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META- ORGANIZADORES

Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMinas)


Ana Márcia Moreira Alvim (PUCMinas)
Alexandre Magno Alves Diniz

MOR- Doralice Barros Pereira (IGC-UFMG)


José Antônio Souza de Deus (IGC-UFMG)
Letícia Pádua (UFVJM) Possui Graduação em Publicidade e Propaganda pela

FOSES
PUCMinas, Mestrado em Geografia - Kansas State
University (EUA), Doutorado em Geografia - Arizona
State University (EUA) e Pós-Doutorado em Geografia
- McGill University (Canadá). Atualmente é professor
José Antônio Souza de Deus

POSSÍVEIS
adjunto IV da PUCMinas. Tem experiência na área de
Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes
temas: Geografia do Crime e da Violência, Geografia
Possui graduação em Geologia pela Universidade Urbana, Geografia Regional e Geografia Cultural.

COMPARTILHADAS
Federal de Minas Gerais e Doutorado em Ciências pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é
professor Associado na Universidade Federal de Minas Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER)
Gerais, com pesquisas de campo no Acre/ Rondônia O NEER busca ampliar e aprofundar a abordagem cultural na Ge-
Ana Márcia Moreira Alvim
(interagindo com povos indígenas locais) e em regiões de ografia, focando nas questões relacionadas aos estudos sobre o
antiga mineração (Quadrilátero Ferrífero, Jequitinhonha,
espaço e suas representações, entendendo as representações

Leituras em
Mucuri, Serra da Mantiqueira/MG), atuando nas áreas da Possui graduação em Ciências Econômicas pela PUCMinas,
como uma ampla mediação, que permitem agregar o social e o
Geografia Cultural e Etnopolítica/Socioambientalismo. mestrado e doutorado em Geografia - Tratamento da
cultural, abarcando também a temática do ensino de geografia
Informação Espacial pela PUCMinas. Atualmente é

Geografia Cultural
no Brasil. Propõe-se uma rede não formal e não hierarquizada, professora adjunta IV da Pontifícia Universidade Católica
de caráter interinstitucional, que congregue núcleos, grupos, e
Letícia Pádua de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas principalmente
projetos de pesquisa, além de Programas de Pós-graduação e sobre os temas: espaço urbano (cidades médias
pesquisadores isolados. e morfologia urbana), redes (urbana e migratória),
Possui graduação em Geografia pela PUCMinas e movimentos pendulares e fluxos de pacientes.
Mestrado em Geografia - Tratamento da Informação
Espacial pela PUCMinas. É doutora em Ciências:
Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Doralice Barros Pereira
Atualmente é docente da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri e pesquisadora do GHUM
- Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultura, do Possui graduação e mestrado em Geografia pela
NOMEAR - Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Geografia Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em
e líder do GHuAPo - Grupo de Pesquisa Geografia Geografia pela Universidade de Montréal. Atualmente
Humanista, Arte e Psicologia Fenomenológica. é professora Titular da Universidade Federal de Minas
Gerais, com pesquisas em Geografia Humana nas áreas
de Geografia Urbana, conflitos territoriais, produção
e organização socioespacial de áreas de proteção
ambiental, representações sociais e ideologias.

EDITORALETRAMENTO.COM.BR
ISBN: 978-85-9530-308-9

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9 788595 303089
META-
MOR-
FOSES
POSSÍVEIS
COMPARTILHADAS
Leituras em COMITÊ CIENTÍFICO

Geografia Cultural
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS)
Amélia Regina Aguiar Batista (UFAM)
Ângelo Szaniecki Perret Serpa (UFBA)
Benhur Pinos da Costa (UFSM)
Christian Dennys Monteiro de Oliveira (UFCE)
Claudia Luisa Zeferino Pires (UFRGS)
Dario de Araújo Lima (UFRGS)
Gilmar Mascarenhas de Jesus (UERJ)
ORGANIZADORES Icleia Albuquerque de Vargas (UFMS)
Jânio Roque Barros de Castro (UNEB)
Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMinas) Jean Carlos Rodrigues (UFTO)
Jorn Seemann (Ball State University)
Ana Márcia Moreira Alvim (PUCMinas) Joseli Maria Silva (UEPG)
Josué da Costa Silva (UNIR)
Doralice Barros Pereira (IGC-UFMG) Marcos Alberto Torres (UFPR)
Maria das Gracas Silva (UNIR)
José Antônio SOUZA de Deus (IGC-UFMG) Maria Geralda de Almeida (UFG)
Letícia Pádua (UFVJM) Nelson Rego (UFRGS)
Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC MINAS)
Roberto Filizola (UFPR)
Rosselvelt Jose Santos (UFU)
Salete Kozel Teixeira (UFPR)
Sonia Regina Romancini (UFMT)
Sylvio Fausto Gil Filho (UFPR)
Copyright © 2019 by Editora Letramento
Copyright © 2019 by Alexandre Magno Alves Diniz
Copyright © 2019 by Ana Márcia Moreira Alvim
Copyright © 2019 by Doralice Barros Pereira
Copyright © 2019 by José Antônio Souza de Deus
Copyright © 2019 by Letícia Pádua

Diretor Editorial | Gustavo Abreu


Diretor Administrativo | Júnior Gaudereto
Diretor Financeiro | Cláudio Macedo
Logística | Vinícius Santiago
Designer Editorial | Luís Otávio Ferreira
Assistente Editorial | Giulia Staar e Laura Brand
Capa, projeto gráfico e diagramação | Gustavo Zeferino

Todos os direitos reservados.


Não é permitida a reprodução desta obra sem
aprovação do Grupo Editorial Letramento.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

M587 Metamorfoses possíveis compartilhadas: leituras em Geografia


Cultural / organizado por Alexandre Magno Alves Diniz ... [et al.]. -
Belo Horizonte : Letramento, 2019.
546 p. ; 15,5cm x 22,5cm.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-9530-308-9

1. Geografia. 2. Geografia cultural. I. Diniz, Alexandre Magno Alves.


II. Alvim, Ana Márcia Moreira. III. Pereira, Doralice Barros. IV. Deus,
José Antônio Souza de. V. Pádua, Letícia. VI. Título.

CDD 910
2019-1289 CDU 91

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

Índice para catálogo sistemático:


1. Geografia 910
2. Geografia 91

Belo Horizonte - MG
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Bairro Caiçara
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO  11
Alexandre M A Diniz

ALGUMAS FONTES DE INSPIRAÇÃO  15


EMOÇÕES EM VOO NAS PAISAGENS CULTURAIS:
A PAISAGEM EMOCIONAL NA
PERSPECTIVA DE ANDREOTTI 17
Salete Kozel

O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO


EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIÇÃO
AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR  28
José Antônio Souza de Deus

PARA ALÉM DA LITERATURA:


OUTRAS LINGUAGENS 38
Virgínia de Lima Palhares

EDUCACIONALIDADES E FESTIVIDADES  47
ENSINO E IMAGINÁRIO GEOGRÁFICO:
A PERCEPÇÃO DO COTIDIANO E DA
PAISAGEM NAS MUITAS FACES DO URBANO 49
Caio Cezar Cardozo Pimenta

