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Resumo

Este artigo visa analisar a intencionalidade presente em determinados gêneros textuais


e sua capacidade de provocar reações à população. Nosso ponto de partida neste tra-
balho é a hipótese de que os gêneros se manifestam o tempo todo em nosso cotidiano
e que influenciam diretamente na formação das concepções do sujeito. De acordo com
Marcuschi, a escolha do gênero em nossa atividade discursiva não é aleatória, mas
comandada por interesses específicos. A partir da análise da presença dos implícitos
no corpus formado por notícias e reportagens, podemos observar como os elementos
que compõem tais gêneros servem de motivação para a mudança de postura de um
sujeito em relação a um determinado assunto. O objetivo geral deste trabalho é, base-
ado na teoria dos Atos de Fala de Austin, mostrar que a escolha do gênero, como ato
locutório, tem um papel importante nos atos perlocutórios provocados. Concluiu-se,
portanto, que a escolha do gênero é determinante no efeito causado pela mensagem,
já que, segundo ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Eliza Guimarães, todo discurso é proferido por sujeitos dominados de
intenções e propósitos definidos, que se exprimem com o intuito de convencer o outro
e chegar a determinadas conclusões.

Palavras-chaves: Gênero textual; Atos de fala; Sujeito.


GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES
IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS
ATOS DE FALA
Carla Bione (Facho)
Geovana Felix (Facho)
Grace Agra (Facho)
Mariana Bezerra (Facho)

INTRODUÇÃO

A comunicação é motivada pela interação social, isto é, entre duas ou mais


pessoas que utilizam um sistema simbólico para trocar informações, compreen-
dendo-as dentro de um determinado contexto. As frases usadas para tal interação,
chamadas de enunciados, possuem sentidos, símbolos e intenções, causando ou
não reações em quem as interpreta. Geralmente, o proferimento de algumas pa-
lavras é uma das ocorrências, senão a principal ocorrência, das várias necessárias
para a realização de um ato. Mas é preciso também que, por exemplo, as circuns-
tâncias em que as palavras foram proferidas sejam, de algum modo, convenientes
para o ato, de fato, se concretizar. Desta forma, dentre outros fenômenos, este
trabalho busca verificar como no dia a dia das pessoas a língua é muitas vezes
“um dizer que provoca um fazer” (Austin, 1990).
É inegável a necessidade de comunicação entre indivíduos de uma sociedade.
Para que esse fenômeno se tornasse possível, foi necessário que houvesse adap-
tações nos meios pelos quais o ato da comunicação ocorre, buscando facilidade
nesta interação entre sujeitos. A partir daí, surgiram diversas pesquisas sobre estes
facilitadores na transmissão de determinada mensagem. Tais estudos tiveram
que considerar vários aspectos, dentre eles o público a que se destina, o veículo
utilizado e o objetivo da mensagem. Chegou-se, então, ao conceito de gênero tex-
tual. Os gêneros são forma de inserção, ação e controle social no dia a dia. Neste
trabalho, consideram-se, basicamente, os conceitos de Bazerman e Marcuschi.

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Os gêneros textuais são encontrados no cotidiano e possuem função social,


estilo e composição característica. Não se trata de um termo imutável, mas dinâ-
mico, pois estamos tratando de um fenômeno usual, que atende à evolução e às
necessidades da língua de um povo. Sua circulação é específica e em ambientes
próprios, pois cada um tem uma função e, para atingir determinado objetivo,
assume uma forma. Portanto, não se pode considerar os gêneros textuais como
estruturas estáticas, visto que são representações culturais e cognitivas de ação
social e retratam a dinamicidade de uma sociedade. Para Carolyn Miller (1984),
apud Marcuschi (2008, p 159), “Gêneros são uma forma de ação social”. Nossa
hipótese é de que os gêneros textuais agem incisivamente nas ações e reações do
indivíduo e mudam drasticamente o comportamento da população.
Os gêneros são utilizados em situações específicas e com intenções pré-
determinadas, trazem ao interlocutor as ideologias do locutor. Para Eliza Gui-
marães, a ideologia é um conjunto de representações que permitem ao sujeito
reconhecer-se e estabelecer-se na sociedade unida por uma concepção comum e
tem uma grande capacidade de mobilizar pessoas e massas e que determina juízo
de valor sobre esta ou aquela situação. Este trabalho é relevante pois permitirá
um olhar nos estudos científicos da Linguística sobre o papel efetivo dos gêneros
pois comprova a força de influência implícita nos gêneros textuais e a ideologia
que cada discurso perpassa veladamente a cada indivíduo.
O presente artigo tem como objetivo geral estudar como a intencionalidade
se expressa por meio dos gêneros presentes no cotidiano da sociedade e de que
maneira influencia a conduta dos indivíduos. Tal estudo procura, especificamente,
desenvolver a Teoria dos Atos de Fala (Austin), e, verificar como estes se mani-
festam nos diálogos encontrados em determinados gêneros textuais. Pretende-se
ainda, comprovar que determinados gêneros textuais são decisivos nas posturas
assumidas pela sociedade e que influenciam diretamente nos conceitos e con-
cepções do sujeito, de acordo com Maingueneau.
Como aparato teórico foram usados os conceitos de Atos de Fala, de Austin
(1990), de Gênero, de Marcuschi (2008), bem como de Bazerman (2011) e ainda as
concepções de Sujeito, de Maingueneau e Pêcheux. Após fichamentos e devidas

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considerações, foram analisados especificamente os gêneros notícia e reportagem


que abordam os temas política, preconceito, AIDS, bebida e trânsito, no período
de 2009 a 2011, a fim de identificar, nos atos locutórios, os traços ilocucionários
presentes em tais gêneros. Então, após tais análises, foram atestados os atos per-
locutórios, ou seja, comprovou-se, também através de tais gêneros do período,
mudança significativa na postura da população.

Gêneros textuais como representação dos atos


de fala

Toda forma de comunicação verbal se dá mediante algum gênero. A socie-


dade age e se comunica por meio de gêneros textuais. Inserto nesses gêneros
encontra-se a intenção de algo, fazendo deles uma forma de ação social. Age-se
por meio de algum ato de fala. Quando o indivíduo se expressa por meio de um
gênero, ele executa um ato da fala. Para Austin (1990), a linguagem é ação, uma
ação que ocorre de uma fala. Dessa forma, os gêneros textuais podem ser vistos
como uma reprodução dos atos de fala.

Conceito de gênero textual

Os gêneros textuais são diferentes dos tipos textuais, eles abordam o meio
em que uma informação é passada. Podemos encontrá-los em músicas, poemas,
placas de trânsito, requerimentos, notícias, reportagens, etc. Os gêneros textu-
ais integram a estrutura comunicativa da sociedade, sendo uma forma de ação
social. Todo indivíduo age por meio de algum gênero textual, seja uma conversa
ao telefone, seja por uma ordem em alguma placa, ou diante de uma informação
por meio de uma notícia.
Cada gênero textual tem uma forma e uma função na sociedade; uma notí-
cia tem um formato específico e a função de informar algo para a sociedade, por
exemplo. As tipologias textuais estão ligadas aos gêneros, podendo conter mais

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de um tipo textual presente em um determinado gênero. Por exemplo, em uma


conversa via internet, pode-se encontrar uma narração e uma descrição juntas.
Os gêneros textuais, para serem compreendidos, apresentam suporte. Mar-
cuschi (2008) define suporte como “um locus físico ou virtual com formato es-
pecífico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como
texto”. O suporte fixa o texto e o torna acessível no âmbito da comunicação. São
dois tipos de suporte: O suporte convencional é produzido exclusivamente para
textos, o suporte incidental pode apresentar algum texto, contudo ele não foi
feito para essa finalidade. Ex: o corpo humano de um indivíduo escrito com uma
frase de protesto é um suporte incidental, e outdoor com alguma propaganda ou
aviso é um suporte convencional.
O gênero textual engloba o discurso, para analisá-lo, além de levar em con-
sideração o discurso, é preciso também observar os aspectos socioculturais, pois
Segundo Bronckart (2001), os gêneros textuais são instrumentos de adaptação e
participação na vida social e comunicativa, isto é, a sociedade age por meio dos
gêneros. Nessa perspectiva, esse estudo consiste em analisar como os gêneros
discursivos influenciam o sujeito na sociedade e como ele age de acordo com
tais gêneros.

Gênero como prática discursiva

O gênero textual, de acordo com Marcuschi (2008), é uma forma de legiti-


mação discursiva, pois é por meio dele que se constroem discursos. O discurso
pode estar contido em diversos gêneros, como em propagandas, notícias, em
uma conversa informal, etc. Para Orlandi (2001, p. 21) o discurso seria “o efeito de
sentidos entre locutores”. De acordo com Pêcheux (1969), um discurso não pode
ser estudado como um texto, é preciso fazer alusão a outros discursos plausíveis,
levando em consideração as condições de produção. Enquanto Maldidier (2003)
afirma que

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o discurso deve ser tomado como um conceito que não se confunde com
o discurso empírico sustentado por um sujeito, nem com o texto, um
conceito que estoura qualquer concepção comunicacional de linguagem.
(2003, p.21)

Portanto, o discurso pode ser entendido como um espaço de legitimidades


enunciativas o qual possui regras sociais e históricas definidas no tempo, que re-
gulam determinada época a função enunciativa do indivíduo ou instituição. Ou
seja, o discurso demarca uma identidade. É o que afirma Maingueneau:

O discurso não é nem um sistema de “ideias”, nem uma totalidade estra-


tificada que poderíamos decompor mecanicamente, nem uma dispersão
de ruínas passível de levantamentos topográficos, mas um sistema de
regras que define a especificidade de uma enunciação. (2008, p.19)

Logo, o discurso não pode ser entendido somente como um conjunto de


textos, mas como prática discursiva, uma vez que produz efeitos de sentido no
outro e no próprio locutor. O campo semântico da linguística, extrapolando o
enunciado e a enunciação, possibilita, segundo Maingueneau (2008) “tornar es-
ses textos comensuráveis com a “rede institucional” de um “grupo”, aquele que a
enunciação discursiva ao mesmo tempo supõe e torna possível”.
Segundo Orlandi (2012), não existe discurso neutro, sendo todo discurso
ideológico. A língua e a ideologia estão presentes nos discurso. Todo sentido de
uma palavra é determinando por alguma posição ideológica do sujeito, inserta em
um contexto social e histórico. Sendo, dessa forma, o sujeito marcado ideologi-
camente. Dessa forma, os interlocutores podem enunciar a mesma fala e, mesmo
assim, produzir diferentes efeitos de sentido para o que foi dito. Isso acontece
devido ao fato do sujeito possuir ideologias diferentes do outros interlocutores.

