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Introdução

A Espectroscopia Mössbauer, que faz uso das energias emitidas em transições entre
estados nucleares, é uma técnica experimental de grande precisão e é utilizada nos mais
diversos campos da Ciência, desde a pesquisa fundamental em Física até o estudo de
tecidos biológicos.
Neste trabalho apresentaremos os aspectos fundamentais do Efeito Mössbauer e dos
principais aspectos físicos observados com técnica espectroscópica. Discutiremos de
maneira resumida algumas aplicações para mostrar a abrangência da técnica, e por fim
apresentaremos uma discussão do seu uso no estudo de materiais magnéticos.

O Efeito Mössbauer
A emissão gama numa transição de estado nuclear é observada em todos os núcleos
com número de massa maior que cinco e geralmente ocorre após um outro decaimanto
nuclear alfa ou beta. Nestes últimos, em geral, o núcleo filho “nasce” num estado excitado e
posteriormente decai emitindo um raio gama. Num processo deste tipo a meia-vida típica
do estado emissor γ é da ordem de 10-9s. Dadas as dimensões e interações envolvidas com
os decaimentos nucleares, em geral, considera-se que o decaimento de um núcleo é
independente do decaimento dos núcleos vizinhos (isto está implícito na Lei do Decaimento
Radioativo N(t)=Ni e-λt deduzida com considerações probabilísticas 1).
Se o fóton γ emitido num processo como o descrito no parágrafo anterior atinge um
outro núcleo idêntico ao núcleo emissor no estado fundamental ele poderá ser absorvido
produzindo uma excitação para um estado com energia igual àquela do núcleo emissor
antes do decaimento. Numa situação física real, além da incerteza relacionada com o
princípio de Heisenberg, a energia do fóton γ dependerá de diversos fatores como o estado
de ligação do átomo que contém o núcleo emissor e a forma com que ele responde ao
decaimento. A absorção do fóton γ, por sua vez, dependerá da situação de movimento
relativo entre os núcleos absorvedor e emissor, da direção de propagação do fóton, da seção
de choque da interação, de como o que havia na trajetória do raio alterou ou não sua
energia, etc. Assim, dada a natureza quântica dos fenômenos envolvidos, a ressonância
entre emissão e absorção ocorrerá apenas em condições muito particulares.
Seja E0 a diferença de energia entre dois níveis nucleares e seja Eγ a energia de um
fóton emitido numa transição do estado de maior energia para o de menor. Considerando
apenas o recuo do átomo emissor, que inicialmente estava em repouso, temos que:

Eγ = E0 − ER (1)

onde ER é a energia de recuo do átomo:

2
M 2 ( MvR ) 2 p 2 ( Eγ / c)
ER = vR = = = (2)
2 2M 2M 2M
onde utilizamos o fato de que os momentos lineares do fóton e o associado ao recuo são
iguais 2 MvR= Eγ/c. Devemos notar, em particular, que na expressão final para ER a massa
do átomo emissor aparece no denominador.
Consideremos agora um material sólido. Neste caso, o movimento do átomo está
fortemente associado às suas interações com os átomos vizinhos na rede. Podemos
caracterizar estatisticamente este movimento relacionando-o com a temperatura do sólido e
com as forças às quais ele está submetido. Também pelo fato de estar ligado devemos
considerar que inicialmente o átomo não estava em repouso já que há vibrações (fônons)
determinadas pelos parâmetros de toda a rede. Isto leva a uma diferença de energia devida
ao efeito Doppler (em primeira ordem, com V<< c , E’=E(1±V/c) ) de:

pa • pγ V
ED = = Eγ cos α (3)
2M c

onde pa é o momento linear do átomo e V sua velocidade no movimento de vibração.


