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Cap III
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Cap III
No início do terceiro capítulo de sua obra, Anthony Giddens define o que entende por
amor apaixonado, amour passion, algo que, como mostrará mais adiante, difere do chamando
amor romântico. Para o sociólogo, o amor apaixonado seria resultado da associação entre o
amor e os vínculos sexuais, tendo essa relação um caráter invasivo, que por sua intensidade,
pode dissociar o sujeito de suas responsabilidades cotidianas, rompendo com as rotinas e
conflitando com as mesmas. Giddens explica que o tipo de encantamento proporcionado pelo
amor apaixonado aproxima-se daquela paixão religiosa e é algo que desestabiliza as relações
de cunho pessoal. Nesse sentido, o amor apaixonado é entendido como uma ameaça a ordem e
aos deveres sociais, justamente pelo seu viés perturbador e urgente. O autor pontua ainda que,
o amor apaixonado é um elemento quase que universal, enquanto o amor apaixonado é um
aspecto particular em termos culturais.
Tópico I
Tópico II
O Gênero e o Amor
Giddens afirma que a partir do século XIX houve uma radicalização da criação de
novelas e enredos românticos. Isso mostra como a ideia que a noção de amor romântico teria
sido inventada pelos homens não se fundamenta.
O autor aponta três consequências importantes para as mulheres, no período posterior
ao século XVIII e que não podem ser pensadas de forma dissociada da emergência da noção
de amor romântico. A primeira consequência diz respeito ao lar, a segunda a alterações nas
interações pai-filho e a terceira concerne à maternidade.
O aspecto relacionado relação pai-filho, sociólogo explica que essa alteração teria se
dado em todas as camadas sociais no período vitoriano repressivo. Giddens explica que o
poder patriarcal teria iniciado seu declínio no final do século XIX, algo que foi produto da
dissociação entre o lar e o ambiente de trabalho. Assim, o homem deixa de ser o núcleo do
sistema de produção passando, por conseguinte, a perder a preponderância que possuía
anteriormente. Uma emergente relevância depositada no ardor emocional propiciou uma
atenuação do poder do pai, associado a uma maior responsabilidade dada à mulher em relação
a criação dos filhos, resultado da diminuição do tamanho das famílias e da modificação do
status dado às crianças.
Outro aspecto vinculado ao amor romântico foi a maternidade que foi uma edificação
que constituiu a imagem da mãe ideal, composta pelos elementos “esposa” e “mãe”. A
construção desse ideal trouxe à tona a existência de um duplo padrão, tanto no que concerne a
dimensão dos sentimentos, quanto das tarefas. Para Giddens, a sociedade ocidental tem como
característica peculiar a vinculação da maternidade e feminilidade como qualidades que
compõem a personalidade do sujeito. De acordo com concepções como essas, as mulheres
eram dotadas de certos atributos e comportamentos, distintos daqueles possuídos pelo sexo
masculino.
O estabelecimento desse binarismo colocou sobre as costas da mulher a efetivação do
amor, de modo que o amor romântico era um elemento associado a feminilidade, ele era um
amor feminilizado, estando vinculado a ideias como o caráter submisso da mulher. Entretanto,
afirma Giddens, a emergência dessas noções expressou tanto uma privação quanto uma
autonomia.
O que Giddens mostra nesse momento é que a associação da maternidade com o amor
romântico propiciou às mulheres o desenvolvimento de novos domínios de intimidade. Para os
homens, existia o amor romântico e o amor paixão, expresso no âmbito doméstico e na
relação com a amante, respectivamente, e a amizade, no sentido da camaradagem estabelecida
com outros homens, também declinou durante o período vitoriano. No que concerne às
mulheres, a amizade foi um fenômeno que radicalizou-se e o contato estabelecido entre elas
se deu em termos de igualdade pessoal e social, colaborando em situações de frustração no
casamento, mas sendo, também, importantes por si mesmas.
Em relação as histórias românticas e novelas, o autor afirma que elas são uma mistura
de fraqueza, em termos da incapacidade de se chegar a uma auto-identidade estável na vida
real e de esperança, no sentido de negação do padrão socialmente estabelecido, como a ideia
de domesticidade.
O amor romântico, como já ressaltado, é um elemento que possui aspectos do amor
apaixonado, mas difere dele por ser, como apontou Giddens, uma força social genérica desde
o século XVIII. Estabeleceu, desde o seu surgimento, uma conexão com transformações
sociais, bem como com transições no que diz respeito aos casamentos e na vida intima dos
sujeitos. É um elemento relacionado ao autoquestionado e proporciona situações em que o
sujeito se desliga do mundo social que o rodeio, mas de uma forma distinta da proporcionada
pelo amor apaixonado, pois sua orientação para o futuro ocorre de maneira prevista e que
poder ser moldada, além da edificação de uma história compartilhada que difere a dimensão
matrimonial de outras esferas do âmbito familiar.
Para nosso autor, a relação do amor romântico com a intimidade se dá pelo caráter
reparador do primeiro, ou seja, uma comunicação psíquica que faz com que o sujeito, outrora
fragmentado, venha a se tornar, após o estabelecimento da relação, um sujeito completo,
inteiro. Esse é um fator que está intimamente relacionado à auto-identidade, ao eu.
O amor romântico, afirma-nos Giddens, está fundamentado em uma idealização tanto
de si quanto do outro, engendrando uma trajetória direcionada ao futuro. Essa projeção
ulterior é elemento importante, algo presente nos romances literários que, na abordagem de
Giddens, estão para além de uma simples fuga da realidade, situando-se, antes, como um
modo de ver contrafactual do carente. Esse modo de ver, afirmou, foi, a partir do século XIX,
parte importante de uma reestruturação das condições da vida social.
Para Giddens, o amor romântico tem um sentido de busca, uma busca em uma situação
em que os eventos são desconhecidos e, a partir do encontro e da descoberta do outro, se dá a
validação da auto-identidade. Diferente dos romances medievais, no contexto moderno o
caráter ativo é uma evidencia e a conquista, para as mulheres, se direcionado não para a
dimensão sexual, mas para a substituição da indiferença pela devoção, pelo amor. Tanto na
literatura quanto na realidade vivida, conquistar o outro significa a construção tanto de si
quanto de uma biografia mútua.
O amor romântico possui um caráter subversivo, mas este elemento foi controlado
pela sua associação com o casamento, a maternidade e a noção de que o amor seria eterno.
Desse modo, com o amor romântico e a parceria sexual, enquanto uma concordância
estrutural mantinha-se estabelecida de forma eficaz. Mas de acordo com o autor, o vinculo
entre o amor e as necessidades para a manutenção e seguimento do matrimonio eram frágeis,
entretanto, mesmo diante dessas circunstâncias, o casamento eficaz se tornava possível devido
à divisão sexual do trabalho. Nesse sentido, a mulher “respeitável” aparece com sua
sexualidade limitada ao casamento, com este fato tornando-se um símbolo para essa
caracterização da imagem feminina. Esses fatores, para o autor, faziam com que os homens
conservassem uma distancia em relação a esfera emergente da intimidade e, no que concerne
a dimensão feminina, fazia com que o casamento fosse um propósito primordial para as
mulheres.