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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 35, n.

3, 3302 (2013)
www.sbfisica.org.br

Os fundamentos fı́sico-matemáticos da cosmologia relativista


(Physico-mathematical foundations of relativistic cosmology)

Domingos Soares1
Departamento de Fı́sica, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Recebido em 17/8/2012; Aceito em 2/2/2013; Publicado em 9/9/2013

Apresento, abreviadamente, os fundamentos da cosmologia relativista, quais sejam, a teoria da relatividade


geral e o princı́pio cosmológico. Discuto alguns modelos relativistas, a saber, o “universo estático de Einstein” e
os “universos de Friedmann”. As referências bibliográficas clássicas para as demonstrações tensoriais relevantes
são indicadas sempre que necessárias, embora os cálculos em si não sejam apresentados.
Palavras-chave: teoria da relatividade geral, cosmologia, modelos de Friedmann, modelo de Einstein.

I briefly present the foundations of relativistic cosmology, general relativity theory and the cosmological
principle. I discuss some relativistic models, namely, “Einstein static universe” and “Friedmann universes”.
The classical bibliographic references for the relevant tensorial demonstrations are indicated whenever necessary,
although the calculations themselves are not shown.
Keywords: general relativity theory, cosmology, Friedmann models, Einstein model.

1. Introdução Einstein utiliza o formalismo tensorial para expres-


sar as suas equações de campo, sendo assim, a TRG
O princı́pio cosmológico (PC) - a homogeneidade e é uma teoria tensorial. A propósito, o matemático
isotropia do universo - e a teoria da relatividade ge- alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866)
ral (TRG) constituem os fundamentos fı́sicos e ma- foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento
temáticos da cosmologia relativista. Resumindo tudo do cálculo tensorial, tendo importância enorme para a
o que será apresentado a seguir, podemos dizer que formulação da TRG. Mas, o que é um tensor? Um
as simetrias introduzidas pelo PC fazem com que as tensor é uma entidade matemática que possui em cada
equações de campo completas de Einstein da TRG se ponto do espaço nm componentes, onde n é o número
reduzam a duas simples equações diferenciais para o fa- de dimensões do espaço e m é a ordem do tensor. Desta
tor de escala - ou de expansão - do universo [1, p. 260]. forma, podemos dizer que o escalar é um tensor de or-
A partir destas duas equações os modelos cosmológicos dem 0 - portanto, tem 1 componente - e o vetor é um
relativistas mais populares podem ser construı́dos. tensor de ordem 1 - tem n componentes [3, p. 200].
Os tensores utilizados na TRG são tensores de ordem
As equações de campo de Einstein da TRG repre- m = 0, 1 e 2 e o “espaço” é o espaço-tempo de n = 4
sentam uma descrição matemática de uma entidade dimensões (três coordenadas espaciais e uma coorde-
geométrica, o espaço-tempo, definido por três coorde- nada temporal). Assim, os tensores de segunda ordem
nadas espaciais e uma temporal. Esta entidade de 4 da TRG têm, em princı́pio, 42 = 16 componentes. Di-
dimensões é estabelecida pelo conteúdo de energia e zemos “em princı́pio” porque os problemas fı́sicos re-
matéria existentes. Do lado esquerdo das equações te- ais impõem restrições de simetria que reduzem para 10
mos a descrição geométrica do espaço-tempo e do lado as componentes realmente necessárias. Os tensores de
direito, o conteúdo de energia e momento. Colocado de primeira ordem são os vetores da TRG, chamados de
outra forma, a TRG é a teoria da gravitação de Eins- quadrivetores e possuem 4 componentes.
tein. Ela pode ser entendida simplificadamente pela
afirmação de que “o espaço-tempo diz à matéria como Faremos uma apresentação simplificada das
se mover e a matéria diz ao espaço-tempo como se cur- equações de campo de Einstein que consistem de 10
var” [2, p. 275]. Esta é obviamente uma afirmação equações diferenciais não lineares - um sistema de
incompleta pois não só a matéria curva o espaço-tempo equações. Este sistema se simplifica tremendamente
mas também toda forma de energia [3, p. 229]. quando são impostas restrições de simetria adicionais
1 E-mail: dsoares@fisica.ufmg.br.