Assim, passamos a considerar:

Eγ = E0 − ER + ED (4)

Como na verdade há uma distribuição de velocidades possíveis para um átomo numa


rede a uma determinada temperatura, o efeito Doppler leva a um alargamento do espectro
de emissão de uma amostra contendo núcleos emissores γ. Pode-se estimar este
alargamento por exemplo supondo uma distribuição de Maxwell para as possíveis
velocidades: exp[-mvx2/2kT] (onde vx é a velocidade na direção de propagação do fóton).
Substituído vx=±c(-Eγ/E + 1) do efeito Doppler, teremos exp[-(mc2/2kT)(1-E/Eγ)2]. Como
trata-se de uma distribuição gaussiana, a largura aproximada é dada por

kT
∆D ≈ 2 Eγ (5)
Mc 2

Espectro de Emissão
Intensidade

,D

,-

Energia

Figura 1. Esboço de um espectro de emissão nuclear mostrando as larguras


devido ao Princípio de Incerteza e devido ao efeito Doppler (fora de escala).
À temperatura ambiente, com Eγ≈105eV e M aproximadamente 100 massas de
repouso do próton, ∆D≈ 0,1eV . Na Figura 1 esboçamos um espectro de emissão total e a
curva de emissão considerando apenas o Princípio de Incerteza ∆E∆t≈ h=>.∆E≈ h/10-9s≈
10-6 eV.
Se compararmos o espectro de emissão de um núcleo e o de uma eventual absorção
por um núcleo idêntico no estado fundamental, teremos, em geral, uma situação como a
apresentada na Figura 2. Nesta comparação consideramos a equação (4) para cada espectro,
assim como o respectivo alargamento Doppler.
Num experimento em que se pretende fazer uso da absorção ressonante é preciso
aumentar a área de superposição dos espectros ao máximo. Isto pode ser conseguido de
diversas formas trabalhando com cada um dos aspectos discutidos anteriormente. Para um
núcleo livre, que passa a ter um momento linear igual em módulo mas em sentido oposto ao
momento do fóton emitido, ER é da mesma ordem que ∆D . Isto levaria a uma área de
superposição dos espectros de emissão e absorção muito insignificante.
O fenômeno físico conhecido como efeito Mössbauer é a absorção ressonante para
energias relacionadas a transições entre estados nucleares quando o termo ER em (4) pode
ser desprezado.
Num sólido, ER pode ser desprezado pelo menos para uma fração das emissões, já que
o núcleo não tem liberdade suficiente para recuar. Para esta fração, é como se a massa no
denominador em (2) fosse a massa de todo o sólido (a energia de ligação típica num sólido
está entre 1eV e 10eV e a ER é da ordem de 0,1eV).

Em is s ão ER ER
Abs orção
Intensidade

,D ,D

Eo

Figura 2.Comparação entre espectros de emissão e absorção.Para que haja absorção


ressonante, as energias de recuo devem ser minimizadas aumentando a superposição
dos espectros.

Aqui, como estamos delineando os aspectos gerais do fenômeno, consideramos uma


aproximação de primeira ordem para o efeito Doppler, mas há diversas circunstâncias em
que é preciso considerar ordens superiores. Para se obter a expressão adequada, é preciso
ter em mente os valores da freqüência de vibração na rede e a duração do estado nuclear
envolvido, e a partir deles, saber com quanto cada ordem de V/c contribuirá.
As vibrações na rede sólida onde estão os núcleos emissores e absorvedores, na
verdade, não levam apenas ao efeito Doppler, elas também determinam se um núcleo recua
ou não quando ele emite ou absorve um fóton γ. Os modos de vibração, por sua vez, são
determinados pelas dimensões dos sólidos, pela temperatura, pelas forças às quais está
submetido, etc. Se x é a posição do núcleo em relação à sua posição de equilíbrio, a fração
do núcleos que não recuam é dada por

