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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia da SBP—2003, Vol.

11, no 1, 38–45

O processo de coping em crianças e adolescentes: adaptação e desenvolvimento


Débora Dalbosco Dell'Aglio
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo
Este artigo apresenta uma revisão teórica sobre o processo de coping em crianças e adolescentes, enfatizan-
do sua função adaptativa ao longo do desenvolvimento. É discutida a necessidade de uma teoria de stress-
coping específica para a criança, que considere as características do contexto social de inserção e as pró-
prias características do sujeito em desenvolvimento. São apresentados os principais modelos teóricos e as
principais estratégias de coping utilizadas por crianças e adolescentes, observando diferenças relacionadas a
gênero e idade no desenvolvimento das estratégias, assim como ao tipo de interação entre os participantes
do evento estressor. Discute-se a necessidade de novas pesquisas que possam consolidar as evidências acer-
ca do papel adaptativo das estratégias utilizadas em situações adversas, contribuindo na busca de um mode-
lo explicativo para o processo de coping em crianças e adolescentes.
Palavras chave: coping, adaptação, desenvolvimento.

The coping process in children and adolescents: Adaptation and development


Abstract
This article presents a theoretical revision about coping process in children and adolescents, emphasizing its
adaptative function during their development. The need for a child specific stress-coping theory is
discussed, taking into account both, the characteristics of the social context, and of the developing person.
The main theoretical models and the children’s and adolescent’s coping strategies are presented, focusing
on gender and age differences in the development of strategies, and on participants interactions in case of
stressor events. The need for new research that could consolidate the evidences about the adaptive role of
strategies used in adverse situations is discussed, contributing to the search of an explanatory model to the
coping process in children and adolescents.
Key words: coping, adaptation, development.

O Processo de Coping: Aspectos Conceituais


O interesse pelas diferentes formas de adaptação dos indivíduos a circunstâncias adversas, assim co-
mo pelos seus esforços para lidar com situações estressantes, tem-se constituído em objeto de estudo da
psicologia através do construto denominado coping1 (Suls, David e Harvey, 1996). Coping tem sido defini-
do como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objeti-
vo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de stress e são avali-
adas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos pessoais (Lazarus e Folkman, 1984). Estudos de
coping têm demonstrado que estes esforços, bem como tentativas de regular as emoções negativas associa-
das às circunstâncias estressantes, são importantes para reduzir os efeitos negativos destes eventos, incluin-
do problemas emocionais e de comportamento (Boekaerts, 1996; Compas, Malcarne e Fondacaro, 1988).
Há, no entanto, diferenças individuais no nível de problemas associados a experiências estressantes, que se
_______________________________________________________________________________

Trabalho apresentado na Mesa-Redonda A Psicologia Positiva e o seu Papel na Construção de Novas Tendências e
Possibilidades de Pesquisa, na XXXII Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Florianó-
polis, SC, outubro de 2002.
Apoio Financeiro: FAPERGS e PROPESQ-UFRGS.
Endereço para correspondência: Rua Eng. Edmundo Gardolinski 115/1, Porto Alegre, RS, CEP 90480-130 E-mail:
dalbosco@cpovo.net
1. Optou-se por não traduzir o termo coping devido à inexistência, em português, de uma palavra capaz de expressar
os significados associados ao termo original. Possíveis significados da palavra coping em português encontram-se
relacionados à: “lidar com”, “enfrentar” ou “adaptar-se a”.
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devem, em parte, a diferenças na disponibili- uma avaliação do estressor. Essa avaliação


