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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA

EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL – RIO DE JANEIRO.

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE


JANEIRO, através do NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -
NUDECON, órgão de atuação, integrante da administração pública direta do
Estado do Rio de Janeiro, sem personalidade jurídica, especificamente
destinado à defesa dos interesses e direitos protegidos pela Lei n° 8.078/90,
Código de Defesa do Consumidor, CNPJ 31.443.526/0001-70, com endereço
na av. Marechal Câmara, 314, Centro, Rio de Janeiro, RJ, com fulcro nos art.
82, III, 83 e 84 do CDC, vem, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA


COM PEDIDO LIMINAR

Em face de BANCO PANAMERICANO S.A., pessoa jurídica de direito


privado, CNPJ n° 59.285.411/0001-13, situado na Avenida Paulista, nº 2240,
Cerqueira Cesar, CEP 01.310-300, São Paulo/SP e de IMBRA S/A (ANTIGA
IMBRAPAR SUL PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS S.A), pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ sob o n° 08.980.121/0001-59, estabelecida
na Av. Maria Coelho Aguiar, n° 215, bloco C, 4º andar, Jardim São Luis, São
Paulo, SP, CEP 05.804-900; VISCONDE DE CARAVELAS CIRURGIAS
ODONTOLOGICAS LTADA (IMBRA BOTAFOGO), pessoa jurídica de direito
privado, inscrita no CNPJ sob o nº 09.305.021/0001-90, estabelecida na rua
Visconde de Caravelas, nº 14, Freguesia da Lagoa, Botafogo, Rio de Janeiro,
CEP 22.271-021, pelos fundamentos de fato e de direito adiante expostos:

1
I - DA LEGITIMIDADE

O Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública


do Estado do Rio de Janeiro está incluído no rol de legitimados do art. 82,
III, da Lei nº 8.078/90, tratando-se de órgão da administração pública direta,
criado para a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de
Defesa do Consumidor, conforme a Resolução nº 204/2002 da DPGE.

O papel de proteção do consumidor pela Defensoria Pública


também está previsto na legislação específica de sua organização, sendo uma
de suas funções institucionais “patrocinar os interesses do consumidor
lesado”, como previsto no inciso XI do art. 4º da Lei Complementar nº 80/94.

Na legislação estadual há disposições no mesmo sentido. A


Constituição do Estado do Rio de Janeiro prevê, entre suas funções
institucionais o patrocínio “os direitos e interesses do consumidor lesado, na
forma da lei” (art. 179, § 2º, V, alínea f). No mesmo sentido o disposto no art.
22, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 6/77: “aos Defensores Públicos
incumbe também a defesa dos direitos dos consumidores que se sentirem
lesados na aquisição de bens e serviços”.

É também no art. 5º, inciso XXXII, da Carta Maior que está


prevista a defesa do consumidor pelo próprio Estado, como também constitui
esta um dos princípios da ordem econômica, conforme o inciso V do art. 170.

2
Voltando-se para o Código de Defesa do Consumidor, a
redação do art. 83 torna clara a certeza da legitimidade da Defensoria Pública
para a propositura da ação coletiva na defesa dos consumidores: “para a
defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis
todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela”.

Ainda é preciso ressaltar que a Defensoria Pública “é


instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma
do art. 5º, LXXIV”, nos termos do caput do art. 134 da CRFB/88. Aquele
dispositivo constitucional garante a assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de recursos.

Deve, contudo, ser observado que necessitado,


hodiernamente, NÃO MAIS VEM SENDO CONSIDERADO UNICAMENTE
COMO HIPOSSUFICIENTE ECONÔMICO. A renomada Professora ADA
PELLEGRINE GRINOVER, afirmou, em parecer gratuito que exarou para
contestar a pretensão veiculada na ADI da CONAMP (que questiona no STF a
legitimidade ativa da Defensoria Pública para a tutela coletiva), verbis:

“A exegese do texto constitucional, que adota um conceito


jurídico indeterminado, autoriza o entendimento de que o termo
necessitados abrange não apenas os economicamente
necessitados, mas também os necessitados do ponto de vista
organizacional, ou seja os socialmente vulneráveis”.

“Ainda que se entenda que função obrigatória e precípua da


Defensoria Pública seja a defesa dos economicamente carentes, o
texto constitucional não impede que a Defensoria Pública
exerça outras funções, ligadas ao procuratório, estabelecidas em
lei”. (PARECER NA ÍNTEGRA EM ANEXO)

3
De assaz pertinência citar entendimento declinado pelo
insigne doutrinador Rodolfo Camargo Mancuso, manejado em brilhante
artigo publicado na Revista de Processo 2008 – RePro 164, p. 162, a saber,
verbis:

“Note-se que o conceito de ‘necessitado’ não pode, em pleno


século XXI, prender-se à mesma leitura reducionista das
priscas eras (Lei 1.060/50, velha de quase sessenta anos!),
texto reportado a uma época, a uma sociedade e a um Brasil
muito distante da realidade contemporânea. Ao propósito,
explica Leandro Coelho de Carvalho que a concepção da
Defensoria ‘como meio de viabilizar o acesso formal de pessoas
carentes ao judiciário é difundida e antiga. E indubitavelmente
equivocada. A atuação institucional não se prende – nem poderia –
à esfera judicial. Necessitado, por sua vez, não pode mais ser
compreendido unicamente como o hipossuficiente econômico.
Esta visão míope, obsoleta, é baseada na ordem constitucional
anterior e no modelo praticado pela advocacia, absolutamente
impróprio para a Defensoria Pública. A natureza das
atribuições dos Defensores Públicos conferem-lhes relativo
trânsito na comunidade, entidades do terceiro setor e Poder
Público. Não por acaso, a instituição é uma ferramenta
excelente para exercer o papel de elo entre estes atores, e
como tal deve ser utilizada. Mesmo no âmbito forense, e sem
descurar dos interesses das partes que patrocinam, por intermédio
deles é sensivelmente mais fácil implementar os ideais da justiça
restaurativa (com destaque para a execução penal), baseado num
modelo conciliatório (não-adversarial), em prol do acesso à ordem
jurídica justa” (grifos nossos)

Ainda que com todo este arcabouço jurídico autorizador da


legitimidade da Defensoria Pública para esta ação, o tema não admite mais
qualquer dúvida a seu respeito por força da nova redação do art. 5º da Lei nº
7.347/85 após a edição da Lei nº 11.448/2007:

“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação


cautelar:

I – o Ministério Público;

4
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de
economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei
civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência
ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.”

