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Clélio Chiesa
1. Considerações propedêuticas
A nosso ver, boa parte dos problemas que eclodiram até hoje em torno da criação e
aplicação do instituto da substituição tributária enfrenta um obstáculo quase
intransponível: a precariedade da normatização. Vale dizer, o caos instaurado decorre
principalmente da maneira como a matéria foi disciplinada no ordenamento jurídico
positivo.
Veja-se que a doutrina enquanto ciência do direito stricto sensu, entendida esta como
dogmática jurídica cuja missão é descrever o direito positivo, tem como barreira
intransponível os limites gizados pela ordem jurídica posta. Não compete ao cientista do
direito criar normas jurídicas nem dizer o direito aplicável a um caso concreto, mas
apenas descrever o direito positivo enunciando as proposições normativas encontradas e
apontando as interpretações possíveis.
Daí exsurge o ponto crucial do tema em tela, causador de tanta discórdia, ou seja, os
limites impostos pelo sistema para a construção das normas disciplinadoras do instituto
denominado substituição tributária. Dito em outras palavras, é justamente no processo
intelectual de dessumir quais são os limites impostos pelas normas de estrutura para a
instituição válida do que se convencionou chamar de substituição "para frente" que
surgem as grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
De sorte que é importante ressaltar que, enquanto intérpretes do direito, não podemos
extrapassar os limites do normativo, sob pena de não estarmos mais fazendo ciência do
direito, mas construindo proposições que não encontram correspondência com a ordem
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
"PARA FRENTE"
jurídica positiva, ou seja, com o próprio objeto a que nos propusemos a descrever,
construindo proposições sem base empírica. Agindo dessa maneira, construir-se-ia
proposições falsas, sem qualquer correspondência com o sistema positivado, o que seria
um despautério.
Nesse particular, é bom que se diga também que não podemos ignorar as decisões
proferidas pelos nossos tribunais, mormente, as do STF, que geram efeitos erga omnes,
pois se trata de normas individuais e concretas e, como tais, integram o direito positivo,
objeto da ciência do direito.
Vê-se, portanto, que, se por um lado temos os direitos e garantias fundamentais dos
contribuintes, por outro lado temos que tanto o instituto da substituição "para trás"
como o da substituição "para frente" proporcionam vantagens à máquina arrecadadora
do Estado, as quais não podem ser ignoradas no momento de se aventar qualquer
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proposta exegética.
Dessa forma, esses fatores não podem ser ignorados pelos operadores do direito no ato
de proceder à construção das normas jurídicas, entendidas estas como entidades
abstratas compostas por um juízo hipotético-condicional, construído a partir dos textos
de direito positivo, como resultado da análise exegética realizada pelo sujeito
cognoscente.
Convém ressaltar com isso que não estamos a defender processo de interpretação que
deva levar em conta elementos extrajurídicos para desvendar o conteúdo e o alcance
dos preceptivos que disciplinam o instituto da substituição. O que estamos a propor é
que os problemas advindos da instituição e aplicação do instituto sejam solucionados
levando em conta os interesses contrapostos do fisco e dos contribuintes, representados,
de um lado, pelo propósito fiscal de arrecadar mais mediante a utilização do instituto da
substituição e, do outro, pelos contribuintes buscando proteger seus direitos.
Pondera Alfredo Augusto Becker que o "sujeito passivo da relação jurídica tributária,
normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a
hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto, freqüentemente, colocar
esta pessoa no pólo negativo da relação jurídica tributária é impraticável ou
simplesmente criará maiores ou menores dificuldades para nascimento, vida e extinção
destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como solução emprega uma
outra pessoa em lugar daquela e, toda vez que utiliza esta outra pessoa, cria o
substituto legal tributário". Por fim, arremata ele que "o fenômeno da substituição
opera-se no momento político em que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição
que ocorre neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro
indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a
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hipótese de incidência é fato-signo presuntivo".
Nesse sentido também é lição de Paulo de Barros Carvalho, pois salienta que "a
substituição de que falam os mestres, ou que registram os textos prescritivos do direito
positivo, não se consubstancia num fenômeno jurídico em que um sujeito de direitos
cede lugar a outro sujeito de direitos, debaixo de determinado regime normativo, como
sugere o termo. Sabemos que a mudança ocorre antes que o texto saia à luz, portanto
em tempo que antecede o aparecimento da disciplina jurídica da matéria. Tratando-se
de algo que se opera em fase meramente política, quando o legislador prepara sua
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decisão e a norma ainda não foi produzida".
Seja como for, como bem destaca Paulo de Barros Carvalho, é oportuno frisar que "o
substituído, conquanto não esteja compelido ao recolhimento do tributo, nem a proceder
o implemento de deveres instrumentais que o fato jurídico tributário suscita, tudo
ficando a cargo do substituto, mesmo assim permanece à distância como importante
fonte de referência para o esclarecimento de aspectos que dizem com o nascimento, a
vida e a extinção da obrigação tributária. É nesse sentido que se firma como o regime
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
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É certo que a eleição do sujeito passivo é uma opção do legislador a ser exercida no ato
de criar a norma jurídica; todavia, não é uma opção totalmente livre, pois há limites
impostos pelo sistema, mesmo em se tratando do instituto da substituição propriamente
dito.
