Você está na página 1de 8

1

Sobre os conceitos de belo e sublime na Crítica do Juízo de Immanuel Kant.

Prof. Dr. Eli Vagner Francisco Rodrigues

Unesp Bauru

Pretende-se nestas linhas analisar as ideias estéticas de Kant contidas na Analítica


do Belo e na Analítica do Sublime. Podemos iniciar uma análise da teoria estética de Kant,
mais exatamente dos conceitos de belo e de sublime, pela seguinte pergunta:
Que é o belo na sua imediata expressão natural, e de que maneira se nos revela no
gosto estético?
Para decidir se algo é belo ou não, ligamos a representação, não pela compreensão
do objeto de cognição, mas pela imaginação (em conjunção com o entendimento) do
indivíduo e a sua sensação de prazer ou dor. O juízo de gosto é, portanto, um juízo estético
e não lógico ou cognitivo. O fundamento que determina tal juízo, como diz Kant, não pode
ser outro senão subjetivo. A referência de uma representação pode ser objetiva (significa o
real numa representação empírica). Uma referência à sensação de prazer ou desprazer, na
qual nada do objeto se exprime, é resultado de uma afecção “no sujeito”. Kant esclarece
que se as representações são racionais mas se ligam, no juízo, simplesmente ao indivíduo
(aos seus sentimentos) então o juízo é estético.
A satisfação (complacência) que combinamos com a representação da existência de
um objeto chama-se interesse. Tal satisfação sempre tem conexão com a faculdade do
desejo, ou como seu fundamento determinante, ou estando, de alguma forma, ligada a ele.
Quando pergunto se uma coisa é bela ou não, não desejo saber se algo depende ou pode
depender da existência da coisa para mim ou para qualquer outra pessoa, mas como a julgo
através da mera observação (intuição ou reflexão). Se me perguntam se acho belo um certo
palácio posso responder, por exemplo, que não gosto de coisas que só servem para ser
admiradas.
“Posso ainda fazer como Rousseau, censurar a vaidade dos grandes que desperdiçam o suor
do povo em coisas supérfluas”. Mas Kant aponta que o que importa é saber se uma mera
representação do objeto se acompanha, em mim, de satisfação por mais indiferente que me
seja a existência do objeto desta representação. Ao dizer que é belo e mostrar que tenho
2

gosto eu me ocupo não da dependência que possa ter a existência do objeto, mas do que
faço dessa representação em mim mesmo. Devemos admitir, com Kant, que todo
julgamento (juízo) de beleza em que influa uma partícula de interesse, deixa de ser um puro
juízo de gosto para se tornar um juízo parcial. Para Kant, não devemos nos deixar
influenciar pela existência das coisas, mas permanecer totalmente indiferentes para
podermos julgar se algo é belo ou não.
O belo, afirma Kant, é aquilo que independentemente de conceitos, se representa
como objeto de uma satisfação universal. Esta explicação do belo deriva da explicação
precedente como objeto de uma satisfação inteiramente desinteressada. O fundamento
universal parece ser o fato de que todos se dão conta de que a satisfação é para cada um
perfeitamente desinteressada. Este fato, de que todos se dão conta de que a satisfação é para
cada um desinteressada, implica num fundamento de satisfação para todos. Uma vez que a
satisfação não se baseia em nenhuma inclinação do indivíduo, nem sobre qualquer outro
interesse premeditado e que, no caso, aquele que julga se sinta totalmente livre com
respeito à satisfação dedicada ao objeto, ele não encontra nenhum fundamento (para a
satisfação) relacionado com o seu próprio sujeito. A base de tal satisfação deve estar, então,
naquilo que ele, como juiz, pode pressupor em todos os outros homens.
O juízo de gosto, como vimos, é estético, mas tem uma similaridade com o juízo
lógico. O indivíduo falará do belo como se a beleza fosse uma característica do objeto e
como se o juízo fosse lógico, constituindo uma cognição do objeto através dos seus
conceitos, no entanto este juízo é apenas estético e envolve somente uma referência da
representação do objeto para o indivíduo. A similaridade com o julgamento lógico leva a
pressuposição da validez para todos. A universalidade do juízo de gosto é uma
universalidade subjetiva, ela não depende de objetos.
“De fato quem tem consciência de ser desinteressado
no prazer que prova de alguma coisa não pode julgar a coisa
mesma senão como contendo uma causa do prazer, que seja
válida para cada um. Não sendo o prazer fundado sobre
alguma inclinação do sujeito e sentindo-se, ao invés, quem
julga, completamente livre em relação ao prazer que dedica ao
objeto ; ele não poderá achar nenhuma condição particular,
3