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A teoria dos atos de fala nos gêneros

Nossa língua é composta de elementos os quais nos auxiliam na comunicação


com o outro e com o mundo. Esses elementos podem expressar uma ordem, uma
declaração, etc. A ação de falar pode provocar diversas situações em algum tipo
de gênero textual, inclusive desentendimentos por conta da estrutura gramatical
que, muitas vezes, não se relaciona com o contexto. A Filosofia da Linguagem
Ordinária estudou o ato de falar e percebeu como as construções gramaticais po-
dem ser confusas. Para tanto, Austin (1990) questionou teorias que explicassem
questões, exclamações e sentenças que expressam comandos, desejos e concessões.
Segundo Austin, a linguagem é ação, ação advinda de uma fala. Partindo desse
pressuposto, o enunciado foi dividido pelo autor em performativos e constatativos.
Existem declarações que apenas dizem algo sobre o mundo, não expressa ação.
Para esse tipo de enunciado, Austin chamou de constatativo. O ato constatativo
trabalha com a concepção de verdadeiro e falso. Se tal declaração não foi ver-
dadeira, ela ainda assim existirá. O exemplo “A sala está vazia” é um enunciado
constatativo, pois não houve nenhuma ação expressa, apenas uma declaração.
Os enunciados performativos são aqueles que expressam algo quando são
ditos. Expressam uma ação quando são pronunciados. O exemplo “Ordeno que
saia da sala” provoca uma ação por meio da linguagem. Austin chamou todos
os verbos da primeira pessoa do modo indicativo de verbos performativos, por
indicarem ação em um enunciado. Austin dá, dentre outros, o seguinte exemplo:

“Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth” – quando proferi-


do ao quebrar-se a garrafa contra o casco do navio. [...] Esses exemplos
deixam claro que proferir uma dessas sentenças (nas circunstâncias
apropriadas, evidentemente) não é descrever o ato que estaria pra-
ticando ao dizer o que disse, nem declarar que o estou praticando: é
fazê-lo. (1990, p.24)

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Enquanto o ato constatativo trabalha com a concepção de verdadeiro e falso,


o performativo analisa as situações de felicidade, que são as situações as quais
permitem a ação. No exemplo “Eu os aprovo”, as situações de felicidade necessá-
rias são um ambiente acadêmico, um docente, etc.
Após essa divisão, Austin percebeu que mesmo sem os verbos performati-
vos, o ato performativo poderia ocorrer. Analisando a situação do contexto, uma
estrutura constatativa poderia tornar uma performativa. No exemplo “A sala está
quente”, pode ser apenas uma declaração ou pode provocar uma ação quando
alguém age para ligar um condicionador de ar.
Austin divide os atos de fala em três níveis de ação linguística: locucionário
ou locutório, ilocucionário ou ilocutório e perlocucionário ou perlocutório. O
locucionário é apenas a declaração emitida, o ilocucionário é a intenção de pro-
vocar uma ação e o perlocucionário é o efeito que tal intenção causou. Os três
níveis podem ocorre em uma mesma sentença. No exemplo “Eu autorizo o aluno
a ir à biblioteca”, tem-se o ato locucionário (a declaração feita), o ilocucionário
(a intenção de provocar que o aluno vá ao local desejado) e o perlocucionário
(quando o aluno vai ao local ordenado). Se o ato perlocucionário não ocorre, ou
seja, se o aluno não vai à biblioteca, ocorre uma situação de infelicidade, isto é,
não houve condição para a ação acontecer. Austin separa o ato ilocucionário do
perlocucionário conforme citação abaixo:

O efeito equivale a tornar compreensível o significado e a força da locu-


ção. Assim, a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua
apreensão. O ato ilocucionário “tem efeito” de certas maneiras, o que se
distingue de produzir consequências no sentido de provocar estado de
coisas de maneira “normal”, isto é, mudanças de no curso normal dos
acontecimentos. (1990, p. 98)

Contudo, percebe-se que o ato ilocucionário tem relação com a produção de


efeitos em determinados sentidos, enquanto o ato perlocucionário conceitua-se
na produção de alguma conseqüência. Dessa forma, percebe-se que nos gêneros

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textuais encontramos a presença dos atos locucionário e perlocucionário, pois em


uma propaganda de camisinha, por exemplo, a intenção é que o indivíduo se pre-
vina contra as doenças sexualmente transmissíveis, ocorrendo o ato locucionário,
e quando o mesmo usa o produto, havendo a ação, ocorreu o ato perlocucionário.
Com isso ratifica-se que o gênero é uma forma de ação social.

A influência dos gêneros textuais na


formação do sujeito

Todo gênero possui mais que uma mera proposta informativa, pois ele é cons-
tituído de um discurso que possui interdiscursos e, esse mesmo gênero, repassa a
textos posteriores ideias que determinam mudanças sociais em vários âmbitos da
vida, pois como afirma Bazerman (2011,p.22) “cada texto se encontra encaixado
em atividades sociais estruturadas e depende de textos anteriores que influenciam
a atividade e a organização social.” Portanto, os gêneros são formadores de fatos
sociais ou atos de fala. Bazerman (2011, p.23) conceitua fatos sociais como “as
coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras e, assim, afetam o modo
como elas definem uma situação.” Mas, para que isso aconteça, faz-se necessário
que esses fatos sociais sejam encarados como verdades.
Se a informação da existência de um mosquito transmissor da dengue fosse
revelada por um indivíduo embriagado, certamente o efeito que se obteria seria
qualquer um, menos o de prevenção por parte da população. Pois, se as pessoas
não acreditassem que a picada do mosquito da dengue poderia ocasionar danos
à saúde, certamente não tomariam ações preventivas. Em contrapartida, se elas
acreditassem, logo tomariam a medidas necessárias. Isso se dá porque como afir-
ma Austin (1990) as palavras não limitam-se a afirmações, mas realizam coisas.
Contudo, Bazerman (2011) declara que para que as nossas palavras sejam
transformadas em atos, elas devem ser proferidas pela pessoa certa, na situação
certa, com a soma exata de compreensões. Dessa forma, se esse ato enunciati-
vo é realizado pelo Ministério da Saúde, de forma recorrente, por intermédio

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

de propagandas, notícias ou é publicado nas capas de uma revista amplamente


conhecida, esse “dizer” instigará um “fazer”, ou seja, um fato social. Pois, para
que o ato de fala seja bem-sucedido, é primordial a existência das condições de
felicidade, conforme já visto neste trabalho.
No caso analisado, ocorre um fato social. Primeiro, há uma tipificação dos
gêneros citados, pois entendemos que eles enunciam fatos sociais, reais. Isso
difere do pacto ficcional pré-existente entre o autor e o leitor de um romance
que mimetiza a realidade. Segundo, porque ao escrevê-los o autor fortalece seus
argumentos com declarações de especialistas, depoimentos pessoais, resultado
de pesquisas com órgãos responsáveis. Sendo assim, o texto torna-se um lugar de
encontro com diferentes formas discursivas e cede lugar a essas diferentes vozes
que influenciam e formam opiniões. Terceiro, porque ao ler, o sujeito direciona-
se para um espaço social comunicativo onde ele adota atitudes e possibilidades
de ação daquele lugar. Se ele ler que evitar os focos das larvas do mosquito não
só evita a dengue como é uma ação de cidadania, possivelmente ele se sentirá
instigado a se reposicionar para ocupar o papel de cidadão consciente, digno de
admiração.
Como salientado neste trabalho, os gêneros estão na sociedade não apenas
para declarar, mas para causar ações. Eles são utilizados como meio para persuadir
outros a respeito do que pensamos, desejamos. E a recorrência de determinados
temas nos diferentes gêneros, faz com que haja uma mudança nas formações
discursivas dando continuidade ao constante processo de heterogeneidade dis-
cursiva e a formação dos atos perlocucionários.

O sujeito na perspectiva do gênero

No que se refere ao sujeito há diferentes conceitos considerados pela análi-


se do discurso, porque decorrente de cada noção de discurso, têm-se diferentes
noções de sujeito.

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Anais Eletrônicos - XI EELL

Para a Análise do discurso, o sujeito não é originador do próprio discurso,


pois o processo discursivo é formado por uma máquina discursiva, ou seja, o seu
discurso é um enunciado delimitado por regras específicas. Dessa forma, quem fala
é uma instituição, uma teoria ou uma ideologia. Na Análise do discurso, o sujeito
não mais representa uma unidade, ele representa a ideia de função, ou seja, a sua
fala depende da posição que ele ocupa no espaço interdiscursivo. Sendo assim,
para que o seu discurso faça sentido, é necessário que ele se guie pela formação
ideológica atribuída a sua posição social.
Na perspectiva da Análise do Discurso francesa, a noção de sujeito deixa de
ser uma noção idealista, imanente: o sujeito da linguagem não é o sujeito em si,
mas interpelado pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte
absoluta do sentido, porque na sua fala, outras falas se dizem. Na AD, o sujeito
constituído na e pela linguagem é sujeito do inconsciente; sujeito marcado ide-
ologicamente. Assim, para Pêcheux e Fuchs (1975/1990), a ilusão do sujeito se
dá quando ele esquece que é assujeitado pela formação discursiva em que está
inserido ao enunciar e por acreditar que é consciente de tudo que diz e por isso
é controlador dos sentidos de seu discurso. Como ainda afirma Marcushi (2012,
p.70) “Em suma pode-se dizer que o sujeito não é nem assujeitado nem totalmente
individual e consciente, mas produto da relação entre linguagem e história.”
Dessa forma, um texto possui traços de textos anteriores e, como todo gê-
nero possui discurso e todo discurso, ideologia. O indivíduo não está isento de
influenciar e ao mesmo tempo de ser influenciado a agir na sociedade. Porque o
discurso é formado pela interpretação textual que, ao relacionar língua e história,
constrói um sentido originador de uma ideologia e sendo a ideologia a condutora
das ações, o indivíduo age porque é um sujeito influenciado por ela.
Vê-se então que os gêneros são poderosos instrumentos, pois ao ler um tex-
to, o indivíduo automaticamente faz uso de sua memória discursiva e relaciona
esse texto com outros antecedentes e com isso essa teia infinita de discursos que
perpassam uns pelos outros seguem infinitamente criando a formação discursiva
de acordo com a história, com a sociedade. Os gêneros não são escritos de forma

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

aleatória, mas de acordo com as necessidades e intenções do sujeito que os escreve


direcionados aos sujeitos nos quais ele se relaciona.
A linguagem acompanha o tempo e o tempo é feito na e pela linguagem.
Uma propaganda de lingerie não utilizará uma mulher vestida com uma lingerie
do primeiro século, a menos que queira mostrar como a mulher conquistou in-
dependência sexual no decorrer da história, pois quem a produz é um ser social
consciente de que atualmente esse tipo de vestimenta não supre as necessidades
das mulheres,visto que a sexualidade feminina é muito mais externada do que
no passado e, quando se pensa em passado nesse campo discursivo, automati-
camente se atrela a isso a ideologia da subalternização, lugar do qual a mulher
moderna quer distância. Ele sabe disso porque os diferentes gêneros ao longo do
tempo discorrem a respeito desse tema e esse sujeito autor por assim dizer usará
dessa memória discursiva para vender, para persuadir o público alvo a respeito
do seu produto. Logo, para fazer uma propaganda de lingerie feminina ele usará
imagem de uma mulher sedutora, com um corpo bem definido de acordo com
os estereótipos modernos.
Dessa forma ele não estará vendendo uma peça, mas o poder de sedução,
a perfeição, liberdade sexual, o fetiche ou feitiço que, Segundo Freud, faz do
erotismo uma prazerosa relação com as peças íntimas por meio do qual a satis-
fação pessoal se dá através de objetos ou ornamentos. E assim, o público alvo,
as mulheres, passará a olhar para esse objeto com anelo, pois influenciadas por
essas ideologias, se identificarão com aquela imagem de poder, sedução. Muitas
movidas e assujeitadas pelas ideologias implícitas no discurso farão uso do pro-
duto achando que, ao vesti-lo, acionarão o botão da supremacia feminina ficando
lindas e irresistíveis.
Portanto, os gêneros são grandes responsáveis pelas ações sociais, sendo uti-
lizados pelo sujeito e para o sujeito como mecanismos de atingir os seus desejos
e dar continuidade aos diversos sistemas na sociedade.

