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equilibracao

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 241, 01 de Abril | 2011

Pensadores da Educação

Adaptação e equilibração
Com o conceito de equilibração, Piaget demosntrou que a
Inteligência deve ser confrontada para evoluir
Elisângela Fernandes

Conseguir o equilíbrio, atingir uma posição


estável após superar dificuldades e
sobressaltos. Esse é um processo básico na
trajetória do ser humano, uma ação
continuada que permite, a um só tempo, sua
evolução e sua sobrevivência. Para suprir as
necessidades básicas (como saciar a fome), o
homem precisou enfrentar situações inéditas
(para ficar no exemplo da nutrição: aprender
Novos discípulos quais frutos eram comestíveis, desenvolver
Os estudos de Piaget foram continuados
por diversos pesquisadores, como a instrumentos de caça e criar processos
nipo-americana Constance Kamii industriais para a esterilização de alimentos). A
(à direita, em foto de 1965), que os
obra de Jean Piaget (1896-1980) defende que
aplicou à Matemática
esse processo também ocorre com a
inteligência. Influenciado pelas teorias
evolutivas da Biologia, o cientista suíço demonstrou que a capacidade de
conhecer não é inata e nem resultado direto da experiência. Ela é construída
pelo indivíduo à medida que a interação com o meio o desequilibra - ou seja,
o desafia -, exigindo novas adaptações que possibilitam reequilibrar-se, numa
caminhada evolutiva. A inteligência humana se renova a cada descoberta.

O argumento de Piaget é que, desde o nascimento, a criança constrói


infinitamente suas estruturas cognitivas em busca de uma melhor adaptação
ao meio. No começo de seus estudos, ele utilizou o termo "adaptação" para
nomear o processo pelo qual as crianças passam de um nível de
conhecimento simples a outro mais complexo. Alguns anos mais tarde, optou
pelo conceito de equilibração e, mais tarde, à ideia de abstração reflexiva.
Como desses três sinônimos equilibração é o termo mais conhecido, é a ele
que vamos nos referir ao longo da reportagem.

Sua ocorrência se dá por meio de duas etapas complementares. A primeira


delas, chamada de assimilação, é uma ação externa: consiste em utilizar os
chamados esquemas de ação (formas como interagimos com o mundo, como
classificar, ordenar, relacionar etc.) para compreender as características de
determinado conceito. A segunda, a acomodação, é um processo interno: diz
respeito à construção de novas estruturas cognitivas (com base nas pré-
existentes, mas ampliando-as). Isso permite assimilar a novidade, chegando a
um novo estado de equilíbrio.

O avanço intelectual nem sempre ocorre

Não é sempre que a equilibração é possível. Há casos em que, ao ser


desafiada a compreender determinada informação, a criança mostra-se
perdida ou desinteressada. "É o que ocorre quando perguntamos algo que
está completamente fora do campo de compreensão da criança. Em
situações como essa, em geral, ela simplesmente ignora a proposta de
trabalho ou muda de assunto", explica Orly Zucatto Mantovani de Assis,
professora aposentada e coordenadora do Laboratório de Psicologia
Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em outras ocasiões, a criança pode entender parcialmente o novo,


deformando alguns de seus aspectos para que eles caibam no seu modo de
compreender - ou, para falar de um jeito mais técnico, em seus esquemas de
assimilação. Por exemplo, uma criança pode pensar, por intuição ou analogia,
que o gato é um ser vivo porque se movimenta. Da mesma maneira, conclui o
pequeno, a árvore também é um ser vivo, pois suas folhas balançam ao sabor
do vento. Apesar de a ideia de que animais e vegetais possuem vida ter sido
assimilada, o raciocínio não está adequado porque alguns aspectos foram
deformados - quando ela perceber que o movimento do gato é autônomo e o
da árvore é resultado do vento sobre as folhas, haverá outro processo de
equilibração, que tornará esse conhecimento (sempre provisório e passível
de ampliação) mais correto e complexo.

Há, finalmente, situações em que ocorre a chamada "equilibração


majorante", quando o indivíduo constrói as estruturas mentais que
possibilitam subir de nível cognitivo - ou seja, compreender algo novo. O
papel do meio (família, escola etc.) é fundamental nesse processo. Imagine
duas bolas de argila com o mesmo peso e tamanho. Ao ver uma delas ser
alongada, resultando num tubinho, uma criança afirma que a mudança da
forma do objeto resultou na diminuição da sua massa. Com a informação
trazida por esse erro (a de que ela ainda não construiu as estruturas
cognitivas responsáveis pela noção de conservação da substância), é preciso
propor desafios para mostrar a inconsistência da explicação.

É o que ocorre quando uma criança observa a mesma quantidade de água


em dois copos iguais, de mesma altura e mesmo diâmetro. Em seguida, um
dos copos tem todo o seu conteúdo transferido para outro de mesmo
volume, porém com altura menor e diâmetro maior. A tarefa da criança é
responder se a quantidade do líquido se mantém ou não. Dessa vez, ela
acerta. Em outras palavras, houve equilibração majorante, com a criação de
estruturas disponíveis para a solução de outros problemas similares.

