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FOSES
PUCMinas, Mestrado em Geografia - Kansas State
University (EUA), Doutorado em Geografia - Arizona
State University (EUA) e Pós-Doutorado em Geografia
- McGill University (Canadá). Atualmente é professor
José Antônio Souza de Deus
POSSÍVEIS
adjunto IV da PUCMinas. Tem experiência na área de
Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes
temas: Geografia do Crime e da Violência, Geografia
Possui graduação em Geologia pela Universidade Urbana, Geografia Regional e Geografia Cultural.
COMPARTILHADAS
Federal de Minas Gerais e Doutorado em Ciências pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é
professor Associado na Universidade Federal de Minas Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER)
Gerais, com pesquisas de campo no Acre/ Rondônia O NEER busca ampliar e aprofundar a abordagem cultural na Ge-
Ana Márcia Moreira Alvim
(interagindo com povos indígenas locais) e em regiões de ografia, focando nas questões relacionadas aos estudos sobre o
antiga mineração (Quadrilátero Ferrífero, Jequitinhonha,
espaço e suas representações, entendendo as representações
Leituras em
Mucuri, Serra da Mantiqueira/MG), atuando nas áreas da Possui graduação em Ciências Econômicas pela PUCMinas,
como uma ampla mediação, que permitem agregar o social e o
Geografia Cultural e Etnopolítica/Socioambientalismo. mestrado e doutorado em Geografia - Tratamento da
cultural, abarcando também a temática do ensino de geografia
Informação Espacial pela PUCMinas. Atualmente é
Geografia Cultural
no Brasil. Propõe-se uma rede não formal e não hierarquizada, professora adjunta IV da Pontifícia Universidade Católica
de caráter interinstitucional, que congregue núcleos, grupos, e
Letícia Pádua de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas principalmente
projetos de pesquisa, além de Programas de Pós-graduação e sobre os temas: espaço urbano (cidades médias
pesquisadores isolados. e morfologia urbana), redes (urbana e migratória),
Possui graduação em Geografia pela PUCMinas e movimentos pendulares e fluxos de pacientes.
Mestrado em Geografia - Tratamento da Informação
Espacial pela PUCMinas. É doutora em Ciências:
Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Doralice Barros Pereira
Atualmente é docente da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri e pesquisadora do GHUM
- Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultura, do Possui graduação e mestrado em Geografia pela
NOMEAR - Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Geografia Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em
e líder do GHuAPo - Grupo de Pesquisa Geografia Geografia pela Universidade de Montréal. Atualmente
Humanista, Arte e Psicologia Fenomenológica. é professora Titular da Universidade Federal de Minas
Gerais, com pesquisas em Geografia Humana nas áreas
de Geografia Urbana, conflitos territoriais, produção
e organização socioespacial de áreas de proteção
ambiental, representações sociais e ideologias.
EDITORALETRAMENTO.COM.BR
ISBN: 978-85-9530-308-9
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META-
MOR-
FOSES
POSSÍVEIS
COMPARTILHADAS
Leituras em COMITÊ CIENTÍFICO
Geografia Cultural
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS)
Amélia Regina Aguiar Batista (UFAM)
Ângelo Szaniecki Perret Serpa (UFBA)
Benhur Pinos da Costa (UFSM)
Christian Dennys Monteiro de Oliveira (UFCE)
Claudia Luisa Zeferino Pires (UFRGS)
Dario de Araújo Lima (UFRGS)
Gilmar Mascarenhas de Jesus (UERJ)
ORGANIZADORES Icleia Albuquerque de Vargas (UFMS)
Jânio Roque Barros de Castro (UNEB)
Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMinas) Jean Carlos Rodrigues (UFTO)
