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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Caio Assis Capasso

Dimensões do Conteúdo Gerado Por Usuário Em Videogames:


Cultura participativa e a intervenção criativa através do Modding

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA
INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

SÃO PAULO

2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Caio Assis Capasso

Dimensões do Conteúdo Gerado Por Usuário Em Videogames:


Cultura participativa e a intervenção criativa através do Modding

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA
INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de MESTRE em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital –
Área de contentração: “Processos Cognitivos e
Ambientes Digitais”; Linha de Pesquisa:
“Design Digital e Inteligência Coletiva” - sob a
orientação do Prof. Dr. Fábio Fernandes.

SÃO PAULO

2014
Banca Examinadora

_________________________________________

________________________________________

________________________________________
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho àqueles que estiveram ao


meu lado, em especial aos meus pais, Laura e
Cesar, e agradeço pelo cuidado constante e pelo
suporte oferecidos durante todo esse percurso.
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Dr. Fábio Fernandes por acreditar nesse trabalho e pela paciência e
compreensão durante todo o processo.

À PUC-SP e à sempre atenciosa Edna Conti pelo apoio constante durante esse período.

Agradeço também à todos os colegas do TIDD com quem tive o prazer de conviver, debater e
aprender ao longo desses dois anos.
RESUMO

Nesse trabalho discutimos videogames, definidos como jogos digitais dependentes de


um suporte computacional para sua realização, que nos ajudam a entender melhor as formas
que as atividades de criação e alteração de conteúdo por jogadores se dão. Atenção especial é
dada à criação de “mods”: termo comumente utilizado para denominar a alteração de
características de um videogame através da manipulação de arquivos e/ou processos que o
constituem e que resultam em uma experiência diferente da originalmente pretendida. A
intenção dessa pesquisa é verificar como os videogames permitem a criação, troca e
colaboração de conteúdo criado por usuários e as características das comunidades de
entusiastas que são formadas para tais fins. Os videogames, e o modding em particular, são
objeto de estudo valioso num período onde a crescente agência de consumidores sobre objetos
midiáticos pode ser percebida tanto como estratégia de libertação quanto de exploração, pois
se encontra na interseção entre atividade lúdica e trabalho, produção amadora e indústria. São
fornecidos pistas e apontamentos na direção de um entendimento mais profundo das maneiras
como os papéis de produtor e consumidor, autor e usuário, jogador e fã vêm se transformando
com o desenvolvimento das novas tecnologias e das mídias digitais, a partir de um ponto de
vista sociológico e historiográfico. Também damos atenção especial e aos “modders” –
jogadores que se tornam criadores amadores de conteúdo para videogames. Utilizamos três
grupos de autores na fundamentação teórica. O primeiro é composto por autores que ajudam a
pensar questões referentes à cultura participativa e as potencialidades da internet,
especialmente Mizuko Ito e Henry Jenkins. No segundo Katie Salen e Eric Zimmerman e
Jesper Juul oferecem os conceitos que permitem considerar as dimensões expressivas dos
videogames. O terceiro grupo, com ênfase especial a Olli Sotamaa e Julian Kucklich,
oferecem os casos práticos utilizados para estudar as questões relativas ao modding enquanto
prática produtiva. Nossa intenção é operacionalizar uma perspectiva teórica que trabalhe o
potencial expressivo de um videogame e como as intervenções que classificamos como mod
são uma das maneiras mais intrigantes de subversão das relações autor/usuário e
produtor/consumidor. Pretendemos também apontar semelhanças e diferenças entre
videogames e outras mídias e enriquecer o debate a respeito da participação online e dos
artefatos que ela produz, e pensar a cultura participativa e a convergência midiática nas
práticas de consumo e produção da sociedade contemporânea através dos videogames.
Palavras-chave: jogos digitais, videogames, conteúdo gerado por usuário,
comunidade de interesse online, cultura participativa, modding, fã, fandom.
ABSTRACT

This research aims to verify how videogames allow the creation, sharing and
collaboration of user-generated content, and the characteristics of fan communities that are
created to such objective. For this work we minimally define videogames as digital games that
are dependent of a computational support for its realization. Some useful videogames for the
better understanding of the activities of creation and alteration of content by players and the
manner they happen, particularly the creation of mods: the name commonly used to refer to
the practice of alteration of a videogame’s characteristics through the manipulation of files
and/or processes that are constitute it, resulting in a different experience from the one
originally planned by its developer. With this we try to offer clues and pointers towards a
deeper understanding of the manners the roles of producer and consumer, author and user,
player and fan are transforming with the ascension of new technologies and now (digital)
media. With this intent we give special attention to the players turned “modders” – amateur
content creators for a specific videogame -, through the online communities engaged in the
creation and distribution of this kind of content. Three author groupings are used as
theoretical foundation for this research. The first é composed by authors that helps us to think
questions regarding participatory culture and the promises of the internet, among them we can
cite Howard Rheingold, Sherry Turkle, clary Shirky, Axel Bruns and particularly Mizuko Ito
and Henry Jenkins. In the second grouping Katie Salen and Eric Zimmerman and Jesper Juul
offer the concepts that allow us to take into account the expressive dimensions od
videogames. The third grouping, with a special emphasis in the works of Olli Sotamaa, David
Nieborg and Julian Kucklich that offers us empirical study cases for us to study the questions
related to modding as a productive practice. We attempt to operationalize a theoretical
perspective that deal with the expressive potential of videogames and how the interventions
characterized as mods are one of the most intriguing ways to subvert the author/user and
producer/consumer relationships. We also attempt to suggest similarities and differences
between videogames and other media. Other objective is to enrich the debate regarding online
participation and the artifacts it produces, trying to think participatory culture and the media
convergence in the contemporary consumption and production practices through videogames.
Palavras-chave: digital games, videogames, user-generated content, online interest-
driven communities, participatory culture, modding, fan, fandom.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Equipamento montado para Tennis for Two e foto aproximada do osciloscópio em
funcionamento (esquerda) e PDP-1 e monitor com SpaceWar! sendo executado (direita) ..... 29
Figura 2 - Tela Inicial Adventure e dois comandos “yes” e “walk north” ............................... 35
Figura 3 - Versão caseira de Pong (esquerda acima), Atari 2600 (esquerda abaixo), fliperama
original Pong (direita)............................................................................................................... 42
Figura 4 - Da esquerda para a direita: Atari 400, Apple II e IBM PC 5150 ............................. 45
Figura 5 - Fragmento da revista Compute! Magazine, outubro de 1984 .................................. 47
Figura 6 - Relação entres os três agrupamentos propostos: Regras, interação lúdica e cultura54
Figura 7 - Anúncio em revista de "trainer" para Castle Wolfenstein (esquerda). Tela inicial em
sua original e modificada (direita) ............................................................................................ 74
Figura 8 - Tela do jogo Lode Runner em andamento ............................................................... 77
Figura 9 - Menu do Editor de Níveis em Lode Runner ............................................................ 79
Figura 10 - Tela principal de Pinball Construction Set ........................................................... 82
Figura 11 - Tela de jogo modo um jogador (esquerda). Modo editor de pistas (direita) ......... 84
Figura 12 - Telas dos videogames Hovertank 3D (esquerda) e Catacomb 3D (direita)........... 92
Figura 13 - Castle Wolfenstein (esquerda) e Wolfenstein 3D (direita) ..................................... 92
Figura 14 - Wolfenstein 3D com modificação feita por jogador via hack (esquerda) e tela do
videogame Shadowcaster utilizando mesmo motor de jogo .................................................... 95
Figura 15 - Seleção de telas: Doom versão original (esquerda acima) e mods Brutal Doom
(direita acima), Star Wars (esquerda abaixo) e Aliens Total Conversion (direita abaixo) ..... 100
Figura 16 - Captura de tela do primeiro nível de Quake (acima) e captura de tela de vídeo com
melhores momentos de competição realizada na QuakeCon 2013 (abaixo) .......................... 105
Figura 17 - Modelos alternativos de personagens para partidas multijogador criados por
jogadores/artistas amadores. Da esquerda para direita: “Tis”, “Sonic” e “Gaben Helm” ...... 107
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Motores de jogo utilizados para o desenvolvimento de videogames de tiro em


primeira pessoa comercialmente utilizados a partir dos anos 90 e lista cronológica de títulos
comerciais ............................................................................................................................... 108
Tabela 2- Motores de jogo utilizados para o desenvolvimento de videogames de tiro em
primeira pessoa comercialmente utilizados a partir dos anos 2000 e lista cronológica de
títulos comerciais lançados fazendo uso deles ....................................................................... 111
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1 ORIGENS DAS PRÁTICAS PARTICIPATIVAS EM VIDEOGAMES ............ 19
1.1 FÃS, FANDOMS E MODDING ................................................................................ 24
1.2 SPACEWAR! .............................................................................................................. 28
1.3 COLOSSAL CAVE ADVENTURE E O SURGIMENTO DOS VIDEOGAMES DE
AVENTURA EM TEXTO .......................................................................................... 33
1.4 MULTI-USER DUNGEONS: MUNDOS VIRTUAIS EM FORMA DE TEXTO .... 37
1.5 FLIPERAMAS, COMPUTADORES PESSOAIS E CONSOLES DE VIDEOGAMES
..................................................................................................................................... 41
1.5.1 Computadores pessoais e a criação de um mercado consumidor................................ 44
1.5.2 A indústria de jogos para computador dá seus primeiros passos ................................ 48
1.5.3 O crash dos consoles caseiros e o surgimento de um novo líder ................................ 49
1.6 AS FORMAS DO CONTEÚDO GERADO POR USUÁRIO EM VIDEOGAMES . 50
2 MODDING SOB O OLHAR DAS REGRAS, INTERAÇÃO LÚDICA E
CULTURA ................................................................................................................. 53
2.1 REGRAS, INTERAÇÃO LÚDICA E CULTURA..................................................... 53
2.1.1 Definindo “jogo” ......................................................................................................... 58
2.1.2 Regras .......................................................................................................................... 60
2.1.3 Interação lúdica (play) ................................................................................................. 62
2.1.4 Cultura ......................................................................................................................... 63
2.2 JOGOS COMO CULTURA ABERTA E AUTORIA DA EXPERIÊNCIA .............. 65
2.2.1 Sistemas de Jogos, Ferramentas de edição e criação e Motores de Jogos .................. 68
2.2.2 Código fonte aberto ..................................................................................................... 71
2.2.3 Cheats, Exploits e Hacks ............................................................................................. 71
2.3 PRIMEIROS EXPERIMENTOS EM CONTEÚDO GERADO POR USUÁRIOS ... 76
2.3.1 Lode Runner (1983) .................................................................................................... 76
2.3.2 Pinball Construction Set e os videogames de fazer videogames ................................ 80
2.3.3 Excitebike (1984) ........................................................................................................ 83
2.4 ID SOFTWARE: A CRIAÇÃO DE UM GÊNERO, UM MODELO DE NEGÓCIOS
E UMA FORMA DE RELAÇÃO COM SEUS JOGADORES ................................. 86
2.4.1 Origens humildes, grandes ambições .......................................................................... 87
2.4.2 Commander Keen e Shareware ................................................................................... 88
2.4.3 Wolfenstein 3D, Jogos de Tiro em Primeira Pessoa e a busca pela imersão na
simulação. .................................................................................................................... 90
2.4.4 Doom ........................................................................................................................... 96
2.4.5 Quake e a popularização dos motores de Jogo .......................................................... 103
2.5 A EXPLOSÃO CAMBRIANA DOS JOGOS DE TIRO EM PRIMEIRA PESSOA
................................................................................................................................... 110
3 PLAYBOUR, INOVAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO: DILEMAS DA
PRODUÇÃO AMADORA NA ERA DA CONVERGENCIA DIGITAL .......... 116
3.1 ENCONTRANDO AS COMUNIDADES DE MODDING...................................... 121
3.2 O MODDER EM FOCO ........................................................................................... 127
3.3 PROFISSIONALIZAÇÃO E PLAYBOUR.............................................................. 130
3.4 INOVACÃO.............................................................................................................. 135
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 138
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 141
11

INTRODUÇÃO

A intenção dessa pesquisa é verificar como videogames permitem a criação, troca e


colaboração de conteúdo criado por usuários e as características das comunidades de
entusiastas que são formadas para tais fins. Para esse trabalho videogames são ententidos
como jogos digitais dependentes de um suporte computacional para sua realização. Apesar de
existirem diversos suportes possíveis por essa definição, o objeto principal de análise são
computadores pessoais e consoles caseiros.
Esse trabalho tem como objeto de pesquisa principal as formas como videogames se
tornam matéria prima para as atividades de criação e alteração de conteúdo por jogadores, em
especial uma particular, conhecida por seus praticantes como modding. Para isso procurou-se
analisar as dimensões históricas e culturais dos videogames a partir das relações que são
travadas dentro de comunidades de interesse formadas especificamente para esse fim e das
dimensões de design de jogo que influenciam diretamente na criação desses mods de jogo.
O termo modding é comumente utilizado para caracterizar a prática de alteração de
características de um videogame por seus usuários, através da manipulação de arquivos e/ou
processos que o constituem, resultando em uma experiência diferente da originalmente
pretendida por seus desenvolvedores. Essas modificações são feitas geralmente através do
acesso às ferramentas de edição como motores de jogo1 ou editores incluídos no pacote de
softwares que acompanham aquele determinado videogame, mas podem ser também criadas
por meio de ferramentas, criadas muitas vezes violando os direitos de propriedade intelectual
de seus desenvolvedores, por jogadores com conhecimentos mais avançados em
desenvolvimento de software.
Entre as diversas formas de intervenção por parte de usuários que podem ser
consideradas mods podemos citar a adição de elementos estéticos como novas aparências para
objetos e personagens, alterações nas dinâmicas de interação com o videogame por meio da
criação de ambientes e mapas diferentes, ou mesmo a modificação de dados e processos que
determinam as regras da simulação que formam a base dessa interação jogo-usuário. Ao longo
desse trabalho serão apresentados diversos exemplos que trarão mais clareza à grande
quantidade de possibilidades apontadas apenas brevemente aqui.

1
Conhecido em inglês como “Game Engine”, pode ser descrito como o software utilizado como plataforma de
construção do jogo. Por meio dele, são combinados os vários elementos que o constituem (gráficos, animações,
sons, algoritmos de comportamento e regras do jogo, etc.) a fim de criar o programa executável que será
adquirido e jogado pelo jogador.
12

Neste trabalho buscou-se fornecer pistas e apontamentos em direção a um


entendimento mais aprofundado das maneiras como os papéis de produtor e consumidor,
autor e usuário, jogador e fã, vêm se transformando ao longo das últimas décadas, em grande
parte, graças à ascensão de novas plataformas midiáticas digitais, com especial ênfase nos
videogames.
Para isso procurou-se expor e discutir como, por um lado, desenvolvedores buscaram
permitir a integração de conteúdo gerado por usuários em seus videogames. E, por outro,
identificar e analisar as diferentes ferramentas com as quais jogadores passam a ocupar, em
diferentes intensidades, o papel de coautores desses videogames.
Além disso, procurou-se iluminar como essas relações se alteram - às vezes de
maneira conflituosa - quando esses jogadores assumem o papel de modders. Essas relações
serão estudadas a partir de uma análise de comunidades engajadas na criação e distribuição
desse tipo de conteúdo.
É possível apontar em duas frentes a relevância dos temas e objeto propostos para esse
trabalho. Das chamadas “novas mídias” digitais, a internet e os videogames possuem origens
muito parecidas. Isso não se dá apenas por exigirem máquinas computáveis enquanto suporte
tecnológico para suas realizações, mas também por serem em grande parte contemporâneos e
conterrâneos. Nas mesmas universidades e centros de pesquisa onde os primeiros grupos de
discussão online e os primeiros e-mails foram trocados também se encontravam disponíveis
os primeiros videogames, desenvolvidos de maneira amadora por estudantes e funcionários
com acesso a essas máquinas. Ao longo das décadas ambas deixariam de ser interesse de um
grupo reduzido de indivíduos e tomariam proporções jamais imaginadas por seus primeiros
usuários. Ao longo de todo o trabalho buscaremos enfatizar como, conjuntamente, internet e
videogames, potencializam as transformações nas relações de consumo e produção de objetos
midiáticos que são consideradas.
É indiscutível o papel da internet como plataforma para as formas de relacionamento
social que se intensificaram nas últimas décadas. Como aponta Rheingold em seus trabalhos
sobre comunidades virtuais, desde sua concepção, as redes de computadores - e sua forma que
conhecemos popularmente como internet - serviram para a discussão dos mais variados temas,
inclusive videogames, e para formas de interação social que, se virtuais, muitas vezes se
tornavam mais significativas do que as interações “reais” cotidianas para seus participantes.
Nos últimos anos, a discussão a respeito da chamada “web 2.0” e sua capacidade de
potencializar a participação e a colaboração em diversas esferas da sociedade se tornou tema
recorrente entre acadêmicos, empresas e veículos de comunicação. O termo “web 2.0” é
13

comumente utilizado para identificar toda sorte de plataforma para criação, compartilhamento
e categorização de conteúdo online gerado por usuários da internet. Apesar de geralmente ser
utilizado com certo viés comercial para denominar a ideia de software enquanto serviço que
se tornou predominante em sites como MySpace, Facebook, Tumblr e tantos outros que
surgiram e se foram desde 2005, quando O’Reilly (O’REILLY, 2007) popularizou o termo, o
fato é que temos que admitir que houve uma profunda transformação na relação entre usuários
e produtores de conteúdo e informação online na última década. A explosão das redes sociais,
dos blogs e o sucesso de experiências como a Wikipédia são apenas os casos mais
emblemáticos de um movimento que ainda está em processo.
Essas tendências de aproximação entre consumidores e produtores cada vez mais
presentes em outras mídias, conforme elas progressivamente assumem plataformas de
produção e consumo digitais, desde muito cedo fazem parte das práticas de autores e
jogadores de videogames. Como discutiremos ao longo do segundo e terceiro capítulo,
ferramentas que permitem a jogadores produzirem e compartilharem conteúdo original criado
por eles existem desde pelo menos os anos 80. É possível inclusive argumentar, com faremos,
que alguns dos primeiros videogames como SpaceWar! e Colossal Cave Adventure,
distribuídos gratuitamente a partir dos anos 60 e 70 respectivamente, possuíam implícita a
abertura para a alteração e modificação de seu conteúdo por jogadores. Além disso,
discutiremos como a popularização dos computadores pessoais ofereceu a jovens entusiastas a
oportunidade de aprender programação através da modificação e experimentação com
videogames.
Podemos afirmar que pelo menos desde os anos 80 videogames comerciais de sucesso
foram lançados com ferramentas explicitamente desenvolvidas para a criação de conteúdo por
jogadores e essas ferramentas fizeram parte de seu apelo comercial. Ao longo do terceiro
capítulo, discutiremos Excitebike (Nintendo, 1983), Pinball Construction Set (Eletronic Arts,
1983) e Lode Runner (Brøderbund Software, 1983) enquanto casos emblemáticos dessa
situação.
Como discutiremos, a noção de abertura ao conteúdo gerado por usuário já era
corrente entre desenvolvedores e jogadores. Acredita-se que é mais apropriado, porém,
apontar os anos 90 como o período onde a ideia de modding toma sua forma mais bem
definida e explora com maior intensidade as possibilidades e os limites da ideia de um usuário
coautor da experiência. Buscaremos justificar como, ao menos em parte, esse fenômeno se
deveu à popularização do acesso à internet - que nesse período progressivamente tomou a
14

forma na qual a conhecemos contemporaneamente - e à potencialização dos aspectos


participativos relacionados à explosão das comunidades de conhecimento online.
É preciso apontar a importância de uma desenvolvedora de videogame, em especial, id
Software, e as séries de videogames Wolfenstein 3D (id Software, 1992), Doom (id Software,
1993) e Quake (id Software, 1996) criadas por ela para a popularização das práticas de
modding e modos multijogador online. O terceiro capítulo procura elaborar melhor essa
importância e algumas das implicações do sucesso desses videogames na aceitação das
práticas de modding como positivas e a serem incentivadas por desenvolvedores.
Jogos buscam engajar de diversas maneiras aqueles que escolhem participar das
experiências que eles proporcionam. Se inicialmente adotarmos a definição funcional de Katie
Salen e Eric Zimmerman e encararmos um jogo como “um sistema no qual jogadores se
engajam em um conflito artificial, definido por regras e que resulta num desfecho
2
quantificável” (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p. 80), devemos admitir que alguém
definiu quais seriam as capacidades do jogador, a forma que aquele conflito específico toma,
as regras sob as quais o jogo acontece e uma maneira clara de avaliar se as ações tomadas
durante sua duração foram adequadas ao desafio proposto.
Em jogos de tabuleiro, brincadeiras e esportes, alterar os elementos constituintes do
sistema de jogo não é algo necessariamente complicado, basta que os participantes concordem
com as mudanças propostas e passem a segui-las. Em videogames, esse tipo de alteração não
é necessariamente tão simples de ser efetuada. Quando fala-se em videogames, o sistema
criado pelo conflito, as regras e o resultado formam um modelo de experiência que é, ao
menos em parte, controlado pela máquina com o qual o jogador interage, a fim de produzir
um estado diferente do inicial. Graças à intermediação da máquina, capaz de computar
rapidamente diversos cenários possíveis e assim remover da superfície da interação partes
desnecessárias da complexidade inerente ao sistema que governa o jogo em questão, é
possível criar modelos de experiência muito mais ricos e interativos em videogames do que
aqueles que existem geralmente em jogos tradicionais.
Analisar o significado de permitir a criação de conteúdo por jogadores e as maneiras
pelas quais eles recebem ou tomam à força certa capacidade autoral sobre um videogame a
fim de alterar seus elementos constituintes são alguns dos pontos que acreditamos serem
principais a esse trabalho. Isso, no entanto, não é geralmente um tipo de intervenção trivial

2
A game is a system in which players engage in an artificial conflict, defined by rules, that results in a
quantifiable outcome.
15

por parte do jogador, especialmente se comparado à maneira informal e dialógica através da


qual ocorre em jogos de tabuleiro, brincadeiras e esportes por exemplo.
A complexidade dos sistemas de jogo que estão sendo modificados e os
conhecimentos técnicos específicos e fundamentais em programação, arte e nas ferramentas
de software necessárias para esse tipo de intervenção quase nunca são triviais. Além disso, o
acesso aos arquivos audiovisuais, ao código que controla os processos computacionais, à
documentação que descreve os comportamentos do sistema e o suporte de desenvolvedores,
muitas vezes não estão disponíveis. Em alguns casos, os próprios jogadores, especialmente
aqueles com maior conhecimento no desenvolvimento de software, forçam o acesso a esses
elementos através de engenharia reversa ou utilizando-se de softwares específicos que
removem ou injetam dados na execução do videogame original. Essas diferentes formas de
intervenção serão discutidas em maior detalhe no terceiro capítulo.
O que busca-se identificar é, quando essa abertura existe, como jogadores se
apropriam dela e o que são capazes de criar com ela. Acredita-se que mais do que em outras
comunidades de interesse online constituídas por fãs, a necessidade de cooperação e
colaboração se torna ainda mais útil a fim de se produzir conteúdo de qualidade para
videogames, conforme as dificuldades e particularidades citadas acima.
Um dos principais objetivos da pesquisa é a tentativa de construir um conceito de mod
que possua maior poder explicativo em relação aos diversos fenômenos que o termo sugere,
sem banalizá-lo e colocando-o em comparação às outras formas de apropriação e modificação
de artefatos culturais que vemos em videogames e em outras mídias.
Com isso, pretendemos apontar semelhanças e diferenças entre videogames, enquanto
um tipo particular de mídia digital e outras consideradas tradicionais. Um dos objetivos dessa
diferenciação é tentar enriquecer o debate crítico a respeito dos tipos de participação e dos
artefatos que elas produzem. Tentar avaliar as maneiras como inovação, playbour e os
diferentes modos que a relação entre desenvolvedores e modders assume, particularmente
quando o trabalho dos últimos é apropriado pelos primeiros.
Outro ponto importante para esse trabalho é tentar pensar as dimensões da cultura
participativa e daquilo que Jenkins denomina “convergência midiática” nas práticas cotidianas
da sociedade contemporânea através dessas comunidades de modding.
Como dito anteriormente, acredita-se que duas frentes de pesquisa principais se
encontram ao discutirmos a ideia de conteúdo gerado por usuário de videogames.
Por um lado temos discussões relacionadas às formas de sociabilidade e produção de
conhecimento online que se iniciam já nos anos 90 com os trabalhos de autores como Howard
16

Rheingold e Sherry Turkle, mas que ganham proeminência a partir dos anos 2000. Utilizamos
como autores de referência para esses assuntos, principalmente, Clay Shirky, Axel Bruns,
Mizuko Ito e Henry Jenkins.
Dentre os autores citados, parece-nos importante enfatizar a importância dos dois
últimos. O trabalho de Henry Jenkins nos oferece boa parte do ferramental teórico que
utilizamos para discutir e analisar a maneira como as comunidades de modding se relacionam
com os artefatos midiáticos catalizadores de suas formações, seguindo as pistas e sugestões
oferecidas por ele ao estudar os fandoms enquanto casos especiais dos tipos de comunidades
de conhecimento, que se popularizam dentro do que ele chama de “cultura da convergência”.
Por outro lado, Mizuko Ito e o amplo estudo da interação por meio de comunidades e
serviços de comunicação online, especialmente entre jovens, feito por ela e seu grupo de
pesquisas, nos oferece ainda um ponto de partida para uma discussão das diferentes formas de
apropriação e produção amadora de artefatos culturais. A ênfase nas diferentes dinâmicas e
papéis dos participantes dessas comunidades propostas por Ito e sua equipe em Hanging out,
Messing Around, and Geeking Out (ITO, 2010b), nos oferecem uma entrada particularmente
útil na discussão do “aprendizado e produção coletiva de inovações sociais, culturais e
técnicas que estão radicalmente reconfigurando nossa paisagem midiática” (ITO, 2010a).
Por outro lado, a grande diversidade de tipos e formas de conteúdo gerado por usuário
encontrado quando analisamos os artefatos resultantes do trabalho dos membros dessas
comunidades, nos força a algumas distinções terminológicas importantes se desejamos
enfatizar uma em especial: o modding. Como argumentaremos no segundo capítulo,
acreditamos que os videogames são particularmente aptos à intervenção e alteração por parte
de usuários em dois níveis: enquanto fonte de inspiração e suporte para criação de artefatos
midiáticos tradicionais – imagens, vídeos e textos, por exemplo – e como plataforma para a
criação de artefatos midiáticos particulares aos videogames enquanto mídia digital.
Tentaremos, com base nos trabalhos de alguns autores ligados ao que se convencionou
denominar “game studies”, classificar qualitativamente as diferenças entre videogames e
outros objetos midiáticos. Utilizando alguns de seus conceitos, busca-se apontar as
particularidades das intervenções criativas que visam explorar essas características. Com a
ajuda especialmente de autores como Katie Salen e Eric Zimmerman, e Jesper Juul,
tentaremos operacionalizar uma perspectiva teórica que trabalhe sobre essa diferença e na
maneira como o poder retórico e expressivo de um videogame somente se realiza durante o
processo de experiência da simulação e como as intervenções classificadas como mod,
17

conceito que vamos retrabalhar ao longo de todo esse trabalho, é uma das maneiras mais
intrigantes de subversão das relações autor/usuário e produtor/consumidor.
Finalmente, através da análise de um corpo de trabalhos, especialmente artigos de
outros autores que lidaram com diferentes comunidades de modding, procuraremos encontrar
similaridades em suas fundações, práticas e nas relações com os desenvolvedores dos
videogames que são apropriados por elas.
A fim de realizar satisfatoriamente os objetivos assinalados previamente, decidimos
dividir esse trabalho em cinco capítulos, sendo três principais, cada um efetuando um
movimento distinto, mas complementar.
No primeiro capítulo, que compõe o primeiro movimento, são apresentados alguns dos
conceitos principais para pensarmos mídias digitais, em especial aquelas que permitem a
comunicação em rede e os videogames e certas formas de cultura participativa que surgem da
intersecção delas. Também tentaremos dar início a uma narrativa que destaque alguns dos
casos mais interessantes de abertura à intervenção criativa que ocorreram ao longo da história
dos jogos eletrônicos, apontando por um lado seu contexto e por outro sua importância. Para
isso, alguns videogames foram selecionados e divididos em subcapítulos, nos quais se tentará
expor mais pormenorizadamente as características que se julga torná-los especiais para a
discussão desse trabalho. Por fim, tentaremos justificar através da combinação desses dois
argumentos a discussão que se dará no capítulo seguinte.
O segundo capítulo se ocupará em trazer autores ligados aos game studies e uma
discussão teórica que tente ligar as práticas apresentadas com a perspectiva do jogador como
produtor e da ideia de apropriação do sistema de jogo. Buscaremos equilibrar com base na
metodologia apresentada por Katie Salen e Eric Zimmerman, as três dimensões pelas quais
um jogo pode ser entendido: regras, interação lúdica e cultura e como elas se relacionam às
formas de intervenção transformadora que jogadores podem efetuar. Acredita-se que uma
clarificação nesse sentido ajuda a embasar com maior propriedade a discussão do capítulo
seguinte.
No terceiro capítulo, será feita uma discussão utilizando as características levantadas
pelos trabalhos de outros autores que lidaram com comunidades de modding específicas, para
discutir as relações entre desenvolvedores e fãs nelas travadas. Em especial, tentaremos
chegar a uma definição de mod que leve em consideração as formas de expressividade
particulares de um videogame em relação às outras mídias e avaliação prática das formas
como as atividades de modding subvertem uma série de papéis na relação do usuário com o
videogame.
18

Finalmente, nas considerações finais do trabalho, procuraremos sugerir de que forma a


possibilidade do conteúdo gerado por usuário, em especial o modding, oferecem aos
videogames um local de destaque ao se pensar as questões referentes às novas formas de
consumo e produção propiciadas pelas mídias digitais, sem deixar de lado os dilemas e
contradições que essas relações produzem.
19

1 ORIGENS DAS PRÁTICAS PARTICIPATIVAS EM VIDEOGAMES

Basta observarmos as mudanças ocorridas na maneira como consumimos informação e


interagimos socialmente, para tornarem-se inegáveis os efeitos do salto feito de mídias
tradicionais para formatos digitais e a popularização de novas mídias intrinsecamente digitais.
Como já dizia o sempre presciente Marshall McLuhan: “a maneira como indivíduos fazem
sentido do mundo a seu redor e se relacionam com ele estão invariavelmente conectadas às
mídias utilizadas nesse processo.” A diferença, como ele também aponta, está no fato de que
hoje vivemos na primeira era na qual essas mudanças tecnológicas ocorrem suficientemente
rápido para que a sociedade, como um todo, seja capaz de identificar o papel da tecnologia
como uma extensão de nossos corpos (MCLUHAN, 1995, p. 231).
Consideramos os mods – termo comumente utilizado para designar modificações que
alteram de alguma forma a experiência de um videogame e que são criadas por jogadores – e
o modding – a atividade solitária ou colaborativa de criar mods para um videogame – os
principais objetos de estudo desse trabalho. Por se encontrarem na intersecção entre a rede de
computadores interconectados que forma a internet e os videogames, eles nos oferecem a
possibilidade de uma discussão bastante particular das mídias digitais.
Tanto Salen e Zimmerman (SALEN & ZIMMERMAN, 2003) quanto Jesper Juul
(JUUL, 2005), propõe definições para o que é um jogo que não limita sua existência a uma
plataforma tecnológica ou a condições materiais específicas. O que faz de algo um jogo para
os autores citados, são suas características constitutivas, a dizer:

Um jogo é um sistema no qual jogadores interagem em um conflito artificial,


definido por regras que resultam em um desfecho quantificável3 (SALEN &
ZIMMERMAN, 2003, p.80, tradução nossa).

E também:

Um jogo é um sistema baseado em regras com um desfecho variável e


quantificável, onde diferentes desfechos têm diferentes valores designados, o
jogador despende esforço a fim de influenciar o desfecho, o jogador sente-se
emocionalmente ligado ao desfecho e as consequências da atividade são
negociáveis4 (JUUL, 2005, p.36, tradução nossa).

3
A game is a system in which players engage in an artificial conflict, defined by rules, that results in a
quantifiable outcome.
4
A game is a rule-based system with a variable and quantifiable outcome, where different outcomes are assigned
different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels emotionally attached
to the outcome, and the consequences of the activity are negotiable.
20

Os autores citados enfatizam o fato de jogos serem sistemas compostos de elementos


ordenados de uma determinada maneira por suas regras constituintes, fato que abre a
possibilidade para que um mesmo jogo possa existir em diferentes plataformas. Apesar de
todas as diferenças que possam existir entre os suportes materiais, um jogo de xadrez, por
exemplo, jogado com peças de madeira ou em sua versão para computador, será sempre o
mesmo jogo. O que permite isso é o fato do suporte imaterial de um jogo ser “o respeito às
regras, a determinação de quais movimentos e ações são permitidas e a que elas levarão”
(JUUL, 2005, p.48), podendo um mesmo jogo existir em diferentes meios. Juul considera que
jogos são, nesse sentido, transmidiáticos.
Para Henry Jenkins, através de Lisa Gitelman, podemos entender melhor uma mídia
através de um modelo que funciona em dois níveis:

[...] no primeiro um mídia é uma tecnologia que permite comunicação; no


segundo, uma mídia é um conjunto de “protocolos” associados ou práticas
culturais e sociais que cresceram ao redor daquela tecnologia. Sistemas de
entrega [delivery systems] são simples e unicamente tecnologias; mídias são
também sistemas culturais. Tecnologias de entrega vêm e vão o tempo todo,
mas mídias persistem como camadas de sedimento dentro de um estrato de
informação e entretenimento cada vez mais complicado5 (JENKINS, 2006a,
p. 13, tradução nossa).

Essa perspectiva nos oferece a possibilidade de distinguir as diferentes possibilidades


que o computador oferece: ele é tanto suporte tecnológico para novas mídias, quanto sistema
de entrega para mídias tradicionais. Essa distinção se fará particularmente útil quando formos
discutir as diferentes formas que o conteúdo gerado por usuários assume quando falamos de
videogames.
Um sistema de entrega digital oferece às mídias tradicionais novas oportunidades não
apenas para seu consumo, mas também para sua produção. Toda informação armazenada em
um disco rígido, seja ela filme, som ou texto, é a princípio passível de ser duplicada e
modificada a custo marginal e sem perda de qualidade. A distinção entre cópia e original
perde sentido quando passamos a trabalhar no meio digital, assim como o valor intrínseco
daquele objeto midiático passa necessariamente por uma reavaliação: objetos midiáticos
digitais não são escassos, muito pelo contrário, podem ser reproduzidos e, graças à internet,

5
[...] on the first, a medium is a technology that enables communication; on the second, a medium ia a set of
associated “protocol” or social and cultural practices that have grown up around that technology. Delivery
systems are simply and only technologies; media are also cultural systems. Delivery technologies come and go
all the time, but media persist as layers within an ever more complicated information and entertainment stratum.
21

compartilhados a custos marginais quantas vezes se fizerem necessário (SHIRKY, 2010, p.


45).
Henry Jenkins busca com o conceito de convergência sintetizar o sentido das
mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais influenciadas pelas novas formas de
circulação midiática que surgem dessa digitalização das mídias. Para Jenkins, compreender
como essa convergência afeta a cultura popular e é afetada por ela é essencial para
entendermos o fluxo de conteúdo através de diferentes plataformas midiáticas e a maneira que
diferentes sistemas de produção, comercialização e consumo de mídias devem se adaptar às
novas demandas e anseios da sociedade.
Mais do que um processo de evolução tecnológica, a convergência para Jenkins é mais
bem compreendida como uma mudança cultural na forma que consumimos e processamos
conteúdo de diversas mídias diferentes de maneira cada vez mais coletiva, nos apropriando de
seus significados e os recombinando para construir nosso entendimento do mundo. Na
contemporaneidade, diferentes mídias, tradicionais e novas, devem aprender a conviver num
contexto onde os sistemas de entrega digitais predominam e oferecem a seus consumidores
novas formas de relação com seus objetos.
Além da convergência midiática, Jenkins elenca e elabora outros dois conceitos
essenciais para construir seu argumento de que uma “cultura da convergência” vem surgindo:
cultura participativa e inteligência coletiva.
A cultura participativa pode ser caracterizada especialmente pela maneira que as
relações entre produtores de conteúdo midiático e seus consumidores vem sendo
profundamente transformadas pelas novas possibilidades de interação e intervenção de
consumidores sobre os artefatos midiáticos que lhes são caros. Facilitada pela interação
mediada por computadores em rede, a circulação de conteúdo midiático depende cada vez
mais da participação ativa dos consumidores, especialmente aqueles capazes de criar e
participar de espaços coletivos de troca de informações e opiniões. Ao invés de falarmos em
produção e consumo de conteúdo midiático como etapas separadas, Jenkins propõe vermos
ambas como elementos de um novo conjunto de relações ainda não totalmente compreendido
pelas partes envolvidas (JENKINS, 2006a, p.12).
Jenkins percebe, no entanto, que se mais atores ganham agência sobre os artefatos que
compõe a cultura popular na qual estão imersos, as relações de poder permanecem desiguais,
especialmente quando falamos da indústria midiática de massa. Se por um lado consumidores
cada vez mais catalogam, anotam, apropriam-se e redistribuem conteúdo midiático, o poder
de decisão sobre quais serão esses objetos midiáticos está sendo exercido por um número
22

progressivamente menor de corporações. A convergência deve ser considerada, portanto,


tanto um processo de baixo para cima guiado por consumidores, quanto um processo de cima
para baixo dominado por conglomerados multinacionais que dominam a indústria do
entretenimento.
Autores como Axel Bruns (BRUNS, 2008) vão ainda mais longe. Ao analisar os
processos de geração de conteúdo por usuários da internet, Bruns argumenta que estamos
observando o surgimento de um diferente modelo de produção, essencialmente diferente do
modelo capitalista tradicional. Ele chega mesmo a propor um neologismo, produsage, para
descrever essa forma criativa, colaborativa e descentralizada de envolvimento e que é
potencializada por certas plataformas de serviço online como blogs, redes sociais e
tecnologias como as wikis.
Bruns argumenta que esse modelo de geração de conteúdo se beneficia grandemente
do desenvolvimento de tecnologias de suporte que inspiram-se na noção de “arquitetura de
participação”, como sugerida por O’Reilly (O’REILLY, 2007). A internet, enquanto
plataforma para o desenvolvimento de software, oferece a oportunidade da aplicação de uma
filosofia de arquitetura que leva em consideração as potencialidades que a conexão de muitos
com muitos possibilita para a interação e a colaboração, como vemos claramente nos diversos
projetos de software aberto. Essas potencialidades, no entanto, não estão restritas ao
desenvolvimento de software.
A promessa da “Web 2.0”, outro termo popularizado por O’Reilly (O’REILLY, 2007),
foi justamente a de se promover a criação de software que expandisse o acesso às ferramentas
e suavizasse a curva de aprendizagem necessária para que mais indivíduos produzissem e
compartilhassem conteúdo online. Se o termo “Web 2.0” pode ser criticado, o fenômeno que
ele aponta e a importância desses softwares para as formas de sociabilidade possíveis na
internet atual é inegável.
Essa forma de geração de conteúdo propõe-se ser marcada por ser iterativa, controlada
por modelos heterárquicos, flexíveis de participação e de desenvolvimento evolucionário. Um
grande número de participantes, através de pequenas contribuições individuais, seria capaz de
construir uma base de conhecimento coletiva maior e melhor do que qualquer um deles
sozinho.
A ideia não é que esse modelo substitua o modelo capitalista de produção, mas da
mesma forma que as mudanças no consumo de conteúdo midiático que Jenkins sugere estar
acontecendo, alteram as maneiras como a audiência os consome e interpreta. Esse modelo de
23

produção transforma as relações ao viabilizar a existência de novas formas de criação,


circulação da informação e conhecimento (BRUNS, 2008).
O outro conceito apontado por Jenkins, inteligência coletiva, foi retirado do
importante trabalho de Pierre Levy a respeito das potencialidades da cultura virtual e dos
novos tipos de socialização via internet.
Um dos efeitos da convergência midiática está justamente em alterar a maneira como
recebemos conteúdo midiático e o interpretamos. Quando consumimos conteúdo midiático
não o fazemos fora do contexto cultural no qual estamos inseridos. Se antes a esfera pública
para debates a respeito desse conteúdo era em grande parte restrita por aspectos geográficos
ou de afiliação a uma comunidade e cultura locais, a popularização da internet e a progressiva
facilidade de criar espaços para debate online nos oferece oportunidades até pouco tempo
inimagináveis de participação.
Esse processo de debate e construção coletiva de opiniões, argumentos e
conhecimentos a respeito de um tema de interesse comum e a maneira como ele acontece em
comunidades online, é um dos pontos principais do trabalho de Jenkins.
Jenkins argumenta que certas comunidades virtuais, em especial aquelas que se
formam ao redor de propriedades intelectuais ligadas ao entretenimento de massa, apresentam
em suas práticas e na cultura de seus membros semelhanças com o que Levy define como
“comunidades de conhecimento”. Nessas comunidades, pessoas compartilham seu
conhecimento e experiências individuais em direção à realização de projetos e objetivos
comuns. O participante de uma “comunidade de conhecimento” agrega à soma das
contribuições individuais - cada uma oferecendo uma perspectiva diferente em relação às
demais - sendo a comunidade coletivamente capaz de saber mais do que qualquer um de seus
membros isoladamente. É esse processo que constitui a inteligência coletiva. (JENKINS,
2006a, p.26-28)
Por ser fruto do consumo crítico de produtos midiáticos, o tipo de conhecimento que
Jenkins julga estar sendo criado e compartilhado nessas “comunidades de conhecimento”
frequentemente não possui competências e formas de ensino estabelecidas em um corpo de
conhecimentos formais para sustentá-lo. Essas competências e conhecimentos são criados de
maneira dialógica por seus membros através dos embates de ideias e opiniões resultantes das
contribuições individuais de cada um. As competências e conhecimentos de uma comunidade
desse tipo são, portanto, construídos com base na contribuição de seus membros e suas
práticas são reflexo desse processo (JENKINS, 2006a, p.29).
24

É importante notar, como Jenkins o faz reiteradamente, que se podemos perceber


elementos do que constituiria uma “comunidade de conhecimento” nesses grupos de
consumidores de mídia e em sua interação, essas ainda são formas muito localizadas e de
escopo e intenção muito diferentes da utopia visionária de Levy, na qual o mundo todo
operaria como uma comunidade de conhecimento e uma única inteligência coletiva seria
compartilhada por toda a humanidade.
Não obstante, essas comunidades não podem ser consideradas sem valor algum em
função de seus objetos de interesse. Concordamos com o argumento de Jenkins de que esses
experimentos locais demonstram a viabilidade de novas formas de produção de conhecimento
e agência coletiva surgirem para além dos modelos econômicos e políticos tradicionais.
Acreditamos juntamente com Jenkins, que essas comunidades de conhecimento oferecem
espaços para o aprendizado dessas novas formas de sociabilidade e tomada de decisão,
competências necessárias para lidar com essas novas formas de consumo e produção de
conteúdo midiático, mas que as extrapolam.

