Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ENGENHEIRO-PROFESSOR: AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS SOBRE A DOCÊNCIA
ENGENHEIRO-PROFESSOR: AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS SOBRE A DOCÊNCIA
____________________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Laudares - CEFET/MG - Orientador
____________________________________________________
Profa.Dra Suzana Lanna Burnier Coelho
____________________________________________________
Prof. Dr. Júlio Emílio Diniz-Pereira
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dr. Suzana Lanna Burnier Coelho, pela confiança depositada em mim e pela
oportunidade de crescimento profissional, durante sua gestão na Diretoria de Graduação no
CEFET-MG. Exemplo de dedicação e compromisso com a docência e a pesquisa, cujas
contribuições a esse trabalho foram e ainda serão valiosas. Acima de tudo, agradeço pela
alegria e o prazer da convivência.
Aos colegas do CEFET que sempre me estimularam para mais esta conquista, Vera
Lúcia, Márcia Feres, Nilza Helena, em especial à Jussara Biagini, pelo grande incentivo e
disponibilidade em todos os momentos que precisei de sua ajuda, pelos livros e textos
disponibilizados, pelas conversas nos corredores do CEFET, muitas vezes fonte de inspiração
que me ajudou na construção deste trabalho.
The present study tries to understand what teaching means for the professionals of the
engineering who takes over the professorship. In face of the absence of clear guidelines
concerning the professor's pedagogic formation, this kind of educational practice is ruled
basically by values, faiths and social representations concerning what is being a teacher like;
built along of their family history and school life, as well as the interactions with their pairs.
Considering such presumptions, it was intended in this study to identify the engineer
professors' social representations concerning the teaching, as well as the processes,
experiences and relationships that mediated the construction of those representations. This
study leans on references of the psychosociology of the knowledge, as in Moscovici (1978,
2003), Jodelet (2001), Sá (1996, 1998) and others, besides the literature concerning the
teachers' formation (Tardif, 2002; Nóvoa, 2000, Pimenta and Anastasiou, 2002, Pachane,
2003, Zabalza, 2004, Isaia, 2006). The study is qualitative utilizing semi-structured
interviews, approaching the following themes: to be professor, take over and permanence in
the profession, knowledge necessary to the teaching, the current challenges of the
professorship. The main results indicated that the social representations on teaching display
elements that point to a central nucleus of traditional professor or professor-centered model.
The teaching is conceived as an innate talent that grows in practice. For those professors the
necessary knowledge to the teaching is in first place disciplinary knowledge followed by the
experiential knowledge, which is basic for the good educational performance in their vision.
The classroom is par excellence the place where they learn how to be professors, being the
students the main reference regarding the assertion of their practices. It is considered therefore
that these social representations are anchored in a non-professional vision of the professorship
transmitted in the several discursive contexts with which they are interacting, inclusively the
official educational speech expressed in LDB (Brazilian educational law) depreciates the
teaching in detriment of the research, causing a process of naturalization of the university
professorship.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
3 REFERENCIAIS TEÓRICOS...........................................................................................43
3.1 A Teoria das Representações Sociais: surgimento e desenvolvimento teórico no
campo da Psicologia Social .............................................................................................43
3.2 Representações sociais: a dinâmica de sua elaboração na dialética indivíduo-
sociedade...........................................................................................................................48
3.3 A Teoria das Representações Sociais no Campo Educacional ....................................51
3.4 A profissionalização da docência universitária: saberes e identidades ......................53
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................1066
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................11010
INTRODUÇÃO
1
Essas mudanças referem-se basicamente à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
9394/96. De acordo com Catani (2008), os eixos articuladores da reconfiguração do ensino superior a partir desta
Lei fundam-se na flexibilidade e avaliação. Esta lei, no inciso II do artigo 53, cria a necessidade de Diretrizes
Curriculares para os cursos de graduação e permite a eliminação dos chamados currículos mínimos, tornando os
currículos de graduação mais flexíveis. Disponível em: http://168.96.200.17/ar/libros/anped/0527T.PDF. Acesso
em: 15 maio 2008.
11
2
Vasconcelos (1998); Cunha (1998, 2006); Masseto (1998); Isaia e Bolzan (2006); Lucarelli (2006); Morosini
(2000); Pachane (2003); Zabalza (2004).
12
3
Portal SINAES, seção “Indicadores sobre a educação superior”. Disponível em:: <http://sinaes.inep.gov.br/sinaes/>
15
últimos dez anos. Esse crescimento ocorre, na maioria das vezes, desarticulado de
investimentos em processos de profissionalização inicial e continuada, tanto por parte das
políticas institucionais como por parte dos próprios professores que, em muitas situações,
“assumem a atividade docente como mais uma atividade para obtenção de renda e não como
profissão de escolha, e não valorizam uma formação profissional” (ANASTASIOU;
PIMENTA, 2002, p.129), num contexto em que as exigências relacionadas à atuação docente
extrapolam o domínio restrito do saber específico da formação profissional.
Há um entendimento de certa forma generalizado entre instituições e professores de
que o conhecimento específico desenvolvido nos anos de formação inicial na graduação, a
experiência ao longo da carreira e também o exercício profissional em área específica são
suficientes para o bom desempenho docente, caracterizando a docência como uma atividade
natural decorrente do acúmulo de conhecimentos específicos da área de conhecimento a ser
lecionada (MASSETO, 1998; ANASTASIOU; PIMENTA, 2002; CUNHA, 2004; ISAIA,
2006).
Fundamenta essa crença, na visão de Masseto (1998), o modelo de universidade
implantado no Brasil em 1808, caracterizado pelo padrão francês da universidade
napoleônica, não implantado em sua totalidade, que, supervalorizando as ciências exatas e
tecnológicas, tinha como principal meta a formação de profissionais para uma determinada
profissão. Logo, privilegiavam
Nesse dispositivo legal, em seu artigo 52, as universidades são definidas como
“instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior,
de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano”. Para se caracterizar
como universidade, segundo o inciso II, a instituição de ensino superior deverá conter
pelo menos 30% do corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, e
30% de docentes em regime de tempo integral. O prazo para cumprimento desses
requisitos foi estabelecido pelo § 2º, artigo 88 da referida lei.
No que tange à formação para a docência no ensino superior, tal dispositivo legal
estabelece, em seu artigo 66, que “A preparação para o exercício do magistério superior far-
se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”.
Essa definição ratificou, em tese, um dos objetivos definidos nos planos
nacionais de pós-graduação 4, que seria a formação do professorado para o ensino
superior, mas tal formação é voltada para a atividade de pesquisa e não fica claro,
em tais planos, como se daria a formação específica para a atividade de ensinar.
Fica subentendido, portanto, que quem sabe pesquisar sabe ensinar.
Com a intenção de fomentar a formação para a docência, posteriormente a
CAPES instituiu a obrigatoriedade do estágio docente aos bolsistas dos programas
de pós-graduação stricto sensu. Ainda que algumas experiências tenham sido
avaliadas positivamente por autores como Pachane (2003) 5 e Anastasiou e Pimenta
4
O plano nacional de pós-graduação, PNPG 2005-2010, faz um resgate dos objetivos dos planos anteriores,
desde a implementação da pós-graduação no Brasil, e reitera o seu compromisso com a formação de recursos
humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas. Embora reconheça em um de seus
tópicos a falta de recursos financeiros para capacitação de docentes do ensino superior como uma das
“debilidades do sistema”, não explicita medidas para sanar o problema e nem mesmo há uma definição clara
sobre as bases dessa capacitação, ficando essa definição por conta e risco das instituições de ensino superior.
5
Na sua tese de doutorado, a autora faz uma avaliação do Programa de Estágio e Capacitação Docente da
Unicamp (PECD), concluindo que: a) os programas voltados à formação pedagógica do professor universitário
são necessários, possíveis de serem realizados e capazes de despertar naqueles que deles participam, sejam eles
professores iniciantes ou veteranos, maior comprometimento com as questões educacionais; b) a formação
pedagógica do professor universitário deve ultrapassar os limites do desenvolvimento de habilidades práticas,
buscando realizar-se de modo a integrar as atividades de docência e pesquisa, ou momentos de reflexão e ação;
18
(2002) 6, tal iniciativa é insuficiente para se garantir alguma formação pedagógica aos
profissionais que já ingressaram ou pretendem ingressar no magistério superior, visto que o
contingente de pós-graduandos bolsistas ainda é muito pequeno, não podendo ser
caracterizado como um processo que, por si só, garantirá o desenvolvimento profissional
docente.
Além disso, mesmo tendo avaliado positivamente tal iniciativa, Pachane (2003) alerta
para o risco de não se perder de vista os objetivos do programa, visto que fica a critério de
cada instituição que têm alunos com bolsas oferecidas pela CAPES a organização de seus
projetos. Como alerta a autora:
acreditamos que seja necessário cuidado para que não se instituam nas universidades
programas obrigatórios de formação pedagógica dos pós-graduandos somente com a
finalidade de cumprir determinações legais, constituindo-se apenas num apêndice de
um curso de pós-graduação, sem integração com as demais atividades realizadas no
mesmo e sem ligação com a prática, limitando-se à apresentação de algumas poucas
teorias educacionais ou mesmo ao oferecimento de algumas técnicas de condução de
aulas, sem uma reflexão mais ampla sobre a educação superior (PACHANE, 2003,
p. 91).
c) tais programas podem ter na pós-graduação, em especial no doutorado, um momento privilegiado para sua
realização.
6
As autoras analisam uma experiência do Programa de Aperfeiçoamento Pedagógico da Universidade de São
Paulo, PAE/USP, em que se desenvolvem experiências de integração entre os pós-graduandos e as atividades
relacionadas à docência. Destacam a presença de aspectos que favorecem a percepção da identidade docente, à
medida que o contato e a colaboração entre os pós-graduandos e os professores responsáveis pelas disciplinas
permitem repensar as experiências pessoais de ambos em aula, mediante uma análise e reflexão sobre o que
nelas ocorrem. Nessa avaliação dos autores prevalecem os aspectos positivos do programa, entre eles:
possibilidade de experimentar e desenvolver habilidades da docência, além de contribuir com a integração, a
inovação, a reformulação, a modernização de disciplinas, com a observação e a reflexão da prática, e ampliar
conhecimentos acerca das disciplinas da graduação e de seus alunos.
19
A formação para a docência no ensino superior, nos moldes como vem sendo sugerida pelos
diversos dispositivos legais que, direta ou indiretamente, abordam a questão, passa pela aquisição de
habilidades como pesquisador e produção de conhecimento em áreas específicas, pois a tendência é
que os docentes façam a opção pelo ingresso em programas de pós-graduação em suas áreas de
formação.
Segundo Pimenta e Anastasiou (2002), apenas a titulação não significa necessariamente
melhoria na qualidade docente, mesmo considerando os acréscimos significativos aos quadros
teóricos existentes, visto que a formação do professor universitário na pós-graduação stricto sensu não
conta com o equilíbrio necessário entre a atividade de ensinar e a de pesquisar, que, para essas autoras,
contemplam diferenças significativas. Elas consideram como distintos os elementos-chave do
processo de pesquisa, que necessariamente não são os mesmos a serem considerados para a atividade
de ensinar, como se pode constatar pelo quadro-síntese, elaborado por Pachane (2003, p.56), a
partir das considerações de Pimenta e Anastasiou (2002, p.190-196).
QUADRO 1
Síntese dos elementos constituintes das atividades de pesquisa e ensino.
Dimensões Pesquisa Ensino
Gatti (2003) aborda essa relação entre ensino e pesquisa, reconhecendo distinções
relativas aos conhecimentos, habilidades, atitudes mentais e disponibilidades, exigidas do
professor, ao mesmo tempo em que sugere possíveis aproximações, ou pontos convergentes
favoráveis e necessários entre os processos de ensino e pesquisa. Essa convergência, segundo
a autora, poderia se dar num processo de triangulação entre docência, pesquisa especializada e
pesquisa da ação docente, sinalizando para um modelo ideal de formação e prática, no âmbito
da docência universitária.
A autora afirma a importância da pesquisa em campo da especialidade, considerando
que, para o bom exercício da docência universitária, o professor tem de se manter atualizado e
participante no processo de construção do conhecimento, por isso não se pode dispensar essa
intensa interação entre produção de conhecimento e atividade de ensinar. Pela convivência
com a pesquisa, mas também pela vivência dela, o professor poderá apreender e aprender os
processos de produção de conhecimento, que, em última análise, o habilitam à atividade de
ensinar, quando lhe dá acesso não somente aos produtos, mas aos processos de aquisição do
conhecimento.