EXPLORANDO A EDUCAÇÃO EM MUNDOS


VIRTUAIS NOS VIDEOGAMES:
UM ESTUDO DE CASO DO NÍVEL 1-1
DO JOGO SUPER MARIO BROS. 65
Leonardo de Araujo
GEOGRAFIA EDUCADORA E A
LITERATURA DE JORGE AMADO 79
Carolina Rehling Gonçalo

EXPERIÊNCIAS GEOGRÁFICAS:
TERRITÓRIOS DE SENTIDOS NA FESTA DO
BOI-À-SERRA EM SANTO ANTÔNIO DE LEVERGER/MT 92
Maisa França Teixeira

REFLEXÕES SOBRE O TEMPO E O ESTUDO DO PASSADO:


A MEMÓRIA COMO VIA DE ANÁLISE DE UMA GEOGRAFIA
MACHADIANA ATRAVÉS DOS BONDES 109
Sheila Regina Alves Carvalho

RÍTMOS DA VIDA, RÍTMOS DA FESTA:


ANÁLISES DAS GEOGRAFICIDADES
DOS BRINCANTES DO BUMBA
MEU BOI NO MARANHÃO 130
Luciléa Ferreira Lopes Gonçalves
Salete Kozel

UMA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA


DA PAISAGEM ATRAVÉS DE
ERIC DARDEL E JEAN-MARC BESSE 144
Gustavo Henrique de Abreu Silva
Josué da Costa Silva

A ICONOGRAFIA MONETÁRIA NA
CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DOS ESTADOS-NAÇÃO:
O CASO DO DINHEIRO BRASILEIRO IMPRESSO
PELO AMERICAN BANK NOTE  (1870-1970)158
Thiago Silvestre da Silva
RELIGIOSIDADES E CORPOREIDADES 173
A ARTE COMO FORMA DE SE APROXIMAR DE DEUS:
UMA REFLEXÃO SOBRE A EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL
ATRAVÉS DA FILOSOFIA DAS FORMAS
SIMBÓLICAS DE ERNST CASSIRER (1874-1945) 175
Marcia Alves Soares da Silva

A PROCISSÃO RELIGIOSA:
GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI -
VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ!
VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ! 192
Denise David Caxias

A TERRITORIALIDADE DA IGREJA UNIVERSAL


E A DISPUTA ELEITORAL: ESTUDO DE
CASO DAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
EM 2016 PORTO ALEGRE/RS. 214
Diego Hamester

SANTA PAULINA: A CONEXÃO DA ESPACIALIDADE


RELIGIOSA DOS MUNICÍPIOS CATARINENSES DE
NOVA TRENTO E IMBITUBA PELO VIÉS FENOMENOLÓGICO 233
Natália Carolina De Oliveira Vaz
Sylvio Fausto Gil Filho

ESPAÇOS CONTRADITÓRIOS OU
COMPLEMENTARES? A CONSTRUÇÃO DA
MASCULINIDADE ALÉM DA CASA E DA RUA 252
Ivan Ignácio Pimentel
Ana Carolina Santos Barbosa

O CORPO-LUGAR DA (NA) CAPOEIRA ANGOLA 271


Judivânia Maria Nunes Rodrigues
VIVÊNCIAS OUTRAS NO ESPAÇO ESCOLAR:
UM CONVITE À DESCOLONIZAÇÃO A
PARTIR DAS TRAJETÓRIAS TRAVESTIS 287
Ana Carolina Santos Barbosa
Ivan Ignácio Pimentel

IDENTIDADES, ALTERIDADES, SABERES E SABORES 301


PROCESSOS SOCIOCULTURAIS E
GEOHISTÓRICOS DO VALE DO JEQUITINHONHA
E SUA (RE)INTERPRETACÃO/ DECODIFICAÇÃO
ATRAVÉS DOS REGISTROS TOPONÍMICOS 303
José Antônio Souza de Deus
Ludimila de Miranda Rodrigues Silva
Liliane de Deus Barbosa

CARCINICULTURA EM CARAPITANGA,
BREJO GRANDE/SE: AS TRANSFORMAÇÕES
NO MODO DE VIDA TRADICIONAL PESQUEIRO 314
Heberty Ruan da Conceição Silva
Sônia de Souza Mendonça Menezes

CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS E OS IMPACTOS


NOS USOS CULTURAIS. FAMÍLIAS RURAIS AO
LONGO DO RIO GUANHÃES NO MUNICÍPIO DE
SANTO ANTÔNIO DO ITAMBÉ – MG 329
Iara Euzane de Oliveira Pereira
Alecir Antônio Maciel Moreira

CULTIVAR PLANTAS E SABERES:


MULHERES NOS QUINTAIS DOS
ASSENTAMENTOS RURAIS DE MAMBAÍ (GO) 347
Lívia Aparecida Pires de Mesquita
Maria Geralda de Almeida
O RETRATO DA MEMÓRIA
EM BENTO RODRIGUES 361
Maria Cristina Villefort Teixeira
Ana Beatriz Mascarenhas Pereira
Mirelli Borges Medeiros
Elieth Amélia Sousa

TENSÕES TERRITORIAIS NO LUGAR


SANTA ROSA - PARACATU/MG 375
Pedro Machado de Oliveira
Rosselvelt José Santos

TERRITORIALIDADES E LUGARIDADES
NA IRMANDADE DE NOSSA SENHORA
DO ROSÁRIO OS CIRIACOS. 389
Isabela Fernanda Gomes Oliveira

O FOGO NA GEOPOÉTICA DA PRODUÇÃO


RITUALÍSTICA DE TAMBORES 411
Elisabete de Fátima Farias Silva

PERCORRENDO GEOGRAFIAS DE COZINHAS 427


Matheus Rodrigues Moreira
Virgínia de Lima Palhares

GLOBALIDADES E URBANIDADES 443


EXPERIÊNCIAS DE REGULAÇÃO DO
GRAFFITI NA CIDADE DE SÃO PAULO:
DIÁLOGOS E CONFLITOS NAS GESTÕES
DE FERNANDO HADDAD E JOÃO DÓRIA  445
Patrícia Ponte
GOVERNANÇA URBANA NA ZONA
PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:
O CAIS DO VALONGO ENQUANTO OPORTUNIDADE
DE NEGÓCIOS OU LEGITIMIDADE CULTURAL 461
Milena Paula de Melo

PERCEPÇÃO AMBIENTAL E PLANEJAMENTO URBANO:


O CASO DA AVENIDA BERNARDO MONTEIRO
EM BELO HORIZONTE/MG 477
Valentina Bonafine
Carolini Tavares Frinhani
Alessandro Borsagli

“RECONSTRUÇÃO DE HIROSHIMA:
A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE
COMO FORMA DE ESTRUTURAÇÃO DE
ESPAÇOS DE MEMÓRIA E ESQUECIMENTO” 493
Mario Marcello Neto

RUAS EM EXPOSIÇÃO NAS TRAJETÓRIAS


DOS ÔNIBUS EM NATAL/RN 507
Famara de Souza Lemos

TERRITORIALIDADES E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DE CUIABÁ (MT) 526
Sônia Regina Romancini
Maria Geralda de Almeida
192

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO


Denise David Caxias

A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE!


OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
DENISE DAVID CAXIAS
DOUTORANDA EM GEOGRAFIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR)

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo compreender as distintas


territorialidades de duas procissões religiosas, a festa de São Jorge e a festa
de São Pedro que ocorrem, respectivamente, no bairro centro e no bairro de
Jurujuba na cidade de Niterói, RJ. Evidenciou-se as discussões de circularidade
cultural e os procedimentos metodológicos que adotamos foram a observação
de campo, entrevistas e pesquisa bibliográfica. O centro da pesquisa focou-se
nas diferentes territorialidades simbólicas e materiais (as práticas culturais
religiosas) constatando a importância dos signos e significados da procissão,
enquanto prática cultural religiosa fundamental para a materialização das
representações simbólicas e impressão de uma paisagem no espaço citadino.
Palavras-chave: Procissão. São Jorge. São Pedro. Geossímbolo.

1. INTRODUÇÃO
O trajeto realizado por uma procissão religiosa é uma das formas de re-ligar o
elo pelo qual um determinado espaço foi instituído, ou seja, o contexto histórico
das práticas sociais que ali foram estabelecidas. Esse rito restabelece a sacralização
de um espaço por um grupo social, e neste espaço, ocorre uma territorialização
que imprime no espaço-tempo do rito uma paisagem. O objetivo deste trabalho
é apresentar uma perspectiva geográfica, pelo viés da geografia cultural, sobre
a procissão religiosa na cidade de Niterói, RJ, estabelecendo diálogos entre di-
ferentes religiões a partir do conceito de sincretismo (FERRETTI, 1998) e de
circularidade cultural (CORRÊA, 2004).
Para Claval (2002, p.20) “o objetivo da abordagem cultural é entender a
experiência dos homens no meio ambiente e social, compreender a signifi-
cação que estes impõem ao meio ambiente, e o sentido dado às suas vidas. A
abordagem cultural integra as representações mentais e as reações subjetivas no
campo da pesquisa geográfica”. Para alcançar a proposta que apresentamos, os
procedimentos metodológicos utilizados foram a observação participante nas
193

duas festas por um período de dois anos, observações antes e após a realização
das festas, entrevistas e pesquisas bibliográficas.

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
A cidade de Niterói, RJ, a única do Brasil fundada por um índio, o caci-
que Araribóia, já foi capital fluminense e desempenhou um papel fundamental
na estratégia de ocupação nacional, cercada por fortes em sua borda leste, era,
juntamente com os fortes localizados no bairro da Urca, na cidade do Rio de
Janeiro, um complexo de fortalezas a fim de proteger a entrada da barra da Baía
de Guanabara de invasores franceses, holandeses, espanhóis. Fundada no catoli-
cismo, a cidade hoje, possui 52,9% de sua população se auto declarando católica
(IBGE, 2010). Além desses fatores históricos e estatístico, o dia de São Jorge (23
de abril) foi estabelecido como feriado estadual por meio da lei Nº 5198 de 5
de março de 2008 no estado do Rio de Janeiro; e a procissão e os festejos reli-
giosos dedicados a São Pedro, comemorados, anualmente, em 29 de junho, na
Capela de São Pedro de Jurujuba foram declarados como Patrimônio Cultural
Imaterial do Município de Niterói através da lei nº 2897 de 19 de dezembro de
2011. Dada essa realidade acreditamos ser importante a realização de trabalhos
pela perspectiva geográfica que perpassem essa composição religiosa na cidade,
seja na área central da cidade (1 - Festa de São Jorge), seja no bairro de Jurujuba
(2 - Festa de São Pedro), podemos visualizar esses dois locais no mapa da Figura 1.
Figura 1- Localização da área central de Niterói e o bairro Jurujuba

Fonte: Secretaria Municipal de Niterói,


2014 – Editado pela autora, 2018
Para Castro (2012, p.42) “As festas populares se constituem em uma im-
portante manifestação cultural que pode ter sua origem em um evento
194

sagrado”, e a procissão, rito essencialmente religioso, geralmente compõe


as festas populares. Esse momento ritualístico remonta memórias, estórias e
Denise David Caxias

narram a vida dos indivíduos que vivem a festa, que fazem a festa, que são
a própria festa.
Ao longo desse texto serão apresentadas duas procissões de duas festas
na cidade em tela, a procissão a São Jorge e a procissão a São Pedro. Ambas
as festas e procissões possuem um forte sincretismo religioso e o desejo de
marcar a presença simbólica da festa enquanto paisagem na cidade. No en-
tanto, durante o cortejo a São Jorge torna-se mais explícito o sincretismo
religioso ou circularidade cultural, e no préstito a São Pedro torna-se mais
aparente esse momento como uma paisagem impressa na cidade. Buscaremos,
também, apresentar como se constrói o diálogo cultural religioso e como ele
se apresenta no momento da procissão.

2. FRONTEIRAS POROSAS: O JOGO DE ESPELHOS SÃO


JORGE/ OGUM E SÃO PEDRO/XANGÔ
O diálogo cultural e religioso pode ser analisado pelo conceito de circula-
ridade cultural e esse será nosso esforço geográfico aqui. Corrêa (2004) ao se
fundamentar na leitura de Ginzsburg (1987), pois o autor afirma que a ideia
de cultura está associada a processo e movimento, argumenta que: “[…] o
conceito de circularidade é explicitado pelas […] influencias culturais entre
as diferentes classes sociais, num processo de mão dupla […] que viabiliza
a troca de experiências e a incorporação destas (experiências) por culturas
distintas. (CORRÊA, 2004, p.21).
É a partir desse conceito que buscamos sustentar a ideia de fronteiras porosas.
A festa agencia diferentes sujeitos e esses, articulam suas práticas culturais/
religiosas, como forma de assegurem a sobrevivência de seus costumes e
tradições diante de processo de dominação e de imposição cultural (religiões
afro indígenas e catolicismo).
Nativo da Capadócia (Turquia), São Jorge vence o dragão em Silene (Líbia)
e morre como mártir cristão na época de Diocleciano. É reconhecido entre os
católicos como o santo que defende e favorece a todos os que a ele recorrem
com fé e devoção, vencendo batalhas e demandas, questões complicadas e
perseguições, injustiças e desentendimentos (DIAS, 2016).
Ogum, Orixá da luta por excelência, é aquele que vêm à frente (VERGER,
1981). Ogum significa guerra, Orixá das contendas, deus da guerra, dono
do ferro e do fogo, também é um guerreiro, um lutador que defende a lei
e a ordem, que abre os caminhos e vence as lutas, agindo pelo instinto para
defender e proteger os mais fracos (VIANNA, 2016).
195