1.1 FÃS, FANDOMS E MODDING

O processo social de aquisição, discussão e produção de conhecimento, dinâmico e


participativo, testa continuamente os laços sociais do grupo e é a fonte de sua coesão
(JENKINS, 2006a, p.54). Para Jenkins, essas novas comunidades - em oposição às formas
tradicionais de comunidade - são caracterizadas por serem afiliações voluntárias, estratégicas
e temporárias.

Porque são voluntárias, pessoas não permanecem em comunidades que não


mais vão de encontro com suas necessidades intelectuais ou emocionais.
Porque são temporárias essas comunidades formam-se e debandam-se com
relativa flexibilidade. Porque são estratégicas elas tendem a não durar além
das tarefas que as põe em movimento. Algumas vezes tais comunidades
podem redefinir seus propósitos. Partindo-se da posição que ser um fã é um
estilo de vida, fãs podem deslocar-se entre diferentes séries diversas vezes
durante a história de suas afiliações. Entretanto, conforme uma comunidade
se debanda, seus membros podem mudar-se para diversos locais diferentes,
procurando novos espaços para aplicar suas habilidades e novas aberturas
para suas especulações e nesse processo suas habilidades se espalham para
novas comunidades e são aplicadas a novas tarefas6 (JENKINS, 2006a, p.
57, tradução nossa).

6
Because they are voluntary, people do not remain in communities that no longer meet their emotional or
intellectual needs. Because they are temporary, these communities from and disband with relative flexibility.
25

Parece-nos importante notar o uso do termo “fã” na citação acima. No início de sua
carreira acadêmica, Jenkins estudou com atenção a maneira como grupos de fãs de
determinadas propriedades intelectuais de massa, em especial fãs de séries de televisão e
livros, se relacionavam com o objeto de seu interesse e, mais particularmente, uns com os
outros na construção dessas comunidades. O fã, entendido em oposição ao consumidor casual
de um determinado produto midiático, é o indivíduo que busca consumir ativa e criticamente.
Ao longo dos anos 80 e 90, Jenkins escolheu essas comunidades como objeto de
estudo, especialmente pelo caráter “grassroots” das suas práticas de produção e consumo de
conteúdo midiático. A expressão grassroots, que poderia ser traduzida literalmente como
“raiz de grama”, tem sua origem ao descrever movimentos ou mobilizações sociais de base
popular, organizados fora do modelo de participação política tradicional, envolvidos em uma
determinada causa social, mas Jenkins a utiliza para descrever também a maneira como
comunidades de fãs que estudou operavam (JENKINS, 2006a, p. 257).
Jenkins aponta que são as políticas de consumo de mídia que são contestadas por essas
comunidades de fãs e não necessariamente temas ligados à política tradicional. Fãs fazem uso
de imagens e conceitos provenientes da cultura de massa, base de entendimento comum
compartilhada por esses indivíduos, para questionarem seu status subordinado, vislumbrar
alternativas e expor suas frustrações a respeito da sociedade. Essa ideologia contestadora, no
entanto, não precisa ser um elemento explícito do objeto de fandom, que muitas vezes faz
justamente o oposto ao reforçar estereótipos e ao ignorar grupos subalternos. É justamente a
comunidade de fãs, através de práticas de reapropriação e ressignificação desses objetos
culturais, que pode fornecer-lhe um espírito de resistência cultural. (JENKINS, 2006b, p.60)
O fã é o indivíduo que consome entusiasticamente um determinado produto ou
conjunto de produtos culturais de massa, muitas vezes procurando aprofundar, expandir e
refletir quanto ao próprio conhecimento sobre eles, integrando-os em sua própria experiência
social cotidiana. “Para o fã, o consumo naturalmente inspira produção, leitura gera escrita, até
que esses termos pareçam logicamente inseparáveis” (JENKINS, 2006b, p.41).

Because they are tactical, they tend not to last beyond the tasks that set them in motion. Sometimes, such
communities can redefine their purpose. Insofar as being a fan is a lifestyle, fans may shift between one series
and another many times in the history of their affiliation. Yet, as a fan community disbands, its members may
move in many different directions, seeking out new spaces to apply their skills and new openings for their
speculations, and in the process those skills and new openings for their speculations, and in the process those
skills spread to new communities and get applied to new tasks.
26

Fãs rejeitam a ideia de uma versão definitiva produzida, autorizada e


regulada por algum conglomerado midiático. Ao invés disso, fãs imaginam
um mundo onde todos nós podemos participar na criação e circulação de
mitos culturais centrais. Aqui, o direito de participar na cultura é entendido
como sendo a “liberdade que nos permitimos”, não um privilegio ofertado
pela benevolente companhia, não algo que eles não estão preparados para
barganhar por melhores arquivos de vídeo ou hospedagem gratuita. Fãs
rejeitam também a presunção de estúdios, de que propriedade intelectual é
um recurso finito a ser controlado de perto ou caso contrário tem seu valor
diluído. Ao contrário, eles abraçam um entendimento de propriedade
intelectual enquanto “shareware”, algo que aumenta seu valor agregado
conforme se move através de diferentes contextos, é recontado de diversas
maneiras diferentes, atrai múltiplas audiências e abre a si mesma para a
proliferação de significados alternativos7 (JENKINS, 2006a, p.267, tradução
nossa).

O fã, enquanto fenômeno sociológico, só passa a existir quando traduz esses processos
individuais em alguma forma de atividade cultural, através do compartilhamento desses
sentimentos e pensamentos com outros fãs daquele mesmo objeto cultural. O poder do fã é
transformar reações pessoais em interações sociais e uma cultura do espetáculo em cultura
participativa. Jenkins utiliza-se do termo “fandom” para denominar as organizações sociais e
as práticas culturais criadas pelos mais apaixonadamente engajados consumidores de
propriedades midiáticas de massa.
Fãs e fandom precedem a internet enquanto fenômenos sociais, tendo suas origens já
no século XIX com as primeiras comunidades de leitores. Dito isso, as possibilidades de
interação que o surgimento da conexão de computadores via redes online determinou um
ponto de mudança epistemológico para a noção de inteligência coletiva e para como
comunidades de fãs se formam e organizam. Se fandoms já eram uma espécie de comunidade
de conhecimento bem antes da internet, o novo ambiente digital aumentou a velocidade e o
alcance dos fluxos de comunicação entre seus integrantes.
Outro ponto que Jenkins levanta repetidamente é a progressiva influência que fãs
passam a ter sobre os artefatos midiáticos que lhe são caros. Se antes essa influência tinha

7
Fans reject the idea of a definitive version produced, authorized, and regulated by some media conglomerate.
Instead, fans envision a world where all of us can participate in the creation and circulation of central cultural
myths. Here, the right to participate in the culture is assumed to be “the freedom we have allowed ourselves”, not
a privilege granted by a benevolent company, not something they are prepared to barter away for better sound
files or free Web hosting. Fans also reject the studio’s assumption that intellectual property is a “limited good”,
to be tightly controlled lest it dilute its value. Instead, they embrace an understanding of intellectual property as
“shareware”, something that accrues values it moves across different contexts, gets retold in various ways,
attracts multiple audiences, and opens itself up to a proliferation of alternative meanings.
27

alcance e escopo reduzidos em função, ao menos em parte, das limitações dos sistemas de
entrega disponíveis – em sua grande maioria fanzines e outras formas amadoras de produção
distribuídas em feiras e encontros promovidos por eles - “ao longo da última década a Web
levou esses consumidores das margens da indústria de mídia em direção aos holofotes; [e a]
pesquisa a respeito de fandom foi abraçada por importantes pensadores nas comunidades
acadêmicas ligadas ao direito e aos negócios” (JENKINS, 2006a, p.257). Isso se dá, é claro,
em função da importância cada vez maior dada pelos conglomerados midiáticos a
consumidores como fãs em potencial e em sua utilidade na promoção e divulgação de suas
propriedades intelectuais. Com a competição cada vez maior entre conteúdos midiáticos pela
atenção e fidelização de consumidores, o fã se torna progressivamente um bem valioso e que
merece ser adquirido e bem cuidado.
Todos esses aspectos que vimos, convergência midiática, cultura participativa e o
crescimento das “comunidades de conhecimento”, não deixaram de ser percebidos pelos
produtores tradicionais de conteúdo midiático e sua importância para um negócio bem
sucedido é cada vez mais difundida.
Para essa nova tendência, o consumidor ideal é ativo, emocionalmente comprometido
e socialmente relacionado. Assim como o fã de Jenkins, todo consumidor de mídia é um fã
em potencial esperando para ser “convertido”. As marcas e detentores de propriedades
intelectuais convidam sua audiência a fazer parte de sua comunidade e por vezes oferecem a
estrutura para sua participação, seja por canais de diálogo via representantes, fóruns de
discussão oficial, oferta de produtos e promoções, etc. (JENKINS, 2006a, p.20). Esse
processo de cooptação de fãs não é diferente nos videogames, sendo a liberação e promoção
de ferramentas de modding parte das táticas utilizadas por desenvolvedores para atraírem e
manterem fãs interessados em suas propriedades intelectuais.
Isso não quer dizer que esses fãs angariados através do trabalho de relações públicas e
marketing não possam ser críticos e protetores ferozes daquilo que acreditam ser a essência
daquela marca ou propriedade intelectual. A lealdade de um fã tem como preço a difícil
missão de corresponder a suas expectativas.
Abrir essa porta à comunidade de fãs é ao mesmo tempo uma oportunidade de se
aproximar e tentar exercer um maior controle sobre eles e seus hábitos de consumo para as
companhias, como é a chance de fãs dialogarem diretamente com representantes desses
conteúdos midiáticos que lhe são caros, podendo influenciar em decisões que de outra forma
estariam fora de sua alçada. Como o próprio Jenkins coloca: “o fandom nasce, afinal, do
equilíbrio entre fascinação e frustração: se o conteúdo midiático não nos fascina, não haveria
28

desejo de engajar/interagir com ele; mas se não nos frustrasse em algum nível, não haveria o
ímpeto de reescrevê-lo ou refaze-lo” (JENKINS, 2006a, p. 258).
Nas próximas seções desse capítulo tentaremos por meio de uma narrativa histórica
que atravessa diversos videogames e as plataformas nas quais eles existiram, apontar
características que consideramos importantes para entender suas origens, seu potencial
participativo e as formas de apropriação possíveis por parte de jogadores. Se não
consideramos esses casos necessariamente exemplares do que definiremos como mod,
julgamo-nos importantes precursores que ajudaram a estabelecer o contexto no qual os mods e
a oferta de ferramentas de modding se tornam ideias comuns no inconsciente coletivo de
desenvolvedores e jogadores de videogames.

1.2 SPACEWAR!

Antes de sua popularização via computadores pessoais e consoles de videogame, que


se dá especialmente durante os anos 70 e 80 nos países desenvolvidos, os videogames tinham
como habitat natural os mesmos laboratórios de universidades e instituições de pesquisa nos
quais os primeiros computadores - grandes e caríssimos mainframes - começavam a ser
utilizados para fins governamentais estratégicos.
Apesar disso, é difícil precisar qual teria sido o primeiro videogame criado. Pelo fato
de não serem considerados trabalho sério, mas experimentos curiosos, poucos casos
sobreviveram ao tempo. Tennis for Two, desenvolvido pelo físico William Higinbotham e seu
ajudante para entreter convidados no dia anual dos visitantes do instituto de pesquisa no qual
trabalhavam, BrookHaven National Laboratory, em 18 de outubro de 1958, foi uma das
primeiras exceções à regra. Montado com peças sobressalentes e utilizando um osciloscópio
como tela para o jogo e dois controles improsivados, Tennis for Two foi sucesso entre os
visitantes.
Apesar da importância histórica de sua existência, Tennis for Two teve pequeno
impacto sobre o imaginário daqueles que viriam a criar os primeiros videogames efetivamente
populares e que serviriam de base para toda uma geração de desenvolvedores e
empreendedores que construiriam a indústria dos videogames. Tennis for Two seria apenas
redescoberto nos anos 80, permitindo que outro jogo ocupasse esse papel seminal:
“Spacewar!”, desenvolvido pelo então estudante do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) Steve “Slug” Russel entre 1961 e 1962.
29

Figura 1 - Equipamento montado para Tennis for Two e foto aproximada do osciloscópio em
funcionamento (esquerda) e PDP-1 e monitor com SpaceWar! sendo executado (direita)

Fonte: BROOKHAVENLAB(2008), ITO (2007), HUTCHINSON(2006), adaptado pelo autor

Recontar brevemente o contexto e história de origem de “Spacewar!” oferece a


oportunidade de olhar os primeiros passos desse objeto midiático digital sob uma perspectiva
diferente, verificando a presença de certos elementos que o ligam por um lado à discussão de
fãs e fandom e por outro, às ideias de cultura participativa e colaboração tão caras ao trabalho
de Jenkins. Além disso, “Spacewar!”, oferece um ponto de partida para a discussão sobre
conteúdo gerado por usuários – em especial o modding - que se dará nesse trabalho.
Consideramos a maneira como ele foi desenvolvido, prototípica de um modo de
relacionamento com videogames que será discutida mais profundamente no próximo capítulo.
Durante os anos cinquenta, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi um dos
seletos institutos de ensino a possuir em suas instalações computadores como o IBM 704 –
mainframes enormes, caros e de operação complexa - para auxiliar nas pesquisas
desenvolvidas por professores e alunos. Com a chegada de um novo computador em 1959, o
TX-0, o poder computacional dessas máquinas, até então de acesso e uso estritamente
30

acadêmico, passou a ser parcialmente liberado para atividades não necessariamente


acadêmicas através de terminais públicos dentro do campus (LEVY, 2010).
Dentre os alunos que frequentemente disputavam horários vagos para o uso desses
terminais, nos interessam em especial os membros do “Tech Model Railroad Club” – um
dentre os diversos grupos de atividades extracurriculares presentes à época no MIT – que se
destacavam como os mais vorazes usuários do tempo de computação da máquina em questão.
Originalmente um grupo para os amantes de ferromodelismo, como reconta Levy
(LEVY, 2010), esse grupo se dividia em duas partes: aqueles que se preocupavam com a
reconstrução fiel das locomotivas e dos cenários em miniatura que compunham a coleção do
clube e aqueles que montavam e mantinham o sistema elétrico que fazia a enorme estrutura de
trilhos funcionar. Para a segunda metade desse grupo, a chegada do TX-0 doado ao MIT pelo
Lincoln Labs – mais moderno e fácil de utilizar - foi um momento de revelação: eles
finalmente tinham acesso, até então quase inimaginável, a uma das máquinas mais
interessantes e exclusivas da época.
Utilizando-se de curiosidade, dedicação e dos conhecimentos teóricos de
programação, matemática e elétrica aprendidos em seus currículos universitários, esse
pequeno grupo de estudantes colaborou para o desenvolvimento de uma série de aplicativos
para facilitar o uso do TX-0 e explorar suas capacidades criativas. Levando consigo um
vocabulário quase indecifrável criado dentro do clube de ferromodelismo e a curiosidade
inquisitiva de quem precisa abrir, mexer e experimentar para entender como algo funciona,
eles foram os primeiros “hackers de computadores”, já que a terminologia, segundo Levy,
começou ali.
Um “hack”, no linguajar do clube, era “um projeto empreendido ou produto
construído, não somente para atingir algum objetivo construtivo, mas com algum prazer
selvagem derivado do mero envolvimento com ele” (LEVY, 2010, p. 10). Em grande parte,
era esse mesmo espírito que impulsionava os diferentes projetos desenvolvidos pelos
membros do grupo, que passaram a ocupar habitualmente os terminais de acesso ao
mainframe.
Em 1961, o MIT adquiriu um novo computador, desenvolvido por uma firma fundada
por ex-alunos da instituição chamada “Digital Equipment Corporation” (DEC). Chamado
PDP-1 e revolucionário por seu tamanho, preço e interface, diferentemente do TX-0, até então
utilizado pelos frequentadores do laboratório de computação, o PDP-1 possuía uma tela capaz
de representar pontos e permitia a visualização de gráficos e texto de maneira mais fácil e
prática para seu usuário. Para os hackers, essa possibilidade gráfica se tornou uma ótima
31

oportunidade para desenvolver softwares que demonstrassem ao máximo as capacidades do


novo computador e que fossem divertidos de se utilizar. Dentre esses esforços, se encontra
“Spacewar!”.
A concepção e a parte principal do desenvolvimento de “Spacewar!” foram
responsabilidades de Steve “Slug” Russel. Inspirado por livros de ficção científica barata, dos
quais era fã, e nas ideias presentes em outros hacks produzidos desde que o PDP-1 havia sido
instalado, Russel e seus colegas decidiram que um videogame no qual duas pessoas se
enfrentassem num duelo espacial seria o projeto ideal a ser realizado.
Após cerca de três meses de trabalho – entre dezembro de 1961 e fevereiro de 1962 –
e ajudado por um colega, a primeira versão do videogame estava pronta. Nela havia duas
naves espaciais, controladas cada uma por um dos jogadores através de quatro chaves
presentes no console do PDP-1: podia-se girar a nave para a esquerda ou direita, acelerar e
atirar um dos trinta e um torpedos disponíveis. Além disso, alguns pontos na tela
representavam estrelas que serviam de pano de fundo para a ação. O objetivo do videogame
consistia em atingir a nave do oponente com seus torpedos, pequenos pontos que eram
lançados da ponta de sua própria nave e seguiam em linha reta por tempo indeterminado
(LEVY, 2010, p. 51-54).
Essa primeira versão do jogo foi mostrada aos outros frequentadores do laboratório
que imediatamente a colocaram a prova e, com o código fonte a mãos – gravado numa fita de
papel perfurado – iniciaram o processo de modificação e aperfeiçoamento do videogame.
Entre as modificações, estavam desde a remoção da duração variável dos torpedos lançados
pelas naves, à criação de um simulador de abóboda celeste, para preencher o fundo do
videogame. Outras modificações que ficaram marcadas, foram a inclusão de uma estrela no
centro da tela, que lentamente atrai as naves em função de sua força gravitacional simulada e
um botão de “hyperspace” que teletransporta a nave do jogador a um ponto aleatório no
mapa, podendo salvá-lo ou condená-lo à destruição certa. O videogame foi sucesso imediato
entre os frequentadores do laboratório e em maio de 1962, durante um evento anual do MIT
conhecido como “Open House”, o público em geral teve seu primeiro contato com essa versão
aperfeiçoada de “Spacewar!”.
O código fonte de “Spacewar!” encontrava-se em fitas livremente circuladas pelo
laboratório de informática onde nasceu, juntamente com outros hacks produzidos por seus
frequentadores. Para seus criadores e usuários não fazia sentido guardar para si um programa
que foi feito pelo desafio e pela diversão de fazê-lo e que poderia ser útil a outro indivíduo,
além disso, onde mais ele poderia ser utilizado? A perspectiva de comercializar qualquer um
32

desses programas parecia extraterrestre num mundo onde os computadores mais baratos ainda
custavam centenas de milhares de dólares. Dessa forma, “Spacewar!”, acabou chegando à
DEC, desenvolvedora do PDP-1, que passou a utilizá-lo como o último de seus programas de
diagnóstico, e que por isso, acabava sendo enviado na memória de toda máquina nova que era
vendida, ajudando a espalhá-lo para outras instituições.
Dentre os jogadores ilustres de “Spacewar!”, encontra-se ninguém menos que Nolan
Bushnell. Durante a faculdade, em meados dos anos sessenta, ele tomou conhecimento do
videogame através do PDP-1 funcionando na instituição na qual estudou, e essa visão do
futuro, juntamente com seu conhecimento e interesse por parques de diversão, fez com que
Bushnell imaginasse a possibilidade comercial de explorar esse tipo de produto num futuro
próximo. Alguns anos mais tarde, Computer Space, desenvolvido por Bushnell e seu sócio
Ted Dabney, em parceria com a fabricante de máquinas de jogos eletrônicos de “pergunta e
resposta”, Nutting Associates, teve sua primeira máquina instalada em 1971. Computer Space
era uma versão simplificada e de apenas um jogador de “Spacewar!”.
Apesar de seu sucesso relativo, o videogame foi considerado complexo demais para os
frequentadores de bares nos quais as máquinas foram instaladas, não sendo capaz de atrair
público suficiente para justificar sua fabricação em grande escala. Essa experiência, no
entanto, abriu as portas para que Bushnell funda-se sua própria empresa, a Atari, que viria a
ser conhecida como a popularizadora dos primeiros fliperamas e consoles de videogame
disponíveis no mercado durante os anos seguintes (DONOVAN, 2010).
É curioso notar que “Spacewar!” foi provavelmente um dos primeiros casos de
remediação para e por uma mídia digital. Seguindo as pistas de Richard Grusin, podemos
afirmar que mídia alguma trabalha isoladamente das demais ou de forças políticas e
econômicas. O que é novo a respeito das novas mídias, incluídos os videogames, são as
formas pelas quais elas remodelam mídias antigas. No caso de “Spacewar!” isso se dá de
maneira profunda e marcante, ao oferecer uma versão “mais autêntica e imediata da
experiência” (BOLTER & GRUSIN 2000, p.15). Falando de Pong, lançado apenas em 1971,
Grusin comenta: “o jogo sugere novos propósitos formais e culturais para a tecnologia digital”
(BOLTER & GRUSIN 2000, p. 90). Acreditamos que o mesmo pode ser dito de “Spacewar!”
e sua batalha espacial hipermediada que foi para muitos o primeiro contato com essa forma de
interação com os computadores.
Para essa pesquisa, além da importância histórica muito brevemente recontada acima,
a importância de “Spacewar!” está em ser o resultado do esforço coletivo e incremental do
trabalho de diversos indivíduos diferentes, onde cada um à sua maneira - graças ao acesso ao
33

código fonte, ao conhecimento e às ferramentas necessárias - foi capaz de contribuir com uma
pequena parcela do produto final. As raízes colaborativas e a possibilidade de um jogador
facilmente passar ao papel de contribuinte, que são alguns dos elementos que serão
repetidamente ressaltados ao longo desse trabalho, já apareciam em certo grau nesse que foi
um dos primeiros e mais influentes videogames de sua geração.
É verdade, no entanto, que “Spacewar!” não se encaixa verdadeiramente no conceito
de mod que proporemos no próximo capítulo, sendo mais um precursor de certas tendências
que se popularizariam a partir do fim dos anos 70 com o advento dos primeiros computadores
pessoais, que levariam a ideia de possibilitar ao jogador ser coautor da experiência.
Independentemente disso, seria impossível ignorar a relevância cultural de “Spacewar!”
enquanto artefato digital.
O segundo caso que proporemos como possuindo ainda que de forma não totalmente
realizada certas características que são caras aos mods e às práticas que discutimos nesse
trabalho, é o videogame Adventure e sua versão modificada por um fã Colossal Cave.

1.3 COLOSSAL CAVE ADVENTURE E O SURGIMENTO DOS VIDEOGAMES DE


AVENTURA EM TEXTO

Entre 1975 e 1976, William Crowther, então funcionário na empresa Bolt Beranek and
Newman (BBN), localizada em Cambridge, Massachussetts e diretamente envolvida com o
desenvolvimento da rede de computadores ARPANET, criou a primeira versão do videogame
Adventure.
Crowther, assim como outros funcionários da BBN, tinha autonomia para utilizar seu
tempo livre nas máquinas da maneira que achasse mais conveniente. Para Crowther,
Adventure foi um exercício de criatividade que tinha como objetivo permitir que suas filhas,
então ainda meninas, pudessem interagir com o computador de maneira autônoma e
experimentassem parte do fascínio que Crowther e sua esposa compartilhavam pela
espeleologia. Essa primeira versão do videogame foi desenvolvida em um PDP-10 - modelo
mais recente da mesma linha de computadores utilizado pelos hackers de “Spacewar!” – na
linguagem de alto nível FORTRAN (MONTFORT, 2005).
Como inspiração para a temática do videogame, Crowther utilizou-se de sua
experiência como espeleólogo – ele visitava rotineiramente o sistema de cavernas de Flint
Mammoth, no Kentucky, com sua então esposa e mãe das meninas - e no seu interesse pelo
jogo Dungeons & Dragons - o jogo de mesa que vinha capturando o imaginário de jovens
34

admiradores de jogos de tabuleiro e histórias de fantasia medieval de maneira arrebatadora


desde a publicação de sua primeira versão em 1974 - que havia recentemente conhecido com
colegas de trabalho (MONTFORT, 2005, p.86).
Diferentemente de “Spacewar!” e de outros videogames orientados à ação que
dominavam o imaginário da época, Crowther decidiu por seguir uma via marcadamente mais
literária em seu videogame. O videogame utilizava-se de descrições textuais mostradas pelo
monitor ao jogador, a fim de construir um mundo composto de áreas interconectadas que
poderiam ser exploradas através de comandos simples digitados no console do computador. A
inspiração para essa jogabilidade veio de outro programa relativamente recente à época,
ELIZA.
ELIZA, desenvolvido por Joseph Weizenbaum no MIT durante o período de 1964-66,
é um dos mais conhecidos experimentos em “processamento de linguagem natural”, subárea
da inteligência artificial e da linguística que estuda os problemas da geração e compreensão
de línguas humanas naturais por computadores. Isso deve-se, ao menos em parte, pelo fato de
ELIZA simular com relativo sucesso a interação de um psicoterapeuta artificial de linha
rogeriana com um paciente controlado por um usuário humano. Para isso, Weizebaum
construiu ELIZA de forma que ele reconhecesse certas palavras chaves, às quais respondia
com frases pré-determinadas que aprofundassem a linha de investigação corrente e com a
possibilidade de responder de maneira obliqua aos inputs não reconhecidos, potencialmente
alongando a conversa ao pedir mais informações ao usuário.
Crowther inspirou-se na forma de interação entre usuário e máquina existente em
ELIZA para construir um simples, mas eficiente analisador de texto para seu projeto.
Adventure, era capaz de entender e interpretar uma lista relativamente curta de comandos
escritos pelo usuário para efetuar as ações necessárias para interagir com a simulação.
Em Adventure, o jogador controla um protagonista anônimo que se encontra em uma
bifurcação, no qual o único caminho a ser seguido é em direção à entrada de um complexo
sistema de cavernas que deve ser explorado para que finalmente ele encontre a saída e sua
liberdade. Durante sua exploração, o protagonista encontra diversos objetos com os quais
precisa interagir para resolver problemas e conseguir acesso a novas áreas e para garantir a
segurança do personagem contra os perigos existentes.
35

Figura 2 - Tela Inicial Adventure e dois comandos “yes” e “walk north”

Fonte: Captura de tela da versão para DOS - pelo autor

Essas interações com o videogame eram efetuadas através de comandos contextuais


que deviam ser escritos na forma de combinação entre um verbo e um substantivo como, por
exemplo, “vá para norte” (WALK NORTH) ou “beba água” (DRINK WATER).
Diferentemente de ELIZA, que tentava simular uma conversa aberta, a simulação em
Adventure fazia o papel de narrador e árbitro da interação entre usuário e máquina,
verificando se a ação era válida ou não e informando o resultado dela a seu jogador.
Com seu videogame terminado, Crowther disponibilizou-o de maneira despretensiosa
através do sistema ARPANET, que à época, já conectava sua empresa com outras instituições
e laboratórios, entre eles a Universidade de Stanford. Foi lá que Adventure encontrou Don
Woods. Então trabalhando no “Laboratório de Inteligência Artificial” da instituição, Woods
achou o videogame interessante o bastante para procurar seu autor através da rede e pedir
acesso ao código fonte, assim como a permissão de alterá-lo para resolver diversos bugs e
problemas que encontrou. Crowther aceitou o pedido com a condição de que Woods enviasse
para ele quaisquer mudanças que fizesse.
Woods fez mais que apenas arrumar alguns bugs, no entanto: ele retrabalhou as
cavernas e adicionou vários itens e quebra-cabeças novos, assim como introduziu mais
elementos fantásticos e objetos mágicos para serem encontrados ao longo do videogame.
Feito isso, Woods modificou o nome do videogame para Colossal Cave Adventure e o
redistribuiu novamente através da ARPANET. É essa versão do videogame, modificada por
Woods, que se popularizou e ajudou a definir as características do gênero de videogame que
ajudou a estabelecer (MONTFORT, 2005, p.89).
36

Adventure e Colossal Cave são importantes para a história dos videogames por terem
estabelecido as características principais de um gênero extremamente popular durante os anos
70 e início dos 80, o videogame de “aventura em texto”. Diversos outros videogames,
seguindo a mesma estrutura básica, foram criados nos anos seguintes, essencialmente por
estudantes e membros de instituições de ensino superior com acesso e conhecimento de como
operar e programar computadores. Muitos desses outros videogames também viram
circulação pelo período nessas primeiras redes de computadores, sendo distribuídos
gratuitamente (MONTFORT, 2005, p.95-113).
Alguns desses videogames clássicos como Dungeon - que mais tarde teria seu nome
mudado para Zork em função da ameaça de processos por parte dos publicadores dos jogos de
RPG Dungeons & Dragons - foram posteriormente adaptados para os primeiros computadores
pessoais ao longo dos anos 80. Infocom, empresa formada inicialmente pelos autores da
primeira versão de Dungeon/Zork, foi uma das primeiras a produzir diversos títulos
comerciais bem sucedidos para esse mercado nascente.
Durante o fim dos anos 80 e início da década de 90, os videogames de aventura em
texto perderiam progressivamente espaço no mercado para outros gêneros, inclusive para
videogames de aventura gráficos, caracterizados por sua jogabilidade “aponte e clique” (point
and click) baseada na interação via mouse. Não obstante, até hoje existem comunidades
dedicadas à criação e compartilhamento de videogames de aventura em texto, que possuem
diversas ferramentas que facilitam grandemente a criação desse tipo de ficção interativa
(MONTFORT, 2005, p. 194) 8.
Acreditamos que Adventure/Colossal Cave é um caso importante a ser mencionado
por algumas razões:
• Ele ilustra um caso de estranhos se conectando em função do fascínio de um deles
pelo videogame. Adventure foi um dos primeiros casos documentados de
modificação do código fonte por um jogador entusiasta, a fim de expandir a ideia
do autor original. Mesmo quando as ferramentas e as plataformas de
desenvolvimento eram rudimentares e de difícil acesso, já existia entre os
jogadores desses primeiros videogames o ímpeto criativo de apropriação,
modificação e criação sobre o material de inspiração.
• O acesso ao videogame e o contato posterior de Don Woods com Crowther foi
apenas possível graças ao acesso de ambos a então nascente ARPANET. Colossal

8
Disponível em: http://www.ifarchive.org. Acesso em 18 jan. 2014.
37

Cave Adventure é um exemplo anedótico dessa capacidade de comunicação e troca


de experiência por indivíduos que partilham um interesse em comum, que a rede
de computadores e suas conexões muitos para muitos facilitam.
• Além disso, ambas as versões foram influenciadas por outro jogo nascente do
período, Dungeons & Dragons, que é ele próprio produto da reapropriação de
elementos da literatura fantástica e de fábulas medievais por entusiastas desses
gêneros e jogos de miniaturas de guerra tradicionais. Fandoms se cruzam, mídias
convergem.
• Finalmente, Adventure deu origem a um gênero de videogames que buscou trazer
um aspecto literário e uma nova forma de interação com a simulação que
inspiraram diversos outros autores à época e contemporaneamente. Através da
popularização de ferramentas que facilitam a construção dessas narrativas, grupos
de entusiastas do gênero são capazes de produzir artefatos que, apesar de seu apelo
restrito, ainda são capazes de manter uma comunidade ativa a seu redor.

1.4 MULTI-USER DUNGEONS: MUNDOS VIRTUAIS EM FORMA DE TEXTO

Dungeon, assim como muitos outros videogames distribuídos livremente entre


computadores de instituições e laboratórios, acabou atravessando o Atlântico e encontrou na
Universidade de Essex, na Inglaterra, dois grandes fãs: Roy Trubshaw e Richard Bartle,
ambos estudantes na instituição. Diferentemente, no entanto, de outros videogames inspirados
por Adventure ou Dungeon, Trubshaw e Bartle decidiram incorporar um novo elemento à
fórmula desses videogames, que mudaria radicalmente o escopo e complexidade de sua
criação: múltiplos usuários simultâneos (MONTFORT, 2005, p. 223-224).
Tendo o início de seu desenvolvimento em 1978, o videogame recebeu o nome Multi-
User Dungeon (MUD), não porque se passava necessariamente em um calabouço ou
masmorra, mas em homenagem ao videogame que os inspirou. Bartle e Trubshaw utilizaram-
se da base comum aos videogames de aventura em texto: 1- um ambiente simulado reativo à
ação do usuário sobre ele; 2- um analisador de texto capaz de “entender” os inputs do usuário
e transformá-los em ações válidas.
Para além dessa estrutura comum, Bartle e Trubshaw desenvolveram uma simulação
complexa o bastante para computar com sucesso, por exemplo, o resultado da sequência de
ações necessárias para se encher um balde com a água de um poço e utilizá-la para apagar
uma fogueira. Quer dizer, MUD era capaz de simular o resultado de interações físicas entre
38

objetos e personagens com resultados próximos do que seria esperado no mundo real de
maneira programática. Essa mudança, aparentemente trivial, permitiu com que situações
emergentes ocorressem com frequência durante a simulação.
Além disso, o software que funcionava como servidor do MUD era capaz de salvar e
transmitir o estado dos vários objetos e personagens existentes no mundo, em tempo real, para
todos aqueles que estivessem próximos, mantendo a sincronia da simulação para aqueles
afetados. Um ponto importante de ressaltar é a persistência desse mundo, quer dizer, a
simulação preexistia à criação de personagens pelos usuários e não deixava de existir quando
eles não estavam conectados.
Para além desse surpreendente arcabouço tecnológico, o aspecto mais curioso de
MUD eram as possibilidades de interação através de palavras e gestos possíveis entre
personagens controlados pelos jogadores. Para participar do mundo virtual, era necessário que
seus jogadores se conectassem ao servidor principal – localizado em um dos computadores da
Universidade de Essex – pela nascente rede de computadores da época. Isso permitia
inclusive que jogadores geograficamente distantes do servidor pudessem participar do
videogame, mesmo que precariamente.
O objetivo inicial de todo esse esforço, além do desafio técnico e intelectual
necessários para viabilizá-lo e certo espírito transgressor, foi tentar recriar as condições de
uma partida de Dungeons & Dragons através da rede da universidade. Essas partidas são
geralmente marcadas pelas aventuras resultantes da interação entre os personagens
interpretados e controlados por vários jogadores com os perigos do mundo no qual habitam,
controlado pelo “Mestre do Jogo”.
Para incentivar que novos jogadores entrassem no videogame e se interessassem por
ele, Bartle assumiu o papel de “Mestre do Jogo” e criou diversas áreas exploráveis, quebra-
cabeças e inimigos que podiam ser enfrentados e derrotados pelos personagens dos jogadores.
Cada um desses desafios oferecia recompensas e aqueles jogadores que demonstrassem
dedicação suficiente recebiam a cobiçada habilidade de se tornar um “wizard”, inglês para
feiticeiro. Um wizard possuía privilégios sobre o servidor, sendo capaz de alterar o mundo
para os demais jogadores, criando ou alterando atributos e características de itens e inimigos
ou criar novas áreas para serem exploradas, por exemplo.
O sucesso de MUD foi imediato, chegando mesmo a atravessar o oceano de volta aos
Estados Unidos em 1980, através de uma mensagem enviada por Bartle e Trubshaw à lista de
e-mail de Zork no MIT, convidando os usuários americanos a experimentarem o videogame
(KING & BORLAND, 2003, p.54).
39

Posteriormente o código fonte de MUD foi utilizado para a criação de outros


servidores, inclusive uma versão paga. Além disso, entusiastas – em sua maioria amadores -
ao redor do mundo desenvolveram diferentes softwares para a criação de servidores, com
regras, temas e sistemas mais ou menos similares ao original, conforme julgassem pertinente.
Graças a isso, o acrônimo MUD passou a designar não mais um servidor específico – esse
passou a ser conhecido como MUD1 (BARTLE, 2004, p.10-11) - mas a toda uma gama de
videogames que partilhavam das mesmas características explicitadas acimas.
Um passo aparentemente curioso dado por alguns dos MUDs foi dar maior ênfase aos
aspectos sociais e de interação entre usuários, colocando em segundo plano os elementos mais
claramente “jogáveis”, como combate e progressão de personagens característicos da
inspiração em jogos de tabuleiro e de mesa original.
Dentre esses videogames, TinyMUD, LPMUD, e MOO foram alguns dos que
ofereceram mais e melhores possibilidades autorais ao permitirem a criação não apenas de
objetos, mas de novas funcionalidades dentro dos mundos virtuais através de linguagens de
“scripting” – linguagens de programação de sintaxe simplificada integradas à lógica de um
jogo e capazes de oferecem certo grau de interação com o código que rege a simulação
principal – criadas especificamente para isso.
Efetivamente, em maior ou menor grau, esses MUDs foram precursores da noção de
“mundo virtual aberto”, onde a importância da contribuição dos usuários na criação de
conteúdo se torna central, já que toda intervenção potencialmente altera o campo de
possibilidades daquele mundo. Um mundo virtual é a caixa de brinquedos através da qual,
coletivamente, seus usuários criam oportunidades para interação, entre elas, jogar uns com os
outros. Multi-User Virtual Environments (MUVEs), ambientes virtuais multijogadores como
Second Life, lançado oficialmente em 2003, bebem diretamente dessa fonte, oferecendo
oportunidades similares num mundo tridimensional representado graficamente, ao invés de
uma simulação apresentada via texto.
O impacto dos MUDs quando falamos a respeito dos videogames massivos online e
mundos virtuais é inegável. Segundo estudo citado por Bartle, em 1993 os MUDs perfaziam
cerca de 10% do total de banda consumida no mundo. Durante o fim dos anos 80 e início dos
90, ocorreu - geralmente associada às redes dos primeiros provedores de serviços online
comerciais como AOL, Prodigy e CompuServe (BARTLE, 2004, p. 15) - o lançamento dos
primeiros videogames online comerciais, entre eles diversos MUDs e videogames inspirados
pelas possibilidades abertas por eles, como por exemplo Gemstone IV (Simutronics, 1988) e
Dragon’s Gate (Adventures Unlimited Software Inc.,1990).
40

Graças ao sucesso comercial desses primeiros videogames, tivemos ao longo dos anos
90 o lançamento dos primeiros videogames online gráficos. Essa segunda geração ou foi
diretamente influenciada, ou teve como líderes ex-usuários e desenvolvedores da primeira.
Como exemplos de videogames gráficos lançados nesse período estão NeverWinter Nights
(Stormfront Studios, 1991) e Shadow of Yserbius (Ybarra Productions, 1992).
Posteriormente, ainda nos primeiros anos de funcionamento da “World Wide Web”,
teremos o lançamento de videogames como Meridian 59 (Archetype Interactive, 1996),
Ultima Online (Origin Systems, 1997) e Everquest (Sony Online Entertainment, 1999), que
marcam definitivamente a transição para a internet moderna e são os primeiros grandes
sucessos comerciais do gênero conhecido comumente como Massively Multiplayer Online
Game (MMOG) ou Massively Multiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), no qual
milhares de jogares simultâneos participam de aventuras em servidores online de maneira
ainda muito parecida, em sua essência, com aquela dos primeiros MUDs.
O sucesso dos MUDs e, mais contemporaneamente, dos MMOGs e seu impacto na
cultura da internet não são o objeto desse trabalho, mas são janelas para toda uma sorte de
interação entre homem e máquina e espaço para o surgimento de novas formas de interação
social e descoberta individual. Sherry Turkle, ao estudar os MUDs durante os anos 90 afirma:

MUDs são um novo tipo de jogo de salão virtual e uma nova forma de
comunidade. Além disso, MUDs baseados em texto são uma nova forma de
literatura escrita de forma colaborativa. Jogadores de MUD são autores de
MUD, os criadores assim como os consumidores dessa mídia. Nisso,
participar em um MUD tem muito em comum com escrita de roteiros, arte
performática, teatro de rua, teatro de improviso – ou mesmo comédia
dell’arte. [...] Conforme jogadores participam, eles se tornam autores não
apenas de texto, mas deles próprios, construindo novos self através da
interação social9 (TURKLE, 1995 p.11-12, tradução nossa).

