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A Espectroscopia Mössbauer, que faz uso das energias emitidas em transições entre
estados nucleares, é uma técnica experimental de grande precisão e é utilizada nos mais
diversos campos da Ciência, desde a pesquisa fundamental em Física até o estudo de
tecidos biológicos.
Neste trabalho apresentaremos os aspectos fundamentais do Efeito Mössbauer e dos
principais aspectos físicos observados com técnica espectroscópica. Discutiremos de
maneira resumida algumas aplicações para mostrar a abrangência da técnica, e por fim
apresentaremos uma discussão do seu uso no estudo de materiais magnéticos.
O Efeito Mössbauer
A emissão gama numa transição de estado nuclear é observada em todos os núcleos
com número de massa maior que cinco e geralmente ocorre após um outro decaimanto
nuclear alfa ou beta. Nestes últimos, em geral, o núcleo filho “nasce” num estado excitado e
posteriormente decai emitindo um raio gama. Num processo deste tipo a meia-vida típica
do estado emissor γ é da ordem de 10-9s. Dadas as dimensões e interações envolvidas com
os decaimentos nucleares, em geral, considera-se que o decaimento de um núcleo é
independente do decaimento dos núcleos vizinhos (isto está implícito na Lei do Decaimento
Radioativo N(t)=Ni e-λt deduzida com considerações probabilísticas 1).
Se o fóton γ emitido num processo como o descrito no parágrafo anterior atinge um
outro núcleo idêntico ao núcleo emissor no estado fundamental ele poderá ser absorvido
produzindo uma excitação para um estado com energia igual àquela do núcleo emissor
antes do decaimento. Numa situação física real, além da incerteza relacionada com o
princípio de Heisenberg, a energia do fóton γ dependerá de diversos fatores como o estado
de ligação do átomo que contém o núcleo emissor e a forma com que ele responde ao
decaimento. A absorção do fóton γ, por sua vez, dependerá da situação de movimento
relativo entre os núcleos absorvedor e emissor, da direção de propagação do fóton, da seção
de choque da interação, de como o que havia na trajetória do raio alterou ou não sua
energia, etc. Assim, dada a natureza quântica dos fenômenos envolvidos, a ressonância
entre emissão e absorção ocorrerá apenas em condições muito particulares.
Seja E0 a diferença de energia entre dois níveis nucleares e seja Eγ a energia de um
fóton emitido numa transição do estado de maior energia para o de menor. Considerando
apenas o recuo do átomo emissor, que inicialmente estava em repouso, temos que:
Eγ = E0 − ER (1)
2
M 2 ( MvR ) 2 p 2 ( Eγ / c)
ER = vR = = = (2)
2 2M 2M 2M
onde utilizamos o fato de que os momentos lineares do fóton e o associado ao recuo são
iguais 2 MvR= Eγ/c. Devemos notar, em particular, que na expressão final para ER a massa
do átomo emissor aparece no denominador.
Consideremos agora um material sólido. Neste caso, o movimento do átomo está
fortemente associado às suas interações com os átomos vizinhos na rede. Podemos
caracterizar estatisticamente este movimento relacionando-o com a temperatura do sólido e
com as forças às quais ele está submetido. Também pelo fato de estar ligado devemos
considerar que inicialmente o átomo não estava em repouso já que há vibrações (fônons)
determinadas pelos parâmetros de toda a rede. Isto leva a uma diferença de energia devida
ao efeito Doppler (em primeira ordem, com V<< c , E’=E(1±V/c) ) de:
pa • pγ V
ED = = Eγ cos α (3)
2M c
Eγ = E0 − ER + ED (4)
kT
∆D ≈ 2 Eγ (5)
Mc 2
Espectro de Emissão
Intensidade
,D
,-
Energia
Em is s ão ER ER
Abs orção
Intensidade
,D ,D
Eo
é − x2 ù
f = exp ê ú (6)
êë (λ / 2π ) úû
2
∆2
σ =σ0 (7),
∆ 2 + 4 ( E − E0 )
2
2
æ Dc ö 2 I e + 1 æ 1 ö
σ 0 = 2π ç ÷ ç ÷ (8),
ç ÷
è Eγ ø 2 I f + 1 è 1 + α ø
Amostra
Fonte de C
Transm issão
absorvedora
Relativ a
Detector
Controlador
de velocidade
Ve lo c id a d e R e la tiv a
Figura 4. Espectro experimental obtido com a transição de Eo=129 keV do 191Ir [2].