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Anais Eletrônicos - XI EELL

A persuasão implícita nos discursos como mecanismo


formador dos fatos sociais

Conforme ressaltado neste trabalho, todo gênero textual possui discurso


que é repleto de interdiscursos e, consequentemente, ideologias, como afirma
Austin (1970) quem fala possui uma intenção que, nem sempre, é meramente
informativa. Nesse aspecto, a reportagem, tal como a capa de revista, são gêneros
bastante representativos, pois os discursos e interdiscursos neles contidos, podem
ser facilmente identificáveis por meio de uma análise dos elementos semióticos e
escolhas lexicais. Um dos meios de evidenciar mais claramente isso é considerar
conceitos como imparcialidade e objetividade no jornalismo, visto que, uma aná-
lise minuciosa do material – segundo os preceitos da Análise do Discurso, pode
revelar, exatamente, o oposto: parcialidade e subjetividade. Para isso, iremos ana-
lisar a capa da revista (1) Veja do dia 05 de Maio de 2010 “Ser jovem e gay, a vida
sem dramas”, bem como a reportagem (2) que discorrem a respeito do tema da
homossexualidade. Apresentando, por meio da análise dos dois gêneros citados,
como estes podem influenciar as ações sociais.

Texto 1

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Ao analisar a capa da revista Veja do dia 05 de Maio de 2010, não é difícil


identificar os interdiscursos presentes nos elementos fotográficos e textuais
apresentados. A capa da revista apresenta a imagem de um jovem agachado e
enquadrado num ângulo de 90 graus, de forma atípica, por meio da qual, a ideia
de que ele está prestes a sair de algum lugar, é suscitada. Esse jogo semiótico surge
acionando uma memória discursiva no receptor que remete a expressão popular
“saiu do armário”, com o intuito de mostrar que há uma parte da sociedade que
percebe a homossexualidade como um posicionamento fora do padrão e, por isso,
alguns tendem a escondê-la.
Contudo, simultaneamente, a imagem mostra alguém que não se encontra
com uma expressão de temor, por se sentir ameaçado ou constrangido, pois, o
jovem sorri , olha adiante. E as linhas que sucedem o título complementam: ”[...]
assumiu-se gay para a família e os amigos aos 14”, o verbo “assumir” denota uma
atitude de autoaceitação, ou seja, estar num posicionamento (sexual) diferente e
assumi-lo, não significa sentir-se vítima, infeliz ou sem perspectiva.
O título diz: “Jovem e gay”. Observa-se que essa escolha na posição dos ter-
mos, suaviza o possível impacto causado ao leitor, diferente do que seria: Gay e
jovem. Além da atenuação desse impacto, há a ideia de equiparação dos substan-
tivos, no intuito de transparecer que, ser gay é tão natural quanto ser jovem, ou
seja, as escolhas lexicais e o posicionamento dos termos no título da reportagem
expressam uma intenção por parte desse sujeito autor de suavizar a polêmica em
volta do assunto, bem como de “naturalizá-la”.
Dando continuidade a ideia expressa do gênero capa da revista (1), que possui
um caráter mais imediatista visando impactar e instigar no público leitor o inte-
resse sobre o tema, a reportagem(2) dá seguimento aos discursos apresentados na
capa(1), porém, com mais amplitude. O autor fortalece os argumentos utilizados
no gênero anterior (1), esmiuçando o tema.

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Anais Eletrônicos - XI EELL

A reportagem1 inicia por tentar transmitir ao leitor a ideia da inerência da


homossexualidade. Conforme podemos observar no trecho seguinte.

(2) [...] “No início da adolescência, já me sentia atraída por meninas.


Aluna de um colégio de freiras havia crescido ouvindo que o amor en-
tre pessoas do mesmo sexo era algo imperdoável, mas nunca vi a coisa
assim. [...] A mim, parecia natural. Aos 14, até tentei namorar um menino.
Não funcionou. Um ano depois, quando me apaixonei de verdade por uma
garota [...] Por que me sentir uma criminosa por algo que, afinal, diz
respeito ao amor?”

Ao iniciar o texto com depoimentos em primeira pessoa, a reportagem,


momentaneamente, oculta sua voz e dá lugar a um processo de efeito monoló-
gico, onde o leitor é envolvido pela voz de quem narra. E os termos destacados
como no trecho da reportagem surgem como elementos indicadores de tempo
e constância, ou seja, não há o que modificar, sempre foi assim. As expressões
“o amor entre as pessoas”, “me apaixonei de verdade”, surgem conduzindo
o tema para o campo discursivo do sentimento, visto que na sociedade o sexo
é discutido no âmbito dos preceitos morais, mas o amor, o sentimento, é tido
como sinônimo de pureza e inerência a vida, como enfatiza a indagação no final
do depoimento: “Por que me sentir uma criminosa por algo que, afinal, diz
respeito ao amor?” Com isso, o discurso do preconceito é enfraquecido e faz
com que o leitor pergunte-se: Será que não é mesmo natural?
Essa busca pela ideia de naturalidade e apelo emocional é recorrente como
um forte mecanismo de persuasão, pois o termo “natural’ é citado mais de seis
vezes ao longo do texto. E depoimentos das mães dos jovens representam um
forte apelo emotivo. Pois o personagem da mãe apresenta-se como um sujeito
dividido, por um lado ela nega a realidade e sofre e com a homossexualidade do

1. Reportagem veiculada na Revista Veja em maio de 2010.

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

filho – “Acho que toda mãe percebe, a contragosto e com dor, quando seu
filho é gay [...] Cheguei a rezar anos a fio por um milagre”, mas, a seguir,
se reposiciona e enuncia do lugar de mãe – “Passado o choque, entendi que
meus sonhos em relação a ele precisariam ser completamente reconstruí-
do [...] Sinto que o fato de uma mãe tomar essa iniciativa ajuda a espantar
o preconceito”. Assim, o texto se aproxima do leitor levando-o a uma atitude
responsiva ativa. Ao ler o relato, o leitor é induzido a identificar-se com a figura
materna, os termos “mãe” e “filho” permeiam todo o relato. Desta feita, a ques-
tão da homossexualidade perde o espaço para a relação mãe-filho e, nesse jogo
emotivo, o discurso da mãe emerge e se sobrepõe.
A incitação à memória discursiva do leitor também perpassa por toda a
reportagem, pois citar os jovens como exemplos no que se refere à ausência de
preconceito, reforça a ideia de que é necessário se modernizar, visto que a imagem
do jovem é uma metáfora do futuro e diferir disso é estar no passado, ou seja, é
ser antiquado, preconceituoso, intolerante e ignorante.
A repetição como ênfase (a homossexualidade não é uma escolha), o forte
apelo emotivo e a incitação à memória discursiva, como mencionado, são fortes
mecanismos utilizados nos dois gêneros a fim de persuadir, de induzir o sujeito
a agir de acordo com as ideologias ali apresentadas, pois a recorrência desses dis-
cursos repletos de interdiscursos e, consequentemente de ideologias a respeito de
um determinado tema, tenderá a causar uma mudança na postura desse cidadão
em relação à homossexualidade, pois como defendido neste trabalho, o sujeito
enuncia inscrito num espaço discursivo demarcado pela formação ideológica que
o rege. Como Brandão afirma:

“O sujeito do discurso é um sujeito ideológico, isto é, sua fala reflete os


valores, as crenças de um momento histórico e de um grupo social. (...)
Na sua fala outras vozes também falam, o sujeito do discurso se forma,
se constitui nessa relação com o outro, com a alteridade.” (BRANDÃO,
2010, p.09).

259
Anais Eletrônicos - XI EELL

O sujeito se constitui numa relação com o outro por alteridade, ou seja,


para ser homem social ele interage e interdepende de outros indivíduos. Logo, o
leitor tendo acesso a discursos em gêneros recorrentes de que a homossexuali-
dade é natural, que pode ocorrer na sua família e que não aceitá-la é ‘antiquado’
e sinônimo de ‘ignorância’, paulatinamente ele se reposicionará para não ser
visto na sociedade de forma indiferente Vê-se, que os gêneros são instrumentos
formadores da cidadania, e agem de acordo com a intenção pretendida. Como
Bazerman afirma:

“O surgimento do gênero está intricadamente ligado às mudanças nas


relações e nos papéis profissionais, às mudanças institucionais, ao surgi-
mento de normas e identidades profissionais, à ideologia, à epistemologia,
à ontologia e à psicologia. “(BAZERMAN, 2005, p.60)

Portanto, a sua circulação diversa tem uma grande importância social, pois
é por meio deles que agimos na sociedade e instigamos o outro a agir.
É digno de nota salientar que a reportagem e a capa da revista “Ser jovem e
gay, uma vida sem dramas”, da revista Veja, não estão inseridas dentro do veículo
como textos de cunho opinativo. Todavia, ao escrever sobre a homossexualidade
de forma sutil, não agressiva, o autor consegue um efeito mais contundente do
que se falasse diretamente a respeito do preconceito sexual. Embora se apresente
primariamente como um ato locucionário, uma análise mais aprofundada poderá
revelar as intenções, ou seja, os atos ilocucionários existentes nos dois gêneros,
com o objetivo de causar no leitor atos perlocucionários,ou seja, o não preconcei-
to em relação a homossexualidade. Pois como Foucault apud Mainguenau (2008
p.16) afirma, discurso é:

Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no


tempo e no espaço, que definiram, em cada época, e para uma área social,
econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da
função enunciativa.

260
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Vê-se, portanto, que o discurso atravessa discretamente os gêneros tornando-


os, por meio das ideologias, condutores de ações almejadas para a sociedade.

A propaganda e as notícias na prevenção da AIDS

A notícia e a propaganda são gêneros textuais que circulam em sociedade


de maneira constante, de modo que os cidadãos formam opiniões e executam
ações por meio de tais gêneros. O discurso transmitido por eles faz o sujeito agir
no meio social de acordo com a mensagem passada. Nos gêneros publicitários e
jornalísticos encontramos discursos de prevenção, conscientização, altruísmo, etc.
No âmbito do discurso sobre prevenção, tem-se o combate à AIDS, uma doença
na qual já se vem lutando há alguns anos.
É bastante comum encontrar na sociedade propagandas sobre a prevenção da
AIDS, sobretudo em época de carnaval. Em uma campanha realizada no carnaval
de 2011, no estado de Tocantins (vide anexo), a secretaria de saúde publicou em
um outdoor os seguintes enunciados:

Texto 2

“Não esqueça ste abadá. Preserve sua saúde para os próximos carnavais”.
No canto esquerdo superior tem-se o seguinte enunciado:
“Sou do bloco da vida”.