O legislador, no exercício de sua atividade típica de legislar, escolhe, de acordo com sua
vontade, dados de fatos da realidade social que deseja disciplinar, qualificando-os,
normativamente, como fatos jurídicos. Entretanto, como dito, sob o prisma jurídico, essa
atividade não é totalmente livre, devendo, necessariamente, observar o que estipulam
as normas de construção de proposições normativas impostas pelo sistema.
Assinala Geraldo Ataliba que "será sujeito passivo, no sistema tributário brasileiro, a
pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência de
um tributo (como inferida da Constituição) ou quem tenha relação pessoal e direta -
como diz o art. 121, par. ún., I, do CTN (LGL\1966\26) - com essa materialidade.
Efetivamente, por simples comodidade ou por qualquer outra razão, não pode o Estado
deixar de colher uma pessoa, como sujeito passivo para, discricionária e arbitrariamente,
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colher outra".
Nota-se, portanto, que o legislador não poderá, arbitrariamente, eleger como sujeito
passivo pessoa que não tenha nenhuma relação com o fato que deu origem à obrigação
tributária. É uma imposição do sistema constitucional tributário, como sentenciam
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino: "parece de evidência total que não pode a lei exigir de
alguém - que mora no primeiro andar de um prédio - o imposto de renda devido por
todos os moradores do prédio, simplesmente porque a cobrança, assim, se torna mais
fácil. Nem exigir de quem more na esquina o imposto predial de todos os contribuintes
daquele quarteirão - ainda que, depois, se lhe assegurem mecanismos de reembolso
junto aos demais - só porque tal expediente é cômodo à Administração. Seria supremo
arbítrio exigir tributo de alguém, simplesmente pela circunstância de que é mais fácil
colhê-lo do que ao destinatário da carga tributária, como induzido pela Constituição.
Esse raciocínio nos leva à conclusão de que há exigência constitucional implícita, no
sentido de que um imposto somente pode ser cobrado daquela pessoa cuja capacidade
contributiva seja revelada pelo acontecimento do fato imponível ou, nos casos de
tributos vinculados, somente daquela pessoa a que a atuação estatal se refira de alguma
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maneira".
É evidente que a substituição não é inconstitucional por si só, mas, quando instituída,
deve render-se a limites certos, que observem o princípio da igualdade de todos perante
a lei, em cujas dobras está contido o princípio da capacidade contributiva e o princípio
constitucional que proíbe o confisco. Não pode também ser desprezada a indicação do
sujeito passivo feita pela Constituição para a averiguação da capacidade contributiva.
Por isso, segundo a lição de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, é que quando se institui
"responsabilidade" ou "substituição":
relevante para determinar o surgimento da obrigação - tão-só posto, pela lei, no dever
de prover o recolhimento de tributo decorrente de fato provocado ou produzido por
outrem;
c) a carga do tributo não pode - e não deve - ser suportada pelo terceiro responsável.
Por isso é rigorosamente imperioso que lhe seja objetivamente assegurado o direito de
haver (percepção) ou descontar (retenção), do contribuinte, o quantum de tributo que
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deverá pagar por conta daquele".
Vê-se, portanto, que a substituição propriamente dita opera com fatos de efetiva
ocorrência, fatos concretos, realizados no mundo fenomênico, enquanto a denominada
substituição tributária "para frente", ou ainda denominada tributação de "fato futuro",
contempla como hipótese de incidência fatos de provável ocorrência.
O fundamento legal para sua instituição está previsto no art. 128 do CTN
(LGL\1966\26), o qual prescreve que, "sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei
pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira
pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade
do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou
parcial da referida obrigação".
principalmente o de que a carga tributária não pode ser deslocada para o substituto,
fazendo com que ele suporte o ônus da tributação, pode o legislador ordinário valer-se
do instituto da substituição, consoante as razões já expostas no item anterior.
Trata-se de institutos diferentes e que não podem ser confundidos, eis que desfrutam de
regulamentação própria, não se podendo aplicar as normas pertinentes a um instituto ao
outro, salvo em caráter subsidiário, naquilo que não forem incompatíveis, conforme será
mais bem demonstrado nos itens subseqüentes.
4. A tributação de fato jurídico tributário futuro antes da inserção do art. 150, § 7.º, da
CF/1988 pela Emenda 3/93 - inaplicabilidade do Convênio 66/88
Nos termos do art. 34, §§ 3.º e 8.º do ADCT (LGL\1988\31), ficou estabelecido que os
Estados e o Distrito Federal poderiam, caso não fosse editada a lei complementar
necessária à instituição do ICMS no prazo de sessenta dias a contar da promulgação da
Constituição, mediante convênio a ser celebrado nos termos da LC 24/75, editar normas
para regular provisoriamente a matéria.
(...)
§ 8.º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for
editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155,
I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei
Complementar 24, de 07.01.1975, fixarão normas para regular provisoriamente a
matéria".