exclusiva do seu sujeito, como fundamento do seu prazer, e


deverá, portanto considerá-lo como baseado sobre algo que se
possa pressupor nos outros: conseqüentemente deverá crer de
Ter razão ao pretender dos outros o mesmo prazer. Ele falará
assim do belo como se fosse uma qualidade do objeto, e como
se o seu juízo fosse lógico...embora seja somente estético e
não implique senão a relação da representação do objeto com
o sujeito.” (Crítica do Juízo “Analítica do belo” § 6)
Destas considerações podemos concluir que Kant define, em certo sentido, o belo
como aquilo que agrada sem interesse. A partir disto, Kant formula uma indagação sobre as
várias modalidades nas quais um prazer pode manifestar-se ligado ao interesse: o prazer
provocado pelo agradável, o prazer provocado pelo útil e o prazer provocado pelo bom.
Sobre a primeira modalidade, Kant estabelece uma diferença entre sensação e
sentimento. Confunde-se estes dois termos pois todo prazer é por si mesmo uma sensação.
Para desfazer a confusão basta considerar o seguinte exemplo: A cor verde dos prados
pertence à sensação objetiva, pois é percepção de um objeto do sentido; o prazer que ela
produz se refere, ao invés, à sensação subjetiva, com a qual nenhum objeto é representado:
quer dizer, ao sentimento, no qual o objeto é considerado como termo do prazer, que não dá
nenhum conhecimento dele.
Com relação ao prazer provocado pelo agradável podemos dizer que o juízo
exprime um interesse em relação ao objeto, porque o juízo mesmo, mediante sensação,
suscitaria o desejo de objetos semelhantes. Em outras palavras, o agradável revela e traduz
fielmente um interesse sensível imediato, cuja finalidade é o gozo do objeto ou de objetos
semelhantes. Tanto é verdade que do agradável não se diz simplesmente que agrada mas
que satisfaz.
Sobre o prazer provocado pelo útil, Kant aproxima da terceira modalidade, o prazer
provocado pelo bom, visto que útil e bom respondem a interesses racionais. Tanto o útil
como o bom dependem do conceito que temos, como homens, das coisas em relação às
nossas necessidades ou em relação à nossa destinação moral. Há, porém, diferença entre o
útil e o bom: nós dizemos que uma coisa é útil quando é boa para algum fim que não esteja
contido nela, isto é, quando nos agrada só como meio; enquanto, ao invés, dizemos que
4

uma coisa é “boa” (bom) quando, mediante a razão, nos agrada por si mesma, pelo seu
conceito, isto é, quando tem em si mesma o próprio fim.
A exclusão de todo interesse no prazer do belo se especifica, para Kant, nas três
modalidades do agradável, do útil e do bom. Estes são três elementos que têm o poder de
iniciar nosso puro juízo de gosto, e é, portanto, pela falta destes três elementos
“perturbadores” que podemos de certa maneira definir o caráter positivo da beleza.
A meu ver, um dos problemas que podemos apontar aqui é sobre a universalidade
do juízo de gosto. O senso comum, bem como a “comunidade dos estetas” apontam para a
relativização do gosto, de certa maneira estas considerações se chocam com a idéia de
universalidade apontada por Kant. A solução, a meu ver, está no fato de Kant admitir uma
indiscutível relatividade dos juízos que concernem ao agradável, mas esta espécie de juízo,
afirma, deriva do “gosto dos sentidos” e não do “gosto da reflexão”. Para o filósofo só este
último pretende à universalidade e, como se trata de um juízo reflexivo e não determinante,
a sua universalidade não poderá de maneira alguma fundamentar-se sobre os conceitos do
objeto, e não é, por isso, uma universalidade lógica, e sim, somente estética. Dada, porém, a
relação estabelecida com a categoria da quantidade, pode-se concordar com Kant que esta
espécie de universalidade sui generis não inclui uma quantidade objetiva do juízo, mas só
uma quantidade subjetiva.
Se persistirmos na pergunta: Como um juízo de gosto, que é um juízo particular,
pode ser universal? Kant vai dizer, por exemplo, que a rosa que eu olho a declaro bela com
um juízo de gosto; enquanto que, o juízo que corresponde à comparação de muitos juízos –
as rosas em geral são belas – não exprime mais um simples juízo estético, mas um juízo
lógico fundado sobre um juízo estético.
Outra questão que Kant destaca é sobre a precedência ou não do sentimento de
prazer no juízo de gosto, isto é, se este sentimento de prazer precede o juízo de gosto ou se
é o juízo de gosto precede o sentimento de prazer. A preocupação de Kant deve ter advindo
da contradição de se admitir que no juízo de gosto primeiro vem o prazer dado pelo objeto
e que a sua validade universal tivesse de se atribuir, somente depois, à representação do
próprio objeto. O prazer, neste caso, não seria outra coisa senão o simples “agradável” da
sensação, e não poderia ter senão uma validez particular dependente da representação do
objeto.
5