261
Anais Eletrônicos - XI EELL

De acordo com a teoria da Análise do Discurso de Linha Francesa, no enun-


ciado “sou do bloco da vida”, encontra-se a presença do interdiscurso. De acordo
com Orlandi (2001, p. 31), o interdiscurso “é definido como aquilo que fala antes,
em outro lugar”. Isto é, tal enunciado já foi dito antes, em carnavais passados, e
só faz sentido porque houve um já-dito.
No enunciado “não esqueça este abadá”, ainda de acordo com a AD de Linha
Francesa, houve um deslizamento de sentido, pois o termo “abadá” remete ao
preservativo, ressignificando o sentido da palavra, que passa a ser o de prevenção.
Enquanto na frase “preserve sua saúde para os próximos carnavais”, percebe-se
o verbo no imperativo, comum no gênero publicitário, chamando a atenção da
sociedade sobre a importância do uso do preservativo em relação à saúde.
No gênero notícia, pode-se identificar fenômenos persuasivos semelhantes.
A notícia publicada no portal do Diário de Pernambuco, em 28/11/2011, com o
título “AIDS maior entre jovens gays preocupa Ministério” (anexo II) apresenta o
ato ilocucionário que poderá permitir atos perlocucionários esperados. No título,
percebe-se a ideia da repetibilidade, segundo a Teoria da Análise do Discurso de
Linha Francesa, considerando que a AIDS foi descoberta anos atrás. O discurso
de antes denominava a AIDS de “câncer gay”, em que o preconceito contra os
homossexuais era altíssimo.
Para dar credibilidade ao texto, a notícia faz uso de estatísticas em que tais
apontam o público homossexual como sendo o público mais afetado, entretanto
a notícia faz um contraponto notado no fragmento abaixo:

Ainda que identificadas essas tendências, o Ministério da Saúde assinala


que não existe população mais ou menos vulnerável e que o problema é de
comportamento. “Sexo sem proteção é o fator de maior predisposição para
a infecção”, Assinalou o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa.

Esse fragmento mascara a ideia da repetibilidade do discurso, pois o sentido


da ideia de “câncer gay” não cabe mais na sociedade de hoje, logo ele foi refutado.
Hoje, o discurso é combater a AIDS e o preconceito, por isso que a discrimina-

262
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

ção no texto não fica evidente e é logo disfarçada por fragmentos do mesmo tipo
supracitado e por dados estatísticos. Pode-se notar a ludibrio do preconceito em
mais um fragmento abaixo:

“A AIDS não escolhe pacientes, não escolhe cara”, acrescentou o ministro


da Saúde, Alexandre Padilha, que salientou que o estigma em torno da AIDS
atrapalha o conhecimento sobre a infecção e o tratamento. “Preconceito
afasta as pessoas do diagnóstico”, ponderou o ministro.

Nesse trecho percebe-se a escolha lexical para enfatizar que o preconceito


contra quem é portador do vírus é mais grave do que a própria doença, nota-se
isso no enunciado “preconceito afasta as pessoas do diagnóstico”. O verbo “afastar”
está transmitindo a ideia de que a falta de conhecimento sobre a AIDS por conta
do preconceito, faz com que a pessoa infectada não procure ajuda.
Com alguns esclarecimentos sobre a AIDS, vistos no decorrer da análise, o
leitor adquire conhecimento sobre o assunto, passando a conhecer melhor sobre
esse universo e, com isso, o preconceito começa a diminuir na sociedade.

A notícia e a reportagem na organização do trânsito

Tal como já foi ressaltado, os gêneros textuais são os textos que encontra-
mos no nosso cotidiano e que singularizam padrões sociocomunicativos especí-
ficos definidos por composições funcionais e objetivos enunciativos. Os gêneros
se expressam em situações diversas, como a notícia e a reportagem que foram
estabelecidas como objetos de análises no presente texto. É muito comum reco-
nhecermos rapidamente quando um texto pertence a um ou outro tipo familiar,
porque distinguimos algumas características textuais que nos anunciam que tipo
de mensagem pode ser aquela.
Tratando-se de uma notícia, reconhecemos o seu propósito de nos informar
sobre uma determinada ocorrência. Trata-se de um texto bastante corriqueiro nos
meios de comunicação, seja impressa em jornais ou revistas, propagada pelo mun-

263
Anais Eletrônicos - XI EELL

do virtual ou retratada pela televisão. Por conseguinte, espera-se que a mensagem


publicada seja clara, objetiva e precisa, eximindo-se de quaisquer possibilidades
que possam ocasionar diversas interpretações por parte do alocutário. Bazerman
(2005, p.36-37) considera os textos escritos mais complexos de serem analisados,
pois cada sentença pode encerrar vários atos de fala, o que amplia a sua proble-
matização. Não obstante, consideramos o texto de um modo geral focando em
uma ou algumas ações dominantes que definem sua intenção e propósito.
Por serem situados histórica e socialmente, os gêneros são adjacentes a cons-
tituição do sujeito que é representado pelo autor. É nesta função como autor que
sua relação com a linguagem está submetida ao controle social. Desde que nos
estabelecemos como seres sociais, estamos inseridos num espaço sociodiscursivo
em que os gêneros são utilizados como instrumentos de domínio e manipulação,
sendo que seu poder depende de nossa inserção e poder social. No gênero no-
tícia, o discurso se manifesta linguisticamente no texto. A linguagem enquanto
discurso é interação. É insigne que o enunciado produzido pelo autor (sujeito)
incorpora atos de fala, portanto a produção de uma notícia não é neutra uma vez
que todo o processo está engajado numa intencionalidade representada pelo ato
ilocucionário. Observemos que, no seguinte trecho (A) extraído de uma notícia
que relata um acidente de trânsito veiculada na internet, é possível ir de encontro
às marcas do discurso que está intrínseco ao léxico selecionado pelo sujeito que
se constitui como autor ao constituir o texto.

(A) “Um homem embriagado [...] causou um acidente de trânsito e ma-


tou uma pessoa em Olinda, Pernambuco. O atropelamento aconteceu
na madrugada deste sábado. [...] Segundo a polícia, o nível de álcool no
sangue do suspeito estava acima do permitido.”
(O globo. Mecânico embriagado pega carro de cliente, atropela e
mata motociclista em Olinda. Recife, 2010. Disponível em: <http://
oglobo.globo.com/pais/mecanico-embriagado-pega-carro-de-cliente-
atropela-mata-motociclista-em-olinda-2969021> Acesso em: 23 maio
2013.)

264
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

O sujeito constitui uma ideologia e essa ideologia é perpassada ao alocutário,


por vezes de forma inconsciente. Ao caracterizar o substantivo “homem” com
o adjetivo “embriagado”, o autor propaga a ideia de que, por estar embriagado,
o homem causou o acidente de trânsito. Em outras palavras, se o homem não
houvesse ingerido bebida alcoólica, o acidente não seria uma realidade. Em se-
quência, o autor expõe o que foi dito por uma entidade de autoridade, a polícia,
de forma a comprovar que a atitude do motorista, o homem, não foi adequada.
Ou seja, uma vez embriagado, não se deve dirigir.
Diferentemente de uma notícia, que apresenta um caráter mais imediato, o
gênero reportagem acrescenta detalhes e contextualização ao que foi relatado.
Na reportagem há a necessidade de uma pesquisa mais detalhada e ampliação
do fato principal. Nesse tipo de texto, a subjetividade do autor pode aparecer de
forma mais explícita, por meio de expressões em primeira pessoa. Sendo assim,
o discurso passado carregará algumas significações específicas de uma estrutura
social correspondente a qual sujeito está imerso.
Numa reportagem, o autor levanta as consequências e os dados atribuídos aos
acidentes de trânsito quando o fator determinante é o motorista que consume be-
bidas alcoólicas. Em geral, nas reportagens aparecem comentários de especialistas
entrevistados pelo autor na tentativa de obter mais dados para o texto. No caso
deste fragmento (B) retirado de uma reportagem do Diário Catarinense online,
foi questionado ao presidente do Movimento Nacional para Educação no Trânsito
(Monatran), Roberto Bentes de Sá sua opinião sobre a imprudência no trânsito.

(b) [...] “é preciso ter responsabilidade e não dirigir alcoolizado. [...] Antes
de pegar o volante, faça uma reflexão. A vida é o bem maior que Deus nos
deu. Tem que parar e pensar porque não é só a própria vida que está em
risco, mas a vida de outras pessoas também”. [...]
(Bulegon, Melissa. Embriaguez ao volante já causou 799 acidentes
em rodovias federais de Santa Catarina. Santa Catarina, 2011. Dispo-
nível em: < http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2010/11/
embriagemb-ao-volante-ja-causou-799-acidentes-em-rodovias-federais-
de-santa-catarina-3106936.html. Acesso em: 02 junho 2013.)

265
Anais Eletrônicos - XI EELL

De acordo com a Análise do Discurso, o sentido é determinado pelas posições


ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são
produzidas, logo, as palavras adquirem um novo sentido de acordo com quem
as emprega. Como considerado no exemplo anterior (B), a opinião de uma auto-
ridade ou alguém que dispõe de conhecimento sobre o tópico versado é levado
em alta consideração e acrescenta veracidade e legitimação ao que está sendo
debatido, pois essa autoridade é baseada numa série historicamente desenvolvida
de compreensões e instituições. Se tais palavras fossem produzidas por alguém
que não tivesse um reconhecimento aceito socialmente, o discurso seria tomado
como vazio.
Como já salientado, a reportagem levanta dados específicos de forma a au-
tenticar os fatos apresentados pelo autor. No trecho que se segue (C), extraído da
mesma reportagem em análise, o autor evidencia, ao levantar números concretos
que destacam o grande número de acidentes que são relacionados ao consumo
de álcool, a gravidade de tais ocorrências de modo que o alocutário se identifique
como sujeito na sociedade.

(C) [...] “Até 31 de outubro, somente em rodovias federais, foram 799 aci-
dentes relacionados ao consumo de álcool, com 33 mortos e 148 vítimas
graves. A rodovia campeã em quantidade deste tipo de ocorrência é a
BR-101, a mais movimentada de SC, com 334 registros.”.
(Bulegon, Melissa. Embriaguez ao volante já causou 799 acidentes
em rodovias federais de Santa Catarina. Santa Catarina, 2011. Dispo-
nível em: < http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2010/11/
embriagemb-ao-volante-ja-causou-799-acidentes-em-rodovias-federais-
de-santa-catarina-3106936.html. Acesso em: 02 junho 2013.)

É na relação entre o discurso que está sendo expedido e o sujeito que pode-
mos apreender o jogo entre a liberdade do alocutário (sujeito que se identifica
com o discurso) e a responsabilidade do autor (sujeito que perpassa o discurso).
O texto discorrido em forma de reportagem apresenta números que podem ou

266
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

não serem tomados como reais, e, se tomados como verdadeiros, as pessoas agirão
de acordo com a veracidade dos dados expostos, validando assim as definições de
gênero textual como representação dos atos de fala por intermédio dos exemplos
acima expostos.