é − x2 ù
f = exp ê ú (6)
êë (λ / 2π ) úû
2

onde x 2 é a amplitude quadrática média de oscilação do núcleo e λ o comprimento de


onda do fóton emitido. Assim, vemos que o valor de x 2 é fundamental para a existência
do efeito Mössbauer. Apesar de só termos falado sobre sólidos até agora, o efeito também
pode ser observado em líquidos com x 2 pequeno.
Pelo modelo de Debye, os modos de vibração da rede têm uma freqüência máxima νm
e uma correspondente temperatura Tm=h.νm/k.Usando a função de distribuição de Bose-
Einstein pode-se calcular o valor de x 2 e obter f.
Naturalmente, e como citamos anteriormente, a absorção do fóton γ depende da seção
de choque do núcleo absorvedor. Para espectros de emissão com largura ∆, onde devemos
entender que trata-se de uma largura total considerando as diversas contribuições, pela
fórmula de Breit-Wigner, a seção de choque é dada por

∆2
σ =σ0 (7),
∆ 2 + 4 ( E − E0 )
2

sendo σ0 a seção de choque máxima

2
æ Dc ö 2 I e + 1 æ 1 ö
σ 0 = 2π ç ÷ ç ÷ (8),
ç ÷
è Eγ ø 2 I f + 1 è 1 + α ø

onde Ie e If são os spins nucleares totais dos estados excitado e fundamental


respectivamente, e α o coeficiente de conversão interna total. A conversão interna é um
processo que “compete” com o decaimento γ onde a energia de uma desexcitação é
absorvida pelo próprio átomo, pode, por exemplo, ocorrer a liberação de um elétron. Note-
se que, naturalmente, a seção de choque depende do inverso da energia do fóton incidente 3.

Principais Características de Uma Montagem


Experimental Típica
O procedimento mais comum é expor uma fina amostra sólida contendo núcleos
potencialmente absorvedores em seu estado fundamental à radiação γ emitida por uma
outra amostra contendo os mesmos núcleos inicialmente em seus estados excitados. Um
detector de radiação γ é posicionado após a amostra absorvedora e observa-se a ressonância
ou não. O experimento consiste em traçar uma curva da radiação transmitida através dessa
última amostra em função da velocidade relativa entre as duas amostras.
A princípio, apenas para a velocidade relativa entre as amostras igual a zero é que
haveria absorção ressonante. Assim, pode-se pensar, em geral, que a curva de radiação
transmitida terá um mínimo bem definido quando a velocidade relativa for zero e que sua
forma será o inverso da equação (7). Esta é a maneira mais comum de se obter uma curva
que passa pela condição de ressonância quando da variação de um outro parâmetro, mas
pode-se obter curva semelhante, por exemplo, variando a temperatura de uma das amostras.
Pode-se ainda variar tanto a temperatura como a velocidade relativa. Na Figura 3 podemos
ver um esquema da montagem e o espectro típico. Na Figura 4 apresentamos um espectro
obtido experimentalmente.

Amostra
Fonte de C

Transm issão
absorvedora

Relativ a
Detector

Controlador
de velocidade

Ve lo c id a d e R e la tiv a

Figura 3. Esquema de um arranjo experimental típico.

Velocidade da fonte (cm/s)


Porcentagem de absorção

Desvio da energia em relação a Eo (10-5eV)

Figura 4. Espectro experimental obtido com a transição de Eo=129 keV do 191Ir [2].
Para a fonte emissora, pode se usar uma amostra contendo núcleos com grande
probabilidade de decair, por algum outro processo diferente do decaimento γ, em um estado
excitado que emitirá um fóton γ ao se desexcitar. Como exemplo, vemos na Figura 5 um
diagrama de decaimento nuclear que resulta em 57Fe.
A amostra absorvedora deve ter, além do núcleo em questão no estado fundamental,
pequena espessura para que a quantidade de radiação transmitida seja significativa. Essa
espessura deve ser escolhida considerando-se a seção de choque, a fração de emissões
livres de recuo e a concentração do núcleo emissor/absorvedor na amostra.

57Co
(270dias) 7/2
>
57Fe

(8,7 ns) 5/2


123 keV
(97,8 ns) 3/2
14,4 keV
1/2

Figura 5. Esquema do decaimento do 57Co em 57Fe indicando


a meia vida, o spin e a diferença de energia para cada estado.