A LC 24/75, por sua vez, estabeleceu que os convênios deveriam ser celebrados em
reuniões para as quais tivessem sido convocados representantes de todos os Estados e
do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal e com a
presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.
Em que pese os que pensam de modo contrário, penso que, na outorga concedida pelo
art. 34 do ADCT (LGL\1988\31), não estava incluída a faculdade para tributar "fato
gerador presumido", pois tal sistemática não encontrava respaldo no sistema tributário
contemplado na própria Constituição Federal (LGL\1988\3) à época da sua edição.
Nesse sentido, chegou a decidir a 1.ª T. do STJ, cujo excerto do voto do Min. Demócrito
Reinaldo, relator do feito, passamos a transcrever:
"É tão curial a impossibilidade de os Estados poderem legislar sobre substituição (ou
responsabilidade) tributária, como a 'antecipação' do pagamento do ICMS, que o
Congresso Nacional, apreciando emenda de iniciativa do Poder Executivo, introduziu o
art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) (...).
Portanto, filiamo-nos à corrente dos que entendem que a exigência do ICMS com base
em "fato gerador presumido" somente passou a ser válida após o advento da EC 3/93 e
se instituída por lei, conforme determina o art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3).
5. A denominada substituição "para frente" entre a entrada em vigor do art. 150, § 7.º,
da CF/1988 e a edição da Lei Complementar 87/96
Convém aqui transcrevermos o art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), para que
possamos examiná-lo. Estabelece o preceptivo em comento que:
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
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"§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de
responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferência restituição da quantia paga, caso
não se realize o fato gerador presumido" (grifamos).
Diante de tal redação, surgem desde logo duas indagações: o comando no artigo
mencionado é auto-aplicável? A lei a que se reporta, trata-se de lei ordinária ou de lei
complementar?
5.2 A aplicabilidade do art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) inserido pela Emenda
3/93
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As normas constitucionais, na clássica enunciação de José Afonso da Silva, dividem-se
em três categorias:
a) normas de eficácia plena com aplicabilidade direta, imediata e integral, que incidem
imediatamente e dispensam legislação complementar;
Dessa forma, os entes tributantes, tão logo tenha entrado em vigor a alteração
promovida pela EC 3/93, poderiam ter exercido suas competências legislativas, criando a
figura do substituto para as hipóteses de tributação de "fato gerador presumido". Não
precisavam ficar aguardando qualquer outra providência complementar para contemplar
em seus ordenamentos a tributação de fato futuro, como autorizado no art. 150, § 7.º,
da CF/1988 (LGL\1988\3).
5.3 A natureza do instrumento normativo exigido pelo art. 150, § 7.º, da CF/1988
(LGL\1988\3) para a instituição da tributação antecipada
Nesse sentido é o entendimento de Aroldo Gomes de Mattos, pois, segundo ele, "quando
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
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o art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), retro transcrito, defere à 'lei' instituir
regime de substituição tributária 'para frente' refere-se, evidentemente, à 'lei ordinária',
exceto, porém, quanto ao ICMS, por ser este regido em disposição constitucional
específica (art. 155, XII, b, da CF/1988 (LGL\1988\3)) exigindo para aquele fim 'lei
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complementar'".
Assevera Sacha Calmon Navarro Coelho que é "certo que o art. 150, § 7.º, da CF/1988
(LGL\1988\3) diz que lei poderá... Esta lei só pode ser complementar. Mas a lei
complementar tem que estar conforme a Constituição e não contra ela, sob pena de
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inconstitucionalidade".
Em que pese a posição dos renomados mestres, não estou convencido de que se trata
de lei complementar de caráter nacional a ser editada pelo Congresso Nacional, nos
termos do art. 155, XII, b, da CF (LGL\1988\3).
Primeiro, porque a hipótese do art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) não se trata
propriamente de substituição, mas de antecipação tributária, cujo regime jurídico
entendo ser diferente do regime da substituição tributária propriamente dita.
Quarto, porque, nos termos do art. 24, § 3.º, da CF (LGL\1988\3), na inexistência de lei
federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
atender suas peculiaridades.
Por tais razões, entendo que, desde a entrada em vigor da modificação implementada
pela EC 3/93, poderiam os Estados e o Distrito Federal, mesmo em matéria de ICMS,
editar normas nos seus respectivos âmbitos de competência sobre a tributação de "fatos
geradores presumidos", desde que assegurassem a imediata e preferencial restituição
das quantias pagas, na hipótese de não ocorrer o fato gerador presumido ou na hipótese
de sê-lo concretizado em proporções menores do que o presumido.
O Convênio 66/88 deveria ter sido editado com o propósito de suprir lacunas normativas
existentes em matéria de ICMS, consoante a faculdade outorgada pelo art. 34 do ADCT
(LGL\1988\31). Todavia, como registra a melhor doutrina, ele foi muito mais além,
pretendeu até dispor sobre matéria que já estava regulada por lei complementar, vindo
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a dispor de modo diferente.