Kant vai dizer que o juízo puramente subjetivo (estético) do objeto, ou das
representações com as quais ele é dado no juízo de gosto, precede o prazer que se tem do
objeto, e o fundamento deste prazer (posterior) está na harmonia das faculdades de
conhecer.
Conclui-se, como vimos, que no juízo de gosto a universalidade não está ligada a
nenhum conceito da coisa, importando-lhe principalmente livrar o juízo mesmo da
influência de qualquer conceito que não poderia deixar de falsificá-lo. O belo não só deve
agradar sem interesse algum, mas também universalmente sem conceito. “Belo é o que, no
imediato juízo de gosto, agrada universalmente, sem interesse e sem conceito. ”

Analítica do Sublime.
Kant começa suas considerações sobre o conceito do sublime através de uma
comparação deste com o conceito de belo. Belo e sublime estão de acordo pelo fato
agradarem ambos por si mesmos. Além disto, tanto em um caso como em outro, o prazer
não depende nem de uma sensação (como acontece com o “agradável”), nem de um
conceito determinado (como acontece com o “bom”). O juízo sobre o belo e o juízo sobre o
sublime são juízos singulares e não entram em nenhuma classe a qual se possa enquadrar-
assim como sob um conceito- todos os casos de beleza ou de sublimidade. Mas estes juízos
se apresentam à consciência de cada um, como verdadeiros juízos universais, embora
pretendam somente ao sentimento de prazer e não ao conhecimento do objeto.
Consideradas as características comuns constatamos que em outros aspectos o belo
e o sublime diferem consideravelmente. Por exemplo: enquanto o belo (da natureza, por
exemplo) concerne à forma do objeto, a qual consiste na limitação do mesmo, o sublime se
pode, ao contrário, achar também num objeto informe, porém com a condição de que a falta
dos limites seja representada junto com a totalidade. Assim, o belo pode ser considerado
como a exteriorização de um conceito indefinido do intelecto, e o sublime como um
conceito indefinido da razão.
Ainda nos valendo da comparação com o conceito de belo na tentativa de definir o
conceito de sublime, podemos apontar, agora como diferença, que enquanto o belo produz
diretamente uma sensação de euforia que é quase uma garantia de intensificação ou de
conservação da nossa vida sensível, o sublime, pelo contrário, é um prazer que se produz
6