A pesquisa da prática docente, desenvolvida pelo professor pesquisador, dá-lhe
condições para a compreensão e o aperfeiçoamento de sua ação como professor, levando em
conta as diferenças quanto a teorias, campos de pesquisa, objetos e método, entre uma e outra
pesquisa. A convergência se dá pela via da construção de formas críticas do pensar e do
conhecer, na construção de formas de socialização do conhecimento e na forma metódica de
busca de esclarecimentos para problemas pertinentes.
Nesse sentido, é preciso empreender a tarefa de evidenciar ao professor pesquisador
essa interface, pois “ser professor e ser pesquisador comportam dois universos de significação
que se entrecruzam, mas não necessariamente se mostram como totalmente superpostos”.
(GATTI, 2003, p. 75).
Uma atitude de atenção aos objetos de seu campo ou de sua docência, a capacidade de
elaborar questões pertinentes, de desenvolver observações sistemáticas, de questionamento
constante, de formulação de hipóteses, de seleção e articulação de dados é uma postura
desejável no aprimoramento dessa ação docente, que demanda um trabalho consciente por
parte dos docentes-pesquisadores e uma organização institucional de trabalho com
intencionalidades e finalidades claras nessa direção, tanto no sentido de articular essas
dimensões no âmbito da pós-graduação, como também de prover espaços e condições de
desenvolvimento docente em processos de formação continuada ou em serviço (GATTI,
2003).
21
7
Esse autor considera a qualidade das atividades de investigação e de docência como o centro do “compromisso
social da universidade” no sentido do exercício da crítica, da oposição e da resistência, tendo em vista o contexto
social mais amplo, que envolve tanto a instituição de uma sociedade mais justa e igualitária, quanto a realização
integral do ser humano como indivíduo e cidadão.
23
8
A pesquisa de Lili Kawamura (1979), que, a partir de uma abordagem histórico-estrutural, faz uma análise
sobre o trabalho, a formação e a posição social do engenheiro no Brasil, desde as primeiras escolas de
engenharia, passando por três fases da formação social brasileira, consideradas como marcos importantes para a
expansão da categoria e mudanças na sua atuação. No que diz respeito à formação do engenheiro, a autora
afirma que em seu conjunto o ensino de engenharia mantém o poder de deter o domínio sobre conhecimentos
destinados a dar soluções técnicas a problemas formulados em termos técnicos, ou seja, o tipo de ensino
subordinado e integrado ao processo de produção capitalista dependente que, concentrando-se nos aspectos
puramente técnicos da tecnologia, exclui seus aspectos sociais e políticos legitimando aos futuros engenheiros
uma formação acrítica de seu papel no processo econômico, social e político brasileiro.
25
atender, sua vocação e tradições, sua visão de futuro, as restrições históricas, geográficas,
sociais e econômicas. Na perspectiva desse autor, a construção e implementação de um
currículo em engenharia deve ser o resultado de uma síntese dialética entre as demandas das
diversas instâncias sociais implicadas no processo e incluir o mercado de trabalho, a
sociedade, a academia e os alunos.
Segundo Longo (2006), a velocidade com que têm sido gerados novos conhecimentos
científicos e tecnológicos, sua imediata difusão e uso pelo setor produtivo e pela sociedade em
geral tem causado grandes impactos, os quais as instituições sociais em geral, entre elas o
governo, partidos políticos, religiões, forças armadas, empresas e escolas não conseguem
acompanhar, ocasionando um “hiato gerencial” entre a nova realidade social resultante do
avanço científico e tecnológico e a capacidade de reação e de organização dos grupos ou
entidades sociais para o trato dessa nova realidade.
A capacidade científica e tecnológica nacional é absolutamente dependente do nível
educacional adequado da população, portanto, “pode-se afirmar que educação, ciência,
engenharia e tecnologia estão intimamente relacionadas” (LONGO, 2006, p.7), visto que,
num cenário de crescente competição internacional, aos profissionais da engenharia, em
especial, compete o domínio tecnológico no sentido de transformar conhecimento em
produtos, ou seja, inovações tecnológicas, buscando viabilizar a independência política e
econômica do pais (CRIVELLARI, 1998; LONGO, 2006; SILVEIRA, 2005).
Nesse contexto, Masseto (1998), ao analisar os impactos da revolução tecnológica,
sugere uma urgente revisão dos processos de formação profissional no ensino superior
vigentes na atualidade, no sentido de se desenvolverem capacidades como:
o engenheiro deve ser preparado para, durante toda a sua vida profissional, gerar,
aperfeiçoar, dominar e empregar tecnologias, com o objetivo de produzir bens e
serviços que atendam, oportunamente, às necessidades da sociedade, com qualidade
28
teorias que informam o seu fazer docente, proporcionando-lhes participação qualificada nos
processos de construção dos projetos de seus cursos, atividade também considerada formativa,
de acordo com Anastasiou (2005).
9
Essa afirmação fundamenta-se em trabalhos do tipo “Estado-da-Arte”, desenvolvidos por André (1999,
2006); Brzezinski (2006); Andrade (2007), bem como no levantamento bibliográfico feito pela autora
em Gts da ANPED e periódicos nacionais Qualis A, no período 2000-2007.
32
10
Foram analisados os Anais dos COBENGEs dos anos de 2000, 2001, 2005, 2006 e 2007 bem como a
programação do COBENGE 2008 publicada no site: <http://www.cobenge2008.com.br/>
33
Ainda sobre esse aspecto, Contreras (1997 apud Pimenta e Anastasiou, 2002: p.114)
alerta para as especificidades da profissão docente, exposta “a situações incertas, conflitos,
efeitos ambíguos que, por essa natureza, não se resolvem com as transposições de regras de
decisão e modelos.” Para esse autor, a imprevisibilidade, a singularidade, a incerteza, a
novidade, o dilema, o conflito e a instabilidade remetem ao necessário enfrentamento da
racionalidade técnica, modelo básico de ação docente que pode estar referenciando a prática
de professores, principalmente daqueles formados em áreas em que predomina essa
racionalidade.
No ano de 2007, surgiu uma proposta nova no COBENGE, materializada nas sessões
dirigidas, que consistiam em sessões especiais para debates sobre questões emergentes no
campo da educação em engenharia. Entre as seis temáticas priorizadas para a composição das
sessões dirigidas, a formação do professor de engenharia destacou-se com dez artigos
selecionados para o debate, os quais foram publicados no livro “Novos Paradigmas na
Educação em Engenharia”, apoiado e editado pela ABENGE. A partir dessa iniciativa, o tema
da formação do professor de engenharia passou a ocupar um lugar de destaque nesse
Congresso, contribuindo para reflexões e trocas significativas acerca de experiências e relatos
de trabalhos desenvolvidos na área de formação do professor em engenharia, cursos e
programas em desenvolvimento bem como novos referenciais para a formação do professor
de engenharia. Além disso, tal iniciativa reafirmou o necessário e urgente debate sobre o
tema, com propostas de continuidade e sistematização da discussão através de um Fórum
permanente no site da ABENGE.
No XXXVI COBENGE/2008, o tema foi destacado na lista temática das sessões
técnicas sob o título: “Formação e recapacitação de professores de Escola de Engenharia”,
com sete trabalhos aprovados. Nas sessões dirigidas, o tema “A formação do professor de
engenharia” permaneceu em discussão com seis artigos a serem debatidos.
Se, por um lado, tal iniciativa pode ser considerada um avanço, o debate precisa
adentrar o cotidiano de todas as escolas de engenharia e se materializar em propostas
ampliadas de formação continuada, a fim de que se modifiquem concepções, práticas e
representações sobre os modos de ser professor no interior dessas escolas. Essa demanda por
mudanças vem sendo discutida por alguns autores e estudiosos do campo da educação em
34
engenharia11, que identificam o momento atual como um momento de crise desse ensino e
vêem na formação dos professores uma das mais importantes medidas para a superação dessa
crise.
Bazzo (1997, 1998, 2000), em seus estudos sobre o ensino tecnológico no Brasil,
considerou a formação específica para a docência como questão fundamental para a melhoria
da qualidade do ensino de engenharia, visando à superação de um modelo tradicionalista e
conservador de ensino. Fundamentado na herança positivista e na racionalidade técnica que
regem o campo da engenharia brasileira, “o processo de ensino passa a ser uma indisfarçada
afirmação da realidade do objeto por parte do professor e uma apassivada memorização de
informações técnicas, de preferência matematizadas, por parte dos alunos”. (BAZZO, 2000,
p. 23). O aluno é considerado um recipiente vazio de conhecimentos técnicos e científicos. O
professor é o detentor do conhecimento de quem se espera uma reprodução limpa e precisa
das soluções clássicas, supostamente neutras e estritamente técnicas. O conhecimento já
estruturado torna-se hermético, dogmático, dificultando a abertura para discussões
estruturantes e fecundas à criatividade. Esse modelo de ensino evidencia que a relação
professor-aluno-conhecimento está em descompasso com as exigências do mundo atual, como
afirma Bazzo (2000):
O autor acrescenta ainda que os docentes, em sua maioria, não têm creditado a devida
importância ao problema e, às vezes, chegam a desprezar os procedimentos didático-
pedagógicos já sistematizados, desconsiderando, inclusive, a possibilidade de dedicação a
pesquisas e desenvolvimento de alternativas à pedagogia tradicionalmente praticada em sala
de aula. Bazzo (1997) considera que esse processo empírico, intuitivo, reprodutor, de
formação docente, que na verdade sempre foi altamente deficiente, nos tempos atuais não se
sustenta mediante a nova dinâmica de circulação de informações e das necessidades atuais de
construção do conhecimento.
Nesse contexto, de acordo com Silva e Cecilio (2007), o professor de engenharia deixa
de ser o centralizador das informações para conduzir um processo de aprendizagem definindo
11
Loder (2002); Bazzo (1998, 2000); Pereira; Bazzo (1997); Silveira (2005), Longo (2001); Crivellari (2000);
Bruno (2000) Reis; Laudares (2007).
35
diretrizes, metodologias, objetivos e mediando as relações dos alunos com a realidade. Para
tanto devem ser professores-formadores, o que no entendimento desses autores significa:
a autora pondera que essa mudança de perfil do corpo docente tem reflexos sobre a prática
pedagógica, caracterizando-a por um habitus mais científico.
A pesquisa apontou que esse processo de construção da prática pedagógica, para o
grupo pesquisado:
No que diz respeito à motivação dos alunos, várias alternativas foram mencionadas
pelos professores, no entanto, o que dá mais resultado é relacionar o aprendizado à prática da
engenharia, trazendo problemas práticos para a sala de aula, fazendo visitas técnicas, ou seja,
estabelecer a relação teoria e prática.
Esse aspecto é muito valorizado entre os engenheiros-professores, talvez seja aquele
que os deixa mais confortáveis, pois, como sintetizou a autora: “os professores entendem que
as atividades na indústria os tornam mais seguros, mais dinâmicos, mais atualizados, com
maior capacidade de decisão e, conseqüentemente, melhoram sua prática pedagógica.”
(BUONICONTRO, 2001, p.210)
No que diz respeito a essa interrelação entre a prática profissional na engenharia e a
prática docente, a autora afirma que os engenheiros-professores entrevistados, mesmo aqueles
com um investimento acadêmico diferenciado, possuem um capital cultural proveniente da
engenharia já incorporado e objetivado. O habitus profissional do engenheiro se faz presente
na atividade acadêmica. Na percepção desses mesmos professores, há ganhos objetivos nos
dois campos de atuação. Enquanto professores-engenheiros, têm possibilidades de participar
de pesquisa aplicada, de manterem-se atualizados em relação às novas tecnologias, além de
utilizarem uma linguagem adequada à engenharia na academia, por outro lado, o status de
professor lhes confere maior respeito na indústria. O aumento do capital cultural e a
possibilidade de utilizar a linguagem adequada da academia na engenharia também são
percebidos pelos engenheiros-professores.
A pesquisa evidencia aspectos importantes para subsidiar o debate sobre a formação
de engenheiros-professores. Destaca-se o trabalho solitário e individualizado da docência,
visto que, entre as alternativas levantadas pelos professores para enfrentar as dificuldades
apontadas no exercício da docência, não são feitas referências a suportes pedagógicos ou
espaços institucionalizados de formação continuada, em que os mesmos poderiam
ressignificar a sua prática, compartilhar experiências e construir uma identidade docente.
