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A COMPARTICIPAÇÃO NOS CRIMES DOLOSOS DE AÇÃO

Trata-se de saber quantos agentes vão ser responsabilizados pelo mesmo crime e de que
modo.

Modelos e conceções básicas:

a) Teoria formal-objetiva:

Autor é todo aquele que executa, total ou parcialmente, a conduta que realiza o tipo de
ilícito.

Esta teoria aponta para uma ligação indissociável entre a figura do autor e a realização
do ilícito típico.

Como críticas, atribuem-se-lhe o facto de não ser suficientemente explícita quanto à


definição dos critérios prático-normativos da autoria, importando procurar, atrás das
palavras da lei com que se exprime o tipo de ilícito, o que significa “executar o facto”;
para o que se torna indispensável determinar que elementos do comportamento
assumem relevo para a distinção, e porquê.

b) Teoria material-objetiva assente na “causalidade”:

Assenta precisamente na causalidade e em quais os elementos do comportamento


relevantes para saber quem executou o facto e porquê.

Nesta linha há uma Teoria Unitária da Autoria:

o Conceito Extensivo de Autoria – procura resolver o problema, em articulação com


a conditio sine qua non, nos termos em que todos aqueles que tenham uma relação
de causalidade com a realização do facto (e o resultado típico), sejam puníveis
como autores.
o Trata todos os comparticipantes no mesmo facto ilícito típico como autores – autor
é aquele que de qualquer forma executa o facto na aceção de que oferece uma
contribuição causal para a realização típica, seja qual for a sua importância ou o
seu significado.
o Todos aqueles que aumentam o risco são agentes – todos seriam agentes, mas
depois havia diferenciações em termos de culpabilidade.

De acordo com MFP, esta perspetiva tem problemas, considerando como autor do crime
aquele que não realiza o facto típico – vem alargar imenso a responsabilidade pela
prática do facto o que não se coaduna com o princípio da culpa e com o da legalidade
(responsabilizado pelo facto não foi aquele que o realizou e apenas para o qual
contribuiu).
Continuou a concetualizar-se uma Teoria Unitária mas com: Conceção Restritiva de
Autor:

o Autores são aqueles que realizam através da sua ação final (real ou potencial) o
facto típico.
o Todos os que colaboram já não são autores e têm outro tipo de classificação: são
participantes.
o Seria autor se se pudesse afirmar que o facto não teria sido cometido sem a sua
atuação. Se o facto tivesse na mesma sido cometido sem a sua atuação, embora de
maneira diferente, seria mero participante (ou seja, se o facto ainda tivesse sido
cometido sem a sua atuação, embora o tivesse sido então por modo, em tempo,
lugar e/ou circunstâncias diferentes)
o Esta conceção obedece ao princípio da legalidade e estabelece uma base mais sólida
para o princípio da culpa.
• MFP: tem limites – se for ligação longínqua não se pode classificar como
participante.
• Para FD, esta conceção preserva a causalidade como essência unitária de
toda a comparticipação e erige uma espécie de causalidade necessária em
fundamento e critério do conceito restritivo de autor, que não deve ser
aceite. O critério da causalidade é muitas vezes impraticável. Para além
disto, no art. 26º não se fala em “causa” mas sim em “execução” – refere-se
à realização do tipo, tal se coordenando com as exigências do Estado de
Direito Democrático. Se autor é quem realiza facto típico, então a essência
da autoria tem de decorrer da essência do ilícito – que é pessoal e não causal
da pessoa do agente (Welzel).

c) Teorias subjetivas:

O fundamento da autoria seria encontrado em realidades internas ou psíquicas do


agente.

O autor queria o ato como próprio e o participante queria o ato como alheio.

Segundo FD, estas teorias não podem ser aceites, não podendo haver um critério em que
alguém é autor porque se sente autor; um critério aferido com base no sentimento
pessoal do agente não pode proceder.

d) Teoria do domínio do facto:

Autor é quem domina o facto, tomando a execução “nas suas próprias mãos” de tal
modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica.

Para MFP, o domínio objetivo do facto significa que tem de depender da ação do agente
a realização do facto típico. Autor é figura central do acontecimento numa unidade de
sentido objetiva-subjetiva: o autor aparece, numa sua vertente, como obra de uma
vontade que dirige o acontecimento, e noutra vertente como fruto de uma contribuição
para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objetivo.