Para a fonte emissora, pode se usar uma amostra contendo núcleos com grande
probabilidade de decair, por algum outro processo diferente do decaimento γ, em um estado
excitado que emitirá um fóton γ ao se desexcitar. Como exemplo, vemos na Figura 5 um
diagrama de decaimento nuclear que resulta em 57Fe.
A amostra absorvedora deve ter, além do núcleo em questão no estado fundamental,
pequena espessura para que a quantidade de radiação transmitida seja significativa. Essa
espessura deve ser escolhida considerando-se a seção de choque, a fração de emissões
livres de recuo e a concentração do núcleo emissor/absorvedor na amostra.
57Co
(270dias) 7/2
>
57Fe
Interações Relevantes
1. Deslocamento isomérico4
δ =C
δR
R
( 2
ψ A (0) − ψ F (0)
2
) (9),
Velocidade (cm/s)
m
I
+3/2
+1/2
3/2
-1/2
-3/2
-1/2
1/2
+1/2
Transmissão relativa
Velocidade (mm/s)
Figura 7. Desdobramento de níveis devido ao efeito Zeeman nuclear
para o estado fundamental e o primeiro estado excitado do 57Fe. No
espectro experimental, além do desdobramento, podemos notar um
pequeno deslocamento isomérico [4].
Como o campo H é o campo magnético total no núcleo, ele pode ter as mais diversas
contribuições, o que torna a técnica muito útil no estudo de materiais magnéticos, já que
estes possuem campos magnéticos internos intensos. Pode-se obter o valor desse campo
magnético local medindo-se os desdobramentos se os momentos são conhecidos. E ainda,
conhecendo-se o momento do estado fundamental, pode-se determinar o momento do
estado excitado. Se a determinação do valor de H é feita em função da temperatura, pode-se
fazer estudos relacionando a estrutura interna da amostras com a teoria de ondas de spin.
1/ 2
eQVzz æ η2 ö
EQ = éë3m 2 − I ( I + 1) ûù ç 1 + ÷ (11)
4 I (2 I − 1) è 3 ø
Vxx − Vyy
sendo η = (12)
Vzz
A expressão (11) é obtida usando-se teoria de perturbação até primeira ordem para o
hamiltoniano de interação entre o momento de quadrupolo e ∇E . O procedimento comum
para obtenção dessa equação é expandir o hamiltoniano de interação elétrica inicialmente
em harmônicos esféricos e posteriormente substituí-lo por operadores tensoriais para que se
possa fazer uso do teorema de Wigner-Eckart diretamente. Utiliza-se normalmente a base
{ l, m } .
Note-se que EQ depende de m2, permanecendo portanto uma degenerescência.
A origem de ∇E não nulo nos núcleos envolvidos com o efeito Mössbauer está, em
geral, associada a íons vizinhos dispersos assimetricamente e a distribuições eletrônicas
assimétricas em orbitais de valência parcialmente preenchidos do próprio átomo
Mössbauer.
Mais uma vez, como trata-se de um campo total, todo o ambiente em torno dos
núcleos envolvidos com o processo de emissão/absorção interfere no desdobramento dos
níveis. Em particular, pode-se distinguir diferentes simetrias de diferentes arranjos
cristalinos analisando-se os desdobramentos devido a esta interação.
É a extrema precisão da Espectroscopia Mössbauer ( E/∆E≈105eV/10-6eV≈1011 ) que,
permitindo a medição de interações como as três acima, a tornou extremamente relevante
em diversas ciências. A seguir, temos uma lista de alguma aplicações da técnica.