Os gêneros textuais e a formação política

Vários gêneros textuais têm sido veículo de influência nas decisões políticas.
O ato ilocucionário presente revela a intenção de quem a produz, o que, muitas
vezes, tem produzido efeitos desejados nessa área. Vejamos neste fragmento de
um depoimento dado pelo então presidente Lula num depoimento:

Fragmento 1
“Boa luta companheiros! E vamos eleger Dilma a primeira mulher presi-
dente do país”.
(http://www.youtube.com/watch?v=VBvFqOoqKWg, acessado em
15/08/2010)

Nas eleições à presidência do Brasil, em 2010, o então presidente Luiz Inácio


da Silva (Lula), apoiou Dilma Rousseff como sua candidata também nas redes
sociais, como foi citado acima.
Ao encorajar os eleitores, Lula usa a expressão “companheiros” que significa
cúmplice,  colaborador, conivente,  parceiro, com a intenção de enfatizar a
ideia de que são íntimos, amigos. Com isso, exalta a importância de cada um dos
votos de seus aliados na campanha. Além disso, o presidente convoca-os a eleger
Dilma, ratificando que ela será a primeira mulher a ser presidente num país onde,
desde o início da república, todos os líderes foram homens.
A candidata, à época, afirmou que daria continuidade ao governo do presi-
dente Lula, mas do seu jeito:

267
Anais Eletrônicos - XI EELL

Fragmento 2
“Não é por acaso que depois desse grande homem o nosso Brasil possa
ser governado por uma mulher. Uma mulher que vai continuar o Brasil
de Lula, mas que fará um Brasil de Lula com alma e coração de mulher”.
(Texto extraído de: http://www1.folha.uol.com.br/poder/750272-dilma-
diz-que-vai-governar-com-alma-e-coracao-de-mulher.shtml, acessado
em: 13/06/2013)

Em suas palavras, a então candidata à presidência, a pessoa e a gestão de


Lula chamando-o de ‘grande homem’ ao passo que, sutilmente, insinua que seu
governo será tão bom para o povo quanto o dele. Fica claro em seu ato locutório
que Dilma pretende sensibilizar a população com o fato de ser mulher. Ao afirmar
que ‘fará um Brasil de Lula com alma e coração de mulher’, ela, intencionalmente,
faz os eleitores perceberem que as qualidades femininas farão a diferença na sua
administração. Sutilmente, pretendia tocar em especial ás eleitoras. O autor da
notícia, ao colocar tal declaração, tem a intenção de sensibilizar o eleitor sobre
a capacidade de fazer um bom governo da candidata através da sua suposta ho-
nestidade e fazer com que ela seja eleita.
Ficou por pouco o triunfo já no 1º turno, depois de uma onda de rumores e
outra de denúncias envolvendo seu passado. Dilma foi acusada de integrar grupo
terrorista que visava implantar o comunismo no país.

Fragmento 3
“Segundo o Serviço Nacional de Informações (SNI), a militante Dilma
Vana Rousseff (ou Estela, ou Wanda, ou Luiza, ou Marina, ou Maria Lú-
cia)... se casou duas vezes, militou em duas organizações clandestinas que
defendiam e praticavam a luta armada, mudou de casa frequentemente
para fugir da perseguição da polícia e do Exército, esteve em São Paulo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, adotou cinco nomes
falsos, usou documentos falsos, manteve encontros secretos dignos de
filmes de espionagem, transportou armas e dinheiro obtido em assal-
tos, aprendeu a atirar, deu aulas de marxismo, participou de discussões

268
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

ideológicas trancada por dias a fio em “aparelhos”, foi presa, torturada,


processada e encarou 28 meses de cadeia.”
(Revista Época , em 04/01/2010)

No excerto da notícia, o uso da fonte das informações do passado da candidata


é feito propositalmente a fim de dar credibilidade às informações que serão dadas.
Em seguida, a exposição de diversos adjetivos dá a Dilma a imagem de falsária,
impostora, desonesta. No trecho “militou duas vezes organizações clandestinas
que defendiam e praticavam luta armada”, o verbo ‘defender’ diz que a candida-
ta apoia atos de violência e o adjetivo ‘clandestina’ remete à falta de legalidade.
Tanto a relação de estados onde viveu quanto a de atos que praticou, atribuem
à ela um perfil marginal.
A futura presidente foi capa de revistas, manchetes de jornais e tema de di-
versas reportagens, de maneira negativa, por um longo período.

Fragmento 4
“A vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, com o apoio do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é dada quase como certa, mas as acu-
sações de corrupção contra a aliada próxima podem reduzir sua liderança
ou mesmo “ofuscar o início de sua presidência em um momento crucial
para o Brasil”.
(http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2010/09/17/escandalo-
tira-o-brilho-da-candidatura-de-dilma-diz-jornal.htm , em 17/09/2010)

O fragmento mostra nitidamente as consequências das acusações feitas à


Dilma neste período. O autor da notícia somente ratifica o fato de que a popula-
ridade caiu, apesar de não tê-la impedido de ganhar.
Independente das acusações feitas contra Dilma, grande parcela da população
passou a manifestar-se a favor da futura presidente, o que foi comprovado através
das primeiras pesquisas feitas na época. Vejamos no exceto a seguir:

269
Anais Eletrônicos - XI EELL

Fragmento 5
“Empenhados na eleição da postulante ao maior cargo político do país,
as entidades consideram o ato, como prova da reafirmação dos com-
promissos firmado por Dilma  durante o Encontro Nacional de Negros
e Negras, realizado em Brasília, em junho de 2009.”
(Texto extraído de: dilmanarede.com.br/minas-vota-dilma, em
26/10/2010)

O autor da notícia enfatiza que grupo referido mostra-se completamente


a favor e disposto a lutar pela vitória da candidata de Lula. Pode-se perceber
claramente no uso da palavra ‘empenhados’ mostra que os seus integrantes se
dedicarão com afinco e persistência para conseguir eleger aquela que acreditam
ser a melhor opção à presidência do Brasil. Sua intenção é de influenciar a opinião
do eleitor e fazê-lo votar na candidata, como a ‘maioria’, segundo ele.

Os atos perlocutórios dos gêneros textuais

Com todas as abordagens que já foram feitas sobre o que comporta os gêneros
textuais, é notório salientar o vínculo entre os gêneros, os enunciados e os atos
de fala. Uma vez que o estudo dos gêneros diz respeito à língua em seu cotidiano
nas mais distintas formas e é considerado como o modo em que o ser humano dá
forma às atividades sociais, seria impossível estabelecer uma comunicação social
sem efetivar os gêneros por meio dos enunciados. O enunciado é a unidade real
do discurso em que há uma interação entre os sujeitos falantes.
É por meio da linguagem que o homem se constrói como sujeito, dado que
somente ao produzir um ato de fala, ele constitui-se como eu. O eu subsiste-se
no tu. Essa relação é indispensável para que a linguagem se torne discurso. Todo
discurso é endereçado a um interlocutor. O locutor (eu) não constrói o seu discurso
à parte da imagem que convoca o seu alocutário (tu). Ao ouvir e compreender o
enunciado, o alocutário toma para si atitudes responsivas, ou seja, ele atua sobre
os outros estabelecendo relações contratuais, causando efeitos sobre os senti-

270
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

mentos, pensamentos ou desencadeando ações. Esses efeitos são consequências


das perlocuções. São resultados obtidos ao se realizar um ato locucionário e, por
conseguinte, um ato ilocucionário.

A postura da sociedade na relação entre bebida e trânsito

As pessoas criam realidades de significação, relação e conhecimento por meio


dos textos que são transmitidos pelos gêneros textuais. Cada gênero se encontra em
atividades sociais estruturadas e estabelece condições que levam a atividades sub-
sequentes. Tomando como exemplos os gêneros analisados, a notícia e reportagem,
constata-se que os textos sustentados nesses gêneros originam realidades ou fatos.
Desse modo Bazerman (2005, p. 23) apresenta os fatos sociais e os conceitua como:

[...] “coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras e, assim,


afetam o modo como elas definem uma situação. As pessoas, então, agem
como se esses fatos fossem verdades.”

Uma vez que a sociedade delimita a situação contemplada nos gêneros como
genuína, por conseguinte suas consequências também serão reais. Os fatos sociais
afetam os enunciados, que por sua vez é constituído por atos de fala. Visto que o
ato ilocucionário está relacionado com a produção de efeitos em certos sentidos,
Austin (1990, p. 30) versa sobre as condições de felicidade e infelicidade dos atos
performativos. Para que haja um performativo feliz, é indispensável a existência de
um procedimento convencional, a certeza de um efeito convencional.
As palavras específicas proferidas pelas pessoas assinaladas nas circunstâncias
adequadas, e todo o rito deve ser executado por todos os participantes de forma
correta e completa. A forma como as pessoas recebem os atos e determinam as
consequências desse ato corresponde ao ato perlocutório. No excerto de uma re-
portagem (A) que se segue o autor apresenta dados levantados por uma entidade
pública de modo a verificar os efeitos causados em relação ao trânsito após um pe-
ríodo de circulação de gêneros que expunham a gravidade dos acidentes ocorridos.

271
Anais Eletrônicos - XI EELL

(A) “De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, as mortes


provocadas por acidentes de trânsito caíram 6,2% no período de 12 meses
após a Lei Seca, quando comparado aos 12 meses anteriores à Lei. Esse
índice representa 2.302 mortes a menos em todo o País, reduzindo de
37.161 para 34.859 o total de óbitos causados pelo trânsito.”
(Diário do Nordeste. Lei Seca reduz número de mortes em 6,2%. Ce-
ará, 2010. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.
asp?codigo=802913> Acesso em: 02 junho 2013)

O fragmento (A) enfatiza números significativos que evidenciam uma assi-


milação por parte de uma sociedade em relação aos gêneros que abordavam os
acidentes de trânsito. O texto propagado pelo gênero representa o ato ilocucioná-
rio (feliz) que determina a proibição do consumo de álcool ao condutor de algum
meio de transporte que ocasiona uma inferência, um ato perlocucionário. Neste
fragmento (A), o autor apresenta à sociedade as consequências que sucederam à
criação da Lei Seca. É notável que o levantamento feito pelo Ministério da Saúde
evidencia um declínio nas mortes provocadas por acidentes de trânsito (por mo-
toristas embriagados) durante o período de atuação da lei, o que comprova que
o discurso foi assimilado por uma parte da sociedade. Além do enfraquecimento
do número de mortes em acidentes causados no trânsito, também foi possível
vislumbrar outras consequências a partir deste contexto, como salienta a seguinte
passagem (B) extraída do gênero reportagem.

(B) “Os gastos com esse tipo de internação também diminuíram consi-
deravelmente desde a implantação da Lei Seca. Nos primeiros seis meses
do ano passado, foram R$ 65 milhões. Entre junho e dezembro, R$ 2
milhões, uma redução de 35,5%.”
(CARDOSO, William. Internações por acidente de trânsito recuam
28,3%. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/
Noticia/338696/internacoes-por-acidente-de-transito-recuam-28-3->
Acesso em: 09 junho 2013

272
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Nesta reportagem ao Diário Do Grande ABC, o autor realça para além da redu-
ção do número de mortes, antes manifestada. O autor se direciona para as despesas
dos hospitais ao admitir pacientes que possam ter sofrido um acidente de trânsito.
Com a mudança da sociedade que parece ter admitido que misturar trânsito e be-
bida alcoólica é arriscado, os gastos contabilizados no período anterior à exposição
feita pelos gêneros jornalísticos foram igualmente subtraídos. Logo, é indubitável
o poder do funcionamento do gênero textual – notícia e reportagem – ao perpassar
atos ilocucionários aos leitores, como destacar os acidentes de trânsito como causas
inadmissíveis, e admitindo como resultado a minoração das mortes nos acidentes
que ocorrem no trânsito tanto quanto a baixa de custos dos hospitais.

As transformações sociais em relação à


homossexualidade advindas dos atos de fala

Podemos observar no que diz respeito ao preconceito sexual que os discursos


contidos nos gêneros capa da revista e reportagem da veja analisados no tópico
anterior tornaram-se fatos sociais, porque percebemos que a preocupação em
ocultar a homossexualidade está cada vez menor como representado pelas muitas
celebridades nos mais diferenciados gêneros e como mostra o fragmento abaixo
retirado da revista Veja em 10 de abril de 2013 que discorre a respeito da cantora
Daniela Mercury sobre o seu relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo.