dade de recursos e métodos utilizados para envolve vários processos simultâneos: a cri-
lidar com eventos adversos, assim como a ca- ança precisa relacionar o evento estressante
racterísticas de personalidade (Beresford, com a lembrança de eventos semelhantes en-
1994; Compas, Banez, Malcarne e Worsham, frentados em outros momentos, necessita de-
1991; Folkman, 1984; Rossman, 1992). finir os parâmetros do evento estressante, tais
A maioria dos trabalhos sobre processos como a intensidade potencial e a duração e,
de coping tem se baseado na teoria de estresse ainda, avaliar a probabilidade de nova ocor-
de Lazarus e Folkman (1984), que descreve rência do evento (Peterson, 1989).
um processo recíproco de avaliação cognitiva Atualmente, há um intenso debate na
de recursos de coping e de estressores. Espe- literatura contemporânea decorrente das con-
cificamente em crianças e adolescentes, o trovérsias geradas pelas múltiplas propostas
processo de coping precisa ser entendido a de modelos de coping que variam na sua es-
partir das características do contexto social trutura e produzem diferentes implicações
em que ocorre, e das próprias características evolutivas (Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandei-
do sujeito em desenvolvimento. Compas ra, 1998). Conseqüentemente, diversos mode-
(1987) apontou a necessidade de alterações los têm sido utilizados para direcionar as pes-
para aplicar as noções de estresse e coping às quisas sobre as formas com que crianças e
ações de crianças e adolescentes, pois para adolescentes lidam com situações de estresse.
entender os recursos, estilos e esforços de Entre eles, destacam-se o modelo de avalia-
coping na infância é necessário compreender ção cognitiva (Lazarus e Folkman, 1984), o
seu contexto social, tendo em vista a depen- modelo de duas dimensões de controle primá-
dência da criança em relação ao adulto para rio e secundário (Band e Weisz, 1988) e o
sua sobrevivência. Além disso, os esforços de modelo monitoring-blunting (Miller, 1981).
coping da criança são delimitados por sua Apesar da aparente diversidade nesta
preparação biológica e psicológica para res- área, todas as abordagens enfatizam uma dis-
ponder ao estresse. Por outro lado, as caracte- tinção básica entre os dois tipos fundamentais
rísticas básicas do desenvolvimento cognitivo de coping, baseada na intenção ou na função
e social tendem a afetar o que as crianças ex- dos esforços realizados. O primeiro tipo de
perimentam como estresse e como elas lidam coping se refere ao esforço para mudar ou
com estas situações. Estão incluídas nessas administrar alguns aspectos de uma pessoa,
características as crenças sobre a autopercep- de um ambiente ou de uma relação percebida
ção e auto-eficácia, mecanismos inibitórios e como estressante, sendo, portanto, focalizado
de autocontrole, atribuição de causalidade, no problema, enquanto o segundo tipo de co-
relacionamento com pais e amigos, entre ou- ping envolve esforços para administrar ou
tras (Compas, 1987). regular as emoções negativas associadas ao
A necessidade de uma teoria de stress- episódio de estresse, sendo focalizado na e-
coping, específica para a criança, também é moção.
defendida por Ryan-Wenger (1992) e Peter- Ambas as funções de coping, focalizada
son (1989). Ryan-Wenger considera os estres- na emoção ou focalizada no problema, podem
sores da criança diferentes dos estressores dos efetivar-se através de diferentes estratégias de
adultos. Os estressores da criança se referem coping que seriam utilizadas pelo indivíduo em
a situações com os pais, outros membros da situações estressantes. A literatura aponta uma
família, professores, ou a condições sócio- diversidade muito grande de estratégias, sendo
econômicas que estão fora de seu controle que cada autor descreve um diferente sistema
direto e, geralmente, são mais difíceis de se- de categorias de coping, escolhendo estratégias
rem modificados pela própria criança do que de acordo com categorias pré-determinadas,
pelos adultos. Peterson considera que o nível baseadas em pesquisas prévias, ou por análise
de desenvolvimento cognitivo também influ- de conteúdo. Ryan-Wenger (1992) apresenta
encia a utilização de determinadas estratégias uma taxonomia, através de uma síntese de tra-
na medida em que a criança necessita realizar balhos empíricos sobre estratégias de coping na
40 Processo de coping