As duas características / atributos apresentadas direcionam a compreensão de


um sentido de performance buscando representar uma ideia de performance

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
cultural a partir das características dos santos. Através da subjetividade dos
atributos apresentados (guerreiro, protetor, etc.), cria-se a imagem/figura de
um santo e/ou orixá, representando-se e objetivando-se em São Jorge e/ou
Ogum, materializando-se em um discurso de fé e crença, concretizadas na Festa.
Nesta perspectiva, esses distintos personagens históricos e religiosos forjam uma
figura/imagem a partir de iguais atributos e através desse discurso performativo
de suas qualidades, controlam, definem e categorizam determinados lugares e
territórios culturais/ religiosos.
São Jorge e Ogum denotam em suas características o imaginário do lutador,
guerreiro, vencedor, o que defende seus fiéis dos problemas e acossamen-
tos e, como num jogo de espelhos observa-se uma circularidade cultural
(CORRÊA, 2004) entre a Igreja Católica Apostólica Romana e as religiões
afro indígenas brasileiras. No Candomblé e na Umbanda, os devotos, em São
Jorge reconhece os atributos de Ogum2 e, em Ogum reconhece os atributos
de São Jorge. Ogum representava na cultura iorubana a divindade da agri-
cultura, qualidade esta que não é reconhecida no Brasil, sendo exaltado na
prática cultural/religiosa afro-brasileira a performance do guerreiro/lutador,
que são atualizados (os atributos) permanentemente nos itans/ lendas, através
da orixalidade3 .
Desta feita, é possível demonstrar a partir das performances dos atribu-
tos – São Jorge e Ogum - como diversas culturas por meio de diferentes
práticas culturais/religiosas, através do jogo de espelhos, estabelecem terri-
torialidades, desenhando, assim, seus territórios culturais.
São Pedro, pescador chamado Simão Barjonas levava riqueza para sua
família através do seu trabalho. Casado e residente em Cafarnaum4, Simão
conheceu Jesus ao lhe emprestar um barco para que evangelizasse aos ri-
2  No Rio de Janeiro o sincretismo entre os santos deu-se com São Jorge / Ogum,
no entanto, na Bahia e algumas casas de candomblé São Jorge é sincretizado com
Oxóssi e Santo Antônia com Ogum.
3  Embasadas pela perspectiva de Vianna (2016) a orixalidade é o engendramento
de narrativas alternativas que forjam identidades. Esse processo se torna possível por
meio da vivência e espacialidades do cotidiano no território-terreiro de candomblé,
assim, as lendas, itans sobre os orixás são passadas de geração em geração por meio
da oralidade e atualizam permanentemente a presença do orixá e dos ancestrais no
seio do grupo cultural/ social/religioso.
4  Cidade localizada no extremo norte do mar da Galileia é reconhecida como
“cidade de Jesus”, onde ele fez muitos e grandes milagres e desenvolveu a maior
parte do seu ministério.
196

beirinhos, Simão concorda, mas com desconfiança, até porque ele teve que
sair do seu trajeto habitual. No retorno, Jesus, em sua onisciência, diz-lhe:
Denise David Caxias

“lança a tua rede de novo terás o retorno na sua generosidade”. Assim feito,
a rede voltou cheia de peixes, e Simão pede perdão a Jesus pela desconfiança.
Jesus o chama para ser “pescador de almas”5 e segui-lo como discípulo seu.
Simão aceita. Em uma das missões de Jesus e seus discípulos para os lados
de Cesaréia de Filipe, perguntou Jesus aos discípulos:
Quem diz o povo ser o Filho do Homem?
E eles responderam: uns dizem ser: João Batista; outro: Elias; e outros: Jeremias
ou algum dos profetas.
Mas vós, [continuou Jesus], quem dizeis que eu sou?
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não
foi a carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que estás nos céus.
Também te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra6 edificarei a minha
igreja, e as portas do inferno não prevaleceram contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado
nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus. (MATEUS,
cap. 16, 13-19, grifo nosso).
A afirmação de fé de Simão, lhe deu a condição de ser o discípulo ao qual
Cristo afirma, conforme exposto, que suas palavras são garantias de petição
e atendimento. Ou seja, crê em Cristo como filho de Deus, levou a Simão,
posteriormente a ser chamado de Pedro, o “poder” de pedir aqui na terra
e Deus “resolver/ conceder” do céu. O discurso simbólico aqui pode ser
justificado pela intencionalidade das relações de poder. Pedro passa a ter po-
der ao se submeter ao poderio de Deus, reconhecendo-o. A chave do reino
dos céus está com ele. É Pedro o primeiro papa da Santa Igreja Católica e
ao morrer crucificado, pede para virar sua cruz de cabeça para baixo, pois
acreditava não ser digno de morrer como Jesus.
Xangô, orixá africano vinculado a riqueza (lembremos que Pedro era um
pescador “empresário”) e tendo como símbolo a pedreira, está no comando
da justiça, podendo, assim como Pedro, decidir o que é justo ou não justo.
Assim como Pedro possui o poder de se manifestar dos/nos céus, Xangô
é vinculado na cultural iorubá a raios e trovões. Em um dos itans, ele fica
rico após ser generoso, e Pedro ganha mais prosperidade financeira após ser
generoso com Jesus (mesmo desconfiando).

5  Expressão utilizada para referir-se à evangelização de pessoas no intuito de seguirem


os ensinamentos de Cristo.
6  Provavelmente a palavra é kefá, em aramaico, significa rocha ou pedra.
197

Nesse jogo de espelhos, observamos e afirmamos a porosidade cultural


existente entre o cristianismo católico e as religiões afro indígenas brasi-

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
leiras. A cultura circula na porosidade das fronteiras simbólicas, admitindo
uma espacialidade. O espaço social é produto das contínuas relações sociais,
culturais, econômicas e políticas que se vivencia no cotidiano da sociedade.
Berdoulay (2012) frente aos espaços e sujeitos produtos e produtores da
cultura/identidade vai afirmar que
A noção de espaço permite ao pensamento geográfico um esclarecimento
original em torno das questões às quais nos referimos frequentemente sob o
termo cultura. Embora esse termo seja altamente polissêmico, ele revela uma
percepção da diversidade dos modos de vida, dos costumes, dos símbolos ou das
práticas que os seres humanos utilizam nas diversas esferas de sua vida pessoal
ou coletiva. O olhar geográfico nos indica que essas práticas têm uma dimensão
espacial (BERDOULAY, 2012, p.101, grifo nosso).
Ou seja, a geografia é a ciência capaz de compreender as práticas sociais
que norteiam a Festa e são norteadas por ela, por uma perspectiva da tota-
lidade e pela sua espacialidade, desde que não ignore a cultura, a identidade,
a memória e o próprio território.

3. A RESISTÊNCIA DO TRAÇADO DA DEVOÇÃO: OGUNHÊ!!


O momento da procissão, configurado pelas suas fronteiras porosas, efeito
da circularidade entre diferentes práticas culturais/religiosas engendradas no
mesmo território, constrói uma territorialidade singular. A procissão terrestre,
ato solene católico em reverência ao santo, percorre as principais ruas do
centro da cidade antiga de Niterói (figura 2). Ela é iniciada após a última
missa do dia 23 de abril (que inicia às 18h). À frente do séquito, a imagem
de Nossa Senhora da Conceição é levada em um andor enfeitado com rosas
brancas e em seguida, São Jorge ornamentado com cravos vermelhos sai de
sua Capela carregado pelos escolhidos para esse ato por entre os devotos que
se aglomeram e anseiam pela passagem do santo para reverenciá-lo, é levado
até o carro dos bombeiros que o espera para iniciar o cortejo.
Colocado ao alto de um carro de Bombeiros, segue em meio a procissão.
Adentra a Rua Marechal Deodoro, a principal rua de saída dos ônibus in-
termunicipais em direção à ponte Niterói-Rio e Alameda São Boaventura.
A rua fica interditada para a procissão passar. Num acordo entre Igreja e a
prefeitura, as ruas não são mais cerradas todo o tempo da procissão, mas são
fechadas e abertas à medida que a procissão passa.
A primeira parada solene do cortejo é na Catedral Metropolitana São João
Batista (Figura 2 e 3), responsável pela Capela de São Jorge. Durante nossos
198