Para ROXIN: este critério deve ser restringido aos delitos dolosos gerais (os “delitos de
domínio”) que se distribuem em 3 categorias:

1. O agente procede ele próprio à realização típica (autoria imediata);


2. O agente domina o facto através do domínio do executante (domínio da vontade
– autoria mediata);
3. O agente domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes
(domínio funcional do facto – co-autoria).

Para FD, esta teoria trouxe um princípio normativo ligado à realização do ilícito típico e,
por isso, decisivo para a compreensão e descoberta do sentido daquilo que está em causa
na autoria. O limite desta teoria é que só se aplica a crimes dolosos de ação.

 Direito Português vigente:

A redação encontrada para os arts. 26º e 27º do CP representou, de alguma forma, o


produto de uma transação entre a conceção causalista de Eduardo Correia e a teoria do
domínio do facto.

O autor material é o que executa o facto típico por si mesmo.

O participante participa, colabora na execução do facto típico com o autor, mas não
executa o facto típico por si mesmo.

NOTA: só há responsabilidade penal se houver, pelo menos, um autor.

 Concretas formas de autoria:

O autor pode executar o facto por 1 de 3 modalidades, previstas no art. 26º:

a) Autor material/imediato – executa o facto por si mesmo; faz tudo sozinho.


b) Autor mediato – executa o facto por intermédio de outrem.
c) Co-autor – executa uma parte do facto, em conjunto com outros que executam o
resto. Toma parte direta na execução, por acordo/conjunto com outro.

A 4º figura prevista no art. 26º (instigação) não é um caso de autoria – a maioria da


doutrina entende que o instigador é um participante, ainda que seja punido como sendo
autor.

Para ROXIN, autor é aquele que tem domínio do facto. Pode dominar o facto na medida
em que o executa por si mesmo (tendo domínio da ação nesse caso – é autor
material/imediato), ou pode dominar a vontade de outra pessoa que ele instrumentaliza
(autor mediato) ou tem um domínio funcional e não exclusivo do facto (co-autor).
BN discorda, concordando com HELENA MORÃO – autor é aquele que executa o facto
típico. Não interessa se tem domínio do facto, interessa é se executa o facto, e sabemos
isso recorrendo aos atos de execução do art. 22º.

1. AUTORIA IMEDIATA

Autor imediato é aquele que executa o facto por suas próprias mãos, em termos de
preencher na sua pessoa a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico
e deter, por isso, o domínio da ação.

2. AUTORIA MEDIATA

É a segunda alternativa prevista neste artigo: “(…) por intermédio de outrem”. Existe
nesta figura um homem-de-trás ou de retaguarda, por oposição ao homem-da-frente
que é o executor imediato, o intermediário ou instrumento. O princípio do domínio do
facto, quando aplicado à autoria mediata, exige que todo o conhecimento (o “facto” –
art. 26º) seja obra do homem-de-trás, em especial, da sua vontade responsável, só nesta
aceção se podendo qualificar o homem-da-frente como instrumento.

O homem-de-trás possui sobre o homem-da-frente o domínio da vontade, o que acontece


paradigmaticamente em duas situações:

• Homem-de-trás coage o homem-da-frente à prática da ação – domínio da


vontade por coação.
• Homem-de-trás engana o homem-da-frente e torna-o executor involuntário
do seu plano delituoso – domínio da vontade por erro.

Como sabemos se é autoria mediata (e não instigação, por exemplo)? O autor mediato é o que
instrumentaliza o agente, mas isto não responde. O critério é:

1) O autor material/instrumento não é responsável a título de dolo;


2) Não é responsável a título de dolo por causa de uma situação que o autor
mediato criou ou pelo menos se aproveitou dela – é assim que o
instrumentaliza: cria uma situação que o leva a praticar o facto, ou não a cria
mas aproveita-se dela para levar o agente a praticar o facto. Por exemplo, o
instrumento está em estado de necessidade desculpante (por coação),
situação de erro, utilização de um inimputável (MAS SÓ SE TIVER MENOS
DE 12 ANOS – posição de Helena Morão).
• Ex: A apercebe-se que B gostava de atirar sobre aquilo que julga ser
uma espécie de caça, mas é realmente C; A não adverte do engano e
passa-lhe para a mão a sua caçadeira com que B fere C.
• Ex2: D substitui às escondidas um medicamento por um veneno letal
que E, não suspeitando da troca, dá a F (que vai deixar bens para D
herdar).
MFP – Para haver uma imputação objetiva à autoria mediata tem de se perceber se o
comportamento do autor mediato tem intensidade tal que leve a que haja apetência do
comportamento do autor imediato.