Jorn Seemann (Ball State University)
Ana Márcia Moreira Alvim (PUCMinas) Joseli Maria Silva (UEPG)
Josué da Costa Silva (UNIR)
Doralice Barros Pereira (IGC-UFMG) Marcos Alberto Torres (UFPR)
Maria das Gracas Silva (UNIR)
José Antônio SOUZA de Deus (IGC-UFMG) Maria Geralda de Almeida (UFG)
Letícia Pádua (UFVJM) Nelson Rego (UFRGS)
Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC MINAS)
Roberto Filizola (UFPR)
Rosselvelt Jose Santos (UFU)
Salete Kozel Teixeira (UFPR)
Sonia Regina Romancini (UFMT)
Sylvio Fausto Gil Filho (UFPR)
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11
Alexandre M A Diniz
EDUCACIONALIDADES E FESTIVIDADES 47
ENSINO E IMAGINÁRIO GEOGRÁFICO:
A PERCEPÇÃO DO COTIDIANO E DA
PAISAGEM NAS MUITAS FACES DO URBANO 49
Caio Cezar Cardozo Pimenta
EXPERIÊNCIAS GEOGRÁFICAS:
TERRITÓRIOS DE SENTIDOS NA FESTA DO
BOI-À-SERRA EM SANTO ANTÔNIO DE LEVERGER/MT 92
Maisa França Teixeira
A ICONOGRAFIA MONETÁRIA NA
CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DOS ESTADOS-NAÇÃO:
O CASO DO DINHEIRO BRASILEIRO IMPRESSO
PELO AMERICAN BANK NOTE (1870-1970)158
Thiago Silvestre da Silva
RELIGIOSIDADES E CORPOREIDADES 173
A ARTE COMO FORMA DE SE APROXIMAR DE DEUS:
UMA REFLEXÃO SOBRE A EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL
ATRAVÉS DA FILOSOFIA DAS FORMAS
SIMBÓLICAS DE ERNST CASSIRER (1874-1945) 175
Marcia Alves Soares da Silva
A PROCISSÃO RELIGIOSA:
GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI -
VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ!
VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ! 192
Denise David Caxias
ESPAÇOS CONTRADITÓRIOS OU
COMPLEMENTARES? A CONSTRUÇÃO DA
MASCULINIDADE ALÉM DA CASA E DA RUA 252
Ivan Ignácio Pimentel
Ana Carolina Santos Barbosa
CARCINICULTURA EM CARAPITANGA,
BREJO GRANDE/SE: AS TRANSFORMAÇÕES
NO MODO DE VIDA TRADICIONAL PESQUEIRO 314
Heberty Ruan da Conceição Silva
Sônia de Souza Mendonça Menezes
TERRITORIALIDADES E LUGARIDADES
NA IRMANDADE DE NOSSA SENHORA
DO ROSÁRIO OS CIRIACOS. 389
Isabela Fernanda Gomes Oliveira
“RECONSTRUÇÃO DE HIROSHIMA:
A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE
COMO FORMA DE ESTRUTURAÇÃO DE
ESPAÇOS DE MEMÓRIA E ESQUECIMENTO” 493
Mario Marcello Neto
TERRITORIALIDADES E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DE CUIABÁ (MT) 526
Sônia Regina Romancini
Maria Geralda de Almeida
192
1. INTRODUÇÃO
O trajeto realizado por uma procissão religiosa é uma das formas de re-ligar o
elo pelo qual um determinado espaço foi instituído, ou seja, o contexto histórico
das práticas sociais que ali foram estabelecidas. Esse rito restabelece a sacralização
de um espaço por um grupo social, e neste espaço, ocorre uma territorialização
que imprime no espaço-tempo do rito uma paisagem. O objetivo deste trabalho
é apresentar uma perspectiva geográfica, pelo viés da geografia cultural, sobre
a procissão religiosa na cidade de Niterói, RJ, estabelecendo diálogos entre di-
ferentes religiões a partir do conceito de sincretismo (FERRETTI, 1998) e de
circularidade cultural (CORRÊA, 2004).
Para Claval (2002, p.20) “o objetivo da abordagem cultural é entender a
experiência dos homens no meio ambiente e social, compreender a signifi-
cação que estes impõem ao meio ambiente, e o sentido dado às suas vidas. A
abordagem cultural integra as representações mentais e as reações subjetivas no
campo da pesquisa geográfica”. Para alcançar a proposta que apresentamos, os
procedimentos metodológicos utilizados foram a observação participante nas
193
duas festas por um período de dois anos, observações antes e após a realização
das festas, entrevistas e pesquisas bibliográficas.
