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Resumo: Em “Sobre Ética e Imprensa”, Eugênio Bucci (2000) lança o olhar sobre a interrela-
ção entre a organização jornalística e a atividade profissional e seu trabalho enquanto instituição
social vinculada a outras instituições de poder, entendendo os dispositivos de legislação como
mediadores deste relacionamento. A partir da Constituição Federal de 1988 e do Código de
Ética dos Jornalistas Brasileiros, o artigo analisa a construção jornalística da matéria “O Ataque
Hacker à Operação Lava Jato”, veiculada pelo Jornal Nacional em 12 de junho de 2019. A nar-
rativa traz de volta o episódio da publicação, pelo site The Intercept Brasil, sobre as mensagens
trocadas, pelo aplicativo Telegram, entre o então juiz Sérgio Moro e outros envolvidos na Ope-
ração, apontando para condutas eticamente questionáveis na condução, entre outros casos, de
um dos julgamentos do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Palavras-chave: crítica de mídia; ética jornalística; Vaza Jato; telejornalismo; Jornal Nacional.
1. Introdução
Este artigo pontua aspectos relacionados à construção de um dos materiais jorna-
lísticos exibidos pelo Jornal Nacional (JN), no dia 12 de junho de 2019, sobre informa-
ções publicadas pelo jornal online The Intercept Brasil (TIB), três dias antes, em 9 de
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Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Integrante do Observatório
de Telejornalismo da UFOP. E-mail: marcelo.afonso@aluno.ufop.edu.br.
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Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Doutor em Comunicação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Orientador do Observatório de Telejornalismo da UFOP. E-mail:
evandro.medeiros@ufop.edu.br.
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junho de 2019. Segundo a série de reportagens, apelidadas por Vaza Jato, houve pro-
blemas éticos de conduta, por parte do procurador federal Deltan Dallagnol e do então
juiz federal Sérgio Moro, na condução dos processos da Operação Lava Jato (LJ), prin-
cipalmente ao do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A afirmação
viria de mensagens (e nas reportagens posteriores, também áudios) trocados entre Moro
e Dallagnol por meio do aplicativo de mensagens instantâneas Telegram.
O que propomos neste artigo é lançar mão da legislação vigente no Brasil, desde
a Constituição Federal, passando pelo Código Civil, até a regulamentação específica da
profissão de jornalista, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, para avaliar a vali-
dade dos argumentos apresentados pela reportagem a partir de uma hipotética afirmação
de que o material recebido pelo TIB é fruto da ação de hackers e de que este poderia ser
um procedimento criminoso. Também lançamos mão aqui de trechos das falas do jorna-
lista Glenn Greenwald, criador e editor do TIB, durante a sua visita à Comissão de Di-
reitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, no dia 25 de junho. Por fim, o
exercício de encontrar, a partir do texto jornalístico, o lastro da Constituição Federal e
do Código de Ética, torna-se um exercício de lembrança das garantias legislativas do
exercício da profissão de jornalista, em um tempo em que este lugar de tradução do
mundo parece cada vez mais necessário.
3 THE INTERCEPT BRASIL. Glenn Greenwald. Disponível em < https://theintercept.com/staff/glenn-greenwald-brasil/> Acesso em 25 jul. de 2019.
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citando o art. X da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a todo ser
humano audiência pública e justa, baseada nos princípios da igualdade e da impessoali-
dade. Ele se fundamentou, também, no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que
veda tribunal de exceção e garante que nenhum cidadão ou cidadã será privado de sua
liberdade, sem o devido julgamento legal. Por fim, discursou sobre o papel do jornalista
em uma democracia e a proteção constitucional brasileira à liberdade de imprensa. Após
seu discurso inaugural, os autores do requerimento, deputados Camilo Capiberibe
(PSB), Carlos Veras (PT), Márcio Jerry (PCdoB) e Túlio Gadelha (PDT) deram o tom
da discussão. Por fim, foi concedida a vez para que parlamentares inscritos pudessem
dirigir perguntas a Glenn Greenwald sobre as referidas reportagens, sobre a origem de
seus conteúdos e sobre sua opinião, como advogado constitucional e jornalista, sobre os
processos de corrupção alegadamente em curso na LJ.
Neste momento, observamos duas vertentes principais de argumentação. A pri-
meira se preocupa com a postura ética do então juiz Sérgio Moro, e integrantes da Ope-
ração, e com o desrespeito ao código ético maior da nação brasileira. A segunda, forma-
da por Katia Sastre (PL), Carla Zambelli e Filipe Barros, ambos do Partido Social Libe-
ral (PSL), partido do presidente Jair Bolsonaro, adota posição de ataque ao convidado
da Câmara. Enquanto Sastre afirma Greenwald como participante de ação criminosa
organizada e que, por isso, deveria sair do local preso, Filipe Barros o acusa de utilizar o
jornalismo para promover militância política, questionando o convidado sobre supostos
pagamentos financeiros para que publicasse tal material. Por fim, os parlamentares co-
locam em dúvida a veracidade das informações publicadas. Um posicionamento que
culminou com a intimidação feita pela deputada Carla Zambelli para que o jornalista
reproduzisse os áudios que comprovariam a autenticidade das reportagens do TIB.