A autoria mediata termina – e começa a instigação – em função do Princípio da


Autoresponsabilidade:

o Conduz a que do âmbito da autoria mediata sejam excluídas todas as situações


em que entre a conduta do homem-de-trás e o delito se interponha a atuação de
um homem-da-frente plenamente responsável, i.e., que atue a título de culpa
dolosa.
o Só se pode considerar que o autor mediato executou o facto “por intermédio de
outrem” quando ele se serve do autor imediato como instrumento.

Quais os casos e circunstâncias nas quais o facto foi cometido pelo homem-de-trás por intermédio
de outrem e conduz à sua consideração como autor mediato?

(1) O instrumento (homem-da-frente) atua atipicamente:

I. Por não praticar uma ação – casos em que o instrumento não chega a levar a
cabo uma ação em sentido jurídico-penal, mas é apenas utilizado por outrem
como puro corpo ou forma de ação (projétil). Estes casos não cabem na
autoria mediata. Nestes casos, quem se serve de uma pessoa é quem pratica
a ação, sendo autor imediato.
i. MFP – hipnotizar alguém pode ser realizar por si mesmo, pois o
hipnotizado não tem vontade; pode ser o mesmo de quem usa o corpo
de outrem como projétil.

II. Por intervir quanto a ele uma causa de exclusão da tipicidade – casos em
que o instrumento pratica uma ação que, se cometida pelo homem-de-trás
constituiria um ilícito típico, mas, cometida por aquele, surge como atípica.
Estes casos já cabem na autoria mediata: quanto ao instrumento há causa de
exclusão da tipicidade mas não quanto ao homem-de-trás.

III. Por ser a própria vítima – casos em que o instrumento é a própria vítima da
ação, não sendo a ação típica quando cometida por ela. Se a vítima age não
detendo o domínio do facto, mas por força, por exemplo, de coação ou de
erro provocados ou explorados pelo homem-de-trás. Ex: A convence B que
desligou a corrente elétrica e que por isso B pode mexer no quadro; A é autor
da eletrocussão de B.
IV. Por atuar sem dolo do tipo – casos em que o homem-da-frente pratica uma
ação que preenche o tipo objetivo de ilícito mas não o tipo subjetivo
correspondente, por lhe faltar o dolo, nomeadamente por erro sobre a
factualidade típica dolosamente causado ou explorado pelo homem-de-trás.
Ex: A serve-se de B para entregar a C um pacote que diz conter compotas
quando esse pacote contem explosivos que levam a ferimentos em C; A é
autor mediato do delito.

O decisivo é que a contribuição oferecida ao facto pelo homem-de-trás, quando ligada


ao desconhecimento da total factualidade pelo executor instrumentalizado, serve para
fundar o domínio do facto por parte daquele.

(2) O instrumento atua licitamente:

O intermediário instrumentalizado preenche com a sua ação o tipo incriminador mas,


no entanto, atua licitamente (justificadamente). Ex: juiz A quer vingar-se de C,
ordenando ao polícia B a detenção de C, sabendo que no caso não estão presentes os
pressupostos de legalidade da detenção.

A deve ser considerado autor mediato do sequestro de C, tendo em consideração o


conhecimento real da situação pelo homem-de-trás, aliado ao domínio da vontade do
executor e à circunstância de, face ao engano (ou ameaça) neste produzido, ele levar a
cabo a ação para assim agir de acordo com o direito: o conjunto destas circunstâncias
oferece ao homem-de-trás o domínio do facto e conduz à afirmação da autoria mediata.

Também se reconduz à autoria mediata o caso em que o homem-de-trás provocou uma


situação de legítima defesa ou estado de necessidade justificante para que o homem-da-
frente – enganado sobre a verdadeira situação – praticasse um facto justificado.

(3) O instrumento atua sem culpa:

Situações em que o homem-de-trás explora o instrumento, que pratica um ilícito


tipicamente doloso mas não pode, relativamente a ele, ser afirmada a sua culpa dolosa.

O critério é que o homem-de-trás tenha domínio do facto, fundado no domínio da


vontade do executor (por coação ou engano).

o Nos casos em que isto não se verifique, o executor é responsável a


título de dolo e não existirá autoria mediata.