-gias foram identificadas e agrupadas de acor- calizada no problema e, em outra, pode ter
do com algumas características fundamentais uma função focalizada na emoção. Entretanto,
comuns. Isso permitiu reduzir essas estratégias o suporte social pode ser usado para aliviar a
a 15 categorias de coping: atividades agressi- tensão e resolver o problema ao mesmo tem-
vas, comportamento de evitação, comporta- po (Beresford, 1994). Além disso, é importan-
mento de distração, evitação cognitiva, distra- te considerar que a efetividade do coping tam-
ção cognitiva, solução cognitiva de problemas, bém depende da capacidade de flexibilidade e
reestruturação cognitiva, expressão emocional, mudança do indivíduo. Estudos demonstram
resistência, busca de informação, atividades de que uma estratégia que pode ser adaptativa
isolamento, atividades de autocontrole, busca para lidar com um estressor pode também ser
de suporte social, busca de suporte espiritual, e considerada mal adaptativa quando usada
modificação do estressor. Alguns autores tam- num outro contexto ou em outro momento em
bém se referem à estratégia de inação (doing resposta a um mesmo estressor (Compas,
nothing), na qual a criança não emite nenhum 1987).
tipo de comportamento (Kliewer, 1991; Loso- Além dos diferentes modelos e estraté-
ya, Eisenberg e Fabes,1998). gias propostas, há também uma controvérsia
Para Boekaerts (1996), as crianças e a- quanto a considerar coping como um processo
dolescentes utilizam uma grande diversidade disposicional ou situacional. Os primeiros tra-
de respostas de coping, podendo ser observa- balhos nessa área procuraram categorizar os
das diferentes respostas para diferentes domí- indivíduos de acordo com sua tendência a utili-
nios (escolar, familiar, social) e as respostas de zarem certo estilo de coping, conceitualizando
coping podem ser agrupadas em estratégias coping como um fenômeno psíquico de carac-
amplas de coping que apresentam uma relativa terísticas relativamente estáveis e duradouras,
estabilidade temporal. De acordo com esta au- avaliadas através de entrevistas e testes de per-
tora, as estratégias mais freqüentes entre crian- sonalidade, criados segundo a tradição dos in-
ças e adolescentes são as várias formas de co- ventários de traço (Stone, Greenberg, Ken-
ping ativo (como controle do perigo e busca de nedy-Moore e Newman, 1991). Atualmente, o
apoio social) e várias formas de coping interno caráter disposicional do coping tem sido mais
(como planejamento de solução do problema e amplamente investigado em trabalhos que ava-
distração passiva e ativa), e as estratégias me- liam as possíveis relações entre coping e perso-
nos freqüentes envolvem autodestruição, agres- nalidade, através da utilização do modelo dos
são, coping de confronto, afastamento, relaxa- Cinco Grandes Fatores, e que apontam para o
mento e controle da ansiedade (Boekaerts, fato de que as diferenças individuais podem
1996). influenciar as respostas de coping a partir da
Estudos de coping com crianças e ado- existência de certa estabilidade em suas mani-
lescentes sugerem que tanto estratégias focali- festações, representada por “estilos” ou
zadas no problema como estratégias focaliza- “disposições” que as pessoas trazem consigo e
das na emoção são importantes para uma a- utilizam quando se confrontam com situações
daptação ao estresse (Compas, 1987; Losoya, de estresse (O’Brien e DeLongis, 1996; Wat-
Eisenberg e Fabes, 1998). As duas funções de son e Hubbard, 1996).
coping, focalizado no problema e focalizado A abordagem situacional de coping tem-
na emoção, não são, no entanto, necessaria- se desenvolvido sob grande influência das teo-
mente complementares. Por exemplo, negar a rias transacionais de estresse (Lazarus e Folk-
possibilidade de ocorrência de uma situação man, 1984). Coping, segundo a perspectiva
desagradável pode aliviar a ansiedade, mas situacional, é visto como um processo cogniti-
isso não muda nem impede que a situação vo que se modifica em função do tempo e da
ocorra. Porém, uma estratégia de coping pode situação de estresse na qual o indivíduo encon-
preencher ambas as funções simultaneamente tra-se envolvido. As reações ou o tipo de estra-
ou em ocasiões diferentes. Um exemplo disso tégias de coping utilizadas dependem de de-
é o uso do suporte social. Numa ocasião, esta mandas objetivas, de avaliações subjetivas e da
estratégia de coping pode ter uma função fo- interação entre a pessoa e o ambiente. A eficá-