Outra questão que deve ser problematizada refere-se à relação teoria-prática,
concebida por esses docentes no limite das experiências que trazem da prática profissional na
indústria. Sobre esse aspecto, Buonicontro (2001, p. 210) questiona a real possibilidade de
conciliação entre as duas atividades, quando afirma: “no caso de uma instituição particular,
onde a maioria dos professores é contratada como aulista e tem uma atividade intensa e
muitas vezes desgastante na indústria, sabemos que nem sempre o bom engenheiro consegue
ser bom professor.”
38
Outra consideração feita pela autora é “se, no contexto atual, o pragmatismo deve ser
privilegiado nos currículos de engenharia e nas ações pedagógicas dos professores.”
(BUONICONTRO, 2001, p.216). A autora pontua que essas reflexões devem, cada vez mais,
fazer parte de discussões mais amplas relativas à formação de profissionais de engenharia nos
tempos atuais.
A pesquisa de Loder (2002) partiu do pressuposto de que as concepções
epistemológicas prévias do professor norteiam a ação docente; buscou explicitar essas
concepções e suas consequências na pedagogia utilizada por um grupo de professores-
engenheiros. Os dados foram coletados entre os professores e um grupo de alunos da etapa
profissionalizante de um curso de engenharia de uma instituição pública de ensino superior.
O resultado da pesquisa apresenta um diagnóstico das concepções epistemológicas e das
estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores-engenheiros pautadas num modelo de
ensino diretivo, da aplicação extensiva do método de tentativa e erro, fundamentados no plano
intuitivo, pois, embora perceba a necessidade de mudança dos procedimentos pedagógicos,
muitas vezes o professor não se sente à vontade para ousar e aplicar novas estratégias de
ensino e, com isso, de se distanciar do modelo de ensino tradicional no qual foi formado.
Ainda segundo a autora, os professores de engenharia, a par das imensas dificuldades
devidas a essa lacuna na sua formação, tendem a superá-las propiciando aos seus alunos
trabalho em seus grupos de pesquisas e nas atividades dos seus laboratórios. Os professores
em regime de tempo parcial ofertam estágios aos alunos nas suas empresas e locais de
trabalho. Essas situações propiciam um contato extraclasse e estende a relação professor-
aluno para além das fronteiras da sala de aula, ampliando o ambiente em que se dá a
aprendizagem e constituindo-se numa relação efetiva de troca, em que a atividade pedagógica
assume outra dimensão. O diálogo professor-aluno baseado na troca de idéias, de pontos de
vista, de conceitos e de experiências é importante para fazer acontecer a aprendizagem. A
avaliação, enquanto instrumento de coerção e de exclusão, deve ser superada em prol de uma
avaliação contínua que realimente o processo ensino-aprendizagem. Finalmente, a autora
afirma: “a competência técnica aliada à competência pedagógica constitui característica
essencial para o professor engenheiro estar apto a exercer a sua docência de forma
profissional”. (LODER, 2002, p.197).
A investigação de Loder (2002) evidenciou o predomínio de um modelo pedagógico
tradicional no ensino de engenharia, em contraponto ao modelo construtivista defendido pela
autora. Ainda que alguns professores entrevistados, ao perceberem a insuficiência das ações
tradicionais de ensino, intuitivamente buscassem alternativas, tal prática poderia ter seus
39
preocupou em atualizá-la nos últimos dois anos. Alguns docentes (44%) afirmam que sua
formação didático-pedagógica é satisfatória ou parcialmente satisfatória (44%).
Quando solicitados a indicarem uma dentre as dimensões12 fundamentais para a
formação e a prática pedagógica do docente universitário, a formação técnico-científica foi
considerada como muito importante para a maior parte dos entrevistados; a formação prática
concentrou-se entre as categorias “importante” (39%) e “pouco importante” (44%); a
formação política foi considerada “menos importante” para 67% dos professores
entrevistados. Sobre esse aspecto, a autora acredita que a maioria desses professores
12
A autora faz referência a Vasconcelos (1998) recorrendo a uma concepção mais ampla de formação docente,
que envolve de forma complementar as seguintes dimensões: a formação técnico-científica refere-se ao domínio
técnico do conteúdo a ser ministrado; a formação prática refere-se ao conhecimento da prática profissional para a
qual os alunos estão sendo formados; a formação política é considerada no sentido de tomar a educação como
um ato político, intencional, para o qual se exigem ética e competência; formação pedagógica, voltada para e
construída no seu fazer pedagógico cotidiano, em sala de aula, de modo não ocasional e sim metodologicamente
desenhado.
42
Outro aspecto interessante abordado pela autora refere-se à visão dos docentes-
engenheiros sobre como se dá a aprendizagem do aluno, cujas respostas agrupam-se nas
sínteses: comprometimento do próprio aluno, através de técnicas de ensino, através da
interação/troca. Álvares (2006) observa que, apesar de muitos professores pesquisados não
possuírem uma formação pedagógica sistematizada e atualizada, eles reconhecem o real papel
do professor e do aluno no processo de ensino-aprendizagem, visto que essa perspectiva da
interação/troca remete a uma relação de parceria e colaboração entre professor e aluno, em
que ambos são ativos no processo educativo.
Álvares (2006) avalia que o fato de os docentes-engenheiros se sensibilizarem e se mostrarem
abertos à formação pedagógica revela que a docência nos cursos de engenharia demonstra indícios de
mudanças em suas ações e reflexões. Sendo assim, a autora defende a institucionalização de processos
de formação pedagógica permanente que contemplem os diversos saberes que envolvem a profissão
docente, com enfoque no trabalho coletivo e na reflexão. Como sugestão, ela propõe que o projeto
pedagógico dos cursos de Engenharia contemple propostas de formação continuada, com ações
diferenciadas: encontros presenciais, a distância, minicursos, seminários, palestras, grupos de estudo.
A autora acrescenta ainda que, para serem bem-sucedidas, essas ações devem ser uma parceria
entre professores, equipe pedagógica e instituição, visto que as condições ideais devem ser
consideradas, como a participação ativa dos docentes com disponibilidade de envolvimento com o
processo formativo, compartilhando experiências, questões e problemas. De outro lado, o referendo da
instituição, que tem como responsabilidade oferecer as condições de trabalho, por exemplo,
considerar o processo de formação como parte integrante do trabalho do professor, com carga
horária disponível para esse fim .
43
3 REFERENCIAIS TEÓRICOS
13
De acordo com Farr (1995), a psicologia social convive com tradições distintas de pesquisa, que seria a
tradição européia, representada pela forma sociológica, e a tradição americana, caracterizada pela forma
psicológica da Psicologia Social, que se desenvolveu desde a Segunda Guerra Mundial, num processo de
individualização do social, predominante até hoje no campo da Psicologia Social.
44
enquanto mito, constitui, para o chamado homem primitivo, uma ciência total, uma
filosofia única em que se reflete sua prática, sua percepção da natureza, das relações
sociais, para o chamado homem moderno a representação social constitui uma das
vias de apreensão do mundo concreto, circunscrito em seus alicerces e em suas
conseqüências. (MOSCOVICI, 1978, p.44).
quando elas estão expostas às instituições, aos meios de comunicação, aos mitos e à herança
histórico-cultural de suas sociedades, que as representações são formadas.”
Ao fazer distinções, comparações, aproximações com conceitos tanto de natureza
psicológica como de natureza sociológica, Moscovici (1978) revela sua intenção de apreender
e definir, mesmo que de modo indutivo, o conceito de representações sociais que ele próprio
considerou como uma tarefa difícil, ao situá-lo na encruzilhada de conceitos sociológicos e
psicológicos. Esse desafio posteriormente é afirmado pela principal colaboradora do trabalho
de Moscovici, Jodelet (apud SÁ, 2004), quando afirma ser essa uma tarefa que comporta
riscos, pois
compartilham com outros, que lhes servem de apoio, ora de forma convergente, outras vezes
pelo conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo, já que os homens não são
apenas automatismos e nem vivem isolados num vazio social, sendo por esse motivo que, nas
palavras da autora:
as representações são sociais e tão importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no
modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária,
no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-
se frente a eles de forma defensiva. (JODELET, 2001, p.17).
(...) uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de
comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (...) corpus organizado de
conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam
inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação
cotidiana de trocas,e liberam os poderes de sua imaginação. (MOSCOVICI, 1978,
p.26-28).
Essa autora complementa ainda que uma representação social é uma forma de saber
prático que liga um sujeito a um objeto, tendo como pano de fundo a experiência a partir da
qual é produzida, bem como as suas condições de produção, servindo para agir sobre o mundo
e sobre os outros.
Segundo Spink (1993), as representações sociais situam-se entre as correntes que
buscam superar a clivagem entre ciência e senso comum, tratando ambas as manifestações
49
A partir da década de 70, a Teoria das Representações Sociais (TRS) tem sua inserção
no campo da educação, identificando representações dos diversos atores envolvidos nos
processos educativos, alunos, professores, familiares dos alunos, sobre objetos variados de
representação que circulam no cotidiano escolar.
Gilly (2001) pontua que a Teoria das Representações Sociais tem contribuído com
pesquisas na área da educação, na medida em que centra a atenção dos estudos nos
significados da situação e dos interlocutores no ensino e fornece explicações para suas
condutas.
Da mesma forma, Menin e Shimizu (2005), ao fazerem uma caracterização dos
trabalhos brasileiros mais recentes sobre Representações Sociais aplicados ao campo da
educação, afirmam que as representações sociais têm servido largamente para revelar os
conhecimentos mais populares, ingênuos ou de senso comum, presentes na educação em seus
diversos membros e agentes, influenciando o desempenho de papeis, funções e finalidades
escolares.
A TRS tem avançado enquanto aporte para as pesquisas em educação no Brasil, ao
mesmo tempo em que o campo da educação tem oferecido férteis problematizações e objetos
de estudo, contribuindo cada vez mais para o seu avanço e consolidação.
No campo da formação docente, as pesquisas desenvolvidas a partir desse aporte, ao
desvelarem as representações que os professores vêm construindo sobre objetos diversos,
fazem-no numa perspectiva que abre espaço para a explicitação do simbólico, dos
significados socioculturais a eles atribuídos pelos sujeitos. Com frequência, tais estudos têm
se desenvolvido em torno dos sujeitos professores, que representam os objetos: “profissão
professor”, “formação docente”, “atividades realizadas na universidade”, “bom aluno”,
“escola de qualidade”, “gênero”, “teorias pedagógicas”, “indisciplina”, “violência”,
“participação dos pais na escola”, “fala e escuta na sala de aula”. (MACHADO, 2007).
O estudo das representações docentes, portanto, tem um elevado potencial na
produção de elementos que poderão subsidiar novos direcionamentos em torno de processos
de formação docente, já que, filiado a uma perspectiva psicossociológica, toma o sujeito, no
caso os professores, como seres psicossociais, produto e produtores da realidade na qual se
encontram inseridos e que produzem representações para se relacionar com essa realidade.
52
14
Trabalho apresentado na 23ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação (ANPED), 2000. Disponível em: www.anped.org.br. Acesso em: 21 out. 2007.
53
indivíduos circulem e estabeleçam trocas de diferentes ordens. Estas devem ser captadas no
movimento pelo qual o homem concreto, relacionado e histórico, vai, continuamente,
atribuindo sentido aos objetos dos quais se apropria, num processo dinâmico e criativo, no
qual o indivíduo se faz e expressa como indivíduo social. A autora argumenta de forma
conclusiva:
Num contexto em que se operam rupturas no campo das ciências humanas, em relação
aos métodos convencionais de investigação, e a subjetividade passa a se constituir a idéia
nuclear e articuladora das novas formulações teóricas que realimentam as diversas áreas, a
subjetividade docente passa a ganhar espaço nas pesquisas educacionais, como aporte às
história de vida e como metodologias de investigação e também dispositivos de formação
docente. (BUENO, 2002).
Dessa forma, categorias como identidade docente, concepções, representações,
crenças, saberes do professor, vidas de professores, trajetórias docentes, aprendizagem
docente, profissão docente vão ocupando lugar central nas pesquisas educacionais, em
54
detrimento das questões macro ou estruturais que até então eram objeto de preocupação
dessas pesquisas.
Nesse campo de investigação, Nóvoa (1995) e Tardiff (2000) têm contribuído
significativamente como aporte teórico e metodológico para pesquisas sobre formação
docente.