Com efeito, não pretendemos examinar o Convênio 66/88 sob todos os seus aspectos,
mas somente a faculdade contemplada no art. 25 do Anexo Único, para se atribuir a
terceiro não realizador do fato jurídico tributário a condição de substituto tributário de
fato jurídico tributário de provável ocorrência em face da inserção do art. 150, § 7.º, da
CF/1988 (LGL\1988\3) pela EC 3/93. Vale dizer, a questão a ser examinada é saber se o
art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) teria convalidado o Convênio 66/88 no que diz
respeito à tributação de "fatos geradores presumidos", gerando efeitos até o advento da
LC 87/96.
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
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A meu ver, não. O instituto da tributação antecipada rege-se, como já registrei, por
regime jurídico próprio, no qual não se inclui a faculdade para sua instituição ser feita
por meio de convênio, como disciplinado no art. 34 do ADCT (LGL\1988\31). O art. 150,
§ 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) é categórico no sentido de que só a lei, em sentido
estrito, pode atribuir a terceiros não realizadores do fato jurídico tributário a condição de
substituto de fato a vir a ocorrer.
Diante disso, infere-se que, nem mesmo no interregno entre a inserção do art. 150, §
7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) e a edição da LC 87/96, o Convênio 66/88 produziu
efeitos válidos no que tange à regulamentação da tributação de "fatos geradores
presumidos".
O ICMS - leciona Sacha Calmon Navarro Coelho - "é um imposto multifásico, cobrado
fracionadamente em cada uma das etapas da circulação dos bens e serviços, sobre o
valor adicionado pelos agentes que as promovem desde a produção até o consumo. Daí
advém o princípio da não-cumulatividade, pelo qual o valor do imposto pago na etapa
anterior constitui crédito do contribuinte que irá realizar a posterior etapa tributada do
processo de circulação, até o consumidor final, que suporta a tributação integral do
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ciclo".
O valor da base de cálculo estimada na operação com o consumidor final, salienta Aroldo
Gomes de Mattos, "jamais poderá ser superior àquele que vier a ser efetivamente
praticado, sob pena da quebra do princípio da não-cumulatividade do tributo, salvo,
evidentemente, se o excesso cobrado em razão dessa superioridade for restituído ao
contribuinte substituído. A cláusula, pois, da 'imediata e preferencial restituição' é
ontologicamente corolário do princípio constitucional da não-cumulatividade do tributo".
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O princípio da não-cumulatividade tem como objetivo evitar que o imposto seja cobrado
em cascata, aumentando excessivamente o preço final do produto em decorrência das
sucessivas tributações, cujo ônus, por se tratar de imposto indireto, será suportado pelo
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ICMS. A DENOMINADA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
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consumidor.
Diante disso, podemos concluir que a cláusula que impõe a "imediata e preferencial
restituição" é um imperativo ditado pelo princípio da não-cumulatividade, pois, caso a EC
3/93 não tivesse assegurado a restituição dos valores pagos a maior em decorrência das
bases de cálculo presumidas, a tributação de "fatos geradores presumidos" estaria
eivada do vício insanável de inconstitucionalidade.
A faculdade criada pelo art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), para se instituir a
figura do substituto tributário referente a fatos jurídicos tributários a serem realizados
pelo substituído, há que ser examinada de forma indissociável da cláusula "assegurada a
imediata e preferencial restituição". Vale dizer, como não há um ICMS cumulativo na
Constituição Federal (LGL\1988\3), de igual modo não há autorização para a tributação
de "fatos geradores presumidos" sem que seja assegurada a imediata e preferencial
restituição de eventuais valores pagos a maior. Tal diretriz integra a própria estrutura da
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tributação antecipada.
Veja-se que somente dentro dessa perspectiva é que se poderá intentar suplantar o
óbice intransponível da vedação da tributação de fatos jurídicos tributários ainda não
ocorridos, pois só assim se poderá mitigar os nefastos efeitos da tributação antecipada,
buscando harmonizá-la com os princípios da capacidade contributiva, do não-confisco,
da vedação do enriquecimento sem causa, entre outros.
Adverte Hamiton Dias de Souza, que "só com a previsão de integral e imediata
restituição do imposto pago a maior será atendido o princípio da capacidade
contributiva, pois esta foi a maneira encontrada de não permitir pudesse a sistemática
da substituição tributária implicar nível maior de ônus fiscal, atingindo, em
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conseqüência, mais fortemente o consumidor".
De igual sorte, o princípio do não-confisco tem como propósito evitar que o direito de
propriedade seja aviltado por meio da ação de tributar, pois se, por um lado, o Estado
precisa arrecadar para suprir as necessidades públicas, por outro, há o direito de
propriedade que precisa ser preservado, sob pena de se malbaratar pouco a pouco o
Estado Democrático de Direito positivado.
Constitui também uma das pilastras do Estado positivado a diretriz segundo a qual se
repudia o enriquecimento sem causa. Segundo essa diretiva, a ninguém é dado
apropriar-se de recursos de terceiros sem que haja uma causa justa, visando a tolher
manobras escusas com o propósito de auferir riquezas à custa de outrem.