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dadas pelo PC (ver seção 2 da Ref. [4]) e se reduz a


duas equações - somente 2 componentes dos tensores 1 8πG
Rµν − gµν R = − 4 Tµν . (4)
da TRG são necessárias para a formulação completa 2 c
da cosmologia relativista moderna do estrondão quente E em formato matricial, ainda com as 16 compo-
(tradução de hot big bang, cf. Ref. [5]). nentes, teremos
As equações de Einstein da TRG podem ser expres-
sas de forma qualitativa [3, p. 229] como
 
R00 R01 R02 R03
 R10 R11 R12 R13 
 
curvatura do espaço-tempo =  R20 R21 R22 R23 
constante × matéria-energia. (1) R30 R31 R32 R33
 
A curvatura do espaço-tempo é dada, matematica- g00 g01 g02 g03
1  g10 g11 g12 g13 
mente, pelo tensor de Einstein Gµν −  R =
2  g20 g21 g22 g23 
1 g30 g31 g32 g33
Gµν = Rµν − gµν R, (2)
2
 
com os ı́ndices µ e ν tomando os valores de 0, 1, 2 e 3. O T00 T01 T02 T03
tensor Rµν é chamado tensor de Ricci, formado a partir 8πG  T10 T11 T12 T13 
− 4  . (5)
do tensor de curvatura de Riemann, o qual é um tensor c  T20 T21 T22 T23 
de ordem 4, sendo a maneira mais geral de se descrever T30 T31 T32 T33
a curvatura de um espaço de n dimensões qualquer. No
caso da TRG, o espaço-tempo de 4 dimensões implica Antes de discutirmos as equações de campo de Eins-
na existência de 44 = 256 componentes. O tensor de tein, apresentadas acima, faremos, na próxima seção,
Ricci, de ordem 2, é a forma reduzida do tensor de Rie- uma descrição do termo que aparece no lado direito
mann para ser usada nas equações de Einstein. A forma das Eqs. (3), (4) e (5), qual seja, o tensor de energia-
reduzida é obtida através da aplicação de relações de si- momento Tµν . Discutimos na seção 3 as equações da
metria que eliminam os termos redundantes no tensor TRG, primeiro, as equações para o vácuo, i.e., na
de Riemann. O tensor gµν é o tensor da métrica do ausência de fontes de matéria e energia, e, então, as
espaço-tempo e faz, nas equações de Einstein, o pa- equações completas, que são as equações relevantes para
pel do campo [6, p. 179]. E é por isto que dizemos a cosmologia. Em seguida, passamos às aplicações cos-
“equações de campo de Einstein”. Não falamos, na mológicas das equações completas, na seção 4. Aqui,
TRG, em “ação à distância”; um corpo de prova não acrescentamos uma novidade, a inclusão da chamada
“sente” diretamente as fontes de matéria e energia, mas constante cosmológica Λ na Eq. (4), a qual aumenta
sim o campo, i.e., a métrica - a geometria - que estas a sua generalidade. O universo estático de Einstein -
fontes geram em sua vizinhança. O campo de métrica onde aparece explicitamente a constante cosmológica -
transmite as perturbações na geometria (ondas gravita- é discutido na seção 4.1 e os universos de Friedmann,
cionais) na velocidade da luz, uma situação análoga ao nos quais Λ = 0, são apresentados na seção 4.2. Na
que ocorre no eletromagnetismo [6, p. 179]. O campo seção 5, apresento algumas considerações finais.
da métrica é o análogo ao campo gravitacional na te- É necessário, neste ponto, fazer uma advertência im-
oria newtoniana. Finalmente, o termo R, na Eq. (2), portante. Não é possı́vel um conhecimento completo e
é a curvatura escalar, um escalar associado ao tensor satisfatório da TRG sem o domı́nio - mesmo que ru-
de Ricci e ao tensor da métrica. Em termos tensoriais, dimentar - das técnicas do cálculo tensorial. Mas é
a curvatura escalar é igual ao traço do tensor de Ricci possı́vel, entretanto, ter-se uma ideia geral do quadro
com relação ao tensor da métrica. A curvatura escalar teórico, mesmo sem o aprofundamento nas demons-
é também chamada de escalar de Ricci [6, p. 219]. trações tensoriais. É exatamente isto que pretendo,
A parte de matéria e energia das equações de Eins- nesta exposição de uma das mais conhecidas aplicações
tein é dada pelo tensor de energia-momento Tµν . As da TRG, qual seja, a cosmologia moderna. Para o leitor