trabalhos de campo foi possível observar que muitos esperam a procissão


chegar na porta da Catedral para então acompanhá-la.
Denise David Caxias

Figura 2: Procissão da Festa de São Jorge

Fonte: A autora.
199

Figura 3- Primeira parada solene, Catedral de São João Batista

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Fonte: A autora, 2016
Nesta parada hierárquica e simbólica, um homem com a indumentária do
senhor Zé Pilintra se destaca da multidão (Figura 4). Zé Pilintra é uma figura
que reporta toda a uma multidimensionalidade do espaço e das práticas espa-
ciais e do processo diaspórico. Borges (2009, p. 91) fundamentada na teoria da
literatura pós-colonial se propõe a discutir “como um sujeito diaspórico, nas
suas relações de sobrevivência em uma sociedade carregada de preconceitos,
resultantes dos efeitos da colonização, […] oriundo do deslocamento geográfico
e cultural, usa-se de sua identidade híbrida para impor seu espaço na sociedade
pós-colonizada”.
O processo circular da cultura, proposto por Corrêa (2004) pode ser exem-
plificado pela figura de Zé Pilintra, sua história é o retrato do constante
diálogo cultural e religioso presente no território brasileiro: as religiões de
matriz afro-indígena.
Para Silva (2012, p. 1086) Exu “representaria, com sua mitologia associada
aos reinos das passagens, das rotas, dos cruzamentos, a possibilidade de conti-
nuidade entre o espaço público e o privado, ou a própria problematização no
plano simbólico destas dicotomias”. Ou seja, na dialética das suas diferentes
representações, “Exu fon-ioruba, de caráter fálico, jocoso e irreverente, e o
diabo da tradição católica medieval” (Ibidem), se faz a construção imagética
do personagem Exu.
[…] o caráter agregador e disruptivo de Exu admite vê-lo também como
uma possibilidade de romper ou questionar estas dicotomias. Nesse sentido,
meus argumentos se beneficiam de ideias relativas à circularidade herme-
200

nêutica ou cultural, desenvolvidas por autores como Mikhail Bakhtin (1999)


e Carlo Ginzburg (1987), entre outros.
Denise David Caxias

Outro aspecto importante na abordagem proposta refere-se ao fluxo das


continuidades e das rupturas entre imaginário africano e afro-brasileiro na
construção da imagem de Exu. (Ibidem)
Podemos observar que Silva (2012), para compreender a dinâmica do “Exu
do Brasil”, irá se fundamentar nas ideias de Ginzburg (1987) assim como Corrêa
(2004) ao acionarem o termo do círculo bakhtiniano juntamente com a proposta
cultural de Ginzburg. Neste sentido, há nessa hibridização da identidade de Exu
um desdobramento material desse imaginário cultural e religioso, baseado nas
trocas culturais que existiram no Brasil desde seu processo de colonização. O
autor vai discutir que, no Brasil, Exu assume diferentes facetas: “no Brasil, devido
à escravidão e à conversão obrigatória ao catolicismo, o Exu assumiu várias faces,
ora prevalecendo seu aspecto de deus mensageiro e ordeiro, ora seu aspecto de
trickster e promotor do caos social” (Ibidem, p. 1088).
Dessa forma,“segundo o mito, Exu movimenta-se no tempo e no espaço (pelos
quatro pontos cardeais) por meio do bastão que carrega.A encruzilhada, por ser o
encontro de todos os caminhos, é um dos espaços preferenciais para a realização
de suas oferendas” (Ibidem, p.1100, grifo nosso). Exu também possui, segundo o
autor, uma performance feminina na umbanda, a Pombagira7.
Importante destacarmos que a figura de Exu se desenrola nos enredos que
norteiam a cultura popular brasileira. Como o autor destaca, “Exu faz arte,
dança no carnaval e se torna ícone nacional” (Ibidem, p.1104). Ou seja, essa
entidade, se materializa no espaço, e em nosso caso, na Festa de São Jorge. Mas
quem é o senhor Zé Pilintra? O famoso “malandro carioca”8:

7  A Pombagira é um Exu feminino que desafia a ordem patriarcal da sociedade brasileira


por meio da não aceitação da subordinação da mulher aos papéis domésticos tradicionais
de esposa e mãe. Como “mulher da rua” e não “da casa”, a Pombagira, no estereótipo
da prostituta, questiona o lar, a família, a maternidade e o casamento como as únicas
possibilidades de ação da mulher ou de expressão do feminino. Ela se utiliza da diferença
anatómica (pênis e vagina) associada ao sexo biológico (macho e fêmea) e aos papéis de
gênero (masculino e feminino) para questionar, através da jocosidade e da licenciosidade
(como se fosse um “trickster de saia”), o poder social que instaura as relações de domi-
nação (SILVA, 2012, p. 2100, 2101).
8  Silva (2012, p. 1105) Walt Disney, quando esteve no Rio de Janeiro na década de
1940, foi seduzido pela imagem de um país festivo, alegre, amante das cores vivas, das
comidas apimentadas, exótico e sensual. Produziu, para representar o Brasil, o “José
(ou Zé) Carioca”, um papagaio verde e amarelo, falante, alegre, porém preguiçoso,
ou seja, um expert na arte de encontrar um “jeitinho” para sobreviver sem trabalhar,
ou o famoso “malandro carioca”.
201

A categoria social dos malandros, personagens tipificados do início até meados do


XX – capoeiristas, sambistas, freqüentadores de bares e cabarés – permaneceram

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
por algum tempo em contemporaneidade com suas versões sagradas: os espíritos
de malandros. Esta dupla existência, no que diz respeito à elaboração da memória,
é de fundamental importância para o entendimento que temos hoje acerca desses
agentes […]. (PIMENTEL, 2011, p. 436).
Na umbanda, o espírito desse malandro, boémio amante da noite e da rua,
que geralmente morre assassinado por faca ou tiro numa briga por mulher,
dívida de jogo ou outro vício, é cultuado como Zé Pilintra. Esta entidade
é um tipo de Exu urbano, das zonas portuárias e das áreas de meretrício,
assim como as Pombagiras.Veste-se, entretanto, com paletó, calça e sapatos
brancos e gravata e lenço vermelhos. Sua vestimenta impecável é uma forma
de ludibriar sua condição de pobre e marginal social e chamar a atenção
para si como sujeito que não tem propriamente um lugar na estrutura social
excludente da sociedade brasileira. (SILVA, 2012, p. 1105).

Figura 4 - Senhor Zé Pilintra

Fonte: Fotografia feita por André de Lima Alvarenga, 2017. 