só indiretamente, e só o experimentamos depois de uma “momentânea suspensão dos


movimentos vitais”, e se nos apresenta como uma emoção que é algo muito mais profundo
do que um simples jogo no uso da imaginação. “Não é uma alegria positiva; antes por
conter estima e maravilha, merece ser chamada de um prazer negativo.”
Kant parece entender o sentimento que se tem diante do sublime como algo que
eleva o espírito acima da matéria, mesmo sendo a contemplação algo que acontece através
de um contato com o mundo sensível.
Tentando escapar de mais uma comparação com o belo podemos definir o sublime
como aquilo que surge sempre que deparamos com um objeto que escapa de nossa
capacidade de compreensão e que, portanto, não somos capazes de agrupar em um todo
sistemático, nem na intuição, nem no conceito. Kant denomina Sublime aquilo que reveste
nossos olhos de verdadeira grandeza de extensão ou de força, seja uma grandeza
matemática ou dinâmica.
Aqui aparece já a questão da finalidade. O belo natural “que está por si” inclui,
segundo Kant, uma finalidade na sua forma de modo que o objeto parece predisposto para o
nosso juízo e, por isso, constitui, ele próprio, um objeto de prazer. O que produz em nós o
sentimento de sublime, na simples apreensão, sem raciocínio, pode parecer, no que diz
respeito à forma, em contraste com a finalidade para o nosso juízo, ou inadequado à nossa
faculdade de exibição e quase como violento contra a própria imaginação, de modo que,
quanto maior for a violência mais intenso será o grau de sublimidade.1
Pelos motivos descritos acima conclui-se que à natureza, mais precisamente, ao
objeto da natureza, convém o atributo da beleza e não o da sublimidade, O verdadeiro
sublime não pode estar contido em nenhuma forma sensível e somente está relacionado
com as idéias da razão que não são exteriorizadas adequadamente em termos lógicos mas
que são despertadas na nossa alma justamente por tal desproporção. Assim o imenso
oceano revolto pela tempestade não pode ser chamado de sublime por si mesmo, mas ele
faz com que a alma abandone a sensibilidade para afogar-se num mar de idéias que contém
uma finalidade superior.
“Para o belo natural devemos procurar um princípio
fora de nós, enquanto para o sublime natural devemos

1
Kant, Crítica do Juízo, Analítica do Sublime § 23.
7

procurá-lo unicamente em nós mesmo no modo de


pensar que confere a sublimidade à representação da
natureza. ” (Crítica do Juízo, Analítica do Sublime, §
25).
Conforme o esquema da Crítica da Razão Pura o prazer do sublime deve ser
representado como universal, segundo a quantidade, sem interesse, segundo a qualidade,
subjetivamente final, segundo a relação e necessário nesta finalidade, segundo a
modalidade.
Kant ainda distingue o sublime em matemático e dinâmico. O sublime matemático
surge na presença de uma grandeza que a nossa imaginação é incapaz de representar-se, já
o sublime dinâmico surge por ocasião de uma potência da natureza que a nossa força física
é absolutamente impotente para conter, mas que não consegue por isso dominarmos
moralmente, despertando, antes, a consciência de uma força espiritual sobre-humana em
nós, uma força que desafia toda força física e a própria morte do corpo.
A comtemplação, a partir de um ponto seguro, das forças titânicas da natureza leva
o homem à comparações de sua dimensão diante do espetáculo da natureza e isto leva-o a
pensamentos de valorização do ser racional que ele é. A alma em momentos de
contemplação do sublime pode sentir a sublimidade da própria destinação. Este aspecto diz
respeito ao sublime dinâmico.
O que acontece na gênese do sentimento do sublime pelo homem é o encontro que a
nossa imaginação faz com o seu próprio limite. Este encontro contrasta com a necessidade
da nossa razão de colher a infinidade contida na totalidade. O contraste excita a nossa
imaginação a continuar no seu processo representativo. Na sua limitação, isto é, na
limitação o processo representativo a imaginação se dirige para a razão e suas idéias, ou
seja, para a potência supra-sensível do nosso espírito, onde poderá transcender o sensível.
O sentido do limite que é encontrado pela nossa imaginação deprime o homem
como ser sensível. A percepção da sublimidade do espírito deverá ser, por reflexão, referida
às coisas ou aos objetos que causaram o juízo. Isto pode ser explicado da seguinte maneira:
Deve chamar-se sublime, não o objeto, mas a disposição da alma que resulta de uma certa
representação que ocupa o juízo reflexivo. Noutra definição Kant afirma que é sublime o
8

que demonstra que se pode também pensar apenas numa faculdade da alma que supera toda
medida dos sentidos.

Bibliografia:

KANT. I., Crítica do Juízo,Trad.Valério Rhoden, Ed. Forense Universitária.


LOPARIC, J. A Semântica Transcendental de Kant.
LOPARIC, J. O Fato da Razão.

Você também pode gostar