equações de campo de Einstein completas têm, então, interessado no formalismo matemático tensorial, forne-
a forma compacta seguinte cerei as referências pertinentes sempre que elas forem
necessárias.
Gµν = −κTµν , (3)
4
onde κ = 8πG/c é a constante gravitacional de Eins- 2. O tensor de energia-momento
tein, G é a constante de gravitação universal e c é a
velocidade da luz no vácuo. Finalmente, substituindo Este é o tensor - lado direito da Eq. (4) - que descreve
a Eq. (2) na Eq. (3), temos a forma explı́cita das 16 a atividade energética no espaço. O tensor de energia-
equações de Einstein momento fornece quantitativamente as densidades e os
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fluxos de energia e momento gerados pelas fontes pre- equações completas, as quais têm como caso particular
sentes no espaço e que determinarão a geometria do as primeiras.
espaço-tempo - o lado esquerdo da Eq. (4). Além da redução aos limites newtonianos, Einstein
As componentes do tensor de energia-momento [7, utilizou também, para a postulação das equações de
p. 137] são as seguintes: campo, os critérios de simplicidade e de intuição fı́sica.
Einstein se pergunta: “Qual é a forma mais simples
T00 = densidade de matéria e energia. da métrica espaço-temporal, na ausência de fontes, que
resultará, no limite clássico, na equação de Laplace
T0ν = fluxo de energia (i.e., energia por unidade de
para o potencial gravitacional newtoniano? E se houve-
área, por unidade de tempo) na direção ν; ν ̸= 0.
rem fontes, como obter da forma mais simples o tensor
Tµ0 = densidade da componente µ do momento; µ ̸= 0. da métrica e, ao mesmo tempo, a redução clássica à
equação de Poisson?” E ainda, em ambos os casos da
Tµν = fluxo da componente µ do momento na direção teoria geral, ele deveria obter a conservação da energia
ν (i.e., tensão de cisalhamento). Note que “fluxo e do momento.
do momento” é o mesmo que “força por área”; Após a satisfação destes critérios e da redução aos
µ, ν ̸= 0. limites clássicos, a validade das equações formuladas
deve, naturalmente, ser verificada pela experiência.
Tµµ = fluxo da componente µ do momento na direção Como veremos, esta verificação ocorreu de forma ex-
µ (i.e., força sobre a área perpendicular, ou seja, tremamente satisfatoria para as equações de campo no
pressão, que difere de “tensão de cisalhamento” vácuo, mas, aparentemente, ainda não ocorreu para as
exatamente por levar em conta a componente equações completas.
da força perpendicular à superfı́cie sobre a qual
atua); µ ̸= 0.
3.1. As equações no vácuo
O tensor de energia-momento é simétrico, ou seja,
As equações da TRG no vácuo são em grande maneira
Tµν = Tνµ . Misner, Thorne e Wheeler [7, p. 141] mos-
- e até certo ponto, paradoxalmente, por não serem
tram isto utilizando um argumento fı́sico. Eles consi-
as equações completas - as grandes responsáveis pelo
deram as tensões de cisalhamento sobre um cubo muito
prestı́gio extraordinário de que goza a TRG. É o que
pequeno de aresta L e massa-energia igual a T00 L3 e
veremos a seguir.
mostram que ele teria aceleração angular infinita caso
As equações no vácuo são aquelas válidas para o
o tensor não fosse simétrico.
campo da métrica no vácuo, como, por exemplo, o
O tensor de energia-momento, por ser simétrico,
campo em torno do Sol, para o qual a densidade de
tem, no máximo, 10 componentes diferentes, ao invés
matéria ρ = 0. Estudando as simetrias do tensor de
das 16 de um tensor qualquer 4 × 4. Como veremos a
Ricci Rµν no limite clássico do tensor da métrica gµν [6,
seguir, os tensores relacionados à geometria do espaço-
p. 222], Einstein postula a seguinte forma, para as
tempo, no lado esquerdo da Eq. (4), também são simé-
equações de campo no vácuo
tricos.
Estamos prontos agora para discutir, em mais deta-
lhes, as equações de Einstein da TRG. Rµν = 0. (6)