O Zé Pilintra, encontrado na Festa de São Jorge em Niterói, é devoto de
São Jorge. Essa informação foi obtida por meio de uma conversa com as
“ekedis” (quatro mulheres) que zelam pela entidade durante todo o seu rito
devocional. A constituição da imagem de Zé Pilintra, em si, já é um exemplo
da circularidade cultural, mas o fato de encontrarmos a entidade (religião afro
indígena brasileira) incorporada em meio à festa de São Jorge (Católica) e se-
guindo um rito de devoção (a procissão) como reconhecimento de seu afeto
e fé, é o melhor exemplo que poderíamos encontrar para sustentar a discussão
202

proposta por Corrêa (2004). Concordamos com Melo (2017) ao sustentar que
a categoria de análise proposta por Corrêa (2004), para analisar o espaço social,
Denise David Caxias

a circularidade cultura, constitui


Processo de resistência estabelecido a partir de relações de poder, uma
vez que se contrapõem à cultura hegemônica, criando alternativas que
possibilitam a delimitação de fronteiras, mesmo que porosas, e ainda, em
constante movimento, e a constituição de territorialidades que asseguram
a sua identidade constituída no princípio de alteridade, elemento este que
se constituí a partir do agenciamento de valores e costumes de origem ne-
gro-africana que se entrecruzam na realidade sociohistórica e socoiespacial
de tal grupo social […] (MELO, 2017, p. 4683).
Isto posto, afirmamos aqui, a importância da geografia cultural para com-
preender os fenômenos das diversas práticas culturais e religiosas presentes
no território das festas, é fundamental a análise multidimensional dos fenô-
menos em sua tríade. A caracterização de Exu na figura de Zé Pilantra é
resultado da hibridização (resistência) e trocas culturais e religiosa, que só
foram possíveis, dado o caráter poroso das fronteiras que separam os ritos
dos negros escravizados que foram trazidos involuntariamente ao Brasil, os
ritos indígenas e os ritos católicos:
Exu é a chave deste diálogo de longa duração entre as cosmologias africanas,
americanas e europeias que, desde o século XVI, fluem umas nas outras. A
demonização do Exu e a “orixalização” do demônio, ou suas mediações,
expressariam, assim, as leituras recíprocas de universos culturais em contato
(SILVA, 2012, p. 1109).
Dessa forma, os sentimentos de respeito e despeito se entrecruzam na leitura
dessa entidade. Mas independente dos sentimentos que ela exprime, a entidade
Exu exerce um poder sobre o território brasileiro e no território da Festa, após
o término da procissão em homenagem a São Jorge, é a Exu (Zé Pilintra) que
muitos devotos vão abraçar e pedir benção no bar da esquina da rua da Capela,
onde Zé Pilintra se acomoda para beber cerveja.
Desejo, repulsa, fascínio pelo exótico e medo do feitiço são alguns dos
sentimentos que estes “corpos híbridos” passaram a despertar na sua con-
dição simultânea de marginais sociais (como o Zé Pilintra e a Pombagira)
e de reconhecidos agentes da transformação do mundo por meio de um
suposto e privilegiado manuseio de “ferramentas mágicas”. Imagens de seres
“meio-a-meio” fornecem, portanto, uma boa metáfora de uma sociedade
que se vê como resultante do trânsito transatlântico de corpos e culturas
que modelaram um mundo unido e dividido, único e múltiplo. É, pois, na
capacidade de interagir ou dividir, de provocar o consenso ou o dissenso,
dejuntar os opostos ou separar os pares, de obedecer ou subverter as regras
203

que Exu, em suas inúmeras faces, exprime o seu poder no Brasil (SILVA,
2012, p. 1109, 1110).

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Com todo o imaginário e poderio, Zé Pilintra está em meio ao préstito
que se detém na catedral, muitos fogos disparam e a música cessa. Em ato de
regozijo ouve-se aplausos ao final dos estouros dos fogos e a procissão segue
para a segunda parada solene, na Capela de Nossa Senhora da Conceição
(Figura 2).
Neste momento, a imagem de Nossa Senhora adentra as escadarias da
Capela, e é posicionada de frente para a rua (Figura 5), onde é coroada por
uma menina vestida de anjo, e São Jorge se posiciona de frente para a santa
(Figura 6), sob uma postura de respeito e júbilo. Muitos fogos são dispara-
dos, tornando vermelha a cena citadina. Os sinos dobram e o povo louva,
trazendo aos fiéis a vivência de um momento de encontro, reverência e fé.
Há emoções por toda a parte, a prática cultural /religiosa penetra em cada
recanto da vida do grupo social/ religioso, mediando as relações ali presen-
tes, significando o momento festivo. Viva a performance de São Jorge, viva
a performance de Ogum!
Figura 5 - Nossa Senhora posicionada para ser homenageada

Fonte: A autora, 2016


204

Figura 6 - São Jorge reverencia Nossa Senhora


Denise David Caxias

Fonte: Fotografia feita por Aureanice de Mello Corrêa, 2016


Com muitas palmas e olhos lacrimejantes de emoção, após o encontro com
o sagrado na segunda parada solene, clímax da procissão, o cortejo retorna pelas
ruas do centro da cidade em direção a Capela de São Jorge. Neste retorno é
notável a quantidade de bares, cheios de devotos, vestido de vermelho e de
vermelho e branco, e quando o préstito passa em frente a esses botequins e
bares há um silêncio respeitoso e muitos seguram o copo de cerveja em sinal de
reverencia e respeito. Dessa forma, aguardam a procissão seguir e voltam a beber.
Ao chegar à Capela os cravos que adornavam o santo guerreiro são dispu-
tados pelos devotos. A disputa é pelo sentido de ter o objeto/ signo sagrado
para sacralizar sua casa, pois as flores foram ritualizadas pelo cortejo, pelo
ato de fé, pelo próprio grupo social comungando com o santo/ orixá, sob a
efervescência coletiva (DURKHEIM, 1989).
O itinerário do séquito assume uma dimensão simbólica. É a partir dos
atributos culturais/religiosos no qual o cortejo é a forma de celebrar e for-
talecer a identidade dos devotos, em um momento de unidade em que São
Jorge e Ogum performam os atributos de protetor, guerreiro, ganhador das
causas difíceis, vencedor de demandas.
Essa performance cultural que fora apresentada pelo centro da cidade de Niterói,
na Festa de São Jorge a partir dos atributos do Santo e Orixá (Ogum), produz
discursos que configuram uma territorialidade. Essa territorialidade esculpe um
novo arranjo na cidade, esse novo arranjo conforma a concepção de que há uma
disputa política de resistência religiosas e que reordenamento territorial pode ter
como ponto central as práticas culturais e religiosas lá engendradas. As práticas
culturais/religiosas transformam o cotidiano da cidade, reorganizando seus espaços
e construindo novos territórios, mesmo que efêmeros.
205

A procissão, geossímbolo da Festa, demarca na cidade a importância das


práticas culturais e religiosas vivenciadas em sua materialidade e imaterialidade,

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
experimentadas e perpetuadas em função de São Jorge, para os católicos e
Ogum para os religiosos de afro indígenas brasileiros. Mesmo a festa pos-
suindo um caráter efêmero, tem uma composição onde subsistem relações
econômicas, político-ideológicas, simbólicas e afetivas extremamente ricas
(MAIA, 1999:213-214). Desta forma, é fundamental ratificar a centralidade
da cultura na formação das identidades pessoais e sociais, assim, afirmamos
que festa é impregnada de processos identitários.
Neste sentido recorremos a Hall (1997) que afirma ser necessário reconhecer
que os signos e seus significados são subjetivamente válidos ao mesmo tempo
em que estão objetivamente presentes na sociedade observados em nossas ações,
instituições, rituais e práticas culturais e religiosas.