I. Por falta de imputabilidade – afirma-se a autoria mediata quando o


instrumento atua em estado de inimputabilidade (pela idade, anomalia
mental e etc.) pois aí estão quebradas as conexões objetivas de sentido entre
o agente e o facto, portanto o homem-da-frente não possui domínio do facto.
• Nos casos de imputabilidade diminuída, quando é duvidosa ou parcial a
compreensão das conexões de sentido do agente imediato com o facto, não se
exclui a priori a possibilidade de autoria mediata do homem-de-trás.

II. Por atuar sem consciência do ilícito – afirma-se a autoria mediata do homem-
de-trás quando o homem-da-frente agiu com falta de consciência do ilícito
não censurável, intencionalmente criada pelo primeiro ou, no conhecimento
que ela existia, explorada por ele.
o A falta de domínio do facto do homem-da-frente é em virtude do erro
de valoração em que está, que lhe retira a consciência de estar a agir
contra o direito. O homem-de-trás, criando o engano no executor ou
dele se servindo, detém por essa via o domínio do acontecimento.
i. FD – se ele age com falta de consciência da ilicitude
censurável, tem menor culpa mas não deixa de ser
completamente responsável pelo facto cometido o que,
devido ao princípio da autoresponsabilidade, conduz a
negar ao homem-da-frente a qualidade de instrumento.

III. Por atuar em estado de necessidade desculpante – quando o homem-de-trás


lança dolosamente o instrument, por coação, engano ou expediente
equiparável, numa situação do art. 35º/1 é, ainda em sintonia com o princípio
da auto-responsabilidade, autor mediato do facto necessitado.
o Quem se depara com uma situação de necessidade desculpante já
constituída e determina o necessitado à prática do facto, mas sem
transformar a situação existente em desfavor da vítima do facto, não
pode ser autor mediato mas apenas instigador ou cúmplice.

(4) Ao instrumento falta a qualificação ou a intenção tipicamente requeridas:

Art. 28º e comunicabilidade ou incomunicabilidade das circunstâncias: questão comum


à autoria e à participação.

(5) O instrumento atua de forma plenamente responsável:

A ideia mestra da autoria mediata é que ela só se pode verificar quando, por força da
atuação do homem-de-trás, o homem-da-frente realiza o tipo de ilícito de forma não
(dolosamente) responsável.

Se esta condição básica não se verificar, a qualificação dada ao homem-de-trás é a de


instigador e não a de autor mediato. Trata-se da figura de autor atrás de outro autor;
sendo ambos completamente responsáveis, não é dogmaticamente concebível no quadro
da autoria mediata.
Contudo, parte da doutrina alemã ainda coloca algumas hipóteses em que se pretende
afirmar a autoria mediata do homem-de-trás apesar de o homem-da-frente agir de forma
plenamente responsável – diminuindo assim a figura da instigação.

I. Casos de erro sobre “o sentido concreto da ação” – o homem-da-frente


conhece todas as circunstâncias necessárias à efetivação da sua
responsabilidade dolosa pelo facto que executa, mas erra (por força de
engano do homem-de-trás) sobre outras circunstâncias também elas
juridicamente relevantes para a exata concretização do conteúdo do ilícito
típico.
o ROXIN: autoria mediata daquele que cria ao homem-da-frente um tal
erro. Se não, há lacunas de punibilidade dificilmente suportáveis,
derivadas da circunstância de o homem-de-trás só poder ser então
considerado como mero participante.
o FD discorda: não se deve alargar tanto a autoria mediata e temos a
figura da instigação, que é verdadeira autoria. Não se vê que, de forma
particular no direito português, se possam verificar nestas situações
lacunas intoleráveis de punibilidade.

II. Casos de “aparelhos organizados de poder” e o “domínio da organização” –


a autoria mediata funda-se nos casos em que o homem-de-trás tem o domínio
da organização; em que há centros organizados e estruturados
hierarquicamente em que os homensda-frente reagem quase
automaticamente à instrução do chefe e obedecem às suas ordens. Ex: máfia.

O executor do crime surge como fungível, mesmo quando atue com culpa dolosa, pois
o verdadeiro domínio do facto é do homem-de-trás.

i. Há tal domínio da vontade que, indiferente à atitude subjetivopsicológica do


homem-da-frente, integra um fundamento autónomo da autoria mediata.