Einstein propôs as equações da TRG para o vácuo


3. Equações de campo de Einstein em 1915, e em 1916 o astrônomo e fı́sico alemão Karl
Schwarzschild (1873-1916) obteve a primeira e a mais
O enorme sucesso da gravitação de Newton nos importante solução exata das equações de campo do
fenômenos clássicos - campos gravitacionais fracos e ve- vácuo, conhecida como a métrica de Schwarzschild [6,
locidades muito menores do que a velocidade da luz p. 228]. Esta solução aplica-se, por exemplo, ao movi-
- torna quase obrigatório que qualquer nova teoria de mento planetário com grande sucesso, conseguindo a ex-
gravitação se reduza, nestes limites, à lei do inverso plicação correta para o fenômeno da precessão da órbita
do quadrado newtoniana. Em outras palavras, no cha- de Mercúrio - o que não era conseguido pela gravitação
mado “limite clássico”, na ausência de fontes gravita- newtoniana - e prevendo novos fenômenos, entre eles,
cionais, a TRG deve cair na equação de Laplace para o a deflexão de um raio de luz ao passar nas proximida-
potencial gravitacional newtoniano Φ, ∇2 Φ = 0, e na des de uma concentração de matéria [6, p. 223]. Estes,
equação de Poisson, ∇2 Φ = 4πGρ, sempre que houver e outros testes, foram realizados com grande sucesso
a presença de fontes, representadas pela densidade de experimental e são eles os responsáveis pela aceitação
matéria ρ. quase unânime da TRG pela comunidade cientı́fica. A
Este foi o caminho seguido por Einstein, e que métrica de Schwarzschild é ainda responsável pela dis-
passaremos a discutir, primeiro, com as equações de cussão, atual e controversa, de fenômenos como a ra-
campo para a ausência de fontes e, em seguida, com as diação gravitacional e os buracos negros.
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Não são estas, no entanto, as equações de campo 4. Modelos cosmológicos


que levarão aos modelos modernos da cosmologia re-
lativista. As equações de campo apropriadas necessi- Os modelos cosmológicos são construı́dos por in-
tam da presença de fontes de matéria e de radiação termédio das equações de campo completas de Einstein.
para serem propriamente aplicadas ao universo. Es- Uma das mais tediosas e trabalhosas tarefas, na TRG,
tas equações de campo, chamadas completas, ainda não é o cálculo do tensor de Ricci, da curvatura escalar e,
tiveram confirmação experimental definitiva (ver dis- finalmente, do tensor de Einstein Gµν , cálculo este feito
cussão na Ref. [9]) e serão apresentadas a seguir. para um dado tensor da métrica gµν .
Rindler [6, p. 418] mostra como estes cálculos de-
vem ser feitos para uma métrica diagonal genérica dada
3.2. As equações completas por

A primeira tentativa para as equações de campo na


presença de fontes seria obviamente uma modificação (ds)2 = A(dx0 )2 + B(dx1 )2 + C(dx2 )2 + D(dx3 )2 , (8)
da Eq. (6), i.e., Rµν = constante × Tµν , a qual não
funciona, pois o divergente de Rµν é diferente de zero, onde A, B, C e D são funções arbitrárias de todas as
implicando em que não há conservação de energia e mo- coordenadas espaço-temporais.
mento. A segunda escolha é simplesmente substituir Vamos agora obter as equações da cosmologia rela-
Rµν pelo tensor de Einstein Gµν [Eq. (2)], o qual pos- tivista. O PC, isto é, a redução do universo real a uma
sui divergente nulo [6, p. 299]. As equações de campo idealização homogênea e isotrópica, implica no espaço-
completas tomam então a forma da Eq. (4) e, no for- tempo com a métrica de Robertson-Walker [6, p. 367],
mato matricial, da Eq. (5). Mas temos simplificações a qual, em coordenadas espaciais esféricas, é dada por
adicionais. Já vimos que o tensor de energia-momento é
simétrico. E devido às simetrias do espaço-tempo - tais
como, a menor distância de A até B é a mesma de B até (ds)2 = (cdt)2 − S 2 (t)×
[( )2 ]
A, e, a distância ao longo de um cı́rculo é a mesma nos dr
sentidos horário e anti-horário - o mesmo ocorre para os √ 2 2
+ (rdθ) + (rsenθdϕ) . (9)
1 − kr2
tensores de Ricci e da métrica [3, p. 240], e eles têm, as-
sim como ocorre para Tµν , no máximo 10 componentes
S(t) é o fator de escala do universo e k é a cons-
diferentes em cada evento do espaço-tempo.
tante de curvatura espacial. Esta equação substitui a
As equações de campo de Einstein completas são Eq. (8) para o cálculo do tensor de Einstein aplicado à
então escritas como Gµν ≡ Rµν − 1/2gµν R = −κTµν , cosmologia, isto é, ao universo idealizado do PC.
onde κ é a constante gravitacional de Einstein, definida Para aumentar a generalidade das equações de
na seção 1. Na forma matricial, temos campo, adicionaremos à curvatura escalar uma cons-
tante, a chamada constante cosmológica Λ, que será
  essencial para a discussão do universo estático de Eins-
R00 R01 R02 R03 tein, na próxima seção. Esta constante é chamada cos-
 = R11 R12 R13 
  mológica porque ela só tem relevância no contexto da
 = = R22 R23  cosmologia, isto é, para a estrutura e a evolução do uni-
= = = R33 verso. A equação de campo completa pode ser escrita
 