A velocidade típica, e suficiente para que o efeito Doppler adicional destrua a


condição de ressonância, é da ordem de mm/s. Para variar a velocidade relativa pode-se
fixar uma das amostras sobre um oscilador mecânico com aceleração constante, sobre uma
centrífuga com velocidade de rotação controlável, etc. Mecanismos onde se mantém a
velocidade constante são muito usados quando se quer fazer medidas com variação de
temperatura. Pode-se ainda usar um modulador da velocidade para fazer uso de detecção
modulada.
Como detector, normalmente usa-se um cintilador com um analisador multicanal
otimizado para as energias envolvidas.
A sofisticação do aparato depende, é claro, do interesse específico de cada montagem.
O importante é ter em mente que o procedimento padrão é ter uma das amostras muito bem
conhecida, sendo que os parâmetros da segunda amostra serão o objeto de estudo. Estes
parâmetros não necessariamente estão relacionados ao núcleo emissor/absorsor. Como
veremos, todo o “ambiente” em torno desse núcleo interfere no espectro.

Interações Relevantes
1. Deslocamento isomérico4

As densidades de probabilidade para funções de onda eletrônicas podem ter valores


não nulos dentro da região nuclear. Se considerarmos este fato e calcularmos as energias
para cada estado nuclear e compararmos com cálculos feitos considerando-se o núcleos
isolados e pontuais, notaremos uma pequena (de ordem hiperfina) diferença entre os
valores correspondentes a cada estado. Nos espectros Mössbauer, se temos as amostras
emissora e absorvedora ligeiramente diferentes teremos densidades também ligeiramente
diferentes, o que provoca um deslocamento no valor da energia em que ocorre a absorção
ressonante. Estes deslocamentos são conhecidas como deslocamentos isoméricos e são
dados por

δ =C
δR
R
( 2
ψ A (0) − ψ F (0)
2
) (9),

onde C é uma constante característica do núcleo, δR é a diferença no raio nuclear médio, R,


entre os estados excitado e fundamental e ψ i (0) 2 representa a densidade de probabilidade
eletrônica total no núcleo sendo i=A para o absorvedor e i=F para a fonte de radiação.
Naturalmente, apenas os elétrons s contribuem significativamente para estas densidades. No
entanto, as funções de onda desses elétrons dependem das suas interações com os elétrons
das demais camadas.
Na Figura 6 podemos ver como o deslocamento isomérico pode ser medido num
espectro experimental.
Com o estudo sistemático destes deslocamentos pode-se, por exemplo, determinar
diferenças entre parâmetros nucleares de diferentes isótopos de um mesmo elemento pois,
nestes casos, o “ambiente químico” é o mesmo e os núcleos são diferentes.
Porcentagem de absorção

Velocidade (cm/s)

Figura 6. Espectro experimental para uma amostra


composta de ferro e bromo mostrando um deslocamento
isomérico [2].

2. Efeito Zeeman nuclear


Devido ao momento angular intrínseco (spin) das partículas nucleares, na presença de
um campo magnético ocorre o efeito Zeeman para os estados nucleares, ou seja, o
desdobramento de níveis de energia com diferentes valores de spin. Se m é o número
quântico magnético total nuclear que pode assumir os valores {-Ii, Ii +1, ... , Ii-1, Ii }e H o
campo magnético no núcleo, as diferenças em energia para cada nível desdobrado são
dadas pela equação (10) obtida dos autovalores para o hamiltoniano ( −µ • H ) de interação
spin-campo calculados com teoria da perturbação até primeira ordem, sendo µ o momento
magnético nuclear 5. Temos portanto que o desdobramento do nível é proporcional ao
campo magnético e ao número quântico magnético, analogamente ao caso dos níveis de
energia atômicos.
µ Hm
Em = (10)
Ii

As diferentes transições entre estes estados nucleares ocorrem com diferentes


probabilidades de transição de acordo com cada caso. Num espectro experimental, estas
diferentes probabilidades levam a diferentes intensidades para cada ressonância (Figura 7).