[...] No cabeçalho escreveu a frase que provocaria mais de 17 000 reações de


“curtir “coladas à revelação: “Malu agora é minha esposa, minha família,
minha inspiração pra cantar.”

O fragmento citado mostra que houve mais 17 000 ações de “curtir” o que
revela uma aprovação por parte da população em relação ao tema. Como tam-
bém mostra o outro fragmento retirado de uma reportagem da revista Época que
discorre acerca do mesmo assunto:

273
Anais Eletrônicos - XI EELL

[...] Não houve outro assunto nas redes sociais na quarta-feira, 3 de abril. O
nome da artista esteve nos tópicos mais comentados do Twitter. No Google,
em poucas horas havia meio milhão de referências sobre o tema. O casal
gostou da reação do público. “O apoio dos brasileiros mostra que somos
um povo avançado e civilizado. E mais uma vez os brasileiros mostraram
que Feliciano não nos representa”

O fragmento da reportagem da revista época além de demonstrar o apoio do


público, revela um outro indicador dessa mudança que é a reação desaprovadora
de uma considerável parte da sociedade em relação aos que se opõem a relação
com pessoas do mesmo sexo. Como bem ilustrado pelas reações causadas pelas
declarações da cantora Joelma indicadas pelo fragmento a seguir:

Após a publicação de sua entrevista para o colunista Bruno Astuto, da revis-


ta “Época”, na qual comparava gays a drogados, Joelma, cantora da banda
Calypso, causou a ira de internautas, entre eles alguns famosos, no Twit-
ter. (Disponível em: < http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/03/
joelma-critica-gays-e-provoca-ira-de-internautas-e-famosos-no-twitter.
html< Acesso em: 13 de Setembro de 2013.)

O site Ego enfatiza essa reação contrária por usar o termo “ira” para expressar
o sentimento dos internautas. Essa mudança é reflexo dos recorrentes discursos
de naturalização, do apelo emotivo e da “modernização do pensamento” mencio-
nados no tópico anterior de referido trabalho e que atuam como transmissores de
ideologias que conduzem aos efeitos perlocucionários .Outro ponto que deve ser
levado em consideração é o ato ilocucionário por parte dos gêneros reportagem
em destacar principalmente a reação desaprovadora do público,pois se um gênero
expõe apenas um lado ele visa conduzir o leitor para o lugar de senso comum ,
assim as ideologias são facilmente transmitidas e a massa é assujeitada sem a
execução do poder reflexivo.

274
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Os atos perlocuciuonários provocados na política a


partir de notícias

Com as notícias apresentando vozes favoráveis a Dilma, vejamos os resulta-


dos obtidos. Tendo em vista a alta popularidade de Lula, o apoio dado por ele à
candidata petista foi bastante significativo para os resultados positivos tipos por
ela em pesquisas feitas no período.

Gráfico I - http://veja.abril.com.br/multimidia/infograficos/eleicoes-2010-presidente

É notória a disparidade entre os resultados das pesquisas sobre as intenções


de votos no período. A candidata apoiada pelo presidente Lula, Dilma Rousseff,
aparece com quase cinquenta por cento das intenções de voto para a presidência
do país. Ela é preferência em todos os estados do Nordeste e aparece também,
com representatividade significativa nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e
Sul. Em seguida, aparece o candidato da direita, José Serra, com pouco mais de

275
Anais Eletrônicos - XI EELL

trinta por cento do total nacional. É inegável que tais resultados tão favoráveis
à Dilma tiveram notória influência de todas as notícias que usaram Lula a favor
da candidata. De todo o trabalho desenvolvido por Lula a favor da candidata por
meio de diversos gêneros textuais. Fica comprovada aí a reação popular à influ-
ência de um presidente tão bem quisto pela população.
Mas as acusações feitas a ela por meio de reportagens, notícias e outros,
na época da sua candidatura, fizeram com que, automaticamente, perdesse a
credibilidade e despencasse no ranking das intenções de voto, o que pode ser
comprovado no gráfico a seguir:

Gráfico 2 - http://veja.abril.com.br/multimidia/infograficos/eleicoes-2010-presidente

Depoimento de Dilma
Em suas primeiras palavras, Dilma agradeceu aos “brasileiros e bra-
sileiras” de quem “recebeu a missão mais importante da vida”, e se
comprometeu a lutar pela igualdade de oportunidades no país. Para a

276
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

futura presidente, o resultado de hoje consagra o “princípio essencial


da democracia”. 
(http://noticias.r7.com/eleicoes-2010/noticias/em-1-discurso-dilma-
agradece-lula-e-diz-que-batera-a-sua-porta-20101031.html. Acessado
em 10/07/2013)

Tais acusações fizeram a simpatia dos eleitores cair bruscamente, o que
elevou a popularidade de Serra e, por consequência, os levou ao segundo turno.
Percebe-se claramente que, antes dos cidadãos brasileiros irem às urnas pela
segunda vez, a popularidade dos dois candidatos é semelhante e as intenções de
voto equilibradas. Conclui-se, por tanto, que o efeito que os gêneros notícia e
reportagem tiveram na sociedade no período das eleições foi bastante incisivo,
trazendo os resultados supostos no início deste estudo.

Quando o dizer expressa uma ação

Após a propaganda e a notícia alertando sobre a AIDS, o número de pessoas


infectadas pelo vírus reduziu 33%, de acordo com o relatório da ONU, divulgado
no dia 23 de setembro de 2013. Esses dados estão presentes na notícia em anexo
que saiu no portal da Folha de São Paulo, este ano.
A mudança na sociedade em relação à AIDS é divulgada a princípio no
título da notícia, como observado abaixo:

Novas infecções com o vírus Aids caem 33%, desde 2001, diz relatório
da ONU

Isso se faz notar a presença do ato perlocutório, quando o ato de dizer ex-
pressa uma ação. No corpo do texto, percebemos outros dados comprobatórios
em relação ao número de infectados:

[...]Em 2012, foram 2,3 milhões, 1,1 milhão a menos do que 11 anos antes.

277
Anais Eletrônicos - XI EELL

Isto é, após a notícia e a propaganda sobre a AIDS e a prevenção, cerca de


um milhão de pessoas há menos foram infectadas no ano de 2012. Esses são dados
mundiais da ONU refletindo as ações dos países que combatem o vírus, incluindo
o Brasil. Desde o ano de 2001, que o número de infectados vem diminuindo, como
mostra o gráfico abaixo:

A notícia ainda destaca a queda pela metade do número de infetados pelo


vírus em alguns países:

A Unaids, órgão da ONU que cuida do combate à AIDS, acrescenta que em


pelo menos 26 países o percentual caiu mais de 50% e destaca a redução

278
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

de crianças infectadas -- ao todo, 260 mil contraíram o HIV em 2012, uma


queda de 52% em relação ao período de 2001.

Percebe-se, portanto, que tais gêneros causaram um efeito na sociedade,


provocaram mudanças no agir do sujeito, tendo como resultado, a redução de
pessoas infectadas pelo vírus da AIDS no Brasil e no mundo.

Considerações finais

Partindo do pressuposto teórico apresentado no presente trabalho, comprova-


se que toda ação linguística contém traços argumentativos e que toda forma de
comunicação se dá através de algum gênero textual dotado de uma intenciona-
lidade e que influencia diretamente nas ações de um indivíduo.
Com a análise feita nos textos selecionados, comprovamos o processo nato
da língua de persuadir e neles foram encontradas estratégias argumentativas que
atestam a inexistência do mito da neutralidade da língua.
O presente artigo focou os objetivos na análise da presença de atos locu-
tórios, ilocutórios nos gêneros textuais “reportagem” e “notícia” e perlocutórios
caudados por eles. Os dados foram analisados à luz dos princípios da teoria
dos atos de fala. Por meio de alguns exemplos, procurou-se demonstrar como a
relação entre os atos de fala produzidos pelos locutores/interlocutores causam
impactos e reações esperadas. Ao analisar o contexto em que foram produzidos
os atos de fala, percebemos que a intencionalidade está inscrita nos enunciados
produzidos em situações de interação e interlocutores específicos com objetivos
também definidos.
Com esta pesquisa, atestamos que a variedade de gêneros textuais que per-
meiam a sociedade é reflexo da necessidade que os indivíduos têm de convencer
uns aos outros sobre determinado assunto. A intencionalidade se faz presente
em cada discurso transmitido por qualquer que seja o gênero e o locutor tem
tal consciência e utiliza-o de modo a favorecer sua intenção. O interlocutor, por

279
Anais Eletrônicos - XI EELL

sua vez, muda ou não sua postura sobre o tema tratado. Analisar o que se passa
nas entrelinhas, qual a intenção do locutor e a escolha lexical feita por ele nos
possibilita um melhor entendimento dos fatos linguísticos. Vale ressaltar que
reconhecer que a língua, em qualquer situação discursiva, traz aspectos argumen-
tativos é de suma importância, não apenas para os estudiosos da área, mas para
qualquer cidadão, já que, saber dos efeitos de sentido que a linguagem produz
torna o falante/ouvinte apto a utilizá-la com criticidade e autonomia.

Referências

AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer. - Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Ale-
gre: Editora: Artes Médica, 1990
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. In: DIONISIO, A. Paiva e
HOFFNAGEL, J. Chambliss (orgs.) 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
BRANDÃO, Helena H. N. Analisando o discurso. Disponível em: www.museudalinguaportu-
guesa.org.br. Acesso em: julho/2013.
BRONKCART, J. P. Atividade de linguagem, texto e discurso: por um interacionismo só-
ciodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2001.
GUIMARÃES, Elisa. Texto, discurso e ensino. São Paulo: Editora Contexto, 2009.
MAINGUENEAU, D. Gênese dos discursos. Trad. Sírio Possenti. Curitiba: Criar Edições, 2007.
MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje.
Campinas-SP: Pontes, 2003.
MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. 2ª ed. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
ORLANDI, E. P. Discurso e Leitura. 8º Ed. São Paulo: Contexto, 2008
______. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 3.ed. São Paulo: Pontes, 2001.
______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 4.ed. São Paulo: Campinas, 2012.
PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso (1969). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por
uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Trad. de
Eni P. Orlandi. Campinas: Unicamp, 1990.

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

ANEXOS

Anexo I

Especial

A geração tolerância

Os adolescentes e jovens brasileiros começam a vencer o arraigado precon-


ceito contra os homossexuais, e nunca foi tão natural ser diferente quanto
agora. É uma conquista da juventude que deveria servir de lição para mui-
tos adultos.