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
A cidade de Niterói, RJ, a única do Brasil fundada por um índio, o caci-
que Araribóia, já foi capital fluminense e desempenhou um papel fundamental
na estratégia de ocupação nacional, cercada por fortes em sua borda leste, era,
juntamente com os fortes localizados no bairro da Urca, na cidade do Rio de
Janeiro, um complexo de fortalezas a fim de proteger a entrada da barra da Baía
de Guanabara de invasores franceses, holandeses, espanhóis. Fundada no catoli-
cismo, a cidade hoje, possui 52,9% de sua população se auto declarando católica
(IBGE, 2010). Além desses fatores históricos e estatístico, o dia de São Jorge (23
de abril) foi estabelecido como feriado estadual por meio da lei Nº 5198 de 5
de março de 2008 no estado do Rio de Janeiro; e a procissão e os festejos reli-
giosos dedicados a São Pedro, comemorados, anualmente, em 29 de junho, na
Capela de São Pedro de Jurujuba foram declarados como Patrimônio Cultural
Imaterial do Município de Niterói através da lei nº 2897 de 19 de dezembro de
2011. Dada essa realidade acreditamos ser importante a realização de trabalhos
pela perspectiva geográfica que perpassem essa composição religiosa na cidade,
seja na área central da cidade (1 - Festa de São Jorge), seja no bairro de Jurujuba
(2 - Festa de São Pedro), podemos visualizar esses dois locais no mapa da Figura 1.
Figura 1- Localização da área central de Niterói e o bairro Jurujuba
narram a vida dos indivíduos que vivem a festa, que fazem a festa, que são
a própria festa.
Ao longo desse texto serão apresentadas duas procissões de duas festas
na cidade em tela, a procissão a São Jorge e a procissão a São Pedro. Ambas
as festas e procissões possuem um forte sincretismo religioso e o desejo de
marcar a presença simbólica da festa enquanto paisagem na cidade. No en-
tanto, durante o cortejo a São Jorge torna-se mais explícito o sincretismo
religioso ou circularidade cultural, e no préstito a São Pedro torna-se mais
aparente esse momento como uma paisagem impressa na cidade. Buscaremos,
também, apresentar como se constrói o diálogo cultural religioso e como ele
se apresenta no momento da procissão.
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
cultural a partir das características dos santos. Através da subjetividade dos
atributos apresentados (guerreiro, protetor, etc.), cria-se a imagem/figura de
um santo e/ou orixá, representando-se e objetivando-se em São Jorge e/ou
Ogum, materializando-se em um discurso de fé e crença, concretizadas na Festa.
Nesta perspectiva, esses distintos personagens históricos e religiosos forjam uma
figura/imagem a partir de iguais atributos e através desse discurso performativo
de suas qualidades, controlam, definem e categorizam determinados lugares e
territórios culturais/ religiosos.
São Jorge e Ogum denotam em suas características o imaginário do lutador,
guerreiro, vencedor, o que defende seus fiéis dos problemas e acossamen-
tos e, como num jogo de espelhos observa-se uma circularidade cultural
(CORRÊA, 2004) entre a Igreja Católica Apostólica Romana e as religiões
afro indígenas brasileiras. No Candomblé e na Umbanda, os devotos, em São
Jorge reconhece os atributos de Ogum2 e, em Ogum reconhece os atributos
de São Jorge. Ogum representava na cultura iorubana a divindade da agri-
cultura, qualidade esta que não é reconhecida no Brasil, sendo exaltado na
prática cultural/religiosa afro-brasileira a performance do guerreiro/lutador,
que são atualizados (os atributos) permanentemente nos itans/ lendas, através
da orixalidade3 .
Desta feita, é possível demonstrar a partir das performances dos atribu-
tos – São Jorge e Ogum - como diversas culturas por meio de diferentes
práticas culturais/religiosas, através do jogo de espelhos, estabelecem terri-
torialidades, desenhando, assim, seus territórios culturais.
São Pedro, pescador chamado Simão Barjonas levava riqueza para sua
família através do seu trabalho. Casado e residente em Cafarnaum4, Simão
conheceu Jesus ao lhe emprestar um barco para que evangelizasse aos ri-
2 No Rio de Janeiro o sincretismo entre os santos deu-se com São Jorge / Ogum,
no entanto, na Bahia e algumas casas de candomblé São Jorge é sincretizado com
Oxóssi e Santo Antônia com Ogum.
