinte
118
3.1 – O poeta nascido na Pororoca
119
exerce mais uma crítica às tendências
artísticas precedentes, mas à instituição
arte e aos rumos tomados pelo seu
desenvolvimento na sociedade burguesa. Com
o conceito de instituição arte deverão ser
designados tanto o aparelho produtor e
distribuidor de arte quanto as noções sobre
arte predominantes num certo período, e
que, essencialmente, determinam a recepção
das obras. (Bürger, 2012, p. 52)
bobagem.
120
genuinamente nacional, expressiva da “brasilidade”. Isto
121
Principalmente esse princípio de olhar para si mesmo,
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
(Leminski, 2013, p. 229)
diferentes.
122
Essa contribuição é instransponível, definitiva.
modernistas será o
123
possessivo “teu”, que particulariza o ritmo universalmente
libertado.
pariso
novayorquizo
moscoviteio
sem sair do bar
124
certamente lhe deixou pomposa herança em forma de humor,
125
fazer de toda a obra. Como mencionamos no primeiro
126
século XIX, Régis Bonvicino mostra-nos a São Paulo da
oO sSiILêÊnNcCiIoO
gGrRiItTaA pParRaA
oO oOlLvViIdDoO
eExXpPeErRiImMeEnNtTeE
oO aAbBsSuUrRdDoO sSoOmM
dDeE uUmMaA cCiIdDaAdDeE
(Bonvicino apud Leminski e
Bonvicino, 1999, p. 181)
127
ponto de confluências temporais. Onde a
memória do mundo se inscreve e se dissolve,
em interseção com o registro imediato da
vida cotidiana. Onde tradições e dicções
distintas se encontram, se negam e se
afirmam em pluralidade. Isso porque o agora
que o poeta dissemina em seus poemas já não
se circunscreve ao topos da modernidade
demarcada por pactos coletivos, movimentos
estéticos organizados e princípios
programáticos. O seu é o tempo vivo, em
permanente reinvenção, do qual soube
extrair uma voz própria, feitas de
distintas modulações. (Maciel, 2004, 171)
128
conciliou o erudito e o popular, o carnaval e a bossa-nova,
129
3.2 O capricho e o relaxo do malandro faixa-preta
130
Em vida, Leminski ainda publicou Distraídos venceremos
(republicado em 2014).
14
O autor conta com outros dois trabalhos infanto-juvenis, de poemas
reeditados. Trata-se de “A lua foi ao cinema” (1989), poema de
Distraídos venceremos (1987) que ganhou ilustração de Alonso Alvarez,
e, mais recentemente, uma seleção de poemas de Leminski compôs o
infantil O bicho alfabeto (2014), ilustrado por Ziraldo.
131
do Catatau: chama-se “Descartes com lentes” (1993[1969]).
132
enterrem com meu coração / na beira do rio / onde o joelho
133
ao impressionismo musical, ao atonalismo,
ao uso sistemático da dissonância, à
divulgação do jazz, à dodecafonia. (Candido
e Castello p. 20-21)
Brasileira.
De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste
De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana
(Leminski, 1983, p. 84)
134
Paul Valéry disse que “Rimbaud inventou ou descobriu o
135
sai faísca do papel” (id., ibid., p. 52). O jogo é rápido e
certeiro.
tempo:
136
você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo
(Leminski, 2013, p. 229)
fora de cena. Afinal, amanhã pode ser domingo, mas pode ser
poesia.
137
hieróglifo, sem falar no Catatau, quem tem como língua base
em vez de dissolvê-las.
discutir a poesia.
138
essencial, a toda afirmação que a estabilize ou mesmo que a
poética da linguagem.
Calixto, 2004).
139
Porque a poesia nunca termina de significar, nunca se
aqui.
140
Valéry, por sua vez, dirá que “o princípio essencial
pelos olhos de quem lê, desde que acesa, isto é, desde que
141
existência. A poesia não é nada senão
tempo, ritmo perpetuamente criador. (Paz,
1986, p. 30-31)
142
“musical”, como já vimos, e “desenhada” com imagens
usar simultaneamente.
A fascinação da “simultaneidade”, a
descoberta de que, por um lado, o mesmo
individuo tem a experiência de tantas
coisas tão diferentes, distintas e
irreconhecíveis num e mesmo momento, e que,
por outro lado, diferentes indivíduos em
diferentes lugares tem, muitas vezes, a
experiência das mesmas coisas, de que as
mesmas coisas sucedem ao mesmo tempo em
lugares completamente isolados uns dos
outros, este universalismo de que as
técnicas modernas tornaram possível que o
homem contemporâneo tivesse consciência
são, talvez, a real fonte do novo conceito
de tempo e de todo o modo abrupto como a
moderna arte descreve a vida. (Hauser,
1972, p. 1132)
Poesia sublime.