O conceito de equilibração na sala de aula

Apesar de não ter sido concebido num ambiente escolar, o conceito de


equilibração ecoa diretamente na sala de aula. Juan Delval, aluno de Piaget e
atualmente professor da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha,
explica que a ideia reforça a diferença entre ensino e aprendizagem: aquilo
que cada estudante aprenderá não é exatamente o que o professor verbaliza
em sala de aula, nem mesmo o que ele espera que seja assimilado. "A
aprendizagem depende dos conhecimentos anteriores de cada um e de suas
experiências. Para ampliá-la, além de propor situações que desestabilizem os
conhecimentos estabelecidos,é preciso que eles se sintam motivados a
realizar um esforço cognitivo para superar o problema", diz.

O conceito de equilibração também provoca reflexões sobre as formas de


ensino mais efetivas, que possibilitem a todos avançar. Dificilmente um aluno
compreenderá que a Terra é redonda, apenas porque ouviu a professora
falar que o planeta se parece como uma laranja (na verdade, se divulgada
isoladamente, a informação pode até entrar em conflito com a experiência
intuitiva de que o planeta é plano, ou levantar questionamentos sobre por
que as pessoas na parte de baixo do globo não caem). Ele pode até decorar a
informação, mas ela não será significativa. Para que todos possam avançar, a
pesquisadora argentina Delia Lerner defende situações-problema que os
levem a investigar, discutir, refletir, levantar questões e formular hipóteses,
assumindo uma postura ativa em seu desenvolvimento.

Esse reconhecimento, porém, não reduz a importância do professor. "Aceitar


que as crianças são intelectualmente ativas não significa supor que o
educador é passivo. Pelo contrário, significa assumir modalidades de trabalho
que levem em consideração os mecanismos de construção do
conhecimento", diz Delia no livro Piaget - Vygostky, Novas Contribuições para
o Debate.

Trecho de livro

"Em uma perspectiva da equilibração, deve-se procurar nos desequilíbrios uma


das fontes de progresso no desenvolvimento dos conhecimentos, pois só os
desequilíbrios obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e procurar seja o
que for em direções novas."
Jean Piaget, no livro O Desenvolvimento do Pensamento

Comentário
De acordo com o ponto de vista de Piaget, as situações que colocam em xeque
aquilo que o indivíduo já sabe são as fontes da evolução das estruturas
cognitivas. Sem elas, não haveria o processo de equilibração ("fontes de
progresso no desenvolvimento dos conhecimentos"). Entretanto, é importante
ressaltar que, ainda que as situações desestabilizadoras possuam um papel
desencadeador (levando a pessoa a refletir sobre o desafio), para que haja
aprendizado, é necessário que o sujeito tenha um papel ativo, tomando o
problema para si e realizando um esforço cognitivo para superá-lo.

Questão de concurso

Secretaria de Educação do Distrito Federal, 2003


Concurso para professor de Arte

"Os significados que o aluno finalmente constrói são, pois, o resultado de


uma complexa série de interações nas quais intervêm, no mínimo, três
elementos: o próprio aluno, os conteúdos de aprendizagem e o professor.
Certamente, o aluno é o responsável final da aprendizagem ao construir o
seu conhecimento, atribuindo sentido e significado aos conteúdos do ensino.
Mas é o professor quem determina, com sua atuação, com o seu ensino, que
as atividades nas quais o aluno participa possibilitem maior ou menor grau de
amplitude e profundidade dos significados construídos e, sobretudo, quem
assume a responsabilidade de orientar esta construção em determinada
direção".

César Coll Salvador, Aprendizagem Escolar e Construção do Conhecimento


(com adaptações).

Com base nas ideias expressas, classifique os itens abaixo em certo ou


errado:
a) O papel do aluno no processo ensino/aprendizagem é o de receptor das
informações selecionadas pelo professor com base no currículo da escola.
b) O papel do professor é central e concernente à abordagem tradicional de
ensino.
c) Os conteúdos de aprendizagem são intrinsecamente passíveis de
interpretação, cabendo, no entanto, ao professor a tarefa de garantir que se
aproximem ao máximo do formalmente aceito do ponto de vista científico.

Respostas: a) errado, b) errado e c) certo.

Comentário
Na perspectiva construtivista, em que o aluno tem papel ativo (e não de receptor),
o docente é corresponsável pela aprendizagem, elaborando atividades e
determinando como serão trabalhadas. Quanto ao conteúdo, ainda que as
compreensões variem, é preciso buscar situações para que todos se aproximem
ao máximo da ideia correta.

Resumo do conceito
Adaptação e equilibração
Elaborador: Jean Piaget

Utilizados como sinônimos pelo pesquisador suíço, os termos se referem ao


processo de ampliação de conhecimentos, resultado de duas etapas
indissociáveis: a assimilação (interação com o meio, como forma de
compreender um novo conteúdo) e a acomodação (um processo interno de
construção de novas estruturas mentais que possibilitarão atingir um
patamar superior de conhecimento).

Quer saber mais?

CONTATO
Orly Zucatto Mantovani de Assis

BIBLIOGRAFIA
O Desenvolvimento do Pensamento, Jean Piaget, 228 págs., Ed. Dom Quixote (sem edição no Brasil, esgotado
em Portugal)
Piaget - Vygotsky, Novas Contribuições para o Debate, José Antonio Castorina, Emilia Ferreiro, Delia Lerner e
Marta Kohl de Oliveira, 175 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 44,90 reais
Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget, Zélia Ramozzi-Chiarottino, 104 págs., Ed. Pedagógica e
Universitária, tel. (11) 3168-6077, 47 reais

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