Leciona Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho que o "substituto,
portanto, não pode jamais pagar pelo substituído um ICMS maior do que o real, sob
pena de enriquecimento ilícito do Estado e o ferimento ao princípio do não-confisco
demais disso, em contrariedade com a própria lógica da substituição, ficará
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pessoalmente responsável pela diferença a maior".
Ademais, como adverte Aroldo Gomes de Mattos, "o potencial da margem de lucro
presumida/estimada efetivamente praticada, devido à forte concorrência hoje existente
o mercado, é muito inferior ao fixado em convênios, daí resultando inexoráveis excessos
na cobrança do ICMS antecipado. Por outro lado, admite-se até que esses excessos
sejam cometidos de forma proposital, como 'técnica' para aumentar a arrecadação
tributária, já que muitos contribuintes substituídos se omitem quanto ao lídimo direito de
pleitear seu ressarcimento, como permite a Constituição da República (LGL\1988\3).
Arremata o autor, dizendo que entender-se que a base de cálculo arbitrada é definitiva,
isto é, que não comporta acertos posteriores para ajustá-la ao valor real da operação,
acabaria por transformar o regime de substituição em 'pauta fiscal'. E essa sistemática
de cobrança vem sendo considerada ilegal ao longo dos anos, através de torrencial
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jurisprudência.
Há os que, dando uma interpretação canhestra à parte final do art. 150, § 7.º, da
CF/1988 (LGL\1988\3), se apegam à literalidade da expressão "caso não se realize o
fato gerador" para sustentar que somente cabe pedido de restituição na hipótese de o
fato gerador presumido não ocorrer, não comportando, portanto, segundo eles, pedido
de restituição quando a operação subseqüente ocorra por preço inferior ao presumido.
Com o devido respeito aos que pensam dessa maneira, parece-nos que essa não é a
exegese que melhor se coaduna com o sistema constitucional tributário brasileiro.
Leciona Marco Aurélio Greco que "questão que pode ser levantada é saber se a previsão
constitucional alcança apenas as hipóteses em que o fato gerador não se realizar (dicção
literal do dispositivo) ou se também se aplica às hipóteses em que ele ocorrer, mas não
tiver a dimensão prevista ao ensejo do recolhimento por antecipação (não ocorrer tal
como previsto).
Aliás, até a localização topográfica do art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) inserido
pela EC 3/96 nos conduz no sentido de que a interpretação a ser dada é a que assegura
maior efetividade aos direitos e garantias dos contribuintes, eis que foi inserido na seção
das "limitações constitucionais ao poder de tributar".
Dentro dessa perspectiva, não vejo como harmonizar essa interpretação literal de que
não é possível se proceder ao confronto entre a base de cálculo real e a base cálculo
presumida para se restituir eventual valor pago a maior, sob o argumento de que o art.
150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) somente assegura a restituição na hipótese de
não-realização do fato gerador presumido.
Tal interpretação choca-se com a estrutura do próprio sistema tributário, que somente
admite a tributação sobre fatos efetivamente ocorridos no mundo fenomênico, como
forma de se prestigiar os princípios da capacidade contributiva, do não-confisco, da
vedação do enriquecimento sem causa, entre outros.
Portanto, entendemos que a única interpretação que se harmoniza, ainda que não
totalmente, com o sistema tributário constitucional é a de que sempre se deve proceder
ao confronto entre a base presumida e a base real, assegurando-se ao contribuinte o
direito à imediata e preferencial restituição de valores eventualmente pagos a maior em
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decorrência da operação posterior ocorrer por preço inferior ao estimado.
Com espeque na premissa firmada de que não há tributação antecipada sem direito à
restituição, i.e., que esse direito surge como corolário da própria configuração do
instituto, infere-se, desde logo, que o direito à restituição é um direito
constitucionalmente assegurado ao contribuinte substituído sempre que a base real for
inferior à base presumida.
Prelecionam Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho que os
"contribuintes substituídos são titulares de um direito subjetivo à imediata restituição (
facultas agendi) de raiz constitucional. Trata-se de direito sobranceiro que, para ser
exercido, desnecessita de qualquer fundamento legal além daquele fincado na
Constituição. A contrario sensu, toda legislação (lei complementar, lei ordinária ou
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decreto regulamentar) que contrariar o querer constitucional será inconstitucional".
Temos para nós que o direito à restituição contemplado no art. 150, § 7.º, da CF/1988
(LGL\1988\3) assemelha-se, no que tange ao ICMS, ao direito à compensação
assegurado constitucionalmente ao contribuinte de creditar na operação posterior o
imposto pago na operação anterior como corolário do princípio da não-cumulatividade,
diretriz intrínseca à própria estrutura do ICMS.
É um direito que tem origem constitucional e não pode sofrer nenhuma restrição em
patamares inferiores. Nesse sentido, é a magistral lição de Geraldo Ataliba e Cléber
Giardino, ao afirmarem que o abatimento "é, nitidamente, categoria jurídica de
hierarquia constitucional: porque criada pela Constituição. Mais que isso: é direito
subjetivo constitucional reservado ao contribuinte do ICMS; direito público subjetivo de
nível constitucional, oponível ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual. O próprio
Texto Constitucional, que outorgou ao Estado o poder de exigir o ICMS, deu ao
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contribuinte o direito de abatimento".