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cia e a adaptabilidade das estratégias de coping muitas crianças não apresentam dificuldades
não são determinadas a priori, mas de acordo significativas frente ao estresse. Os resultados
com a pessoa, o tipo de situação, o tempo e os da pesquisa contemporânea sugerem que crian-
resultados advindos de sua utilização ças podem apresentar sintomas ou ser resilien-
(Beresford, 1994). tes ao enfrentarem eventos de vida negativos,
Assim, os estilos de coping têm sido re- em função da qualidade de suas estratégias de
lacionados a características de personalidade e coping e de características de personalidade
fatores disposicionais do indivíduo, enquanto (Boekaerts, 1996).
que as estratégias se referem a ações cognitivas Assim, estudos de coping em crianças e
ou de comportamento, tomadas no curso de um adolescentes têm investigado eventos de vida
episódio particular de estresse, e têm sido liga- considerados estressantes, tais como situações
das a fatores situacionais. Folkman e Lazarus envolvendo o divórcio dos pais, situações de
(1980) enfatizam o papel assumido pelas estra- hospitalização, consultas médicas e odontoló-
tégias de coping, apontando que estas estraté- gicas e situações relacionadas a resultados es-
gias podem mudar de momento para momento, colares (Ayers, Sandler, West e Roosa, 1996;
durante os estágios de uma situação estressan- Carson e Bittner, 1994; Compas, Malcarne e
te. Dada esta variabilidade nas reações indivi- Fondacaro, 1988; Kliewer e Sandler, 1993).
duais, estes autores defendem a impossibilida- Nestas pesquisas têm sido descritas diferenças
de de se tentar predizer respostas situacionais a relacionadas a gênero e idade no uso das estra-
partir do estilo típico de coping de uma pessoa. tégias de coping. Tem sido verificado que o
Para Carver e Scheier (1994), o indivíduo de- gênero pode influenciar a escolha das estraté-
senvolve formas habituais de lidar com o es- gias de coping porque meninos e meninas são
tresse e estes hábitos ou estilos de coping po- socializados de forma diferente. As meninas
dem influenciar suas reações em novas situa- podem ser socializadas para o uso de estraté-
ções, sendo que um estilo disposicional de co- gias pró-sociais enquanto que os meninos po-
ping pode influenciar o coping situacional em dem ser socializados para serem independentes
uma fase particular da situação e em outras e utilizar estratégias de coping competitivas
não, definindo o estilo de coping em termos de (Lopez e Little, 1996). Além disso, os meninos
tendência a usar uma reação de coping em mai- envolvem-se com maior freqüência em confli-
or ou menor grau em situações de estresse. tos que utilizam força física enquanto as meni-
Rossman (1992) considera que estas tendências nas, consideradas geralmente menos agressi-
mais gerais no repertório de coping das crian- vas, tendem a manifestar indiretamente a a-
ças podem ser modificadas por circunstâncias gressão, expressando verbalmente sua hostili-
específicas da situação estressante, mas tam- dade (Lisboa, Koller, Ribas, Bitencourt,
bém podem refletir predisposições ligadas ao Oliveira, Porciúncula e De Marchi, 2002; Olah,
temperamento, ou a experiências mais globais, 1995). Também para Myers e Thompson
tal como a história de apego da criança. (2000), frente a um grande número de eventos
estressores, as meninas tendem a utilizar mais
O desenvolvimento do Coping em crianças e ado- estratégias de coping direcionadas à
lescentes estabilidade emocional, como relaxar, buscar
As primeiras tentativas de estudar estres- diversão e investir em relacionamentos
se em crianças focalizaram a ocorrência de e- próximos, ao invés de agir de forma ativa sobre
ventos de vida negativos e os sintomas psicoló- o estressor.Quanto à idade, Heckhausen e
gicos que estes eventos causavam, sem consi- Schulz (1995) sugerem que as habilidades
derar os esforços de coping feitos pelas crian- necessárias para usar coping focalizado no
ças. Boekaerts (1996) mostrou que estes estu- problema ou focalizado na emoção emergem
dos tinham por objetivo medir variáveis que de em diferentes pontos do desenvolvimento. Para
alguma forma pudessem predizer possíveis Compas e colaboradores (1991), as habilidades
desordens, tentando estabelecer relações cau- para coping focalizado no problema parecem
sais entre estressores e sintomatologia. No en- ser adquiridas mais cedo, nos anos pré-
tanto, vários pesquisadores verificaram que escolares, desenvolvendo-se até aproximada -
42 Processo de coping