UMA TURMA COLORIDA


Paulo, William, Marcus, David, Charles, Akira, Jefferson (de pé, da esq.
para a dir.); e Harumi e Daniele (sentadas): eles abriram o jogo para os
pais ainda na adolescência

Longe do estereótipo
"Sempre tive atração por meninas, só que morria de vergonha de me
aproximar delas e revelar o que sentia. Precisei de alguns anos para
aceitar, eu mesma, a ideia. Foi na internet que consegui arranjar a pri-
meira namorada. Quando a coisa ficou séria e eu quis levá-la a minha
casa, contei a meus pais, que, como era esperado, sofreram. Meus ami-
gos também já sabem que sou homossexual. No começo, estranharam.
Nunca me enquadrei no estereótipo da menina gay, masculinizada,
mas não tenho dúvida quanto à minha opção. O melhor: depois de um
processo difícil, isso acabou se tornando natural para mim e para todos
à minha volta."
Harumi Nakasone, 20 anos, estudante de artes visuais em Campinas

Apresentar boletim escolar com notas ruins, bater o carro novo da casa, arrumar
inimizade com o vizinho já são situações difíceis de enfrentar diante do tribunal
familiar, com aquela atemorizante combinação de intimidade com autoridade dos

281
Anais Eletrônicos - XI EELL

pais. Imagine parar ali diante deles e dizer a frase: “Eu sou gay”. Não é fácil para
quem fala, menos ainda para quem ouve. As mães se assustam, mas logo o amor
materno supera o choque do novo. Os pais demoram mais a metabolizar a novida-
de. A orientação sexual ainda é e vai ser por muito tempo uma questão complexa
e tensa no seio das famílias. Isso muda muito lentamente. O que mudou muito
rapidamente, porém, foi a maneira como a homossexualidade é encarada por ado-
lescentes e jovens no Brasil. Declarar-se gay em uma turma ou no colégio de uma
grande cidade brasileira deixou de ser uma condenação ao banimento ou às gozações
eternas. A rapaziada está imprimindo um alto grau de tolerância a suas relações, a
um ponto em que nada é mais feio do que demonstrar preconceito contra pessoas
de raças, religiões ou orientações sexuais diferentes das da maioria.

Esses meninos e meninas estão desfrutando uma convivência mais leve justamente
em uma fase da vida de muitas incertezas, quando a aceitação pelos pares é decisiva
para a saúde emocional e mental. Isso é um avanço notável. Por essa razão talvez, a
idade em que um jovem acredita que definiu sua preferência sexual tem caído. Uma
pesquisa feita pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (Uerj) e de Campinas
(Unicamp) tem os números: aos 18 anos, 95% dos jovens já se declararam gays. A
maior parte, aos 16. Na geração exatamente anterior, a revelação pública da homos-
sexualidade ocorria em torno dos 21 anos, de acordo com a maior compilação de
estudos já feita sobre o assunto. À frente do levantamento, o psicólogo americano
Ritch Savin-Williams, autor do livro The New Gay Teenager (O Novo Adolescente
Gay), resumiu a VEJA: “O peso de sair do armário já não existe para os jovens gays
do Ocidente: tornou-se natural”.

282
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Lailson Santos

A mãe torce para que ele ache um bom companheiro


"Aos 16 anos, quando contei à minha mãe que preferia os homens às
mulheres, ela ficou possuída de raiva. Eu achava que a notícia não
causaria tanta comoção. Não havia aberto o jogo sobre minha sexu-
alidade, mas tinha certeza de que minha mãe já desconfiava. Nunca
levava garotas em casa nem falava delas. O dia em que contei tudo,
no entanto, foi um divisor de águas para nós dois. A relação ficou
muito tensa. É interessante como a coisa, depois, vai sendo assimi-
lada. Ela abandonou o sonho de me ver chefe de uma família tradi-
cional e, no lugar disso, passou a sonhar com um bom companheiro
para mim. Isso ainda não aconteceu. Hoje, no entanto, minha vida é
ótima. Não escondo das pessoas de que mais gosto o que realmente
sou."
Gabriel Taverna, 19 anos, estudante de São Paulo

Os jovens que aparecem nas páginas desta reportagem, que em nenhum instante
cogitaram esconder o nome ou o rosto, são o retrato de uma geração para a qual
não faz mais sentido enfurnar-se em boates GLS (sigla para gays, lésbicas e simpa-
tizantes) - muito menos juntar-se a organizações de defesa de uma causa que, na
realidade, não veem mais como sua. Na última parada gay de São Paulo, a maior
do mundo, a esmagadora maioria dos participantes até 18 anos diz estar ali apenas
para “se divertir e paquerar” (na faixa dos 30 o objetivo número 1 é “militar”). A
questão central é que eles simplesmente deixaram de se entender como um grupo.
São, sim, gays, mas essa é apenas uma de suas inúmeras singularidades - e não
aquela que os define no mundo, como antes. Explica o sociólogo Carlos Martins:
“Os jovens nunca se viram às voltas com tantas identidades. Para eles, ficar reafir-
mando o rótulo gay não só perdeu a razão de ser como soa antiquado”. Ícone desses
meninos e meninas, a cantora americana Lady Gaga os fascina justamente por ser
“difícil de definir o que ela é”. São marcas de uma geração que, não há dúvida, é

283
Anais Eletrônicos - XI EELL

bem menos dada a estereótipos do que aquela que a precedeu. Diz, com a firmeza
típica de seus pares, a estudante paulista Harumi Nakasone, 20 anos: “Nunca fiz o
tipo masculino nem quis chocar ninguém com cenas de homossexualidade. Basta
que esteja em paz e feliz com a minha opção”.

Miriam Fichtne

Não era uma fase


"No início da adolescência, já me sentia atraída por meninas. Aluna de
um colégio de freiras, havia crescido ouvindo que o amor entre pesso-
as do mesmo sexo era algo imperdoável, mas nunca vi a coisa assim. A
mim, parecia natural. Aos 14, até tentei namorar um menino. Não fun-
cionou. Um ano depois, quando me apaixonei de verdade por uma ga-
rota, resolvi contar a meus pais. Minha mãe repetia: ‘Calma que passa,
é uma fase’. A aceitação da ideia é um processo lento, que envolve agres-
sões de todos os lados e decepção. Sei que contrariei o sonho da minha
família, de me ver de grinalda e com filhos, mas a melhor coisa que fiz
para mim mesma foi ser verdadeira. Por que me sentir uma criminosa
por algo que, afinal, diz respeito ao amor?"
Amanda Rodrigues, 18 anos, estudante de artes visuais no Rio de
Janeiro

A tolerância às diferenças, antes verificada apenas no ambiente de vanguardas e nas


rodas intelectuais e artísticas, está se tornando uma regra - especialmente entre os
escolarizados das grandes cidades brasileiras. Uma comparação entre duas pesquisas
nacionais, distantes quase duas décadas no tempo, dá uma ideia do avanço quanto à
aceitação dos homossexuais no país. Em 1993, uma aferição do Ibope cravou um número
assustador: quase 60% dos brasileiros assumiam, sem rodeios, rejeitar os gays. Hoje,
o mesmo porcentual declara achar a homossexualidade “natural”, segundo um novo
levantamento com 1 500 adolescentes de onze regiões metropolitanas, encabeçado pelo
instituto TNS Research International. O mesmo estudo dá outras mostras de como a

284
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

maior parte dos jovens brasileiros já se conduz pela tolerância em vários campos: 89%
acham que homens e mulheres têm exatamente os mesmos direitos e em torno de
80% se casariam com alguém de outra raça ou religião. “À medida que as pessoas se
educam e se informam, a tendência é que se tornem também mais intransigentes com
o preconceito e encarem as questões à luz de uma visão menos dogmática”, diz a psicó-
loga Lulli Milman, da Uerj. Foi o que já ocorreu em países de alto IDH, como Holanda,
Bélgica e Dinamarca. Lá, isso se refletiu em avanços na legislação: casamentos gays e
adoção de crianças por parte desses casais são aceitos há anos. No Brasil, onde não há
leis nacionais como essas, a apreciação fica sujeita a cada tribunal.

Ainda que o preconceito persista em alguns círculos, atingiu-se um estágio de evolução


em que professá-lo se tornou um gesto condenável pela maioria - um sinal de progresso
no Brasil. Nas Forças Armadas, onde a aversão a gays sempre se pronunciou em grau
máximo (apesar de o regimento interno repudiar a perseguição aos homossexuais), a
diferença é que, agora, quando surge um caso desses entre os muros do Exército, o as-
sunto logo suscita indignação. Ocorreu com um general que, neste ano, veio a público
posicionar-se contra a presença de gays nas Forças Armadas. Sob pressão, precisou
retratar-se. Recentemente, o lutador de vale-tudo Marcelo Dourado, 38 anos, surgiu
no programa Big Brother Brasil, da Rede Globo, dizendo que “homem hétero não pega
aids”. Além de uma bobagem, a declaração foi tachada de preconceituosa - e a Globo
precisou ocupar seu horário nobre com as explicações do Ministério da Saúde sobre
o tema. Mesmo que às vezes usados como bandeira por bandos de militantes papari-
cados por políticos em busca de votos, pode-se dizer que tais episódios apontam para
uma direção positiva. Afirma o filósofo Roberto Romano: “A experiência mostra que
o desconforto com o preconceito cria um ambiente propício para que ele vá sendo
exterminado”.

285
Anais Eletrônicos - XI EELL

Miriam Fichtner

Assumidos, mas discretos


"Aos 15 anos, depois de alguns flertes com meninos e nenhuma relação
com meninas, conheci meu atual namorado. Apaixonado e angustiado
por viver escondido, achei que não havia outro caminho senão abrir a
questão para os meus pais. Até hoje, não falamos muito sobre o assun-
to, mas eles já aceitam a situação, e até levo o Leandro para dormir lá
em casa. Às vezes, andamos de mãos dadas, mas não trocamos beijos
em público. Não preciso ficar expondo minha sexualidade. Prefiro as
boates que meus amigos, gays ou não, frequentam ao circuito GLS."
Victor Guedes, 19 anos, produtor de moda (à esq.), com o namorado
Luiz Leandro Caiafa, 20, estudante de ensino técnico no Rio de Janei-
ro

A notícia de que um filho é homossexual continua a causar a dor da decepção a pais


e mães (descrita pela maioria dos ouvidos por VEJA como “a pior de toda a vida”).
Com pavor de uma reação violenta do pai, meninos e meninas preferem, em geral,
contar primeiro à mãe. “Quando meu filho me disse que gostava de meninos, sabia
que os velhos sonhos teriam de ser substituídos por algo que eu não tinha a menor
ideia do que seria”, relata a analista financeira paulista Suerda Reder, 41 anos. É com
o tempo que a vida vai sendo reconstruída sob novas expectativas. Dois anos depois
da revelação, o namorado de Victor, filho de Suerda, frequenta sua casa sem que isso
seja motivo de constrangimento. Muitos pais já compreendem (com algumas idas e
vindas) que, ao apoiar os filhos, estão lhes prestando ajuda decisiva. “Quando a pró-
pria mãe trata o fato com naturalidade, a tendência é que o preconceito em relação
a ele diminua”, diz a estilista gaúcha Ana Maria Konrath, 55 anos, em coro com uma
nova geração de mães - também mais tolerantes. O que elas sabem por experiência
a ciência em parte já investigou. Segundo um estudo americano, conduzido pela
Universidade Estadual de São Francisco, jovens gays que convivem em harmonia com
os pais raramente sofrem de depressão, doença comum entre vítimas de preconceito.