Novóa (1995) defende a indissociabilidade das dimensões pessoais e profissionais do
professor, argumentando sobre a importância que as histórias de vida adquirem nos estudos
sobre os professores, a profissão docente e as práticas de ensino. A formação docente se inicia
antes mesmo do ingresso na docência, e a experiência escolar, seus valores, atitudes,
representações e crenças vão influenciar a construção de sua identidade profissional docente.
O autor afirma:
(...) a forma como cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante
do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite; os professores
constroem a sua identidade por referência a saberes (práticos e teóricos), mas
também por adesão a um conjunto de valores (NÓVOA, 1995, p.33).
Adepto do uso das abordagens biográficas no âmbito das pesquisas e das práticas de
formação docente, esse autor tornou-se referência em muitas pesquisas brasileiras a partir da
década de 90.
Outros autores também se interessaram pelo estudo da identidade profissional docente,
e, embora não seja intenção aprofundar discussões sobre a questão da identidade,
55
reconhecidamente pelo seu caráter complexo e pelos limites da pesquisa em questão, como já
mencionado, as representações sociais guardam também uma função identitária (SÁ, 1996).
Por essa razão considera-se que investigar as representações sociais que engenheiros-
professores estão construindo sobre a docência, a partir das dimensões tratadas nessa
pesquisa, “ser professor universitário”, “desafios e impasses da docência” “motivações para
magistério”, “os saberes necessários à docência”, “imagens da docência”, remete às
discussões sobre a questão da identidade profissional docente, ou seja, em que medida tais
representações são constituintes de uma identidade profissional? Optou-se por fazer algumas
considerações sobre a identidade profissional docente na interface que ela estabelece com as
representações sociais sobre a docência.
Gatti (1996), afirma que a identidade profissional dos professores afeta suas
perspectivas perante sua formação e as suas formas de atuação profissional, sendo concebida
como
Graubmann (1983), apud Carrolo (1997, p.26), situa o professor como um profissional
de identidade “unitas multiplex”. Nesse sentido, a identidade emerge como uma função
combinatória inacabada, de caráter estruturante, dinâmico e construtivista, produto de
múltiplos processos de socialização, cuja unidade é mantida pela articulação entre o
individual e o social, como expressa o autor:
(...) por identidade profissional docente entende-se as posições de sujeito que são
atribuídas, por diferentes discursos e agentes sociais, aos professores e às
56
profissional dos professores, em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades
de trabalho.
Tardif (2000, p. 2002) apresentou uma caracterização dos saberes profissionais dos
professores, resumidos a seguir. Os saberes docentes são temporais, produtos de sua
vivência, principalmente de sua história de vida e escolar, que se manifestam através de toda
uma bagagem de conhecimentos anteriores, representações, crenças e certezas sobre a prática
docente. Além disso, os primeiros anos de prática profissional marcam a aquisição do
sentimento de competência e a definição das rotinas de trabalho para, no momento seguinte,
passar pela edificação do saber experiencial. São utilizados e se desenvolvem ao longo de um
processo de vida profissional de longa duração, do qual fazem parte dimensões identitárias e
dimensões de socialização profissional. Os saberes docentes são plurais e heterogêneos, pois
provêm de diversas fontes, são ecléticos, sincréticos e possuem uma unidade pragmática,
estando a serviço da ação, em que assumem o seu significado e utilidade. Os saberes docentes
são personalizados e situados, carregam as marcas do contexto nos quais se inserem, sendo
apropriados, incorporados, subjetivados, indissociável das pessoas, de sua experiência e
situação de trabalho. Os saberes dos professores carregam a marca do ser humano, visto que o
objeto de trabalho do docente são seres humanos, criando uma disposição para conhecer e
para compreender os alunos em suas particularidades individuais e situacionais, exigindo do
professor um investimento contínuo e a longo prazo, bem como revisão do repertório de
saberes adquiridos pela experiência. O saber profissional dos professores comporta um
componente ético e emocional, pois o ensino é uma prática profissional que produz mudanças
emocionais inesperadas na trama experiencial da pessoa docente.
Na visão desse autor, a prática docente integra saberes com os quais o corpo docente
mantém diferentes relações, que se constituem um amálgama mais ou menos coerente de
saberes da formação profissional e de saberes disciplinares, saberes curriculares e
saberes experienciais. De um lado, o corpo docente é desvalorizado em relação aos saberes
que possui e transmite e, por outro lado, os professores conferem um status particular aos
saberes experienciais, que constituem para eles os fundamentos da prática e da competência
profissional, chegando até mesmo a desvalorizar os saberes da formação profissional, com os
quais parece estabelecer uma relação de exterioridade ou de alienação. (TARDIF, 2002).
Esse modelo teórico convida ao conhecimento da cultura docente, lançando um olhar
sobre o professor que resgata a sua autonomia e o considera enquanto totalidade. Desse modo,
os desafios colocados hoje ao professor, na perspectiva de Nóvoa (1995) e Tardif (2002), é a
construção do saber emergente da prática, que integre os contributos teóricos das ciências
58
sociais e humanas, numa reflexão sobre a experiência pedagógica concreta. Tardif (2002,
p. 39) considera que
o professor ideal é alguém que deve conhecer a sua matéria, sua disciplina e seu
programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e
à pedagogia e desenvolver uma saber prático baseado em sua experiência cotidiana
com os alunos.
15
Termo cunhado por Boaventura de Souza Santos, para designar uma nova forma de produção e organização do
conhecimento que emerge a partir da crise do paradigma dominante de ciência moderna, discutido em sua obra
Um discurso sobre as ciências”, publicada em 1995.
59
16
Aqui a orientação baseou-se em Sá (1998), que, ao problematizar acerca da identificação dos fenômenos de
representação social, ou o que seria um objeto passível de representação para um determinado grupo, afirma que
o objeto deveria ter suficiente “relevância cultural” ou “espessura social” (SÁ, 1998, p.47) para o grupo
estudado. O objeto de representação em questão é a docência, portanto o grupo de professores aqui considerado
pode ser compreendido como um grupo taxionômico, que apresenta algumas propriedades dos grupos reais,
como interesses comuns e senso de identidade, associado ao fato de trabalharem numa mesma instituição e numa
mesma área de conhecimento. Para as definições de grupos taxionômicos, como simples reunião de sujeitos
individuais sob uma mesma classificação, em contraste com grupos reais, cujas relações entre os membros
baseiam-se em direitos, deveres, obrigações ou laços biológicos, Sá (1998, p.54) dialoga com Jom Harré (1984).
Quanto aos requisitos genéticos para a construção das representações nesse grupo, quais sejam as sistemáticas
conversações cotidianas, assim como Sá (1998), considera-se que esses sujeitos, em inúmeros momentos e
situações do cotidiano, se envolvem em conversações sobre o objeto em questão, ou seja, a docência. Até porque
há de se considerar que, como muitos autores do campo da formação docente afirmam (NÓVOA, 2000;
TARDIFF, 2002; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002), a familiarização com a cultura docente já ocorre desde os
períodos iniciais da escolarização, quando os sujeitos têm acesso às imagens, às crenças, aos fazeres e saberes
docentes.
17
Compartilha-se com a ponderação feira por Isaia (2000), quando afirma que não há estudos sistemáticos, no
Brasil, sobre o ciclo de vida dos professores universitários, apontando para uma lacuna de pesquisa nessa área. A
própria autora vem desenvolvendo pesquisas recentes sobre a questão, tendo publicado artigo na 30ª Reunião da
ANPED, contendo apontamentos preliminares da sua pesquisa.
63
Para a seleção dos docentes, contou-se com o auxílio dos coordenadores de cursos,
que indicaram os professores de acordo com o perfil traçado pelas tipologias citadas. De certa
forma, essa seleção de professores dá-se também sob o olhar do coordenador de curso sobre a
docência, pois, ao indicar esses e não outros professores aplica um filtro baseado nas suas
representações cujos atributos também são influenciados pelo lugar que ocupa: de
coordenadoria. Logo, por dedução, esse grupo de professores é composto pelos professores
destaque, ou pelos “bons professores” na visão dos coordenadores, embora inicialmente não
tenha havido a intenção de criar esse rótulo. No entanto, observa-se na totalidade das
entrevistas um atributo: a interação com os alunos, o que pode significar, para o coordenador,
aquele professor que não é fonte de problemas.
Dos 35 professores indicados pelos coordenadores dos cursos, selecionaram-se 11 para
a composição do grupo entrevistado. Além dessa estratégia de seleção dos professores,
recorreu-se à plataforma Lattes, no site do CNPq, como suporte para checagem de
informações e seleção definitiva de alguns professores, visto que os coordenadores não
detinham todas as informações necessárias à qualificação do grupo desejado.
Dessa forma, o grupo pesquisado está caracterizado de acordo com o QUADRO 2, a
seguir.
QUADRO 2
Distribuição dos professores entrevistados
Fase na Outra atividade Atividade na Pós-
Entrevista Titulação
carreira profissional Graduação
P1 Intermediária. Doutorado Não Sim
P2 Final Doutorado Não Sim
P3 Inicial Mestrado Sim Não
P4 Final Especialização Não Não
P5 Intermediária Doutorado Sim Sim
P6 Inicial Doutorado Não Sim
P7 Intermediária Doutorado Sim Sim
P8 Intermediária Mestrado Não Não
P9 Intermediária Mestrado Sim Não
P10 Intermediária Mestrado Não Não
P11 Final Mestrado Sim Não
Fonte: Elaborado pela autora.
64
Dessa forma, a abordagem dos sujeitos pesquisados seguiu um roteiro a partir das
questões básicas de pesquisa que contemplaram as dimensões relacionadas a “ser professor
universitário”, temática considerada como mote que introduz as questões seguintes: fatores
que determinaram o ingresso na docência; os desafios enfrentados atualmente na docência; os
saberes mobilizados na docência, a importância dos saberes pedagógicos para a atividade
docente, entre outros.
Além do roteiro de entrevistas (Apêndice B), utilizou-se um questionário (Apêndice
A), que foi preenchido pelo professor antes da entrevista, com o objetivo de coletar as
informações referentes à caracterização do grupo, como identificação profissional, tempo de
magistério no ensino superior, modalidade de vínculo, titulação, formação/aprimoramento
didático-pedagógico, outro tipo de atividade profissional.
O contato inicial com os professores foi estabelecido, em sua maioria, por telefone, e
alguns por e-mail. Procurou-se esclarecer a temática e os objetivos da pesquisa, o suficiente
para a tomada de decisão por parte do professor da participação ou não nesta pesquisa. Os
professores foram muito receptivos à participação, demonstrando interesse e disponibilidade.
A maioria das entrevistas foram agendadas na instituição em que atuam como docentes, com
exceção de dois professores que agendaram as entrevistas em seus outros locais de trabalho,
na empresa de um deles e no setor onde o outro professor exerce atividades de engenheiro,
numa Instituição Pública.
As entrevistas foram gravadas com a autorização dos professores e posteriormente
foram transcritas na íntegra. Após cada entrevista, procedeu-se ao registro de observações
acerca da situação em que ocorreu a entrevista, a fim de coletar informações complementares
que facilitassem a posterior análise dos dados.
65
Todo o material da entrevista foi transcrito na íntegra, o que resultou num total de 80
laudas que se constitui o corpus de análise da referida pesquisa. Em seguida, sob as
orientações básicas da análise de conteúdo, prosseguiu-se à leitura flutuante (BARDIN, 1977;
FRANCO, 2005), com a finalidade de fazer emergir as temáticas presentes no discurso dos
sujeitos, que, submetidas a uma pré-análise e devidamente classificadas e agrupadas, passam a
fazer parte dos indicadores presentes nas categorias molares (FRANCO, 2005, p.71). Esse
procedimento é feito num constante ir e vir entre os dados e o referencial teórico, já que,
enquanto pesquisa qualitativa, não há uma rigidez excessiva quanto à criação de categorias a
priori, pois o que se pretende é a busca dos sentidos e significados produzidos pelos sujeitos.
Dessa forma trabalha-se com três eixos que irão estruturar a análise dos dados:
1. O sentido da docência – Nesse eixo busca-se desvelar o sentido que tem para esses
sujeitos o ser professor, objetivado no discurso sobre o ingresso no magistério, as
perspectivas que a docência apresenta a esses sujeitos, as motivações, a permanência
ou não na docência bem como os projetos futuros, como se relacionam com a
docência, sentem-se valorizados ou não no magistério.
18
Compartilham dessa perspectiva autores como Nóvoa (1999); Tardif (2002); Anastasiou e Pimenta (2002);
Pachane (2003).