damente 8 a 10 anos de idade. As habilidades redes de apoio disponíveis, já que a estratégia


de coping focalizado na emoção tendem a de busca de apoio social é uma das mais fre-
aparecer mais tarde na infância e se qüentes durante a infância e o apoio percebido
desenvolvem durante a adolescência, já que as é um recurso pessoal que afeta cada compo-
crianças muito pequenas ainda não têm nente do processo (Boekaerts, 1996).
consciência de seus próprios estados A literatura em estresse e saúde mental
emocionais e ainda não conseguem auto- sugere que diferenças individuais na adaptação
regular suas emoções. Além disto, aprender as a situações de estresse são resultado de recur-
habilidades relacionadas ao coping focalizado sos sociais e de coping utilizados frente ao de-
na emoção, através de processos de safio (Compas, 1987; Lazarus e Folkman,
modelagem, é mais difícil do que aprender as 1984; Losoya, Eisenberg e Fabes, 1998). Os
habilidades de coping focalizadas no problema, esforços de coping funcionam como modera-
mais facilmente observadas pelas crianças no dores dos efeitos dos eventos de vida negativos
comportamento dos adultos. Os adolescentes no bem estar psicológico e certos estilos de
utilizam mais coping focalizado na emoção do coping são relacionados a uma melhor adapta-
que as crianças, mas não diferem de jovens ção. Esforços de coping ativos são relaciona-
adultos, sugerindo que estas mudanças no dos a um ajustamento mais positivo, enquanto
desenvolvimento de coping ocorrem até o final estratégias evitativas são geralmente relaciona-
da adolescência (Compas e cols., 1991). das a uma pobre adaptação (Compas e cols.,
Com a idade, a criança passa a ter mais 1988). No entanto há divergências na literatura
acesso a seus próprios pensamentos e estraté- quanto à avaliação da adaptabilidade das estra-
gias, expandindo seu repertório de respostas a tégias de coping. Kliewer (1991) sugere que a
situações estressantes. Altshuler e Ruble adaptabilidade das estratégias de coping pode
(1989) demonstraram, num estudo em que foi ser diferente para adultos e crianças. Por exem-
realizada uma diferenciação entre distração plo, o comportamento de evitação pode ser a
cognitiva e comportamento de distração, que a única alternativa razoável para uma criança
estratégia mais utilizada entre crianças de cinco lidar com uma situação fora de seu controle,
a 12 anos foi o comportamento de distração, enquanto que num adulto, este comportamento
sendo que a distração cognitiva se mostra me- pode representar uma falta de habilidade para
nos presente, já que exige uma capacidade de lidar com a realidade. Kliewer (1991) afirma
pensamento mais complexa, só encontrada em que evitação e estratégias focalizadas na emo-
crianças a partir dos 11 anos. Losoya e colabo- ção podem funcionar como adaptativas quando
radores (1998) também verificaram que, com a a criança não pode mudar a situação ou quando
idade, as crianças passam a usar mais freqüen- a situação evoca muita emoção, podendo a es-
temente estratégias que requerem um processo tratégia de evitação refletir uma tentativa de
cognitivo mais sofisticado e se tornam mais manter o controle sobre a situação. Kliewer e
independentes, buscando menos o apoio de Sandler (1993) também encontraram relações
outras pessoas para lidar com as situações. entre a avaliação de competência social pelos
Dell’Aglio e Hutz (2002) investigaram estraté- professores e a utilização de estratégia de evi-
gias de coping de crianças e adolescentes de tação, principalmente entre as meninas e entre
sete a 15 anos, no sul do Brasil, e também ob- crianças com mais sintomas depressivos.
servaram uma evolução da utilização de estra- Losoya e colaboradores (1998) aponta-
tégias mais passivas e dependentes (inação e ram que coping de evitação e não fazer nada se
busca de apoio), entre as crianças, para estraté- tornam mais comuns com a idade e podem ser
gias mais ativas e independentes (ação agressi- consistentemente relacionados com comporta-
va e ação direta), entre os adolescentes, de- mento social apropriado, enquanto que coping
monstrando a influência da idade no processo agressivo e expressão emocional diminuem
de coping. Dessa forma, o entendimento de com a idade e são negativamente relacionados
coping deve compreender os diversos fatores com a função social positiva. Dessa forma, a
envolvidos, considerando o próprio desenvol- estratégia de evitação pode se constituir numa
vimento da criança e sua percepção quanto às forma construtiva de lidar com a situação de
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outra atividade, prevenindo assim que a situa- processo de coping frente ao estresse, em cri-
ção de conflito se agrave. Assim, torna-se ne- anças e adolescentes, deve ser entendido mais
cessário um entendimento do contexto no qual como situacional do que disposicional, dando
ocorre o processo de coping para se poder ava- mais importância às características da situação