Acerca da entrada em vigor da norma jurídica acima transcrita,


cabe trazer à baila comentário definitivo de Humberto Dalla Bernardina de
Pinho, membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, tecido em
artigo publicado na Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, abaixo selecionado, verbis:

“A LEI FEDERAL Nº 11.418, DE 15 DE JANEIRO DE 2007 É, A


UM SÓ TEMPO, UM MARCO HISTÓRICO E A CORREÇÃO DE
UMA INJUSTA DISCRIMINAÇÃO COM UMA DAS MAIS
IMPORTANTES E RESPEITADAS INSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS.” (in “A Legitimidade da Defensoria Pública para a
Propositura de Ações Civis Públicas: Primeiras Impressões e
Questões Controvertidas 07”. Revista de Direito da Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, ano 20, nº 22, 2007)

Em arrimo aos arrazoados retro expostos, trazemos à baila


escorreita exposição da lavra da insigne consumerista, a Desembargadora
Cristina Tereza Gaulia, a qual assim se manifestou acerca da legitimidade da
Defensoria Pública, verbis:

“Sublinhe-se, ainda que a CF /88 (arts.134, caput c/c 5º, LXXV)


impões a Defensoria Pública o dever de prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos necessitados. Deve-se, portanto, conferir a
estes dispositivos a maior amplitude possível, de modo a lhes
assegurar a efetividade que o legislador pretendeu
implementar, afastando qualquer interpretação restritiva ,

5
tendo em vista estarmos no campo das garantias
fundamentais. Entretanto, e mesmo que assim fosse, a Lei nº
11.448/07 veio a lume para, e de uma vez por todas, finalizar a
discussão reinante em controvertida jurisprudência sobre a
legitimidade ativa da Defensoria Pública para as ações civis
públicas. Confira-se seu art.2º, in verbis:
‘Art.2º O art. 5º da Lei nº7347, de julho de 1985, passa a vigorar
com a seguinte redação:
Art.5º Têm legitimidade para propor ação principal e ação cautelar:
(...)II- a Defensoria Pública;(...)’
Registre-se, por oportuno que a Lei nº 11.448/07 é lei que trata de
questões relativas á processo e, por conseguinte, sendo de ordem
pública, se implementa de imediato, inclusive para as ações em
andamento de modo que, mesmo que antes da referida legislação
se pudesse fundamentar a ilegitimidade ativa da Defensoria
Pública, burlando o entendimento da melhor jurisprudência,
inequívoca a legitimação párea a propositura da presente ação
civil pública por parte da instituição.” GRIFOS NOSSOS (apud
Apelação Cível nº 2007.001.65339. Relator: Des. Cristina Tereza
Gaulia, Juíz Dr. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, Apelante:
Ministério Público do ERJ, Agravados. Município do Rio de Janeiro;
18ª Câmara Cível)

Ressalte-se que as opiniões acima foram exaradas antes da


novel modificação na Lei Complementar 80/94, que organiza as Defensorias
Públicas de todo o país, a qual acrescentou, verbis:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre


outras:
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações
capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos,
coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da
demanda puder beneficiar grupo de pessoas
hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132,
de 2009).
VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais
homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso
LXXIV do art. 5º da Constituição Federal (Redação dada pela Lei
Complementar nº 132, de 2009).
(...)
XI – exercer a defesa dos interesses e coletivos da criança e do
adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades
especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de
outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção

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especial do Estado(Redação dada pela Lei Complementar nº 132,
de 2009).

Como se vê, a norma acima destacada não se limita a


conceder legitimidade ao Defensor Público para patrocinar Ação Civil Pública
apenas em benefício exclusivo de pessoas hipossuficientes, mas, ao revés,
deixa bem claro que a atuação coletiva pode se dá desde que se vislumbre a
possibilidade de beneficio a um grupo de pessoas nestas condições. Assim
é que, ainda que somente uma parte (mínima que for) dos beneficiados pela
tutela coletiva for hipossuficiente, legítima é atuação da Defensoria Pública.

Neste sentido, destacamos entendimento do insigne


doutrinador, Fredie Didier Jr, verbis:

“(...) Não é necessário, porém, que a coletividade seja


composta exclusivamente por pessoas necessitadas. Se fosse
assim, praticamente estaria excluída a legitimação da Defensoria
para a tutela de direitos difusos, que pertencem a uma coletividade
de pessoas indeterminadas. Grifos nossos (in Curso de Direito
Processual Civil – Processo Coletivo, vol. 4, 4ª edição, editora
Podivm: 2009, p. 212).

Não obstante, a demanda presente diz respeito a tutela de


consumidores, os quais, por natureza, são consideráveis vulneráveis, portanto
beneméritos de especial proteção do Estado, avultando-se a atuação da
Defensoria Pública, na forma do inciso XI, acima destacado.

Ademais de tudo até aqui exposto, segundo recente julgado


do STJ, a Defensoria Pública passa agora a atuar em qualquer demanda
coletiva, ainda que não seja relativa ao consumidor, mesmo que
beneficiando pessoas não-hipossuficientes, senão vejamos, verbis:

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Acordão Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 912849
Processo: 200602794575 UF: RS - Órgão Julgador:
PRIMEIRA TURMA - Data da decisão: 26/02/2008 -
Documento: STJ000322153
Fonte DJE DATA: 28/04/2008
Relator(a) JOSÉ DELGADO
Decisão Vistos, relatados e discutidos os autos em que
são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal
de Justiça prosseguindo no julgamento, após o
voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki,
por unanimidade, negar provimento aos recursos
especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão
(voto-vista), Teori Albino Zavascki (voto-vista) e
Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro
Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro
Luiz Fux.
Ementa PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA.
DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA.
ART. 5º, II, DA LEI Nº 7.347/1985 (REDAÇÃO DA
LEI Nº 11.448/2007). PRECEDENTE.
1. Recursos especiais contra acórdão que
entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria
Pública para propor ação civil coletiva de
interesse coletivo dos consumidores.
2. Este Superior Tribunal de Justiça vem-se
posicionando no sentido de que, nos termos do
art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada

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pela Lei nº 11.448/ 07), a Defensoria Pública tem
legitimidade para propor a ação principal e a
ação cautelar em ações civis coletivas que
buscam auferir responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valorartístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico e dá outras
providências.
3. Recursos especiais não-providos.
Indexação (VOTO VISTA) (MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI)
CABIMENTO, MANUTENÇÃO, ACÓRDÃO,
TRIBUNAL A QUO, RECONHECIMENTO,
LEGITIMIDADE ATIVA, DEFENSORIA PÚBLICA,
PARA, AJUIZAMENTO, AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
PRETENSÃO, DEFESA, INTERESSE COLETIVO,
CONSUMIDOR, ENERGIA ELÉTRICA / HIPÓTESE,
ACÓRDÃO RECORRIDO, FIXAÇÃO, COMO,
LIMITE, BENEFICIÁRIO, SENTENÇA JUDICIAL,
AÇÃO COLETIVA, APENAS, CONSUMIDOR,
COMPROVAÇÃO, INSUFICIÊNCIA, RECURSOS
FINANCEIROS OBSERVÂNCIA, FUNÇÃO
INSTITUCIONAL, DEFENSORIA PÚBLICA,
PREVISÃO, EM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E,
PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE, PARA,
INTERPRETAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL;
OBSERVÂNCIA, PRECEDENTE, STF, E, STJ.
Data
28/04/2008
Publicação
Doutrina OBRA : PROCESSO COLETIVO, 2ª ED., SÃO
PAULO, REVISTA DOS TRIBUNAIS, P. 77

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AUTOR : TEORI ALBINO ZAVASCKI

Assim é que a atuação da Defensoria Pública não se trata de


uma faculdade. Ao contrário, reveste-se a atuação de um poder-dever do
Defensor Público que, tendo a sua disposição o ordenamento jurídico, deverá
utilizá-lo de todas as formas para alcançar o escopo constitucional delineado.

Por todo o exposto, restou cabalmente demonstrada a


legitimidade extraordinária deste Núcleo de Defesa do Consumidor, para a
propositura da presente demanda coletiva, objetivando tutelar os interesses
dos consumidores lesados pela conduta ilícita adiante relatada.

II – DOS FATOS

A segunda ré é prestadora de serviços odontológicos em todo o


território nacional, tendo constituído sociedade por cotas limitada e instituído a
terceira para prestação de serviços na cidade do Rio de janeiro.