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

"Nunca me escondi"
"Cheguei a beijar garotas, mas foi só quando
troquei o primeiro beijo com um menino,
aos 14 anos, que senti uma emoção real.
Era tão claro para mim que resolvi contar
a meus amigos mais próximos da escola
que era gay. A princípio, eles estranharam.
Cheguei a ser alvo de olhares tortos e gritos
de ‘bicha’, mas logo passou. Quando contei
Miriam Fichtner
a meus pais, no ano passado, eles no fundo
já sabiam. Nunca me preocupei em levar
garotas para casa só para me passar pelo que
não era. Também não tenho necessidade
de ficar me reafirmando gay na frente dos
outros. Isso é bobo demais. Para mim, é só
mais uma de minhas características."
Hector Gutierrez, 17 anos, estudante do 3º
ano do ensino médio numa escola particular
de Minas Gerais

Um conjunto de fatores ajuda a explicar o fato de a atual geração gay ser mais livre de
amarras - alguns de ordem sociológica, outros culturais. Um ponto básico se deve à
sua aceitação por outros adolescentes. Para esses jovens, o conceito de tribo perdeu
o valor, como chamou atenção o antropólogo americano Ted Polhemus, por meio de
suas pesquisas. Ele apelidou essa geração de “supermercado de estilos” - ou só “sem
rótulos”. Nesse contexto, não há mais lugar para algo como o grupo em que apenas
ingressam os gays ou os negros, algo que as escolas brasileiras já ecoam. Antes fon-
te de tormento para alunos homossexuais, alvo de piadas, quando não de surras e
linchamentos, o colégio se tornou um desses lugares onde, de modo geral, impera a
boa convivência com os gays. Um sinal disso é que a ocorrência de casos de bullying
por esse motivo tem caído gradativamente. “É também mais comum que eles andem
de mãos dadas no recreio, sem ser importunados, ou que se tornem líderes de tur-

287
Anais Eletrônicos - XI EELL

ma”, conta a pedagoga Rita de Cássia, da Secretaria de Estado de Educação do Rio


de Janeiro. Os próprios colégios reconhecem que, no passado, conduziam a questão
à sombra de certo preconceito. “Se surgia um aluno gay, tratava-se imediatamente
o assunto como um problema, e os pais eram logo chamados”, lembra Vera Malato,
orientadora no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. “Hoje a postura é apenas dar
orientação ao aluno se for preciso.”

"Meus sonhos precisaram


ser reconstruídos"
"Acho que toda mãe percebe, a contragosto
e com dor, quando seu filho é gay. Sempre
tive certeza disso em relação ao Igor, mas
alimentava esperanças de que ele mudasse.
Cheguei a rezar anos a fio por um mila-
gre. No dia em que meu filho finalmente
se abriu comigo, aos 17 anos, fiquei sem
chão. Passado o choque, entendi que meus
sonhos em relação a ele precisariam ser Miriam Fichtner
completamente reconstruídos. Não escondo
mais de ninguém que meu filho é homos-
sexual. Sinto que o fato de uma mãe tomar
essa iniciativa ajuda a espantar o precon-
ceito. Sempre que arranja um namorado,
ele frequenta a minha casa e saímos juntos.
Meu filho está feliz. Não é isso que todos
nós buscamos?"
Ana Maria Konrath, 55 anos, estilista gaú-
cha, mãe de Igor Konrath, 20, estudante
de comunicação social

288
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Para boa parte dos jovens gays de hoje, a vida subterrânea nunca fez sentido. Diz o
produtor de moda carioca Victor Guedes, 19 anos: “Desde que ficou claro para mim
que meu interesse era pelo sexo masculino, não pensei em esconder isso dos meus
pais. Só esperei a hora certa para abrir o jogo, com todo o tato”. É gritante o contraste
com as gerações anteriores, às quais lança luz o livro Cuidado! Seu Príncipe Pode Ser
uma Cinderela (a ser lançado pela editora Best Seller), das jornalistas Consuelo Die-
guez e Ticiana Azevedo. O conjunto de depoimentos ali reunido revela o sofrimento
diário enfrentado por políticos, diplomatas e figurões do mercado financeiro que
nunca saíram do armário.

Miriam Fichtner

Ele conta tudo no Twitter


"Solitário, aos 14 anos resolvi dividir com a minha irmã aquilo que já era
muito claro para mim: gostava de meninos, e sabia que isso decepcio-
naria minha família. Ela chorou, disse que logo essa fase passaria, e o
pior: contou para todo mundo. Minha família chegou a me encaminhar
ao psicólogo. Depois, à igreja. Não foi fácil, mas o alívio de compartilhar
a situação me transformou em outra pessoa. Pouco falo sobre meus
namoros, e agiria da mesma forma se eles fossem com meninas. Fico,
no entanto, bem à vontade para falar de minha vida amorosa no Twitter,
no qual tenho mais de 1 700 seguidores. De onde menos se espera às
vezes ainda vem uma agressão gratuita, mas a coisa está mudando para
melhor."
Lucas El-Osta, 17 anos, estudante do 2º ano do ensino médio no Rio de
Janeiro

Ao longo da última década, a indústria do entretenimento tem refletido, de forma


acentuada, as mudanças culturais em relação à sexualidade. Na televisão, nunca houve
tantas séries retratando o universo gay. Entre as produções de maior sucesso, figu-
ram o seriado americano Glee, que tem como um dos protagonistas um adolescente

289
Anais Eletrônicos - XI EELL

recém-assumido gay para o pai, e The L Word, sobre um grupo de lésbicas atraentes
e chiques de Los Angeles. Nas novelas brasileiras, os homossexuais já não são mais
tratados de maneira tão caricatural. “É possível exibir na TV a vida comum de casais
gays sem que isso provoque a rejeição do público, como no passado. Hoje, esses per-
sonagens fazem o maior sucesso”, analisa Manoel Carlos, autor da atual novela das
8, Viver a Vida. Isso não só ajuda a levantar o diálogo sobre a homossexualidade em
casa como ainda minimiza a resistência a ela. O rol de celebridades que se assumem
gays também cumpre, em certo grau, esse papel. O último a deixar o armário foi o
cantor porto-riquenho Ricky Martin, autor do sucesso Livin’ la Vida Loca, que, aos
38 anos, declarou ser gay em tom profético: “Hoje aceito minha homossexualidade
como um presente que a vida me deu”.

A atual geração jamais espera tanto. A idade precoce com que os gays trazem à tona
sua orientação sexual chama a atenção dos especialistas. Aos 16 anos, estão ainda
na adolescência - uma fase de experimentação e dúvidas. Pondera a doutora em
psicologia Ceres Araujo: “Esperar que essa escolha seja eterna para todos é uma sim-
plificação. O que dá para afirmar é que esses jovens têm grande propensão de seguir
se relacionando com pessoas do mesmo sexo”. Para eles, a homossexualidade está
longe de ter a conotação negativa de tantos outros períodos da história. Durante as
trevas da Inquisição, arremessavam-se os gays à fogueira. Na Inglaterra do século
XIX, eles eram considerados nada menos que criminosos. Em 1895, num dos mais
famosos julgamentos de todos os tempos, o escritor irlandês Oscar Wilde, homos-
sexual assumido, foi acusado de sodomia e comportamento indecente. Penou dois
anos na prisão. Na Hollywood dos anos 50, o agente do galã Rock Hudson arranjou,
às pressas, um casamento de fachada para o ator, com uma secretária. Às voltas com
fofocas sobre sua homossexualidade, ele corria o risco de perder contratos. Só em
1985, aos 59 anos e vitimado pela aids, doença que o mataria naquele ano, Hudson se
assumiu gay. Num cenário inteiramente diferente, os novos gays não precisam mais
passar por esse tormento. Resume o estudante mineiro Hector Gutierrez, 17 anos -
típico da geração tolerância: “O dia em que eu contei a verdade a todos foi o primeiro
em que me senti realmente livre e feliz”.

290
GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Recém-saídos do armário
Fotos Jeff Moore/LFI, Marc Larkin/LFI, John Clifton/Zuma Press e Lisa
O'Connor/Zuma Press

Reprimidas durante anos, celebridades das mais diversas áreas resol-


veram vir a público nos últimos meses para assumir-se gays com estar-
dalhaço: da esquerda para a direita, a cantora gospel Jennifer Knapp, o
jogador de rúgbi galês Gareth Thomas e o cantor Ricky Martin

Anexo II

Aids maior entre jovens gays preocupa Ministério


Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR 
28/11/2011 | 15h46 | Jovens gays

Apesar da estabilidade na prevalência da aids na sociedade brasileira (em tor-


no de 0,6% da população) e ligeira diminuição da incidência de casos notifi-
cados em dois anos – de 18,8 casos por cem mil habitantes (em 2009) para 17,9
casos por cem mil habitantes (2010) – o Ministério Saúde alerta para o au-

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Anais Eletrônicos - XI EELL

mento de 10,1% no número de casos entre gays de 15 a 24 anos. No ano passado,


para cada 10 heterossexuais vivendo com o HIV/Aids havia 16 homossexuais.
Segundo os dados do Boletim Epidemiológico Aids/DST, a taxa de incidência do
HIV/Aids entre rapazes daquela faixa etária subiu de 9,5 (2000) para 11,1 (2010) –
acréscimo de 16,8%; enquanto entre as mulheres jovens assistiu-se à redução de
23,5% na taxa de incidência – de 10,2 (2000) para 7,8 (2010). Para atingir o público
jovem, o Ministério da Saúde promete reforçar as campanhas educativas em redes
sociais e locais de grande concentração.

No conjunto da população, no entanto, preocupa a evolução do vírus entre as mu-


lheres. Em 1989, a razão era de seis homens com HIV/Aids para cada mulher; em
2010 a relação caiu para 1,7. Os homens são maioria entre as pessoas que identifi-
caram o vírus. Em 31 anos (até junho deste ano), o boletim registra 397.662 casos
masculinos (65,4%) e 210.538 casos femininos (34,6%).

Ainda que identificadas essas tendências, o Ministério da Saúde assinala que não
existe população mais ou menos vulnerável e que o problema é de comportamento.
“Sexo sem proteção é o fator de maior predisposição para a infecção”, assinalou o
secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa.

“A aids não escolhe pacientes, não escolhe cara”, acrescentou o ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, que salientou que o estigma em torno da aids atrapalha o conhe-
cimento sobre a infecção e o tratamento. “Preconceito afasta as pessoas do diagnós-
tico”, ponderou o ministro.

O ministro destacou que a leitura dos dados epidemiológicos da aids deve ser feita com
cuidado. “Toda vez que falamos de casos, nós podemos falar de uma foto ou de um filme
de oito ou dez anos”, pondera para lembrar que a identificação do vírus pode demo-
rar e, portanto, os casos registrados hoje têm causas em comportamento do passado.

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GÊNEROS DISCURSIVOS COMO FORMADORES IDEOLÓGICOS NA PERSPECTIVA DOS ATOS DE FALA

Além de cruzamentos da incidência do HIV/Aids com a faixa etária e o sexo, o Minis-


tério da Saúde também observou os registros entre as grandes regiões do país. Ape-
sar do Sudeste concentrar 56,4% dos casos de aids entre 1980 e junho de 2011 (17,6
casos a cada 100 mil habitantes), a situação da Região Sul é de maior taxa de inci-
dência, 28,8 casos a cada 100 mil habitantes (acúmulo de 123.069 casos em 31 anos).

De acordo com o boletim epidemiológico, os três estados da Região Sul estão en-
tre os cinco primeiros no ranking da taxa de incidência entre 1998 e 2010. O Rio
Grande do Sul é o primeiro com taxa de 27,7 casos por 100 mil habitantes; Santa
Catarina é terceiro com 23,5 casos; e o Paraná ocupa a quinta posição com 15,7 casos.

Da Agência Brasil

http://www.old.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20111128154603

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