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História Antiga I

Pedro Augusto Dias Rocha


Avaliação. Unidade I

1 . O Neolítico traz consigo diversas mudanças em vários âmbitos – econômico,


organizacional e ideológico, por exemplo. O processo fundamental que dá sentido a
todas essas metamorfoses é a passagem da recolecção à produção. Tal processo está na
base da diferença entre o neolítico e o paleolítico. Ademais, cabe ressaltar que não
foram de repente e nem homogeneamente que as modificações ocorreram.

No paleolítico, em geral, lidava-se com material lítico de riqueza variável (de


acordo com o período e a região), caça, pesca e a recolecção. Os homo utilizavam-se do
material dado pela natureza para sobreviver e, por conta disto, eram nômades - não tão
nômades quanto já se imaginou, pois haviam certas regiões “fixas” em torno das quais
os grupos gravitavam. A “revolução neolítica” modificou estruturalmente a relação dos
seres humanos com a natureza circundante e entre si, uma vez que há a “invenção” da
agricultura cerealífera, a progressiva domesticação animal e a organização aldeã
sedentária. A fase inicial do neolítico, seguindo Liverani, se dá entre 10.000 e 15.000
a.C. Nesse período passa a existir a agricultura a partir das plantas silvestres (Gramíneas
e leguminosas). Portanto, esse processo dito inicial só é possível naquelas regiões em
que essas plantas estavam já disponíveis, nesse sentido, o ecossistema do AOP
favoreceu o desenvolvimento da primeira fase neolítica. O período “incipiente” (10.000
– 7500) corresponde à introdução dos primeiros silos para o armazenamento. A partir do
final do sétimo milênio ocorre o período caracterizado como “plenamente neolítico” por
Liverani.

Em suma, as características essenciais do período neolítico são: As habitações


(casas quadrangulares com tijolos crus ou barro); A organização aldeã sedentária
formada por núcleos familiares e uma estrutura patriarcal onde quem dominava eram os
chefes de família; O culto aos antepassados e os ritos funerários; O desenvolvimento da
cerâmica (tendo em mente que existe, também, um neolítico acerâmico) e, sobretudo, o
cultivo das gramíneas e leguminosas juntamente com o avanço tecnológico. Algumas
culturas do Antigo Oriente próximo são exemplares e demonstram tanto as
características gerais quanto as particulares do neolítico. Umma Habaghiya (6900 –
6300) é a primeira cultura cerâmica da Alta mesopotâmia e seguem-se no período de
6300 a 5200 três importantes culturas – Hassuna, Samarra e Halaf. Essas culturas, com
suas particularidades, vão levar a cabo a produção cerâmica, agricultura (irrigada e não
irrigada) e a criação de animais (as vezes conjugada com a caça). Segue-se dessas
culturas a de Eredu, que representa o ponto de partida para a cultura de Ubaid e liderará
os avanços tecnológicos do calcolítico em direção a uma, cada vez maior,
especialização e centralização.

Em conclusão, as características que marcam a revolução neolítica podem ser


resumidas da seguinte forma: As necessidades trazidas pelo aumento demográfico
pressionaram as culturas a desenvolverem novas formas de conseguirem alimentos.
Aquelas regiões com ecossistema favorável iniciaram-se na produção cerealífera
partindo do cultivo e beneficiamento das plantas silvestres e da domesticação de
animais. Daí surgem a economia de produção, sedentarização, formação de aldeias em
torno de núcleos familiares e chefes de família e, enfim, a cerâmica.
2.     Liverani lança mão do conceito “Revolução urbana” gestado por Vere Gordon
Childe. Este termo, diz o italiano, supõe menos uma mudança abrupta e repentina do
que uma modificação estrutural. Os traços que fundamentam essa noção de “revolução
urbana” se assentam nas modificações tecnológicas, socioeconômicas e, sobremaneira,
nas organizacionais. Estamos diante de uma revolução que gira em torno da constante
especialização e centralização da produção, com isso, temos a diferenciação social e o
controle, por parte de um grupo, dos recursos naturais e simbólicos.