m
I
+3/2
+1/2
3/2
-1/2
-3/2

-1/2
1/2
+1/2
Transmissão relativa

Velocidade (mm/s)
Figura 7. Desdobramento de níveis devido ao efeito Zeeman nuclear
para o estado fundamental e o primeiro estado excitado do 57Fe. No
espectro experimental, além do desdobramento, podemos notar um
pequeno deslocamento isomérico [4].
Como o campo H é o campo magnético total no núcleo, ele pode ter as mais diversas
contribuições, o que torna a técnica muito útil no estudo de materiais magnéticos, já que
estes possuem campos magnéticos internos intensos. Pode-se obter o valor desse campo
magnético local medindo-se os desdobramentos se os momentos são conhecidos. E ainda,
conhecendo-se o momento do estado fundamental, pode-se determinar o momento do
estado excitado. Se a determinação do valor de H é feita em função da temperatura, pode-se
fazer estudos relacionando a estrutura interna da amostras com a teoria de ondas de spin.

3. Momento de quadrupolo elétrico

Os núcleos atômicos podem apresentar também momento de quadrupolo elétrico 6, o


que reflete a natureza das forças entre as partículas nucleares e os diferentes “formatos”
para os núcleos. Este momento pode interagir com um gradiente de campo elétrico local de
forma a provocar um desdobramento (∆EQ) de níveis de energia. EQ é dada pela equação
(11). (eQ) é o momento de quadrupolo elétrico, Vrr são as componentes do gradiente do
campo elétrico total ( ∇E ) no núcleo:

1/ 2
eQVzz æ η2 ö
EQ = éë3m 2 − I ( I + 1) ûù ç 1 + ÷ (11)
4 I (2 I − 1) è 3 ø

Vxx − Vyy
sendo η = (12)
Vzz

éVxx Vxy Vxz ù


ê ú
∇E = −∇(∇V ) = − êVyx Vyy Vyz ú (13)
êVzx Vzy Vzz ú
ë û

A expressão (11) é obtida usando-se teoria de perturbação até primeira ordem para o
hamiltoniano de interação entre o momento de quadrupolo e ∇E . O procedimento comum
para obtenção dessa equação é expandir o hamiltoniano de interação elétrica inicialmente
em harmônicos esféricos e posteriormente substituí-lo por operadores tensoriais para que se
possa fazer uso do teorema de Wigner-Eckart diretamente. Utiliza-se normalmente a base
{ l, m } .
Note-se que EQ depende de m2, permanecendo portanto uma degenerescência.
A origem de ∇E não nulo nos núcleos envolvidos com o efeito Mössbauer está, em
geral, associada a íons vizinhos dispersos assimetricamente e a distribuições eletrônicas
assimétricas em orbitais de valência parcialmente preenchidos do próprio átomo
Mössbauer.
Mais uma vez, como trata-se de um campo total, todo o ambiente em torno dos
núcleos envolvidos com o processo de emissão/absorção interfere no desdobramento dos
níveis. Em particular, pode-se distinguir diferentes simetrias de diferentes arranjos
cristalinos analisando-se os desdobramentos devido a esta interação.
É a extrema precisão da Espectroscopia Mössbauer ( E/∆E≈105eV/10-6eV≈1011 ) que,
permitindo a medição de interações como as três acima, a tornou extremamente relevante
em diversas ciências. A seguir, temos uma lista de alguma aplicações da técnica.
• Estudos do estado químico e na obtenção de dados qualitativos sobre a estrutura de
moléculas biológicas (Um grande número delas contém núcleos em que se observa
o efeito Mössbauer, sobretudo o Fe, o que permite que a técnica possa ser usada.);
• Mineralogia e análise de solos;
• Determinação de parâmetros nucleares como o spin e a simetria espacial de
estados;
• Testes da Teoria da Relatividade Geral através da medida do deslocamento de
freqüência da radiação eletromagnética sob a ação de um campo gravitacional (Ver
por exemplo Pound & Rebka - PRL :Vol.4, 1960,no7- 337);
• Caracterização de materiais desde a análise química qualitativa e quantitativa até
estudos fundamentais sobre a estrutura eletrônica, as ligações químicas e suas
simetrias.