A empresa atua em todo o país, seja através de filiais, seja


através de constituição de nova sociedade da qual sempre participa de forma
majoritária, tendo se notabilizado pelo oferecimento de inúmeras facilidades
de pagamento pelos seus préstimos, o que oportunizou a uma enorme gama
consumidores de baixa renda à contratação de serviços estéticos, até então
inacessíveis.

Fato é que, após rápido e vertiginoso crescimento em todo


território nacional, eclodiu a notícia nos principais veículos de mídia do país,
de que a segunda ré protocolizou um pedido de autofalência no Tribunal de

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Justiça de São Paulo (Processo nº 100.10.037076-3) - o qual teria sido
negado - o que teria ocorrido no dia 06 de outubro do ano corrente, sendo
noticiado que a mesma amarga uma dívida de tamanho surpreendente (R$
221.761.356,28), mormente se considerado que a empresa foi fundada há
apenas 4 anos (2006).

Tal realidade deixa entrever, forma indene de dúvida, que a


empresa, na verdade, preparou uma verdadeira armadilha para os
consumidores de seus serviços, não passando sua atuação de um verdadeiro
engodo, apenas com a finalidade de receber expressivo numerário de uma
imensa gama de consumidores, já com a certeza de que não teria condições
de concluir os compromissos avençados.

Pior que a notícia do pedido de declaração de falência, foi a


constatação de que seus consultórios fecharam as portas (inclusive a da
subsidiária terceira ré), deixando inúmeros consumidores perplexos, ante a
solução de continuidade da prestação dos serviços devidamente contratados,
muitos dos quais viabilizados por longos financiamentos contraídos junto a
primeira ré.

Assim, restam prejudicados não só os consumidores com


tratamentos pendentes, mas bem assim aqueles com tratamentos concluídos,
eis que, em razão da complexidade dos serviços prestados (a maioria serviços
de implantes), não poderão exigir a garantia de adequação dos mesmos ao
longo dos próximos anos, estando fadados ao prejuízo de buscarem nova
contratação especializada para resolução de eventuais problemas oriundos de
má prestação dos serviços.

Diga-se, ainda, que os procedimentos contratados são longos,


cuja periodicidade praticamente coincide com o número de prestações
ajustadas, donde se infere que praticamente todos os consumidores com

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prestações pendentes decerto ainda não concluíram o tratamento e
amargarão imenso prejuízo se continuarem atrelados ao financiamento
tomado de forma inadvertida.

Registre-se que os contratos de abertura de crédito foram


celebrados nos próprios estabelecimentos da segunda ré (filiais e
subsidiárias), agindo as demandadas em inequívoca comunhão de esforços
para incremento de suas atividades econômicas.

Desta forma, a primeira ré, valendo-se de verdadeira parceria


comercial com as demais, captava consumidores e oferecia facilidades de
pagamentos, estando, inclusive, impresso no carnê e no instrumento
contratual a palavra “estética”, deixando clara a finalidade do financiamento.

Observe-se que os consumidores não precisavam sequer sair do


estabelecimento da segunda ou terceira ré para contratar o financiamento,
sendo certo que os pactos de adesão para abertura de crédito eram entregues
pelo próprio preposto da IMBRA, fato que demonstra por si só a
solidariedade entre as demandadas.

Assim é que, com o encerramento das atividades da segunda e


terceira ré, devem os consumidores, não só serem devidamente indenizados
pelos prejuízos impostos pela malfadada contratação da prestação dos
serviços de odontologia, abruptamente interrompidos, mas bem como serem
liberados da obrigação de pagamento do financiamento tomado junto à 1ª ré,
mormente pelas razões de direito abaixo expendidas.

III – DO DIREITO

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III.1 - LEGITIMIDADE PASSIVA E
DA NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS CELEBRADOS

Inicialmente cumpre tecer alguns comentários acerca da


legitimidade passiva das empresas rés. A segunda e terceira ré é são as
empresas que realizam diretamente com o consumidor o negócio jurídico,
restando evidente, e sem maiores problemas, a legitimidade passiva de
ambas.

Já o primeiro réu realiza financiamentos junto ao (à)


consumidor(a), através do segundo e terceiro réu, funcionando como
verdadeiro parceiro no negócio jurídico e facilitador da contratação da
prestação de serviço odontológico. É o que doutrina chama de contrato
conexo.

Certo é que os consumidores não procuram a instituição


financeira (1ª ré) para realizar empréstimo pessoal, mas o fazem através da
demais rés, na oportunidade da contratação da prestação dos serviços
odontológicos, dentro do próprio estabelecimento desta última.

Tal prática tem como objetivo incentivar o consumidor


hipossuficiente a contratar o serviço odontológico de forma mais
facilitada, ou seja, de forma parcelada, possibilitando a realização do
tratamento, visto que de outra forma não teria condições de pagar pela
prestação deste dispendioso serviço.

Desta forma, não há como dissociar as rés na responsabilização


pelos danos materiais e morais ocasionados aos seus consumidores,
mormente quando é notório que as instituições financeiras não costumam
praticar caridades.

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Assim é que a responsabilidade das rés é solidária em
decorrência do que dispõe expressamente o artigo 25, § 1° do Código de
Defesa do Consumidor, in verbis:

“Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que


impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista
nesta e nas seções anteriores.

§ 1°. Havendo mais de um responsável pela causação do dano,


todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e
nas seções anteriores.”

Registre-se ainda que a solidariedade, também tratada pelo


artigo 7° do supramencionado diploma legal, tem por escopo ampliar a
possibilidade de o consumidor vir a ser ressarcido pelo dano do qual foi vítima,
tendo o CDC conferido ao mesmo o direito de propor as medidas contra todos
os que estiverem na cadeia de responsabilidade.

O fato de o primeiro réu, no momento da contratação do


serviço, se fazer representar pelo segundo e terceiro, dentro do próprio
estabelecimento destes últimos, já é elemento suficiente para se incutir
no consumidor verdadeira aparência e confiança de que se tratava de
uma contratação só, tudo com o escopo de adquirir a prestação do
serviço, tornando indissociável a responsabilidade das rés.

Insta acrescentar que o consumidor, interessado na aquisição do


serviço, muitas vezes sequer percebe a presença da empresa financiadora,
não podendo esta, em tudo associada à prestadora de serviço, exigir o
pontual pagamento do empréstimo realizado, desvinculando-se do negócio
jurídico que originou o crédito, principalmente, no caso narrado na presente
ação, onde os serviços contratados, grande número, sequer foram prestados,

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e provavelmente nunca o serão, haja vista o pedido de autofalência da
segunda ré.

Não reconhecer a solidariedade da primeira ré significa


obrigar a que milhares de consumidores continuem realizando
pagamentos, com a certeza de que não poderão fruir dos serviços que
contrataram, concedendo à primeira ré verdadeira imunidade no que
tange ao risco de seu lucrativo empreendimento, transferindo-o aos
consumidores vulneráveis, contrariando, assim, os princípios do Código
de Defesa do Consumidor.

A instituição financeira (1ª ré), decerto não se furtará ao


exercício de seu legítimo direito de, em ação de regresso, perseguir junto
à segunda ré eventual indenização pelos prejuízos.

III.2 - DA NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS CELEBRADOS-

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que o contrato


celebrado com o primeiro demandado não se trata de simples financiamento,
sendo certo que o mesmo se encontra vinculado ao negócio jurídico principal
celebrado, ou seja, a contratação do serviço odontológico.

A interpretação do ajuste de prestação de serviço celebrado com


o segundo e terceiro réu, garantido por contrato de financiamento celebrado
com o primeiro demandado, não pode ser feito de forma isolada, mas em
conjunto, através de uma visão unitária e finalística, sempre com o
objetivo de se alcançar a necessidade do consumidor, que seria satisfeita com
a conclusão do serviço contratado, em atendimento às suas legítimas

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expectativas de adequação do produto e serviço para o alcance de suas
finalidades.