67
refletindo uma “visão não-profissional da docência” que a considera “uma atividade prática
para a qual são necessárias experiência e vocação”. (ZABALZA, 2004, p.108).
O terreno movediço em que se constroi a docência para o professor universitário e, em
especial, para os engenheiros-professores, é o cenário propício para que as ações docentes
sejam pautadas pelas representações sociais que eles constroem sobre o que é ser professor. A
docência é a outra profissão, uma realidade relativamente desconhecida para esses sujeitos,
em sua maioria não-egressos de processos de formação inicial para a docência. Tais
representações são mediadas pelas experiências individuais dos sujeitos na relação com o
magistério, suas expectativas, motivações, imagens, valores, afetos, no confronto com as
demandas da realidade da docência universitária. Assim, fazendo referência a Madeira (2000),
considera-se que
19
Lei n. 5.194, de 24 dez. 1966, regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e
Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências.
69
QUADRO 3
Profissão-referência e atividade profissional além da docência
N Sexo Profissão-referência Outra atividade profissional
P1 Feminino Professora Não
P2 Masculino Professor universitário Não
P3 Feminino Engenheira Empresa de Engenharia
P4 Masculino Professor universitário Não
P5 Masculino Engenheiro e professor Consultoria
P6 Feminino Professora Não
P7 Masculino Engenheiro/ Professor Empresário
P8 Masculino Professor Não
P9 Masculino Professor/ Engenheiro Civil Sanitarista
P10 Feminino Professora Não
P11 Masculino Engenheiro Diretor de Empresa de Consultoria e Projetos
Fonte: Dados da pesquisa.
20
O perfil básico dos entrevistados encontra-se disponível no apêndice C.
70
instituições e mantêm um vínculo com uma instituição pública num cargo relacionado à
atividade de engenheiro.
Essa questão da identificação profissional é discutida em Pimenta e Anastasiou (2002)
quando problematizam o modo como os professores do ensino superior se identificam
profissionalmente. Segundo essas autoras, aqueles que mantêm atividades fora da
universidade como autônomos costumam se identificar como médico, advogado, engenheiro,
seguido do título de professor universitário, indicando clara valorização social da profissão de
professor. No entanto, o título de professor sozinho sugere uma identidade menor, visto que
socialmente pode se referir aos professores secundários e primários. Zabalza (2004) também
traz essa preocupação afirmando certa indefinição quanto à identidade socioprofissional dos
professores nos diversos níveis. Em especial, no caso do professor universitário, esse autor
argumenta que sua identidade costuma estar mais centrada em suas especificidades científicas
ou no conhecimento de sua especialidade do que em suas atividades docentes. No entanto,
observa o autor, sua preparação para a prática profissional esteve sempre orientada para o
domínio científico e/ou para o exercício das atividades profissionais vinculadas a ele, o que
dificulta a construção de uma identidade profissional vinculada à docência.
Para o grupo em questão, declarar-se professor, engenheiro, engenheiro e professor ou
professor e engenheiro parece guardar relações com um modo singular de se relacionar com a
docência, cujas evidências serão explicitadas ao longo da análise das entrevistas.
QUADRO 4
Titulação e Regime de trabalho
21
Conforme discutido no capítulo I, na LDB consta exigência explícita de pelo menos 1/3 do corpo docente com
titulação de mestrado e doutorado, para as instituições caracterizadas como Universidade.
72
TABELA 1
Fase do Ciclo de Vida Profissional
22
Intervalos sugeridos em Huberman (2000).
23
Anos de magistério declarados pelos entrevistados.
73
35-40 Desinvestimento
(sereno ou amargo)
De acordo com o autor, os anos iniciais da docência são considerados uma fase de
exploração em que se identificam dois estágios paralelos: sobrevivência e descoberta. A
“sobrevivência” é o choque com o real, com a complexidade da situação profissional em que
se observam vivências diversas como: preocupação consigo mesmo; distância entre os ideais
e as realidades cotidianas da sala de aula; fragmentação do trabalho; dificuldade em fazer face
à relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos; oscilação entre relações íntimas e
demasiadamente distantes; dificuldades com alunos que criam problemas e com material
didático inadequado. Já a “descoberta” evidencia o entusiasmo inicial, a experimentação, a
exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade, por se sentir inserido em um
determinado corpo profissional. Segundo Huberman (2000), o entusiasmo do estágio da
descoberta contribui para suportar a insegurança do estágio da sobrevivência.
A fase seguinte é a estabilização, que significa a pertença a um corpo profissional, a
independência, a libertação ou emancipação que acompanha um sentimento de competência
pedagógica crescente, um sentimento de confiança e de conforto e maior descentração, ou
seja, os professores se preocupam menos consigo mesmos e mais com os objetivos didáticos.
Sentindo-se mais à vontade para vivenciar situações complexas e inesperadas, os professores
buscam consolidar e aperfeiçoar seu repertório de base no seio da turma, atuando eficazmente
e com melhores recursos técnicos. Os sentimentos são de confiança crescente por terem
encontrado um estilo próprio de ensino, maior flexibilidade na gestão da turma, relativização
dos insucessos e culpa diante daquilo que não funciona. Como efeito dessa fase, observa-se o
que o autor chama de temas colaterais: flexibilidade, prazer, humor. Em síntese, a fase de
74
que parecem menos sérios, menos empenhados. Esse é um momento da vida das pessoas em
que se observa uma tendência para uma maior rigidez e dogmatismo, prudência acentuada,
resistência às inovações, nostalgia do passado, mudança de ótica geral face ao futuro.
Chega-se ao período em que ocorre o desinvestimento, podendo ser sereno ou amargo,
e evoca-se um fenômeno de recuo e interiorização no final da carreira profissional. Ao
período dito da serenidade sucede um processo de desinvestimento nos planos pessoal e
institucional, um recuo face às ambições e aos ideais presentes à partida. A fase do
conservantismo caracteriza-se pela discordância da evolução do momento, conduzindo a certa
marginalidade em relação aos acontecimentos maiores que perpassam a escola ou o sistema
escolar.
Em relação ao grupo de professores pesquisado, tem-se uma amostra que contempla
todas as fases, como se observa na TAB. 1. Ao longo da análise serão destacados do discurso
docente os aspectos aproximativos das fases propostas por Hubermam (2000).
A maior concentração de professores na fase intermediária atribui-se a dificuldades
inerentes à necessária conciliação entre os perfis delineados e a disponibilidade de professores
que se enquadrassem nesses perfis, conforme já explicitado no capítulo referente à
metodologia.
QUADRO 5
Inserção na Pós-Graduação Stricto Sensu
N Atividades na Pós-Graduação
P1 Sim
P2 Sim
P3 Não
P4 Não
P5 Sim
P6 Sim
P7 Não
P8 Não
P9 Não
P10 Não
P11 Não
Fonte: Dados da pesquisa.
Neste eixo, emergem elementos que dão contorno ao sentido construído pelos
engenheiros-professores sobre a profissão de professor. São destacadas as dimensões relativas
ao “ser professor”, “o ingresso no magistério”, “a imagem da docência”, “a permanência na
profissão”, “motivações”, “valorização na profissão”.
eles são. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002), alguns modelos tem marcado a prática
docente no âmbito universitário, entre eles:
Iniciaram-se as entrevistas com a seguinte pergunta: O que é para você ser professor
universitário? Esta pergunta, surpreendeu alguns sujeitos, que reagiram com silêncios,
expressaram uma certa ansiedade ou até mesmo disseram: “Puxa... que pergunta difícil.” (P2)
ou “Sabe que nunca tinha parado para pensar sobre isso?”(P5).
A partir do conteúdo das representações dos professores sobre a docência, buscou-se
mapear quais seriam os modelos de professor com os quais esses sujeitos se identificam. De
início percebeu-se que não há um único modelo de professor imbricado no processo de
construção das representações sociais dos engenheiros-professores. Há, sim, características
desses vários modelos presentes no discurso docente, o que dificultou o processo de
categorização. A partir das respostas dessa pergunta e complementado-as com questões
referentes à dimensão da formação pedagógica, procedeu-se à análise, identificando as
seguintes categorias:
Ainda nesta categoria emerge outro grupo de professores (P3, P5,P10, P11), o perfil
técnico que são aqueles que valorizam a formação instrumental para a docência. Valorizam
as técnicas e os recursos didáticos como estratégias para operacionalizar as situações do
ensino.
Ser professor é atuar na formação técnica dos alunos (...) É preciso estar ligado na
tecnologia que existe de avaliação, de técnicas de ensino.(P5)
O que o torna diferente dos demais é, além do seu interesse declarado por filosofia,
sua trajetória de participação em coordenações de cursos, comissões de avaliação de cursos,
grupos de trabalho para construção de projetos pedagógicos de cursos, projetos de extensão,
cuja experiência propiciou uma visão diferenciada sobre a docência, como ele mesmo
reconhece:
Eu me considero privilegiado, pois eu já passei por muitas experiências aqui na
Universidade, já me relacionei com muitos professores de vários de cursos, em
trabalhos que desenvolví (...) isso me deu um visão ampliada do ensino” (P4)
24
Informações comprovadas através de levantamento de dados na Plataforma Lattes. Esse procedimento foi
utilizado como auxiliar para seleção dos professores para entrevista e complementação de informações após
entrevista.
80
Conceber a docência como um dom inato, foi resposta recorrente entre o grupo de
professores. Essa questão mantém relação com a negação de uma formação profissional
específica para ensinar, presente no discurso de grande parte dos professores. A lógica
subjacente é que como dom inato o saber-ensinar é um atividade especial, no campo da arte,
que se desenvolve na prática, dispensando formação, como afirmou Pimenta e Anastasiou
(2002)
De acordo com Pachane (2003), o enfoque tradicional é o mais comum de ser
encontrado no ensino superior, juntamente com o modelo acadêmico de Feiman (1990, apud
PACHANE, 2003: p. 113). Este modelo toma o professor como intelectual, acadêmico e
especialista da matéria, na vertente transmissiva da informação, priorizando a formação do
professor no domínio do conteúdo. O modelo acadêmico é o que aparece no discurso oficial
acerca da formação para a docência no ensino superior, conforme LDB.
O perfil prático-artesanal ou tradicional é um modelo que sobrevive ao tempo, desde a
criação do ensino superior no Brasil, quando para ser professor não era necessária formação
pedagógica mas apenas um sólido conhecimento acerca da profissão, como afirmou Masseto
(1998). Do ponto de vista legal, o modelo de formação para a docência universitária ainda
não oferece ações efetivas que possam mudar o caráter artístico/prático atribuido à docência
por esses professores.
Nesse sentido, Tardif (2002) e posteriormente Cunha (2006) afirmam um processo de
naturalização da docência. O primeiro autor identifica a personalização da docência, comum
em expressões docentes do tipo “eu nasci para ensinar”, como um indício dessa
naturalização. No entanto ele afirma:
base para o fazer docente. O professor ensina a partir de sua experiência como aluno,
inspirado em seus antigos professores, e “intervir nesse processo de naturalização profissional
exige uma energia sistematizada de reflexão, baseada na desconstrução da experiência”
(CUNHA, 2006: p.259). Essa desconstrução, segundo a autora, é um processo em que se
pode decompor a história de vida, identificando as mediações fundamentais, para recompor
uma ação educativa e profissional conseqüente e fundamentada.
Essa reprodução cultural à qual se refere CUNHA (2006) relaciona-se aos saberes
experiênciais ou a cultura docente em ação, como explicitou (Tardif,2002), considerados
como um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam,
compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana.
As situações concretas de ensino, mais ou menos transitórias e variáveis, exigem dos
professores improvisação e habilidade pessoal. Por conseguinte, esses saberes experienciais
fornecem aos professores certezas relativas a seu contexto de trabalho na escola, de modo a
facilitar sua integração. Eles vão desenvolvendo um estilo de ensino que se manifesta em um
saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano.
Para esse autor, os saberes experienciais surgem como o núcleo vital do saber
docente, pois são formados dos demais saberes (disciplinares, curriculares, pedagógicos), mas
“retraduzidos”, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência.
um código de posturas e valores apreendidos em sua história de vida escolar, enquanto aluno,
e que nortearão sua entrada no universo escolar em outra profissão: agora professor.