• Estudos do estado químico e na obtenção de dados qualitativos sobre a estrutura de
moléculas biológicas (Um grande número delas contém núcleos em que se observa
o efeito Mössbauer, sobretudo o Fe, o que permite que a técnica possa ser usada.);
• Mineralogia e análise de solos;
• Determinação de parâmetros nucleares como o spin e a simetria espacial de
estados;
• Testes da Teoria da Relatividade Geral através da medida do deslocamento de
freqüência da radiação eletromagnética sob a ação de um campo gravitacional (Ver
por exemplo Pound & Rebka - PRL :Vol.4, 1960,no7- 337);
• Caracterização de materiais desde a análise química qualitativa e quantitativa até
estudos fundamentais sobre a estrutura eletrônica, as ligações químicas e suas
simetrias.
(mm/s)
Transmissão relativa
5K
(mm/s)
T (K)
Figura 9. Espectro
experimental para uma
amostra de Fe
nanoestruturado a 77K. Os
ajustes indicados por 1 e 2
correspondem às
contribuições cristalina e
interfacial respectivamente
[3].
Velocidade (mm/s)
295 K
Figura 10.
Ca2Fe2O5 Espectros obtidos
com uma fonte de
57
Co em Pt a
aproximadamente
22oC. Como é a
Transmissão relativa
absorção
ressonante do 57Fe
que é observada, a
estrutura do
espectro depende
295 K do sítio ocupado
pelo Fe em cada
Ca2Sc0,5Fe1,5O5 composto [1].
5K
Nos espectros
apresentados na figura 10
Ca2FeGaO5
temos um exemplo de
utilização da técnica para
Velocidade (mm/s) estudos de estruturas
cristalinas. O Ca2Fe2O5 , o Ca2Sc0,5Fe1,5O5 e o Ca2FeGaO5 têm a mesma estrutura cristalina
(gálio e escândio têm valência +3) . No primeiro, o Fe3+ ocupa tanto sítios tetraédricos
quanto octaédricos, já nos outros dois compostos este íon ocupa, na grande maioria das
vezes, um único tipo de sítio, os tetraédricos no Ca2Sc0,5Fe1,5O5 e os octaédricos no
Ca2FeGaO5.
Em situações onde a conversão interna é muito mais provável que a emissão γ numa
desexcitação, pode-se obter espectros Mössbauer a partir da detecção dos elétrons emitidos
no processo. Tal método é particularmente útil no estudo de superfícies de filmes finos
magnéticos em que o Fe é o principal constituinte, pois para o 57Fe, a conversão interna é
cerca de nove vezes mais freqüente que a emissão γ. Como os elétrons emitidos têm baixa
energia (keV), o maior número de elétrons “contados” provém de emissões próximas à
superfície da amostra. Esta técnica é conhecida por CEMS (Conversion Electron
Mössbauer Spectroscopy).
Rudolf L. Mössbauer
Mössbauer nasceu em 1929 em Munich, onde fez seus estudos até terminar o
doutorado em 1957. Foi durante os estudos para o doutorado que ele observou pela
primeira vez o efeito que leva seu nome. A absorção ressonante para radiação emitida por
transições nucleares já era investigada há algum tempo mas os primeiros resultados
experimentais satisfatórios só foram obtidos por Mössbauer. Além do experimento, cujos
dados estão apresentados na figura 4, ele apresentou o modelo teórico adequado que
explicava os resultados e apontava para as possíveis razões dos insucessos anteriores. A
emissão livre de recuo é o principal ponto da “descoberta”.
Mössbauer recebeu o Prêmio Nobel em Física em 1961 pelo seu trabalho, dada a
imediata repercussão e enormes possibilidades de utilização da técnica.
Notas:
onde o termo l=0 é o termo de monopolo, o l=1 o de dipolo, etc. As constantes qlm
são dadas por
qml = ò Ylm* (θ , ϕ )r 'l ρ ( x' )d 3 x ' .
q p• x 1 xi x j
Em coordenadas retangulares φ ( x ) = + 3
+ å Qij 5 + ... , onde p = ò x ' ρ ( x ')d 3 x ' e
r r 2 i, j r