Sendo assim, os dois contratos são conexos em razão de uma


única finalidade, a expectativa do consumidor, se esta não é alcançada,
ambos encontram-se comprometidos. É a nova teoria contratual, onde não
mais se tutela a vontade das partes, mas sim a expectativa ou a confiança do
consumidor na relação, principalmente, da observância da cláusula geral de
boa fé objetiva.

Sobre o tema, trazemos a doutrina da doutora CLÁUDIA LIMA


MARQUES, extraída de sua obra Contratos no Código de Defesa do
Consumidor (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 3a ed., 1999) in verbis:

“Trata-se de uma série de novos contratos ou relações contratuais


que utilizam os métodos de contratação em massa (através de
contratos de adesão ou condições gerais dos contratos), para fornecer
serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas
complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de
fornecedores organizados entre si e com uma característica
determinante: a posição de “catividade” ou “dependência” dos clientes,
consumidores.(…)
Os exemplos principais destes contratos cativos de longa
duração são as novas relações banco-cliente, os contratos de
seguro-saúde, e de assistência médico-hospitalar, os contratos de
previdência privada, os contratos de uso de cartão de crédito, os
seguros em geral, os serviços de organização e aproximação de
interessados (como os exercidos pelas empresas de consórcios e
imobiliárias), os serviços de transmissão de informações e lazer por
cabo, telefone, televisão, computadores, assim como os conhecidos
serviços públicos básicos, de fornecimento de água, luz e telefone por
entes públicos ou privados.
Denominaremos este fenômeno, estas novas relações
contratuais de “contratos cativos de longa duração”, sem, porém,
desconsiderar que outras denominações poderiam ter sido usadas,
como as de “contratos múltiplos”, “serviços contínuos”, “relações
contratuais triangulares”, “contratos conexos”, “contratos de
serviços complexos de longa duração” etc.
Alguns doutrinadores estão denominando estas relações
contratuais cativas de contratos “pós-modernos”(…).O novo aqui
não é a espécie de contrato (seguro, por exemplo), mas a sua

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relevância no contexto atual, a sociedade de consumo atual
beneficia e fomenta estes serviços, considerados, então, socialmente
essenciais, a necessitar uma nova disciplina” (páginas 68/69 - grifo
nosso).
(…)
“Tratam-se de negócios jurídicos privados, mas cuja
importância econômica e social leva o Estado a autorizar o seu
fornecimento, controlar e fiscalizar o seu fornecimento e mesmo,
ditar o conteúdo do contrato” (página 77 - grifo nosso) .
(…)
Para disciplinar tais relações contratuais complexas, cativas,
de longa duração, passou-se, portanto, a uma visão dinâmica
destes contratos massificados, de como sua especialidade e
indiscutível importância social imprimem a necessidade de uma
nova interpretação das obrigações assumidas, de uma
visualização mais precisa da gama de deveres principais e
secundários existentes nestas relações contratuais e de que, em
virtude da confiança despertada, o paradigma máximo aqui há de ser
o princípio da boa-fé objetiva” (página 80 - grifo nosso).
(…)
Identificar um contrato relacional em que existem vários
contratos, com várias e diferentes pessoas jurídicas, como os
contratos com bancos múltiplos, 6 contratos em um só, ou um
contrato com 4 pessoas diferentes, banco, corretora, financeira,
seguradora, ou fornecedora de serviços outros, tudo em um só
relacionamento finalístico de consumo!” (página 565 - grifo nosso).

Ao adotar a visão unitária de uma relação jurídica conexa,


complexa e continuada, existente entre as partes dos negócios jurídicos
celebrados, é de se concluir que os atos praticados em decorrência de
qualquer dos contratos (vistos de forma isolada) repercutem nos demais
ajustes de vontade interligados e interdependentes.

Assim, o inadimplemento contratual, autoriza não só a


rescisão do contrato em face do prestador de serviço, mas também em
face da empresa que efetuou o financiamento por seu intermédio, já que,
repita-se, conexos eram os contratos de prestação de serviço e de
empréstimo pessoal, somente existindo para o (a) consumidor (a) o
segundo em função do primeiro.

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Em arrimo aos arrazoados acima expostos, colhemos
diversos arestos de casos semelhantes de parceria para a venda
de produtos ou serviços entre fornecedores, a saber:

“ Ação de Rescisão Contratual c/c Indenizatória. Veículo adquirido pela


autora, sem que o bem jamais lhe tenha sido entregue. Bem alienado
fiduciariamente ao Banco, em negócio realizado no ato da compra, no
interior do estabelecimento da segunda ré, que indicou, à autora, a
instituição financeira. Sentença de procedência, que determinou a
rescisão do contrato, devolução das quantias pagas e condenou as
rés, de forma solidária (loja que vendeu o automóvel e financeira que
concedeu o crédito para a realização do negócio) ao pagamento de R$
5.000,00, a título de indenização por danos morais. Inconformismo da
instituição financeira. Aplicação do CDCON. Solidariedade em
decorrência da lei (art. 7º, parágrafo único do CDC)
Responsabilidade civil objetiva fundada na Teoria do Risco do
Empreendimento. Verba indenizatória corretamente fixada (R$
5.000,00), dentro dos parâmetros de razoabilidade e
proporcionalidade, razão pela qual NEGO SEGUIMENTO AO
RECURSO, nos termos do art. 557 da Lei de ritos”. (TJRJ - Apelação
Cível nº 0011996-67.2008.8.19.0209 – DES. SIRLEY ABREU BIONDI -
Julgamento: 26/07/2010 – DÉCIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL)

“Responsabilidade civil – Reparação de dano moral. Autora cujo nome


é enviado aos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, sem
nunca ter possuído o ´cartão americanas´. Administradora que emitiu
cartão de crédito em nome da autora, mas não comprovou a adesão
contratual. Ação proposta em face da administradora de cartões de
crédito e das Lojas Americanas que disponibiliza espaço em seu
estabelecimento para que a corre Financiadora Itaú ofereça o
aludido cartão. Ação julgada procedente determinando ressarcimento
de danos morais no importe de R$ 8.000,00. Apelo pela ré Lojas
Americanas, reiterando tese de ilegitimidade da parte . Inocorrência.
Rés que agem em parceria. Apelo da ré Financiadora Itaú, requerndo
reforma do julgado ou redução do quantum. Responsabilidade da
instituição que deorre de fato provocador abalo de crédito e por conta
de negligenciar seu dever de tomar as devidas cautelas antes de
enviar cartão de crédito à autora. Atuação sincronizada de ambas as
apelantes, o que justifica a aplicação dos arts. 7º, Parágrafo único
e 25, §1º, do CDC – responsabilidade solidária. Risco inerente às
atividades que exercem as rés. Danos morais que existem in re ipsa.
Danos morais cabíveis. Não provimento dos recursos interpostos pelas
rés. Provimento em parte, do apelo adesivo da autora, para majorar a
condenação para R$10,000,00, valor condizente com os precedentes
do Colendo STJ”. (TJSP – Apelação Cível nº 994.09.323354-5 – DES.