A Espectroscopia Mössbauer no Magnetismo


A aplicação mais comum da espectroscopia Mössbauer no Magnetismo é a
caracterização de materiais por meio da determinação da temperatura de transição de fase,
da análise de fases e das transições, e da relação entre estruturas cristalinas e os campos
magnéticos internos dos materiais. Naturalmente, o 57Fe é a peça chave na grande maioria
destes estudos, sendo que boa parte dos modelos é baseada em perturbações de sua
estrutura hiperfina, mostrada na figura 7. Apenas 2% do Fe natural é 57Fe.
Nos parágrafos seguintes daremos alguns exemplos de aplicações discutindo
qualitativamente alguns resultados experimentais.

Na figura 8 podemos ver espectros experimentais utilizados para o estudo da


transição de fase magnética do ScFeO3. Este composto passa de uma fase paramagnética
para uma magneticamente orientada quando sua temperatura é reduzida para menos de
39K. No terceiro gráfico da figura pode-se notar claramente o ponto onde ocorre a mudança
de comportamento.
Além da determinação e análise de transições de fase, pode-se determinar a natureza
do ordenamento magnético com a aplicação de campos magnéticos externos e fazendo
estudos das mudanças nas intensidades das linhas em função da direção do campo aplicado.
296K

(mm/s)
Transmissão relativa

5K

(mm/s)

T (K)

Figura 8. Espectros Mössbauer mostrando duas fases magnéticas do ScFeO3 e curva da


intensidade da linha de absorção de mais alta energia em função da temperatura. Como
fonte foi utilizada uma amostra de 57Co em Cu a 276K [1].

Em materiais nanoestruturados (sólidos, inicialmente cristalinos em que são


“inseridos” defeitos, com uma fração de átomos relacionados aos defeitos da mesma ordem
da fração em arranjos não alterados por eles), a espectroscopia Mössbauer tem contribuído
significativamente para a compreensão dos aspectos estruturais dada a potencialidade da
técnica em fornecer informação local dos sítios cristalinos.
Na figura 9 apresentamos um espectro de uma amostra de Fe nanoestruturada. A
partir da análise e do ajuste do espectro foi possível separar as contribuições advindas da
fração cristalina e da fração interfacial (fronteiras de defeitos) da amostra. Estas
contribuições são caracterizadas por diferentes campos cristalinos médios, por diferentes
densidades eletrônicas e por diferentes temperaturas de Debye.
Tansmissão relativa

Figura 9. Espectro
experimental para uma
amostra de Fe
nanoestruturado a 77K. Os
ajustes indicados por 1 e 2
correspondem às
contribuições cristalina e
interfacial respectivamente
[3].

Velocidade (mm/s)

295 K
Figura 10.
Ca2Fe2O5 Espectros obtidos
com uma fonte de
57
Co em Pt a
aproximadamente
22oC. Como é a
Transmissão relativa

absorção
ressonante do 57Fe
que é observada, a
estrutura do
espectro depende
295 K do sítio ocupado
pelo Fe em cada
Ca2Sc0,5Fe1,5O5 composto [1].