g00 g01 g02 g03 então como
1  = g11 g12 g13 
−  R =
2 = = g22 g23  1
Rµν − ( R − Λ)gµν = −κTµν . (10)
= = = g33 2
A constante cosmológica não altera em nada a vali-
  dade formal das equações de campo, e pode ser positiva,
T00 T01 T02 T03 negativa ou nula. Neste último caso, naturalmente, re-
8πG  = T11 T12 T13 
− 4 
. (7) cuperamos a formulação usual das equações de campo
c = = T22 T23  (Eq. (4)). Segundo Rindler [6, p. 303], “O termo Λ
= = = T33 parece ter vindo para ficar; ele pertence às equações de
campo tanto quanto uma constante aditiva pertence a
É interessante notar que a equação completa reduz- uma integral indefinida.” Como a curvatura escalar R,
se à equação para o vácuo quando Tµν = 0. Isto Λ possui dimensões de comprimento−2 .
ocorre da seguinte forma. A equação completa de Da mesma forma que a equação completa sem Λ,
Einstein pode ser escrita também na forma Rµν = a equação completa com Λ reduz-se à equação para o
−κ(Tµν − 1/2gµν T ) [6, p. 299]. Fica claro, portanto, vácuo quando Tµν = 0. Como antes, a equação com-
que para Tµν = 0 teremos Rµν = 0, ou seja, a Eq. (6). pleta de Einstein pode ser escrita também na forma
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Rµν = −κ(Tµν − 1/2gµν T ) + gµν Λ. Para Tµν = 0 tere- Rindler [6, p. 392] e Misner, Thorne e Wheeler [7,
mos [6, p. 303] p. 728] fornecem os resultados dos cálculos para Gµν