Acreditamos que essas mesmas características ainda são marcantes do gênero e seus
sucessores.
O que nos interessa apontar ao citar essa forma de videogame, são algumas das
maneiras de expressão criativa que eram possíveis neles. Através do acesso às linguagens de
scripting e outras ferramentas criadas para a produção, vem sendo tentadas em MMOGs e
MUVEs, com maior ou menor intensidade. Podemos citar o caso de jogos como Ryzom

9
MUDs are a new collaboratively written literature. MUD players are MUD authors, the creators as well as
consumers of media content. In this, participating in a MUD has much in common with script writing,
performance art, street theater, improvisational theater – or even commedia dell’arte. But MUDs are something
else as well. […] As players participate, they become authors not only of text but of themselves, constructing
new selves through social interaction.
41

(Nevrax, 2004) e Neverwinter (Cryptic Studios, 2013), que permitem a criação de áreas e
missões personalizadas que podem ser compartilhadas com outros usuários, por exemplo.
World of Warcraft (Blizzard Entertainment, 2004), por outro lado, permite que usuários
alterem a aparência e programem novas funcionalidades para sua interface gráfica.
Everquest Next (Sony Online Entertainment), ainda em desenvolvimento, promete que
as melhores criações produzidas por jogadores em um servidor auxiliar serão integradas
diretamente aos servidores oficiais e poderão ser apreciadas por todos os demais. Tudo isso,
claro, sem considerarmos a impressionante capacidade de MUVEs como o Second Life
(Linden Research, Inc, 2003) em serem plataformas para a criação de jogos e outras
atividades lúdicas e educacionais por seus usuários.
Finalmente, vale ressaltar a inovação do esforço de Bartle e Trubshaw ao criar uma
versão multijogador de um de seus videogames favoritos: seu resultado foi o surgimento de
um gênero de grande importância para a história e a indústria dos videogames. Entre outros
assuntos, discutiremos no terceiro capítulo desse trabalho alguns exemplos da relação entre
modding e inovação e o papel dos fãs enquanto agregadores de valor a uma propriedade
intelectual.

1.5 FLIPERAMAS, COMPUTADORES PESSOAIS E CONSOLES DE VIDEOGAMES

A história dos consoles de videogames caseiros e dos computadores pessoais, de suas


indústrias e da importância que tiveram sobre a cultura popular a partir dos anos 70 e 80,
estão inegavelmente entrelaçadas. Tentaremos muito brevemente apontar algumas das
características desse período crucial na história dessas tecnologias a fim de elucidar certas
tendências e práticas que julgamos relevantes ao tema da dissertação.
Acreditamos que uma visão geral dos fenômenos culturais e de consumo da época que
considera as possibilidades abertas pela popularização dos computadores pessoais e do
aprendizado de linguagens de programação por jovens entusiastas - entre os quais muitos
daqueles que participariam na criação da indústria dos videogames – ajuda-nos a entender a
proximidade nas relações produtor/consumidor e desenvolvedor/jogador. Como veremos no
próximo capítulo, julgamos que a explosão na popularidade dos jogos de tiro em primeira
pessoa, das partidas online via internet, do modding e das comunidades dedicadas a essa
prática durante os anos 90, podem ser vistas sob um olhar diferente quando consideramos essa
trajetória histórica e alguns de seus efeitos secundários.
42

Se um videogame pode ser considerado marco zero para a indústria dos videogames,
esse videogame foi Pong (Atari, 1972), de 1972. Primeiro videogame lançado pela Atari,
Pong foi o segundo projeto de máquina de fliperama produzido por Nolan Bushnell e Ted
Dabney, sendo desenvolvido por Allan Alcorn - primeiro funcionário da nova empresa - como
exercício de treinamento para se familiarizar com a tecnologia a ser utilizada para desenvolver
seus futuros videogames.
Bushnell sugeriu o projeto tendo como inspiração um dos videogames disponíveis
para o Magnavox Odyssey, o primeiro console de videogame comercial do mundo, o qual
havia visto numa feira de tecnologia alguns meses antes. Nesse videogame, dois jogadores
controlam “raquetes virtuais” que rebatem uma “bola” de um lado o outro da “quadra”
definida pelo televisor.
Pong era um videogame simples e divertido, ao mesmo tempo em que era fácil de
aprender possuía profundidade suficiente para alguém proficiente se destacar. Essas
características o tornaram perfeito para a introdução da ideia de videogames a um público
pouco acostumado com esse tipo de tecnologia e Pong acabou se tornando o primeiro
lançamento da nova empresa.

Figura 3 - Versão caseira de Pong (esquerda acima), Atari 2600 (esquerda abaixo), fliperama
original Pong (direita)

Fonte: EVAN-AMOS (2011a, 2012) e RAND (2013), adaptado pelo autor.


43

Até 1974, mais de 8.000 máquinas oficiais haviam sido vendidas, quase sempre para
bares, restaurantes, parques de diversão e outros estabelecimentos comerciais do gênero.
Percebendo o sucesso das novas máquinas de fliperama, diversas empresas concorrentes
produziram videogames similares, aproveitando-se do mercado criado pela Atari.
O sucesso de Pong permitiu que a Atari financiasse a fabricação de novas máquinas, o
desenvolvimento de novos videogames que seriam lançados nos anos seguintes como Space
Race (Atari, 1973) e Tank (Atari, 1974) e também o desenvolvimento de uma versão caseira
de Pong.
Esse console caseiro, que devia ser conectado ao televisor para funcionar, era capaz de
executar exclusivamente uma versão caseira do jogo de fliperama Pong. Apesar disso, graças
a um acordo de exclusividade com uma das maiores redes de lojas de varejo dos Estados
Unidos, a Sears, a Atari garantiu a produção de 150.000 unidades dessa nova máquina para o
período do natal de 1975-76. O resultado positivo dessa empreitada garantiu a viabilização da
fabricação desses consoles de maneira independente pela Atari. Em 1976, pelo menos 75
companhias diferentes haviam se comprometido com o desenvolvimento e fabricação de
consoles de videogames caseiros similares a Pong (KENT, 2001, p.94), esperando capitalizar
na febre e no sucesso da Atari.
O sucesso da versão caseira de Pong incentivou uma investida mais agressiva da Atari
sobre o mercado caseiro. Em 1977, a Atari lançaria seu primeiro console de videogame
multijogos, o Atari Video Computer System (VCS). O VCS, diferentemente de fliperamas da
época, como Pong, que integravam numa mesma placa os componentes necessários para o
funcionamento do videogame, o VCS possuía uma arquitetura mais próxima a de um
computador, distinguindo entre o hardware padrão do console e os cartuchos onde os
videogames eram armazenados. Essa arquitetura permitia à Atari comercializar cartuchos
separadamente e por um menor custo do que se produzisse um console novo para cada
videogame, essa economia era convertida em menores preços e maior variedade para seus
consumidores.
Foram produzidas inicialmente 400.000 unidades do aparelho. O console não foi um
sucesso imediato, vendendo abaixo do esperado. Isso deveu-se em parte à grande quantidade
de consoles concorrentes que invadiram o mercado no período e que acabaram por diluir as
vendas e em parte por dificuldades de distribuição num período onde a “febre” dos
videogames caseiros parecia estar chegando ao fim. Felizmente para a Atari e a nascente
indústria dos videogames, esse medo se dissipou nos anos seguintes com a progressiva
44

aquisição de consoles por consumidores. Incentivada pelas vendas de seu console, a Atari
produziu diversas versões de videogames originados nos fliperamas para o mercado caseiro.

1.5.1 Computadores pessoais e a criação de um mercado consumidor

Os primeiros computadores pessoais a serem produzidos, especialmente a partir do


início dos anos 70, eram em sua grande maioria resultado dos esforços amadores de
entusiastas experimentando com as capacidades dos primeiros microprocessadores produzidos
e comercializados em massa por empresas como a Intel e seu Intel 4004, de 1971.
Inicialmente desenvolvidos para substituir, por exemplo, componentes de calculadoras, graças
a seu preço acessível e capacidade computacional promissora, diversos projetos caseiros
foram desenvolvidos utilizando esses microprocessadores.
O primeiro computador pessoal comercial utilizando-se dessa tecnologia nascente foi
o Altair 8800 que teve suas vendas iniciadas na virada de 1974 para 1975. O Altair era
essencialmente um kit de componentes que podia ser comprado “à la carte” e depois montado
por quem o adquirisse, ele não possuía qualquer padronização nas maneiras de input e output
e seu único feedback visual era o acendimento e apagamento de lâmpadas.
Concomitantemente a isso, diversos entusiastas estavam desenvolvendo seus próprios
modelos de computadores, entre eles figuras emblemáticas como Steve Wozniak, engenheiro
por trás do Apple II.
Imediatamente após seu lançamento, a equipe que desenvolveu o VCS iniciou os
trabalhos para criação de seu sucessor. Nesse mesmo ano, 1977, três modelos de
computadores pessoais a um preço relativamente baixo foram lançados, o TRS-80, o
Commodore PET e o notório Apple II. Vendo a oportunidade de lançar-se em outro mercado
nascente, a Atari concentrou-se em desenvolver dois modelos de computadores pessoais com
base na arquitetura do VCS, lançando em 1979 o Atari 400 e o Atari 800, modelos diferentes
do mesmo aparelho.
Ao longo dos anos 80, teríamos diversos modelos de várias fabricantes disputando
esse mercado, entre eles os anteriormente citados e outros concorrentes famosos como o
Commodore 64 (1982) e o Sinclair ZX Spectrum (1982). A segunda geração de computadores
pessoais possuiria modelos como o Atari ST (1985), o Commodore Amiga (1985), o
Macintosh da Apple (1984).
A gigante IBM, inicialmente cética da existência de um mercado para computadores
caseiros de baixo custo e capacidade de processamento limitada, convenceu-se de seu
45

potencial e entrou com certo atraso na disputa, o que permitiu que marcas menores pudessem
abocanhar uma parcela desse mercado incipiente. Inicialmente de forma tímida, a IBM lançou
por fim o IBM PC (1981), seu sucessor o IBM PC XT (1983) e finalmente o IBM PC AT
(1984). Esses computadores acabariam por consolidar a arquitetura de hardware “PC
compatible” da IBM como o padrão vitorioso e que se tornaria dominante no mercado a partir
do início dos anos 90 graças a sua adoção por diversas fabricantes e montadoras de
computadores não proprietários, mas compatíveis com o hardware e o software produzidos
para os computadores IBM, em especial seu sistema operacional: o MS-DOS desenvolvido
pela Microsoft.

Figura 4 - Da esquerda para a direita: Atari 400, Apple II e IBM PC 5150

Fonte: EVAN-AMOS(2011b), RAMA & MUSÉE (s.d.), RIJCKE(2007), adaptado pelo autor

Ambos, computadores pessoais e consoles de videogames caseiros, podem ser


considerados produtos de uma conjuntura específica, que se deu ao longo dos anos 70, de
barateamento dos componentes eletrônicos, uma massa de entusiastas e profissionais das
áreas tecnológicas com os conhecimentos específicos para transformar esses componentes em
produtos e um mercado consumidor não explorado.
Os primeiros consoles de videogame tinham claramente um apelo comercial infantil,
sendo anunciados e colocados nas mesmas seções que os brinquedos. A fim de se afastar do
risco de serem estigmatizados como brinquedos, os computadores pessoais apelaram para
uma imagem mais madura e séria, ligada a um uso “produtivo”: processadores de texto,
programas financeiros e educativos como enciclopédias digitais, assim como seu uso para o
aprendizado de habilidades que seriam parte das demandas profissionais do futuro, foram
utilizados como argumentos para a aquisição desses equipamentos. Apesar disso, se é verdade
que os computadores pessoais possuíam todas essas funcionalidades e aplicações, na prática
46

muito do que se produziu e se consumiu nesses computadores esteve relacionado aos


videogames.
Essas primeiras gerações de computadores pessoais que disputaram durante os anos 80
por participação no mercado, são de interesse para a discussão do presente trabalho
principalmente por três características:
1. Praticamente todos esses computadores possuíam interpretadores para a linguagem
BASIC, mais simples de se aprender e utilizar que ASSEMBLY - a linguagem de
máquina utilizada para se interagir diretamente com o microprocessador –
facilitando o aprendizado e o uso por amadores e iniciantes;
2. A possibilidade de o usuário armazenar os programas que criasse em mídias
removíveis como fitas e disquetes passíveis de fácil reprodução e comercialização;
3. Diferentemente do mercado de software para negócios, ainda não existia uma
estrutura de produção e distribuição pré-estabelecida.

Inicialmente muitos dos videogames que foram produzidos para os computadores


pessoais eram cópias não autorizadas e adaptações de videogames existentes para consoles,
fliperamas e computadores mais potentes e caros como os PDP, ainda populares nos centros
universitários e de pesquisa. Entre esses videogames estão, por exemplo, diversas versões de
Space Invaders (Taito Corporation, 1978), Frogger (Konami, 1981), Pacman (Namco, 1980),
e adaptações de videogames como Zork (Infocom, 1980) e Star Trek (Mike Mayfield, 1971).
Curiosamente, diversos videogames produzidos para esses computadores eram
distribuídos na forma de código fonte, especialmente em livros, revistas e grupos de discussão
online especializados. Esses videogames deviam ser inseridos manualmente, por meio do
teclado que acompanha esses computadores, via linhas de comando, uma a uma, para somente
depois serem executados ou gravados numa mídia removível, como uma fita ou disquete, para
serem executados posterirormente.
Essa foi uma forma extremamente popular, difundida e acessível de distribuição de
aplicativos, inclusive videogames, em função do menor preço e do pretexto de servir como
exercício prático para o aprendizado da sintaxe da linguagem – na grande maioria dos casos
BASIC - e dos conceitos principais de programação de software da época. A figura 5,
fragmento de uma página de uma dessas revistas, exemplifica bem a situação.
47

Figura 5 - Fragmento da revista Compute! Magazine, outubro de 1984

Fonte: Extraído de (ONUTER, 1984).

Apesar de muitas vezes entediante, propensa a erros e correndo-se o risco de gastar


mais tempo digitando o código fonte do que jogando propriamente, esse tipo de interação com
o software é interessante para a perspectiva desse trabalho. Diferentemente do que se tornaria
comum ainda nos anos 80, com a progressiva profissionalização da produção e o aumento de
complexidade e custos envolvidos, esses primeiros videogames permitiam a interação do
usuário diretamente com os comandos que controlavam o comportamento da simulação e seus
parâmetros.
A intervenção do usuário nesses aspectos do videogame, se complexa e repleta de
dificuldades, era direta e resultava na transformação direta do programa executável final.
Usuários interessados podiam modificar aspectos gráficos, funções ou valores de variáveis
que controlavam o comportamento daquele videogame que estavam “escrevendo” ao copiar
as funções descritas nesses guias. Toda uma geração de entusiastas teve suas primeiras aulas,
tanto de programação quanto de design de jogo, experimentando diretamente com o código
fonte de seus videogames favoritos.
48

1.5.2 A indústria de jogos para computador dá seus primeiros passos

Durante o final dos anos 70 e início dos 80, com a ausência de grandes publicadoras
prontas para abastecer o mercado com videogames de qualidade, parte significativa da
produção de videogames durante esses primeiros anos era efetivamente artesanal. Indivíduos,
em sua maioria jovens com pouca experiência em desenvolvimento de software e/ou
administração de negócios, produziram em seus quartos e garagens alguns dos primeiros
grandes sucessos do mercado dos computadores pessoais. Depois de programados, esses
videogames eram manualmente gravados em disquetes ou fitas, embalados em sacos plásticos
e vendidos nas lojas de computadores locais, quase sempre em pequenas tiragens. Apesar
disso, a demanda reprimida era tal que invariavelmente esses jogos encontravam alguém
disposto a tentá-los. Alguns desses indivíduos mais empreendedores, percebendo as
possibilidades financeiras, fundaram as primeiras empresas de publicação de videogames para
computadores pessoais, dando início a um dos filões de uma das indústrias do entretenimento
de massa mais lucrativas da atualidade.
Um fator significativo para o sucesso dos computadores pessoais como plataformas
para videogames, do ponto de vista tecnológico, era sua interface de interação com usuário
diferenciada. Inicialmente via teclado e depois - em função da adoção de interfaces gráficas -
via mouse a partir de meados dos anos 80. Esses computadores eram capazes de receber
versões adaptadas de diversos videogames criados e até então, exclusivos às universidades,
especialmente aqueles de gêneros como os “aventura em texto”, “estratégia”, “simulação” e
“role playing games”. Eles também forneceram a seus desenvolvedores uma plataforma
tecnológica qualitativamente diferente daquela disponível aos consoles caseiros e fliperamas,
quase sempre restritos a poucos botões e opções de configuração, permitindo maior
experimentação em tipos e estilos de videogames possíveis.
Desde o início da produção de videogames para computadores pessoais, a
possibilidade de modificações sobre os processos e dados por jogadores esteve presente.
Podemos citar, por exemplo, jogos de estratégia por turnos nos quais jogadores eram capazes
de modificar os atributos das unidades que participavam das batalhas como Wargame
Construction Set, jogos de simulação de esportes, nos quais era possível mudar o nome e os
parâmetros de jogadores e times como em Computer Baseball (Strategic Simulations, Inc,
1981) e Football Manager (Addictive Games Ltd., 1981) e outros nos quais era possível
editar missões e mapas em certo grau, Starfleet Orion (Epyx, 1978).
49

1.5.3 O crash dos consoles caseiros e o surgimento de um novo líder

No mundo dos consoles caseiros, o período do fim dos anos 70 e início dos 80 foi
marcado por uma passageira, mas profunda crise. Além da competição com diversos consoles
menos populares lançados por outras fabricantes de hardware, a Atari - que ainda dominava o
mercado com seu VCS – teve de lidar com o surgimento de diversas desenvolvedoras
independentes de cartuchos de videogames para seu console. A competição pela atenção e
dinheiro dos consumidores, o alto custo de produção, dificuldades de distribuição e a ausência
de regulação no preço dos cartuchos de jogos, causaram uma rápida e abrupta desvalorização
em seu valor de varejo. Esses fatores, assim como a impressão geral de que os videogames,
especialmente os consoles caseiros, eram uma moda que chegava ao fim, causou o
fechamento de diversos estúdios e fabricantes de consoles e o rápido encolhimento da então
nascente indústria dos videogames.
Essa crise somente seria superada alguns anos depois, quando a Nintendo lançou a
versão ocidental de seu console Family Computer (Famicom) - o celebrado Nintendo
Entertainment System (NES) - em 1985 nos Estados Unidos e no ano seguinte na Europa.
Para evitar que problema semelhante ocorresse com seus produtos, a Nintendo seguiu um
modelo de negócios que exigia a adaptação de desenvolvedores independentes a uma série de
regras que buscavam garantir a qualidade dos videogames produzidos: uma tiragem mínima
de 10.000 cartuchos para cada jogo e a permissão para o lançamento de no máximo cinco
jogos por ano eram alguns dos termos mais notórios. A principal arma da Nintendo para
forçar essas medidas foi a instalação de um chip no console que bloqueava a leitura de
cartuchos produzidos por terceiros, forçando com que os jogos fossem originais e possuíssem
o selo de aprovação da Nintendo.
De maneira geral, consoles de videogame caseiros possuem diversas restrições
tecnológicas ao acesso, modificação e armazenamento de dados necessários para a produção
de um mod, além de uma interface de interação menos eficiente do que teclado e mouse. Isso,
no entanto, não quer dizer que não existam casos bastante antigos e alguns particularmente
interessantes para pensarmos as atividades de modding. O próprio NES possui exemplos que
serão discutidos brevemente no próximo capítulo.
50

1.6 AS FORMAS DO CONTEÚDO GERADO POR USUÁRIO EM VIDEOGAMES

Tentamos levantar nesse capitulo alguns dos temas e conceitos que serão recorrentes
ao longo do trabalho. Também procuramos oferecer o contexto sob o qual acreditamos que a
filosofia de participação nos videogames e as práticas através das quais ela se realizou durante
os primeiros anos dessa mídia. Procuramos também iniciar a discussão a respeito de cultura
participativa, de como os videogames e a internet oferecem não apenas tecnologias para a
geração cada vez mais fácil, eficiente e inclusiva de conteúdo por seus usuários, mas também
ajudam a promover o compartilhamento de ideias, a cooperação em direção a objetivos
comuns e a colaboração na criação e troca de conhecimento entre seus participantes.
Os videogames foram uma das formas mais populares e interessantes de uso das
capacidades criativas das mídias digitais que se desenvolveram devido à massificação do
acesso a seus suportes tecnológicos, a dizer computadores pessoais e consoles caseiros, nas
últimas décadas. Parafraseando Grusin e Bolter, videogames possuem a capacidade de
remediar elementos provenientes de outras mídias, incorporando sons, filmes, narrativas com
o objetivo de produzir uma experiência particular sobre seus usuários, mais imediata do que
aquela de qualquer outra mídia anterior.
No caso dos videogames, essa experiência está intrinsecamente ligada ao processo que
torna o jogador um participante ativo dentro da simulação produzida programaticamente.
Videogames estão, portanto, bem equipados para atenderem o desejo de imediatismo de nossa
cultura e que os autores julgam ser uma dos apelos principais das novas mídias digitais para
seus consumidores (BOLTER & GRUSIN, 2000 p.22-27).
Complementarmente, como vimos no início do capítulo, os videogames também estão
particularmente bem equipados para lidar com as características principais da “cultura da
convergência” midiática que Jenkins julga em processo na contemporaneidade. Videogames,
enquanto artefatos culturais, são inspirados e afetados pela cultura popular na qual seus
criadores estão inseridos e cada vez mais as mídias de massa e suas propriedades intelectuais
compõe esse pano de fundo comum que modula as relações entre indivíduos. “Spacewar!” e
Colossal Cave Adventure, discutidos nesse capítulo, são apenas alguns exemplos incipientes
que comprovam essa relação. Da mesma forma, certos videogames alcançaram status de
ícones dentro da cultura popular de massa, sendo reapropriados em filmes, revistas em
quadrinhos, músicas, etc. Conforme Jenkins insistentemente aponta, esse movimento de
convergência se dá tanto através dos esforços dos conglomerados da indústria midiática,
51

quanto dos fãs e consumidores entusiastas, que buscam, cada um por motivos e maneiras
diferentes, apropriar-se desses artefatos culturais.
No caso dos videogames, particularmente, temos uma grande variedade de interesses
específicos a respeito dos quais comunidades de conhecimento são criadas e uma quantidade
maior ainda de conteúdos midiáticos produzidos.
Comunidades podem ser criadas para diversos fins, entre eles:
1. A discussão das melhores táticas e estratégias;
2. A criação e manutenção de elos afetivos entre jogadores;
3. Facilitar a interação online entre membros de “clãs” e “guildas”;
4. Compartilhar conteúdo midiático, notícias e informações a respeito dos
videogames e seu desenvolvimento;
5. Trocar informações, ferramentas e conhecimentos necessários para efetuar
modificações e alterações sobre o videogame, denominadas aqui pelo termo
mods. Essas comunidades podem ser criadas e administradas pela
desenvolvedora do videogame em questão e, portanto ser oficial, ou serem
criadas e administradas por jogadores.

Nesse trabalho tratamos especialmente das comunidades que possuam ênfase em


atividades do tipo “5”. Vale ressaltar que essa distinção por finalidades não é necessariamente
verdadeira na prática: comunidades podem e geralmente agregam indivíduos com mais de um
interesse e podem elas próprias mudar o foco de suas interações e objetivos primários ao
longo de suas existências. No quarto capítulo faremos uma discussão mais pormenorizada das
características dessas comunidades.
Videogames são passíveis de diferentes espécies de apropriações por seus fãs. Por
serem constituídos de elementos audiovisuais e geralmente possuírem uma narrativa a ser
seguida, videogames podem ser tomados por suas partes, assim como é comum a outros
artefatos midiáticos provenientes de outras mídias.
Versões de músicas presentes no videogame, desenhos e gravuras inspirados em seus
personagens e cenários, estórias em quadrinhos, animações e vídeos de fãs onde elementos do
videogame e sua experiência são referenciados, são apenas alguns dos exemplos possíveis.
Além disso e mais especificamente, videogames podem ser plataformas para a criação de
artefatos midiáticos de outros tipos. Um exemplo relativamente popular disso é conhecido
pelo termo machinima - neologismo que combina as palavras “machine” e “cinema”. A
Academy of Machinima Arts and Sciences (AMAS) define o machinima como a “arte de
52

fazer filmes animados de dentro de um ambiente virtual 3D em tempo real” (PICARD, 2006,
p.1 apud Marino, 2004, p1).
O foco das comunidades de fãs de Star Trek que Jenkins estudou era principalmente a
produção e compartilhamento de fanfiction. O fanfiction se caracteriza principalmente pela
apropriação por parte de fãs dos personagens e mitologia provenientes de um artefato
midiático de massa a fim de produzir histórias e narrativas alternativas. A prática do fanfiction
possui em cada comunidade regras tácitas e explícitas que corroboram certo tipo de produção
que é valorizada por ela e até que ponto a voz autoral do fã pode afetar e alterar os elementos
essenciais do artefato original.
Nosso objeto de pesquisa principal, o modding, é um dos tipos de fandom que pode
surgir ao redor de um determinado videogame. Acreditamos que os videogames permitem,
para além do fanfiction, a apropriação e alteração dos próprios processos computacionais que
o realizam. Diferentemente do fanfiction, o mod não é um artefato secundário desse consumo
e apropriação; ele é a reconfiguração de certos elementos e características do artefato original
pelo fã. O fã que produz um mod está modificando a experiência oferecida por um
videogame, seja no nível narrativo quanto no de interação com os processos que constituem
sua simulação, mas ambos, videogame original e mod, são experiências de mesmo tipo.
Além disso, diferentemente do fanfiction, nem sempre o mod precisa se inspirar nos
temas, personagens e narrativas do artefato original, apropriando-se somente dos elementos
programáticos que controlam a simulação e construindo sobre essa estrutura novos temas,
personagens e narrativas de interesse do modder. Uma forma relativamente comum de mod,
conhecida pelo termo “total conversion” (conversão total em tradução livre) chega mesmo ao
extremo de alterar ambos os aspectos, narrativa e simulação, a fim de criar experiências
radicalmente diferentes das originais. Exploraremos as dimensões do modding a partir do
olhar do design de jogos e alguns dos temas apenas brevemente abordados aqui no próximo
capítulo.
53

2 MODDING SOB O OLHAR DAS REGRAS, INTERAÇÃO LÚDICA E CULTURA

Esse capítulo tem como objetivo duplo discutir por um lado aspectos relevantes do
design de jogos para que pensemos o modding e o definamos enquanto uma das maneiras que
jogadores intervêm de maneira criativa sobre um videogame e por outro, continuar a apontar
algumas das formas mais importantes que esse tipo de produção cultural assumiu ao longo da
história dos videogames, tarefa iniciada no último capítulo.
Para esse fim julgamos ser necessário um passo atrás, no qual avaliamos jogos de uma
maneira geral e videogames de modo mais particular, a fim de não nos perdermos em
generalizações e descrições incorretas a respeito de suas características distintivas principais
em relação a outros objetos culturais e são justamente sobre as quais esses fãs atuam na
produção de mods e outras formas de alteração possíveis que discutiremos. Isso nos levará ao
longo desse capítulo, a uma avaliação mais aprofundada dos jogos enquanto sistemas abertos,
das características e possibilidades de tecnologias de suporte digitais, em especial
computadores pessoais, para jogos e de algumas das formas mais importantes que isso
ocorreu na história dos videogames. Esse caminho possibilitará que retornemos no próximo
capítulo à internet enquanto plataforma para a criação de comunidades de jogadores/criados e
aos efeitos e características que o estreitamento dos laços entre produtores e consumidores
tem sobre as relações entre indústria e os fãs de videogames.
Ao longo dos próximos subcapítulos tentaremos expor resumidamente os pontos
principais do modelo e dos conceitos de Salen e Zimmerman. Acreditamos que o trabalho
desenvolvido por Katie Salen e Eric Zimmerman em Rules of Play (Salen e Zimmerman,
2003), nos oferece uma base importante para executarmos o trajeto teórico que permitirá
entender as particularidades dos videogames, já que ele busca pensar jogos e seu design a
partir de três dimensões diferentes, mas complementares: regras, interação lúdica e cultura.

2.1 REGRAS, INTERAÇÃO LÚDICA E CULTURA

Rules of Play busca ao mesmo tempo oferecer um conjunto de ferramentas conceituais


para acadêmicos e designers de jogos e uma visão ampla e geral do campo que se
convencionou designar game studies, através da análise de trabalhos seminais. Seus autores
também buscam propor um vocabulário teórico que melhor permita o diálogo entre os
estudantes e pesquisadores do campo, em especial a respeito de assuntos relacionados ao
54

design de jogos, objeto principal do livro. Como deixam explícito, um de seus objetivos
principais é entender o que faz jogos serem diferentes e o que faz o design de jogos único
enquanto um campo de pesquisa.
Em função desse objetivo, Rules of Play, não se restringe a discutir apenas videogames,
procurando olhar os jogos em todas as mídias, digitais ou não, a fim de entender o que há de
comum em todos eles, desde brincadeiras de roda, a competições esportivas e videogames de
grande complexidade sistêmica. Isso não quer dizer, no entanto, que jogos digitais não sejam
utilizados repetidamente ao longo das discussões presentes no trabalho.
Para atingir esse objetivo, Salen e Zimmerman, organizam o livro em quatro unidades
principais: a primeira estabelece definições para conceitos fundamentais na discussão dos
jogos e de seu design e as demais discutem individualmente uma dimensão pela qual um jogo
e seu design podem ser analisados, a dizer, regras, interação lúdica (play) e cultura. Essas três
dimensões são expostas pelos autores da seguinte forma:

• REGRAS contêm os esquemas formais de design de jogos que focam nas estruturas
lógicas e matemáticas essenciais de um jogo.
• INTERAÇÃO LÚDICA (PLAY) contém os esquemas experienciais, sociais e
representacionais do design de jogos que colocam a participação dos jogadores em
primeiro plano com o jogo e com outros jogadores.
• CULTURA contém os esquemas de design de jogos contextuais que investigam os
aspectos culturais dentro de contextos mais amplos nos quais os jogos são projetados e
praticados. (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.102)

Figura 6 - Relação entres os três agrupamentos propostos: Regras, interação lúdica e cultura

Fonte: Extraído de (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.102)

A figura 6 representa a relação entre esses agrupamentos conforme suas dimensões, de


maneira a enfatizar a inter-relação entre essas três dimensões e a maneira como jogos não são
55

simplesmente regras, o ato de jogar, e não podem ser vistos como atividades isoladas de um
contexto cultural, abordagem que nos parece fundamental para entender as diferentes formas
que a produção de conteúdo por jogadores toma.
É com base nesse tripé explicativo que os autores buscam enfatizar a natureza sistêmica
dos jogos, utilizando-se de teorias auxiliares como cibernética, psicologia cognitiva, teoria
literária, semiótica, entre outras, para aprofundar cada uma dessas dimensões.
Salen e Zimmerman, entendem jogos enquanto intrinsecamente sistêmicos e qualquer
jogo pode ser entendido como sistema. “Um sistema é um conjunto de coisas que afetam
umas às outras dentro de um ambiente para formar um padrão que é diferente de qualquer
uma de suas partes individuais10” (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.50). A fim de
esquematizar essa ideia, os autores fazem uso do modelo apresentado por Stephen W.
Littlejohn em Theories of Human Communication. Sistemas são compostos dos seguintes
elementos:

• Objetos: as partes, elementos e variáveis que fazem parte do sistema. Elas podem ser
físicas, abstratas ou ambas, dependendo da natureza do sistema;
• Atributos: qualidades do sistema e de seus objetos;
• Relações internas: como esses objetos trabalham em relação a cada um dos demais.
Sistemas não existem num vácuo, mas são afetados por seus arredores;
• Ambiente: qual é o contexto do sistema.

Mudar a maneira como enquadramos um jogo - seja pelos seus aspectos formais,
experienciais ou culturais, por exemplo - afeta como definimos seus quatro elementos
descritos acima.

Como sistemas, jogos provêm contextos para interação que podem ser
espaços, objetos e comportamentos que jogadores exploram, manipulam e
habitam. Sistemas se apresentam de várias formas, de sistemas mecânicos e
matemáticos a sistemas conceituais e culturais. Um dos desafios de nossa
atual discussão é reconhecer as diversas formas pelas quais um jogo pode ser
enquadrado como um sistema11 (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.50,
tradução nossa).

10
A system is a set of things that affect one another within an environment to form a larger
pattern that is different from any of the individual parts.
11
As systems, games provide contexts for interaction, which can be spaces, objects, and behaviors that players
explore, manipulate, and inhabit. Systems come to us in many forms, from mechanical and mathematical
56

Sistemas podem ter outros sistemas como parte de seus elementos constituintes. “O
sistema formal que constituindo as regras de um jogo estão incorporados em seu sistema de
interação lúdica. Da mesma forma, o sistema de interação está incorporado no enquadramento
cultural do jogo12” (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.52).
Finalmente, sistemas podem ser fechados ou abertos. Essa distinção se torna importante
quando discutimos jogos para além de suas propriedades formais e consideramos suas
dimensões sociais e culturais.
Quando visto como sistema formal composto de regras logicamente definidas e de
substrato matemático, um jogo pode ser considerado um sistema fechado, pois seus elementos
não necessitam trocar informações com seu ambiente para existirem e funcionarem.
Enquanto sistema cultural, jogos devem necessariamente ser percebidos como sistemas
abertos a influência de outros contextos como a sociedade, língua, história, ideologia, etc., que
se não diretamente relacionados, mas que por se cruzarem modulam sua percepção.
Finalmente, como sistemas experienciais, jogos podem ser considerados tanto sistemas
abertos ou fechados. O ato de jogar um jogo coloca seus participantes numa posição
interseccional entre o sistema formal fechado, do qual precisam compartilhar para
efetivamente jogarem o jogo e o sistema cultural no qual tanto eles quanto o jogo estão
imersos e que necessariamente afetam a percepção e a experiência do jogo por seus
participantes.
Para ajudar a descrever melhor esse espaço interseccional e algumas de suas
características principais, Salen e Zimmerman resgatam um conceito proposto por Huizinga e
a respeito do qual muito foi falado no campo dos game studies: o círculo mágico. Para esse
trabalho acreditamos que basta considerar o círculo mágico como a “ideia que uma fronteira
existe entre um jogo e o mundo fora do jogo” (ZIMMERMAN, 2012) e que ele, nas palavras
de Huizinga, é um “mundo temporário, dentro do mundo normal, dedicado à performance de
um ato a parte”13 (HUIZINGA, 1955, p.10). A característica principal dessa performance a
que Huizinga referencia-se, no caso dos jogos, reside na interação dinâmica entre os
elementos do sistema, entre eles, seus jogadores.

systems to conceptual and cultural ones. One of the challenges of our current discussion is to recognize the many
ways that a game can be framed as a system,
12
The formal system constituting the rules of a game are embedded in its system of play. Likewise, the system
of play is embedded in the cultural framing of the game.
13
[…] temporary worlds within the ordinary world, dedicated to the performance of an act apart.
57

Baseando-se nas definições de Littlejohn, Brenda Laurel e Chris Crawford, os autores


encontram e elaboram uma lista prescritiva dos elementos que compõe a interatividade: ela
“acontece dentro de um sistema, é relacional, permite a intervenção direta dentro de um
contexto representacional e é iterativa14” (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.59).
Com base nas diferentes definições oferecidas pelos autores citados anteriormente, Salen
e Zimmerman propõe um modelo para a interatividade que a distinga em quatro modos ou
quatro diferentes níveis de engajamento de um indivíduo com o sistema interativo. Esse
modelo permite que qualquer atividade interativa incorpore alguns ou todos esses modos
simultaneamente:
1. Interatividade cognitiva; ou participação interpretativa diz respeito à
participação psicológica, emocional e intelectual entre uma pessoa e um sistema;
2. Interatividade funcional; ou participação utilitária são as interações funcionais e
estruturais com os componentes materiais do sistema, sua interface;
3. Interatividade explicita; ou participação com escolhas e procedimentos
projetados que compõe a interação no sentido óbvio do termo, exigindo a
participação explícita do usuário ou que a afetam diretamente como as escolhas
permitidas ao jogador, os eventos programados que controlam a experiência, as
simulações dinâmicas e a aleatoriedade que fazem parte do sistema;
4. Interatividade para-além-do-objeto; ou participação dentro da cultura do objeto
refere-se à interação que existe fora do sistema projetado pelo designer. Citados
como exemplo estão as diferentes formas de fandom, onde seus participantes
constroem realidades comunais, utilizando esses sistemas projetados como
matéria bruta;

Esses diferentes modos de interatividade expostos acima, apenas confirmam a dificuldade


de se construir uma definição única que seja capaz de abarcar as diferentes formas que a
interação pode ser pensada em relação a jogos. O quarto modo, em especial, apresenta com
clareza a dificuldade em se discutir a dimensão cultural do jogo, pois admite que ela diz
respeito a uma interatividade que só pode existir graças ao jogo, mas apenas fora de seu
círculo mágico. Quando falamos do modding, complicamos ainda mais essa relação ao
colocar o objeto dessa atividade para-além-do-objeto, novamente para dentro do círculo

14
It takes place within a system, it is relational, it allows for direct intervention within a representational context,
and it is iterative.
58

mágico, em função de sua atividade influenciar em pelo menos um dos outros três modos de
interatividade descritos por Salen e Zimmeman.
De maneira geral, o terceiro modo descreve o espaço de interatividade no qual o designer
de jogos trabalha durante o projeto das regras de um jogo. Oferecer escolhas é uma das
maneiras mais comuns de se criar interação que um sistema de jogo utiliza. Uma das
obrigações de um jogo bem projetado é oferecer escolhas que resultem em desfechos
interessantes para seus jogadores.