FD aceita essa construção de ROXIN se a dependência do homem-da-frente é tal que não


pode ser comparticipante plenamente responsável e aí se considera fundada a autoria
mediata. Sem essa dependência, o homem-de-trás é meramente instigador.

3. CO-AUTORIA – art. 26º:

“Também é punido como autor quem tomar parte direta na execução do facto, por
acordo ou conjuntamente com outro ou outros”.

Nenhum se serve de outro como instrumento mas há um atuar em conjunto – domínio


de um facto “coletivo” ou o condomínio do facto. O momento subjetivo do acordo ou
adesão ao crime altera a própria Imputação Objetiva.
o MFP discorda de HELENA MORÃO: não é só um problema de imputação
objetiva, mas sim um problema de imputação objetiva que é reconfigurada pela
subjetividade.

Tem de existir uma decisão conjunta e uma determinada medida de significado


funcional da contribuição do co-autor para a realização típica. A atuação de cada co-
autor tem de ser essencial à execução do plano comum, havendo um domínio do facto
funcional.

o MFP – atuando cada um por si não fazia resultar o facto típico, mas a atuação
global conjunta redunda na execução do facto típico (global).

 Decisão conjunta:

Trata-se da componente subjetiva da co-autoria. Só através deste elemento é que se pode


justificar que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo apenas
uma parte da execução típica. Ex: A e B assaltam banco; A paralisa os clientes e
empregados ao apontar uma arma e B retira o dinheiro das caixas; qualquer um dos co-
autores responde pela totalidade da realização típica porque a execução, toda ela, é fruto
de uma decisão conjunta – há uma conexão mútua entre as partes, o que conduz a que
se ponha sobre os ombros de um o papel ou função que coube aos outros.

Para FD não basta o “acordo” referido pela lei e tem de se ter em conta o significado
externo de que a realização acordada se reveste, nomeadamente as características da
função que cada coautor tem na execução total do facto.

➢ Este deve surgir por forma a que o contributo de cada um para o facto não seja
um mero favorecimento de facto alheio mas seja uma parte da atividade total,
sendo uma participação própria.

Há responsabilidade do co-autor na precisa medida em que a execução se encontre


coberta pela decisão conjunta. Se ações de co-autores vão além da decisão conjunta, tal
só pode ser imputado ao seu autor. Ex: A e B acordam matar C; mas depois B rouba a
vítima – só o homicídio é cometido em co-autoria, não o roubo.

O acordo entre os co-autores verifica-se, em regra, antes do início da execução do facto.


Todavia, alguém pode tornar-se co-autor durante a realização do facto, até à sua
consumação – Co-autoria sucessiva: ao co-autor só deve ser imputado o ilícito cometido
depois da sua adesão ao acordo.

 Execução conjunta:

Exige-se que o co-autor tome parte direta na execução e, por conseguinte, preste neste
estádio uma contribuição objetiva para realizar o facto – Componente Objetiva.
A Participação Direta na Execução:

É essencial uma repartição de tarefas, que assinale a cada comparticipante, contributos


para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do
facto dependente daquela mesma repartição. Ex: 5 amigos assaltam um banco – 1 fica ao
volante, 2 desliga o alarme, 3 vigia a saída, 4 ameaça os clientes, 5 esvazia o cofre. Todos
são co-autores apesar dos elementos típicos de roubo estarem somente preenchidos por
4 e 5.

Esta repartição tem de persistir no estádio da execução, ou seja, tem de se refletir em


momento situado entre o início da tentativa e consumação do facto. A contribuição
material tem de ser vista como exercício do domínio do facto e, por conseguinte, como
parte do preenchimento do tipo.

FD recusa a ideia de que a co-autoria se possa fundar na atuação do agente na fase


preparatória:

a) Se ele se limitar a concebê-la pode ser somente instigador ou cúmplice.


b) Para ser co-autor ele tem de dirigir a operação, mesmo que à distância. Ex:
Professor na Casa de Papel, ele é co-autor.

Características da contribuição para o facto:

Que peso, relevo, importância e significado deve ter o contributo do agente, realize ou não um
elemento típico, para que ele deva ser tido como co-autor?

De acordo com o critério do domínio do facto, é indispensável que do contributo objetivo


dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer
ou pôr à disposição os meios de realização

ROXIN: a contribuição do co-autor põe no estádio da execução um pressuposto


indispensável à realização do evento almejado.

Não tem a ver com a causalidade necessária (Farinacius) pois a contribuição do co-autor
singular não tem de ser necessariamente causal, bastando que o seja o conjunto dos
contributos dos diversos co-autores.