Rµν = gµν Λ. (11) 3Ṡ 2 3k


G00 = − 2 2
− 2 + Λ, (14)
S c S
Esta equação para o vácuo, que substitui a Eq. (6),
sem Λ, só é importante para eventuais estudos cos- 2S̈ Ṡ 2 k
mológicos. Ela é totalmente irrelevante, por exemplo, G11 = G22 = G33 = − 2
− 2 2 − 2 + Λ, (15)
Sc S c S
para os estudos do sistema solar. Neste caso, a Eq. (6),
e a sua solução, a métrica de Schwarzschild, é perfei- onde S é o fator de escala do universo (cf. Eq. (9)).
tamente satisfatória, mesmo se houver a constante cos- Com estes valores para Gµν e Tµν , as equações de
mológica. Einstein completas, Gµν = −8πG/c4 Tµν (Eq. (10)),
Para obtermos as equações da cosmologia relativista resultam em apenas duas equações diferenciais não li-
faremos a suposição fundamental do PC: toda a matéria neares para o fator de escala S(t)
- incluindo uma possı́vel “matéria escura” - do universo
Ṡ 2 k Λ 8πGρ
será, por assim dizer, moı́da e redistribuı́da de forma
2 2
+ 2− = , (16)
uniforme pelo universo. Teremos desta forma os requisi- S c S 3 3c2
tos fı́sicos do PC, i.e., a homogeneidade e a isotropia da 2S̈ Ṡ 2 k 8πGp
distribuição de matéria. O tensor de energia-momento 2
+ 2 2
+ 2 −Λ=− 4 . (17)
Sc S c S c
destas fontes, quais sejam, a matéria e radiação com
As Eqs. (16) e (17) são as equações básicas para
as caracterı́sticas fı́sicas da uniformidade, se reduz aos
a formulação da maioria dos modelos cosmológicos re-
elementos da diagonal [6, p. 392] [7, p. 140]
lativistas, com ou sem a constante cosmológica. Além
disto, a resolução simultânea deste sistema de equações
Tµν = diag(ρc2 , −p, −p, −p), (12) resulta na equação da conservação da massa e da ener-
onde p é a pressão isotrópica e ρ é a densidade ho- gia do fluido cósmico [6, p. 393].
mogênea do fluido. Um fluido deste tipo é chamado A seguir, veremos um modelo cosmológico com Λ e
de fluido perfeito. O sinal negativo que aparece em p uma famı́lia de modelos sem Λ.
implica, na equação de campo, em que uma pressão
positiva possui um efeito gravitacional atrativo [6, p. 4.1. O universo estático de Einstein
156] [8, p. 172].
Logo após a apresentação final da TRG em 1915, Al-
Devemos notar ainda que p representa a pressão
bert Einstein (1879-1955) inaugurou o estudo da cos-
da radiação e da matéria, e, da mesma forma, ρ deve
mologia relativista. Ele publicou, em 1917, um artigo
ser dividida numa parte da radiação e numa parte da
com o sugestivo tı́tulo Considerações Cosmológicas Re-
matéria. A pressão da radiação só será significativa nos
lacionadas À Teoria da Relatividade Geral. Ele uti-
estágios iniciais dos modelos em expansão - um gás de
liza a Eq. (16) com Λ positivo para obter um efeito
fótons a alta temperatura com p = 1/3ρc2 . A pressão
cósmico repulsivo e, assim, contrabalançar exatamente
da matéria, a qual só aparece em estágios posteriores, é
o efeito atrativo da matéria e da radiação do universo.
desprezı́vel. Um fluido perfeito de matéria com pressão
Assim, ele obtém um universo estático, condizente com
nula é muitas vezes chamado, tecnicamente, de poeira.
as ideias prevalecentes na época. Este modelo foi de
Esta poeira permanece em repouso, no substrato espa-
enorme importância na história da ciência da cosmolo-
cial, já que qualquer movimento aleatório constituiria
gia, pois foi motivo de inspiração cientı́fica para mui-
uma pressão. Os movimentos globais de expansão ou
tos pesquisadores. O modelo gozava, entretanto, de
contração não são excluı́dos, no entanto.
uma caracterı́stica indesejável: era instável sob peque-
O trabalho principal para se obter as equações da
nas perturbações no estado de equilı́brio estático. O
cosmologia é aplicar o lado esquerdo das equações de
modelo de Einstein é discutido em detalhes por Soa-
campo dadas pela Eq. (10) - o tensor de Einstein -
res [10], inclusive a sua instabilidade. A Eq. 2 de So-
à métrica de Robertson-Walker dada pela Eq. (9).
ares [10, p. 1302-2] é a mesma Eq. (16) determinada
Já dissemos acima que Rindler [6, p. 418] mostra os
aqui.
cálculos detalhados para se obter cada elemento do
tensor de Einstein. A métrica de Robertson-Walker,
4.2. Os universos de Friedmann
sendo a métrica de um universo homogêneo e isotrópico,
com as suas inúmeras simetrias, implica em que o ten- O fı́sico, meteorologista e cosmólogo russo Alek-
sor de Einstein, com a constante cosmológica, Gµν ≡ sandr Aleksandrovich Friedmann (1888-1925) foi o res-
Rµν − (1/2R − Λ)gµν , só terá os elementos da diagonal, ponsável pela próxima grande contribuição para a cos-