2.1.1 Definindo “jogo”

Salen e Zimmerman constroem sua definição de jogo a partir dos trabalhos de oito
autores importantes que discutiram em profundidade o assunto e que apresentaram definições
para esse objeto. Entre esses autores estão figuras como o historiador dos jogos David Parlett,
Clark C. Abt, o antropólogo Johann Huizinga, Roger Callois Bernard Suits, os designers de
jogos Chris Crawford e Greg Costijyan e, finalmente, o trabalho conjunto de Brian Sutton-
Smith e de Elliot Avedon. Com base numa matriz de elementos comuns das definições desses
autores, Salen e Zimmerman, apresentam a seguinte definição conceitual mínima para “jogo”:

Um jogo é um Sistema no qual jogadores entram em contanto/interagem


com um conflito artificial definido por regras, que resulta em um desfecho
quantificável15 (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.80, tradução nossa).

Essa definição não tem como pretensão pôr fim ao debate a respeito do assunto, mas
apenas servir como ponto de partida para a discussão a ser feita ao longo do livro. Os autores
elaboram cada um dos elementos que a compõe da seguinte forma:

Sistema: jogos são sistemas interativos dinâmicos, aspecto fundamental para a


abordagem apresentada.
Jogadores: um jogo é algo que um ou mais participantes jogam ativamente. Jogadores
interagem com o sistema de um jogo a fim de experimentar o ato de jogar/brincar daquele
jogo.

15
A game is a system in which players engage in an artificial conflict, defined by rules, that results in a
quantifiable outcome.
59

Artificial: jogos mantém uma fronteira do assim chamado “mundo real” tanto no
espaço quanto no tempo. Apesar de jogos obviamente ocorrerem dentro do mundo real,
artificialidade é uma de suas características definidoras.
Conflito: todos os jogos incorporam uma disputa de poderes. A disputa pode tomar
diversas formas, de cooperação à competição, de conflito individual com um sistema de jogo
a conflito social entre múltiplos jogadores. Conflito é central para jogos.
Regras: concordamos com os autores que regras são uma parte crucial dos jogos.
Regras fornecem a estrutura da qual o jogar/brincar emerge, ao delimitarem o que os
jogadores podem ou não fazer.
Desfecho quantificável: jogos têm um objetivo ou desfecho quantificável. Na
conclusão de um jogo, um jogador ganha, perde ou recebe alguma forma de avaliação
numérica de seu desempenho.

Definir “jogo”, porém, é apenas o primeiro passo necessário para discutir o design de
jogos enquanto o domínio da estética de sistemas dinâmicos. Considerando os jogos a partir
desse ponto, os autores exploram, ao longo do livro, a complexidade e variedade desses
sistemas a fim de oferecer um modelo metodológico e ferramentas práticas que auxiliem
designers de jogos a entenderem melhor os desafios inerentes à produção de experiências
interativas que sejam mais significativas para seus jogadores. Ajudar designers de jogos a
criarem oportunidades para experiências interativas significativas é, inclusive, um ponto
crucial para a existência do livro, segundo seus autores. Salen e Zimmerman definem essa
noção da seguinte forma:

A interação lúdica significativa emerge da interação entre jogadores e o


sistema do jogo, assim como do contexto no qual o jogo é jogado. Uma
forma de enquadrar o que jogadores fazem quando eles jogam um jogo é
dizer que eles estão fazendo escolhas. Eles estão decidindo como mover suas
peças, como mover seus corpos, quais cartas jogar, qual opção selecionar,
qual estratégia seguir, como interagir com outros jogadores. Eles têm até
mesmo que fazer a escolha se estão jogando ou não! Quando um jogador faz
uma escolha em um jogo, a ação resultante dessa escolha causa um
desfecho16 (SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.33, tradução nossa).

16
Meaningful play emerges from the interaction between players and the system of the game, as well as from the
context in which the game is played. One way of framing what players do when they play a game is to say that
they are making choices. They are deciding how to move their pieces, how to move their bodies, what cards to
play, what options to select, what strategies to take, how to interact with other players. They even have to make
the choice whether or not to play! When a player makes a choice within a game, the action that results from the
choice has an outcome.
60

Na visão dos autores jogar um jogo deve ser considerado uma atividade autotélica,
isso é, a significância da experiência não se encontra em uma finalidade ou sentido fora de si
mesma. Todo jogo bem projetado deve possuir prazeres intrínsecos que têm como objetivo
seduzir continuamente seus jogadores a adentrarem seu “círculo mágico” e para ali
retornarem em função da significância da experiência oferecida por eles. Isso não quer dizer,
no entanto, que jogos não sejam capazes de possuir valor extrínseco e que afetem a vida de
quem o joga para além do contexto específico criado pela interação lúdica, mas apenas que o
papel principal do designer de jogos não se reduz a uma visão funcionalista - e, portanto,
reducionista - das experiências que um jogo pode produzir.
Jogos possuem uma qualidade particular em relação a outros objetos culturais que
Salen e Zimmerman nomeiam “igual-mas-diferente”. Essa noção diz respeito ao apelo
continuado que um bom jogo tem sobre seus jogadores - apesar de ser um sistema constituído
por regras e desfechos que se repetem a cada seção - graças ao espaço de possibilidades
criado quando seus participantes exploram seu espaço de possibilidades. Diferentemente de
um livro ou filme, que não muda cada vez que é lido – mesmo que a experiência de lê-lo seja
marcadamente diferente cada vez – o jogo permite interações dentro de seu espaço de
possibilidades sempre diferentes em função de ser um sistema dinâmico, mesmo que
composto por elementos predeterminados.
Uma observação a ser feita em relação à definição de “jogo”, proposta e defendida pelos
autores, é que ela não faz distinção com base no suporte físico e tecnológico necessário
utilizado: jogos analógicos e digitais estão cobertos por ela. O suporte tecnológico
proveniente do uso de um computador – tanto no que se diz respeito ao hardware quanto ao
software - são elementos que compõe o sistema do jogo, mas não representam sua totalidade.
Nas próximas seções apontaremos algumas das diferentes características que surgem quando
o meio digital é considerado, mas é importante salientar que para os autores a experiência e o
contexto de um jogo de xadrez jogado em um tabuleiro e peças de madeira ou numa versão
digital sendo executada num computador pessoal, exibida num monitor e controlada por um
mouse não é diferente, em ambos os casos o mesmo jogo está sendo jogado, do ponto de vista
formal.

2.1.2 Regras

Salen e Zimmerman organizam as regras de um jogo em três grupos principais:


constitutivas, operacionais e implícitas. Regras constitutivas preocupam-se com o
61

funcionamento da lógica formal do jogo, geralmente “sob a superfície”, podendo ser


expressas operacionalmente de maneiras diferentes. Regras operacionais são aquelas
relacionadas diretamente com o comportamento do jogador e sua interação com o jogo,
prescrevendo os inputs e outputs considerados válidos pelas regras do jogo. Regras implícitas
dizem respeito a convenções do que significa jogar um determinado jogo de maneira “correta”
- estando ligadas à etiqueta entre os jogadores - e que pode ser bastante diferente conforme o
contexto e os envolvidos. Os dois primeiros tipos de regras apontados, constitutivas e
operacionais, trabalham em conjunto para formar o significado do jogo. A significância de
regras enquanto um sistema de expressão surge do espaço de possibilidades criado pela
interdependência de suas partes.
Salen e Zimmerman apontam, em relação aos jogos digitais, que o fato de suas lógicas
internas e seus mecanismos para lidarem com a interação do jogador serem administrados de
forma digital, o que permite a manipulação desses dados de modo que seria impraticável de se
realizar em jogos não digitais. É preciso ressaltar que o código que controla um videogame
não é a mesma coisa que suas regras, não havendo uma correspondência direta entre esses
elementos: o código de um videogame controla uma série de outros aspectos estranhos à sua
estrutura formal, mas que não obstante, controlam elementos auxiliares para sua execução.
Essa distinção, no entanto, não é sempre simples, especialmente quando consideramos
elementos como a simulação de física e colisão de um jogo, por exemplo, que pode tanto ser
parte essencial das regras quanto do controle dos aspectos gráficos do videogame. Apesar
dessa ressalva, quando pensamos explicitamente no design das regras que compõe um jogo
digital, estamos trabalhando sob uma perspectiva marcadamente similar àquela do designer de
um jogo não digital, segundo a opinião apresentada pelos autores.
Modificar o sistema formal de um videogame é o tipo de intervenção mais profunda
que um modder pode efetuar do ponto de vista de seu design. Se as regras de um jogo são
consideradas um sistema fechado, no sentido que não precisam interagir com outros sistemas
externos a elas para que funcione, isso não quer dizer que elas possam ser modificadas e
alteradas. Uma grande parte das inovações produzidas por jogadores que repercutiram estão
ligadas à criação de “modos de jogo”, que alteram as regras normais de uma partida e
produzem um espaço de possibilidades novo e que não era possível no jogo original, em
alguns casos criando efetivamente novos jogos derivados do sistema de jogo original. Como
veremos adiante, esse tipo de intervenção sobre as regras depende em grande parte do quão
aberto o sistema de regras está para esse tipo de intervenção do sistema cultural.
62

2.1.3 Interação lúdica (play)

A interação lúdica de um jogo ocorre apenas conforme os jogadores experimentam as


regras do jogo em movimento. Antes do jogo começar, os diversos componentes formais do
sistema de jogo aguardam e apenas quando os jogadores passam a se habitar, explorar e
manipular o espaço de interação possível do jogo que o sistema toma vida.
Regras apenas são um meio para se criar interação lúdica: a interação lúdica pode ser
definida como “o movimento livre dentro de uma estrutura mais rígida” (SALEN &
ZIMMERMAN, 2003, p.304). Por essa razão, Salen e Zimmerman, consideram que seria
impossível estabelecer uma lista exaustiva das formas que a interação lúdica pode tomar. Ao
invés disso, partindo do modelo proposto por Sutton-Smith, que divide os processos
psicológicos pelo qual videogames são experimentados em cinco tipos – concentração,
varredura visual, discernimento auditivo, respostas motoras e padrões de aprendizagem
perceptuais -, eles propõem um modelo que divide a experiência de um jogo em três
componentes fundamentais e interligados:
• Input: estímulo sensorial através do qual um jogador age sobre o jogo;
• Output: o estímulo sensorial de resposta do sistema ao jogador;
• Processos internos: mecanismos cognitivos pelos quais o jogador processa esses
estímulos.

As maneiras que cada jogo utiliza para estabelecer essa relação sensorial de ação e reação
e quais processos cognitivos serão exigidos são particulares de cada caso: um jogo musical
pode exigir uma alta carga de concentração para coordenar respostas motoras do jogador em
resposta à informações visuais e sonoras oferecidas pelo sistema, enquanto um jogo de
palavras como Scrabble, exige das capacidades linguística e de varredura visual do jogador
mais intensamente, por exemplo.
Como insistem Salen e Zimmerman, o papel do designer de jogo é criar um conjunto de
regras, os quais os jogadores habitam, exploram e manipulam - das maneiras expostas
sinteticamente nos últimos parágrafos – estando o aspecto experiencial da interação lúdica de
onde o jogador extrai significado apenas indiretamente sob o controle do designer.
Do ponto de vista do poder de modificação e criação de um jogador, podemos considerar
aquilo que é produzido por ele através de ferramentas de edição de terreno, níveis, estágios ou
fases, conforme o caso do videogame em questão, como aberturas oferecidas ao sistema
experiencial. Quer dizer, quando um jogador, graças a um editor de fases, por exemplo, cria
63

um mapa novo, recombinando os elementos constituintes que o desenvolvedor lhe forneceu


através daquela ferramenta, ele não está alterando as regras que controlam a alteração, mas
está definitivamente a transformando no nível interativo: cada nível exige do jogador uma
combinação particular de seus atributos cognitivos e oferece inputs e a oportunidade de
outputs diferentes por parte do jogador ao exigir que os processos internos pelo qual o jogador
interpreta essa interação sejam necessariamente diferentes caso a caso: o espaço de
possibilidades que um jogo cria é modulado pelas combinações entre os elementos individuais
do sistema.

2.1.4 Cultura

Salen e Zimmerman definem por “cultura” o agrupamento de diversas dimensões que


existem para além das regras e da interação lúdica de um determinado jogo, mas que formam
o ambiente e o contexto no qual ele está inserido. Da mesma forma que um jogo pode ser
enquadrado a partir de suas estruturas formais e suas qualidades experienciais, ele também
pode ser enquanto objeto cultural, dependente e potencialmente transformador do sistema de
ideias, valores e comportamentos compartilhados e negociados por um grupo.
Jogos considerados, enquanto sistemas culturais, extrapolam o limite do círculo
mágico e passam a estar sujeitos à crítica dos contextos políticos, ideológicos, de gênero,
geográficos, etc. onde estão inscritos. O consumo de qualquer produto midiático nunca é
realizado num vácuo e cada vez mais, como insiste Henry Jenkins, estamos consumindo e
produzindo objetos culturais de maneira participativa e transmidiática. Como já discutido
anteriormente, acreditamos que os jogos, em especial os videogames, estão num ponto de
cruzamento particularmente interessante dessas tendências e merecem ser alvo de uma análise
que os considere a partir de uma visão que não ignore suas dimensões formais e experienciais.
Por um lado jogos são construídos e trabalham com as representações culturais
comuns a seu contexto e de seus criadores, inspirando-se nos temas, ideologias e opiniões
correntes, refletindo-os para dentro da interação lúdica que produzem. Por outro, permitem
uma maneira particular de contato com essas representações culturais através da interação
lúdica que provém, permitindo um processo de transposição da retórica exposta pelos
processos postos em prática pelos sistemas experienciais que a constituem de maneira que ela
escape do círculo magico para o mundo real.
Essa porosidade do círculo mágico permite que as relações puramente formais e
experienciais do jogo sejam afetadas e afetem o contexto maior no qual o jogador está
64

inserido, oferecendo a oportunidade para que novos modos de consumo, produção e


participação sejam concebidos e possam passar a ser explorados por eles. É, portanto, a partir
da dimensão cultural que podemos considerar jogos enquanto portadores de uma mensagem
expressa pela retórica apresentada na interação lúdica, mas que a extrapola e que pode ser
individual e socialmente transformadora.
Se jogar um jogo pode ser entendido enquanto uma atividade autotélica e confinada ao
círculo mágico, ao mesmo tempo a significância cultural de um jogo, franquia ou gênero
específico, pode se tornar ponto de partida para a tomada de ação em diferentes níveis e
formas. Temos como exemplo disso, a formação de comunidades de interesse e troca de
informações e experiências como os fandoms discutidos no capítulo anterior.
Quando essa invasão do jogo sobre o “mundo real” dá início a alguma forma de
produção criativa, passamos ao que Salen e Zimmerman denominam o paradigma do
“jogador-como-produtor”, que está ligado diretamente à noção de interação lúdica
transformativa em dois sentidos:

Artefatos do tipo “jogador-como-produtor” não apenas refletem os


significados e valores dos jogos dos quais surgem, mas também contribuem
para o significado e valor dos contextos culturais nos quais os jogos existem.
Algumas formas de produção por jogadores se movem de dentro do jogo em
direção a seu exterior (dentro > fora), como, por exemplo, quando o Álbum
de Família é usado para extrair uma “recontagem” a partir da interação com
o jogo. Outras formas podem mover-se de fora do jogo em direção a seu
interior (fora > dentro), como quando um modelo de personagem criado por
um jogador é baixado para uso no jogo. Em ambos os casos, a
permeabilidade do círculo mágico alimenta inovação, resultando em ricos
sistemas de produção cultural e novas formas de expressão criativa17
(SALEN & ZIMMERMAN, 2003, p.544, tradução nossa).

O fandom ao redor de um jogo é, ao menos em parte, um contexto para a interação de


pessoas que se identificam com um objeto em particular, mas que se torna vetor potencial
para toda sorte de relações sociais, afiliações de grupo e identificações culturais aflorarem.
Nesse sentido, o jogo se torna um texto comum para a comunicação e o compartilhamento de
experiências para além do jogo propriamente dito. Dentre as diferentes motivações que
iniciam um fandom e as diferentes atividades de produção cultural para a qual um videogame

17
Player-as-producer artifacts not only reflect the meanings and values of the games from which they arise, but
also contribute to the meaning and value of the cultural contexts in which the games exist. Some forms of player
production move from inside the game outward (inside > out), such as when the Family Album is used to extract
a retelling story out of game play. Other forms can move from outside the game inward (outside > in), such as
when a player-generated character model is downloaded for use in the game. In both cases, the permeability of
the magic circle feeds innovation, resulting in rich systems of cultural production and new forms of creative
expression
65

serve de estopim, o modding nos parece uma das mais interessantes e próximas das questões
de design de jogos tão cara a Salen e Zimmerman. No caso do modding temos um movimento
duplo, no qual a interação promove sobre o jogador o ímpeto não apenas de compartilhar sua
experiência ou criar um objeto cultural, ou conhecimento derivado dela – como, por exemplo,
um guia criado para esclarecer as mecânicas do jogo, uma estória que tome a narrativa e os
personagens do jogo como inspiração ou um vídeo demonstrando o domínio técnico do
jogador sobre o sistema criado pelo jogo -, mas de alterá-lo fundamentalmente a partir de suas
dimensões formal e experiencial, isso é, alterar as regras e a forma que a interação ocorrem,
reconfigurando o espaço de possibilidades do jogo e alterando consequentemente sua retórica
e as experiências que pode causar.

2.2 JOGOS COMO CULTURA ABERTA E AUTORIA DA EXPERIÊNCIA

Jogar um jogo é experimentar o jogo: ver, tocar, ouvir, cheirar e degustar o


jogo; é mover o corpo durante a interação, sentir emoções a respeito do
desenrolar até o desfecho, é comunicar-se com outros jogadores, é alterar
padrões de raciocínio normais. Diferentemente da forma matemática pura
das regras, a interação experiencial de um jogo é difusa, opaca e bagunçada.
Apesar disso, é nesse reino que jogadores de fato tomam parte em um jogo,
engajando-se em interações lúdicas significativas18 (SALEN &
ZIMMERMAN, 2003, p. 314, tradução nossa).

O papel do designer de jogo em criar experiências significativas de interação com um


jogo requer o entendimento de como o sistema formal de um jogo se transforma em um
sistema experiencial. Para tal, é necessário considerar tanto as dimensões momento a
momento da interação que o jogador deve enfrentar, quanto a maneira como essas interações
fundamentais se combinam para formar a trajetória maior da experiência. Quem melhor então
para entender, modificar e transformar a experiência de um jogo de maneira significativa que
um fã, alguém que dedicou tempo e atenção na análise mais aprofundada do artefato cultural
em questão, seja por suas características formais, experienciais ou culturais. “O significado
em um jogo emerge da interação entre sistema e contexto” (SALEN & ZIMMERMAN, 2003,
p.33).
O fato de jogos serem intrinsecamente sistêmicos é um ponto central para entendermos
a maneira como eles podem ser projetados para serem abertos à intervenção de seus jogadores
18
To play a game is to experience the game; to see, touch, hear, smell, and taste the game; to move the body
during play, to feel emotions about unfolding outcome, to communicate with other players, to alter normal
patterns of thinking. Unlike the clean mathematical forms of rules, the experiential play of a game is fuzzy,
murky, and messy. Yet it is in this realm that players actually take part in a game, engaging in meaningful play.
66

sobre seus elementos. Recapitulando a definição apresentada no início do capítulo, um


sistema é composto por objetos, atributos, relações internas e um ambiente, elementos que em
sua composição formam um padrão diferente de suas partes consideradas individualmente.
Dentro de um sistema de jogo projetado para que seja aberto é, portanto, possível que existam
múltiplas oportunidades para que jogadores possam intervir de maneira significativa sobre
esses elementos modificando o sistema e, consequentemente, os processos iniciados por ele e
a experiência resultante da interação lúdica.
Quando falamos de jogos não digitais, a possibilidade de subverter as regras que
formam a base do sistema formal do jogo, sejam elas regras constitutivas, operacionais ou
implícitas, está sempre presente, já que elas existem com base no acordo tácito de que todos
os jogadores estão cientes delas e as respeitam. Isso abre a possibilidade para dois tipos de
subversão das regras:
• A trapaça, isso é, o desrespeito por um ou mais participantes de algumas regras a
fim de conseguir vantagens dentro do jogo;
• O acordo coletivo entre todos os participantes para a modificação dessas regras a
fim de tornar o jogo mais interessante para eles, as “regras da casa”, relativamente
comum e geralmente bem aceita em ambientes não competitivos.

Para Salen e Zimmerman, esse segundo tipo é a maneira mais comum pela qual
jogadores tomam para si o papel de designers e buscam intensificar a significância das
interações lúdicas ao alterar o espaço de possibilidades e criar modos alternativos de jogar. Os
autores advogam baseados na opinião expressa por Bernard DeKoven em seu livro, The Well-
Played Game: A Player’s Philosophy, de 1978, que os participantes de um jogo possuem
sempre a prerrogativa de modificar suas regras a fim de encontrar um jogo que funcione para
eles.
Como já dito anteriormente, a experiência do jogo existe apenas na interação dentro do
espaço de possibilidades que ele proporciona a seus participantes e, por isso, é deles a
autoridade máxima de decidir se o jogo atinge seu objetivo ou não. Não é necessária a
aprovação de ninguém além da comunidade de jogadores envolvidos para que regras sejam
alteradas e novas regras sejam criadas e testadas, efetivamente dando aos participantes a
última palavra a respeito do jogo que desejam jogar.
Salen e Zimmerman veem que essa perspectiva iterativa de construção da experiência
de interação dos participantes deve fazer parte da metodologia de um designer de jogos:
ajustar, modificar e recombinar os diversos elementos que formam um jogo são etapas
67

necessárias para refinar sua experiência. Essa, no entanto, nem sempre é a perspectiva adotada
pelos jogadores, seja porque não se dão conta dessa prerrogativa, seja porque em alguns casos
a fixidez das regras é característica essencial da experiência, como por exemplo, numa partida
de um jogo competitivo.
Quando um jogador passa ao papel de produtor da experiência do jogo, ele está dando
um salto para fora da interação lúdica e está tomando o jogo por suas partes a fim de alterá-
las. Esse movimento o coloca numa perspectiva atípica, na qual o jogo passa a ser modificar
os processos que serão experimentados por ele – e por outros a quem ele porventura venha a
compartilhar suas criações – quando entrarem em contato com essa versão modificada da
simulação. Essa mudança de papéis não apenas transforma a relação do jogador com o jogo
enquanto objeto cultural, mas também oferece a oportunidade de transformar o jogo em seus
aspectos mais fundamentais.
Acreditamos que os fãs que passam a produzir mods de um jogo partilham da
percepção de que o jogador sempre possui a prerrogativa de transformar o jogo, sendo essa
uma das características principais para entender a maneira que modders encaram o tipo de
atividade efetivamente transformadora sobre o artefato cultural original na qual se engajam.
Falando a respeito de estratégias de resistência que dão origem a mods de jogos, Salen
e Zimmerman propõe a distinção conceitual das modificações feitas por jogadores em três
tipos de estratégias:
• Estratégias de alteração fazem mudanças a estruturas existentes do jogo;
• Estratégias de justaposição combinam elementos inesperados dentro de um
espaço de jogo;
• Estratégias de reinvenção retrabalham estruturas de jogo inteiras em níveis
mais profundos.
Um mesmo mod pode combinar essas três estratégias de diferentes maneiras.
Acreditamos que se genérica, tal distinção ajuda a distinguir o modo pelo qual -
independentemente da abertura à intervenção que o usuário utiliza para criar um mod – ele
está, em última análise, apropriando-se de um objeto cultural estranho e tornando-o algo
diferente e mais pessoal.
No caso dos videogames, no entanto, esse tipo de intervenção é mais complicado,
devido aos elementos constituintes do sistema de jogo estarem incorporados no código que
controla os processos que criam o espaço habitado pelos jogadores. Nos jogos digitais existe
um agente mediador com o qual não é possível argumentar e dialogicamente chegar a uma
nova conformação dos elementos do jogo que seja mais expressiva para seus participantes. É
68

necessário que ou o videogame possua aberturas projetadas em seu design para que esse tipo
de intervenção ocorra, ou que o jogador seja capaz de forçar essas aberturas através de cheats,
hacks e exploits.
Uma das considerações que um designer de jogos pode tomar durante o processo de
projetar um jogo é estabelecer maneiras de influenciar ou potencializar a sua abertura às
modificações por jogadores. Essas aberturas implicam em tornar a relação do jogador com as
regras e a experiência do jogo mais direta e oferecer explicitamente maior agência criativa ao
jogador. Essa escolha de design implica necessariamente que o jogo se torna mais suscetível a
elementos extrajogo, se abrindo a usos não esperados e potencialmente transformadores de
sua retórica. Além disso, essa decisão quase sempre implica em maior trabalho no design do
sistema de jogo, a fim de garantir que ele possua uma arquitetura que viabilize esse uso.
Existem diferentes formas de projetar um jogo para que possua sistemas abertos à
intervenção de jogadores sobre certos elementos de seu sistema: acesso às variáveis que
determinam certos parâmetros ou às regras do jogo diretamente por meio do código
programado para controlar a simulação, ou o acesso a elementos visuais, sonoros e narrativos
que compõe os elementos contextuais com os quais o jogador interage com a simulação, são
algumas das maneiras mais comuns e poderosas de permitir a intervenção de jogadores sobre
a experiência. Nas próximas seções discutiremos as formas mais comuns como essa abertura é
oferecida através da liberação de ferramentas especialistas, motores de jogos ou do código
fonte do videogame em questão ou tomada através de cheats, exploits e hacks.

2.2.1 Sistemas de Jogos, Ferramentas de edição e criação e Motores de Jogos

Salen e Zimmerman utilizam-se da noção de “sistema de jogo”, apropriada de Ron


Hale-Evans (HALE-EVANS, 2001), para discutir as maneiras como um jogo pode tornar-se
ele próprio o objeto com o qual se jogar. Um sistema de jogo, na definição de Hale-Evans, é
um “conjunto de componentes que funcionam juntos em diversos jogos”, dando como
exemplo para essa definição um baralho de cartas; um baralho pode, apesar de seu número
limitado de componentes, ser utilizado de infinitas maneiras possíveis graças à recombinação
desses componentes em diferentes jogos. Um sistema de jogo mais complexo não precisa ser
projetado exclusivamente como tal: ele pode possuir um “jogo primário” que possui regras e
faz uso desse conjunto de componentes e permitir a recombinação de seus componentes em
variantes secundárias. De qualquer maneira, quanto mais aberto o sistema, mais fácil é criar
variantes e jogos completamente novos.
69

As características do desafio do design de sistemas de jogo projetados dessa forma,


são análogas as do design de um sistema de jogo aberto: o designer deve estar disposto a abrir
mão do controle sobre todos os elementos do sistema em troca da possibilidade da emergência
de novos modos de jogar criados por terceiros com a arquitetura base do sistema criado por
ele. A decisão de projetar um jogo como sistema de jogo, no entanto, segundo Salen e
Zimmerman pode ser extremamente gratificante tanto ao designer quanto ao jogador tornado
designer dentro desse espaço de possibilidades que esse sistema de jogo oferece e permite.
Na prática dos videogames, devido às limitações e características intrínsecas ao meio
digital do qual dependem para realizar-se, já discutidas anteriormente, essas aberturas
precisam ser projetadas de maneira explícita em ferramentas que cumpram o papel de
interface entre o videogame enquanto software e jogo. Essas ferramentas são softwares que
devem fazer a intermediação entre os dados e os processos utilizados pelo jogo e a
intervenção do usuário, a fim de viabilizar o acesso e modificação dos componentes e da
organização do sistema de jogo. Em função de videogames poderem ser radicalmente
diferentes entre si, é difícil fazer uma categorização dessas ferramentas a partir de suas
especialidades sem uma pesquisa pormenorizada. Não obstante, é possível dividir essas
ferramentas em dois tipos particulares que nos dizem algo a respeito delas e dos sistemas de
jogo a que servem:
Ferramentas especialistas dizem respeito a, por exemplo, editores de níveis, fases e
mapas, ou editores de itens, unidades e personagens - componentes estruturais comuns à
maioria dos jogos - que permitam a customização e extensão de seus parâmetros constitutivos
para além do que o videogame já permite.
Criar um personagem a partir das classes, atributos e perícias que um jogo permite e o
equipar com as armas e armaduras de uma seleção pré-existente para habitar um mundo
escolhido entre os possíveis, não é do que estamos falando. Essas ferramentas permitem a
seus usuários, efetivamente, uma ou mais das seguintes ações: criar novas classes, alterar
quais e como atributos e perícias operam, adicionar novas armas e armaduras de sua
imaginação à lista e construir os locais e elementos com os quais o jogador interage no mundo
do jogo. Mesmo que essas opções sejam restritas a um conjunto pré-determinado de
componentes, a prerrogativa de decidir como esses componentes serão combinados é do
jogador e quanto maior for o impacto dessas decisões sobre o sistema de jogo, maior será a
agência do jogador sobre ele.
Motores de jogos são sistemas de jogos mais ambiciosos: eles geralmente combinam
diversas ferramentas especialistas em um - para utilizarmos um termo do desenvolvimento de
70

software – Software Development Kit (SDK), um conjunto de ferramentas que funciona


conjuntamente para viabilizar o desenvolvimento de um software.
O Motor de jogo oferecido ao jogador, dessa maneira, é quase sempre uma versão
mais amigável das ferramentas de desenvolvimento criadas internamente no estúdio que
produziu o jogo a fim de viabilizar sua produção. Por esse motivo, um motor de jogo carrega
grande poder para a criação, extensão e modificação do sistema de jogo primário a que
corresponde e permite uma grande agência sobre certos elementos constituintes daquele
sistema.
Através de um motor de jogo é possível, inclusive, importar arquivos de dados
produzidos em softwares auxiliares como texturas, modelos tridimensionais, sons, imagens,
etc. e alterar certas partes do código que controlam as regras do jogo que foram
explicitamente expostas para esse fim em sua arquitetura. Por essas razões, um motor de jogo
geralmente exige certo conhecimento técnico prévio para ser utilizado de forma eficiente e
dedicação de um período maior de tempo para o aprendizado de suas funcionalidades em
relação à maioria das ferramentas especialistas.
Durante muito tempo, o acesso ao motor de jogo estava ligado diretamente à aquisição
de uma cópia do jogo a que deu origem. Da mesma forma, para jogar um mod produzido com
um motor de jogo você deveria possuir uma cópia do jogo instalada em sua máquina. Nos
últimos anos, no entanto, temos visto a popularização da venda e licenciamento de motores de
jogo “genéricos” – que são capazes de produzir uma grande variedade de gêneros de jogos e
oferecem ferramentas robustas para tal – para desenvolvedores amadores e independentes e
que produzem arquivos de instalação independentes que podem ser utilizados por qualquer
pessoa.
Vale ressaltar, que mesmo tendo acesso ao motor de jogo, um jogador não possui
controle total sobre o sistema de jogo: seus componentes e uma relação estrutural básica
foram forjados no código que controla os processos e os dados que constituem o próprio
motor de jogo e algumas das funcionalidades mais básicas do software. Esses, raramente são
oferecidos a seus usuários pelos desenvolvedores do motor de jogo por questões financeiras e
estratégicas de proteção de propriedade intelectual. Apesar disso, a possibilidade existe e
exemplos antigos e recentes existem, como discutiremos nas seções finais desse capítulo.
71

2.2.2 Código fonte aberto

Como discutido no capítulo anterior, a ideia da propriedade intelectual sobre o código


fonte que compunha os primeiros videogames produzidos em universidades e centros de
pesquisa parecia uma noção alienígena a seus criadores: não fazia sentido esconder ou cobrar
pelo uso daqueles projetos de fim lúdico e que dependiam de caríssimos computadores para
funcionar.
Conforme a informatização de escritórios e domicílios prolificou-se, a ideia de valor
monetário intrínseco do código passou a ser hegemônica e deu-se início a diversas indústrias
voltadas ao desenvolvimento de software enquanto produto, entre elas a de videogames a
partir dos anos 70. Consequentemente, a noção de código fonte livre e aberto também passou
a ser menos comum em videogames comerciais, desde então.
Isso não quer dizer que não existam exceções e que não se deve considerar as
possibilidades radicais que o acesso ao código fonte de um videogame permite a um usuário
disposto a modificá-lo de alguma maneira. Ao falarmos de Doom e Quake nas próximas
seções tocaremos novamente nesse assunto.

2.2.3 Cheats, Exploits e Hacks

Cheats são inseridos no código durante o processo de desenvolvimento de um


videogame, comumente como brincadeiras ou ferramentas de teste e balanceamento de
aspectos do sistema do jogo e permanecem no código final do jogo. Cheats comumente
oferecem chances extras ao jogador, tornam o personagem invulnerável aos perigos da fase ou
oferecem habilidades e poderes fora do comum, ou não ter que completar certas etapas
preliminares e outras formas de quebra das regras do jogo. Sihvonen (SIHVONEN, 2009,
p.52), ao estudar as práticas de modding de jogadores da franquia The Sims, argumenta que
cheats criam um espaço de possibilidades diferenciado para jogadores, que passam a explorar
certos elementos ligados às regras operacionais e constitutivas do videogame em questão,
subvertendo ou ignorando as relações fixadas originalmente por essas regras. Cheats pensados
dessa forma podem ser considerados uma forma de abertura do sistema do jogo à intervenção
do jogador.
Exploits são maneiras de burlar as regras do jogo, descobertas ou desenvolvidas por
jogadores. Exploits são descobertos quando são fruto do abuso de erros e omissões na
implementação do sistema de jogo que permitam o abuso de efeitos indesejados por seus
72

desenvolvedores. Podemos citar como exemplo a descoberta de um modo de fazer com que o
sistema de colisão – as regras da simulação física – não funcione apropriadamente e permita
com que um jogador atravesse um obstáculo de maneira não esperada.
Exploits são desenvolvidos quando o resultado do trabalho de jogadores de maior
conhecimento técnico, que abusam de falhas de segurança no sistema para acessar dados e
processos do jogo “à força”, a fim de manipulá-los conforme desejarem. Isso é feito
geralmente através da criação de programas auxiliares que extraem e/ou injetam dados que
alteram a execução do jogo. Nesse sentido, exploits são um tipo de hack. Um exemplo do que
estamos falando, seria a criação de um programa que pode tornar personagens “incorpóreos”
para a simulação, permitindo com que ele atravesse qualquer obstáculo, conforme comando
do jogador. Exploits conhecidos como trainers, podem dar acesso e permitir a alteração de
atributos de personagens e itens, liberar equipamentos, dar acesso a áreas impossíveis de
modo normal, enfim, pode tornar a simulação criada pelo videogame um playground para a
exploração do jogador.
A prática do desenvolvimento desse segundo tipo de exploits é claramente fruto do
interesse de jogadores buscando maneiras de “quebrar” o jogo e moldá-lo de maneira que os
beneficie. Nesse sentido, exploits são similares à terceira categoria, hacks.
Hacks, similarmente aos exploits, são os produtos da intervenção de jogadores sobre o
código do jogo. A diferença principal entre ambos é a intenção e os resultados desse tipo de
ação. Um exploit “quebra” um videogame a fim de dar acesso à parâmetros e processos,
dando ao jogador maior poder sobre eles. Hacks não possuem uma finalidade tão explícita,
muitas vezes sendo uma atividade exploratória do código, reconstruindo-o a partir da
engenharia reversa de suas partes expostas, como os arquivos instalados pelo jogo e a análise
das informações de que ele faz uso durante sua execução. Essa exploração pode ser
considerada um jogo em si mesma, na qual o jogo visto enquanto software é o objeto a ser
desvendado.
Um hacker pode encontrar coisas curiosas e escondidas no código e nos arquivos
digitais que formam o videogame, como os fragmentos de uma área ou personagem não
implementados no jogo final. Esse foi o caso do polêmico mod para o videogame Grand Theft
Auto: San Andreas, conhecido como Hot Coffee, no qual um minijogo de sexo criado pelos
desenvolvedores, mas escondido na versão final, foi descoberto e destravado por um hacker
(BOWLES, 2005).
Em outros casos, um hack pode ter como finalidade encontrar e converter arquivos de
vídeo e áudio em formatos utilizáveis em outros aplicativos ou modificar os arquivos onde os
73

elementos textuais estão localizados, a fim de traduzi-los para uma língua anteriormente não
suportada. Esse último caso, inclusive, se assemelha ao tipo de prática conhecida como
fansubbing (JENKINS, 2006a), bastante comum entre jovens fãs de animações japonesas e
que voluntariamente se organizam para traduzi-las e disponibilizá-las para outros fãs sem esse
conhecimento.
Finalmente, um hack pode ser a única forma que um fã é capaz de intervir sobre um
videogame de maneira criativa, modificando-o a seu desejo. Como dito anteriormente, jogos
podem ser pensados como sistemas abertos à intervenção por terceiros e mesmo influenciar e
facilitar essa atitude com a liberação de ferramentas especialistas ou mesmo do código fonte e
dos arquivos que o compõe. Isso, no entanto, nem sempre ocorre, tendo o fã empenhado em
modificar um desses videogames que recorrer a modos não oficiais e quase sempre mais
difíceis e propensos a erros. Isso não quer dizer, no entanto, que a prática seja pouco comum,
pelo contrário, comunidades criadas especificamente para essa prática existem e basta uma
busca feita na internet para encontrar dezenas de projetos relacionados aos mais diferentes
jogos.
A atividade de “hackear” um videogame é tão antiga quanto sua existência enquanto
objeto cultural: já nos anos 70 e 80, temos casos de jogos comerciais que graças à curiosidade
de seus jogadores, tiveram seu código e dados modificados, apesar de serem distribuídos sem
essa intenção. Seria impossível, portanto, apontar um precursor para tal atividade. Não
obstante, Castle Wolfenstein, nos parece um exemplo especialmente pertinente para
discutirmos esse tipo de modificação.