Segundo Tardif (2002), boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre
os papeis do professor e sobre como ensinar provêm de sua própria história de vida. Ele
enfatiza que os saberes adquiridos durante a trajetória pré-profissional, oriundos da
socialização primária e socialização escolar, têm um peso importante na compreensão da
natureza dos saberes, do saber-fazer e do saber-ser, que serão mobilizados e utilizados no
exercício do magistério, fazendo emergir as crenças, representações, hábitos práticos e rotinas
de ação que foram sendo apropriados ao longo dos anos de vida escolar.
De acordo com esse autor, contribuem para a construção do ser professor a vida
familiar e pessoas significativas na família, por se constituírem uma fonte importante que
influencia a sua postura em relação ao ensino. Já as experiências escolares, o contato com
professores significativos, bem como experiências marcantes no âmbito de atividades
extraescolares contribuem para modelar a identidade pessoal dos professores e seu
conhecimento prático. Essas experiências levam à compreensão do sentido da escolha
profissional dos docentes, bem como suas práticas pedagógicas atuais, e tornam-se fontes de
suas convicções, crenças ou representações, estáveis e resistentes ao tempo, que alimentam
certezas sobre aspectos diversos do ofício de professor, como: papel do professor,
aprendizagem, características dos alunos, estratégias pedagógicas, gestão da classe.
Identificaram-se no discurso dos sujeitos entrevistados aspectos pertinentes sobre
essas vivências pré-profissionais, como apresentadas por Tardif (2002).
Mas que razões moveram esses profissionais da engenharia ao ingresso no magistério?
Que experiências de vida ou escolares foram fundamentais? Que influências? Família,
amigos, professores? Do discurso desses sujeitos, evidenciam-se as ocorrências representadas
a seguir.
83
Gostar de
Oportunidade
estudar Influência de
12%
Falta de 19% familiares
identificação com 4%
profissão de
formação Experiências
19% escolares
positivas
Experiência com 30%
Ser bom orador Escolha pessoal
treinamento
4% desde a infância
empresarial
4% 8%
Ser professora pra mim é um sonho desde criança. Desde muito pequena eu dizia
que queria ser professora. Eu adorava brincar de ser professora. Acho que em parte
fui influenciada pela minha mãe, que também é professora. Mas eu sempre gostei
muito de estudar, eu gostava muito de matemática e queria fazer alguma coisa
relacionada à matemática. Até pensei em fazer o curso de matemática na graduação,
mas acabei me identificando mais com o curso de engenharia e eu poderia ser
professora da mesma forma. Fiz engenharia, mestrado e doutorado visando atuar no
magistério. (P6).
Eu sou professora por opção porque desde criança, desde a idade de 8 anos, eu
gostava de ensinar. Eu me lembro que eu aprendi a tabuada muito rápido e então eu
tinha uns vizinhos que eram analfabetos e eu ensinava pra eles tudo o que eu
aprendia na escola. E acabei alfabetizando esses jovens, isso quando eu tinha entre
9/10 anos. Depois eu dei catecismo, dei aula para o Mobral e aí percebi que eu
gostava mesmo era de dar aula. Então eu vi que eu queria ser professora. Eu gosto
disso, eu gosto de dar aula. Depois eu fiz o curso técnico e comecei a trabalhar nessa
área mais técnica, acabei indo fazer engenharia. Quando estava terminando
engenharia, eu fiz o curso de formação pedagógica docente no CEFET, porque no
curso de engenharia não tem nada relacionado à docência. Depois de um ano de
formada surgiu essa oportunidade de dar aula na Universidade. Eles me convidaram
e eu aceitei, pois naquela época já estava casada, pensando em ter filhos e achei que
realmente na docência seria mais interessante, pois nessa área, a engenharia, mulher
no máximo teria que ficar na parte de projetos, escritório, e eu sou uma pessoa muito
dinâmica, esse trabalho na engenharia ia acabar ficando muito parado. Decidi ficar
84
só na docência mesmo, fiz essa opção, e o que pesou foi o fato de ser mulher, estar
casada, querer ter família, ter tempo, e também fazer alguma coisa que eu gostasse.
Eu cheguei a ficar sete anos na indústria, entre o curso técnico e a engenharia. (P10).
laboratório. Então foi uma coisa assim. Eu nunca trabalhei para ser professor,
trabalhei foi para ser engenheiro. O que eu queria era fazer pesquisas,
desenvolvimento de projetos, e isso eu consegui fazer aqui na Universidade, onde eu
acabei ficando. (P5).
Para os professores que estão dividindo seu tempo entre a docência e o mercado de
trabalho da engenharia, o motivo que os levou a ingressar na docência é identificado como
“acaso”(P3), “uma oportunidade que surgiu”(P7), “uma situação não planejada”(P11), mas
que se tornou uma atividade prazerosa e rica em termos de troca de experiências, segundo
relato dos entrevistados. O desempenho de atividade profissional no campo da engenharia foi
um dos parâmetros relevantes ao convite para a docência. Há uma grande valorização desse
perfil docente para as disciplinas do ciclo de formação profissional, nas quais os engenheiros
possuem maior domínio, isto é, na área tecnológica. Dessa forma, o critério para a inserção
no magistério não é a formação ou a experiência na docência, mas o acúmulo de
conhecimentos da prática profissional, na engenharia:
Olha, eu entrei para o magistério meio por acaso. Nunca tinha pensado em ser
professora. Eu comecei a fazer o mestrado aqui e quando terminei as disciplinas a
coordenadora do curso de graduação estava precisando de um professor na área. Eu
sempre atuei na área de engenharia e ela precisava de professores justamente para
laboratórios, que é mais prática. Então iria aplicar os meus conhecimentos, era
engenharia aplicada. E foi assim, ela me convidou para dar aula, e eu achei uma
oportunidade interessante porque a docência estimula a gente a estudar sempre.
Então eu aceitei, vim pra cá, comecei a dar aula, gostei da experiência e fiquei. Já
vai fazer quatro anos. (P3).
Na verdade eu não pensava em seguir carreira acadêmica. O que ocorreu foi que a
área em que atuo é muito especializada, e eu precisava me aprimorar para aprimorar
a minha empresa, a qualidade técnica da empresa, então depois de 18 anos de
formado foi que eu procurei um mestrado, sem nenhuma pretensão acadêmica, mas
de buscar informação para melhorar a qualidade do meu trabalho. Quando eu
defendi a minha dissertação de mestrado, surgiu essa oportunidade. A PUC estava
precisando de um professor na área e me convidaram. Eu sempre gostei muito dessa
parte de aula, de ensino, por causa dos treinamentos que eu dava na minha empresa,
aí acabei me tornando professor. Mas eu não pensava em seguir a carreira
acadêmica. (P7).
Bem, foi uma situação não planejada, porque eu trabalhava numa empresa e tinha
um colega de trabalho que dava aula aqui e me convidou. Eles estavam precisando
de alguém que estivesse atuando no mercado, era para lecionar uma disciplina mais
voltada para a prática profissional. Ele me indicou para o coordenador do curso. Eu
entrei, gostei e estou aqui até hoje. Isso já tem 30 anos. (P11).
87
Temas N
Relação professor/aluno 10
Gostar da sala de aula 6
Manter-se atualizado 5
Clima de Universidade 5
Dinamismo da docência 5
Relação engenharia/docência 3
Pesquisa 3
Ver o fruto do trabalho 2
Rede de relações 2
Principal atividade profissional 1
Fonte: Dados da pesquisa
Hoje, minha atividade principal é a docência, mas no futuro eu quero que minha
atividade principal seja a engenharia, gosto muito de dar aula, mas eu gosto muito de
engenharia, de projetos, de aplicação do problema, e o mercado está muito
receptivo, extremamente receptivo. O que eu certamente quero fazer é diminuir a
minha carga horária, isso certamente eu pretendo fazer. Agora largar a Universidade
nunca, porque não quero perder contato com os alunos. É isso que ainda me mantém
aqui. (P5).
Eu gosto muito da sala de aula, embora às vezes eu me sinta muito cansado porque
não é fácil conciliar as duas coisas, ser professor e ainda dirigir uma empresa. Até
agora eu consegui, mas eu penso em diminuir a carga horária no magistério para me
dedicar mais à minha empresa. Não quero deixar a docência, porque, além de eu ter
um enorme prazer em dar aula, essa atividade mantém uma sinergia muito grande
com o meu trabalho na empresa. Pra você ter uma idéia, eu tenho muitos clientes
88
que são ex-alunos ou foram indicados por eles. Além disso, eu me mantenho
atualizado em termos de tecnologias da área. (P7).
Eu gosto desse clima de universidade, de conviver com os alunos. Eu fui muito bem
aceito pelos alunos quando entrei para o magistério e isso me fez tomar gosto pela
docência. No entanto eu vejo que estou muito cansado. Não das aulas em si, mas de
ter que manter duas atividades, a docência e o trabalho lá fora. Acho que está na
hora de diminuir um pouco. Isso é uma decisão que venho amadurecendo, porque
confesso que me dá um aperto no coração pensar em deixar (.....) lidar com jovens é
muito bom, você fica mais arejado, vê as mudanças e acaba mudando também,
quebrando seus preconceitos, te ajuda a ser mais sociável, mais flexível. Isso me
motiva muito, porque do ponto de vista financeiro ou do trabalho em si nunca valeu
a pena. (P11).
Um movimento inverso foi observado por uma professora que relatou o desejo de
deixar a atividade profissional na engenharia para se dedicar à docência:
Eu gosto muito de dar aula, do contato com os alunos e acho que estar no mercado e
na docência é interessante por causa dessa troca de experiências com os alunos.
Quando você está trabalhando na área, você consegue trazer exemplos de situações
práticas, informações novas (...) mas se eu pudesse escolher agora, eu optaria pela
docência. (P3).
Eu gosto muito de ser professor e não trocaria essa atividade aqui por nenhuma
outra. Eu sempre me identifiquei muito com esse trabalho, apesar de o entusiasmo
hoje ser menor do que antigamente em função dessa dificuldade de contato com os
alunos que eu já te falei e da burocracia institucional. (P2).
Esse distanciamento dos alunos foi uma questão recorrente ao longo da entrevista, que
se relaciona a uma fase do ciclo de vida profissional docente em que ocorre certo
distanciamento afetivo dos alunos, ocasionado pelas diferenças de geração entre professores e
alunos, já que cada geração apresenta convicções, valores, expectativas diferentes sobre o
mundo e sobre si mesmo, como caracterizado em Huberman (2000).
Cabe destacar ainda observação feita por Isaia (2000, p. 29), quando afirma:
Eu fui muito bem aceito pelos alunos quando entrei para o magistério e isso me fez
tomar gosto pela docência. (P11).
25
Ver Bazzo (2000); Pereira; Bazzo (1997); Bazzo (1998).
90
Essa relação com os alunos, essa abertura, às vezes a gente aprende muito mais com
eles do que você pode dar. Tem aluno que faz perguntas que você nunca parou pra
pensar e isso é fantástico, porque às vezes a gente leciona aquela disciplina há muito
tempo e se depara com questões de alunos que te faz ir lá, estudar aquilo, te põe em
movimento, é isso que é bacana na sala de aula. Um dos grandes fatores de
motivação na sala de aula pra mim como professor é ter esses desafios, é ter alunos
que te desafiam a pensar. Eu gosto disso. (P9).
Nos últimos tempos a imagem social do professor tem sido marcada por um contínuo
processo de desvalorização da profissão. Dessa forma, termos como “secundarização”
(BRZEZINSKI, 2002), “proletarização” (ENGUITA, 1991 apud BRZEZINSKI, 2002, p.12)
são empregados pela literatura acadêmica para designar um processo sucessivo e prolongado
de perda do controle sobre seus meios de produção, do objeto de trabalho e da organização de
sua atividade, por parte do professorado.
Na perspectiva de Santos (1995), há uma tensão no interior da profissão relativa à
profissionalização e proletarização da categoria, situando os professores em um ou outro polo,
a partir de certa simplificação da complexidade da atividade docente. Para essa autora,
esses movimentos não são excludentes e guardam maior força ou intensidade e momentos
diferentes da história educacional dos diferentes países.
Segundo Esteve26 (1999), ainda há poucos anos, o professor gozava de um elevado
status social e cultural, em que se valorizavam o saber, a abnegação e a vocação desse
profissional. No entanto, nos dias atuais, o “status” refere-se a critérios mais econômicos: o
fato de alguém escolher a profissão de professor relaciona-se a certa incapacidade de ter um
emprego com melhor retorno econômico. O salário converte-se em mais um elemento da crise
de identidade dos professores, levando muitos a abandonar a docência, procurando promoção
social noutros campos profissionais.
Os sujeitos entrevistados percebem de formas diferenciadas a valorização da docência.