3 Embasadas pela perspectiva de Vianna (2016) a orixalidade é o engendramento
de narrativas alternativas que forjam identidades. Esse processo se torna possível por
meio da vivência e espacialidades do cotidiano no território-terreiro de candomblé,
assim, as lendas, itans sobre os orixás são passadas de geração em geração por meio
da oralidade e atualizam permanentemente a presença do orixá e dos ancestrais no
seio do grupo cultural/ social/religioso.
4 Cidade localizada no extremo norte do mar da Galileia é reconhecida como
“cidade de Jesus”, onde ele fez muitos e grandes milagres e desenvolveu a maior
parte do seu ministério.
196
beirinhos, Simão concorda, mas com desconfiança, até porque ele teve que
sair do seu trajeto habitual. No retorno, Jesus, em sua onisciência, diz-lhe:
Denise David Caxias
“lança a tua rede de novo terás o retorno na sua generosidade”. Assim feito,
a rede voltou cheia de peixes, e Simão pede perdão a Jesus pela desconfiança.
Jesus o chama para ser “pescador de almas”5 e segui-lo como discípulo seu.
Simão aceita. Em uma das missões de Jesus e seus discípulos para os lados
de Cesaréia de Filipe, perguntou Jesus aos discípulos:
Quem diz o povo ser o Filho do Homem?
E eles responderam: uns dizem ser: João Batista; outro: Elias; e outros: Jeremias
ou algum dos profetas.
Mas vós, [continuou Jesus], quem dizeis que eu sou?
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não
foi a carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que estás nos céus.
Também te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra6 edificarei a minha
igreja, e as portas do inferno não prevaleceram contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado
nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus. (MATEUS,
cap. 16, 13-19, grifo nosso).
A afirmação de fé de Simão, lhe deu a condição de ser o discípulo ao qual
Cristo afirma, conforme exposto, que suas palavras são garantias de petição
e atendimento. Ou seja, crê em Cristo como filho de Deus, levou a Simão,
posteriormente a ser chamado de Pedro, o “poder” de pedir aqui na terra
e Deus “resolver/ conceder” do céu. O discurso simbólico aqui pode ser
justificado pela intencionalidade das relações de poder. Pedro passa a ter po-
der ao se submeter ao poderio de Deus, reconhecendo-o. A chave do reino
dos céus está com ele. É Pedro o primeiro papa da Santa Igreja Católica e
ao morrer crucificado, pede para virar sua cruz de cabeça para baixo, pois
acreditava não ser digno de morrer como Jesus.
Xangô, orixá africano vinculado a riqueza (lembremos que Pedro era um
pescador “empresário”) e tendo como símbolo a pedreira, está no comando
da justiça, podendo, assim como Pedro, decidir o que é justo ou não justo.
Assim como Pedro possui o poder de se manifestar dos/nos céus, Xangô
é vinculado na cultural iorubá a raios e trovões. Em um dos itans, ele fica
rico após ser generoso, e Pedro ganha mais prosperidade financeira após ser
generoso com Jesus (mesmo desconfiando).
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
leiras. A cultura circula na porosidade das fronteiras simbólicas, admitindo
uma espacialidade. O espaço social é produto das contínuas relações sociais,
culturais, econômicas e políticas que se vivencia no cotidiano da sociedade.
Berdoulay (2012) frente aos espaços e sujeitos produtos e produtores da
cultura/identidade vai afirmar que
A noção de espaço permite ao pensamento geográfico um esclarecimento
original em torno das questões às quais nos referimos frequentemente sob o
termo cultura. Embora esse termo seja altamente polissêmico, ele revela uma
percepção da diversidade dos modos de vida, dos costumes, dos símbolos ou das
práticas que os seres humanos utilizam nas diversas esferas de sua vida pessoal
ou coletiva. O olhar geográfico nos indica que essas práticas têm uma dimensão
espacial (BERDOULAY, 2012, p.101, grifo nosso).
Ou seja, a geografia é a ciência capaz de compreender as práticas sociais
que norteiam a Festa e são norteadas por ela, por uma perspectiva da tota-
lidade e pela sua espacialidade, desde que não ignore a cultura, a identidade,
a memória e o próprio território.
Fonte: A autora.