2.2.3.1 Castle Wolfenstein

Castle Wolfenstein (Muse Software, 1981) foi desenvolvido por Silas Warner para
diversas plataformas, Apple II, DOS, Atari 400/800 e Commodore 64. Em Castle Wolfenstein,
o jogador controla um prisioneiro de guerra em sua fuga de um castelo controlado pelo
exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O protagonista é visto por uma câmera
em terceira pessoa e deve navegar as sessenta salas que compõe o castelo a fim de completar
diversos objetivos secundários, como encontrar os planos de guerra nazistas e finalmente
escapar vivo.
Como características principais de sua jogabilidade estão o complexo mapa repleto de
segredos – granadas podem ser usadas para se abrir passagens alternativas entre as salas, por
exemplo – e o foco na evasão de confrontos diretos com os guardas que ocupam as salas: se
74

cuidadoso o jogador pode esquivar-se de seu campo de visão e pode mesmo vestir uniformes
nazistas para se camuflar entre eles. O que nos interessa mais do que o jogo em si, no entanto,
são dois elementos secundários: por um lado o anúncio de um “trainer” para o jogo e uma
conversão total feita por jovens entediados num verão.
Em 1983, um trainer chamado The Great Escape Utility, anunciado por $15 em uma
revista especializada. A ferramenta propunha “remodelar” qualquer característica do jogo.
Elimine demoras de inicialização, travamentos (de computador) e espera por baús. Consiga
qualquer item, em qualquer quantidade. Comece em qualquer sala, em qualquer rank.
Melhore sua mira. Até mesmo adicione itens” (IF THEY..., 1984).

Figura 7 - Anúncio em revista de "trainer" para Castle Wolfenstein (esquerda). Tela inicial em
sua original e modificada (direita)

Fonte: (IF THEY..., 1984), (JOHNSON, 2013), adaptado pelo autor

Nesse mesmo ano, aconteceu o lançamento de Castle Smurfenstein, uma “conversão


total” – nome comumente dado à mods que modificam em grande intensidade elementos de
um jogo – de Castle Wolfenstein, paródia produzida por dois jovens “estudantes do ensino-
médio, suburbanos e que não achavam que nazistas pareciam tão intimidadores assim
(JOHNSON, 2013)” e decidiram substitui-los por Smurfs: pequenos homenzinhos azuis que
75

moram em cogumelos e foram criados pelo belga Pierre Culliford. Nas palavras de um de
seus criadores:

Então nós mudamos o jogo. Os guardas nazistas se tornaram Smurfs, as


vozes alemãs basicamente ininteligíveis se tornaram vozes de Smurf
basicamente ininteligíveis. Nós criamos uma tela de apresentação nova, uma
tela de fim nova, uma narração de abertura nova e um novo tema de
abertura, e mudamos a ambientação da Alemanha para o Canadá19
(JOHNSON, 2013, tradução nossa).

E mais adiante:

A conversão foi bastante simples, precisando apenas de um programa de


pintura, um editor de setores e The Voice da própria Muse Software para
adicionar o áudio novo20 (JOHNSON, 2013, tradução nossa).

Castle Smurfenstein foi o segundo jogo de uma trilogia inacabada de jogos-paródia


protagonizados por Smurfs, que foram criados pelo par de amigos e distribuídos em BBSs à
época.
Apesar de anedóticos, os exemplos oferecidos por The Great Escape Utility e Castle
Smurfenstein apenas reforçam as noções apresentadas a respeito do videogame enquanto
objeto cultural e como sistema aberto para a intervenção criativa de seus usuários e
demonstram como tais possibilidades estiveram desde muito cedo presentes.
As próximas seções continuarão a discussão iniciada no último capítulo ao selecionar
exemplos representativos das formas como desenvolvedores incorporaram as ideias de
ferramentas de edição especialistas, motores de jogos e a noção de código fonte aberto -
aberturas sistêmicas ao conteúdo gerado por usuário que levantamos - ao buscar caracterizar o
modding enquanto atividade de produção criativa efetuada por fãs.
Essa discussão nos levará à noção de motor de jogo, sua importância crescente para a
indústria de jogos a partir de meados dos anos 90. Isso nos permitirá discutir especificamente
como as relações entre indústria e os fãs engajados na criação de mods com esses motores de
jogos, em especial daqueles relacionados a jogos de tiro em primeira pessoa, se dão de forma
nem sempre harmoniosa, no próximo capitulo. Faremos isso recontando a história do estúdio
de desenvolvimento id Software, fundado no início dos anos 90, marcado pelo
amadurecimento técnico e econômico dessa indústria.

19
So we changed the game. The nazi guards became Smurfs, the mostly unintelligible German voices became
mostly unintelligible Smurf voices. We created a new title screen, new ending screen, new opening narration,
and an opening theme, and changed the setting from Germany to Canada.
20
The conversion was pretty straightforward, needing only a paint program, a sector editor, and Muse Software's
very own 'the Voice' to add in the new audio.
76

2.3 PRIMEIROS EXPERIMENTOS EM CONTEÚDO GERADO POR USUÁRIOS

Em função da grande variedade de plataformas, modos e escala de distribuição, falta


de uma catalogação precisa desses produtos e a dificuldade de se distinguir entre videogames
profissionais e aqueles produzidos de forma amadora, seria impraticável tentar determinar
qual foi o primeiro jogo a permitir um maior grau de modificação via ferramentas e/ou acesso
aos arquivos necessários para tal. Apesar disso, consideramos três videogames lançados no
período de 1983-84 como precursores do tipo de aberturas criativas e oferta de ferramentas
que permitiriam a um jogador, com pouco ou nenhum conhecimento de programação, ser
capaz de criar e alterar a experiência proporcionada pelo videogame.
Essa escolha foi feita com base em fatores além de suas datas de lançamento: a
qualidade deles, de suas ferramentas e das possibilidades que elas oferecem, seu sucesso
comercial, a importância deles e de suas ideias e as plataformas nas quais foram lançados. São
eles: Pinball Construction Set (Eletronic Arts, 1983), Lode Runner (Brøderbund, 1983),
Excitebike (Nintendo, 1984).

2.3.1 Lode Runner (1983)

Desenvolvido por Douglas E. Smith, Lode Runner teve sua origem nos laboratórios de
computação da Universidade de Washington, onde ele trabalhou como assistente durante a
faculdade. Inicialmente um projeto pessoal desenvolvido nos momentos de ócio, acabou
sendo difundido pelos computadores do laboratório, onde era jogado por usuários
interessados. Já nessa versão seminal, parte do apelo do jogo era a possibilidade dos usuários
criarem seus próprios níveis e testar novas funcionalidades por meio de um editor rudimentar
(IGN, 1999). Desse processo de iteração surgiu o protótipo do jogo que mais tarde, por
insistência de um sobrinho, seria convertido para Apple II.
Esse protótipo, após algumas versões e um contrato com a publicadora Brøderbund,
seria lançado como Lode Runner em 1983 para o Apple II. Posteriormente, versões para
diversas plataformas, entre elas o Commodore 64, o IBM PC, o Atari 800 e Famicom.
77

Figura 8 - Tela do jogo Lode Runner em andamento

Fonte: tela capturada da versão para Apple II de Lode Runner pelo autor

Em Lode Runner o jogador deve controlar o personagem principal evitando com


sucesso os perigos dispostos em seu caminho, em especial os inimigos controlados pela
inteligência artificial do jogo que o perseguem continuamente, enquanto coleta todos os
objetos espalhados pelo nível. Quando isso acontece, uma escada que dá acesso ao próximo
nível surge e deve ser escalada.
O personagem controlado pelo jogador possui algumas ações: ele pode se locomover
horizontalmente se estiver no chão ou agarrado em uma das cordas e verticalmente subindo e
descendo as escadas ou se jogando de plataformas. Ele também tem a habilidade de fazer uma
pequena área do chão, imediatamente adjacente à direção que está encarando, desaparecer.
Esse “buraco”, pode aprisionar um personagem que caia nele temporariamente, tanto inimigo
quanto controlado pelo jogador e é a única ferramenta do jogador para despistar inimigos e
acessar determinadas áreas do nível. Esse “buraco”, no entanto, se fecha novamente após
alguns segundos, “matando” o personagem que por ventura esteja dentro dele. O personagem
do jogador morre quando um inimigo o toca ou um buraco se fecha sobre ele, perdendo uma
de suas “vidas”. Ao início de uma partida, o jogador possui cinco vidas, ganhando uma vida
extra sempre que completar um dos níveis.
O desafio em Lode Runner exige uma combinação de coordenação motora, necessária
para navegar com sucesso o nível, com a capacidade de “ler” a topologia do nível e decidir
78

rapidamente a ação correta a ser tomada. Lode Runner possui também elementos de lógica, já
que cada nível exige uma abordagem específica, baseada no entendimento que o jogador
possui das mecânicas e da inteligência artificial determinística do jogo.
Para facilitar o processo de prototipação e alteração dos diversos níveis necessários
para o jogo, Smith desenvolveu uma ferramenta de edição de níveis que não exigia
conhecimentos de programação e permitia a criação de um novo nível em questão de minutos.
Anedoticamente, durante o desenvolvimento do jogo, Smith utilizou-se da ajuda voluntária de
garotos de sua vizinhança, entusiasmados com a oportunidade de participar do processo.
Esses jovens ajudaram Smith a testar e balancear o jogo e, graças a ferramentas que ele havia
criado, chegaram mesmo a criar alguns dos 150 níveis que acompanharam a primeira versão
comercial do jogo. Em entrevista John Romero reconta o causo:

Doug vivia em Seattle e era mais velho que os outros jovens no bairro. Um
grupo de jovens costumava ir e testar seus jogos para ele – como um time de
Garantia de Qualidade de graça. Eles achavam o jogo simplesmente
sensacional. Eles queriam fazer os níveis também. Então ele fez [o editor] e
essas crianças fizeram um monte de níveis que estavam no jogo – não eram
todos de Doug. Acabou que um desses jovens era Daron Stinnett, o produtor
executivo de Dark Forces, Jedi Knight e Outlaw, o que faz dele alguém
envolvido com jogos há muito tempo, e tudo começou com Lode Runner21
(BARTON, 2013).

Uma característica marcante da maioria das versões do jogo, era a possibilidade do


jogador acessar esse editor de níveis através do uso de um simples comando na tela principal.
Com esse editor era possível a qualquer jogador criar e salvar em um disquete até 150 níveis
próprios, a serem jogados posteriormente ou compartilhados. Nesse editor o jogador controla
a posição de um cursor e determina qual “tile” - bloco retangular com gráfico e
comportamento específico – deseja que ocupe aquele espaço. Nos computadores pessoais isso
era feito através do teclado com os números de 1 a 0 dizendo respeito aos 10 “tiles” usados
para construir os níveis do jogo. São eles:

21
Doug lived in Seattle and was older than the other kids in the neighborhood. A couple of the kids used to come
over and test his games for him – like a free QA [quality assurance] team. They thought his game was just
awesome. They wanted to make the levels, too. So he did, and those kids made a ton of the levels that were in
the game – it wasn’t all Doug. It ended up that one of these kids was Daron Stinnett, the executive producer of
Dark Forces, Jedi Knight, and Outlaw, so he’s been involved in games for a long time, and it all started on Lode
Runner.
79

Figura 9 - Menu do Editor de Níveis em Lode Runner

Fonte: tela capturada da versão para Apple II de Lode Runner pelo autor

Brick: blocos padrão que podem ser removidos pela habilidade do personagem;
Cement: não pode ser removido pela habilidade do personagem;
Ladder: compõe as escadas que o jogador utiliza para se mover verticalmente;
Rope: permite ligar duas plataformas diretamentes;
Hidden Trap Door: é um tile que aparenta ser do tipo “Brick”, mas ignora colisão
com o personagem, fazendo com que ele o atravesse e acabe caindo;
Level Cleared Ladder: surge apenas quando o jogador coleta todos os “Chest of
Gold” espalhados no nível e deve ser escalado para passar-se ao próximo nível;
Chest of Gold: objeto que deve ser coletado para permitir a passagem de nível;
Enemy: determina a posição inicial de um inimigo e onde ele surge após alguns
instantes caso seja morto por um buraco que tenha fechado sobre ele. Entre um e cinco “tiles”
de inimigo podem existir em um determinado nível;
Player: indica a posição onde o personagem do jogador inicia aquele nível;
Clear Block: “tile” vazio que compõe o fundo do nível e não possui interação.

Lode Runner teve aproximadamente três milhões de unidades vendidas, segundo


estimativa do próprio Smith, sendo parte substancial no Japão graças à versão lançada para a
versão japonesa do NES (IGN, 1999). Além do sucesso comercial, outro fato que ajuda a
80

reforçar a percepção de que parte do sucesso do jogo deveu-se a seu editor de níveis, foi o
lançamento no ano seguinte de Championship Lode Runner, uma versão do jogo feita
especialmente para desafiar os jogadores mais experientes e que tinha parte de seus níveis
contribuídos por entusiastas.
Ao longo dos anos seguintes, diversos jogos ofereceriam ferramentas similares de
criação de níveis, em alguns casos permitindo e facilitando a distribuição dos mesmos a
outros jogadores. Podemos citar Boulder Dash (First Star Software, 1984) e Soko-Ban
(Spectrum Holobyte, 1984) como outros dois exemplos de videogames bem sucedidos do
mesmo período, que ofereciam editores de níveis para que seus jogadores experimentassem
com essa dimensão de criação da interação.

2.3.2 Pinball Construction Set e os videogames de fazer videogames

Outro jogo importante para a discussão desse trabalho é Pinball Construction Set.
Também lançado em 1983, é considerado o jogo que definiu o gênero dos videogames do
estilo “construction set/construction kit” que definiriam a linha de títulos da então nascente e
desconhecida publicadora, Eletronic Arts, e outros títulos similares lançados por concorrentes
ao longo dos anos 80.
Bill Budge em 1981, então ainda funcionário da Apple, lançou por conta própria
Raster Blaster. Influenciado pelo entusiasmo de seus colegas de trabalho com as mesas de
pinball disponíveis no serviço, Budge tentou recriar a experiência do jogo digitalmente com
Raster Blaster. Para isso, desenvolveu um jogo no qual, apesar das limitações de
processamento da época, a simulação de colisão entre as bolas, a mesa e as palhetas fosse
eficiente e não impactasse negativamente o desempenho do jogo. O sucesso comercial de
Raster Blaster incentivou Budge a iniciar o desenvolvimento de um novo videogame de
pinball que viria a ser lançado apenas em 1983 com o nome Pinball Construction Set (PCS).
A maior novidade desse novo jogo dizia respeito à inclusão de ferramentas de criação
e edição de mesas para que jogadores intrépidos pudessem criar seus próprios designs e
posteriormente compartilhá-los, distribuindo o arquivo gerado com outros proprietários do
jogo em questão. Para viabilizar tal tarefa, Budge desenvolveu ferramentas de criação
robustas, mas extremamente simples e eficientes, graças ao uso de uma interface gráfica. Essa
interface gráfica foi inspirada em seu contato com os protótipos, sendo desenvolvidos e
testados, à época, em seu trabalho na Apple e que posteriormente debutariam no sistema
operacional do emblemático Machintosh (1984), mais novo computador da Apple.
81

Em termos da interação básica oferecida, PCS é muito similar a Raster Blaster: o jogo
todo se passa sobre uma mesa de pinball virtual, na qual o jogador tem um número pré-
determinado de tentativas e nelas deve lançar uma bola da canaleta lateral da mesa, com força
ajustável e posteriormente direcioná-la com o uso de palhetas controladas através do teclado a
outros elementos que conferem pontos conforme seu tipo. O objetivo do jogador é alcançar a
maior pontuação possível antes que todas as suas tentativas se esgotem, fato que ocorre
quando todas as bolas em jogo atingem áreas específicas da mesa que as removem da partida.
O que marca e difere PCS do jogo anterior de Budge e dos demais jogos similares da
época, é justamente o foco que coloca na criação e edição dessas mesas: a primeira imagem
que o jogador vê ao iniciá-lo é apenas a mesa sem elementos interativos e ao lado direito a
“caixa de ferramentas” com diversos componentes geralmente presentes em um jogo de
Pinball e que podem facilmente serem arrastados e posicionados nela. Acompanham o jogo
cinco mesas de demonstração utilizando esses componentes e servindo como alvos para a
experimentação do jogador: a qualquer momento durante a simulação de uma partida basta
apertar um botão e o modo de edição é acionado, permitindo a alteração de características de
mesa.
A própria maneira de interação, altamente visual e utilizando-se de um cursor que
podia ser apontado através de um joystick, teclado ou mouse, foi uma novidade, facilitando
ainda mais a produção de conteúdo por indivíduos com interesse pelo tema, mas poucos
conhecimentos técnicos.
Ao todo, são dezesseis elementos diretamente inspirados em mesas tradicionais, entre
eles palhetas, rebatedores, molas, imãs, canaletas, botões a serem ativados, etc., que podem
ser arrastados e posicionados na mesa.
Além disso, o usuário tem a capacidade de redesenhar o contorno da mesa,
modificando os pontos que formam seus limites e pode criar elementos novos como barreiras
e divisões e posicioná-los dentro da área jogável. Ele também pode escolher as cores de cada
um desses elementos, conforme a paleta de cores disponíveis para seu computador, assim
como, definir o som e a pontuação que cada um deles irá gerar quando atingido pela bola.
Finalmente, o usuário pode alterar diretamente parâmetros relacionados à simulação física do
jogo: gravidade, velocidade, elasticidade e aceleração. A figura 10 oferece a visão geral do
jogador ao executar o aplicativo do videogame: dividem a tela a mesa de pinball à esquerda e
à direita está o menu e as peças a serem utilizadas em sua personalização.
82

Figura 10 - Tela principal de Pinball Construction Set

Fonte: tela capturada pelo autor da versão para Apple II

Toda mesa criada no jogo pode ser salva em um arquivo próprio que contém todas as
suas informações, podendo assim ser facilmente guardada para usos futuros ou para
compartilhamento com outros indivíduos que possuam o jogo. O jogador é convidado a ser
não apenas participante do jogo, mas também coautor da experiência.
PCS foi inicialmente publicado de maneira independente por Budge através da
empresa que montou para comercializar Raster Blaster. Trip Hawkins, que havia conhecido
Budge durante o período em que ambos trabalharam para a Apple, ofereceu-se para publicar
PCS através de sua recém-fundada Eletronic Arts. Tendo dificuldades em administrar sua
empresa de garagem, Budge aceitou a oferta. A decisão foi acertada, como atestam as diversas
versões de PCS produzidas para outros computadores pessoais do período e as mais de
300.000 cópias eventualmente vendidas.
A popularidade do conceito resultaria em três títulos inspirados que foram
desenvolvidos por outros profissionais contratados pela Eletronics Arts: Stuart Smith’s
Adventure Construction Set (Eletronic Arts, 1985), Racing Destruction Set (Eletronic Arts,
1985), e Will Harvey’s Music Construction Set (Eletronic Arts, 1984). Além desses, outros
videogames similares como Garry Kitchen’s GameMaker (Activision, 1985), Wargame
83

Construction Set (Roger Damon para Strategic Simulations Inc., 1986) e Shoot'Em-Up
Construction Kit (Sensible Software, 1987) foram lançados no período.
Todos esses videogames, em maior ou menor grau e para gêneros e estilos diferentes,
buscavam alcançar o mesmo objetivo: oferecer a usuários entusiastas um pacote de
ferramentas e funcionalidades que permitissem a autoria de experiências interativas próprias
sem a necessidade de outros conhecimentos prévios em programação ou arte digital. Mais do
que oferecerem um conjunto de regras e objetivos claramente definidos por seu
desenvolvedor, esses jogos são melhor entendidos como plataformas para a exploração e
personalização dessas regras e objetivos por parte do usuário.

2.3.3 Excitebike (1984)

Lançado em 1983, o Famicom, versão nipônica original do NES, foi concebido como
um equipamento híbrido, que além de um joystick e a capacidade de ler cartuchos, teria em
seu hardware portas de entrada para a instalação de outros periféricos comuns à época, como
teclados, leitores de disquetes, fitas cassete e até mesmo um modem de conexão à rede,
podendo competir com os demais computadores pessoais da época. Esses periféricos foram
lançados no Japão, mas nunca chegaram ao restante do mundo em função da mudança de foco
em seu público alvo, que a Nintendo efetuou quando lançou o NES no restante do mundo
como um console de videogame para crianças.
Um desses periféricos, o Famicom Data Recorder, lançado pela Panasonic em 1984,
utilizava-se de fitas cassete para armazenar dados e tinha a proposta de servir como
ferramenta para o ensino da linguagem de programação BASIC de maneira análoga à como
diversos computadores pessoais do período tentaram justificar sua existência. A
funcionalidade oferecida por esse periférico acabou sendo utilizada por alguns
desenvolvedores de videogames para o console, que o utilizaram para gravar e carregar dados
referentes aos jogos.
O primeiro videogame a aproveitar-se dessa funcionalidade foi, curiosamente, Lode
Runner, em sua versão para o console lançada pela Nintendo em 1984. Essa versão possuía
ferramentas de criação de níveis bastante similares à da versão para computadores pessoais
que foi descrita anteriormente.
84

Figura 11 - Tela de jogo modo um jogador (esquerda). Modo editor de pistas (direita)

Fonte: captura de tela pelo autor

O primeiro videogame original a trazer a funcionalidade de criação e edição de níveis


por jogadores foi ExciteBike, também lançado pela Nintendo em 1984. Em Excitebike, o
jogador controla um corredor de Motocross em corridas contra o relógio em diversas pistas,
nas quais deve bater o tempo mínimo para seguir adiante no campeonato. ExciteBike possui
três modos de jogo: um no qual o jogador corre sozinho, outro no qual competidores
controlados pelo computador interferem na corrida e, finalmente, um terceiro chamado
“Design”, no qual o jogador pode utilizar-se do editor de pistas, que apesar de simples – ele
basicamente permite o posicionamento dos dezenove obstáculos existentes no jogo ao longo
de uma pista vazia e a definição do número de voltas que devem ser dadas para completá-la –,
oferece a possibilidade de intervenção direta sobre alguns dos elementos principais da
interação em ExciteBike.
Jogos como Wrecking Crew (Nintendo, 1985), Mach Rider (Nintendo, 1985) e Battle
City (Namco, 1985), são outros casos seminais da ideia de geração de conteúdo por jogadores
– via editores de níveis - para NES e para os consoles de videogame caseiros em geral.
Nenhum desses jogos exigia a presença do periférico para funcionar – apesar de
alguns, como Lode Runner, bloquearem a funcionalidade de edição para quem não o tivesse –,
mas sem ele o jogador ficava limitado a não conseguir salvar e eventualmente compartilhar
suas criações. Esses seriam alguns dos maiores problemas enfrentados por tentativas de
inclusão de ferramentas e funcionalidades de geração de conteúdo por usuário quando
falamos em jogos para consoles e um dos motivos para que jogos com possibilidade de
criação de conteúdo por usuário fossem em número e impacto muito menor neles.
Essas limitações tecnológicas, no entanto, se tornam cada vez menos relevantes,
especialmente quando consideramos as últimas gerações de consoles caseiros como Xbox 360
85

(Microsoft, 2005), Playstation 3 (Sony, 2006), Wii (Nintendo, 2006) e os recém lançados
WiiU (Nintendo, 2012), Xbox One (Microsoft, 2013) e Playstation 4 (Sony, 2013). Esses
consoles se aproximam cada vez mais, em termos de hardware e funcionalidade, à
computadores pessoais de mesa tradicionais. Com a possibilidade de armazenamento de
dados e acesso à internet, parece justo julgar que esses essas limitações se tornam cada vez
menos relevantes para justificar a relativa ausência de funcionalidades que permitam a
produção e principalmente o consumo de conteúdo gerado por usuários nessas plataformas.
Apesar da relativa aproximação tecnológica dos últimos anos, os consoles caseiros
estão longe de se comparar aos computadores pessoais no que se diz respeito à
disponibilização de ferramentas de edição e ainda mais quando pensamos em motores de
jogo. A fim de justificar essa ausência, podemos apontar como a interação em videogames
tradicionalmente foi controlada através de joysticks e mais recentemente por meio de
comandos de voz e gestos, nenhuma tão eficiente quanto um mouse e, especialmente, um
teclado. Consoles caseiros são máquinas construídas para o consumo de mídia, de preferência
sentado num sofá na sala de estar e não para sua produção, não havendo uma biblioteca de
softwares auxiliares para tal atividade à disposição de seus usuários, como ocorre nos
computadores pessoais. Esses dois elementos tornam claro que para se lançar um jogo com
esse tipo de abertura, é necessário incorporá-las em ferramentas especialistas criadas
especialmente para serem utilizadas com uma interface menos eficiente e num ambiente
menos propício.
Não obstante, podemos citar casos esporádicos desse tipo de abertura desde os
primeiros consoles até a geração atual, apesar de todas as limitações técnicas e práticas
envolvidas. Mais recentemente, videogames para consoles como Disney Infinity (Disney
Interactive, 2013) e os videogames LittleBigPlanet (Media Molecule, 2008), LittleBigPlanet 2
(Media Molecule, 2011), LittleBigPlanet PSP (Media Molecule, 2009), LittleBigPlanet PS
Vita (Media Molecule, 2012) da série LittleBigPlanet. Essa última um caso particularmente
interessante pela ênfase dada a esse aspecto criativo e como prova de que o potencial para
maior e melhor integração de ferramentas especialistas podem gerar ótimas oportunidades
para a agência criativa em consoles caseiros.
Retornando aos computadores pessoais - especialmente o IBM PC, vencedor absoluto
da corrida pelo mercado doméstico - podemos ver a partir dos anos 90 uma grande variedade
de títulos dos mais variados gêneros abraçando a ideia de liberação, não apenas de
ferramentas especialistas, mas também de seus motores de jogo para a comunidade de
jogadores.
86

Teremos também, ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000, como discutido no
capítulo anterior, o aumento progressivo da importância das comunidades online de interesse,
tanto no que se diz respeito à sua capacidade de auto-organização e produção de
conhecimento, quanto no interesse de desenvolvedores de jogos em atrair e manter fãs para
seus produtos. Para os videogames em computadores pessoais esse período ficou marcado
pela popularização dos jogos de tiro em primeira pessoa e sua predominância no imaginário
coletivo em função dos polêmicos debates a respeito da violência nos videogames.
Acreditamos que para entender a importância desse gênero para a popularização do
modding de videogames, enquanto uma atividade criativa realizada coletivamente, deve-se
contar a história do início e isso significa falar de um estúdio de desenvolvimento em
particular: id Software.

2.4 ID SOFTWARE: A CRIAÇÃO DE UM GÊNERO, UM MODELO DE NEGÓCIOS E


UMA FORMA DE RELAÇÃO COM SEUS JOGADORES

Em 1993, a então desconhecida desenvolvedora de videogames, id Software, tomou o


mercado de videogames para computadores pessoais de surpresa com o lançamento de Doom
(id Software, 1993), um dos precursores mais importantes do gênero que viria a ser conhecido
como “first person shooter games” (FPS), “jogos de tiro em primeira pessoa”. Para além do
gênero incomum, Doom apresentava uma temática macabra e violenta, potencializada pelos
gráficos de alta qualidade e simulação incrivelmente rápida, além de um modelo de negócios -
que poucos esperariam ser capaz de produzir tal fenômeno de vendas – conhecido como
shareware.
Em 1996, com o lançamento de Quake, primeiro jogo de sua nova franquia original, id
Software consolidaria sua posição como uma das desenvolvedoras de videogames mais
influentes da década e teria papel fundamental na popularização tanto de modos multijogador
online – especialmente, mas não unicamente, via internet -, quanto da ideia de que o futuro
dos videogames estaria ligado ao desenvolvimento e licenciamento de complexos motores de
jogos tridimensionais.
Nosso objetivo principal ao longo desse subcapitulo é contextualizar as diversas
maneiras como o percurso trilhado por essa desenvolvedora está intimamente ligado à
popularização, aceitação e incentivo por parte de diversos desenvolvedores de videogames,
em especial de videogames FPS, das atividades de comunidades de modding que se criaram
ao redor de seus jogos e das diversas criações derivadas criadas por elas.
87

Esperamos tocar brevemente em cada um desses elementos e, especialmente, nas


implicações que eles oferecem quando pensamos em cultura participativa no início da internet
moderna, do potencial do conteúdo gerado por usuários e do engajamento de jogadores
organizados em comunidades autogeridas de fãs, na produção de modificações e incrementos
aos jogos. Para tal fim, acreditamos que uma breve recapitulação de certos elementos chaves
da relação da id Software com os videogames enquanto negócio, software e fenômeno
cultural precisam ser realizada, começando pela história de fundadores.

2.4.1 Origens humildes, grandes ambições

Pode-se dizer que os membros fundadores da desenvolvedora id Software são os filhos


tardios da geração de jovens desenvolvedores que – quase sempre sem estudo formal,
dinheiro ou estrutura – criaram alguns dos videogames de maior sucesso comercial e de
crítica desse período germinal da indústria de jogos. Dos quatro membros fundadores, três,
John Carmack, John Romero e Tom Hall, eram programadores autodidatas – apenas o último
teve condições de fazer faculdade – que deram seus primeiros passos no mundo do
desenvolvimento de videogames ao aprender BASIC através de revistas especializadas em
computadores da época como o emblemático Apple II.
Para esses jovens entusiastas desenvolver jogos não era apenas um hobby, era a
oportunidade de uma carreira repleta de oportunidades para o sucesso e a fama, muito
diferente do prospecto profissional tradicional. Para Romero e Carmack, aprender a
programar em ASSEMBLY – a linguagem de máquina de maior dificuldade, mas
consideravelmente de melhor desempenho que BASIC – foi apenas um passo necessário para
viabilizar a criação dos videogames que tinham em suas mentes; os mesmo jogos que
enviariam para escrutínio dos editores das revistas onde tiveram suas primeiras lições de
programação e design de jogos. Foi justamente trabalhando para uma das empresas
responsáveis por essas revistas, Softdisk, que os quatro futuros fundadores se conheceriam e
começariam a trabalhar juntos.
O quarto membro fundador, Adrian Carmack – que apesar do sobrenome, não possui
parentesco direto com John Carmack -, foi contratado, à época, pela Softdisk pare ser o
estagiário de arte que ajudaria John Romero e sua equipe, formada oficialmente por John
Carmack e Lane Roathe. Tom Hall era então membro honorário do grupo, sendo responsável
por outra equipe dentro da empresa. O objetivo dessa equipe, uma das várias trabalhando para
a Softdisk, era produzir bimestralmente um jogo novo que acompanharia uma revista
88

especializada em videogames para computadores pessoais que seguissem a arquitetura IBM


PC, resposta da gigante ao mercado caseiro.
A grande oportunidade para deixar a Softdisk e abrir a própria empresa
desenvolvedora, surgiu quando Carmack mostrou a Romero o projeto no qual estava
trabalhando, que mais tarde se tornaria o “shoot’em up” – gênero clássico no qual o jogador
deve controlar uma nave/avião que segue em velocidade constante em uma direção, devendo
destruir o máximo de inimigos possível enquanto desvia deles e seus projéteis - Slordax
(Softdisk, 1990). Nesse projeto, Carmack havia reproduzido o efeito de movimento de tela
típico de jogos “side-scroller”, no qual o jogo é visto de uma câmera ortogonal ao plano de
ação sendo simulado, o que oferece a sensação de deslocamento dentro de um espaço
contínuo com dimensão maior do que é possível representar em apenas uma tela. Graças a
essa tecnologia, Slordax era um genuíno “clone” – nomenclatura comum para descrever jogos
que claramente derivam seus elementos gráficos e de interação - de outros jogos clássicos
como Galaxian (Namco, 1979) e Galaga (Namco, 1981).
O passo seguinte foi criar um videogame clone do maior sucesso de vendas dos
videogames naquele ano: Super Mario Bros. 3 (Nintendo, 1990). Isso foi conseguido quando
John Carmack, já preconizando o papel de gênio da inovação técnica que consolidaria nos
anos seguintes, foi capaz de reproduzir fielmente o movimento bidimensional livre,
característico da franquia nipônica, em um hardware até então considerado incapaz de tal feito
(KUSHNER, 2003). Com base nessa tecnologia, o grupo secretamente iniciou o
desenvolvimento daquela que viria a ser a primeira franquia de sucesso da id Software:
Commander Keen.

2.4.2 Commander Keen e Shareware

De outubro a dezembro de 1990, o grupo de jovens trabalhou secreta e intensamente


em Commander Keen, enquanto mantinham seus empregos na Softdisk. Commander Keen foi
lançado em 14 de dezembro de 1990 por outra empresa chamada Apogee Software e se tornou
sucesso de vendas imediato. No videogame o jogador era responsável por controlar Billy
Blaze, um gênio de apenas oito anos de idade que constrói em seu quintal uma nave
interstelar, na qual viaja pelo espaço sideral defendendo a galáxia de alienígenas malévolos
sob o alter-ego de Commander Keen, através de diversos níveis repletos de inimigos e perigos
ao melhor estilo dos jogos de plataforma da época.
89

Apogee, fundada por Scott Miller, utilizava-se de um modelo de negócios incomum,


mas promissor à época, conhecido como shareware. A proposta básica de um software
shareware é oferecer a oportunidade de seu possível comprador ter acesso a uma versão
gratuita de teste do produto antes de adquiri-lo.
Essa versão de teste geralmente possui funcionalidades limitadas e incentiva seu
usuário a entrar em contato com sua publicadora, a fim de encomendar uma versão completa
do software. No caso dos jogos publicados pela Apogee, inclusive Commander Keen, o
modelo consistia em oferecer gratuitamente o primeiro episódio de uma série de três que
comporia o jogo completo.
Ao invés de depender de campanhas de marketing, investir na propaganda do produto
e produzir cópias para estoque e distribuição em lojas físicas - atividades essas que
invariavelmente aumentam os custos operacionais da empresa -, a proposta era trabalhar com
um grande acervo de softwares e pagar uma comissão sobre o valor de venda, muito acima da
média, para seus desenvolvedores, conforme cópias da versão completa fossem vendidas. No
caso de Commander Keen essa comissão chegou a ser 45% do preço de venda de trinta
dólares por unidade (KUSHNER, 2003).
Essas versões de teste eram oferecidas gratuitamente ou a baixíssimo custo através de
catálogos, revistas, em lojas especializadas e nos bulletin board systems (BBS), populares no
período como locais para a troca de informação, arquivos e softwares. BBSs são sistemas de
computadores capazes de receber conexões de usuários e oferecer acesso a serviços como
fóruns de discussão, chats de conversação em tempo real e o download e upload de arquivos,
inclusive à distância, pelo custo normal de uma ligação, caso o usuário dispusesse de um
modem e linha telefônica para tal. BBSs rapidamente caíram em desuso com a expansão da
World Wide Web e o início da internet descentralizada moderna a partir de meados dos anos
90, mas foram um dos importantes modos de comunicação online e alguns dos primeiros
espaços para o surgimento de comunidades virtuais online.
Como dito anteriormente, Commander Keen foi tal sucesso que permitiu que os quatro
fundadores, mais Jay Wilbur, amigo do grupo que ficaria responsável pelos aspectos
administrativos do negócio, deixassem seus empregos na Softdisk - como parte do acordo de
demissão eles ainda deviam produzir mais três jogos para a empresa - e se dedicassem a
desenvolver jogos por conta própria. A nova empresa, id Software, foi fundada em primeiro
de fevereiro de 1991, com seus membros prontos para se aproveitarem do lucrativo modelo de
negócios que encontraram em sua parceria com a Apogee e da liberdade para desenvolverem
seus próprios videogames.
90

Um ponto a ser reforçado do modelo shareware é o fato da distribuição e propaganda


de um software depender em grande parte de recomendações “boca-a-boca”. O primeiro
cheque relativo aos lucros de Commander Keen, duas semanas após seu lançamento, era de
aproximadamente dez mil dólares, mas nos meses seguintes esse valor aumentou
progressivamente: em junho, o videogame trazia ao recém-aberto estúdio cerca de sessenta
mil dólares mensais e encabeçava diversas listas de vendas especializadas em softwares
shareware. Esse sucesso ofereceu a tranquilidade financeira necessária para que seus
membros se dedicassem exclusivamente a produzir novos videogames.
Nos meses seguintes, eles produziriam diversos videogames utilizando e
aperfeiçoando a tecnologia desenvolvida para Commander Keen: Dangerous Dave in the
Haunted Mansion (id Software, 1991), Rescue Rover (id Software, 1991), Rescue Rover 2 (id
Software, 1991), Shadow Knights (id Software, 1991), além de quatro novos títulos da
franquia Commander Keen, sendo três deles para a Apogee. John Carmack, no entanto, estava
interessado em levar seus conhecimentos de programação a uma nova dimensão: 3D.