4. GEOSSIMBOLIZANDO A ORLA NITEROIENSE: KAÔ KABECILÊ!


A Festa de São Pedro dos Pescadores em Jurujuba era mantida pelos próprios
pescadores nas suas origens, no entanto, ao passar dos anos, a Igreja Católica
assume a Festa e passa a conduzir esse espetáculo. Num bairro majoritaria-
mente devoto a São Pedro, essa condução não era, digamos “difícil”. Existia
por parte da comunidade, principalmente dos pescadores, um apreço por
colaborar financeiramente para a realização desta.
O apreço e a consciência da importância simbólica da Festa ainda exis-
tem. Segundo entrevistas realizadas por nós durante o mês de abril de 2016,
constatamos algumas respostas que demonstraram essa consciência simbólica
coletiva. A pergunta feita aos moradores foi: “O que representa a Festa de
São Pedro pra você e para o bairro?”
Algumas respostas9 :
Fidel, sem religião, morador há trinta anos, responde:“não representa nada”. Mas
afirma:“é tradição em relação à igreja – comemora o padroeiro dos pescadores”.
Condessa, evangélica, moradora há onze anos, diz: “representa distração e
lazer, por se difícil ter outra coisa”. Destaca: “é uma festa simbólica e atrai
muitos turistas e aumento de renda”
Barão, católico, morador há 67 anos, afirma que a Festa representa:“símbolo do
lugar, animação, chama a atenção dos outros, se findar (a festa), acaba o lugar”.
Marta, espírita, moradora há 28 anos, responde que “a festa é um meio de
divertimento por não ter nada além da festa e da procissão”.
Alanis, católica, moradora a 58 anos, afirma que participou da festa durante
a sua adolescência, e que a realização da festa já faz parte da vida cotidiana

9  Os nomes dos entrevistados foram modificados para preservar suas identidades.


206

e é sempre bem-vinda. A festa, para ela, “ajuda a divulgar a cidade e possui


importância religiosa”.
Denise David Caxias

(Entrevistas Realizadas aleatoriamente nas ruas do bairro de Jurujuba, em


abril de 2016).
Nesses relatos é nítido o sentimento de afeto que se construiu em relação
a Festa, Guarinello (2001) afirma que
Uma festa é uma produção social que pode gerar vários produtos, tanto
materiais como comunicativos ou, simplesmente, significativos. O mais
crucial e mais geral desses produtos é, precisamente, a produção de uma
determinada identidade entre os participantes. A festa é, num sentindo bem
amplo, produção de memória e, portanto, de identidade no tempo e no
espaço social. (GUARINELLO, 2001, p. 972)
Refletindo a dimensão territorial da cultura e da identidade, a procissão
simboliza as relações sociais, culturais e simbólicas no cotidiano do bairro.
Nos relatos ouvidos durante os trabalhos de campo, ressaltamos as palavras:
tradição, festa simbólica, lugar, procissão. Essas palavras demonstram como o
discurso identitário orienta as escolhas, tornando normal, lógico, necessário,
inevitável o sentimento de pertencer com uma forte intensidade a um grupo.
(…) O discurso tem tarefa de definir o grupo, fazer passar de estado latente
àquele de “comunidade” em que os membros são persuadidos a terem in-
teresses comuns, a ter alguma coisa a defenderem juntos (MARTIN, 1994,
p.23): a defesa da festa independente da religiosidade professada.
A memória coletiva se materializa no território através da repetição de
práticas espaciais (culturais e religiosas), no caso da Festa de São Pedro, a
procissão marítima. Para Bonnemaison (2012), “um lugar, um itinerário, uma
extensão que, por razões religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas
pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão simbólica que os fortalece em
sua identidade é denominado geossímbolo”. A procissão marítima (Figura 7
e 8) em homenagem a São Pedro dos Pescadores de Jurujuba constitui esse
itinerário, por isso reafirmamos que a procissão constitui um geossímbolo.
Essa prática cultural/religiosa que se traça na Baía de Guanabara, percor-
rendo toda a enseada de Jurujuba, compreendendo os bairros de Jurujuba,
Charitas, São Francisco, Icaraí, Ingá, Boa Viagem (onde passa pelo Museu de
Arte Contemporânea) retornando a Jurujuba pela Fortaleza de Santa Cruz
da Barra imprimi uma paisagem na cidade. A paisagem significada como o
“ato de festejar” (CORRÊA, 2013). E a partir dessa paisagem o grupo so-
cial preserva uma memória social e cultural. Durante a procissão marítima,
observamos que a mesma é vista e revista pelos sujeitos que compõem a
cidade niteroiense, sejam as pessoas na orla ou de seus prédios. Isso reafirma
a dimensão territorial da identidade e da cultura (Figuras 9).
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
207

Fonte: A autora

Fonte: A autora, 2017


Figura 7 – Trajeto da Procissão a São Pedro

Figura 8 - Procissão Marítima


208

Figura 9 - Multidão na orla de Charitas, nos prédios e no Museu de Arte Contemporânea.


Denise David Caxias

Fonte: A autora, 2016


Importante destacar que nesse movimento-percurso-procissão terrestre e
marítima há legados de diferentes religiosidades. As velas colocadas entre as
rochas e a presença de uma mulher na igreja, vestida de branco, chamou-nos
atenção (Figura 10).
Figura 10 - Velas acesas entre as rochas no bairro de Jurujuba e a mulher fazendo uso do ojá

Fonte: A autora, 2017


São Pedro pode ser comparado, na cultura afro indígena brasileira, com
Xangô10. As fronteiras porosas, fruto da circularidade cultural, nos permite
uma leitura sincrética em relação as velas que foram depositadas nas rochas
durante o dia 29 de junho. Morais (2018, p. 224) afirma que na cidade do Rio
de Janeiro, “as formações rochosas da Pedra da Gávea e Corcovado são verda-
deiros santuários para a entrega de oferendas a Xangô”. Dessa forma, é possível
associarmos o ato/ prática cultural-religiosa de acender a vela, especificamente
por entre as rochas, como uma oferenda ou pedido a Xangô.
Melo (2013, p. 31) ao discorrer sobre os mitos pertinentes as ações de
cada Orixá, relata um mito que expressa uma queixosa “falta de poderes

10  Xangô pode ser considerado o orixá que mais sincretiza com os santos católicos,
podendo encontrar atributos do orixá com São Jeronimo (MARTINS, IWASHITA,
2017), São João Batista, São José e São Francisco de Assis.
209