18
ENIO ZULIANI - Julgamento 27/05/2010 – 4ª Câmara de Direito
Privado)

“ Compra e venda de bem móvel – Entrega de produto diverso –


Recusa pelo consumidor – Inexecução Contratual por parte da
vendedora – Débito Inexigível e danos morais pelo apontamento do
nome do cliente em cadastro de proteção ao crédito –
Responsabilidade solidária da loja e da financeira –
Reconhecimento – Elevação do montante indenizatório – cabimento –
Recurso do autor provido, acolhido em parte o do Banco Réu”. (TJSP –
Apelação Cível nº 992.08.033482-1 – DES. FRANCISCO THOMAZ -
Julgamento 27/06/2010 – 29ª Câmara de Direito Privado)

Frise-se que havendo descumprimento de obrigação por parte de


qualquer dos fornecedores não se pode exigir a manutenção do vínculo
contratual com relação aos demais contratos.

III.3 – DA RESOLUÇÃO DOS CONTRATOS

A hipótese tratada nos autos denota verdadeiro inadimplemento


contratual, onde a segunda e terceira ré não vem cumprindo com o acordado
com seus consumidores, nem mesmo com a oferta realizada, que a vincula
nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao inadimplemento contratual, o Código Civil é claro no


seu art.389 sobre as consequências desta conduta:

“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas


e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

Sendo assim, diante do inadimplemento contratual, resta


evidente a responsabilidade dos causadores do dano em indenizar os
consumidores lesados nos danos sofridos, sejam estes materiais ou morais.
No caso em tela, diante do inadimplemento, cabe às empresas rés,

19
solidariamente, a restituição dos valores pagos pelos serviços contratados e
não prestados.

Tal restituição é inteiramente devida, até porque, entendimento


diverso configuraria enriquecimento ilícito, vedado em nosso ordenamento
jurídico e tido como um dos princípios básicos do Direito

“Art. 884 – Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de


outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários”.

Aluda-se, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor


consagrou o princípio do restitutio in integrum, estabelecendo como direito
básico a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos. (art. 6º, inciso VI)

Portanto, além de passível de dano moral, o enriquecimento


ilícito gera a obrigação de ressarcimento por parte daquele que se beneficiou
com o empobrecimento alheio.

Da mesma forma a conduta da primeira ré se adéqua ao artigo


35 do CDC, já que a empresa não cumpriu com a oferta realizada, o que
integra o contrato e vincula a Ré nos termos do art. 30 do CDC.

In casu, onde o fornecedor não cumpriu com o ofertado, cabe a


aplicação do artigo 35 CDC:

“Art. 35 – Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar


cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor
poderá, alternativamente e á sua escolha:

I – Exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta,


apresentação ou publicidade;
II – Aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III – Rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia
eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas
e danos”.

20
Portanto, além de passível de dano moral, o enriquecimento
ilícito gera a obrigação de ressarcimento por parte daquele que se beneficiou
com o empobrecimento alheio.

Saliente-se ainda que o art. 14 do CDC determina que todo dano


causado pelo serviço (fato do serviço) prestado de forma defeituosa pelo
fornecedor, deve ser indenizado, sendo a responsabilidade do mesmo
objetiva, independente da existência de culpa do fornecedor.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos.

Sendo assim, resta claro também o dever das rés de indenizar


os consumidores lesados pelos danos causados, seja este de ordem moral,
que serão abordados a seguir, ou material, que, no caso, consiste no valor
despendido pelo tratamento interrompido, monetariamente atualizado.

IV - DOS DANOS MORAIS COLETIVOS

A conduta dos demandados, de auferir enriquecimento ilícito,


além de infringir ao consumidor toda sorte de angústia pela interrupção de
tratamentos tão importantes para a saúde física e psíquica, tem o condão de
ofender à massa de seus consumidores, o que, por si só, caracteriza a
existência de danos morais a serem reparados. No caso, danos morais
coletivos, tal como admitido pela Lei nº 7.347/85:

21
“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados (...)
“II – ao consumidor”(...)

No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor (...)


VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos” (...)

Ora, aquele que viola a ordem jurídica e, consequentemente,


comete um ato ilícito, fica obrigado a proceder a devida reparação, nos termos
da norma contida nos arts. 186 e 927 do CC/2002.

A ordem jurídica pátria é clara ao impor aos fornecedores a


observância do princípio da boa fé objetiva, atuando de forma proba, sem
visar causar lesão no parceiro contratual, cooperando para a manutenção da
relação contratual.

Como se vê, o comportamento das rés vêm em sentido


completamente oposto, já que vêm impondo aos consumidores, repise-se,
enriquecimento ilícito, priorizando a busca do lucro em detrimento do bem
estar do parceiro contratual, o qual tem o tratamento abruptamente
interrompido, porém sem interrupção das prestações estabelecidas.

Portanto, não atendido o comando da norma, por óbvio, surge


uma obrigação secundária, que configura a responsabilização civil dos
responsáveis pelos danos causados à sociedade.

22
Tratando-se de uma sociedade de massa, o sujeito passivo do
ato ilícito também pode ser uma coletividade, disso não se tem dúvidas. A
coletividade também possui valores extrapatrimoniais que devem ser
preservados. Sua violação, repise-se, caracteriza ilícito que ofende à própria
coletividade e, como previsto na legislação, o ofensor pode, e deve, ser
condenado à reparação ou amenização, assumindo tal medida o relevante
caráter preventivo de condutas semelhantes, dissuasório de novas violações,
com caráter exemplar.

Neste sentido, cumpre destacar o auspicioso entendimento


doutrinário abaixo, verbis:

“No dano moral coletivo não se cogita de compensação ou satisfação


de alguma dor ou de algum sofrimento de um sujeito individualizado,
como resultado de ofensa a algum direito subjetivo extrapatrimonial.
Como observa André de Carvalho Ramos: “O ponto-chave para a
aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu
conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor
psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas”. Sobressai a
finalidade dissuasória ou exemplar do montante indenizatório, que atua
como fator de desestímulo de comportamentos lesivos semelhantes
por parte do réu ou de terceiros” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa
de. Dano Moral e indenização Punitiva, Rio de Janeiro, Forenses,
2006, p.66).

Da mesma obra, colacionamos o seguinte trecho:

“A indenização punitiva surge, no sistema jurídico vigente, não apenas


como reação legítima e eficaz contra a lesão e a ameaça de lesão a
princípios constitucionais da mais alta linhagem, mas como medida
necessária para a efetiva proteção desses princípios. Com efeito, não
é possível, em certos casos, conferir efetiva proteção à dignidade
humana e aos direitos da personalidade senão através da
imposição de uma sanção que constitua fator de desestímulo ou
dissuasão de condutas semelhantes do ofensor, ou de terceiros
que pudessem se comportar de forma igualmente reprovável. Não
é possível contar apenas com a lei penal e com penas públicas
para prevenir a prática de atentados aos direitos da
personalidade. A lei tipicamente penal não tem como prever, em
tipos delituosos fechados, todos os fatos que podem gerar danos

23
injustos, razão pela qual muitas ofensas à dignidade humana e a
direitos da personalidade constituem indiferentes penais e, por
conseguinte, escapam do alcance da justiça criminal. Além disso,
por razões diversas, nem sempre a sanção propriamente penal,
oriunda de uma sentença penal condenatória, se mostra suficiente
como forma de prevenção de ilícitos. Nesse contexto, a indenização
punitiva constitui instrumento indispensável para a prevenção de
danos aos direitos personalíssimos” (p. 169).

Assim é que o valor a ser arbitrado a título de danos morais deve


ter finalidade intimidativa, situando-se em patamar que represente inibição à
pratica de outros atos abusivos por parte da demandada, que insiste em
repassar aos consumidores de seus produtos e serviços ônus que somente
lhe cabe.