5K
Nos espectros
apresentados na figura 10
Ca2FeGaO5
temos um exemplo de
utilização da técnica para
Velocidade (mm/s) estudos de estruturas
cristalinas. O Ca2Fe2O5 , o Ca2Sc0,5Fe1,5O5 e o Ca2FeGaO5 têm a mesma estrutura cristalina
(gálio e escândio têm valência +3) . No primeiro, o Fe3+ ocupa tanto sítios tetraédricos
quanto octaédricos, já nos outros dois compostos este íon ocupa, na grande maioria das
vezes, um único tipo de sítio, os tetraédricos no Ca2Sc0,5Fe1,5O5 e os octaédricos no
Ca2FeGaO5.
Em situações onde a conversão interna é muito mais provável que a emissão γ numa
desexcitação, pode-se obter espectros Mössbauer a partir da detecção dos elétrons emitidos
no processo. Tal método é particularmente útil no estudo de superfícies de filmes finos
magnéticos em que o Fe é o principal constituinte, pois para o 57Fe, a conversão interna é
cerca de nove vezes mais freqüente que a emissão γ. Como os elétrons emitidos têm baixa
energia (keV), o maior número de elétrons “contados” provém de emissões próximas à
superfície da amostra. Esta técnica é conhecida por CEMS (Conversion Electron
Mössbauer Spectroscopy).

Rudolf L. Mössbauer

Mössbauer nasceu em 1929 em Munich, onde fez seus estudos até terminar o
doutorado em 1957. Foi durante os estudos para o doutorado que ele observou pela
primeira vez o efeito que leva seu nome. A absorção ressonante para radiação emitida por
transições nucleares já era investigada há algum tempo mas os primeiros resultados
experimentais satisfatórios só foram obtidos por Mössbauer. Além do experimento, cujos
dados estão apresentados na figura 4, ele apresentou o modelo teórico adequado que
explicava os resultados e apontava para as possíveis razões dos insucessos anteriores. A
emissão livre de recuo é o principal ponto da “descoberta”.
Mössbauer recebeu o Prêmio Nobel em Física em 1961 pelo seu trabalho, dada a
imediata repercussão e enormes possibilidades de utilização da técnica.

Notas:

1. Esta expressão mais simples vale se os filhos não são radioativos.


2. E 2 = p 2 c 2 + m02 c 4 Þ Eγ = pc .

3. σnuclear típico é da ordem de 10-24 cm2.


4. O termo estado isomérico ou isômero é usado se a meia vida do estado for longa
(dias, horas). Esta, no entanto, é apenas uma terminologia, não uma definição.
5. µpróton≈3,2×10-8 eV/T; µnêutron≈-3,8×10-8 eV/T; µBohr≈5,8×10-5 eV/T.
6. Uma distribuição de cargas descrita por uma densidade ρ(x) dá origem a um
potencial
∞ l
4π Y (θ , ϕ ) ρ ( x) 3
φ ( x)å å qlm lm l +1 = ò d x' ,
l = 0 m= -l 2l + 1 r x − x'

onde o termo l=0 é o termo de monopolo, o l=1 o de dipolo, etc. As constantes qlm
são dadas por
qml = ò Ylm* (θ , ϕ )r 'l ρ ( x' )d 3 x ' .

q p• x 1 xi x j
Em coordenadas retangulares φ ( x ) = + 3
+ å Qij 5 + ... , onde p = ò x ' ρ ( x ')d 3 x ' e
r r 2 i, j r

. Qij = ò (3xi x j − r '2δ ij ) ρ ( x )d 3 x ' .


Bibliografia:
[1] Uli Gonser (Editor): Mössbauer Spectroscopy – Topics in Applied Physics
(Springer-Verlag -1975).
[2] Kenneth S. Krane: Introductory Nuclear Physics (John Wiley & Sons – 1988).
[3] Gary J. Long & Fernande Grandjean (Editores): Mössbauer Spectroscopy Applied
to Magnetism and Magnetic Materials Science – Vol. 1 (Penum Press – 1993).
[4] B. Heinrich & J. A. C. Bland (Editores): Ultrathin Magnetic Structures II
(Springer-Verlag – 1994).
[5] Adrian C. Melissinos: Experiments in Modern Physics (Academic Press – 1966).
[6] T. C. Gibb: Principles of Mössbauer Spectroscopy (Chapman and Hall – 1976).
Espectroscopia Mössbauer

(Tópicos de Física da Matéria Condensada I)

Manoel José Mendes Pires


RA962778

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