e de atribuições especificas” por parte dos Orixás a Orunmilá - sacerdote


responsável pela consulta com o plano divino através de diversos sistemas

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
divinatórios denominados de Ifá (BENISTE, 2006 apud MELO, 2013, p. 31).
Após as reclamações, Orunmilá decidiu distribuir para os Orixás, determinados
poderes, e que em um dia específico começaria a cair do Orúm poderes e
cada um poderia pegá-los.
No dia marcado. Do alto começaram a surgir sons estranhos acompanhados
pelo movimentado da brisa que pairava sobre todos. Foi nesse instante que
os poderes começaram a cair do Orún. […] Exu foi um dos mais persis-
tentes e não hesitou em empurrar quem estivesse perto; por causa disso,
pegou grande parte dos poderes; entre eles, o de ser o guardião do Axé de
Olodumarê e o transportador das oferendas votivas. […] Xangô, através do
que conseguiu apanhar, tornou-se o dono da pedra. Obaluaê veio a ser o senhor
das doenças em especial a varíola; Ossain adquiriu o conhecimento do
uso litúrgico e medicinal das plantas; Orixá Oko tornou-se o senhor da
fartura das colheitas; Ogum ficou com o poder do uso dos metais. Assim
cada Orixá recebeu a sua parte dos poderes do Orún (BENISTE, 2006, p.
65 apud MELO, 2013, p.31, grifo nosso).
Observamos que a ligação entre a prática cultural e religiosa na Festa de São
Pedro – a vela acesa dentro da rocha- retrata sua conexão com o orixá Xangô.
Mais uma vez, se faz presente a leitura proposta por Corrêa (2004) referente à
ideia de circularidade cultural, já que, na festa católica observamos o movimento
circular das religiosidades católica e afro-indígena brasileira.
A mulher vestida de branco e fazendo uso do ojá ou torso na igreja (Figura
10) nos fez repensar a discussão da circularidade cultural presente na festa de
São Pedro. Durante dois anos de pesquisa, ainda não havíamos observado uma
disposição clara de uma religiosidade afro-indígena brasileira durante a festa, mas
na festa de 2017, isso mudou. O ojá é um tecido que serve para cobrir o ori,
ou seja, a cabeça das pessoas; e também se enuncia como um signo hierárquico
dentro da religião. Talga e Paulino (2011) discutem as relações entre algumas
regiões em África e os terreiros de candomblé no Brasil, e como o movimento
diaspórico trouxe características marcantes da cultura africana, os tecidos, por
exemplo, e a disposição deles possuem significados, eles revelam elementos que
passam desapercebidos para aqueles que não conhecem:“[…] um seguidor dessa
religiosidade que não passou por nenhum ritual de iniciação deve apenas usar
tecidos simples, sem bordados, costuras, rendas ou deixar sua saia armada, pois
esses elementos podem representar até a quantidade de anos de feitura de alguém
no santo” (Ibidem, p.10).
No caso do ojá usado pela mulher na igreja, segundo Talga e Paulino
210

[…] se esse pano estiver com uma das abas levantada, significa que a pessoa tem
sete anos de santo sendo filha de um orixá masculino, caso as duas abas estejam
Denise David Caxias

levantadas isso significa que ela também possui sete anos de feituras pagas
ao santo e filha de um orixá feminino (TALGA E PAULINO, 2011, p. 10).
Neste caso, as abas do ojá direcionam sua feitura em Xangô, e, a cor branca é
referente a cor do orixá Oxalá11 . Acreditamos que essa manifestação corpórea,
uso da indumentária12, mais uma vez ratifica a discussão da circularidade cultural
e religiosa exposta ao longo da dissertação, já que, para a umbandista, estar na
capela (igreja católica), é fundamental para sua devoção, crença. Após a missa, a
mulher saiu da capela e a seguimos com o intuito de perguntar sobre sua ida a
igreja vestida com uma indumentária notadamente diferenciada no catolicismo.
No entanto, ao abordarmos a mulher, perguntamos se ela era devota de São
Pedro, e ela prontamente respondeu: “- sim, sou devota de São Pedro. Meu pai.
É meu pai Xangô e eu não poderia deixar de vir aqui, hoje, prestigiá-lo. Embora
eu esteja de preceito, pedi permissão a meu pai (pai de santo da casa) para vir
aqui prestar minha homenagem” (afirmando também ser da religião umbanda).
Nesta tentativa de arrematar a ideia de circularidade cultural nas duas festas,
nos pareceu claro, as potencialidades do debate, seja pelas fronteiras porosas, seja
pelos agenciamentos na construção do diálogo cultural religioso.
Para Melo,
a circularidade cultural, empregada por Aureanice de Mello Corrêa, é uma
ferramenta e/ou uma categoria de análise, elaborada a partir da análise do
conflito entre a Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte com a Igreja
Católica. A abordagem proposta pela autora em âmbito geográfico permite
compreender outros fenômenos sociais, os quais apresentam em sua realida-
de espacial evidências de territorialidades distintas que estão em constante
agenciamento. (Melo, 2017, p. 4688).
Essa categoria de análise - a circularidade cultural - esclarece e norteia
nosso trabalho, seja pela construção das representações sociais, imbricadas
na multidimensionalidade da produção do espaço, seja pela descoberta de
uma fronteira invisível, porosa e dialética presente nas festas de São Jorge e
São Pedro, que se materializa claramente nas duas festas, seja pela presença
da entidade Zé Pilintra incorporado, seja pela fala dos entrevistados, seja
pelas velas dispostas dentre as rochas, seja pelo uso do corpo como suporte
sígnico (CORRÊA, 2004).

11  Essa proposição da cor branca ao orixá Oxalá pode ser lida em “Ritos e Rituais”
de Guilouski e Costa, 2012.
12  É senso comum no Brasil associar o branco a “pessoas de santo”, ou seja, religiosos
de religiões afro-indígenas brasileiras.
211

5. ARREMATES DO ENREDO

A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Assumimos como resultado desse trabalho a interpretação da circulari-
dade cultural presente na procissão marca na cidade uma paisagem. Além
de ser um processo de simbolização da festa, também o é do sincretismo
religioso. A territorialidade esculpe um novo arranjo na cidade. Afirmamos
a procissão, como geossímbolo da Festa que demarca na cidade a impor-
tância das práticas culturais e religiosas vivenciadas em sua materialidade e
imaterialidade, experimentadas e ressignificadas. As tramas que compõem
as diferentes festas, por meio do ritual da procissão nos permitiu mostrar
a interconectividade entre cultura, identidade e território. Em um mo-
vimento dialógico de territorialização das festas na cidade, reafirmamos
que a cultura e identidade são conceitos centrais para compreendermos a
dinâmica da geossimbolização da cidade pela prática religiosa e cultural que
é a procissão. A procissão compõe uma espacialidade e essa espacialidade
apresenta uma ou mais paisagens culturais, que vão representar um grupo
social singular, singular por ser dentro de si mesmo, distinto e complexo, daí
a importância de compreender as festas pela perspectiva da complexidade,
seja pelo sincretismo, seja pela circularidade cultural. O sagrado delimita
um território cultural e religioso, é território porque a Festa exerce poder
em sua trajetória itinerante: controla os acessos e interfere diretamente no
cotidiano de quem usa transporte público ou coletivo, pois a cidade se
reorganiza para a passagem da procissão.

REFERÊNCIAS
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BORGES, M. C. F. O sujeito diaspórico e suas implicações culturais em uma “he-
rança”, da obra um caminho no mundo, de V.S. Naipaul. Línguas e letras. v. 10, nº
19, 2º sem. p.89-104, 2009.
CASTRO, J. R. B. Concepções de festa, os sentidos do festejar e as dimensões so-
cioeconômicas, culturais e lúdicas das festas juninas. In: Da casa à praça pública: a
espetacularização das festas juninas no espaço urbano [online]. Salvador: EDUFBA,
2012, pp. 39-84.
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UFC, ano 1, n. 1, p. 19-27, 2002
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CORRÊA, A. M. Irmandade da Boa Morte como manifestação cultural afro-brasileira:


de cultura alternativa à inserção global. 2004. 323 f. Tese (Doutorado) – Programa
Denise David Caxias

de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia, Universidade Federal do Rio de


Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
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