É imperioso que a Justiça dê aos infratores resposta eficaz ao


ilícito praticado, sob pena de se chancelar e estimular o comportamento
infringente. É a chamada utilização da “técnica do valor de desestímulo”.

A respeito desse tópico, vale trazer à colação os apontamentos


de Carlos Alberto Bittar, verbis:

"Com efeito, a reparação de danos morais exerce função diversa


daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para
recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula
danos emergentes e lucros cessantes, aqueles procuram oferecer
compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. De
outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe
sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos a outras
pessoas. É que interessa ao direito e à sociedade que o
relacionamento entre os entes que contracenam no orbe jurídico se
mantenha dentro dos padrões normais de equilíbrio e respeito mútuo.
Assim, em hipóteses de lesionamento, cabe ao agente suportar as
conseqüências de sua atuação, desestimulando-se - com a atribuição
de pesadas indenizações - atos ilícitos tendentes a afetar as pessoas.
(...) Essa diretriz vem, de há muito tempo, sendo adotada na
jurisprudência norte americana, em que cifras vultuosas têm sido
impostas aos infratores, como indutoras de comportamentos
adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e
jurídicas. Nesse sentido é que a tendência manifestada, a

24
propósito pela jurisprudência pátria, de fixação de valor de
desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas.
Trata-se, portanto, de valor que, sentido no patrimônio do lesante, o
possa conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida,
ou então, deve afastar-se da vereda indevida por ele assumida, ou, de
outra parte, deixa-se para a coletividade, exemplo expressivo da
reação que a ordem jurídica reserva para infratores nesse campo, e
em elemento que, em nosso tempo, se tem mostrado muito sensível
para as pessoas, ou seja, o respectivo acervo patrimonial”

Vê-se, pois, que a condenação pleiteada tem caráter


eminentemente punitivo. O pedido de condenação por dano moral coletivo
nada mais é do que a pretensão de se estabelecer uma sanção de natureza
civil por ofensa a direitos coletivos ou difusos.

Conclui-se que, embora a afetação negativa do estado anímico


da massa de consumidores lesados possa ocorrer, em face dos mais diversos
meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do chamado
dano moral coletivo é absolutamente independente desse pressuposto.

Leonardo Roscoe Bessa dedica-se ao tema em artigo


publicado na Revista de Direito do Consumidor nº 59, RT, 2007, cuja
apresentação é a que segue: “O presente ensaio busca delinear o
denominado dano moral coletivo. O objetivo principal é destacar que sua
configuração independe de qualquer afetação ou abalo à integridade
psicofísica da coletividade (...)”

E, ao final, conclui o mesmo autor:

“Assim, é método impróprio buscar a noção de dano moral coletivo a


partir do conceito, ainda problemático, de dano moral individual. Mais
impróprio ainda é trazer para a discussão o requisito relativo à
necessidade de afetação da integridade psíquica, pois até mesmo
nas relações privadas individuais está se superando, tanto na
doutrina como nos tribunais, a exigência de dor psíquica para
caracterizar o dano moral.” (grifamos)

25
Nem se objete que condenações de tal jaez, qual seja, de função
punitiva, gere enriquecimento sem causa, já que o valor pleiteado não se
reverterá em benefício do autor coletivo, mas será convertido em benefício da
própria comunidade, posto que será destinado ao Fundo referido pelo art. 13
da LACP.

No sentido dos arrazoados acima expostos, colham-se as


recentes decisões do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, verbis:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGÊNCIA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DE


CAIXA CONVENCIONAL NO ANDAR TÉRREO, PARA
ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DE PESSOAS IDOSAS,
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E GESTANTES.
DESCUMPRIMENTO DA LEI 10.098/2000 E DA LEI ESTADUAL
4.374/04. O MINISTÉRIO PÚBLICO, POR FORÇA DOS ARTIGOS 127
E 129, III, DA CF, 81 E 82, DA LEI 8.078/90 (CDC) E DO ARTIGO 1º,
DA LEI 7.347/85, TEM LEGITIMIDADE PARA ATUAR NA DEFESA DE
DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS, QUE SE CARACTERIZAM
COMO DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS, DE NATUREZA INDIVISÍVEL,
ASSIM COMO DOS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS, DECORRENTES DE ORIGEM COMUM. PRESENTE
O INTERESSE JURÍDICO, CONSUBSTANCIADO NO BINÔMIO
NECESSIDADE – UTILIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. A
RELEVÂNCIA SOCIAL DO BEM JURÍDICO EM DISCUSSÃO, QUE
INTERESSA A TODA COLETIVIDADE, E ESPECIALMENTE
ÀQUELES GRUPOS DE PESSOAS, TORNA INDISPONÍVEIS OS
INTERESSES INDIVIDUAIS. DANO MORAL COLETIVO
CONFIGURADO, INDEPENDENTEMENTE DA PROVA DA CULPA,
BASTANDO A VIOLAÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS.
A SANÇÃO PECUNIÁRIA TEM CARÁTER PUNITIVO. O SEU
VALOR DEVE SER ARBITRADO MODERADAMENTE,
PROPORCIONALMENTE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO.
INDENIZAÇÃO A SER REVERTIDA AO FUNDO ESTADUAL
PREVISTO NO ARTIGO 13, DA LEI 7.347/85. DANO MORAL
REDUZIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, relatados
e discutidos estes autos de APELAÇÃO CIVEL, entre as partes acima
mencionadas. ACORDAM os Desembargadores que compõem a 7ª
Câmara Cível, por UNANIMIDADE de votos, em negar provimento ao
agravo retido, rejeitar as preliminares e dar parcial provimento ao
recurso.” GRIFEI (SÉTIMA CÂMARA CÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL Nº
2008.001.64608 - RELATOR: DES. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS
– Julgamento: 19/08/2009)

26
“Apelações cíveis. Ação coletiva de consumo movida pelo Ministério
Público. Publicidade enganosa em empréstimo pessoal consignado
para aposentados e pensionistas do INSS. Omissão de informe sobre
a taxa de juros praticada e outros encargos. Garantia de acesso ao
Judiciário. Direito do consumidor, considerado vulnerável, de amplo
acesso à Justiça representado pelo MP (inteligência dos arts. 4º I c.c 6º
VII e 82 I CDC). Violação dos princípios da informação, da
transparência, e dos deveres anexos à boa-fé objetiva. Publicidade
enganosa por omissão. Mídia televisiva, impressa e radiofônica.
Percentual da taxa de juros e demais encargos, valor total do
empréstimo e periodicidade do pagamento que deveriam constar na
publicidade de forma clara, objetiva e em igual destaque às demais
informações relativas ao contrato de empréstimo. Inteligência do art.
31, dos parágrafos 1º e 3º do art. 37 e dos parágrafos 3º e 4º do art. 54
CDC. Sentença que determinou que a informação sobre a taxa de
juros venha em destaque da mesma forma que as demais informações
concernentes ao contrato de empréstimo consignado. Correção.
Indenização por danos materiais e morais individuais e danos
morais coletivos. Pedido regular e legalmente feito na vestibular.
Possibilidade à inteligência do art. 3º da Lei 7347/85 e dos arts. 6º
VI e VII da Lei 8078/90, na forma dos arts. 95 e 97 desta última.
Dano material individual a ser apurado em liquidação ocasião em que o
consumidor deverá comprová-lo. Dano moral individual que, na mesma
senda, é devido em função da angústia e sofrimento impostos aos
aposentados pela enganosidade, ludíbrio e abusividade gerados pela
publicidade enganosa. Dano moral coletivo, a ser revertido para o
Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, que, de caráter
preventivo-pedagógico, visa a banir da sociedade mal formada e
mal informada, comportamentos antiéticos. Inteligência do Dec.
92302/86, Dec. 1306/94 e Lei 9008/95. Responsabilização do
fornecedor pelos danos material e moral individuais. Condenação em
valor certo pelo dano moral coletivo. Desprovimento do primeiro apelo.
Provimento do recurso do MP. Vistos, relatados e discutidos estes
autos das apelações cíveis referidas em que são partes as acima
indicadas, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em NEGAR PROVIMENTO
ao primeiro apelo e DAR PROVIMENTO ao segundo, na forma do voto
do Relator.” GRIFEI (5ª Câmara Cível - Apelação Cível nº:
2009.001.05452 - Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia –
Julgamento:24/06/2009)