Punição da co-autoria:

Cada co-autor é punido na moldura penal prevista para o facto decidido e executado
conjuntamente, tal como se o houvesse cometido sozinho. Pode, contudo, haver
situações que individualizem a punição de um autor face à dos outros – como os casos
do excesso ou do art. 29º.
 Concretas formas de participação:

1. INSTIGAÇÃO:

É punido como autor “ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do
facto, desde que haja execução ou começo da execução”.

Deliberadamente, o legislador português colocou a instigação ao lado da autoria,


mediata e imediata, e da co-autoria, mandando em qualquer dos casos punir os agentes
como autores.

Instigador, para o art. 26º, é aquele que dolosamente determinar outra pessoa à prática
de um facto ilícito típico. Esta afirmação deve ser interpretada em termos estritos –
instigador não é o que incentiva, aconselha ou meramente sugere o cometimento de um
ilícito típico – só é instigador aquele que, com a sua conduta, influencia a motivação do
executor na direção da realização típica.

O instigador é aquele que produz ou cria, de forma cabal, no executor a decisão de


atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito
típico.

O instigador tem domínio da decisão – ele tem domínio da decisão de o instigado


cometer o ilícito típico, o que integra, por antecipação, a totalidade dos elementos
constitutivos do ilícito típico e, por isso também, do conteúdo material de ilícito.

A possibilidade de verdadeira determinação não é excluída pela circunstância de o


instigado se mostrar decidido a cometer crimes de certa espécie (ex: homicida
profissional): basta que a decisão pelo facto concreto seja criada ou produzida pelo
instigador.

o Só quem já está determinado à realização de um facto concreto é insuscetível de


ser instigado.

Os casos de aconselhar, incentivar, sugerir são situações em que o homem-de-trás


influencia a motivação do homem-da-frente sem verdadeiramente a determinar, numa
aceção estrita.

o Estes casos são auxílios ao facto de outrem e não obra própria.


o Portanto podem ser classificados como cumplicidade – art. 27º (2ª alternativa) –
sendo os comportamentos de indução.

No plano subjetivo, o instigador tem de ter duplo dolo: tem de ter dolo quanto a instigar
(convencer), e dolo quanto a querer que o agente pratique o facto.

Alargamento da Determinação:

Alguém já está decidido quanto à prática de certo facto e é instigado a uma forma mais
grave e mais ampla do comportamento.
A. Princípio analítico da separação: responsabilidade do instigador reduz-se à parte
do facto relativamente ao qual funcionou a determinação e se tal não preencher
(por si mesma) um tipo legal de crime, só poderá existir cumplicidade.
B. Orientação sintética: afirma-se a instigação relativamente ao delito “modificado”
ou “alargado”.

FD: este parece mais um facto de indução do que de uma verdadeira “determinação”.
Tudo depende de se afirmar que esta conduziu à prática de um facto diferente e
autónomo (surgindo tal como uma nova unidade de sentido social) face àquele pelo qual
o autor se havia já decidido. Ex: alteração do tipo de crime ou até mesmo do objeto do
facto mas não das modalidades/meios de execução.

Casos de pretensa autoria mediata que são de instigação:

I. Pequenas deficiências da autodeterminação do homem-da-frente – funda-


se a autoria mediata na exploração de pequenas deficiências na
autodeterminação psíquica do executor. No entanto, não deve afirmar-se
autoria mediata face ao princípio da autoresponsabilidade mas sim uma
autodeterminação próxima da instigação.
II. Erro sobre o sentido concreto da ação – o homem-de-trás é instigador se o
engano dolosamente provocado teve por efeito determinar o homem-da-
frente à prática do facto.
III. Factos cometidos no quadro de um aparelho organizado de poder – quando
o homem-da-frente é plenamente responsável, o homem-de-trás é instigador
e punido como autor.
IV. Aliciamento – quando o homem-de-trás leva o executor a praticar o facto
tipicamente ilícito em contrapartida da realização de determinada prestação.
Isto faz com que o homem-de-trás tenha um domínio da decisão do instigado,
não sendo necessário imputar à autoria mediata e ao domínio da vontade.

Exigência legal de execução ou começo da execução:

O art. 26º especializa a instigação face às restantes categorias puníveis como autoria, na
medida em que condiciona a punibilidade daquela pela exigência de que “haja
execução ou começo de execução”.