Consignou o Min. Ari Pargendler em seu voto condutor que "não se pode dizer que o
'substituído' recolhe antecipadamente o ICMS; ele não recolhe nem antes nem nunca,
porque é alheio à relação jurídica tributária. Ainda no magistério de Alfredo Augusto
Becker, 'não existe qualquer relação jurídica entre o substituído e o Estado'.
É preciso que isso fique bem claro: na substituição legal tributária há só uma obrigação
tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de suprimir obrigações
tributárias que corresponderiam às etapas do ciclo de comercialização anteriores ou
posteriores, conforme a substituição se processe 'para trás' ou 'para frente'; o que esse
fato gerador tem de especial é a base de cálculo, a qual considera valores agregados em
outras etapas do ciclo de comercialização. (...)
Nesse estágio legal, o 'substituído' não tinha 'qualquer relação jurídica com o sujeito
ativo (Estado)' (...) Mas a Emenda Constitucional 3, de 1993, inovou a esse respeito,
aditando novo parágrafo (7.º), ao artigo 150 da Constituição Federal (LGL\1988\3) (...).
No caso da tributação por antecipação, o substituído mantém, sim, uma relação jurídica
com o sujeito ativo, pois é a própria Constituição que lhe assegura o direito de reaver o
montante pago a maior em decorrência de o valor da operação posterior ser inferior ao
que foi estimado no ato de se proceder ao recolhimento antecipado do imposto.
É dessa forma porque todo o sistema se pauta pela tributação sobre fatos reais, visando
a dar vida ao princípio da capacidade contributiva, o qual rege a instituição de todos os
impostos. É inadmissível, por expressa determinação constitucional, que o contribuinte
seja tributado com base em "fatos geradores presumidos", sem que lhe seja assegurada
a imediata e preferencial restituição de valores pagos indevidamente.
Diante disso, infere-se que o direito de o substituído postular a restituição não foi
outorgado pela LC 87/96, mas pela EC 3/93, com a inserção do art. 150, § 7.º, da
CF/1988 (LGL\1988\3), pois antecipação/restituição são indissociáveis, partes de um
todo incindível.
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'Imediata' (que tem nada de permeio, próximo) e 'preferencial' (que tem preferência)
significam restituição do indébito na mesma ocasião do evento, independentemente de
quaisquer obstáculos e delongas administrativas ou judiciais, como acontece
ordinariamente nos intermináveis processos de repetição de indébito. Se assim não fosse
entendido, gratia argumentandum, cai no vazio e fica completamente sem sentido a
inovação introduzida pela aludida EC 3/93. E o que deveria ser imediato e preferencial,
se transforma, contraditoriamente, em 'distante, mediato e ambíguo', retirando, com
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isso, o alicerce constitucional do regime de substituição tributária 'para frente'".
Deveras, como observa Celso Antônio Bandeira de Mello, "se o legislador ou o aplicador
da regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão
submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a
função de constituintes. As leis não mais teriam que ser editadas em função do limite de
liberdade outorgado pela Constituição, pois elas mesmas gizariam a própria liberdade,
mediante o procedimento óbvio de 'construir' a amplitude, o conteúdo e o alcance dos
dispositivos da Lei Maior (que deixaria de sê-lo). As leis não mais teriam que ser lidas
em função da Constituição, mas esta é que teria que ser lida em função das leis. As leis
converter-se-iam em regras supremas e os preceitos constitucionais em 'pseudo'
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normas, meros adornos do sistema jurídico, palavras 'ocas', é dizer não-palavras".
Diante disso, há que se buscar no próprio sistema soluções jurídicas que nos conduzam
a uma maior eficácia da cláusula "imediata e preferencial restituição", afastando-se as
restrições impostas pela LC 87/96, eis que são incompatíveis com o comando
constitucional contemplado no art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3).
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inconfundíveis.
6. O veículo normativo exigido pelo art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) para a
instituição da figura do substituto tributário de "fatos geradores presumidos" é a lei
ordinária, mesmo no caso do ICMS, não se afastando, é claro, a possibilidade da edição
de normas gerais acerca da matéria.
10. A restituição dos valores pagos a maior em decorrência do confronto entre base de
cálculo presumida e base de cálculo real é um imperativo que deflui não só da
determinação expressa contida no art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), mas
também de determinação implícita imposta pelos princípios da capacidade contributiva,
não-confisco e da vedação do enriquecimento sem causa.
12. A regra do art. 166 do CTN (LGL\1966\26) não se aplica aos pedidos de
restituição/compensação de valores pagos a maior nas operações com ICMS em que as
vendas subseqüentes são feitas em valores inferiores aos presumidos.