A tese supra vindicada é tão séria e incisiva que o Superior


Tribunal de Justiça vem modificando seu entendimento, senão vejamos,
verbis:

27
DANO MORAL COLETIVO. PASSE LIVRE. IDOSO. A concessionária
do serviço de transporte público (recorrida) pretendia condicionar a
utilização do benefício do acesso gratuito ao transporte coletivo (passe
livre) ao prévio cadastramento dos idosos junto a ela, apesar de o art.
38 do Estatuto do Idoso ser expresso ao exigir apenas a apresentação
de documento de identidade. Vem daí a ação civil pública que, entre
outros pedidos, pleiteava a indenização do dano moral coletivo
decorrente desse fato. Quanto ao tema, é certo que este Superior
Tribunal tem precedentes no sentido de afastar a possibilidade de
configurar-se tal dano à coletividade, ao restringi-lo às pessoas
físicas individualmente consideradas, que seriam as únicas
capazes de sofrer a dor e o abalo moral necessários à
caracterização daquele dano. Porém, essa posição não pode mais
ser aceita, pois o dano extrapatrimonial coletivo prescinde da
prova da dor, sentimento ou abalo psicológico sofridos pelos
indivíduos. Como transindividual, manifesta-se no prejuízo à
imagem e moral coletivas e sua averiguação deve pautar-se nas
características próprias aos interesses difusos e coletivos.
Dessarte, o dano moral coletivo pode ser examinado e
mensurado. Diante disso, a Turma deu parcial provimento ao recurso
do MP estadual. REsp 1.057.274-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado
em 1º/12/2009.(grifos nossos)

Não sendo aceita a tese de existência de dano extrapatrimonial


tal como afirmado no presente pleito, decerto toda a sociedade estaria
gravemente ameaçada. Explica-se: nos dias coevos, as relações de
consumo são de massa, sendo certo que algumas práticas abusivas, do ponto
de vista individual, são economicamente insignificantes, o que (é fato!)
desmotiva o consumidor a buscar reparação dos danos. Assim, sem o
instrumento ora invocado, em função do baixo número de pessoas buscando
individualmente a reparação dos seus direitos, se consolidaria a absurda
situação de que, para os fornecedores, seria vantajoso perpetuar a incúria de
seu atuar, o que se afigura inadmissível.

Os danos morais à coletividade causados neste caso concreto,


portanto, restam evidentes, devendo ser emitido provimento jurisdicional à
altura da repercussão social alcançada pelo teor depreciativo da conduta
empreendida pela demandada, sendo o que se espera e se requer.

28
V- DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Acolhida pelo direito brasileiro, a disregard doctrine permite seja


desconsiderada a personalidade jurídica das sociedades para atingir a
responsabilidade dos sócios, visando impedir a consumação de fraudes e
abusos de direito cometidos através da sociedade.

Neste sentido, reza o art. 28 do Código de Defesa do


Consumidor, in verbis:

“Art. 28: O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da


sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver em
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutols ou contrato social. A desconsideração também
será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração. (omissis)

§ 5º: Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica


sempre que sua personalidade for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.”

Lamentavelmente, vários são os casos em que a autonomia da


personalidade jurídica e a conseqüente limitação da responsabilidade dos
sócios é utilizada não para os nobres fins a que se destina, mas pelo
contrário, à fraudes e abusos perpetradas por seus sócios contra
consumidores e credores de boa-fé.

29
Nessas hipóteses, nossos tribunais já firmaram remansosa
jurisprudência no sentido de que o ordenamento jurídico tanto pode criar a
autonomia da pessoa jurídica, como pode ilícito dos sócios.

Verifica-se que o legislador, quando do trato do instituto no § 5º


do CDC, pretendeu dar maior proteção ao consumidor, determinando, de
forma genérica e ampla, que a desconsideração poderá se operar sempre que
a personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos danos sofridos pelo
consumidor. O referido dispositivo consagrou a chamada teoria menor da
desconsideração personalidade jurídica.

Neste sentido, colha-se a jurisprudência abaixo selecionada,


verbis:

“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso


especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão.
Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público.
Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria
maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios.
Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, §
5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem
econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem
jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis,possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em
defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores,
decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração,
regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a
mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o
cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova
de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria
subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão
patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso
ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do
Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de
insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas
obrigações, independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial.

30
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a
pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda
que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo
que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou
dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de
consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do
CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina
à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo
indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da
pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.(GRIFOS NOSSOS)
(RECURSO ESPECIAL Nº 279.273 - SP (2000/0097184-7) -
RELATOR : MINISTRO ARI PARGENDLERR.P/ACÓRDÃO :
MINISTRA NANCY ANDRIGHI)

A aludida teoria vem ao encontro da ratio do sistema protetivo do


CDC, sendo certo que tal tratamento diferenciado se justifica em razão da
inerente vulnerabilidade do consumidor, razão pela qual merece ser acolhido o
pleito manejado na presente demanda, de molde a que seja operada a
desconsideração da personalidade jurídica da segunda ré e terceira ré, em
razão da notória ausência de recursos para garantir futura execução,
independentemente da análise de outros requisitos, tal como fraude ou abuso
de direito, ainda que no caso em tela tenham efetivamente ocorrido.

VI - DA TUTELA ANTECIPADA:

Diante da nítida situação de enriquecimento ilícito, levando-se


em conta a conexidade dos contratos de prestação de serviços odontológicos
e de financiamento, imperiosa a concessão da tutela antecipada, não só para
desde já ser operada a desconsideração da personalidade jurídica da segunta
e terceira ré, mas bem assim para que os consumidores que contrataram
serviços de prestação de serviços odontológicos, possam interromper os
pagamentos pendentes junto à financeira (primeira ré), sem que sofram

31
qualquer tipo cobrança judicial ou de restrição junto aos cadastros dos maus
pagadores.

A prova inequívoca e verossimilhança do alegado estão


fundamentadas na documentação anexa.

Por outro lado, o dano irreparável ou de difícil reparação está


configurado nas inúmeras cobranças efetuadas pela primeira Ré aos seus
milhares de consumidores, os quais amargarão enorme prejuízo, já que a
prestação dos serviços odontológicos sofreu inequívoca solução de
continuidade, ante o fechamento de suas portas em todo país.

Portanto, presentes os requisitos do art. 12 da Lei 7.347/85, bem


como no §3º do art. 84 do CDC, estão sobejamente demonstrados e a
intervenção do Poder Judiciário é imperiosa para garantir a justa aplicação e
cumprimento da legislação em vigor.

Há que se esclarecer que estamos diante de demanda


consumerista, consistente em pleito de obrigação de não fazer, logo, o
dispositivo normativo aplicável, de forma prioritária, deve ser o Código de
Defesa do Consumidor.