Para alguns professores (3), a docência é ratificada como a única atividade profissional.
26
Essa questão foi discutida pelo autor como um dos indicadores que ele considera como responsável pelo
desencadeamento do “mal-estar docente”, expressão usada pelo mesmo para resumir o conjunto de reações dos
professores como grupo profissional desajustado às mudanças sociais. Ressalta-se ainda que os seus estudos
fazem referência ao ensino primário e secundário europeu, mas seu referencial já faz parte do referencial de
muitas pesquisas brasileiras.
91
QUADRO 6
A formação pedagógica.
Formação Pedagógica
N
Inicial Continuada
P1 Não Seminários institucionais
P2 Não Não
P3 Não Não
P4 Não Seminários institucionais
P5 Não Seminários institucionais
P6 Não Não
P7 Não Não
P8 Não Seminários institucionais
Didática do ensino superior e
P9 Licenciatura
educação a distância
Metodologia do ensino superior;
P10 Licenciatura
seminários institucionais
P11 Não Não
Fonte: Dados da pesquisa.
27
Esses dados foram coletados junto aos engenheiros-professores, a partir de um questionário (APÊNDICE A),
antes da entrevista.
94
ter participado dos seminários institucionais28 ofertados semestralmente pela instituição à qual
se encontram vinculados e 5(cinco) declararam não participar por falta de tempo ou por achar
que tal iniciativa não contribui para a sua prática docente.
Esse perfil docente vem sendo considerado pela literatura especializada como
insuficiente para o exercício da docência universitária, no contexto atual. Alguns estudiosos
da Pedagogia Universitária têm trazido à discussão um conjunto de saberes, habilidades,
competências desejáveis à profissionalização do professor universitário (MASSETO, 1998;
VASCONCELOS, 1998; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002), as quais não se resumem aos
conteúdos específicos da disciplina ou habilidades de pesquisa, mas que contemplam a
construção dialética, continuada e articulada desses saberes à dimensão pedagógica e política
da docência.
Resgatando as “tipologias dos saberes docentes” (TARDIF, 2002), discutidas no
capítulo 3, tem-se que os saberes docentes se constituem um amálgama mais ou menos
coerente de saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e
saberes experienciais. Os saberes da formação profissional ou saberes pedagógicos são
aqueles transmitidos pelas instituições de formação de professores, os estágios, os cursos de
reciclagem
Analisando os processos de construção do magistério no ensino superior, percebe-se
que os professores universitários guardam entre si uma semelhança: os “saberes
experienciais” construídos ao longo de sua trajetória docente que subsidiam sua prática
docente. Segundo Tardif (2002), esses saberes se configuram uma “epistemologia da prática
docente”, que corresponde ao saber acerca
de um trabalho que tem como objeto o ser humano e cujo processo de realização é
fundamentalmente interativo, chamando assim o trabalhador a apresentar-se
pessoalmente com tudo o que ele é, com sua história e sua personalidade, seus
recursos e seus limites. (TARDIF, 2002, p.111).
Ao serem questionados sobre quais seriam os saberes necessários para ser professor,
quase todos os sujeitos da pesquisa responderam, de imediato “os conhecimentos atualizados
28
Os seminários institucionais são promovidos semestralmente pela Pró-Reitoria da Graduação da
Universidade pesquisada, desde o ano de 2002, e visam ao debate sobre desafios e perspectivas da
universidade no mundo contemporâneo. São realizados no encerramento de cada semestre letivo.
Analisando a memória da programação de tais eventos desde o ano de sua implementação, percebe-se que as
temáticas são amplas, porque pretendem contemplar todo o corpo docente. No entanto, tal iniciativa não tem
articulado momentos para reflexões acerca das especificidades de cada curso, o que talvez contribua para gerar
nos engenheiros-professores certo distanciamento em relação à atividade proposta, como evidenciado por alguns
professores.
95
29
A pesquisa de Alvares (2006) investigou as percepções dos docentes-engenheiros a respeito da formação
pedagógica e sua relação com o exercício da prática docente e identificou que a ausência de formação específica
para a docência era o que havia de comum entre esses profissionais. Além disso, consideram a formação técnico-
científica (domínio técnico do conteúdo a ser ministrado) como o tipo de formação mais importante para a
atuação docente, comparado à formação prática na profissão, formação pedagógica e formação política.
96
entrevistados a questão pedagógica, expressa nos termos: “técnicas de ensinar”, “saber passar
o conteúdo”, “dinâmicas de grupo”.
Acerca da valorização desses saberes, evidenciaram-se no grupo entrevistado três
posicionamentos: aqueles (2) que consideram a didática como um saber fundamental, pré-
requisito para o ingresso na docência; um grupo intermediário (7) que valoriza um pouco
esses saberes, mas acha que a pedagogia está distante da realidade da docência no ensino
superior e em especial no ensino da engenharia; e aqueles (02) que acreditam que esses
saberes não são importantes. Algumas falas ilustram os posicionamentos dos sujeitos
entrevistados:
Acho que a didática é muito importante. Você precisa saber identificar quando um
determinado recurso pedagógico é adequado ou não para aquela turma. A
universidade não tem investido muito nessa questão, só faz aqueles seminários, mas
isso não atinge todo o público. Acho que deveria exigir essa formação quando a
gente entra para o magistério. (P11).
Acho que essa parte de didática é importante, sem dúvida alguma, a gente utilizar
recursos pedagógicos e tudo mais, mas eu acho que, dentro da engenharia, o nosso
trabalho é muito conservador mesmo, nós não trabalhamos com dinâmica de grupo,
não é essa a forma de trabalhar aqui, é difícil você pensar como é que você vai
cobrar esse conteúdo se você não utilizar recursos expositivos, não é uma discussão
em grupo que vai resolver esse tipo de coisa, então não tem muito onde mudar. É o
arroz com feijão mesmo, em termos de recursos pedagógicos. (P1).
Como se pode perceber pelo QUADRO 6, a maioria dos professores entrevistados não
passou por um processo formativo inicial, o que poderia levar à compreensão da relativa
valorização dos aspectos pedagógicos dada pelos professores. No entanto, Tardif (2002, p. 41)
alerta que o corpo docente tende a valorizar muito mais os saberes experienciais e mantém
uma “relação de exterioridade” com os demais saberes da profissão docente (disciplinares,
curriculares) que, às vezes, não dão conta de sustentar a complexidade e as idiossincrasias da
prática docente. Esse autor afirma:
sala de aula, quando aprendiam, além dos conteúdos das disciplinas, modos de ser professor,
através da observação dos seus professores significativos, como afirmam alguns professores:
Olha, eu tenho uma característica que me ajuda bastante. Eu sempre fui muito
observador. Então, quando eu era monitor, eu ficava observando como o professor
fazia. Depois, quando me tornei professor na universidade, eu fui aperfeiçoando,
errando, mudando o jeito de fazer, fui percebendo os alunos. (P4).
Eu aprendi fazendo. Sabe como é? A gente sempre lembra dos professores que
tivemos, das referências positivas e negativas, aí você escolhe: eu quero ser igual
àquele professor e não quero ser igual ao outro. Professor bom pra mim é aquele
que tem mais diálogo, que conversa, que brinca. Pode até ser mais exigente, cobrar
mais. Mas tem que ter um bom relacionamento com os alunos. (P6).
No início eu tive muita dificuldade. A gente entra tentando fazer o melhor possível,
mas o programa era impossível de ministrar em 60 horas (...) e eu fiquei assustado e
preocupado em cumprir a ementa, transformei aquilo tudo em transparências. Eu
tinha uma certa experiência com treinamentos, palestras.(...) mas eu percebi depois
de um ano dando aula que o nível de absorção por parte dos alunos era muito baixo,
tive que rever. (P7).
As pesquisas de Isaia (2006) e Isaia, Bolzan e Giordani (2007), tem identificado junto
aos professores universitários iniciantes, um sentimento de desamparo frente à ausência de
interlocução e de conhecimentos pedagógicos compartilhados para o enfrentamento do ato
educativo, que esses mesmos autores chamam de solidão pedagógica.
cafezinho” nos intervalos de aula, identificados por esses sujeitos como os únicos momentos
de interlocução pedagógica.
Acho que seria interessante talvez eu saber o que o outro professor está trabalhanho
na outra disciplina (...) mas aqui não tem isso, provavelmente só nas ciências
humanas. A área de exatas sempre resistiu muito aos cursos de técnicas de ensino,
ou similares. (P2)
Olha, nós aqui temos poucas oportunidades de reflexão, não há suporte pedagógico,
no colegiado estamos sempre apagando incêndio. Nos Seminários da PROGRAD
eles não focalizam só as questões pedagógicas, aí os professores da engenharia
fazem a opção por participar só da parte técnica (...) (P10)
Apenas dois professores sugeriram espaços formativos para além da sala de aula,
como as falas seguintes podem confirmar:
O PREPES30 seria uma opção interessante para quem está seguindo a carreira do
magistério se instrumentalizar um pouco para exercer a docência. Outra coisa
30
É um programa de especialização, com carga horária de 360 horas, oferecido pela PUCMinas para atender às
necessidades de aperfeiçoamento e desenvolvimento de professores das mais diversas áreas do conhecimento,
cujos módulos são ministrados nos períodos de férias escolares, Janeiro/Julho. Os Cursos são organizados na
forma da Resolução CNE/CES nº1 de 3/4/2001, do Conselho Nacional de Educação.
100
interessante seria que cada curso tivesse um núcleo, um suporte pedagógico que iria
identificar as necessidades daquele curso. Essa última opção eu acho mais
interessante, mais próxima do curso.(P4)
Acho que a formação deveria ser assim: todos os professores deveriam fazer uma
formação didático inicial e participar periodicamente de uma formação oferecida
pela instituição, um aperfeiçoamento, ou coisa assim. Além disso, os cursos
deveriam ter uma assessoria pedagógica para nos auxiliar nas questões do dia-a-dia,
para implementação de novas tecnologias (...) (P10)
É com certo saudosismo que alguns dos professores entrevistados enunciam uma
realidade que provavelmente seja comum a muitas outras instituições universitárias. Muitos
aspectos identificados pelos professores pesquisados fazem face a um complexo emaranhado
de mudanças sociais, culturais, econômicas, que adentram o contexto universitário, sem que
os professores estejam preparados para o enfrentamento de uma realidade tão complexa.
Dentre as principais mudanças sociais que tem implicações com a docência no ensino
superior, discutidas em Zabalza (2004), Pimenta e Anastasiou (2002) têm-se: a massificação
do ensino levando à superlotação e heterogeneidade das turmas; as fontes alternativas de
101
A tabela a seguir representa uma síntese dos desafios apontados pelos sujeitos
entrevistados:
TABELA 03
Temas N
Os alunos:
Formação básica insuficiente 5
Desmotivados 5
Dedicação parcial aos estudos 5
Interessados só no diploma 4
Imaturos/sem compromisso 2
O Currículo:
Distância entre teoria e prática 7
Falta integração entre as disciplinas 3
Superposição de conteúdos 2
Desatualizado 1
Os Professores:
Falta de disponibilidade do professor aulista 3
Falta de formação didático-pedagógica 2
A Universidade:
Turmas lotadas 7
Estrutura arcáica, burocrática 3
Faltam intercâmbios internacionais 1
Fonte: Dados da pesquisa
professores entrevistados são oriundos de uma trama de situações e contingências não restritas
ao âmbito exclusivo da sala de aula e cujas soluções não dependem única e exclusivamente
dos professores.
No entanto, como afirmou Jodelet (2001), os homens não são apenas automatismos e
nem vivem isolados num vazio social. Eles criam as representações sociais para poderem se
relacionar como o mundo à sua volta, nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos
102
da realidade diária, nos modos de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente,
Dessa forma, torna-se importante perceber no discurso dos sujeitos seus valores,
sentimentos, suas atitudes, enfim, sua posição diante dessa realidade que é a docência. Uma
realidade que aparece nova para esses sujeitos em muitos aspectos, mobilizando os mesmos a
decisões e ações pautadas em suas representações sobre o que é ser professor.