2.4.3 Wolfenstein 3D, Jogos de Tiro em Primeira Pessoa e a busca pela imersão na
simulação.

Apesar de jogos em primeira pessoa não serem novidade – jogos como Akalabeth:
World of Doom (Origin Systems, 1980), lançado por um então adolescente, Richard Garriot, e
séries como Wizardry (Sir-Tech Software, Inc., 1981), apresentavam masmorras labirínticas
repletas de perigos que deviam ser navegadas pelo jogador a partir dessa perspectiva - a
imersão do jogador, permitida pela interação em tempo real com o espaço tridimensional
criada pela simulação desse tipo de perspectiva, definitivamente foi algo pouco tentado. A
interação nos jogos citados ocorria em turnos; cada ação do jogador avança seu personagem
um passo à frente na simulação de maneira análoga à estrutura dos jogos de tabuleiro nos
quais foi inspirada. Além disso, as limitações tecnológicas dos computadores da época, e, ao
menos parcialmente, o nível de maturidade da indústria e do design de jogos, fizeram com que
a simulação em primeira pessoa em tempo real começasse a se popularizar somente a partir do
início anos 90.
O aspecto principal de um jogo em primeira é justamente seu ponto de visão que -
diferentemente da maioria dos jogos popularizados por fliperamas e consoles caseiros – busca
simular a percepção espacial de encontrar-se dentro do mundo no qual a ação se desenrola,
oferecendo a sensação de controle sobre um agente que explora o espaço tridimensional
91

gerado pelo videogame. A inovação dupla dos videogames produzidos pela id Software estava
justamente ligada à velocidade e ao tipo de interação rápida e visceral oferecida por eles e
resultou no estabelecimento da estrutura básica de um dos gêneros de videogame mais
populares, influentes e controversos: o first person shooter (FPS), videogame de tiro em
primeira pessoa.
Enquanto o restante da equipe se dedicava a finalizar os jogos que terminariam seu
contrato com a Softdisk e produziam uma nova série de títulos, da agora franquia,
Commander Keen, John Carmack dedicou-se, por seis semanas, exclusivamente ao
desenvolvimento de uma nova versão do motor de jogos que mudaria o futuro do estúdio.
Interessado em gráficos tridimensionais desde que havia começado a programar e inspirado
por simuladores de voo como o espacial de ficção cientifica, Wing Commander (Origin
Systems, 1990), e uma versão preliminar do videogame Ultima Underworld: The Stygian
Abyss (Blue Sky Productions, 1992), que teve oportunidade de experimentar numa visita a
uma feira de videogames naquele ano, Carmack procurou desenvolver um motor de jogo
capaz de simular de maneira eficiente as características de um espaço tridimensional
navegável em primeira pessoa, mas que garantisse a imersão proporcionada pela
movimentação rápida e livre de um personagem no espaço.
Para esse fim, Carmack fez uso e desenvolveu diversas técnicas de optimização que
envolviam, entre outras coisas, eliminar polígonos, considerados desnecessários, como o chão
e o teto dos cenários, fazer com que o computador apenas representasse os elementos do mapa
diretamente sob o campo visão do personagem e a utilização de truques de perspectiva para
aproximar com imagens bidimensionais o comportamento esperado de um objeto
tridimensional. Tecnicamente, o motor de jogo desenvolvido por Carmack não era 3D, o
jogador não conseguia controlar o eixo vertical da câmera e olhar para cima ou para baixo,
Ultima Underworld, por outro lado, possuía essa característica.
O primeiro videogame a ser lançado utilizando esse novo motor de jogo foi Hovertank
3D, em abril de 1991. Apesar dos gráficos e história simples - as paredes eram de cores
sólidas e o jogador devia controlar um tanque por corredores labirínticos, a fim de resgatar
sobreviventes de um holocausto nuclear enquanto destruía os mutantes resultantes - os
elementos principais do gênero FPS estão claramente presentes em Hovertank 3D.
92

Figura 12 - Telas dos videogames Hovertank 3D (esquerda) e Catacomb 3D (direita)

Fonte: tela capturada pelo autor

Em novembro do mesmo ano, foi lançado Catacomb 3D, que utilizava uma versão
aperfeiçoada do motor de jogos que permitia a associação de texturas às paredes das fases,
oferecendo maior variedade e detalhe gráfico aos ambientes. Catacomb 3D colocava o
jogador no papel de Pelton Everhail, um mago com a missão de derrotar Gremlinar e seus
lacaios. Outro elemento novo de Catacomb 3D, em relação à Hovertank 3D, é a inclusão da
mão do personagem principal, posicionada na parte inferior da tela, oferecendo uma
representação mais intensa da presença física do personagem controlado pelo jogador na ação.
Ambos, Hovertank 3D e Catacomb 3D, foram lançados pela Softdisk.

Figura 13 - Castle Wolfenstein (esquerda) e Wolfenstein 3D (direita)

Fonte: telas capturadas pelo autor

Todos esses elementos de design de jogo e inovações técnicas retornariam com maior
refinamento e intensidade em Wolfenstein 3D (id Software, 1992), lançado em maio de 1992.
Wolfenstein 3D era uma releitura dos videogames multiplataformas clássicos. Castle
Wolfenstein, comentado em seção anterior, e sua sequência Beyond Castle Wolfenstein (Muse
Software, 1984). Os videogames produzidos pela Muse eram caracterizados pela navegação
93

sala a sala, em terceira pessoa, de complexos militares controlados por forças nazistas, nos
quais o jogador deveria navegar fazendo uso tanto de violência quanto de subterfúgios, como
esconder os corpos de inimigos derrotados e vestir seus uniformes, por exemplo. Ao longo do
processo de desenvolvimento de Wolfenstein 3D, a maior parte dos elementos não
relacionados ao enfrentamento direto com as forças de segurança nazista e a procura de salas
secretas, armas e powerups foram deixados de lado, dando ênfase ao combate rápido e brutal
oferecido pelo videogame graças ao excelente desempenho gráfico do motor de jogo.
Ao invés da tensa e cuidadosa exploração proposta pelos títulos originais, Wolfenstein
3D festejava reflexos rápidos e ação ininterrupta. Seu protagonista, William "B.J."
Blazkowicz, deve escapar do complexo nazista onde se encontra encarcerado, mas não sem
antes transformar Hitler em uma pilha de detritos fumegantes. Para isso, ele dever explorar as
instalações à procura de chaves que abrem a passagem para outros andares da instalação,
coletar tesouros e armas e no processo matar toda sorte de inimigos. O humor negro e as
mortes explicitamente gráficas davam o tom pueril, com o qual o tema era tratado em
oposição ao videogame no qual se inspirou.
Os lançamentos de Catacomb 3D, Wolfenstein 3D e de Ultima Underworld durante
um intervalo de aproximadamente seis meses entre eles, marca o nascimento dos videogames
em primeira pessoa de grande destaque nos computadores pessoais. Wolfenstein 3D, lançado
inicialmente como shareware pela Apogee, vendeu aproximadamente 150.000 unidades e
Spear of Destiny (id Software, 1992), sua versão expandida para varejo tradicional, lançada
pela empresa FormGen Corporation, teve tiragem de aproximadamente 135.000 unidades
(AU, 2003). Por outro lado, Ultima Underworld e seu sucessor Ultima Underworld II:
Labyrinth of Worlds (Origin Systems, 1993), venderam conjuntamente mais de meio milhão
de unidades22. No caso de Wolfenstein 3D é preciso lembrar também que seu modelo de
negócios, no qual o primeiro episódio era distribuído gratuitamente, ajudou a disseminar
ainda mais o videogame em questão, garantindo a ele e seu estilo de jogo uma notoriedade
que de outra forma talvez não fosse possível.

22
Mallinson, Paul. "Games That Changed The World Supplemental Material". PC Zone. Archived from the
original on October 29, 2010. Retrieved November 11, 2010.
94

2.4.3.1 Wolfenstein e a celebração do game hacking

Para além da história de sucesso de jovens empreendedores criados sob a influência


dos primeiros computadores pessoais, de um modelo de negócios incomum, que integrava
espaços digitais, o poder da comunicação online no marketing de seus produtos e de como
esses elementos se combinaram para o lançamento de uma sequência de títulos que ajudou na
popularização de um gênero particular de videogames, o que nos interessa mais
particularmente nesse trabalho são os desdobramentos de uma decisão em grande parte
ideológica.
Os meses posteriores ao lançamento, bem sucedido, de Wolfenstein 3D, sucederam-se
sem um plano claro de qual seria o próximo título do estúdio. Durante esse período, Spear of
Destiny foi desenvolvido pelo time principal, enquanto John Carmack foi trabalhar
temporariamente em outra empresa no desenvolvimento de Shadowcaster (Raven Software,
1993). Raven havia licenciado o motor de jogo de Wolfenstein: em troca de uma participação
nos lucros da venda do futuro título id Software, ofereceu acesso total ao código do motor de
jogo e às ferramentas de criação desenvolvidas para criar Wolfenstein 3D. Além disso,
Carmack aproveitou essa oportunidade para aperfeiçoar certos aspectos do motor e torná-lo
mais eficiente. A prática de licenciamento de código não era algo absolutamente novo para id
Software: após o sucesso de Commander Keen, sua publicadora Apooge comprou uma licença
para uso de seu motor de jogo (KUSHNER, 2003, p.70). Mais tarde, o motor de Wolfenstein
3D seria também licenciado pela Apogee para o desenvolvimento de Rise of the Triad: Dark
War (Apogee Software, 1994) e Blake Stone: Aliens of Gold (JAM Productions, 1993).
Diferentemente do restante dos funcionários da id Software, que compartilhavam da
opinião geral da indústria de videogames no período, os dois programadores principais da
equipe, Romero e Carmack, possuíam um ponto de vista pragmático em relação ao
licenciamento do código e não tinham problemas com a liberação do conhecimento técnico
presente no código fonte. Para eles, o licenciamento do motor de jogo era uma fonte
secundária de lucro que de outra forma não existiria e não fazia sentido guardar esse
conhecimento em uma gaveta se outros desenvolvedores pudessem fazer uso dele. Além
disso, quando esses jogos licenciados fossem lançados, a id Software já teria no mercado um
novo jogo muito melhor e desenvolvido com a última versão da tecnologia.
95

Figura 14 - Wolfenstein 3D com modificação feita por jogador via hack (esquerda) e tela do
videogame Shadowcaster utilizando mesmo motor de jogo

Fonte: tela capturada pelo autor

Buscando, como bons hackers, por qualquer coisa interessante, jogadores com maior
conhecimento técnico rapidamente descobriram como reverter o processo de compactação de
dados utilizado em Wolfenstein 3D e passaram a acessar e modificar seus arquivos gráficos,
de personagens a áudio e mapas.
Kushner (KUSHNER, 2003, p.95) reconta a surpresa e satisfação entre os membros
da equipe quando uma versão modificada de Wolfenstein 3D, na qual a música-tema e os
antagonistas nazistas haviam sido substituídos por Barney – o dinossauro rosa apresentador de
programas infantis – e o tema de seu programa, e as paredes marcadas com os dizeres “Kill
Barney”. Como não podia deixar de ser, o objetivo do hack era permitir a seu jogador
alegremente abusar do pobre dinossauro. Além desse, outros hacks com diferentes temas e
propósitos foram criados e distribuídos online. Eles, no entanto, levantavam três problemas:
• De um ponto de vista prático, criar uma dessas modificações não autorizadas
era um processo relativamente trabalhoso e propenso a erros. Elas também
possuíam um caráter destrutivo: para funcionar era necessário que os arquivos
originais fossem sobrescritos, processo que deveria ser revertido manualmente
com o uso de um backup toda vez que se desejasse jogar o jogo original;
• De um ponto de vista financeiro, esses hacks ameaçavam abrir o mercado para
jogos clone produzidos utilizando ilegalmente o motor de jogos desenvolvidos
pela id Software;
• Do ponto de vista legal, as implicações de ter Barney sendo assassinado em seu
jogo e a responsabilidade jurídica que poderia recair sobre a id Software em
função do desrespeito à propriedade intelectual alheia através de seu jogo.
96

Apesar dessas possíveis complicações, ao invés de tentar impedir esse tipo de


atividade por parte dos jogadores, a id Software, em parte pela insistência de Romero e
Carmack, decidiu seguir caminho diametralmente oposto. Ambos os programadores
novamente optaram pelo pragmatismo; eles próprios haviam feito coisas similares com os
jogos de outros desenvolvedores quando mais jovens. John Carmack, especialmente
influenciado pelo ideal de uma “ética hacker” ligada à liberdade de informação, código e
conhecimento, como proposto por Levy (LEVY, 2011), tomaria as medidas técnicas
necessárias para que Doom, o próximo e mais celebrado jogo do estúdio, se tornasse um dos
jogos mais importantes para a popularização do modding e para a criação de comunidades
online dedicadas a essa atividade (KUSHNER, 2003, p.134).

2.4.4 Doom

Doom, repetindo a fórmula de Wolfenstein, teve seu lançamento inicial via shareware
pela Apogee. Em 10 de dezembro de 1993, foi oficialmente hospedado nos servidores da rede
de computadores da Universidade de Madison-Wisconsin. Tal foi a demanda para downloads,
que o servidor não aguentaria a sobrecarga (KUSHNER, 2003, p.123). Inicialmente o jogo
não possuía uma campanha de marketing estruturada, contando apenas com a propaganda nos
meios online e a disseminação “boca-a-boca” via BBSs voltados à software shareware e
videogames. Com o sucesso imediato, os trabalhos para uma continuação ser vendida no
varejo resultou no lançamento de Doom II: Hell on Earth (id Software, 1994), em Master
Levels for Doom II (id Software, 1995) e Final Doom (id Software, 1996), lançados
paralelamente ao desenvolvimento de Quake.
Doom foi um sucesso estrondoso para o estúdio, ultrapassando as melhores
expectativas de seus criadores. Apesar de Microsoft Flight Simulator 5.0 (subLOGIC, 1993) e
Myst (Cyan, 1993), lançados naquele ano, serem maiores sucessos comerciais, Doom vendeu
aproximadamente 1.4 milhão de cópias e Doom II, e sua versão de varejo, Doom II, algo perto
de 1.8 milhão de cópias até 1998 (BARRACUDA, 1998). Considerando que apenas uma
pequena porção dos indivíduos que fizeram o download da versão shareware efetivamente
comprou uma versão completa do jogo, Doom teve uma exposição de dimensão muito maior
do que o total de suas vendas.
Doom abandona a prisão nazista e coloca o jogador numa estação especial militar
localizada em Phobos, uma das luas de Marte, infestada por demônios de outra dimensão.
Doom mantém a mesma estrutura básica que foi sendo aperfeiçoada pelos outros títulos FPS
97

lançados pela id Software: o jogador deve navegar por mapas repletos de itens escondidos e
uma horda de inimigos para encontrar chaves de segurança que lhe darão acesso ao próximo
mapa. Velocidade, reflexos rápidos, gráficos e um tom macabro foram aliados à violência
simulada que geraria tantas polêmicas nos anos seguintes a seu lançamento.
Do ponto de vista técnico, o motor de jogo de Doom – retroativamente nomeado id
Tech 1 – era consideravelmente mais avançado que suas versões anteriores: ele permitia entre
outras coisas a presença de texturas no chão e teto, criação de salas e corredores com paredes
não perpendiculares e de diferentes alturas, elementos dinâmicos como elevadores, janelas e
iluminação dinâmica. Todas essas mudanças mudaram radicalmente o design de níveis e a
experiência de navegá-los: se a disposição de salas e corredores em Wolfenstein 3D possuía
algum semblante de um complexo militar real, os níveis em Doom eram verdadeiros labirintos
tridimensionais, com perigos à espreita em cada canto graças à iluminação variável.
Ao longo dos anos seguintes, Doom teria seu motor de jogo licenciado para o
desenvolvimento de diversos outros títulos comerciais, como Hexen (Raven Software, 1995),
Heretic (Raven Software, 1996) e Strife (Rogue Entertainment, 1996).

2.4.4.1 Deathmatch e a competição online

Outra inovação de design em Doom foi a inclusão de modos multijogador, tanto


cooperativos quanto competitivos. Considerados inicialmente uma funcionalidade extra
acrescida ao jogo durante o fim de seu desenvolvimento, os modos multijogador,
especialmente sua versão competitiva, “todos contra todos”, conhecida pelo nome
“deathmatch”, cunhado por John Romero. Em uma partida deathmatch até quatro jogadores
simultaneamente habitam o mesmo mapa e devem eliminar uns aos outros da partida até que
apenas um reste, seu vencedor.
Inicialmente essa funcionalidade era acessível apenas através do uso de conexões
diretas via modem ou através de redes locais de computadores, o que garantiu sua
popularidade em empresas, laboratórios de informática de colégios e faculdades e outras redes
similares, onde os computadores fossem capazes de executar o videogame. Apesar das
restrições, os modos multijogador foram extremamente populares e ajudaram a prolongar o
apelo de Doom ao longo de suas duas continuações até a chegada de Quake.
A grande mudança aconteceu quando, em 1994, Bob Huntley e Kee Kimbrell, dois fãs
com um cunho empreendedor, fundaram uma empresa chamada DWANGO que hospedava
servidores acessíveis via modem por múltiplos jogadores simultaneamente através de um
98

programa auxiliar. Isso permitiu que jogadores sem qualquer conhecimento prévio uns dos
outros, tivessem um local comum para se encontrarem e competirem entre si em partidas
multijogador. Para ter acesso ao servidor DWANGO era necessário pagar cerca de nove
dólares por mês, além do custo com a conexão por telefone. Apesar da mensalidade, em 1995
o serviço tinha 22 servidores e mais de dez mil assinantes (KUSHNER, 2003, p. 155).
Devemos lembrar que no período, a “World Wide Web” e os protocolos que garantiriam a
conexão entre servidores autônomos descentralizados ainda estavam em vias de se tornarem
uma realidade concreta. Com desenvolvimento de alternativas que faziam uso dos protocolos
utilizados pela internet e o surgimento de uma nova geração de jogos com possibilidades de
conexão via internet de graça, o serviço deixou de ser oferecido m 1998 (IGN, 1998).
Ambas as inovações, por um lado a de Doom ao oferecer o modo multijogador básico,
e a dos fundadores de DWANGO por outro ao em potencializar as capacidades do videogame
através do uso das tecnologias de comunicação surgidas na época, ajudam a exemplificar as
formas como as novas mídias e formas de consumo de informação e entretenimento
rapidamente foram transformadas pelo meio digital. O serviço, apesar de rapidamente extinto,
ajudou a solidificar a importância de uma presença online e a dimensão social dos
videogames, fatos que marcariam a geração seguinte de FPSs particularmente.

2.4.4.2 Where’s All the Data

Além de uma experiência ainda mais visceral e visualmente impressionante, o motor


de jogo de Doom aumentava consideravelmente a facilidade com que a modificação de seus
arquivos podia ser realizada. A principal mudança na arquitetura entre Wolfenstein 3D e
Doom diz respeito a sua modularização, que separou a lógica do motor de jogo dos dados
(gráficos, sons e a informação relativa à geometria e posicionamento de objetos nos mapas).
Essa modificação permitiu que os dados, armazenados em arquivos WAD (acrônimo para
“Where’s All the Data”, “onde estão todos os dados”) fossem facilmente investigados,
modificados e compartilhados por jogadores de uma maneira não destrutiva. Para fazer uso de
um WAD o jogador apenas precisava apontar a localização de um WAD diferente para ser
carregado na inicialização da execução do videogame. Além disso, o código fonte do editor
de níveis e de algumas ferramentas auxiliares também foi liberado para os jogadores.
(KUSHNER, 2003, p. 134).
A decisão resultou no lançamento quase imediato de novos níveis criados por
jogadores e, em janeiro de 1994, a primeira versão de Doom Editor Utility, uma ferramenta de
99

criação de níveis desenvolvida por fãs com base no código liberado por Carmack. Para, além
disso, outro fã chamado Greg Lewis desenvolver uma ferramenta chamada DeHackEd, capaz
de alterar informações referentes ao próprio funcionamento do jogo, como o comportamento
dos inimigos, atributos das armas e o texto mostrado pela interface (KUSHNER, 2003, p.
134-5). Ao longo dos anos, a comunidade produziria diversas outras ferramentas como
alternativas ou incrementos a essas duas.
As controvérsias levantadas em relação aos hacks de Wolfenstein 3D rapidamente
tomaram proporções muito maiores, tendo a id Software, após discussões internas a respeito
do assunto, decidido por definir os seguintes termos para oferecer a sua benção aos trabalhos
realizados pela comunidade de modders que nascia ao redor do jogo:
• Os criadores não deviam taxas ou royalties à id Software e era permitido
requisitar pagamento pelas suas criações;
• As ferramentas e modificações não poderiam funcionar com a versão
shareware de Doom;
• Os criadores deviam deixar claro que suas ferramentas e modificações não
eram um produto da id Software e que ela não seria capaz de oferecer
assistência a seu produto e nem ao jogo original após ele ter sido modificado
através da inclusão de um arquivo de texto com os termos legais do acordo.

Foram nesses termos que durante os anos seguintes diversos WADs foram criados,
compartilhados e, em alguns casos, comercializados. Certas publicadoras e revistas
especializadas lançaram compilações de WADs. A própria id Software lançaria The Master
Levels for Doom II, sua própria compilação de 20 WADs criados sob encomenda e 1830
WADS amadores entre os melhores produzidos pela comunidade e escolhidos por John
Romero. Final Doom também teria a presença de dois “megaWADS” – mapas de dimensões e
complexidade muito maiores do que geralmente se via - produzidos por times de modders
selecionados na comunidade.
A popularidade das partidas multijogador, fosse em rede local ou por conexão por
modem via DWANGO ou outros programas auxiliares que permitiam a conexão gratuita
através da internet, foram inspiração para a criação de milhares de WADs voltados à modos
multijogador e a criação de variações sobre o deathmatch criadas através de programas como
DeHackEd.
WADs criados por fãs buscavam não apenas reproduzir o estilo e os gráficos originais,
sendo uma grande porção deles recriações de franquias da cultura popular como Aliens, os
100

Simpson, Dragon Ball, Star Wars e tantas outras que compartilhavam do interesse desses
entusiastas. Nesses mods você tem a apropriação dos personagens, ambientes e termas dessas
propriedades intelectuais sob uma perspectiva modulada pelas características do motor de
jogo e do design de jogos original de Doom.

Figura 15 - Seleção de telas: Doom versão original (esquerda acima) e mods Brutal Doom (direita
acima), Star Wars (esquerda abaixo) e Aliens Total Conversion (direita abaixo)

Fonte: (FALK, 1994), (FISHER, 1994) e (ABENANTE, 2010). Adaptado pelo autor

Em referência a esses esforços, John Carmack, questionado por um fã em 1999,


respondeu:

Eu ainda me lembro da primeira vez que vi o mod Star Wars DOOM


original. Ver como alguém havia colocado a “Estrela da Morte” em nosso
jogo foi uma sensação incrivelmente legal. Eu estava tão orgulhoso do que
havia se tornado possível e eu estava completamente certo que fazer jogos
que pudessem servir como uma tela para que outras pessoas trabalhem sobre
era uma direção válida23 (SLASHDOT, 1999).

23
I still remember the first time I saw the original Star Wars DOOM mod. Seeing how someone had put the
death star into our game felt so amazingly cool. I was so proud of what had been made possible, and I was
completely sure that making games that could serve as a canvas for other people to work on was a valid
direction.
101

As diversas ferramentas produzidas por fãs permitiram a produção das mais variadas
modificações do jogo original. Graças às aberturas técnicas oferecidas pela arquitetura do
jogo e pelos hacks e ferramentas de edição e criação desenvolvidos por fãs, Doom se tornou
plataforma para a criação de uma infinidade de mapas e modos de jogo que explorariam e
levariam ao limite o motor de jogo criado por Carmack.

2.4.4.3 Doom e o caldeirão mágico

Em um movimento que poderia ser visto como surpreendente, caso não tivéssemos o
conhecimento do empenho de certos membros fundadores como Carmack para isso, no ano
seguinte ao lançamento de Quake, 1997, a id Software liberou o código fonte do motor de
jogo de Doom. Inicialmente sob uma licença de código aberto que permitia seu uso para fins
não comerciais e, em 1999, sob a licença GNU, General Public License (GPL), menos restrita
e amplamente reconhecida, essa decisão abriu as portas para que novas e mais radicais
modificações fossem possíveis e realizadas pela comunidade.
Em artigo publicado em 1999, intitulado The Magic Cauldron, Eric S. Raymond,
famoso promovedor do movimento do software de código aberto, ao analisar os diferentes
esforços e dilemas que o movimento sofria a partir de um ponto de vista de indivíduos
racionais proposto pela teoria dos jogos, utiliza Doom como um de seus estudos de caso
(RAYMOND, 1999, p. 16-17).
Em sua análise, Raymond aponta certas características que podem fazer a escolha de
se abrir o código fonte de um software uma escolha racional. Verificando o estado inicial de
Doom, nenhuma de suas características parecia justificar a abertura de seu código: suas
características principais enquanto software, eram a tecnologia de ponta capaz de produzir
gráficos até então não conseguidos em um computador pessoal e sua interação primariamente
de único jogador.
Doom não apresentava nenhum dos critérios que colocariam um projeto como
candidato ideal a um modelo de código aberto, a dizer: estabilidade, confiabilidade e
escalabilidade não eram aspectos críticos, sua complexidade não impedia outras formas de
avaliação de seu design e implementação que não por pares independentes, seu uso não era
crítico a seus usuários ou seus negócios, ele não era utilizado para possibilitar infraestruturas
de comunicação e computação e seus métodos principais não faziam parte de um
conhecimento de engenharia comum, muito pelo contrário. A escolha racional, portanto, era
manter seu código fonte fechado.
102

No entanto, como aponta Raymond, o mercado ao redor de Doom não se manteve


parado, muito pelo contrário, diversos concorrentes vendo o sucesso dos jogos desenvolvidos
pela id Software e tendo eles como referenciais de design e tecnologia a ser alcançada,
passaram a desenvolver seus próprios motores de jogo. A vantagem estratégica de manter o
código fechado não impediria que essas tecnologias alternativas e os jogos produzidos com
elas não competissem diretamente no mercado recém-criado dos FPSs.
Por outro lado, as demandas para a expansão de sua participação no mercado
trouxeram a necessidade de maior confiabilidade no software, mais funcionalidades para o
jogo, os desafios de uma base de usuários maior, o lançamento e suporte do jogo em múltiplas
plataformas e o advento e popularização dos modos multijogador online. Raymond argumenta
que para id Software responder a essa demanda, ela teria que reverter uma grande quantidade
de horas de programação que poderiam, ao invés disso, ser colocadas no desenvolvimento de
seu novo jogo.
Como vimos na discussão anterior, as primeiras decisões no sentido de se beneficiar
do trabalho realizado externamente estiveram ligadas a aproximação e acolhimento dos mods
e ferramentas criados pela comunidade, inclusive de forma oficial. A acumulação de todos
esses elementos, porém, chegou a um nível alto o suficiente para que a abertura do código se
tornasse uma decisão racionalmente justificável, como de fato aconteceu em 1997.
Com o acesso ao código fonte, entusiastas iniciaram o processo de produção de
diversas versões diferentes do motor de jogo24, geralmente atingindo alguma plataforma que
ainda não havia sido contemplada ou com ajustes de performance e a inclusão de novos
incrementos gráficos. Com esse tipo de liberdade não existem limitações técnicas que não
podem ser ultrapassadas, mesmo que na prática dificilmente faria sentido tentar transformar o
motor de jogo original em algo completamente diferente.
Em especial, é interessante ressaltar o trabalho de fãs que, através do acesso ao código
fonte, foram capazes de criar versões do motor de jogo que permitissem a participação em
partidas online sem o uso de ferramentas externas e com uma grande gama de funcionalidades
extras que facilitam o processo de procura de partidas e modos de jogo. Motores de jogo
alternativos como Zandronum25 oferecem a possibilidade de seus usuários encontrarem e
participarem de partidas de jogos online que utilizem mods de maneira extremamente simples,

24
Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Doom_source_ports. Acesso em 18 jan. 2014.
25
Disponível em: http://zandronum.com/. Acesso em 18 jan. 2014.
103

ao administrar a versão do jogo e dos mods que devem ser baixados, instalados e ativados
para participar das partidas.
Vinte anos depois de seu lançamento, Doom ainda possui uma comunidade dedicada e
produtiva, como pode ser rapidamente comprovado ao se visitar sites agregadores mantidos
por fãs como DoomWorld26, um dos primeiros e mais importantes para a comunidade de
modding e que ainda é frequentemente atualizado.

2.4.5 Quake e a popularização dos motores de Jogo

A série Quake surge num momento chave da popularização do acesso à internet e tem
em suas capacidades multijogador e na competição online um grande foco. Sony lançaria o
Playstation em 1994, o Saturn da Sega sairia em 1995 e a Nintendo teria seu Nintendo 64 nas
prateleiras em 1996. Todos esses consoles venderiam a ideia dos gráficos poligonais e
interação com um ambiente tridimensional como o futuro da mídia. Do ponto de vista
tecnológico, Quake consegue realizar nos computadores pessoais gráficos tridimensionais em
tempo real equivalentes aos que a nova geração de consoles caseiros trazia ao grande público.
O grande número de continuações que Doom recebeu no período reflete por um lado o
impacto e popularidade do jogo e por outro, as dificuldades e os atrasos que o
desenvolvimento de Quake sofreu. Quake foi o último jogo no qual John Romero, principal
designer de mapas e interação dos jogos anteriores, fez parte da equipe. Em grande parte os
problemas internos derivaram da percepção do restante da equipe, da falta de compromisso
por parte de Romero no desenvolvimento de Quake e da frustração causada pelas dificuldades
técnicas em construir um motor de jogos com renderização tridimensional em tempo real e
capaz de jogos multijogador online de maneira eficiente.
Quake foi também o primeiro jogo em que Tim Willits, um criador de WADs da
comunidade de modders, participou como designer de mapas para a id Software (KUSHNER,
2003, p.170). Willits é um caso emblemático de uma prática que se tornaria relativamente
comum, pois além de ser um dos primeiros, se tornou também o principal responsável pela
função nos jogos seguintes da série com a saída de Romero (KUSHNER, 2003). Romero por
sua vez, também contrataria diversos membros da comunidade para fazer parte da equipe de
desenvolvimento de seu jogo solo, Daikatana (Ion Storm, 2000) (KUSHNER, 2003, p.199).

26
Disponível em: http://www.doomworld.com/. Acesso em 18 jan. 2014.
104

Em Quake, o jogador controla o único sobrevivente de um grupo de soldados de elite


enviado através de um portal dimensional para impedir os planos do vilão que dá nome ao
jogo. Para realizar essa missão, o jogador deve coletar as quatro runas espalhadas pela base
militar tomada de inimigos, invadir essa dimensão paralela e escapar vivo. Essa missão
levaria Ranger, seu protagonista, a visitar mapas radicalmente diferentes - mas que seguiam o
mesmo design labiríntico que marcou Doom e diversos de seus WADs mais aclamados - ao
longo de 24 missões.
A temática macabra que misturava inimigos demoníacos com ambientes ao mesmo
tempo góticos e futuristas. A violência inerente a um videogame no qual todo conflito é
respondido com o uso de mais de uma dúzia de armas, também caracterizam a experiência do
jogador em Quake. Mais uma vez a velocidade e a exigência de reflexos rápidos e a precisão
para vencer os desafios propostos pelo sistema de jogo se repetiriam como atributos principais
do jogo desenvolvido pelo estúdio.
Se a premissa não soa particularmente original, do ponto de vista técnico, Quake
estabeleceu ou popularizou uma série de funcionalidades que se tornariam padrão na indústria
durante o fim dos anos 90 e início dos 2000. O novo motor de jogo desenvolvido para Quake,
id Tech 2, foi um grande salto tecnológico em relação ao motor de jogo de Doom e seus
antecessores: id Tech 2 possui a capacidade de renderização de polígonos texturizados em
tempo real para criar seus gráficos, o que permite a criação de mapas verdadeiramente
tridimensionais e com efeitos de luz dinâmicos. Utilizando-se de tecnologia de ponta, o jogo
também era capaz de ter seu desempenho e qualidade gráfica melhorados consideravelmente
com a instalação de uma placa de vídeo, novidade à época, compatível com OpenGL, uma das
tecnologias concorrentes para facilitação na produção de gráficos poligonais em tempo real.
Uma importante inovação em Quake foi o desenvolvimento e integração da tecnologia
necessária para conectar e jogar partidas online com até dezesseis jogadores simultâneos pela
internet via protocolos TCP/IP. Grande esforço foi colocado na criação de técnicas, que mais
tarde seriam utilizadas por outros jogos, de diminuição na demora de envio e recebimento de
pacotes de dados via modem e em sistemas que ajudassem a prever e ajustar as posições
relativas entre personagens.
Quake, repetindo a fórmula de sucesso iniciada em Wolfenstein 3D, foi inicialmente
lançado com uma versão shareware além de sua versão de varejo completa e viria a ter dois
títulos subsequentes lançados nos anos seguintes, Quake II (id Software, 1997) e Quake III
Arena (id Software, 1999), o último utilizando a nova iteração sobre o motor de jogo, id Tech
3. Quake vendeu aproximadamente dois milhões de cópia (JUST ADVENTURE, 1999)
105

enquanto Quake II vendeu mais de um milhão de cópias (ID SOFTWARE, 2014). Os três
jogos também foram criticamente e popularmente aclamados e teriam ao longo dos anos uma
comunidade engajada principalmente na participação em partidas online competitivas e
também uma comunidade de modders ativa e criativa.

Figura 16 - Captura de tela do primeiro nível de Quake (acima) e captura de tela de vídeo com
melhores momentos de competição realizada na QuakeCon 2013 (abaixo)

Fonte: telas capturadas pelo próprio autor e (SIMONOVIC, 2013)

2.4.5.1 QuakeCon: do virtual para o real.

Do ponto de vista social, Quake teria nos clãs grupos de jogadores que se organizam
em times para competir contra outros times em partidas locais e online, uma das primeiras e
mais marcantes tentativas de tornar o videogame em um esporte no sentido tradicional. Um
dos desdobramentos mais interessantes dessa comunidade que surgiu ao redor do jogo foi o
progressivo e orgânico crescimento de um evento não oficial ao redor dela.
Em função de seu sucesso e suas capacidades multijogador, em 1996, ocorreu em
Dallas, Texas, a primeira QuakeCon: uma convenção de jogadores entusiastas que
inicialmente se encontravam em canais de IRC voltados ao jogo, em especial #quake.
106

QuakeCon inicialmente foi organizada como um evento não oficial, onde cada jogador trazia
seu computador para a instalação de uma rede local para se jogar os modos competitivos de
maneira casual ou competitiva em um dos diversos campeonatos sediados pelo evento.
Em sua primeira edição, realizada em um prédio próximo à sede da id Software, seus
funcionários visitaram de surpresa o evento e interagiram com os fãs de seus jogos,
relacionamento que se repetiria ao longo dos anos.
A tradição se mantém até hoje, dezoito anos depois, com milhares de participantes
trazendo seus computadores para celebrar a cultura que surgiu inicialmente ao redor dos jogos
produzidos pela id Software. Percebendo a possibilidade de utilizar o evento como forma de
promoção para seus produtos e como forma de fortalecer a comunidade ao redor deles, a id
Software desde 1997 o patrocina, mas não faz parte de sua organização, conjuntamente com
outras marcas de produtos relacionados (QUAKECON, 2014).

2.4.5.2 Demos: motor de jogo como estúdio de filmagem

Outro desdobramento não planejado, mas que tomou vida própria quando colocado
nas mãos da comunidade de jogadores, foi a funcionalidade de gravar “demos”. Um demo é
um arquivo gerado pelo motor de jogo capaz de armazenar com precisão os estados de jogo
de uma determinada partida, permitindo assistir a todos os eventos que aconteceram nela a
partir do ponto de vista de quem a gravou. Depois de salvo, qualquer outro jogador é capaz de
carregar o demo em sua cópia do jogo e assistir como a ação transcorreu.
Inicialmente as práticas mais comuns estavam diretamente relacionadas à gravação de
partidas multijogador para a posteridade e speedruns – tentativas de completar o jogo no
menor tempo possível – por jogadores habilidosos. Com o tempo, no entanto, jogadores
encontraram maneiras e interesse de utilizarem essa funcionalidade para a criação de
narrativas contadas através do uso da visão em primeira pessoa – e cheats que permitiam uma
navegação mais livre do ambiente – e do modo multijogador. Nessa maneira de produção
criativa, um jogador controla a “câmera” que filma a ação, enquanto os outros interpretam a
interação entre personagens, movimentando-se no espaço e digitando as falas dos
personagens, criando dessa forma um filme a ser redistribuído. Essa prática daria forma a um
tipo de produção de fãs conhecida, posteriormente, como machinima, levantada no segundo
capítulo.
107

2.4.5.3 Modding, id Tech 2 e id Tech 3

A série Quake continuou a tradição e possuía suporte para modificações de usuários,


permitindo a inclusão de arquivos gráficos, sonoros e modelos tridimensionais originais e a
modificação e criação de mapas de jogo através de ferramentas de edição especializadas.
Além disso, Quake permitia certo grau de controle sobre parâmetros do jogo através do uso de
uma linguagem de scripting própria chamada “QuakeC”. Essa inovação permitiu que
jogadores acessassem dados e comportamentos de inimigos, armas e itens diretamente, sem
precisarem usar hacks para alterar as regras do jogo como acontecia em Doom.
Certas criações de jogadores, inclusive, superariam aquilo que foi produzido
internamente pela id Software. John Carmack, impressionado com a qualidade das
ferramentas de edição de mapas criados por um fã, Robert Duffy, entrou em contato e
pessoalmente o convidou para participar do desenvolvimento de Quake III. Duffy aceitou e as
ferramentas criadas por ele ajudariam a desenvolver não apenas Quake III, mas também
outros jogos desenvolvidos com a tecnologia licenciada pela id Software (AU, 2002).

Figura 17 - Modelos alternativos de personagens para partidas multijogador criados por


jogadores/artistas amadores. Da esquerda para direita: “Tis”, “Sonic” e “Gaben Helm”

Fonte: (EVISON, 2001), (DANIEL, 2001) e (MONSTER, 2000), adaptado pelo autor.