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A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Fonte: A autora, 2016
Nesta parada hierárquica e simbólica, um homem com a indumentária do
senhor Zé Pilintra se destaca da multidão (Figura 4). Zé Pilintra é uma figura
que reporta toda a uma multidimensionalidade do espaço e das práticas espa-
ciais e do processo diaspórico. Borges (2009, p. 91) fundamentada na teoria da
literatura pós-colonial se propõe a discutir “como um sujeito diaspórico, nas
suas relações de sobrevivência em uma sociedade carregada de preconceitos,
resultantes dos efeitos da colonização, […] oriundo do deslocamento geográfico
e cultural, usa-se de sua identidade híbrida para impor seu espaço na sociedade
pós-colonizada”.
O processo circular da cultura, proposto por Corrêa (2004) pode ser exem-
plificado pela figura de Zé Pilintra, sua história é o retrato do constante
diálogo cultural e religioso presente no território brasileiro: as religiões de
matriz afro-indígena.
Para Silva (2012, p. 1086) Exu “representaria, com sua mitologia associada
aos reinos das passagens, das rotas, dos cruzamentos, a possibilidade de conti-
nuidade entre o espaço público e o privado, ou a própria problematização no
plano simbólico destas dicotomias”. Ou seja, na dialética das suas diferentes
representações, “Exu fon-ioruba, de caráter fálico, jocoso e irreverente, e o
diabo da tradição católica medieval” (Ibidem), se faz a construção imagética
do personagem Exu.
[…] o caráter agregador e disruptivo de Exu admite vê-lo também como
uma possibilidade de romper ou questionar estas dicotomias. Nesse sentido,
meus argumentos se beneficiam de ideias relativas à circularidade herme-
200
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
por algum tempo em contemporaneidade com suas versões sagradas: os espíritos
de malandros. Esta dupla existência, no que diz respeito à elaboração da memória,
é de fundamental importância para o entendimento que temos hoje acerca desses
agentes […]. (PIMENTEL, 2011, p. 436).
Na umbanda, o espírito desse malandro, boémio amante da noite e da rua,
que geralmente morre assassinado por faca ou tiro numa briga por mulher,
dívida de jogo ou outro vício, é cultuado como Zé Pilintra. Esta entidade
é um tipo de Exu urbano, das zonas portuárias e das áreas de meretrício,
assim como as Pombagiras.Veste-se, entretanto, com paletó, calça e sapatos
brancos e gravata e lenço vermelhos. Sua vestimenta impecável é uma forma
de ludibriar sua condição de pobre e marginal social e chamar a atenção
para si como sujeito que não tem propriamente um lugar na estrutura social
excludente da sociedade brasileira. (SILVA, 2012, p. 1105).
proposta por Corrêa (2004). Concordamos com Melo (2017) ao sustentar que
a categoria de análise proposta por Corrêa (2004), para analisar o espaço social,
Denise David Caxias
que Exu, em suas inúmeras faces, exprime o seu poder no Brasil (SILVA,
2012, p. 1109, 1110).
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Com todo o imaginário e poderio, Zé Pilintra está em meio ao préstito
que se detém na catedral, muitos fogos disparam e a música cessa. Em ato de
regozijo ouve-se aplausos ao final dos estouros dos fogos e a procissão segue
para a segunda parada solene, na Capela de Nossa Senhora da Conceição
(Figura 2).
Neste momento, a imagem de Nossa Senhora adentra as escadarias da
Capela, e é posicionada de frente para a rua (Figura 5), onde é coroada por
uma menina vestida de anjo, e São Jorge se posiciona de frente para a santa
(Figura 6), sob uma postura de respeito e júbilo. Muitos fogos são dispara-
dos, tornando vermelha a cena citadina. Os sinos dobram e o povo louva,
trazendo aos fiéis a vivência de um momento de encontro, reverência e fé.
Há emoções por toda a parte, a prática cultural /religiosa penetra em cada
recanto da vida do grupo social/ religioso, mediando as relações ali presen-
tes, significando o momento festivo. Viva a performance de São Jorge, viva
a performance de Ogum!