As aldeias do calcolítico contam com uma estrutura já proto-urbana. Há aí uma


produção sofisticada da cerâmica que nos faz inferir que exista já uma certa
coordenação e especialização da atividade produtiva. Mas é no fim do quarto milênio
que podemos começar a enxergar uma organização urbana em Uruk. A organização
propriamente citadina consiste em um grau de centralização e especialização que faz
girar em torno da cidade as aldeias produtoras. Há, portanto, a concentração e
distribuição de excedentes a partir de um centro composto por especialistas. Esse tipo de
organização só foi possível porque a baixa mesopotâmia contava com um excepcional
desenvolvimento agrícola, nichos ecológicos significativos, o apoio das vias fluviais e a
existência de um excedente que pôde suportar os encargos de um “setor público”. A
relação, portanto, é a seguinte: A alta demográfica gera demanda por maior produção,
esta só é possível através de tecnologias mais eficientes; Tendo alcançado a melhoria
produtiva a população tende a aumentar, gerando a partir daí a necessidade da
redistribuição organizada dos alimentos e produtos. Foi assim que questões
organizacionais, tecnológicas, demográficas e produtivas tenderam a se relacionar e tal
relação se desenvolveu por um vasto período de tempo, sendo assim, podemos captar o
que Liverani quis dizer quando relacionou esses aspectos e apontou o seu caráter
longínquo, sem se esquecer das características ambientais próprias à Baixa
mesopotâmia que influíram no processo, bem como, o caráter estrutural das mudanças
ocorridas.
A revolução urbana caracteriza-se por uma crescente especialização do trabalho
e a consequente organização centralizadora. Entram em jogo o palácio e o templo. Estas
estruturas agem no intuito de dar unidade política e, com isso, necessitam de pessoas
capazes de levar a termo tal integração. É aí que surge o aspecto fundamentalmente
diferenciador desse tipo de organização. A cidade-centro desenvolve um setor público
que redistribui, distribui e detêm terras, cargos, excedentes, produtos especializados, etc.
Sendo assim, há o desenvolvimento dos especialistas, aqueles dedicados ao serviço
“público”. Entre estes podemos destacar os artesãos, escribas, sacerdotes e
administradores. Mas, o que era, de início, uma distinção entre especialistas citadinos e
produtores das aldeias passa a ser uma distinção hierárquica que dá sustentação a uma
diferença entre classes. Além dessa diferença em relação aos especialistas e produtores
passa a existir uma hierarquização da relação entre cidade-centro e a aldeia-periferia. As
cidades, a partir do seu controle centralizado, coletam o que fora produzido nas aldeias e
redistribui aos aldeãos, fazendo assim com que a produção da aldeia fique disponível
aos especialistas da cidade. Os aldeãos não aceitaram resignadamente essa relação e ela
não foi tão homogênea quanto pode parecer nessa descrição, no entanto, o que
caracteriza propriamente a consequência daquilo que damos o nome de "revolução
urbana” é a relação da cidade-aldeia nos temos da relação centro-periferia, onde uma
oferece a matéria-prima e o trabalho e a outra os produtos especializados e a coesão
política. Estes aspectos relativos a integração política e diferenciação social são
claramente ressaltados por Norman Yoffe.

É importante salientar mudanças importantes no âmbito das “ideias”, que


surgem da necessidade de um núcleo diretor em organizar um conjunto populacional
mais vasto. As variantes individuais são tornadas gerais; o processo de abstrair, isto é,
retirar características gerais de objetos particulares e únicos, é consequência dessa nova
forma de organização sociopolítica. Ocorre algo semelhante com aqueles símbolos dos
quais tiramos proveito até os dias de hoje e que chamamos, em seu conjunto, linguagem
escrita. A necessidade de registro para o controle central eficaz faz surgir símbolos que
a semiótica chamaria “icônicos”, ou seja, símbolos que representam algo a partir da
semelhança entre representante e representado. Esse processo culmina em um tipo de
código em que seus caracteres não correspondem a algo que exista externamente a eles;
fato que pode ser encaixado no procedimento mais abrangente de tornar geral o que é
particular. Portanto vemos o surgimento de características intelectuais surgirem de
necessidades, digamos, concretas. Além disso, a justificação ideológica de todo esse
processo é desenvolvido pelo cidade. Templários e palacianos legitimam a submissão
aldeã a partir de um novo tipo de religiosidade, baseada nas “oferendas” e na existência
de um grupo especializado na relação entre os humanos e o divino ( Os sacerdotes), e da
figura divina e unificadora do rei.