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14. A compensação dos valores pagos a maior pelos substituídos contribuintes do ICMS
poderá ser efetivada aplicando-se analogicamente os dispositivos existentes nas
legislações estaduais ao regulamentar o estorno de diferença paga a maior, procedendo
nos termos preconizados pelo art. 3.º, § 1.º, do Dec.-lei 406/68 ou de acordo com o
Protocolo ICMS 11/91.
(1) Leciona Paulo de Barros Carvalho que são normas de estrutura aquelas que
"aparecem como condição sintática para a elaboração de outras regras, a despeito de
veicularem comandos disciplinadores que se vertem igualmente sobre os
comportamentos intersubjetivos". Salienta ele que seu caráter é mediato, requerendo
outras prescrição que podemos dizer intercalar, de modo que a derradeira orientação
dos comportamentos intersubjetivos ficará a cargo de unidades que serão produzidas
seqüencialmente. (...) E são tipicamente regras de estrutura aquelas que outorgam
competências, isenções, procedimentos administrativos e judiciais, as que prescrevem
pressupostos etc. ( Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo :
Saraiva, 1998, p. 36).
(2) Para Heron Arzua, é a "substituição tributária, mecanismo pelo qual se imputa a
pessoa diferente daquela ligada diretamente ao fato imponível (atribui-se ao fabricante o
recolhimento do imposto devido pelo comerciante varejista, v. g.); é hoje instrumento
de sobrevivência do ICMS. Com sua adoção, obtêm-se inúmeras vantagens para todos
os envolvidos: Estado, contribuinte e substituído. Para o Estado, há diminuição dos
custos de cobrança, com a concentração da fiscalização em poucas indústrias. Há por
igual certeza na arrecadação, uma vez que o tributo é pago por empresa de maior
capacidade financeira, de maior capacidade contributiva. No tangente ao contribuinte
substituído, este tem a convicção de que não será prejudicado pela concorrência que
sonega o imposto, com a materialização do princípio da isonomia. Para o substituto (sem
entrar aqui na discussão se ele é responsável ou contribuinte originário), a disciplina do
preço praticado no varejo evita concorrência predatória entre os componentes da rede
de distribuição do produto. E, por fim, para o consumidor final, o verdadeiro contribuinte
de todos os impostos, a absoluta segurança que o imposto pago por ele, integrante do
preço da mercadoria, será encaminhado aos cofres públicos (Artigo publicado na Revista
do IAP 21/187, intitulado Substituição tributária na EC 3/93).
(3) Na percuciente ponderação de Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro
Coelho, a "substituição tributária, que tem por supedâneo o princípio da praticabilidade
da tributação em prol do Estado, não tem o condão de alterar o perfil constitucional do
ICMS ou de macular o princípio da não-cumulatividade. É simples técnica de
arrecadação. Enquanto tal, submete-se inteiramente aos princípios constitucionais
regentes do imposto" ( RDTrib 72/63).
(4) Como advertem Alchourrón e Bulygin, "la descripción del derecho no consiste en la
mera transcripción de las leyes y de las otras normas jurídicas, sino que comprende,
además, la operación que los juristas denominam vagamente 'interpretación' y que
cosiste, fundamentalmente, en la determinación de las consecuencias que se derivan de
tales normas" ( Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y sociales, p.
113).
(5) Registra Paulo de Barros Carvalho que o "instituto da substituição desfruta de grande
atualidade no Brasil, difundindo-se intensamente como vigoroso instrumento de controle
racional e de fiscalização eficiente no processo de arrecadação dos tributos. Entretanto,
ao mesmo tempo em que responde plenamente aos anseios de conforto e segurança das
entidades tributantes, provoca sérias dúvidas no que concerne aos limites jurídicos da
sua abrangência e à extensão da sua aplicabilidade. Afinal de contas, o impacto da
percussão fiscal mexe com valores fundamentais da pessoa humana - propriedade e
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liberdade -, de tal arte que não se pode admitir transponha o legislador certos limites,
representados por princípios lógico-jurídicos e também jurídico-positivos ( Direito. São
Paulo : Max Limonad, 1995, p. 284).
(12) Adverte Paulo de Barros Carvalho que há que se distinguir a substituição para trás
da substituição para frente. Na primeira, deu-se o evento tributado em todos os seus
contornos jurídicos. Nada obstante, o legislador, por medidas de garantia e de
comodidade no procedimento arrecadatório, entende por bem de passar à frente,
estabelecendo a responsabilidade na operação subseqüente, como que prolongando o
perfil da dívida tributária. Note-se que, recolhendo o sujeito passivo dentro da geografia
factual, nessa hipótese há perfeita consonância com as diretrizes constitucionais, pois o
legislador está se movendo absolutamente dentro do espaço que lhe foi superiormente
estabelecido. Agora, na chamada substituição para frente, nutrida pela suposição de que
um determinado fato jurídico tributário haverá de realizar-se no futuro, o que justificaria
uma exigência presente, as dificuldades jurídicas se multiplicam em várias direções,
atropelando-se importantes valores constitucionais" ( Direito, op. cit., p. 285.)
(14) A respeito, ver livro intitulado ICMS - Sistema Constitucional Tributário - algumas
inconstitucionalidades da LC 87/96, da editora LTR.