Em sua resposta final, Glenn Greenwald responde que, “evidentemente, o parti-
do do governo não entende como o jornalismo funciona” (CÂMARA, 2019). O jornalis-
ta continua afirmando não receber ordens de governo ou partidos de como reportar as
matérias do TIB. “Abrimos nosso arquivo para os maiores veículos deste país e todos
esses jornalistas e peritos em segurança digital disseram ser os arquivos de natureza
autêntica. Estamos fazendo o que jornalistas fazem em democracias”, continuou. Ao ser
novamente intimidado pela deputada Carla Zambelli para que reproduzisse os áudios
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seus deadlines, a preferência por fontes consideradas estáveis e oficiais seria compreen-
sível, pois além de “seu lugar de fala já legitimado, realizando o papel de escudo do
jornalista (...), é pressuposto que elas sejam mais confiáveis, simplesmente porque não
se podem permitir mentir abertamente” (GONÇALVES, 2014, p.94-96). A autora tam-
bém cita os estudos de Mauro Wolf (2003) que analisa as vantagens trazidas ao jornalis-
ta em trabalhar com fontes institucionais. Em suas palavras, essas “permitem que os
órgãos de informação não tenham de recorrer a demasiadas fontes para obter os dados
ou elementos necessários” (GONÇALVES, 2014, p.96).
Contudo, a falta de recursos, humanos ou financeiros, não parece ser a realidade
do telejornalismo da Rede Globo de Televisão, analisado posteriormente neste artigo, e
é aqui em que se encontra o problema apontado anteriormente por Bucci (2000) e, ago-
ra, por Gonçalves (2014). A autora acredita que a partir do entendimento da dependên-
cia de falas institucionalizadas, tais fontes, nunca de forma passiva, podem usar o jorna-
lismo como lhes for conivente.
Como bem colocado por Jurandira, há uma disputa, “por voz e por direito de
manifestação. A guerra da informação é hoje em grande parte uma guerra de assessori-
as” (GONÇALVES, 2014, p.99). Assim, estaria a prática jornalística do JN assessoran-
do os interesses de determinada instituição? A autora provoca seus leitores com outra
afirmação. “As instituições com melhor estrutura de comunicação e maior poder aquisi-
tivo tendem a ganhar mais espaço e força, e vencer mais batalhas que grupos menos
privilegiados” (GONÇALVES, 2014, p.100). Logo, no caso a seguir, seria possível pre-
sumir que, quanto maior a estrutura e influência dessa instituição, como exemplo a LJ,
maior o veículo utilizado para advogar seus interesses.
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blocos, o telejornal apresenta, ao todo, doze matérias. São notícias e reportagens, narra-
das tanto a partir do discurso direto dos jornalistas e fontes entrevistadas, quanto a partir
do discurso indireto, com o uso do voz-over4 para descrever cenas em tela ou da leitura
de notas oficiais. Em síntese, os blocos são organizados da seguinte forma:
Primeiro bloco – 9’20’’: Abre o telejornal com matérias da editoria Cidade.
“Traficantes e policiais se enfrentam a tiros em duas áreas do Rio de Janeiro”, “Justiça
decreta prisão temporária de Paulo Cupertino Matias, suspeito de matar Rafael Miguel”
e “Número de mortes violentas diminui no Brasil” conferem ao início do programa cer-
to caráter violento. As primeiras exposições terminam com a única matéria sobre Políti-
ca do bloco: “Senadores rejeitam decreto de armas de presidente Bolsonaro”. Após a
previsão do tempo, apresentada por Maria Júlia Coutinho, entram as matérias finais,
ambas sobre Economia. A primeira, e mais extensa de todo o bloco, é “Relator da pro-
posta de Reforma da Previdência deixa estados e municípios de fora”, com 3’05’’, se-
guida pela menor de todas elas, “Vendas no varejo recuam 0,6% em abril”, com 19 se-
gundos.
Segundo bloco – 12’47’’: Contendo apenas duas matérias sobre Política, este
bloco apresenta a produção mais extensa do episódio analisado: “Ataque de hackers à
Operação Lava Jato foi mais amplo do que se sabia” possui 11’23’’ e é o objeto central
desta análise. Na sequência, “Procuradora Monique Cheker recebe advertência do
CNMP” com 1’24’’.