exatamente como o tensor de energia-momento mologia relativista. Em 1922, ele publicou um ar-
tigo, numa prestigiosa revista cientı́fica alemã, com o
Gµν = diag(G00 , G11 , G22 , G33 ). (13) tı́tulo Sobre a curvatura do espaço, onde ele resolve
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as equações de campo completas de Einstein, com as mento. Esta solução tem inúmeras aplicações práticas e
hipóteses de homogeneidade e isotropia do universo - é dada pela métrica de Schwarzschild. As soluções mais
o que posteriormente ficaria conhecido como princı́pio conhecidas das equações de campo completas são exa-
cosmológico - e obtém um modelo de curvatura espacial tamente os modelos da cosmologia relativista, válidas
positiva (espaço esférico) com fases de expansão e de para um fluido homogêneo e isotrópico, e elas falham
contração. Posteriormente, reconheceu-se que este era quando confrontadas com as observações. Os mode-
apenas uma das possibilidades de universos dinâmicos los relativistas só sobrevivem quando são postuladas
- um universo fechado oscilante - entre outras, quais as existências de entidades fı́sicas não observadas, tais
sejam, os universos abertos: o de curvatura negativa, como, a matéria escura e a energia escura (cf. Ref. [9]).
espaço hiperbólico e o de curvatura nula, espaço plano
ou euclidiano.
O trabalho de Friedmann só foi reconhecido pela Referências
comunidade cientı́fica muito tempo depois de sua pu- [1] M. Harwit, Astrophysical Concepts (Springer, Nova
blicação. Em sua homenagem, os modelos resultantes York, 1998).
da Eq. (16), sem Λ, receberam o nome de modelos
ou universos de Friedmann. Uma discussão detalhada, [2] E.F. Taylor and J.A. Wheeler, Spacetime Physics Intro-
duction to Special Relativity (W.H. Freeman and Com-
porém em nı́vel elementar, sobre os modelos de Fried-
pany, New York, 1992).
mann está apresentada na Ref. [11].
[3] E. Harrison, Cosmology - The Science of the Universe
(Cambridge University Press, Cambridge, 2000).
5. Considerações finais
[4] J. Hwang, Modern Cosmology: Assumptions and Li-
O modelo estático de Einstein foi o primeiro modelo mits (arXiv:1206.6297v1 [physics.hist-ph], 2012), http:
//arxiv.org/abs/1206.6297.
cosmológico relativista e, também, o primeiro a utili-
zar a constante cosmológica. Os modelos cosmológicos [5] D. Soares, A Tradução de Big Bang (2002), http:
relativistas modernos também incorporam a constante //www.fisica.ufmg.br/~dsoares/aap/bgbg.htm.
cosmológica, e conseguem por meio dela obter a con- [6] W. Rindler, Relativity - Special, General, and Cosmo-
sistência entre a idade teórica do universo e os limites logical (Oxford University Press, New York, 2006).
impostos pela evolução estelar. Em outras palavras, a [7] C.W. Misner, K.S. Thorne and J.A. Wheeler, Gravi-
constante cosmológica consegue resolver o chamado di- tation (W.H. Freeman and Company, San Francisco,
lema da idade do universo (mais detalhes na Ref. [12]). 1973).
É importante ressaltar que Friedmann (seção 4.2)
[8] F. Hoyle, G. Burbidge and J.V. Narlikar, A Different
obteve originalmente apenas o modelo fechado, por Approach to Cosmology: from a Static Universe th-
meio das equações completas de Einstein e do PC, rough the Big Bang towards Reality (Cambridge Uni-
o qual foi um conceito cosmológico introduzido por versity Press, Cambridge, 2000).
ele. Os três modelos de Friedmann modernos apare-
[9] D. Soares, Uma Pedra no Caminho da Teoria da Re-
ceram com a generalização introduzida pela métrica de
latividade Geral (2009), http://www.fisica.ufmg.br/
Robertson-Walker (Eq. (9)), que prevê, ainda, outras
~dsoares/ensino/trg-pdr.pdf.
topologias espaciais globais, especificadas pela cons-
tante de curvatura espacial k, além dos conhecidos mo- [10] D. Soares, Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica 34,
1302 (2012).
delos abertos hiperbólico, com k = -1, e plano, com
k = 0 [6, p. 367]. [11] A. Viglioni e D. Soares, Revista Brasileira de Ensino
Como foi antecipado na Ref. [9], vimos, na seção de Fı́sica 33, 4702 (2011).
3.1, que os grandes e decisivos testes da TRG são feitos [12] D. Soares, A Idade do Universo, A Constante de Hubble
para uma solução das equações de campo de Einstein e a Expansão Acelerada (2009), http://www.fisica.
no vácuo, isto é, na ausência de fontes de energia e mo- ufmg.br/~dsoares/ageunv/idadeunv.pdf.

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