Socorrendo-nos do estatuto consumerista, verificamos que a


disposição atinente a antecipação dos efeitos da tutela pretendida está
encartada no art. 84, §3º, que assim dispõe:

“Art. 84.(...)

§3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo


justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao
juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia,
citado o réu.”

32
Como se vê, a disposição contida no artigo citado é diferente
da regra geral estatuída no Código de Processo Civil, sendo certo que o CDC
se refere a RELEVANTE FUNDAMENTO DA DEMANDA e ao RECEIO DE
INEFICÁCIA DO PROVIMENTO FINAL.

Com relação ao primeiro requisito, a doutrina é concorde em


apontar sua similitude com o fumus boni iuris (juízo de probabilidade
razoavelmente demonstrado). Não obstante, com relação ao segundo
requisito, não se pode dizer que este seja correspondente ao periculum in
mora.

Segundo o magistério de RIZZATTO NUNES, o sentido da


expressão é o de “menos eficácia do que teria a decisão se não fosse
concedida liminarmente”.1

Ora, é extreme de dúvidas que, quanto mais rápido cessar a


atividade abusiva do banco, de empreender cobranças das prestações
pendentes, por serviços não prestados, maior eficácia galgará a sentença
final, já que até lá inúmeras lides individuais serão evitadas, além do evidente
alívio no orçamento dos tomadores de crédito, vítimas da conduta rechaçada
pela demanda.

VII - PEDIDO:

Diante das razões acima expostas, requer a Vossa Excelência:

a) A concessão de liminar inaudita altera pars, a fim de


determinar à primeira ré que se abstenha de efetuar
cobranças dos financiamentos pendentes tomados para
1
Curso de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. 2004: p. 715.

33
custear tratamento odontológico junto à segunda e terceira
ré; bem como que se abstenha de envidar qualquer cobrança
judicial ou extrajudicial e, ainda, a negativação dos nomes
dos aludidos consumidores junto aos cadastros de
inadimplentes, ao menos até final julgamento da presente
demanda;

b) Seja operada liminarmente a desconsideração da


personalidade jurídica da segunda ré (IMBRA S/A),
tornando-se os bens dos sócios indisponíveis, e citando-os, a
saber:

- RODRIGO MARTINS DE SOUZA, brasileiro, solteiro,


médico, portador da Cédula de identidade nº 27.996.129-7 –
SSP/SP, inscrito no CPF sob o nº 219.719.848-33, com
endereço comercial na Rua Divino Salvador, 876, 6º andar,
Moema, CEP 04.078-013;

- FERNANDO CORREA SOARES, brasileiro, solteiro,


médico, portador da cédula de identidade nº 32.241.836-7 –
SSP/SP, inscrito no CPF sob o nº 305.494.38-30, com
endereço comercial na Rua Divino Salvador, 876, 6º andar,
Moema, CEP 04.078-013;

- JORGE LUIZ GUALBERTI MARTINS DA ROCHA,


brasileiro, casado, engenheiro de produção, portador da
cédula de identidade nº 06056505-8 – IFP/RJ, inscrito no CPF
sob o nº 003.890.387-33, residente na Rua Jayme de Almeida
Paiva, nº 35, casa 3, Jd Vitória Régia, CEP 05657-170, São
Paulo;

34
- JUAN MANUEL VERGARA GALVIS, brasileiro, casado,
administrador, portador da cédula de identidade nº
37.797.303-8, inscrito no CPF sob o nº 094.839.218-56, com
endereço comercial na Rua Divino Salvador, 876, 6º andar,
Moema, CEP 04.078-013;

- BALADARE PARTICIPAÇÕES S/A, companhia aberta,


inscrita no CNPJ sob o nº 09.462.852/0001-75, com sede na
Rua Pamplona, nº 818, conjunto 92, Jardim Paulista, CEP
01.405-001, registrada na CVM sob o nº 02157;

c) Seja operada, liminarmente, a desconsideração da


personalidade jurídica da terceira ré (VISCONDE DE
CARAVELAS CIRURGIAS ODONTOLOGICS LTDA),
tornando-se os bens dos sócios indisponíveis, e citando-os, a
saber:

- MELISSA DE ALMEIDA SOUZA, brasileira, solteira, cirurgiã


dentista, portadora da cédula de identidade nº 26.688.359-X –
SSP/SP, inscrita no CFP sob o nº 271.479.518-83, com
endereço comercial na Avenida Miriam, nº 310, apartamento
74, CEP 01.547-100;

d) A concessão de isenção de quaisquer custas ou despesas


processuais, por ser a Defensoria Pública do Estado,
instituição pública e permanente que garante o acesso à
Justiça na acepção da lei, defendendo-os em Juízo livre de
qualquer contribuição ou taxa, à vista do que dispõem o artigo
18 da Lei nº 7.347/85 e o artigo 87 da Lei nº 8.078/90

35
e) A citação das requeridas para, querendo, contestarem a
presente ação, sob pena de confissão e revelia, além de
presunção de veracidade dos fatos narrados na preambular;

f) Caso não seja cumprida a obrigação no prazo assinalado por


Vossa Excelência, seja cominada multa diária por prestação,
no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo
461, § 5º, do CPC, c/c art. 84, § 4º, da Lei 8078/90;

Ao final, sejam julgados PROCEDENTES os pedidos,


confirmando-se a tutela antecipada eventualmente concedida para:

a) Desconsiderar em definitivo a personalidade jurídica do


segundo e terceiro réus;

b) Emitir preceito constitutivo para RESCINDIR os contratos


celebrados entre os consumidores lesados e as Rés, seja de
empréstimo pessoal (primeira ré), seja de prestação de
serviço odontológico (segunda e terceira ré);

c) Emitir preceito DECLARATÓRIO de inexistência de qualquer


dívida dos consumidores lesados com todas as rés;

d) Emitir preceito CONDENATÓRIO para que as rés operem a


devolução dos valores pagos pelos consumidores lesados -
tenha o pagamento sido feito diretamente à segunda ou
terceira ré, ou tenha o mesmo sido efetuado através de
financiamento à primeira ré;

36
e) Emitir preceito CONDENATÓRIO para que as rés indenizem
os danos morais coletivos, a serem determinados pelo
prudente arbítrio desse MM. Juízo em valor que sugerimos
não inferior a R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), para
cada demandada, devendo este valor ser revertido ao Fundo
Estadual de Defesa do Consumidor ou, caso este não tenha
sido criado até a data do provimento final desta, seja o valor
revertido ao Fundo Nacional de Defesa do Consumidor;

f) Compelir as Rés a publicarem edital em meio de


comunicação, em três jornais de grande circulação e
emissora de radiodifusão, com escopo de informar os
consumidores sobre a suspensão da mencionada cobrança,
conforme dispõe o artigo 21, da Lei n. 7347/85 c/ art. 94, da
Lei n. 8078/90;

e) Condenar as Requeridas ao pagamento das custas


processuais e honorários advocatícios, a serem revertidos para o
CEJUR, através de depósito em conta vinculada ao órgão, nos
termos da lei 1146/87;

Requer, por derradeiro, a intervenção do Ministério Público para


acompanhar o presente feito na condição de custos legis ou, querendo, na
condição de litisconsorte ativo.

Protesta pela produção de todos os meios de provas em direito


admitidas, em especial, depoimento pessoal dos representantes legais das
partes ex adversa e testemunhos, bem como outras formas moralmente
legítimas e hábeis a demonstrar a veracidade dos fatos.

37
Dá a causa o valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 2010.

FABIO SCHWARTZ
Defensor Público
Matr. 860.771-5

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