Analisando a produção criativa de skins – arquivos gráficos que alteram a aparência do


modelo tridimensional de um personagem - e modelos de personagens originais criados por
entusiastas para serem utilizados em Quake, Olli Sotamaa (SOTAMAA, 2003) cita diversos
exemplos daquilo que ele acredita ser reflexo da intermidialidade do conteúdo criado por
jogadores. Essas modificações de aparência podem tanto seguir a temática estética original do
108

jogo, ampliando a diversidade de escolha de jogadores, como podem também subvertê-la


completamente.
Dentre os diversos exemplos oferecidos por Sotamaa, temos personagens de uma
infinidade de outras propriedades intelectuais presentes em diversas mídias diferentes:
personagens de desenhos animados, filmes, quadrinhos, outros videogames foram criados e
podem ser inseridos no videogame através da instalação dos arquivos criados e distribuídos
livremente por esses artistas amadores. Criaturas da mitologia grega como centauros e
medusas, personagens inspirados em heróis de quadrinhos como Thor, gladiadores romanos
chamados Maximus. O alien, antagonista do filme dirigido por Ridley Scott, o robô T-800 de
“Exterminador do Futuro”, Darth Vader, Barbarella, personagens de desenhos como South
Park e Futurama e até mesmo muppets estão na lista citada por Sotamaa (SOTAMAA, 2003,
p.10-11). Além dos citados, a figura 17 lista mais algumas das criações de usuários.
Além dessas modificações estéticas, Sotamaa ressalta a grande variedade e
engenhosidade de outras mudanças que mais diretamente afetam as regras e
consequentemente a interação direta com o videogame. Temos desde a criação de armas e
powerups novos, à criação de mapas tridimensionais para serem utilizados em modos um e
multijogador e até mesmo a criação de novos modos de jogo e total conversions (SOTAMAA,
2003, p. 13-19). As centenas de criações de usuários para Quake podiam ser encontradas e
baixadas através de páginas dedicadas à divulgação e análise como PlanetQuake27 e ModDB28
(SOTAMAA, 2003. P.14).
Além da grande quantidade de criações por jogadores, o licenciamento do avançado
motor de jogos de Quake também teve grande sucesso e ajudou a consolidar a importância da
id Software na promoção do gênero dos FPSs ao longo da década de 90. Além dos títulos
desenvolvidos pela própria id Software, na tabela a seguir estão listados alguns dos motores
de jogos mais expressivos do período e os títulos mais importantes lançados com base neles:

Tabela 1- Motores de jogo utilizados para o desenvolvimento de videogames de tiro em primeira


pessoa comercialmente utilizados a partir dos anos 90 e lista cronológica de títulos comerciais
Motor de Jogo Jogos Desenvolvidos
Wolfenstein 3D (id Software, 1992), Spear of Destiny (id Software,
Wolfenstein 3D 1992), Blake Stone: Aliens of Gold (1993), Rise of the Triad (Apogee
engine Software, 1994)
Underworld Engine Ultima Underworld (Blue Sky Productions, 1992), System Shock

27
Disponível em: http://www.planetquake.com/. Acesso em 18 jan. 2014.
28
Disponível em: http://www.moddb.com/. Acesso em 18 jan. 2014.
109

Motor de Jogo Jogos Desenvolvidos


(Looking Glass Studio, 1994)
Doom (id Software, 1993), Doom II: Hell on Earth (id Software,
id Tech 1 (Doom 1994), Heretic (Raven Software, 1994), HeXen (Raven Software,
Engine) 1995), Strife (Rogue Entertainment, 1996)
Marathon 2: Durandal (Bungie Software, 1995), Marathon Infinity
(Bungie Software, 1996), Prime Target (1996), ZPC (Zombie Studios,
Marathon 2 1996), Damage Incorporated (Paranoid Productions, 1997)
Witchaven (AWE Productions, 1995), Tekwar (Capstone Software,
1995), Duke Nukem 3D (3D Realms, 1996), Blood (1997), Shadow
Warrior (3D Realms, 1997), Redneck Rampage (Xatrix Entertainment,
Build Engine 1997)
The Terminator: Future Shock (Bethesda Softworks, 1995),
XnGine Engine Terminator: SkyNET (Bethesda Softworks, 1996)
Descent (Parallax Software, 1995), Descent II (Parallax Software,
N/A 1996), Descent to Undermountain (Interplay, 1997)
id Tech 2 (Quake) Quake (id Software, 1996), Hexen II (Raven Software, 1997)
Sith engine Star Wars Jedi Knight: Dark Forces II (LucasArts, 1997)
GoldenEye engine GoldenEye 007 (Rare, 1997), Perfect Dark (Rare, 2000)
Quake II (id Software, 1997), Heretic II (Raven Software, 1998), Sin
(Ritual Entertainment, 1998), Kingpin: Life of Crime (Xatrix
Entertainment, 1999), Soldier of Fortune (Raven Software, 2000),
id Tech 2 (Quake II) Daikatana ( Ion Storm , 2000)
Shogo: Mobile Armor Division (Monolith Productions, 1998), Blood
Lithtech 1.0 II: The Chosen (Monolith Productions, 1998)
Unreal (Epic Games, 1998), Unreal Tournament (Epic Games, 1999),
Deus Ex (Ion Storm, 2000), Clive Barker's Undying (DreamWorks
Unreal engine Interactive, 2001)
Thief: The Dark Project (Looking Glass Studios, 1998), System Shock
2 (Irrational Games, 1999), Thief II: The Metal Age (Looking Glass
Dark engine Studios, 2000)
GoldSrc Engine Half-Life ( Valve Software, 998)
Torque Game
Engine Starsiege: Tribes ( Dynamix, 1998), Tribes 2 ( Dynamix, 2001)
Quake III Arena (1999), Star Trek: Voyager: Elite Force (2000),
Urban Terror (Silicon Ice Development/Frozen Sand, LLC, 2000),
Return to Castle Wolfenstein (Gray Matter Interactive,2001), Soldier
of Fortune II: Double Helix (Raven Software, 2002), Star Wars Jedi
Knight II: Jedi Outcast (Raven Software, 2002), Star Wars Jedi
Knight: Jedi Academy (Raven Software, 2003), Call of Duty (Infinity
Ward, 2003), Star Trek: Elite Force II (Ritual Entertainment, 2003),
id Tech 3 Medal of Honor: Allied Assault ( 2015, Inc. , 2002)
Fusion engine Descent 3 (Outrage Entertainment, 1999)
The Operative: No One Lives Forever (Monolith Productions, 2000),
Lithtech Talon Aliens vs. Predator 2 (Monolith Productions, 2001)
Fonte: (LIST…, 2014). Modificado pelo autor.
110

A lista de videogames de tiro em primeira pessoa apresentada nessa tabela permite


perceber o quadro geral do gênero no período. Claramente marcada está a predominância de
títulos lançados pela id Software ou produzidos com licenças de uso de seus diversos motores
de jogos, especialmente entre os primeiros títulos listados. Que marcam os primeiros anos do
gênero. Do total de sessenta e três títulos, sete foram desenvolvidos pela própria id Software,
vinte e um foram desenvolvidos com motores de jogos licenciados dela e trinta e cinco são
títulos criados com outros motores de jogo. Nenhum desses outros motores de jogo foi
licenciado para uso em outros estúdios mais do que três vezes, enquanto apenas o id Tech 3
teve nove títulos nessa situação. Videogames de franquias importantes como Call of Duty e
Medal of Honor tiveram seus primeiros títulos desenvolvidos utilizando o motor de jogo
desenvolvido pela id Software. O motor de jogo de Half-Life (Valve Corporation 1998),
GoldSrc, é uma versão modificada do motor de jogo do primeiro Quake.
Como aconteceu com Doom, o motor de jogo de Quake e Quake II, id Tech 2 foi
liberada em 1999 sob a licença de código aberto GNU, General Public License (GPL).
Novamente isso causou uma explosão de atividades por parte de fãs com maior conhecimento
em desenvolvimento de software, ávidos para aprender, aprimorar e modificar o motor de
jogo. Dessa oferta surgiu uma grande quantidade de versões alternativas do motor de jogo
para uso em diversas plataformas, assim como versões com aprimoramentos e experimentos
técnicos. O mesmo ocorreu quando, em 2005, id Tech 3 foi liberada sob a mesma licença de
código aberto. Outros motores de jogo citados como Marathon2, Build Engine, e Torque
Engine também tiveram seu código fonte liberado por seus desenvolvedores ao longo dos
anos, seguindo a tendência iniciada por Doom.

2.5 A EXPLOSÃO CAMBRIANA DOS JOGOS DE TIRO EM PRIMEIRA PESSOA

O fim dos anos 90 e início dos 2000, viu o fim da id Software como força
predominante no gênero FPS; a demanda do mercado por jogos do gênero, a longa demora até
o lançamento de seu próximo título, Doom 3 (id Software, 2004) e a importância cada vez
maior dos jogos competitivos online, são apenas alguns dos fatores que permitiram que
desenvolvedores concorrentes conseguissem construir seu espaço no mercado e na mente dos
consumidores.
111

Tabela 2- Motores de jogo utilizados para o desenvolvimento de videogames de tiro em primeira


pessoa comercialmente utilizados a partir dos anos 2000 e lista cronológica de títulos comerciais
lançados fazendo uso deles
Motor de Jogo Jogos Desenvolvidos
Serious Sam: The First Encounter (Croteam, 2001), Serious Sam: The
Second Encounter (Croteam, 2002), Serious Sam: Next Encounter
Serious Engine (Climax Group, 2004)
Battlefield 1942 (Digital Illusions Cem, 2002), Battlefield Vietnam
(Digital Illusions, 2004), Battlefield 2 (Digital Illusions CE, 2005),
Refractor 2 Battlefield 2142 (EA Digital Illusions CE, 2006)
Hitman: Codename 47 (IO Interactive, 2000), Hitman 2: Silent
Assassin (IO Interactive, 2002), Freedom Fighters (IO Interactive,
2003), Hitman: Contracts (IO Interactive, 2004), Hitman: Blood
Money (IO Interactive, 2006), Kane and Lynch: Dead Men (IO
Glacier engine Interactive, 2007), Kane and Lynch: Dog Days (IO Interactive, 2010)
Mafia: The City of Lost Heaven (Illusion Softworks, 2002), Hidden &
Dangerous 2 (Illusion Softworks, 2004), Chameleon (Silver Wish
LS3D engine Games, 2005)
Unreal Tournament 2003 (Epic Games, 2002), Unreal II: The
Awakening (Legend Entertainment, 2002), Tom Clancy's Rainbow Six
3: Raven Shield (Ubisoft Montreal, Ubisoft Milan, Red Storm
Entertainment, 2003), Devastation (Digitalo Studios, 2003), Postal 2
Unreal Engine 2.0 (Running with Scissors, 2003)
No One Lives Forever 2: A Spy in H.A.R.M.'s Way (Monolith
Lithtech Jupiter Productions, 2002), Tron 2.0 (Monolith Productions, 2003)
Operation Flashpoint: Cold War Crisis (Bohemia Interactive Studio,
2001), VBS1 (Bohemia Interactive Australia, 2002), Arma: Armed
Assault (Bohemia Interactive, 2007), ARMA II (Bohemia Interactive,
Real Virtuality 2009)
Star Wars: The Clone Wars (Pandemic Studios, 2002), Star Wars:
Battlefront (Pandemic Studios, 2004), Star Wars: Battlefront II
(Pandemic Studios, 2005), The Lord of the Rings: Conquest
Zero (Pandemic Studios, 2009)
Tribes Vengeance (Irrational Games, 2004), S.W.A.T. 4 (Irrational
Games, 2004), Unreal Tournament 2004 (Epic Games, 2004), Tom
Clancy's Splinter Cell: Conviction (Ubisoft Montreal ,2010), Duke
Unreal Engine 2.5 Nukem Forever (3D Realms, 2011)
PAIN engine Painkiller (People Can Fly, 2004), NecroVisioN (The Farm 51, 2009)
Far Cry (Crytek, 2004), Aion: Tower of Eternity (Aion Team
CryEngine Development Dept, 2008)
Doom 3 (id Software, 2004), Quake 4 (Raven Software, 2005), Prey
(Human Head Studios, 2006), Enemy Territory: Quake Wars (Splash
Damage, 2007), Wolfenstein (Raven Software, 2009), Brink (Splash
id Tech 4 Damage, 2011)
112

Motor de Jogo Jogos Desenvolvidos


Counter-Strike Source (Valve Corporation, 2004), Vampire: The
Masquerade - Bloodlines ( Troika Games , 2004), Half-Life 2 (Valve
Corporation, 2004), Day of Defeat: Source (Day of Defeat: Source,
2005), Dark Messiah of Might and Magic (Arkane Studios,2006), Sin
Episodes - Emergence (Ritual Entertainment, 2006), Half-Life 2:
Episode 1 (Valve Corporation, 2006), Half-Life 2: Episode 2 (Valve
Corporation,2007), Team Fortress 2 (Valve Corporation,2007), Portal
(Valve Corporation, 2007), Left 4 Dead (Turtle Rock Studios, 2008),
Zeno Clash (ACE Team, 2009), Left 4 Dead 2 (Valve Corporation,
2009), Portal 2 (Valve Corporation, 2011), Postal III (Running With
Source engine Scissors, 2011)
F.E.A.R. (Monolith Productions, 2005), Condemned: Criminal Origins
(Monolith Productions, 2005), Condemned 2: Bloodshot (Monolith
Productions, 2008), Combat Arms (Doobic Studios, 2008) F.E.A.R. 2:
Lithtech Jupiter EX Project Origin (Monolith Productions, 2009)
S.T.A.L.K.E.R.: Shadow of Chernobyl (GSC Game World, 2007),
X-ray engine S.T.A.L.K.E.R.: Clear Sky (GSC Game World, 2009)
Gears of War (Epic Games, 2006), Tom Clancy's Rainbow Six: Vegas
(Ubisoft Montreal, 2006), BioShock (Irrational Games, 2007), Medal
of Honor: Airborne (EA LA, 2007), Unreal Tournament 3 (Epic
Games, 2007), Turok (Propaganda Games, 2008), Brothers in Arms:
Hell's Highway (Gearbox Software, 2008), Aliens: Colonial Marines
(Gearbox Software, 2013), Mirror's Edge (EA Digital Illusions CE,
2008), Borderlands (Gearbox Software, 2009), Tribes: Ascend (Hi-Rez
Unreal Engine 3 Studios, 2012)
Crysis (Crytek Frankfurtm, 2007), Crysis Warhead (Crytek Budapest,
CryEngine 2 2008)
Dunia Engine Far Cry 2 (Ubisoft Montreal, 2008)
Far Cry 3 (Ubisoft Montreal, 2012), Far Cry 3: Blood Dragon (Ubisoft
Dunia Engine 2 Montreal, 2013)
Battlefield: Bad Company (EA Digital Illusions CE, 2008), Battlefield:
Bad Company 2 (EA Digital Illusions CE, 2010), Medal of Honor
(Danger Close Games, 2010), Battlefield 3 (EA Digital Illusions CE,
Frostbite Engine 2011), Need for Speed: The Run (EA Black Box, 2011)
EGO engine Operation Flashpoint 2: Dragon Rising (Codemasters, 2009)
Real Virtuality 3 ArmA 2 (Bohemia Interactive, 2009)
Call of Juarez: Bound in Blood (Techland, 2009), Dead Island
Chrome Engine 4 (Techland, 2011)
X-ray engine 1.6 S.T.A.L.K.E.R.: Call of Pripyat (GSC Game World, 2010)
Crysis 2 (Crytek Frankfurt, 2011), Crysis (Crytek Frankfurt ,2011),
Crysis 3 (Crytek Frankfurt, 2013), Sniper: Ghost Warrior 2 (City
CryEngine 3 Interactive, 2013)
Fonte: (LIST…, 2014). Modificado pelo autor.
113

Quando se fala tanto de licenciamento para desenvolvimento de jogos comerciais e em


apoio e incentivo às atividades de produção criativa por jogadores, é possível destacar duas
desenvolvedoras em especial a partir dos anos 2000: Epic Games e Valve Corporation.
Epic Games, especialmente com o lançamento de seu motor de jogo Unreal 3,
conquistou a liderança em licenciamentos ao longo da década. Por outro lado, através de
concursos e premiações anuais e a produção e liberação de tutoriais e vídeos de treinamento
para o uso de seu motor de jogo, procurou criar um ambiente mais propício à produção de
conteúdo por jogadores.
Em uma tentativa de atrair desenvolvedores independentes, a Epic Games liberou na
internet uma versão gratuita de seu motor de jogos, Unreal Development Kit (UDK), em
2009. Essa versão não depende da instalação de um jogo original para funcionar, pode ser
utilizado para a criação de diversos estilos de videogame diferentes e aqueles criados com ela
podem ser comercializados livremente. A contrapartida reside na obrigação do pagamento de
uma porcentagem sobre o lucro declarado do jogo produzido diretamente para a Epic Games,
conforme as regras descritas na página do estúdio29.
Valve Corporation com seu motor de jogo Source Engine e sua poderosa presença no
universo dos jogos para computadores pessoais através de seu serviço de venda e download
de jogos, Steam, também merece um menção. Isso se deve em parte pela grande atenção
prestada pelo estúdio à produção gerada nas comunidades de modding e na promoção e
incentivo no uso de seu motor de jogos. Parte dos jogos lançados pelo estúdio teve sua origem
em projetos de times de modders talentosos que foram atraídos pela oportunidade de poderem
se dedicar exclusivamente ao desenvolvimento de versões comerciais de suas criações. Entre
os casos é possível citar Team Fortress, inicialmente um mod para Quake, Day of Defeat e
talvez o exemplo mais marcante desse tipo de transição: Counter-Strike.
Além disso, através de seu serviço de venda de videogames, Steam, a Valve vem
progressivamente incentivando desenvolvedores e comunidade a juntarem forças. Através de
um sistema integrado a seu software de administração de videogames comprados pelo
usuário, “Steam Workshop”, a Valve é capaz de prover a desenvolvedores e usuários
ferramentas que simplificam o processo de download, instalação e avaliação de mods criados
pelas comunidades específicas de 72 títulos que incorporaram o sistema, a maioria deles de
outras desenvolvedoras até o momento30. Por outro lado, através da integração de conteúdo

29
Disponível em: https://www.unrealengine.com/udk/licensing/purchase/#Terms. Acesso em 18 jan. 2014.
30
Disponível em: http://steamcommunity.com/workshop/?l=portuguese. Acesso em 18 jan. 2014.
114

gerado por artistas amadores em dois de seus jogos, Team Fortress 2 (Valve Corporation,
2007) e Dota 2 (Valve Corporation, 2013), a Valve está fazendo uso do poder das novas
formas de produção permitidas pelas capacidade das novas mídias.
Team Fortress 2 e Dota 2 utilizam um modelo de negócios diferente e particularmente
interessante de utilização dessa mão de obra gratuita e voluntária. Ambos os videogames
podem ser baixados e jogados gratuitamente, e, por si só, são experiências completas,
satisfatórias e criticamente consideradas positivas. Esporadicamente seu estúdio
desenvolvedor adiciona itens cosméticos contribuídos voluntariamente por artistas amadores -
com base em diretrizes de estilo previamente definidos - no repertório de itens que podem ser
adquiridos. Esses itens mudam a aparência dos personagens controlados pelo jogador e são
conseguidos aleatoriamente ao fim de partidas online, podem ser trocados entre jogadores e
podem ser comprados de uma loja online incorporada ao videogame. Para cada venda de um
item seu contribuinte recebe uma parcela do lucro31. Até junho de 2013, os quatrocentos
produtores amadores que tiveram suas contribuições aceitas e incluídas em Team Fortress 2
dividiram mais de dez milhões de dólares entre si em pagamentos de royalties por seu
trabalho (TF2 TEAM, 2012).
Como a tabela demonstra, no entanto, diversas outras desenvolvedoras também
criaram seus próprios motores de jogo que, em maior ou menor grau, foram eles próprios
comercializados ou possuíam aberturas para jogadores criarem suas próprias modificações.
Como veremos no próximo capítulo, alguns desses outros motores terão comunidades de
jogadores dedicados e ativos participando na produção de mods, como é o caso, por exemplo,
dos videogames desenvolvidos pelo estúdio Bohemia Interactive.
É preciso considerar que se a discussão desse final de capítulo concentrou-se
especialmente em uma desenvolvedora e em um gênero de videogames, pela importância de
ambos, como vimos ao longo do trabalho, as diferentes maneiras, como a criação de conteúdo
por usuários, utilizou as aberturas possíveis e não se restringe nem ao modding e tampouco a
um gênero específico de videogame. Retornaremos a esse ponto, brevemente, no próximo
capítulo.
James Au, escrevendo a respeito do sucesso e crescente importância das comunidades
de modding que se formaram ao redor de diversos jogos ao longo do início dos anos 2000,
cita Will Wright:

31
Disponível em: http:// www.teamfortress.com/workshop /?l=english. Acesso em: 18 jan. 2014.
115

Toda essa inventividade guiada por fãs não deixou de ser percebida pela
indústria de jogos em geral. “Eu sempre me impressionei pela comunidade
que se formou ao redor de “Quake II” em particular”, diz Will Wright,
criador de “The Sims”. “Em algum momento os autores de mods não apenas
criaram coisas novas para o jogo, como também novas ferramentas para
[criar] conteúdo. [Isso] é um ótimo exemplo de como fãs realmente
dedicados podem surpreender você completamente com sua criatividade, se
oferecidos a oportunidade.” E isso iria inspirar Wright, alguns anos mais
tarde, a fazer do modding um elemento principal em “The Sims”32 (AU,
2002, tradução nossa).

Doom e posteriormente Quake, ajudaram a definir o que é um jogo do gênero FPS, os


padrões básicos de conectividade e modos de jogo multijogador para esse gênero, um modelo
de negócios baseado no licenciamento de tecnologia para terceiros, e – mais relevante para
esse trabalho – uma tradição na liberação de ferramentas e uma estrutura de dados que
habilitam o entusiasta a modificar seu jogo de maneira relativamente simples. Muito
rapidamente outras desenvolvedoras perceberam o valor que essas características poderiam
agregar a seus produtos. No capítulo final discutiremos em maiores detalhes os aspectos
sociais do modding enquanto atividade que acontece por meio das novas mídias, certas
características de seus produtores e algumas das implicações particulares da proximidade
entre fãs e indústria.

32
All this fan-driven inventiveness did not go unnoticed in the wider game industry. “I was always impressed by
the community that formed around ‘Quake II’ in particular,” says “The Sims” creator, Will Wright. “At some
point the mod authors not only made new stuff for the game but also new tools for content [It's] a great example
of how the hardcore fans can totally surprise you with their creativity, given the chance.” And it would inspire
Wright, a few years later, to make modding a key feature in “The Sims”
116

3 PLAYBOUR, INOVAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO: DILEMAS DA


PRODUÇÃO AMADORA NA ERA DA CONVERGENCIA DIGITAL

A produção de conteúdo por jogadores, em suas mais variadas formas e em especial


naquelas extensivamente tratadas no capítulo anterior, fazem parte de uma estrutura social e
padrões culturais mais amplos de relação com o consumo e produção de objetos midiáticos e
com as novas tecnologias de comunicação que ganham cada vez mais predominância. Mizuko
Ito e o grupo de pesquisadores coordenado por ela (ITO, 2010b), numa tentativa de entender
como as novas mídias e suas práticas se realizam no contexto da internet, especialmente entre
crianças e jovens, realizou uma ampla pesquisa da sociabilidade online. Essas formas de
relacionamento, de maneira inicial, foram organizadas em sete contextos principais: amizade,
intimidade, família, jogar, produção criativa e trabalho; a partir deles, foram estudadas as
dinâmicas de interação que aconteciam em grupos específicos correspondentes.
A partir de um estudo etnográfico dessas “novas mídias” – entendidas, a partir de
Jenkins, como a ecologia onde mídias tradicionais como livros, televisão e rádio intersectam
com mídias digitais, em especial mídias interativas e mídias para comunicação social – que as
percebe de maneira incorporada às práticas e contextos, Ito e seu grupo procuram responder à
questões relacionadas às formas de interação, aprendizagem e produção de conhecimento
entre jovens conectados. “Tecnologia, mídias e a cultura pública estão moldando e sendo
moldadas por esses esforços conforme as práticas de jovens definem os termos da
participação em uma ecologia midiática digital e em rede” (ITO, 2010b, p.14).
Ito e seu grupo utilizam-se de uma noção principal de “gêneros de participação” para
descrever as diferentes formas como a interação com mídias geralmente acontece nas práticas
verificadas entre jovens. A distinção principal está entre gêneros de participação “motivados
por amizade”, redes primariamente ligadas a afiliações locais, amizades e outros reflexos
online da vida cotidiana e aqueles “motivados por interesse”, onde atividades específicas,
interesses de nicho e identidades marginalizadas são as motivações principais para afiliação.
Essa distinção teórica serve como um guia principal para as discussões feitas ao longo do
trabalho, mas deixa-se claro que existem espaços intermediários e podem existir gradações
diferentes desses dois elementos nos gêneros de participação estudados.
Segundo Ito, a distinção feita dessa forma permite afastar-se da noção de que
indivíduos possuem identidades midiáticas estáveis que são independentes de contextos e
situações, permite levar melhor em conta os padrões entrecruzados de conteúdos midiáticos,
tecnologia e referentes culturais que são mobilizados cotidianamente e ao invés de apresentar
117

categorias claramente definidas, deixa claro que gêneros de participação são renegociados e
estão em fluxo constantemente. É importante notar também, que mesmo se a motivação
principal do engajamento com esses grupos vêm de um interesse comum, ele pode levar à
construção de relacionamentos e amizades que transcendem esse foco. Além disso, um
mesmo indivíduo pode e geralmente participa de múltiplos grupos de ambos os gêneros de
participação.
Com base na distinção principal apresentada, Ito propõe três gêneros de participação
relacionais que refletem as práticas, modos de aprendizagem e formação de identidade
resultantes do engajamento com as novas mídias:
“Hanging out”: espaços para a co-presença onde seus participantes engajam-se em
contato social constante e casual e que move fluidamente entre contato online e off-line.
Marcado pela socialização via serviços de mídias sociais, de mensagem instantânea e de
ligações telefônicas que provém a sensação de estarem passando tempo junto a seus pares,
estendendo as maneiras diretas e pessoais com que isso se dá (ITO, 2010b, p. 38-39). São os
espaços onde compartilhar, postar, linkar e recomendar fotos, vídeos, músicas, etc., são
práticas comuns. “O desejo social de compartilhar espaços e experienciais com amigos agora
é suportado por uma rede e uma ecologia de mídia digital que habilita essas mudanças fluidas
na atenção e co-presença entre contextos off-line e online” (ITO, 2010b, p.50).
“Messing Around”: gênero de participação que marca formas mais intensas de
engajamento com as novas mídias. O primeiro modo diz respeito a capacidade e curiosidade
relacionadas a procurar e encontrar informações a respeito de um assunto ou objeto via
mecanismos de busca genéricos ou específicos ou pela navegação por links de maneira
exploratória. Essas atividades dizem respeito ao aprendizado de formas particulares de
obtenção e avaliação de informações e conhecimento que não estão ligadas às formas
tradicionais de fazê-lo, geralmente ensinadas em escolas (ITO, 2010b, p.55).
O segundo modo está ligado ao desejo e (eventualmente) a habilidade de manipular
objetos midiáticos com maior autoridade, que está ligada ao processo de exploração via
tentativa e erro e outras formas exploratórias de produção midiática. A facilidade de copiar,
colar e desfazer mudanças nas ferramentas de edição disponíveis quando se fala de mídias
digitais, combinado à informação online a uma pesquisa de distância, permite o aprendizado
autodidata dessas tecnologias e da produção desses artefatos.
Esses experimentos podem levar a um processo de desenvolvimento de habilidades
que não fazem parte de um currículo tradicional de ensino e podem oferecer novas formas,
inclusive ao desenvolvimento de habilidades que ofereçam oportunidades profissionais
118

futuras. Esse gênero de participação diz muito a respeito das vantagens de se crescer em uma
era de saturação midiática, mídias interativas e software social. (ITO, 2010b, p.65).
“Geeking out”: refere-se principalmente ao gênero de participação relacionado a um
intenso comprometimento ou engajamento geralmente relacionado com uma propriedade
midiática ou tipo de tecnologia (ITO, 2010b, p.65). Apesar dos interesses poderem variar e
em certos casos estarem relacionados a atividades não dependentes dessas novas mídias, as
práticas e contextos o são: a capacidade de engajar-se com mídias e tecnologias de maneira
intensa, autônoma e em razão de interesses pessoais é uma característica do ambiente
midiático e momento histórico atuais (ITO, 2010b, p.65).
Os exemplos oferecidos do trabalho são de jovens envolvidos em atividades como a
tradução feita voluntariamente por fãs de animações e revistas japonesas – “Lanimes” e
“mangás” respectivamente -, as produções culturais de fãs de franquias como Harry Potter e
certas formas de engajamento com jogos, inclusive o modding. Além do uso frequente e
intensivo dessas novas mídias, altos níveis de conhecimento especializado ligados a modelos
alternativos de status e credibilidade, assim como uma disposição a contornar ou quebrar
regras sociais e tecnológicas, são marcas desse gênero de participação (ITO, 2010b, p.66).
Os três gêneros de participação apresentados hanging out, messing around e geeking
out descrevem três níveis diferentes de investimentos em atividades relacionadas às novas
mídias de uma maneira que integra um entendimento dos padrões técnicos, sociais e culturais.
Fica claro que diferentes jovens em diferentes momentos, possuem níveis variáveis de
conhecimento, interesse e motivação midiáticos e tecnológicos. (ITO, 2010b, p.75)
Para a discussão desse trabalho, as ferramentas conceituais e os objetos de estudo que
nos interessam mais imediatamente, são aqueles relacionadas ao estudo da participação
motivada por interesses em comum entre pares no universo dos jogos. São nesses espaços que
surge a oportunidade para que indivíduos encontrem online grupos que partilhem de seus
interesses e possam socializar.
Tratando dos diferentes contextos onde jogos e jogar podem acontecer dentro da
ecologia mais ampla da sociedade e cultura, Mizuko Ito e Matteo Bittanti (ITO, 2010b),
organizam as práticas relacionadas em alguns tipos metodológicos com implicações
particulares. Jogar é percebido como uma prática progressivamente inclusiva; a percepção de
que apenas jovens do sexo masculino se engajam nesse tipo de atividade é refutada quando
olhamos o espectro dos diferentes modos como jogos passam a fazer parte das práticas de
diferentes grupos e contextos.
119

Essa distinção tenta levar em conta fatores particulares dos jogos considerados
enquanto um tipo de mídia interativa, personalizável e modificável por seus jogadores, assim
como pela sofisticação técnica de certas formas que essas práticas tomam e os diferentes
modos de sociabilidade que elas permitem. Jogar jogos cria um espaço deslocado das práticas
e obrigações cotidianas, com seus próprios valores, metas e medidas de desempenho e
permitem a exploração de diferentes identidades em um contexto relativamente seguro.
É nesse sentido e baseado nos dados etnográficos coletados na pesquisa, que Ito e
Bittanti sugerem tipos de práticas que acontecem nos três gêneros de participação delineados
anteriormente. São eles:
“Killing Time”: diz respeito aos momentos que jogar, geralmente de maneira solitária,
preenche as pequenas lacunas do dia e períodos de espera entre acontecimentos e momentos
importantes. Geralmente é o espaço dos jogos casuais de celular e de internet simples,
repetitivos e de baixo impacto.
“Hanging out”: são os gêneros de participação que acontecem quando jogar um jogo
se torna pretexto para um engajamento em forma de sociabilidade ligadas à formação e
reforço de laços de amizade. Nesses casos, mesmo que a interação lúdica seja um componente
importante, ela não é o componente principal, similarmente às formas de sociabilidade ligadas
à música, esportes e outras atividades do tipo. O exemplo principal são videogames
multijogador locais e de fácil aprendizado, que suscitem momentos de interação mais
competitiva com momentos majoritariamente lúdicos. Videogames de dança e esportes
lançados para consoles como o Wii da Nintendo e que utilizam o periférico de captura de
movimento Kinect do Xbox 360, são exemplos particulares das formas de passar tempo juntos
consideradas.
“Recreational Gaming”: quando jogar o jogo se torna o ponto principal da interação
social, seja no contexto de um ambiente de competição entre jogadores ou naqueles onde a
cooperação entre jogadores para superar os desafios que um videogame propõe - como é o
caso em diversos MMORPGs – é aspecto principal da interação, tem-se o que Ito e Bittanti
denominam recreational gaming. Os videogames que promovem essa forma de engajamento
comumente exigem maior dedicação e comprometimento de tempo, atenção e estudo por
parte de seus jogadores e em contrapartida, os retribuem com desafios e oportunidades para
desenvolverem identidades ligadas à perícia, desempenho e virtuosismo num contexto
diferente daqueles de sua vida cotidiana (ITO, 2010b, p.213). Esses contextos se tornam
importantes também como pontos de entrada para outras formas - mais técnica e
midiaticamente complexas - de aprendizagem e compartilhamento de conhecimento.
120

“Organizing and Mobilizing”: Jogadores que se envolvem de maneira intensa com o


jogar de um jogo, comumente acabam por procurar e formar espaços de socialização em
função desse interesse comum. Neles, indivíduos voluntariamente se encontram e organizam -
comumente via guildas, clãs e outras denominações similares – formas mais estruturadas de
participação e colaboração em grupo. Habilidades como liderança, coordenação e trabalho em
equipe são treinados e testados nesses espaços e são fundamentais para o sucesso coletivo dos
envolvidos. Nesse contexto, reputação, pontuação e outras formas de quantificar experiência,
conhecimento e outros mecanismos pelos quais a notoriedade de um jogador é medida de
forma meritocrática por seus pares, são valorizados (ITO, 2010b, p.214). Aqui, o aspecto
competitivo é motivação central e a dedicação de tempo e os recursos técnicos e sociais estão
voltados àquela atividade específica, tornando-a um hobby sério (ITO, 2010b, p.215).
“Augmented Game Play”: Quando jogadores começam a tomar parte em atividades
relacionadas à produção de conhecimento e produção cultural através de jogos ou motivados
por eles, começamos a considerar as implicações desse gênero de participação. Esse
engajamento resulta em uma grande variedade de produções secundárias que incluem sites,
blogs e wikis mantidos por fãs, a escrita e compartilhamento de guias, estratégias, dicas e
cheats e a compilação, compartilhamento e produção de exploits, hacks e mods (ITO, 2010b,
p.220). Ito e Bittanti enfatizam como a maior parte dos jogadores toma contato com esses
trabalhos na forma de consumidores e a produção comumente exige um conjunto de
habilidades e conhecimentos técnicos bastante especializados. Esse tipo de produção
secundária exige um engajamento ativo com o objeto de interesse e com a comunidade de
pares num sentido diferente, que sai do jogo e do jogar em direção a um contexto mais
abrangente da cultura criada ao redor de um jogo.
Esse percurso teórico nos ajuda a contextualizar mais claramente as práticas de
produção criativa com base em videogames como uma pequena parcela do universo de
engajamentos possíveis com mídias e tecnologias que vêm progressivamente ganhando
proeminência. As práticas que nos interessam são ainda mais particulares, por produzirem
artefatos que eles próprios são videogames. No entanto, sua especificidade ao invés de ser um
problema, nos oferece a oportunidade de verificar uma forma particularmente única de
produção criativa e colaborativa que foi desde, pelo menos, os anos 90 levada a sério e
observada atentamente pela indústria. Isso ofereceu a seus produtores um nível de agência
sobre os caminhos e decisões dessa indústria particular que fãs de filmes, séries de televisão,
quadrinhos e outros objetos midiáticos de consumo de massa não possuem.
121

3.1 ENCONTRANDO AS COMUNIDADES DE MODDING

Como discutido anteriormente, se essas formas de apropriação e criação criativa


próprias do fandom existiam antes da popularização nas novas mídias, graças a elas essas
práticas se tornaram ubíquas a ponto de podermos considerá-las uma das características
principais da era digital e um espaço chave para o aprendizado do engajamento crítico com os
objetos midiáticos em suas diversas formas (ITO, 2010b, p. 226).
Quando são discutidas as atividades de apropriação por fãs que utilizam videogames
como tela a produção criativa de artefatos que sejam eles próprios videogames, estamos
falando de uma grande variedade de práticas que muitas vezes se confundem. Ao longo do
capítulo anterior, procuramos distinguir entre certas formas principais, a dizer:
1- O uso de cheats e exploits que permitem a exploração do sistema de jogo para além de
seu funcionamento normal;
2- As diversas formas de hacking, entendido como a exploração não autorizada dos
dados e processos que constituem o sistema de jogo, muitas vezes, motivado pela
curiosidade e pelo interesse em um jogo tanto em seu nível interativo quanto enquanto
artefato digital;
3- O uso de ferramentas especialistas e sistemas de jogos criados especialmente para a
manipulação de seus elementos constituintes pelo jogador, que marcam uma forma
planejada e mais estruturada de permissão e inclusão da modificação e da agência do
jogador sobre o videogame;
4- A divulgação de motores de jogos, conjuntos de ferramentas especialistas que
permitem a integração de dados e processos totalmente novos criados por jogadores,
individual ou coletivamente, ao sistema de jogo e que podem utilizar um conjunto
muito maior e complexo de conhecimentos técnicos, artísticos e de design de jogos
para serem criados;
5- A liberação do código fonte utilizado para criar um dado videogame, o que permite a
exploração total sobre seus dados e processos constituintes, tanto no nível do sistema
de jogo, quanto da arquitetura de software sobre o qual ele se ergue, dando,
potencialmente, a liberdade para a total manipulação e recriação de sua dimensão
experiencial. A prática de liberação de código fonte é tradicionalmente ligada aos
jogos de tiro em primeira pessoa por questões discutidas ao longo das últimas seções
do capítulo anterior, mas não se reduz necessariamente a eles.
122

Por essa variedade de modos é difícil definir precisamente o modding sem que se corra
o risco de ignorar aspectos essenciais da prática. Olli Sotamaa introduz a prática da seguinte
maneira:

Modificações, também conhecidas como mods, são uma intrigante e


duradoura forma de produção de jogadores e tem sido parte essencial dos
jogos de computador pessoal por mais de uma década. Resumidamente,
mods são artefatos digitais que jogadores ávidos projetam ao experimentar
com seus jogos favoritos33 (SOTAMAA, 2008, p.2, tradução nossa).

E em outro artigo:

O desejo de modificar sistemas de computador existentes pode ser traçado


até pelo menos a primeira geração de hackers, que tratavam as primeiras
máquinas como brinquedos e foram responsáveis por programar alguns dos
primeiros jogos de computador modernos. Jogos de computador precursores
foram importantes veículos para aprender a respeito de programação e
entender os potenciais das máquinas. De certa maneira, modificar jogos foi
uma parte orgânica do mundo dos jogadores nesses primeiros dias dos jogos
de computador. (Haddon 1988, Sotamaa 2005). Ainda assim, o fenômeno do
mod como o conhecemos atualmente, está intimamente conectado à
emergência dos jogos de computador online no início dos anos 90. Jogos
como Doom (ID, 1993) introduziram novas formas de jogo baseadas em
rede e formas inteligentes de apoiar o conteúdo criado por jogador.
Simultaneamente, o progressivo aceso à internet e a emergência da World
Wide Web deram nascimento à devotados grupos de fãs34 (SOTAMAA,
2004, p.2, tradução nossa).

Julian Kücklich por sua vez prefere apenas contextualizar a prática historicamente:

Desde o início dos anos 1990, a relação entre a indústria dos jogos digitais e
seus consumidores tem mudado significantemente. Em grande parte isso se
deve à emergência de modificações de jogos de computador, ou modding,
como uma prática cultural disseminada. Enquanto Castle Smufenstein
(1983), uma modificação do clássico Castle Wolfenstein, é comumente vista
como o primeiro mod, o modding não se firmou até depois da publicação do
código fonte de Doom pela id Software em 1997, e o subsequente

33
Modifications, also known as mods, are an intriguing and long-lasting form of player-production and have
been an essential part of PC gaming for over a decade now. In short, mods are digital artefacts that avid gamers
design by tinkering with their favourite games.
34
The urge to modify existing computer systems can be tracked at least back to the first generation hackers who
treated the early machines as they were toys and were responsible for programming some of the first modern
computer games. Early computer games were important vehicles for learning about programming and
understanding the potentials of the machines. In a sense modifying games was an organic part of gamer lifeworld
in the early days of computer gaming. (Haddon 1988, Sotamaa 2005.) Still, the mod phenomenon as known
today is tightly connected to the emergence of online PC gaming in the early 1990’s. Games like Doom (ID,
1993) introduced both new forms of network-based play and clever ways of supporting the gamer-made content
creation. Simultaneously, the increasing access to the Internet and the emergence of World Wide Web gave birth
to devoted fan groups.
123

desenvolvimento de editores de níveis como WorldCraft pelos próprios


jogadores35 (KÜCKLICH, 2005, p.1, tradução nossa).

Hector Postigo, por sua vez, parte da seguinte definição em seu trabalho de estimação
do valor financeiro do trabalho de modders envolvidos em atividades de produção e
distribuição de mods para jogos:

Referidos de maneira geral como modders, fãs-programadores tem


sido mapeados em teorias da “convergência”, onde fãs e produtores estão
convergindo em seus papeis (Jenkins, 2006b). Fãs-programadores formam
comunidades de conhecimento (parte do que Pierre Levy chamou
“inteligência coletiva”) que tem suas ações fundamentadas na cultura
participativa e, por vezes, estão em oposição à natureza voltada à
mercantilização de bens das indústrias culturais (Jenkins, 2006a; Levy,
1997) 36 (POSTIGO, 2007, p.301, tradução nossa).

E mais adiante:

Fãs-programadores que projetam adições [add-ons] a jogos, possuem várias


designações referentes ao que fazem. Modders, por exemplo, fazem
modificações, ou “mods”, a um jogo. Esses mods podem ir de mudanças na
física do mundo virtual a conversões totais na jogabilidade, que podem levar
a mudanças na narrativa e no tipo de jogo. “Mappers”, por outro lado,
especializam-se no design de novos níveis ou “mapas” para um jogo. Nessa
forma de componente adicional, os mesmos personagens e jogabilidade
estão presentes, mas o jogo ocorre em um mundo virtual completamente ou
parcialmente projetado por fãs-programadores. A esses grupos podemos
adicionar “skinners”, que criam novos tipos de personagens e criadores de
armas, que fazem novas ferramentas para serem utilizadas no mundo virtual.
Pelo bem da clareza, me refiro aos pacotes de software criados por fãs-
programadores para jogos, geralmente como adições, usando os termos
mapas, mods, skins e assim por diante, quando falando especificamente a
respeito de um tipo de adição37 (POSTIGO, 2007 p.301, tradução nossa).