Figura 5 - Nossa Senhora posicionada para ser homenageada
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
experimentadas e perpetuadas em função de São Jorge, para os católicos e
Ogum para os religiosos de afro indígenas brasileiros. Mesmo a festa pos-
suindo um caráter efêmero, tem uma composição onde subsistem relações
econômicas, político-ideológicas, simbólicas e afetivas extremamente ricas
(MAIA, 1999:213-214). Desta forma, é fundamental ratificar a centralidade
da cultura na formação das identidades pessoais e sociais, assim, afirmamos
que festa é impregnada de processos identitários.
Neste sentido recorremos a Hall (1997) que afirma ser necessário reconhecer
que os signos e seus significados são subjetivamente válidos ao mesmo tempo
em que estão objetivamente presentes na sociedade observados em nossas ações,
instituições, rituais e práticas culturais e religiosas.
Fonte: A autora
10 Xangô pode ser considerado o orixá que mais sincretiza com os santos católicos,
podendo encontrar atributos do orixá com São Jeronimo (MARTINS, IWASHITA,
2017), São João Batista, São José e São Francisco de Assis.
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A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
divinatórios denominados de Ifá (BENISTE, 2006 apud MELO, 2013, p. 31).
Após as reclamações, Orunmilá decidiu distribuir para os Orixás, determinados
poderes, e que em um dia específico começaria a cair do Orúm poderes e
cada um poderia pegá-los.
No dia marcado. Do alto começaram a surgir sons estranhos acompanhados
pelo movimentado da brisa que pairava sobre todos. Foi nesse instante que
os poderes começaram a cair do Orún. […] Exu foi um dos mais persis-
tentes e não hesitou em empurrar quem estivesse perto; por causa disso,
pegou grande parte dos poderes; entre eles, o de ser o guardião do Axé de
Olodumarê e o transportador das oferendas votivas. […] Xangô, através do
que conseguiu apanhar, tornou-se o dono da pedra. Obaluaê veio a ser o senhor
das doenças em especial a varíola; Ossain adquiriu o conhecimento do
uso litúrgico e medicinal das plantas; Orixá Oko tornou-se o senhor da
fartura das colheitas; Ogum ficou com o poder do uso dos metais. Assim
cada Orixá recebeu a sua parte dos poderes do Orún (BENISTE, 2006, p.
65 apud MELO, 2013, p.31, grifo nosso).
Observamos que a ligação entre a prática cultural e religiosa na Festa de São
Pedro – a vela acesa dentro da rocha- retrata sua conexão com o orixá Xangô.
Mais uma vez, se faz presente a leitura proposta por Corrêa (2004) referente à
ideia de circularidade cultural, já que, na festa católica observamos o movimento
circular das religiosidades católica e afro-indígena brasileira.
A mulher vestida de branco e fazendo uso do ojá ou torso na igreja (Figura
10) nos fez repensar a discussão da circularidade cultural presente na festa de
São Pedro. Durante dois anos de pesquisa, ainda não havíamos observado uma
disposição clara de uma religiosidade afro-indígena brasileira durante a festa, mas
na festa de 2017, isso mudou. O ojá é um tecido que serve para cobrir o ori,
ou seja, a cabeça das pessoas; e também se enuncia como um signo hierárquico
dentro da religião. Talga e Paulino (2011) discutem as relações entre algumas
regiões em África e os terreiros de candomblé no Brasil, e como o movimento
diaspórico trouxe características marcantes da cultura africana, os tecidos, por
exemplo, e a disposição deles possuem significados, eles revelam elementos que
passam desapercebidos para aqueles que não conhecem:“[…] um seguidor dessa
religiosidade que não passou por nenhum ritual de iniciação deve apenas usar
tecidos simples, sem bordados, costuras, rendas ou deixar sua saia armada, pois
esses elementos podem representar até a quantidade de anos de feitura de alguém
no santo” (Ibidem, p.10).
No caso do ojá usado pela mulher na igreja, segundo Talga e Paulino
210
[…] se esse pano estiver com uma das abas levantada, significa que a pessoa tem
sete anos de santo sendo filha de um orixá masculino, caso as duas abas estejam
Denise David Caxias
levantadas isso significa que ela também possui sete anos de feituras pagas
ao santo e filha de um orixá feminino (TALGA E PAULINO, 2011, p. 10).