143
humor, que pelas mãos dos modernistas foi introduzido à
144
instrumento de análise moral, aprofundamento das emoções e
de humorismo.
145
a duas palavras, como: título, amor, poema,
humor), com sua técnica de justaposição
direta de frases e situações recolhidas no
cotidiano, com sua sensibilidade que Décio
Pgnatari analisou muito bem como “dada” e
antecipadamente “pop”, com sua
elementaridade que combatia o vício
retórico nacional. (Campos, H., 1972, p.
168)
Lobo:
146
pretendeu dar vazão estética ao fluxo do pensamento, como
Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério.
(Leminski, 2013, p. 262)
15
Não podemos deixar de comentar que a palavra “bordão”, além de sua
acepção mais utilizada, de palavra ou frase frequentemente repetida, o
que também pode ter efeito humorístico ou caricatural, significa
também “porrete, cacete”, precisamente “bastão com uma das pontas mais
grossas” (entre outros; cf. Dicionário Caldas Aulete, versão digital).
Praticamente piada pronta, um bordão da ditadura: comédia, não fosse
absoluta tragédia.
147
ditadores, que não se demoravam em matar ou exilar seus
tatami-o ou deite-o
de colchão em colchão
chego à conclusão
meu lar é no chão
(Leminski, 2013, p. 318)
ibid., p. 330).
16
Sobre o tema da ditadura, Leminski escreveu outros poemas.
Destacamos o “De tertulia poetarum” (Leminski, 1996, p. 44), em que a
ironia dá lugar à forma de uma prece tensa e grave – o poema é todo em
latim. Na tradução do próprio Leminski (apud André Dick, 2004, p.
166), lê-se: “Sobre a tertúlia dos poetas” // “da tortura dos soldados
/ livra-nos, senhor / da noite infinita / livra-nos, senhor / da morte
noturna / livra-nos, senhor”.
148
Existe, então, em Benjamin, uma dialética
do material e do espiritual na luta de
classes que vai além do modelo bem
mecanicista da infraestrutura e da
superestrutura: o que está em jogo na luta
é material, mas a motivação dos atores
sociais é espiritual. (Löwy, 2005, p. 59)
17
Chamam-nos a atenção os autorretratos de Tarsila do Amaral (1923;
1924; 1926), em que se vê claramente uma figura das elites
brasileiras. No primeiro autorretrato, Tarsila aparece vestindo um
luxuoso manteau rouge, que subtitula a obra, provavelmente quente
demais para o Brasil paulistano. E nos dois últimos, imensos brincos
dourados ornamentam o rosto maquiado da pintora (este igualmente
colorido e austero nas três obras). Uma rápida lembrança da figura de
Leminski no foto-poema “KAMIQUASE” (1983) dá-nos a dimensão da
diferença de classe e de referencial dos dois artistas.
149
frase de Paul Valéry: “A maior liberdade nasce do maior
estabelecido.
150
3.3 – A voz de quem mestiça
brasileira”.
151
literária”. Nosso poeta, em verdade, apresenta mais
enquanto.
***
152
A imaginação seria “uma via de
conhecimento, de acesso à realidade, tão
(ou mais) poderosa que a dita ‘razão’, só
capaz de captar os aspectos mais
superficiais da realidade”. É essa
imaginação que Leminski entenderia como
“rarefação da referência” ou “realidade”.
(Dick, 2004b, p. 166; citações de Leminski)
153
diferentes com a extinção da opressão fundamental promovida
2013, p. 271).
154
O quinto e último descentramento apresentado por Hall
(ibid., p. 45).
sobre a poesia.
155
das experimentações linguísticas e estéticas que se tenham
***
máximos.
156
valise, que é aquela em que “duas palavras são projetadas
Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
157
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
apenas o mínimo
em matéria de máximo.
(Leminski, 2013, p. 183)
mas não narra, que parece prosa, mas é poesia, não só rompe
158
limite, mas em multiplicar suas figuras, em complicar, em
“romance” inteiro.
destronada.
159
A segunda conquista no campo da técnica (e última que
***
160
na forma como manejou paradoxos, às vezes montando
produzindo superações.
161
chocam e afagam, que nos fazem pensar e sentir, que nos
162
CONSIDERAÇÕES FINAIS
163
que afinal era isso, que poeta era esse. A impressão era de
164
indissociável do grande processo de questionamento, crises,
165
produção da obra, a ação vem sob a influência do
166
A poesia que Leminski produz é íntima e coletiva,
subversivo.
167
Ao leitor que, por descuido, curiosidade extrema, ou
Pororoca.
168
a necessidade de relação com o real, enfim, a ordem. O
este sim, não pode mais ser ignorado, o que muda tudo,
169
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