A instigação está sujeita a uma cláusula de acessoriedade relativa ao facto ilícito:

o FD – a instigação, embora seja tida, em termos de pena, como autoria, tem uma
estrutura material de participação criminosa. Por isso, o Princípio da
Acessoriedade também se aplica a esta figura: não pode haver instigação se não
houver facto típico realizado pelo autor material.
o MFP – materialmente, esta situação é uma situação de participação. As formas
de autoria distinguem figuras diversas de ponto de vista material, mas do ponto
de vista formal são de autoria. Materialmente é que podem ser diferentes.
Formalmente, só a cumplicidade era participação, mas MFP entende que
instigação tem estrutura e consequências práticas (como não punir a tentativa)
de participação. O instigador não pode ser autor porque a responsabilidade dele
é dada pelo facto cometido pelo autor material e MFP diz que para ser autor tem
de ter domínio do facto, e ele aqui não tem.

E que acessoriedade é esta?

É uma acessoriedade quantitativa, relativa ao estádio de realização que o facto deve


atingir.

o FD- este não é argumento suficientemente forte para negar que a instigação é
autoria, até porque a cumplicidade, no art. 27º, não faz menção expressa à
exigência do começo de execução (e esta é de facto uma figura em que há
participação no facto de outrem).
o Este mesmo problema coloca-se também para situações que são inegavelmente
de autoria.

FD: a exigência legal do começo da execução não tem a ver com o princípio da
acessoriedade, mas é antes uma exigência político-criminal ligada à ideia de que, sendo
o processo de determinação essencialmente interno ou psicológico, entendeu a lei que se
deve sublinhar de forma expressa que a determinação só pode verificar-se quando
conduzir à prática pelo instigado de atos que a revelem/exteriorizem. Assim, este
fundamento nada tem a ver com o facto de ser autoria ou mera participação.

A acessoriedade é também qualitativa: o facto do autor material tem de ser típico e


ilícito.

O dolo na instigação:

O art. 26º exige expressamente que a determinação da instigação seja dolosa. Isto tem a
ver com a produção ou criação pelo instigador no instigado da decisão de cometer um
ilícito-típico: um domínio da decisão não é compatível com a produção ou criação de tal
decisão por negligência.

Não se deve excluir à partida qualquer modalidade do dolo (admitindo uma instigação
por dolo direto, necessário ou eventual).

Há doutrina que exige um duplo dolo do instigador – forma plástica para dar a
compreender que o dolo do instigador deve referir-se a:

1) Determinação do instigado;
2) Ao facto por este cometido.

Ao dolo do instigador pertence também a representação dos concretos elementos e


circunstâncias do ilícito-típico respetivo, não bastando em caso algum a representação
abstrata de que o comportamento do instigado constituirá um qualquer facto punível: o
dolo do instigador tem de se dirigir àquele mesmo facto que o instigado pratica.

o Pode haver excesso quando o instigado vai, na sua atuação, além do dolo do
instigador (excessos mandati).
o O instigador só responde na medida do seu dolo.

O dolo do instigador deve dirigir-se à consumação do facto pelo instigado ou pode referir-se à sua
mera tentativa? FD não vê razão para que o dolo do instigador tenha por objeto somente
a consumação do crime ou, inclusivamente, a lesão efetiva do bem jurídico. Parece
perfeitamente admissível a determinação de outra pessoa a um facto tentado.

A “instigação em cadeia”:

Devem ser jurídico-penalmente punidos aqueles agentes que, não tendo contacto direto com o
executor do facto, constituem todavia elos de uma cadeia conducente à determinação daquele à
prática de um facto ilícito-típico? Ex: A, amante de B, convence B a determinar C, para que
este mate o marido de A.

Os elos da cadeia podem ser punidos como instigadores (e, por conseguinte, como autores)?

o FD – o que tem de se analisar é se relativamente à conduta de cada um dos elos


da cadeia se pode afirmar que ele determinou o executor à prática do facto ilícito-
típico, tendo este dado início à execução.
• O que importa é que se consiga descortinar o domínio da decisão que o
instigador tem sobre o autor imediato
o Quem possui este domínio é autor, a par de outros autores.
o Se não possuírem tal domínio e se assumirem como meros
transmissores ou intermediários do propósito do instigador, não
serão autores e apenas podem ser considerados cúmplices.

Verificando-se isto é, possível a instigação em cadeia ou a “instigação à instigação”.

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