Neste caso, as abas do ojá direcionam sua feitura em Xangô, e, a cor branca é
referente a cor do orixá Oxalá11 . Acreditamos que essa manifestação corpórea,
uso da indumentária12, mais uma vez ratifica a discussão da circularidade cultural
e religiosa exposta ao longo da dissertação, já que, para a umbandista, estar na
capela (igreja católica), é fundamental para sua devoção, crença. Após a missa, a
mulher saiu da capela e a seguimos com o intuito de perguntar sobre sua ida a
igreja vestida com uma indumentária notadamente diferenciada no catolicismo.
No entanto, ao abordarmos a mulher, perguntamos se ela era devota de São
Pedro, e ela prontamente respondeu: “- sim, sou devota de São Pedro. Meu pai.
É meu pai Xangô e eu não poderia deixar de vir aqui, hoje, prestigiá-lo. Embora
eu esteja de preceito, pedi permissão a meu pai (pai de santo da casa) para vir
aqui prestar minha homenagem” (afirmando também ser da religião umbanda).
Nesta tentativa de arrematar a ideia de circularidade cultural nas duas festas,
nos pareceu claro, as potencialidades do debate, seja pelas fronteiras porosas, seja
pelos agenciamentos na construção do diálogo cultural religioso.
Para Melo,
a circularidade cultural, empregada por Aureanice de Mello Corrêa, é uma
ferramenta e/ou uma categoria de análise, elaborada a partir da análise do
conflito entre a Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte com a Igreja
Católica. A abordagem proposta pela autora em âmbito geográfico permite
compreender outros fenômenos sociais, os quais apresentam em sua realida-
de espacial evidências de territorialidades distintas que estão em constante
agenciamento. (Melo, 2017, p. 4688).
Essa categoria de análise - a circularidade cultural - esclarece e norteia
nosso trabalho, seja pela construção das representações sociais, imbricadas
na multidimensionalidade da produção do espaço, seja pela descoberta de
uma fronteira invisível, porosa e dialética presente nas festas de São Jorge e
São Pedro, que se materializa claramente nas duas festas, seja pela presença
da entidade Zé Pilintra incorporado, seja pela fala dos entrevistados, seja
pelas velas dispostas dentre as rochas, seja pelo uso do corpo como suporte
sígnico (CORRÊA, 2004).
11 Essa proposição da cor branca ao orixá Oxalá pode ser lida em “Ritos e Rituais”
de Guilouski e Costa, 2012.
12 É senso comum no Brasil associar o branco a “pessoas de santo”, ou seja, religiosos
de religiões afro-indígenas brasileiras.
211
5. ARREMATES DO ENREDO
A PROCISSÃO RELIGIOSA: GEOSSIMBOLIZANDO A CIDADE DE NITERÓI - VIVA SÃO JORGE! OGUNHÊ! VIVA SÃO PEDRO! KAÔ KABECILÊ!
Assumimos como resultado desse trabalho a interpretação da circulari-
dade cultural presente na procissão marca na cidade uma paisagem. Além
de ser um processo de simbolização da festa, também o é do sincretismo
religioso. A territorialidade esculpe um novo arranjo na cidade. Afirmamos
a procissão, como geossímbolo da Festa que demarca na cidade a impor-
tância das práticas culturais e religiosas vivenciadas em sua materialidade e
imaterialidade, experimentadas e ressignificadas. As tramas que compõem
as diferentes festas, por meio do ritual da procissão nos permitiu mostrar
a interconectividade entre cultura, identidade e território. Em um mo-
vimento dialógico de territorialização das festas na cidade, reafirmamos
que a cultura e identidade são conceitos centrais para compreendermos a
dinâmica da geossimbolização da cidade pela prática religiosa e cultural que
é a procissão. A procissão compõe uma espacialidade e essa espacialidade
apresenta uma ou mais paisagens culturais, que vão representar um grupo
social singular, singular por ser dentro de si mesmo, distinto e complexo, daí
a importância de compreender as festas pela perspectiva da complexidade,
seja pelo sincretismo, seja pela circularidade cultural. O sagrado delimita
um território cultural e religioso, é território porque a Festa exerce poder
em sua trajetória itinerante: controla os acessos e interfere diretamente no
cotidiano de quem usa transporte público ou coletivo, pois a cidade se
reorganiza para a passagem da procissão.
REFERÊNCIAS
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