De maneira geral, o grupo demonstrou atitudes de enfrentamento dos desafios por eles
apresentados, no limite do alcance e dos recursos pessoais e profissionais de cada um. Não
contando com maiores oportunidades de suporte pedagógico, esses professores demonstram
que cada um à sua maneira empreende ações que consideram as mais assertivas para superar
esses desafios, como relatam:
Eu busco identificar os alunos que estão trabalhando na área, pois eles trazem
muitos exemplos e situações para sala de aula que tornam as aulas mais
dinâmicas. Além disso, eu consigo descobrir empresas interessantes para fazer
visitas técnicas. (P4)
Olha, eu levo muitos exemplos da minha prática profissional para ajudar os
alunos (...) Então eu consigo ter um retorno melhor dos alunos. Fora isso eu tento
estimular os alunos para a dúvida, fazer perguntas essas coisas (...) Eu tento dar
uma atenção maior para os alunos fora daqui. Eles me mandam e-mail, até me
telefonam aqui para tirar alguma dúvida. Mas eu percebo que eles se interessam
mesmo é pela prática profissional e como eu trabalho aqui na empresa, eu tenho
bastante informação prá passar. (P7)
A relação teoria e prática foi apontada por vários professores, em especial pelos que
estão exercendo a profissão de engenheiro. Eles avaliam como distante essa relação entre a
universidade e o mundo do trabalho e atribuem a essa questão uma das razões para a
desmotivação dos alunos.
Os professores mais envolvidos com a pesquisa (P1 e P2) relataram suprir uma certa
necessidade de atualização dos conteúdos das disciplinas a partir do conhecimento produzido
em pesquisas na Pós-Graduação Stricto Sensu. Produzem textos complementares ao livro
texto, introduzem leituras de artigos científicos, fazem pesquisas em bancos de teses e
dissertações para manterem-se atualizados. Assim se expressa uma professora:
Percebe-se no discurso docente várias ações e recursos para tentar superar os desafios,
como: estágio em indústria (o próprio professor), prova com consulta, trabalho em grupo,
avaliação contínua da disciplina pelos alunos, trabalhar com projetos aplicados à prática,
buscar novas metodologias de ensino, recursos audiovisuais, aproximar dos alunos, marcar
aulas extras com os alunos em dificuldade, promover palestras no âmbito para os alunos de
temas na área de humanas e sociais para tentar superar a dicotomia humanidades e técnicas.
Com a expansão do ensino superior, ampliou-se o acesso das camadas mais amplas da
população à universidade e os professores universitários são levados à transitar em um
contexto cada vez mais heterogêneo de estudantes, os quais tem diversos interesses, diversas
motivações, habilidades e expectativas. Muitos alunos são trabalhadores, mães e pais de
família, adultos com interesses distintos com pouca disponibilidade para uma dedicação
integral à vida acadêmica.(Zabalza, 2004)
Eu vejo que ultimamente tem ficado mais complicado para o professor se relacionar
com os alunos (....). Nós encontramos na sala de aula pessoas que vem de todos os
lugares, com toda a formação moral, ética, humana, cultural, econômica. Então é
um grande desafio, você tem que se aproximar dos alunos, conhecer a realidade
deles.O aluno que trabalha, ele chega cansado na sala de aula, você tem que pensar
numa estratégia para estimular esse aluno.(...) É preciso ter muito jogo de cintura,
às vezes fica meio desgastante. (P10)
Inovar. Esse é o grande desafio. É notório que o perfil do aluno mudou muito nos
últimos tempos e é preciso rever a forma, rever os métodos, você precisa se
aproximar mais dos alunos. Mas como fazer isso numa turma de 60, 70 alunos. (...)
Tenho obtido êxito em turmas de aula prática que são menores, 12 a 15 alunos. (P8)
Olha, tem sido difícil lidar com os alunos de hoje, porque eu vejo às vezes na sala
eles estão dispersos, não tem o hábito de estudar. Tem aluno aqui que nunca foi à
biblioteca.Se a gente dá um trabalho para fazer em casa valendo nota, eles copiam
da internet. É uma pena que esses alunos não participem mais da vida universitária.
Eu não vejo solução para esse problema, talvez tenha que apertar no vestibular.
(P2)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
3. ainda que muitos deles não tenham escolhido a docência como profissão, a maioria a
adota e pretende nela permanecer, pois a considera uma atividade na qual se sente
realizado pessoal e profissionalmente. A defasagem salarial do professor em relação
ao engenheiro é apontada por alguns sujeitos como fator de desvalorização social da
docência. Porém, os aspectos positivos da docência, como a relação com os alunos,
autonomia, clima da universidade, ambiente de trabalho, maiores oportunidades de
ampliar conhecimentos compensam essa defasagem da remuneração, quando
comparados aos aspectos negativos do trabalho na engenharia, considerado
“estressante”, “competitivo”, “sob pressão”;
108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 5.194, de 24 dez. 1966. Regula o exercício das profissões de Engenheiro,
Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo, e dá outras providências.
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (org.). Vidas
de Professores. Porto: Editora Porto, 2000.
ISAIA, Silvia Maria de Aguiar; BOLZAN, Doris Pires Vargas. Formação do professor do
ensino superior: um processo que se aprende? Revista do Centro de Educação. Santa Maria,
114
ISAIA, Silvia Maria de Aguiar. Desafios à docência superior: pressupostos a considerar. In:
RISTOFF, D.; SEVEGNANI, P. (orgs.). Docência na educação superior. Brasília: INEP,
2006.
MINAYO, M. C.S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1994.
NÓVOA, A. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In: FAZENDA, Ivani. A
pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas, São Paulo:
Papirus, 1995.
SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes,
1996.
117
SÁ, C. P. Representações Sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, Mary Jane
(org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia
Social. São Paulo: Brasiliense, 2004.
SPINK, Mary Jane. Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise das
Representações Sociais. In: JOVCHELOVITCH, S.; GUARESCHI, P. (org.) Textos em
representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1995.
ZABALZA, M. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Ernani Rosa (trad.).
Porto Alegre: Artmed, 2004.
119
APÊNDICE A – Questionário
Prezado Professor,
Atenciosamente,
Curso:_________________________________________________________________
Disciplina: _____________________________________________________________
3. Modalidade de vínculo:
a) ( ) Horista. Carga horária: __________
b) ( ) Parcial/20 horas
c) ( ) 40 horas
d) ( ) Integral - DE
12) Como você se sente em relação aos colegas que estão atuando no mercado de trabalho
como engenheiros?
123
P2. Sexo masculino. Leciona nos cursos de graduação e pós-graduação strictu sensu
(mestrado/doutorado) em Engenharia Elétrica. Tem 41 anos de magistério no ensino superior,
aposentado em outro cargo de professor em outra instituição. Graduou-se em Engenharia
Elétrica, fez mestrado e doutorado também em Engenharia Elétrica. Não tem formação
específica para o magistério e pensa ser desnecessário tal formação, pois acredita que, para ser
professor, é necessário ter um conhecimento aprofundado do conteúdo próprio da disciplina e
conhecimentos atualizados sobre o mercado de trabalho, além de manter-se atualizado sobre
as questões que envolvem a área, por exemplo, as questões ambientais. Ingressou no
magistério por influência dos professores do ensino médio, que diziam que ele era excelente
orador e também porque não gostou da experiência de trabalhar na área de engenharia na
indústria. Fez o curso de engenharia porque sempre gostou muito de física e matemática.
Gosta muito de ser professor, identificou-se com a profissão e não trocaria o magistério pelo
exercício da profissão de engenheiro, ainda que considere a profissão de professor mal
remunerada, comparando-se com a de engenharia.
124
P4. Sexo masculino. Leciona no curso de graduação em Engenharia Elétrica. Tem 40 anos de
magistério com vínculo de 40 horas semanais. Graduou-se em Engenharia Elétrica e é
especialista em Sistemas Elétricos de Potência, Engenharia e Segurança do Trabalho e
Estudos Ambientais. Não tem formação específica para o magistério, mas a considera
importante. No entanto, acrescentou que, para ser professor, é preciso ir além dos
conhecimentos de engenharia e pedagógicos. Foi monitor e acredita que essa experiência foi
fundamental para a tomada de decisão de ser professor. Exerceu a profissão de engenheiro
paralelamente à docência, durante muitos anos, no entanto estava insatisfeito com o trabalho
do engenheiro que considerava monótono e tinha que ficar muito tempo viajando e longe da
família. Optou pela docência por achar que era um trabalho mais interessante e dinâmico.
Gosta de ser professor, do convívio na universidade e com os alunos e se sente realizado nessa
profissão, muito mais do que se sentia na engenharia.
engenheiro como consultor, que considera uma profissão que está em alta, e diminuir a carga
horária no magistério.
P8. Sexo masculino. Leciona no curso de Engenharia de Controle e Automação. Tem 18 anos
de magistério e vínculo de 40 horas. Graduou-se e fez mestrado em Engenharia Elétrica. Não
tem formação específica para o magistério e não considera tal formação tão relevante, já que
acredita que o professor se forma na prática, nas trocas entre professores e participando da
126
vida universitária. Acredita que, para ser professor, é preciso ter domínio de conteúdo, visão
de mercado e trabalho, atualizar-se quanto às tecnologias da área, ser uma pessoa flexível e ter
abertura para aprender sempre. Exerce o magistério também no ensino técnico e diz não
perceber muita diferença entre as duas modalidades de ensino (técnico e superior), já que nos
dois casos a preocupação é com a formação profissional. Sente-se realizado na profissão e
gosta do convívio na universidade, do contato com os alunos, de conhecer um grande número
de pessoas. Não trocaria a atividade docente pela atividade de engenheiro, embora perceba
que a profissão de professor não seja tão bem remunerada, já que é preciso, às vezes, ter mais
de um cargo para conseguir uma boa remuneração.
P9. Sexo masculino. Leciona no curso de Engenharia Civil. Tem seis anos de magistério no
ensino superior e é professor horista. É licenciado em Física e graduado em Engenharia Civil.
Fez mestrado em Engenharia Civil. Tem a licenciatura na área de Física e cursou algumas
disciplinas optativas de metodologia do ensino superior, enquanto fazia mestrado. Considera
que tal formação não teve uma contribuição significativa para a sua prática como docente, já
que acredita ter aprendido a ser professor na prática. Ingressou no magistério influenciado por
um professor de física no ensino médio. Cursou engenharia por influência da família, que
considerava que ser engenheiro dava mais status que ser professor. Exerceu a profissão de
engenheiro durante algum tempo, mas nunca deixou de ser professor. Hoje a profissão de
professor é sua principal atividade. Sente-se realizado na profissão e gosta muito da relação
com os alunos e de estar sempre aprendendo com eles.
P10. Sexo Feminino. Leciona nos cursos de Engenharia Mecânica, Elétrica e Controle e
Automação. Tem 20 anos de magistério e vínculo de 40 horas semanais. Graduou-se e fez
mestrado em Engenharia Mecânica. Está terminando o Doutorado também na área de
Engenharia Mecânica. Quando estava terminando a graduação em engenharia, ingressou em
um Programa Especial de Formação Pedagógica para docentes (licenciatura), pois já tinha a
intenção de ser professora. Fez engenharia por influência da formação técnica, já que fez o
curso técnico em mecânica e logo foi trabalhar na área. No entanto, sempre quis ser
professora e a oportunidade surgiu depois que concluiu a graduação em engenharia. Deixou a
atividade de engenheira para ingressar na carreira do magistério por opção. Sente-se realizada
na profissão docente, ainda que considere o professor um profissional pouco valorizado no
que diz respeito à sua remuneração.
127
P11. Sexo masculino. Leciona no curso de graduação em Engenharia Mecânica. Tem 30 anos
de magistério e é professor horista. Graduou-se em Engenharia Mecânica e fez mestrado em
Engenharia Metalúrgica. Não tem formação específica para a docência, mas a considera
importante e acredita que tal formação deveria ser pré-requisito para o ingresso no magistério,
embora reconheça que, por falta de tempo, nunca teve a oportunidade de fazer um curso na
área pedagógica. Ingressou no magistério por acaso, a convite de um colega engenheiro que
também era professor. Identificou-se muito com a docência e diz ter aprendido a ser professor
na sala de aula, na prática, trocando informações com colegas e a esposa, que era pedagoga.
Sempre procurou observar o retorno dos alunos a cada recurso novo que utilizava e foi
percebendo que cada turma funcionava de um jeito, até construir o seu estilo de ser professor.
Acredita que, para ser professor, é preciso manter-se atualizado acerca do conteúdo da
disciplina, do dinamismo tecnológico e dos recursos didáticos. Exerce a profissão de
engenheiro numa empresa, num cargo de direção, e afirma que em breve irá se desligar do
magistério, pois, apesar de gostar muito de ser professor, já está um pouco cansado e vai fazer
a opção somente pela profissão de engenharia, que ele considera mais bem remunerada.