Terceiro bloco – 6’20’’: O menor dos três blocos encerra o JN de 12 de junho
com matérias da editoria Esporte, todas sobre futebol: “Brasil usa uniforme branco em
estréia da Copa América”, com 2’24’’, “Resultados dos primeiros jogos da Copa Mun-
dial Feminina”, 0’38’’, e por fim, “A juventude australiana encontra a experiência brasi-
leira na Copa Mundial”, com 3’18’’.
Finalmente, é possível iniciar o exercício proposto neste artigo. Esta análise pre-
tende observar a construção da matéria “Ataque de hackers à Operação Lava Jato foi
mais amplo do que se sabia” a partir do exposto no Código de Ética dos Jornalistas Bra-
sileiros e da Constituição Federal de 1998.
4 Nomenclatura comum aos estudos da linguagem audiovisual, a “voz-over” é um recurso comum à televisão e, principalmente, ao jornalismo. É caracterizado
pela voz daquele que narra os acontecimentos em tela, sem estar ligado a eles. Muito utilizado em documentários e reportagens.
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aspecto conhecido sobre a origem de tais informações é sua natureza anônima, como
explicam os jornalistas do TIB na primeira reportagem da série: “Como e por que o In-
tercept está publicando chats privados sobre a Lava Jato e Sergio Moro” (THE INTER-
CEPT, 2019). Válido lembrar que este é um posicionamento legal e amparado pelo có-
digo de ética da profissão, que garante em seu artigo 5º o “direito do jornalista resguar-
dar o sigilo da fonte”. Adiante, a matéria elenca os nomes das autoridades que, supos-
tamente, tiveram os dispositivos celulares invadidos. Além dos nomes de Sérgio Moro e
de Deltan Dallagnol, são ditos outros doze, entre juízes, procuradores, políticos e um
jornalista, do jornal O Globo.
Durante um minuto, o JN decompõe todas as primeiras reportagens divulgadas
pelo Intercept. “Os diálogos indicariam que o então juiz Sérgio Moro orientou ações dos
procuradores” (...) “Moro teria reclamado do tempo entre as operações” e “Moro passou
para Dallagnol pistas de uma suposta transferência de propriedade para um dos filhos de
Lula” são as informações mencionadas pelos apresentadores. Ainda dentro desse um
minuto, é apontado que “um juiz não pode aconselhar o Ministério Público, nem direci-
onar seu trabalho, deve apenas se manifestar nos autos dos processos” (GLOBOPLAY,
2019).
A transgressão aos princípios fundamentais da lei, atribuídas ao então juiz Sér-
gio Moro e demais procuradores da LJ, pode ser identificada em alguns trechos do texto
da Constituição Federal (PLANALTO, 2019), que versam sobre o comportamento de
juízes em um processo de acusação e defesa. Não de forma expressa, mas interpretativa.
Constam no artigo 5º, nos incisos XXXV5, XXXVI6, XXXVII7, LIV8, LV9 e LVII10, os
princípios utilizados com o fim de interpretar os dispositivos legais, norteando as ativi-
dades do juiz e protegendo os referidos réus da ação institucional do Estado. São as ga-
rantias do devido processo legal a, e principalmente, presunção de inocência, a seguri-
dade de contraditório e a ampla defesa.
5 Art. 5º – XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
6 Art. 5º – XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
7 Art. 5º – XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção.
8 Art. 5º – LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
9 Art. 5º – LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes.
10 Art. 5º – LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
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Em onze minutos e vinte e três segundos, pouco mais de um terço da duração to-
tal do programa, não há o posicionamento dos jornalistas responsáveis pela publicação
das reportagens que indiciam Moro como maquinador de estratégias políticas ilegais,
encobertas ao longo do conjunto de investigações estruturadas pela Polícia Federal. O
portal TIB é mencionado apenas como o responsável pela divulgação do suposto conte-
údo hackeado. Esse recorte deslegitima o trabalho dos jornalistas, pois, se verdadeira, a
ação adotada pelo site também desrespeitaria, por sua vez, o art. 11º, inciso III, que
condena a “divulgação de informações obtidas de maneira inadequada”. Concomitante-
mente, não é citado se o portal se negou a fornecer informações, o que reforça a ideia de
que não foi consultado.
Além desses, a reportagem do JN viola, também, o 2º artigo do supracitado Có-
digo que dispõe sobre o papel dos jornalistas ao “acesso à informação de relevante inte-
resse público como direito fundamental” (FEDERAÇÃO, 2019) dos cidadãos brasilei-
ros. Conteúdos noticiosos que devem estar insubordinados aos interesses de poder eco-
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nômico, político, estatal ou comercial11. Aqui, o caso analisado não se pauta apenas pela
“preferência às fontes estáveis, oficiais e autorizadas” (GONÇALVES, 2014, p.94), pois
são essas as apontadas como responsáveis por ações ilegais.