Concluindo, A “revolução urbana” é considerado por Liverani um processo


revolucionário pela capacidade que teve de mudar todo o quadro civilizacional em um
curto espaço de tempo, tendo em vista, evidentemente, a longa duração dos “eventos”
dessa história longínqua para nós modernos. Esta mudança caracteriza-se por uma
complexa imbricação de fatores demográficos, ambientais, políticos e socioeconômicos
que deram as caras pela primeira vez na baixa mesopotâmia em fins do quarto milênio e
prosseguiram, pelo seu resultado, como a base organizacional das sociedades do período
do Bronze. Pode-se falar de uma condição ambiental favorável que pôde dar margem a
um desenvolvimento demográfico, tecnológico e sociopolítico que deu o suporte para a
produção de excedentes, a centralização, a especialização e suas diversas consequências
civilizacionais; afinal de contas, passa a ser possível redistribuir alimentos para pessoas
que vivem num território considerável em sua vastidão. Nesse processo organizativo
Yoffe chama a atenção para o aspecto agregador e diferenciador que ele implica. Nota-
se a integração de regiões mais vastas ao mesmo tempo em que cria-se classes
hierarquicamente superiores e regiões dominantes, aumentando, assim, a diferenciação
social.
3 – O período de Uruk pode ser caracterizado como sendo responsável por um
modelo de integração comercial de dimensões inéditas que mudou tanto a estrutura
administrativa da cidade-centro quanto do seu entorno e que, afinal de contas, acaba, na
crise desse modelo, culminando em uma regionalização, isto é, em seu contrário. Cabe
analisar qual a natureza do período de Uruk e sua decadência, em outras palavra, a
difusão e crise da primeira urbanização.
Uruk experimenta um nível avançado em relação à sua organização, tecnologia e
produção cerealífera; isto, somado a necessidade de matérias-primas, proporciona a
ocasião adequada à sofisticação das trocas comerciais à longa distância. As trocas se
davam a partir de um intermediário que servia o núcleo palatino. Este comerciante
transportava, pelas águas ou por terra, produtos manufaturados e os trocavam por
matérias-primas, como metal e madeira, em resumo, todos aqueles materiais necessários
que não estavam disponíveis para os administradores da cidade-centro. No retorno ele
prestava contas à administração, trazendo produtos de valor equivalente àqueles que ele
transportou. Embora estivesse, o intermediário, às sombras da administração palaciana
havia liberdade para que o comerciante retirasse desse comércio vantagens para si. As
trocas que assim se operavam eram desiguais; as manufaturas eram oferecidas em
menor quantidade em relação à matéria-prima com a qual ela era trocada.
O aspecto central dessa relação comercial são as consequências que ela traz para
a dinâmica entre centro e periferia. O maior sítio é o de Uruk mas existem outros que
são quantitativamente menores. Tal relação centro-periferia se dava sobretudo no nível
econômico e existia uma relação hierárquica entre esses polos; As periferias passam a
ser dependentes da relação comercial com as cidades-centro, como Uruk. Entretanto é
notável o “efeito reflexo” que as relações de troca proporcionaram, pois tendo contato
comercial constante com a cidade as periferias se desenvolveram e ganharam novas
características locais, nesse sentido, os contatos inter-regionais proporcionados pelo
comércio foram responsáveis por desenvolver e modificar tanto centros quanto
periferias. Podemos ver, portanto, centros periféricos autóctones que desenvolvem-se de
modo semelhante a Uruk – criação de um centro organizativo, templo, cerâmica própria,
etc.
A influência e difusão comercial de Uruk, como tudo em História, tem seu fim.
Não são bem conhecidas as causas dessa crise, mas, desaparecem os postos avançados
em locais externos e o período de Uruk tardio é caracterizado pelo fechamento dessa
cultura. Desdobra-se daí um profundo processo de regionalização. Portanto, há a
sobreposição das particularidades regionais e contatos mais restritos e efêmeros, ao
invés do processo característico do período Uruk, o de inter-regionalização. Oberva-se
tal desenrolar dos acontecimentos a partir da multiplicação de cerâmicas com
características diferentes, o que leva a crer no encurtamento da difusão da cultura
material e dos contatos entre as regiões. Sendo assim, a forte colonização urukiana
chega ao fim; Não sem, no entanto, deixar de contribuir com uma importante herança
técnica e administrativa, já que uma vez tendo se difundido certos traços culturais
proporcionados pelo contato com Uruk permanecem à posteridade de seu domínio
econômico. É claro! Depois que se escreve em um papel, por mais que o lápis suma, a
palavra fica – embora a borracha do tempo possa apagá-la depois.
Enfim, o período de Uruk é, inicialmente, caracterizado por um maior contato
inter-regional graças à sua opulência que abre as portas ao comércio à longa distância e
à criação de centros comerciais que se relacionam com suas periferias. Este contato
proporciona o desenvolvimento técnico-administrativo das regiões periféricas e deixa
marcas culturais duradouras. Finalmente, há a crise da primeira urbanização e um
crescente processo de regionalização, onde as relações mais gerais se submetem às mais
particulares.

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