Você está na página 1de 3

Termodinâmica e FIS628 (2023/1)

Introdução à Física Estatística Prof. Gláuber C. Dorsch

Gás de fótons
Parte I — Teoria cinética
Considere um recipiente de volume V do qual se retira toda a matéria, produzindo um
aparente vácuo. Como as paredes estão constantemente emitindo e absorvendo radiação
térmica, seu interior não está em um vácuo de fato, pois está repleto de fótons. O pro-
pósito deste exercício é discutir as propriedades termodinâmicas desse sistema, inclusive
derivando a equação de estado partindo de uma perspectiva microscópica.

1. Mostre que, se um elemento de área dS, localizado em


uma das paredes do recipiente, subtende um ângulo
sólido dΩ com relação a um ponto arbitrário O no
interior do recipiente, então a fração de fótons que
têm momento direcionado a dS ao passar por O é
dΩ
. (1)

2. Sendo c a velocidade da luz, p̂ a direção do elemento
dS a partir de O, e n̂ a direção perpendicular a dS,
mostre que a fração de fótons que atingem esse ele-
mento de área num intervalo de tempo dt é
(p̂ · n̂) cdt dS
. (2)
V
3. Mostre que um fóton de momento p = p p̂ que incide contra essa parede transfere-lhe
um momento
2(p · n̂). (3)

4. Se n(E) é a densidade de fótons com energia entre E e E + dE, junte os resultados


acima para mostrar que a pressão devido aos fótons que passam pelo ponto O contra
o elemento de superfície dS é
Z ∞
2 2
dp(θ, φ) = cos θ sin θ dθ dφ E n(E)dE, (4)
4π 0

onde θ e φ são as coordenadas angulares do elemento dS com relação a O.

5. Conclua que a pressão total do gás contra as paredes do recipiente satisfaz


U u
pV = ou p= , (5)
3 3
onde U é a energia eletromagnética total no recipiente e u ≡ U/V a densidade de
energia.

1
FIS628 (2023/1)
Prof. Gláuber C. Dorsch Lista de Exercícios 02

Parte II — Termodinâmica
As equações (5) nos permitem derivar a dependência da entropia e da energia interna
com a temperatura do gás usando termodinâmica. Para isso, note que, termodinâmica-
mente, o gás de fótons é completamente descrito por duas variáveis extensivas: o volume
V do recipiente e a energia interna U . O número de fótons não é uma variável de estado
termodinâmica, porque os fótons estão sendo constantemente emitidos e reabsorvidos pe-
las paredes. Ou seja, mesmo em um estado de equilíbrio, o número de fótons não tem um
valor fixo bem definido.

6. Explique por que a afirmação acima implica em que o potencial químico do gás de
fótons é nulo.

7. Mostre que a densidade de entropia do gás de radiação é dada por


4u
s= . (6)
3T
(Dica: use a equação de Euler.)

8. Use a primeira lei da termodinâmica, escrita em termos das densidades s e u, para


mostrar que
u = aT 4 , (7)
onde a é uma constante ainda indeterminada, chamada “constante de (densidade de)
radiação”. Seu valor não pode ser determinado termodinamicamente, mas pode ser
medido empiricamente e vale 7.56 × 10−16 J/(m3 K4 ). Esse resultado é uma forma
de expressar a lei de Stefan-Boltzmann para a radiação do corpo negro, segundo a
qual o fluxo de radiação de um tal corpo é proporcional à quarta potência de sua
temperatura.

9. Desenhe o ciclo de Carnot em um diagrama p × V para um gás de fótons e calcule


sua eficiência.

10. Mostre que um processo adiabático em um gás de fótons satisfaz

pV γ = cte com γ = 4/3. (8)

Como já mencionado, a derivação termodinâmica acima é incapaz de nos fornecer o


valor da constante de radiação, que, sob essa perspectiva, só pode ser obtida experi-
mentalmente. Contudo, usando uma modelagem microscópica e o ferramental da física
estatística, é possível obter esse valor teoricamente. A equivalênca do valor teórico com o
experimental corrobora a validade desses métodos estatísticos. O objetivo nos exercícios
seguintes é fazer essa derivação.

2
FIS628 (2023/1)
Prof. Gláuber C. Dorsch Lista de Exercícios 02

Parte III — Física estatística


Antes de determinar a densidade total de energia no interior do recipiente, podemos
ser ainda mais específicos e calcular a densidade de energia u(ν, T ) contida em fótons com
frequência entre ν e ν + dν para um gás a temperatura T .
O primeiro passo é calcular o número total de modos de vibração da radiação eletro-
magnética dentro da caixa que têm frequência nesse intervalo. Não faremos esse cálculo
aqui, mas ele pode ser encontrado em diversos livros-texto [1], resultando em
8πV ν 2
N (ν)dν = dν. (9)
c3
A densidade u(ν, T ) é obtida multiplicando-se essa quantidade pela energia média de cada
modo no interior da cavidade (e dividindo-se pelo volume), que iremos agora calcular.

11. Explique por que a probabilidade de detectar a radiação com energia E no interior
da cavidade é
P (E) ∼ e−E/kB T . (10)
Calcule a energia média de um modo de vibração para o caso clássico, em que a
energia da radiação pode variar continuamente. Nesse caso, o que acontece com a
energia total da radiação na cavidade?

12. Foi justamente esse resultado absurdo que motivou Planck a abdicar do resultado
da estatística clássica, propondo a modificação que (posteriormente) deu origem ao
conceito de fóton. Planck sugeriu que a energia de cada modo de vibração da radiação
eletromagnética no interior cavidade fosse discretizada em pacotes, com a diferença
entre a energia de dois modos consecutivos sendo proporcional à frequência do modo,
i.e.
En = nhν + cte com n ∈ N. (11)
Usando essa hipótese, mostre que a energia média dos fótons é

E= . (12)
ehν/kB T −1
13. Mostre que, nesse caso, a densidade de energia no recipiente é
π 2 kB
4
u= T 4. (13)
15~3 c3
Calcule o valor da constante de densidade de radiação e compare com o resultado
mencionado acima.
Dica: Use Z ∞
u3 π4
du = .
0 eu − 1 15

Referências

[1] Eisberg & Resnick, “Física Quântica”. Ed. Campus (1994).

Você também pode gostar