Voltando à análise, a reportagem entrevista o relator da LJ no Supremo Tribunal
Federal, o ministro Edson Fachin, que aponta as mensagens divulgadas no domingo
anterior como “circunstâncias conjunturais” que não afetariam o andamento da Opera-
ção. Em mesmo sentido, o JN cita uma publicação do ministro Sérgio Moro, feita na-
quela quarta-feira, em uma de suas redes sociais: “Hackers de juízes, procuradores, jor-
nalistas e talvez parlamentares, bem como escândalos falsos, não vão interferir na mis-
são”.
Seguidamente, por intermédio do discurso indireto, é apresentada a posição da
força tarefa da LJ em Curitiba, que diz em nota sobre “(...) a possibilidade de hackers
fabricarem diálogos usando perfis de autoridades”. Os procuradores afirmam, também,
que “agravada por esse contexto de sequestro de contas virtuais, torna-se impossível
aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente
obtido”. Ainda segundo a nota, “o ataque em grande escala, em plena continuidade, (...)
revela uma ação hostil, complexa e ordenada, típica de organização criminosa, agindo
contra as instituições da República. É necessário não apenas identificar e responsabilizar
o hacker, mas também os mandantes e aqueles que objetivam se beneficiar desses cri-
mes a partir de uma ação orquestrada contra a operação LJ” (GLOBOPLAY, 2019).
Aqui, o JN enfatiza a possibilidade da existência de uma força organizada – e até então
desconhecida – que pretende obstruir as investigações da LJ. Ademais, cria também a
oposição problemática do nós versus eles, em que haveria, de um lado, o apartidário
ministro Sérgio Moro, a Lava Jato e uma determinada luta contra a corrupção – posição
que banaliza toda a denúncia de ilegalidades que, aparentemente, foram e são cometidas
dentro da Operação. E do outro lado, uma organização criminosa, que age de maneiras
obscuras e que, supostamente, tem o Intercept Brasil como porta-voz.
Ao final da reportagem, o JN adota uma animação para explicar visualmente ao
telespectador como a “invasão hacker” poderia ter acontecido. Entre as “diversas possi-
11 Essa concepção também está presente no texto de Eugênio Bucci (2000, p.35). Aqui, ela aparece de forma sintetizada a partir das discussões do autor sobre o
direito à comunicação.
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bilidades”, existiria uma considerada a mais provável pela equipe de apuração. O aplica-
tivo Telegram deixaria mais vulneráveis às invasões aqueles usuários que não fizeram a
dupla validação de suas contas, informação que não foi confirmada com nenhuma das
partes supostamente atingidas. Finalmente, o JN apresenta uma declaração oficial do
aplicativo Telegram, que afirma ter sido alvo “de um poderoso ataque cibernético (...)
mas que a situação parece estar estabilizada” (GLOBOPLAY, 2019). A declaração é em
alguma medida desconexa à discussão da matéria, pois o “ataque” a que se refere o Te-
legram havia acontecido em 12 de junho, naquela quarta-feira, logo, não haveria rela-
ções entre a alegada invasão com as mensagens publicadas pelo The Intercept Brasil.
Isso, contudo, não é explicado pelos apresentadores.
4. Considerações Finais
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Referências
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CÂMARA dos Deputados. Termo de procedimentos para audiência pública com Glenn
Greenwald. Disponível em <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes /
comissoes-permanentes/cdhm/noticias/termo-de-procedimentos-para-audiencia-publica-com-
glenn-greenwald> Acesso em: 25 jul. de 2019.
G1 AMAZONAS. “Não tem nenhuma orientação ali naquelas mensagens”, diz Moro.
Disponível em <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2019/06/10/nao-tem-nenhuma-
orientacao-ali-naquelas-mensagens-diz-moro.ghtml> Acesso em: 30 jul. 2019.
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GONÇALVES, Jurandira. Quem fala no Jornalismo? In: ANTUNES, Elton; LEAL, Bruno;
VAZ, Paulo (orgs). Para entender o Jornalismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
Cap. XII, p.89-101.
LARA, Eliziane. Quem faz agenda? In: ANTUNES, Elton; LEAL, Bruno; VAZ, Paulo (orgs).
Para entender o Jornalismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. Cap. II, p.29-40.
THE INTERCEPT BRASIL. Como E Por Que O Intercept Está Publicando Chats Privados
Sobre A Lava Jato E Sérgio Moro? Disponível em <https://theintercep
t.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/. Acesso em 19 jul 2019.
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