(20) A título de exemplo, poder ser citado o conflito entre o Convênio 66/88 e o art. 1.º
do Dec.-lei 406/68, que foi submetido ao Judiciário, tendo a 1.ª e a 2.ª T. do STJ se
manifestado no seguinte sentido: "Tributário. Importação. ICMS. Recolhimento.
Momento do fato gerador. Convênio ICM 66/88. Art. 34, § 8.º do ADCT (LGL\1988\31).
Decreto-lei 406/68. Não prevalece, diante do que preceitua o art. 1.º do Decreto-lei
406/68, diploma legal recepcionado pela atual Constituição Federal (LGL\1988\3), a
exigência do recolhimento do tributo em questão por ocasião do desembaraço
aduaneiro, introduzida pelo convênio acima aludido. Recurso provido" (REsp 7.582-0-RJ,
rel. Min. Américo Luz, DJU 27.05.1991, p. 6.948).
(25) Convém registrar que, no tocante à restrição ao direito restituição veiculada pelo
Convênio 13/97, ela foi suspensa pelo STF: "Ementa: Ação direta de
inconstitucionalidade. ICMS. Regime de substituição tributária. Cláusula segunda do
Convênio ICMS 13/97, de 21.03.1997, e parágrafos 6.º e 7.º do artigo 498 do Decreto
35.245/91, com a redação do artigo 1.º do Decreto 37.406/98, do Estado de Alagoas.
Pretendida afronta ao art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3). Regulamento Estadual
que estaria, ainda, em choque com os princípios do direito de petição e do livre acesso
ao judiciário. Plausibilidade da alegação de ofensa, pelo primeiro dispositivo impugnado,
à norma do art. 150, § 7.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), o mesmo efeito não se
verificando relativamente aos dispositivos do Regulamento alagoano, que se limitaram a
instituir benefício fiscal condicionado, que o STF não pode transformar em
incondicionado, como pretendido pelo Autor, sob pena de agir indevidamente como
legislador positivo. Cautelar deferida apenas em parte" (ADIMC 1851/AL, rel. Min. Ilmar
Galvão, DJU 23.10.1998). A cláusula segunda do Convênio ICMS 13, de 21.03.1997,
estabelecia que: "Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a
operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade da
substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com
base no art. 8.º da LC 87/1996".
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(30) Nesse sentido já se pronunciou a 2.ª T. do STJ, cujo excerto do voto condutor do
Min. Ari Pargendler passamos a transcrever: "Do ponto de vista legal, na cláusula 'caso
não se realize o fato gerador resumido', incluem-se tanto a hipótese em que o fato
material não se realiza quanto a hipótese de eventual saída de mercadoria por preço
inferior àquele que serviu de base de cálculo para o imposto. Só a reunião de seus vários
aspectos (material, pessoal, espacial, temporal) configura o fato gerador (Geraldo
Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,
1973, p. 68). Se o fato gerador previsto pelo regime de substituição tributária
pressupunha 'x' como base de cálculo, ele efetivamente não se realiza numa operação
consumada pelo preço de 'x - y'" (Recurso em mandado de segurança
9.380-MS-98.3058-1, rel. Min. Ari Pargendler, DJU 01.03.1999).
(36) A respeito da questão o Min. Ari Pargendler consignou, em seu voto condutor no
recurso em mandado de segurança 9.380-MS, que na "espécie, todavia, as impetrantes
querem transferir os créditos 'para a empresa montadora' (fl. 35), de modo a diminuir a
carga tributária nas operações seguintes. De lege ferenda, poderia ser uma solução, se a
transferência dos créditos fosse previamente homologada pela Fazenda. Mas não seria
uma solução prática, sempre que o Fisco se opusesse à homologação respectiva. Por
outro lado, a transferência dos créditos sem a conferência prévia implicaria desonerar o
substituto tributário do recolhimento do tributo por simples convenção particular, vedada
pelo art. 123 do CTN (LGL\1966\26), com previsíveis prejuízos para o Erário. Com
certeza, a condenação judicial ao pagamento de quantia certa é insatisfatória, à vista do
sistema do precatório. Por isso, não se descarta uma solução pretoriana, que autorize a
transferência dos créditos a terceiros. Mas, evidentemente, em outro contexto que não o
do mandado de segurança. Na espécie, porém, nem se alegou a inexistência de débitos
do ICMS, que devem existir como resultado de outras operações comuns no comércio
das Recorrentes ( v. g., venda de peças e acessórios). A decisão, portanto, não pode ir
além de autorizar a compensação na própria escrita fiscal das Impetrantes. Tudo tendo
presente que a relação tributária se desenvolve entre o Estado de São Paulo (sujeito
ativo) e a Ford Brasil Ltda. (sujeito passivo, na modalidade de substituto tributário). A
relação jurídica entretida pelas Impetrantes (titulares dos créditos) e o Estado do Mato
Grosso do Sul (obrigado pelo débito) é de outra natureza, subsumindo-se no direito
financeiro ( DJU 01.03.1999).
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