liar a adequação da estratégia utilizada. estressora do que às características pessoais
Também há evidências de que o tipo de (Dell’Aglio, 2000).
interação ocorrida entre os participantes do
evento estressor tem um importante papel na Considerações finais
escolha da estratégia de coping a ser utilizada Para chegar-se a um modelo explicativo
por crianças e adolescentes. O estudo de mais completo e abrangente do processo de
Dell’Aglio e Hutz (2002) também investigou o coping, seriam necessários estudos que pudes-
tipo de interação entre os participantes do e- sem investigar mais especificamente os tipos
vento estressor (pares ou figuras de autorida- de estressores que ocorrem durante a infância e
de), tendo sido encontradas relações significati- adolescência e os diferentes efeitos destes es-
vas entre o tipo de interação ocorrida e as es- tressores nos processos de coping utilizados,
tratégias de coping utilizadas. Nos eventos que permitindo um maior entendimento quanto à
envolviam conflitos com adultos, as estratégias adaptabilidade das estratégias utilizadas e ao
de aceitação, evitação e expressão emocional ajustamento da criança e do adolescente às si-
foram mais utilizadas, enquanto que nos even- tuações de estresse. É importante considerar a
tos com pares (irmãos e colegas) as estratégias complexidade do processo de coping, dando
de ação agressiva e busca de apoio foram mais uma atenção especial ao tipo de estressor espe-
freqüentes. Este resultado, segundo os autores, cífico que gera a situação, tendo em vista que
indica que os eventos estressantes que ocorrem crianças e adolescentes respondem de forma
com adultos podem ser considerados incontro- diferente a diferentes tipos de eventos e procu-
láveis pela criança, já que parece não haver ram, através de suas estratégias, uma adaptação
condições de negociação nestas situações. Há ao ambiente social. Assim, pode-se entender
substancial evidência na literatura de que even- que não existem respostas adaptativas univer-
tos incontroláveis geram freqüências maiores sais, adequadas para todos os indivíduos, em
de estratégias de evitação (Compas e cols., todas as situações e em todo o tempo.
1991; Gamble, 1994). A questão da adaptabilidade das estraté-
Lisboa e colaboradores (2002) também gias de coping é muito importante na pesquisa
investigaram estratégias de coping em eventos sobre coping ao longo do desenvolvimento,
estressores de crianças com seus colegas e com pois embora existam divergências entre os au-
seus professores. A estratégia de coping mais tores na avaliação das estratégias como adapta-
utilizada pelas crianças, quando enfrentaram tivas ou mal adaptativas, precisa-se chegar a
problemas com seus colegas, foi a busca do um entendimento quanto ao papel desempe-
apoio de alguém como, pais, irmãos mais ve- nhado pelas diferentes estratégias na adequa-
lhos, primos, professores, direção da escola ção sócio-emocional das crianças, para que se
etc.. Já a estratégia de coping que as crianças possa pensar em programas de avaliação e in-
relataram utilizar com maior freqüência para tervenção adequadas às faixas etárias e suas
lidar com problemas com a sua professora foi necessidades. Para isso são necessários estudos
"não fazer nada”. Provavelmente, este resulta- que investiguem a adaptabilidade e a estabili-
do, segundo os autores, esteja relacionado ao dade da utilização das diferentes estratégias,
temor pelas conseqüências negativas de seus relacionando-as a uma avaliação de comporta-
atos (castigos, suspensões, baixas notas, etc.), mento social adequado, através de avaliações
evidenciando o tipo de vínculo estabelecido da competência social e escolar da criança e
entre aluno e professor. Esta pode ser a razão adolescente, considerando o contexto sócio-
pela qual as crianças se percebem sem alterna- econômico e cultural em que vivem. Essas ava-
tivas para adotar uma estratégia de coping efi- liações podem ser realizadas utilizando infor-
caz e optam por não agir quando têm um pro- mações dos pais e professores.
blema com a professora. Assim, pode-se com- A relação entre as estratégias de coping utiliza-
44 Processo de coping

das e outros indicadores de adaptação, como, Psychological Bulletin, 101, 393-403.


por exemplo bem-estar subjetivo e resiliência, Compas, B. E.; Banez, G. A.; Malcarne, V. e
poderia ser investigada para consolidar as evi- Worsham, N. (1991). Perceived control and
dências acerca do papel adaptativo das estraté- coping with stress: A developmental
gias utilizadas em situações estressantes, con- perspective. Journal of Social Issues, 47,
tribuindo, assim, na busca de um modelo expli- 23-34.
cativo para o processo de coping na infância e Compas, B. E.; Malcarne, V. L. e Fondacaro,
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Enviado em Novembro / 2002
Aceite final Março / 2005

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