35
Since the early 1990s, the relationship between the digital games industry and the consumers of digital games
has changed significantly. To a large extent, this is due to the emergence of computer game modification, or
“modding”, as a widespread cultural practice. While Castle Smurfenstein (1983), a modification of the classic
Castle Wolfenstein, is commonly seen as the first mod, modding did not come into its own until after id
Software’s publication of the Doom source code in 1997, and the subsequent development of level editors such
a s WorldCraft by the players themselves.
36
Recent work by Henry Jenkins and others has brought significant attention to fan-programmers and the
ascendance of the fan in new media consumption and production (Hartley, 2006; Jenkins, 2006c; Taylor, 2006).
Referred to generally as “modders”, fan-programmers have been mapped onto theories of “convergence,” where
fans and producers are converging in their roles (Jenkins, 2006b). Fan-programmers form knowledge
communities (part of what Pierre Levy has called “collective intelligence”) whose actions are informed by
participatory culture and that at times are in opposition to the commodity-driven proprietary nature of the
cultural industries (Jenkins, 2006a; Levy, 1997).
37
Fan-programmers who design add-on components to games have various designations based on what they do.
Modders, for example, make modifications, or “mods,” to a game. These mods can range from changes in the
physics of the virtual world to total conversions in game play that can lead to changes in story line and game
type. Mappers, on the other hand, specialize in designing new levels, or “maps,” for a game. In this form of add-
on, the same game characters and game play are present, but play occurs in virtual worlds entirely or partly
designed by fan-programmers. To these groups we may add “skinners,” who design new types of characters, and
124

David B, Nieborg explorando a cultura dos mods para jogos de tiro em primeira
pessoa, observa que:

Mods são tão diversos quanto existem diferentes jogos de computadores.


Eles podem diferir em tamanho e complexidade e pode fazer pequenos
ajustes ao jogo original ou dar a ele um visual completamente novo38
(NIEBORG, 2005, tradução nossa).

E a seguir:

Por muito tempo, usuários vêm explorando as possibilidades de modificar o


conteúdo e a jogabilidade de jogos”. Os primeiros jogos de computador eram
textos colaborativos, (re) produzidos e (re) distribuídos por seus usuários.
Desde a ascensão das redes de computadores, o etos dessas comunidades
(virtuais) consistiu de usuários encorajando uns aos outros a melhorar e
ajustar novas tecnologias (de jogo) (c.g Castells, 2003; King& Borland,
2003). Olhando para o contexto histórico, no qual os mods para jogos de tiro
em primeira pessoa se originaram (e.g. Au, 2002; Kushner, 2003), existem
muitas respostas à origem do ethos do modding e da comunidade de
modding como ela floresce hoje39 (NIEBORG, 2005, tradução nossa).

Ao longo de todo esse trabalho, procurou-se ecoar e fundamentar, em fatos e


teoricamente, as observações e pistas oferecidas por esses autores e outros. Buscou-se
oferecer a oportunidade para que, ao se chega à discussão específica do modding, não
ocorressem simplificações grosseiras ou a omissão de elementos e casos precursores
importantes para o entendimento correot das dimensões dessa atividade. Nesse trabalho
entende-se o modding apenas como uma das maneiras mais estruturadas e facilmente
identificáveis que as práticas de apropriação e alteração de videogames por fãs tomam. Não
obstante, o objetivo desse capítulo é discuti-lo em maior profundidade.
Todas as definições parecem concordar que o modding é uma prática de modificação
de elementos constituintes de um videogame por seus jogadores. O que e como um mod
realiza essa função pode variar drasticamente: tanto uma pequena modificação nos parâmetros

weapons makers, who make new tools for use inside the virtual world. For the sake of clarity, I refer to software
packages created by fan-programmers for games generally as add-ons, using the terms maps, mods, skins, and so
on when talking specifically about a type of add-on.
38
Mods are as diverse as there are computer games. They can differ in size and complexity and can make little
adjustments to the original game or give a game a complete new look.
39
For long, users have tinkered with the possibilities of modifying the content and gameplay of games. The
earliest computer games were collaborative texts, (re)produced and (re)distributed by their users. Since the rise
computer networks, the ethos of these (virtual) communities consisted of users encouraging each other to
enhance and tweak new (gaming) technologies (c.f. Castells, 2003; King & Borland, 2003). Looking at the
historical context in which FPS mods originated (e.g. Au, 2002; Kushner, 2003), there are many answers to the
origin of the modding ethos and the modding community as it thrives today.
125

que controlam um sistema do jogo, quanto profundas modificações visuais através da


substituição dos modelos e texturas que compõe personagens e ambientes podem mudar
completamente a interação resultante, por razões distintas. Mods atualmente são comumente
produtos da alteração via acesso ao motor de jogo de um determinado videogame, mas essa
não é necessariamente a única forma: historicamente hacks e outras maneiras de alterar
diretamente o código de um jogo também foram utilizadas cara criar mods. Vê-se a partir das
diferentes definições a tentativa de contextualizar a prática do modding e os tipos de artefatos
criados por ela a partir de um entendimento que se estende para além de seu momento de
consolidação durante os anos 90 e está, ao menos inicialmente, fortemente ligado aos jogos de
tiro em primeira pessoa.
A partir das perspectivas oferecidas pelos autores acima citados, é possível apontar as
seguintes características que definem o modding:
São modificações explícitas e propositais a um videogame - criadas de maneira
individual ou coletiva - de graus de complexidade e funcionalidade variável, realizadas por
jogadores entusiastas por meio de aberturas técnicas - intencionais ou não - existentes em um
videogame enquanto software e que modificam a experiência de interação do jogador, de
maneira não planejada por seu desenvolvedor, ao alterar dados e/ou processos componentes
do sistema de jogo.
A definição posta dessa maneira não exclui certas formas de hacking e de
modificações diretamente sobre o código fonte, o que teoricamente abre qualquer jogo como
alvo para atividades de modding. Não obstante, o modelo no qual o motor de jogo e
ferramentas auxiliares são disponibilizados livremente pelo estúdio desenvolvedor e em
seguida a comunidade, toma a responsabilidade de incrementar e/ou substituir essas
ferramentas por criações próprias parece ser o mais bem sucedido, se não o mais comum.
Apesar do modding não ser uma atividade exclusivamente realizada por comunidades
dedicadas a FPSs, foi nessas comunidades que o sucesso e o apelo dessas modificações feitas
por fãs se espalhou rapidamente e atraiu com maior intensidade a atenção dos
desenvolvedores de jogos. Ambos, modders e desenvolvedores, perceberam os benefícios e
oportunidades que surgem quando sua relação é mais estreita.
Durante o restante desse capítulo, com base nos trabalhos dos autores citados acima,
discute-se quatro pontos principais: o que motiva indivíduos a participarem desse tipo de
comunidade, as contradições levantadas pelo trabalho gratuito de modders, as oportunidades
para a inovação tecnológica e de design de jogos resultantes dessa atividade e que formas a
profissionalização desses amadores toma.
126

É importante enfatizar, contudo, que o modding é apenas uma forma entre outras pela
qual a atividade de produção criativa sobre videogames acontece, não sendo necessariamente
melhor ou mais avançada que as discutidas ao longo capítulos anteriores. Comunidades de
pessoas envolvidas nesse tipo de atividade criativa já existiam de forma fragmentada e menos
expressiva quando pensamos em MUDs – e suas variações – e nas trocas de arquivos com
modificações a jogos, seja via hacks, ferramentas especialistas ou acesso ao código fonte,
como foram os casos de Castle Smurfenstein, os níveis e mesas criados em Lode Runner e
Pinball Construction Set respectivamente, e as diversas versões e variantes de jogos como
Adventure/Colossal Cave e Dungeon que circularam pelas primeiras redes de computador à
procura de alguém para jogá-los.
Além disso, é preciso reforçar que videogames de outros gêneros também possuíram
aberturas similares para que atividades de modding surgissem e se desenvolvessem,
agregando verdadeiras comunidades de jogadores e criadores ao redor deles. Warcraft II:
Tides of Darkness (Blizzard Entertainment, 1995), Warcraft III: Reign of Chaos (Blizzard
Entertainment, 2002), StarCraft (Blizzard Entertainment, 1998), StarCraft II (Blizzard
Entertainment, 2010), Age of Empires II: The Age of Kings (Ensemble Studios, 1999), Age of
Mythology (Ensemble Studios, 2002), Age of Empires III (Ensemble Studios, 2005) são
apenas alguns dos exemplos possíveis de videogames de estratégia em tempo real que
possuem ferramentas para a edição e criação de mapas, missões e unidades. Videogames de
estratégia por turnos como Civilization II (MicroProse, 1996), Civilization III (Firaxis Games,
2001), Civilization IV (Firaxis Games, 2005) e Civilization V (Firaxis Games, 2010)
acolheram as práticas de modding, assim como, Crusader Kings (Paradox Interactive, 2004) e
Crusader Kings II (Paradox Interactive, 2012) que apresentam ferramentas como editores de
mapas, civilizações e outros parâmetros importantes ao sistema de jogo. Séries de videogames
de RPG como Neverwinter Nights (BioWare, 2002) e Neverwinter Nights 2 (Obsidian
Entertainment, 2006), Elder Scrolls, composta por Elder Scrolls: Daggerfall (Bethesda
Softworks, 1996), Elder Scrolls: Morrowind (Bethesda Softworks, 2002), Elder Scrolls:
Oblivion (Bethesda Softworks, 2006) e Elder Scrolls: Skyrim (Bethesda Softworks, 2011),
ofereceram a seus jogadores complexos e podersos motores de jogo. SimCity 2000 (Maxis,
1994), SimCity 3000 (Maxis, 1999) e especialmente SimCity 4 (Maxis, 2003), possuem
ferramentas para edição e criação de edifícios e a franquia de esmagador sucesso comercial
The Sims, em particular The Sims (Maxis, 2000), The Sims 2 (Maxis, 2004) e The Sims 3 (The
Sims Studio, 2009).
127

Em relação a esses outros casos, alguns muito bem sucedidos, podemos diferenciar os
FPSs com base principalmente no caráter precursor, na escala de produção e na maturidade
das comunidades de modders que surgiram ao redor deles e também pelo fato de alguns dos
mods criados por elas terem se tornado eles próprios videogames de sucesso comercial. Por
esses motivos, a maior parte dos exemplos utilizados ao longo desse trabalho está ligada aos
FPSs, mas é importante enfatizar que não são os únicos casos.

3.2 O MODDER EM FOCO

Hector Postigo (POSTIGO, 2007) investigou a produção de “fãs-programadores” para


o videogame FPS Battlefield 1942 (Digital Illusions CE, 2002). Battlefield 1942, como o
nome sugere, tem como temática os conflitos militares ocorridos durante a Segunda Guerra
Mundial e como foco seu aspecto multijogador: no jogo é exigido que cada participante
escolha uma “classe de infantaria”, com habilidades específicas, entre batedor, assalto,
antitanque, médico e engenheiro e é possível pilotar veículos terrestres, aéreos e aquáticos.
Ambos esses aspectos exigem particularmente das habilidades de decisão e coordenação do
grupo. Por meio de entrevistas feitas com membros de equipes de modding para o videogame,
Postigo (POSTIGO, 2007, 309-310) identificou três motivações principais para a participação
desses indivíduos nesse tipo de atividade:
• Criar mapas, skins, mods e outras formas de incrementos servem como
válvulas de escape criativas que permitem a contribuição a um projeto de valor
estético que lhes é caro.
• Modding permite maior identificação com o videogame e, consequentemente,
aumenta o prazer em jogá-lo. Dentro dessa comunidade um tipo de
modificação frequente nesse sentido é a inclusão de uniformes, equipamentos e
veículos que foram utilizados pelas forças armadas do país do modder ou a
criação de mapas que recontem parte do conflito que ocorreram nele.
• Oportunidade de aprender e ganhar experiência em um conjunto de habilidades
que permitam adquirir um emprego na indústria dos videogames.

Ao pesquisar as práticas da comunidade de criadores de mods estabelecidas ao redor


de outro videogame, Operation Flashpoint: Cold War Crisis (Bohemia Interactive Studio,
2001), Olli Sotamaa identificou diferentes categorias de engajamento. Operation Flashpoint é
conhecido pela sua temática militar contemporânea e jogabilidade que busca simular situações
128

de combate de maneira realista. Como a maior parte dos videogames FPS que vimos até
agora, o apelo maior e mais duradouro está ligado à experiência multijogador que ele
proporciona.
Sotamaa (SOTAMAA, 2004, p.7-9) sugere classificar as motivações para a
participação dos modders estudados nessa comunidade em cinco agrupamentos principais,
mas que podem sobrepor-se:
a) Jogar: a motivação principal desses indivíduos é melhorar ou modificar algum
elemento do jogo para tornar sua experiência mais significativa.
b) Hacking: o interesse principal está relacionado à exploração do funcionamento interno
do videogame e seus processos computacionais. A investigação do videogame
enquanto software e a manipulação de seus elementos técnicos são atividades comuns.
c) Pesquisa: encontram fontes documentais e visuais que ajudem à construção de uma
simulação mais fidedigna, em especial no que diz respeito à veracidade e minúcia dos
elementos militares criados pela comunidade.
d) Trabalho artístico: a experiência da criação é o melhor que o modding tem a oferecer.
O videogame serve como meio para a expressão de modder e a motivação pode variar
da puramente estética até a mais política.
e) Cooperação: visitar as páginas dedicadas à atividade e participar em projetos coletivos
se torna uma forma importante de sociabilidade com pares, indivíduos que possuem
com interesses e afinidades similares. Quanto maior e mais ambicioso um projeto de
mod, maior a necessidade de habilidades sociais para administrar e motivar aqueles
envolvidos.

A primeira coisa que podemos perceber é que existem motivações diferentes para se
participar de comunidades interessadas na prática do modding, algumas antagônicas, como o
caso daqueles que fazem parte por motivos puramente amadores e aqueles que fazem uso da
oportunidade para se prepararem para o ingresso numa desejada posição na indústria dos
videogames. Nas duas análises podemos perceber que a noção de apropriação de um objeto
midiático para modificá-lo e torná-lo algo mais significativo para seu usuário é uma temática
comum ao modding da mesma forma que é a outros fandoms. O modding também consiste em
uma atividade prazerosa que permite a interação com pares que compartilham daquele
interesse, servindo como um espaço de sociabilidade especial onde conhecimentos e
habilidades específicas de cada membro do grupo podem encontrar uso e valorização.
129

Se os modders são um grupo heterogêneo dedicado a diferentes projetos e atividades


dentro da comunidade, ainda existe uma identificação coletiva que permite que a troca de
conselhos, tutoriais e opiniões aconteça de maneira - que se por vezes conflituosa - produtiva
e colaborativa. O retrabalho e a utilização de modificações criadas por outros em seu próprio
projeto, a colaboração para realizar algo que beneficie a comunidade como um todo e a
prática de baixar, testar e oferecer listas de sugestão e dificuldades encontradas ao utilizar o
mod criado por terceiros não são incomuns, segundo Sotamaa (SOTAMAA, 2007, p.9).
Do ponto de vista mais específico, comunidades de modding se organizam a fim de
criar modelos (tridimensionais), texturas, skins, mapas, scenarios e missões, total
conversions, etc., artefatos digitais que exigem conhecimentos técnicos específicos em
modelagem tridimensional, programação, no uso das ferramentas e funcionalidades do motor
de jogo sendo utilizado e em design de jogos. É importante retomar a discussão do segundo
capítulo e reforçar que essa produção cultural dos modders não está necessariamente ligada à
contestação e subversão da ideologia incorporada no objeto midiático original.
A aquisição desses conhecimentos e a troca de ideias e informações a respeito das
melhores formas de realizar certos projetos são discussões comuns nesse gênero de
participação e cada um de seus membros traz à mesa sua própria contribuição para a
comunidade. Essas habilidades são valorizadas conforme elas contribuem para a riqueza do
conteúdo, que é eventualmente produzido e o nível de comprometimento dos membros mais
ativos de uma comunidade é geralmente alto.

Essa forma de lazer produz prazeres incomuns e recompensas sociais


significativas para seus participantes. A esse respeito modding compartilha
características com outros hobbies que permitem pessoas a engajarem-se em
comportamentos análogos à trabalho em ambientes não coercitivos (Gelber,
1999). Como Kücklich (2005) argumenta, modders compartilham também
de algumas características encontradas em trabalhadores voluntários, o
modding não é, ao menos diretamente, motivado por razões financeiras.
Trabalho voluntário é, no entanto, largamente restrito a projetos sem fins
lucrativos e, portanto, sugerem valores particularmente diferentes se
comparado aos da indústria do videogame, altamente competitiva e voltada
aos lucros40 (SOTAMAA, 2007, p.5-6, tradução nossa).

40
This form of leisure produces uncommon pleasures and significant social rewards for its participants. In this
regard modding shares characteristics with other hobbies that permit people to engage in work like behaviour in
noncoercive environments (Gelber, 1999). As Kücklich (2005) argues modders share some traits with voluntary
workers as well, as modding is not at least directly financially directed. Voluntary work is, however, largely
limited to non–profit oriented projects and therefore indicates rather different values compared to the highly
competitive and profit–oriented games industry.
130

É justamente nessa interseção entre fandom e indústria que surgem alguns dos
elementos particulares e em alguns casos mais conflituosos, do modding, como será discutido
a seguir.

3.3 PROFISSIONALIZAÇÃO E PLAYBOUR

Se para jogadores entusiastas o modding é uma maneira de alterar significativamente a


experiência proporcionada pelo videogame, para os estúdios de desenvolvimento de
videogames essa atividade resulta em uma série de benefícios financeiros diretos e indiretos,
como será apontado ao longo dessa seção. Apesar de oportunidades interessantes que surgem
dessa aproximação entre fãs e indústria, uma análise crítica que considere a desigualdade no
poder de decisão e na agência desses atores parece crucial.
Em uma indústria cada vez mais avessa ao risco devido aos custos de desenvolvimento
progressivamente mais altos, esse trabalho gratuito de entusiastas se torna cada vez mais
importante. Por outro lado, o fardo sobre esse esforço de inovação, os riscos envolvidos e as
dificuldades de se desenvolver algo que possua apelo suficiente para criar uma primeira massa
de interessados recai sobre os modders.
Quando considera-se o trabalho não remunerado de modders, mas que é utilizado para
fins comerciais por terceiros, temos uma relação de trabalho precarizada que Kücklich, via
autores como Tiziana Terranova, propõe denominar “playbour”. Terranova considera o “free
labour” – trabalho gratuito/livre - um dos desdobramentos particulares do trabalho digital
indicam como a exploração capitalista do trabalho pode acontecer na economia digital.
“Simultaneamente voluntariamente dado e não assalariado, desfrutado e explorado, o trabalho
gratuito/livre na internet inclui a atividade de construir páginas, modificar pacotes de
software, ler e participar de listas de discussão e construir espaços virtuais em MUDs e
MOOs.” (TERRANOVA, 2000, p. 33). A crescente dificuldade em distinguir consumidores e
produtores ajuda a confundir as relações de alienação do trabalho na economia digital,
“caracterizada pela emergência de novas tecnologias e novos tipos de trabalhadores”
(TERRANOVA, 20000, p.36).
Esse trabalho cultural e técnico aproveitado gratuitamente por terceiros é alvo de um
olhar crítico, pelo qual Kücklich percebe as contradições inerentes das atividades produtivas
de jogadores, em especial o modding. O playbour caracteriza-se como uma forma de trabalho
não pago, que se utiliza do pretexto de que o modding por ser uma atividade feita no tempo
131

livre como uma forma de lazer ou simplesmente como uma extensão do jogar, não possuiriam
valor intrínseco.
Se for verdade que para parte dos envolvidos não existe uma motivação financeira
para suas atividades e mesmo para aqueles que possuem um interesse explícito em adquirir
experiência e qualificações para um emprego na indústria dos videogames a atividade seja
prazerosa, os benefícios retirados pelos estúdios dessa atividade estão ligados, implicitamente,
a uma desqualificação do valor existente nelas. Por outro lado, existe a prática de contratação
por estúdios de modders já familiarizados com as etapas do processo de desenvolvimento de
um videogame e que já possuam o conhecimento técnico para serem produtivos com as
ferramentas disponíveis. A experiência em atividades de modding no portfólio é um
importante diferencial para futuros funcionários, em especial porque oferece funcionários
melhores e mais baratos (AU, 2002; SOTAMAA, p.115).
Ao longo da exposição seguinte, tenta-se reforçar questões levantadas durante a
argumentação de Kücklich, a fim de contrabalancear o discurso oficial de estúdios de
desenvolvimento que se utilizam do trabalho não remunerado de seus fãs.
Dois trechos de entrevistas com representantes de estúdios de desenvolvimentos para a
publicação online especializada, GameSpy, ilustram bem a percepção da indústria em relação
ao modding. Em primeiro lugar, Chris Taylor durante promoção de Dungeon Siege (Gas
Powered Games):

GameSpy: Por que foi importante para vocês liberarem as ferramentas de


edição para Dungeon Siege? Vocês também fizeram muito para apoiar toda a
comunidade de modding através da Siege University.
Chris Taylor: Muito desse desejo vem de nossa experiência trabalhando
com Total Annihilation. Nós aprendemos que uma grande comunidade pode
projetar um jogo a novos níveis de diversão e torna-lo em algo maior do que
qualquer um poderia pensar que ele seria. Nós achamos essa ideia muito
animadora e de muitas maneiras, sentimos que esse é o caminho do futuro.
Imagine só, pessoas de todo o mundo trabalhando juntas em times para criar
fantásticas novas aventuras, estórias, personagens... As possibilidades são
infinitas e esse é só o começo!41 (HARRIS, 2002).

E Cliff Bleszinski durante promoção de Unreal Tournament 2004 (Epic Games,


2004):

41
GameSpy: Why was it important for you guys to release editing tools for Dungeon Siege? You've also done a
lot to support the entire modding community through Siege University.
Chris Taylor: Most of this drive comes from our experience working on Total Annihilation. We learned that a
great community could propel a game to new levels of fun and turn it into more than anyone thought it could be.
We found this idea to be very exciting, and in many ways, feel it is the way of the future. Imagine, people all
over the world working together on teams to create fantastic new adventures, stories, characters ... the
possibilities are endless, and this is just the beginning!
132

GameSpy: Existem muitos jogos FPS sendo lançados em março. O que


UT2004 vai fazer que os outros jogos não? O que faz UT2004 tão especial?
Cliffy B: UT2004 não é apenas um jogo, é uma plataforma. Ao comprar esse
jogo (razoavelmente em conta) você estará ganhando acesso não apenas à
uma das mais ricas “caixas de brinquedos” em forma de jogo já criadas, você
estará abrindo o caminho à centenas de mods criados por usuários e milhares
de níveis criados por usuários. Nós estamos apenas arranhando a superfície
aqui e com eventos como o $1, 000,000 NVIDIA Make Something Unreal
Contest, o futuro é ainda mais promissor42 (BOWEN, 2004).

Em ambas as citações é possível perceber o tom claramente favorável desses porta-vozes de


seus produtos e a importância dada ao discurso de que o modding está sendo promovido e
integrado às políticas do estúdio. É razoável supor que, ao menos em parte, a intenção desse
discurso é angariar a lealdade de fãs dedicados e de cujo trabalho pode surgir modificações e
inovações que agreguem valor à propriedade intelectual do estúdio do qual fazem parte.
Para estúdios de desenvolvimento é importante ter uma noção clara dos talentos e dos
projetos promissores sendo produzidos pela comunidade, pois são atividades que podem gerar
oportunidades financeiras importantes, como alguns dos casos citados acima exemplificam.
Para exercer essa função, diversas empresas contratam community managers
(“administradores da comunidade”) que participam dos fóruns de discussão, visitam as
páginas mantidas por fãs, testam projetos promissores e fazem a ponte como relações públicas
da empresa (SOTAMAA, 2005, p.4).
Por seu lado, estúdios que incentivam o modding comumente produzem material de
ensino das ferramentas e técnicas necessárias, hospedam e administram páginas na internet
para divulgação de eventos e fóruns de discussão a respeito do videogame nos quais tutoriais
e guias são compartilhados. Em alguns casos vemos iniciativas como o caso da “Siege
University”, citada em uma das entrevistas acima e da “Unreal University” (NIEBORG,
2005).
Outra estratégia comumente utilizada por estúdios para mais facilmente identificar os
projetos nos quais prestar atenção e para gerar publicidade sobre os feitos da comunidade é a
promoção de concursos e premiações (SOTAMAA, 2005, p.6). Essas competições podem
oferecer prêmios de valor significativo, ofertas de emprego para membros das equipes ou a
publicação do mod como um videogame pelo estúdio. A segunda citação termina indicando a

42
GameSpy: There are a lot of FPS games shipping in March. What does UT2004 do that the other games don't?
What makes UT2004 so unique?
Cliffy B: UT2004 is not just a game, it's a platform. By purchasing this (reasonably priced) game you're going to
not only have access to one of the deepest game "toyboxes" ever, you're going to unlock a gateway to hundreds
of great user-made mods and thousands more user-created levels. We've only scratched the surface here, and
with events such as the $1,000,000 NVIDIA Make Something Unreal Contest, the future is even brighter.
133

realização de um desses concursos, “Make Something Unreal”, patrocinado pela Epic Games
com o apoio da fabricante de placas de vídeo – componente essencial para o bom desempenho
gráfico de videogames - para computador NVIDIA.
Esse tipo de competição, para Sotamaa, é uma das formas como estúdios acabam por
enfraquecer o discurso de que o modding é uma atividade puramente prazerosa exercida por
fãs e deixam claras as intenções comerciais por trás desta relação. Os projetos vencedores
desse tipo de competição, mais ambiciosos e complexos, são geralmente produto do trabalho
de equipes organizadas e que se profissionalizam para viabilizar sua realização (SOTAMAA,
2003, p.21-22). Ora, se esse é o caso, como poderia o modding ser apenas atividade de lazer e
motivada por imperativos estéticos e sem fins lucrativos? Diferentes motivações existem em
paralelo e ao preferir não distinguir entre elas em seu discurso oficial, estúdios estão de
maneira indireta desvalorizando a importância desse trabalho não pago ao mesmo tempo em
que colhem seus melhores frutos.
Parte substancial das atividades modding discutidas aqui é realizada com base em
ferramentas e tecnologia - em especial os motores de jogo e editores de mapa - livremente
disponibilizadas pelos desenvolvedores dos videogames originais. De um ponto de vista
financeiro, essa liberação voluntária faz sentido, já que para que um mod funcione é preciso
que haja uma versão pré-instalada do videogame original no computador de quem o baixa43.
Em jogos nos quais o modding é planejado e ferramentas são cedidas pelo estúdio
desenvolvedor, segue-se disso a aceitação e cumprimento por parte dos modders de regras de
uso descritas em acordos de uso comumente denominados “end user license agreement”
(EULA). Esses acordos variam em formato e conteúdo conforme o interesse específico de
cada estúdio, mas sempre procuram proteger a propriedade intelectual de usos considerados
indevidos por seus proprietários. Tradicionalmente, esses acordos ditam que produtos
derivados – entre eles os diferentes tipos de mods - não devem exigir retribuição financeira de
seus usuários finais.
Sotamaa (SOTAMAA, 2003), ao estudar a produção de fãs para os jogos da série
Quake, ressalta dois trechos do acordo que exemplificam bem a situação:

43
Quando falamos da prática do modding que não é permitida ou intencional, como frequentemente acontece
quando falamos de mods criados através de hacks e ferramentas desenvolvidas para “quebrar” as proteções do
videogame original a fim de modificar seus dados e processos, os modders correm o risco frequente de terem
suas modificações barradas pela ameaça de processos por parte dos detentores dos direitos sobre a propriedade
intelectual que está sendo utilizada de maneira “indevida” por eles. Essa prática comumente toma a forma do
contato formal por representantes legais dos estúdios via notificações de “cease and desist” (C&D) contra
membros do projeto de modificação em questão.
134

Id Software oferece a você o direito não exclusivo e limitado de criar para o


Software (exceto qualquer código de Software) suas próprias modificações
(as “Criações Originais”) que deverão operar somente com o Software (mas
não com qualquer versão de demonstração, de teste ou outra do Software)
(SOTAMAA, 2003, p.23).

E o trecho referente às criações originais:

Você não deverá alugar, vender, financiar, emprestar, oferecer com base em
um acordo de pagar por vez jogada ou de outra maneira, explorar
comercialmente ou distribuir comercialmente as Criações Originais. Você é
liberado apenas a distribuir, sem qualquer custo ou cobrança, as Criações
Originais para outros usuários finais, contanto que tal distribuição não
infrinja contra quaisquer direito de terceiros e não seja de outra maneira
ilegal ou ilícita. Basicamente, o desenvolvimento de modificações é apoiado,
mas apenas até onde o conteúdo amador não entra em conflito com os
interesses comerciais de companhias44 (SOTAMAA, 2003, p.23).

Aceitar tais “demandas” depende exclusivamente do modder, mas quando falamos de


comunidades de fãs - especialmente daquelas que trabalham proximamente aos criadores
originais – em especial aquelas que se organizam ao redor de canais oficiais sob a vigilância
constante de representantes do estúdio em questão, os incentivos para aceitá-las são
particularmente grandes. Além disso, mesmo quando o acordo permite que o modder exija
pagamento pelo uso de suas criações por terceiros, o estúdio detentor dos direitos sobre o
videogame original ainda assim é beneficiado na transação indiretamente pelo simples fato de
seu videogame ser requisito para que o mod funcione.
Uma comunidade de modders ativa pode garantir uma vida mais longa ao produto
oficial e incrementar a proposição de compra graças quantidade de produtos derivados ao qual
um jogador terá acesso gratuitamente caso o adquira. Mods populares ajudam estúdios a
perceberem tendências e entenderem melhor o gosto de jogadores, informações que podem
ser usadas na promoção e ditar mudanças nos rumos e no foco de projetos futuros. Além
disso, mods bem sucedidos servem como ótima plataforma para a verificação do apelo de
certas ideias de design e criam de maneira gratuita uma marca reconhecível por jogadores. Em
certo sentido, a atividade dos modders está, de maneira gratuita e voluntária, servindo de
espaço para a criação e desenvolvimento de inovações tecnológicas e de design de jogos que
poderão ser facilmente transformadas em videogames comerciais e consequentemente retorno
financeiro para quem estiver atento à produção dessas comunidades.
44
You shall not rent, sell, lease, lend, offer on a pay-per-play basis or otherwise commercially exploit or
commercially distribute the New Creations. You are only permitted to distribute, without any cost or charge, the
New Creations to other end-users so long as such distribution is not infringing against any third party right and is
not otherwise illegal or unlawful. Basically, the development of modifications is supported, but only as far as the
homemade contents do not conflict with the commercial interests of the companies
135

3.4 INOVACÃO

Grande parte dos mods produzidos na comunidade estudada por Postigo possuem
complexidade e escopo limitados e são produzidos de maneira solitária. Esses mods são
criados por jogadores que desejam adicionar novas dimensões aos jogos que lhe são caros e
tendem a ser projetos menos ambiciosos e realizados de maneira verdadeiramente amadora
(POSTIGO, 2003, p. 305). Sotamaa encontra situação similar em seu estudo (SOTAMAA,
2003). Uma verificação rápida na produção de comunidades voltadas a outros jogos parece
confirmar a tendência.
Apesar disso, certos mods que realizam mudanças aparentemente pequenas e pontuais
nos gráficos e jogabilidade podem ser extremamente populares por facilitarem determinadas
ações ou minimizarem pequenos pontos negativos da experiência original. Descrevendo os
mods em World of Warcraft, que são restritos a alterações na interface gráfica do jogo, Bonnie
Nardi e Janis Kallinikos apontam que eles podem “reduzir o esforço, fazer partes invisíveis do
jogo visíveis, ajudar jogadores a se coordenarem e capturarem aspectos importantes da
história construída pelo jogador” (NARDI & KALLINIKOS, 2010, p.9). Além disso, esses
mods permitem ao jogador expressar suas preferências pessoais e personalizar sua
experiência. No caso desses mods os jogadores não buscam criar um novo jogo ou modo de
jogo, mas encontrar meios pelos quais tornar a interação lúdica mais agradável.
Do outro lado do espectro temos os mods de total conversion, geralmente
desenvolvidos por equipes amadoras organizadas por membros de uma comunidade de
modders. Essas “conversões totais” são o tipo mais complexo de mod: podem combinar
elementos audiovisuais (modelos, texturas, efeitos e trilha sonoros, etc.), mapas ou níveis,
temas, narrativa e regras novos, e procuram transformar completamente a experiência original
do videogame. Um processo de profissionalização dessas equipes, ao menos do ponto de vista
organizacional e no comprometimento de tempo e energia colocados por seus membros,
também qualificam a diferença entre total conversions e outros tipos de mods.
Se as motivações dos modders variam do interesse puramente amador ao objetivo
claro de utilizar essa experiência como porta de entrada na indústria (POSTIGO, 2003, p.310),
um fato que é inegável é a inventividade e a tendência a inovações dos projetos mais
populares.
136

Total conversions particularmente populares podem ser a causa principal para a


compra do videogame original já que são distribuídas gratuitamente por seus criadores e
necessitam do jogo original para funcionarem. Apesar de ser um ótimo videogame por si
mesmo, Half-Life (Valve Software, 1998) estendeu seu apelo e sucesso grandemente pelo fato
de sua desenvolvedora acolher diversos projetos da comunidade: Team Fortress Classic, Day
of Defeat, Natural Selection e Counter-Strike são apenas algumas das franquias de
videogames que começaram sua existência como mods para ele.
Conter-Strike é o exemplo clássico dessas “histórias de sucesso”. Tendo seu
desenvolvimento iniciado em 1999 e inicialmente um projeto de mod para Half-Life liderado
por dois desenvolvedores amadores: Mihn “Gooseman” Le e Jess “Cliffe” Cliffe e seu time,
Counter-Strike altera completamente o videogame original e oferece diversas inovações em
design de jogos que marcariam o gênero, em especial os FPS competitivos, se tornando um
dos mais celebrados e conhecidos. Ao invés de um cientista que precisa escapar dos horrores
liberados em um laboratório de pesquisa, os jogadores são divididos em dois times –
terroristas e antiterroristas - com objetivos antagônicos e colocados em um mapa repleto de
possíveis estratégias. Tanto a temática e os elementos audiovisuais foram construídos pela
equipe, quanto grande parte do balanceamento das armas disponíveis e os modos de jogo
também foram sendo ajustados através de um processo iterativo entre modders e comunidade
de jogadores.
O sucesso de Counter-Strike, graças em grande parte a seu apelo multijogador
competitivo, fez com que o jogo original fosse comprado apenas para que se pudesse instalar
e jogar mod. Percebendo o talento da equipe e o valor comercial do videogame criado por ela,
a desenvolvedora do jogo original, Valve, convidou o time de amadores a ser integrado ao
estúdio a fim de desenvolver uma versão standalone (NIEBORG, 2008, p. 178).
Mais recentemente, Arma II (Bohemia Interactive), sequência oficial de Operation
Flashpoint, citado anteriormente, teve aproximadamente trezentas mil cópias vendidas em
grande parte pelo lançamento de DayZ em 2012, um mod lançado quase três anos após o
lançamento oficial do videogame (USHER, 2012). DayZ utiliza o motor de jogo e suas
funcionalidades para criar uma experiência de jogo marcadamente diferente daquela do
videogame original. Se em Arma a ênfase está no realismo da simulação militar e na
exigência de coordenação e habilidade em grupo, DayZ coloca todos os jogadores em uma
grande partida todos contra todos num futuro pós-apocalíptico onde o maior objetivo não é
eliminar todos os seus adversários, mas acumular mantimentos e equipamentos escassos
espalhados pelo mapa e sobreviver o máximo de tempo possível.
137

DayZ e seus desenvolvedores quase imediatamente foram contratados para a criação


de uma versão comercial do mod. A versão “early access” – na prática uma versão de testes
provisória e inacabada - lançada em 16 de dezembro de 2013 já vendeu mais de um milhão de
cópias (PITCHER, 2014).
Ambos esses casos são apenas exemplos particularmente bem sucedidos das
oportunidades econômicas que a liberação de ferramentas e aberturas tecnológicas à
intervenção e criação por consumidores pode gerar. Se for verdade que os maiores riscos e
custos desse tipo de produção recaem sobre os modders, por outro lado é preciso considerar
que esse tipo de inovação somente é possível quando indivíduos dispostos a arriscarem são
capazes de produzir algo concreto.
Modders enquanto fãs engajados com um objeto midiático em particular estão em uma
posição privilegiada para inovar, mas é apenas graças ao conjunto de funcionalidades do
sistema de jogo oferecido pelos estúdios que eles são capazes de realisticamente realizar seus
objetivos.
138

CONCLUSÃO

Buscou-se ao longo desse trabalho contextualizar algumas das diversas maneiras que a
produção criativa por jogadores de videogames pode acontecer. Entendeu-se os videogames
como um dos diversos objetos midiáticos que compõe a cultura popular de massa, essa
entendida como guiada pelos interesses econômicos dos grandes conglomerados que
controlam as indústrias midiáticas, entre elas a dos filmes, televisão, música e os próprios
videogames. Não obstante essa origem, buscou-se demonstrar através de Jenkins e outros
autores, como as chamadas novas mídias e a progressiva expansão no uso de plataformas
tecnológicas digitais progressivamente aproximam consumidores de uma situação de maior
agência sobre esses objetos. A convergência digital opera de maneira que detentores de
propriedades intelectuais e consumidores entusiastas passam progressivamente a travar algum
diálogo, seja porque isso traz benefícios econômicos ao primeiro ou porque o segundo é capaz
de articular-se coletivamente para ter sua opinião ouvida.
O papel dos fãs e das comunidades de discussão e produção criativa formadas por eles
ao redor de objetos midiáticos de massa como séries de filme, televisão e livros foram
inspiração direta para o tratamento que as comunidades formadas ao redor de diversos
videogames foram consideradas ao longo do trabalho.
No caso específico dos videogames, procurou-se em estabelecer o panorama geral dos
gêneros de participação relevantes através do trabalho de Mizuko Ito e sua equipe de
pesquisadores, assim como, tentamos explorar como aspectos culturais são elementos
constituintes integrais de se jogar um jogo e das experiências que ele proporciona.
A maior parte dos consumidores tem pouco interesse em exercer alguma agência sobre
o objeto de seu entusiasmo e isso é verdade também para videogames; apesar desses serem
inerentemente compostos por sistemas interativos, poucos são os casos nos quais é exigido do
jogador pensar e agir para além do círculo mágico que o jogo inscreve ao seu próprio redor.
Videogames que possuem, seja por design intencional ou graças à engenhosidade de
jogadores detentores dos conhecimentos técnicos necessários, a capacidade de serem
modificados ou serem utilizados como sistemas para a criação de outros jogos, perfazem o
interesse desse trabalho.
O trabalho procurou mostrar como o meio digital no qual os videogames existem e
certas qualidades intrínsecas deles enquanto jogos, a dizer sua natureza sistêmica e
transmidiática, permitem formas de apropriação e criação derivadas particularmente únicas.
Procurou-se também indicar com diversos exemplos considerados historicamente relevantes,
139

como essas características possibilitaram diferentes formas de intervenção criativa sobre os


videogames, partindo-se de sua situação híbrida entre código de computador e sistema de
regras que apenas possui significância graças a seu jogador. Essa dimensão dupla do
videogame o torna um exemplo particularmente interessante para pensar as atividades de
apropriação e modificação exercidas por entusiastas e como elas são utilizadas a fim de criar
experiências não planejadas por seus criadores originais.
Ao longo especialmente do segundo capítulo, discutiu-se como aberturas intencionais
ou não por parte de desenvolvedores permitiram que o contexto cultural afetasse e fosse
afetado pela experiência da interação lúdica. Cheats, hacks, exploits, ferramentas de diversos
tipos incluídas com os videogames e mesmo o acesso ao código fonte que constitui seus
processos foram as maneiras que jogadores utilizadas para tal fim discutidas ao longo do
trabalho.
Com base em diversos exemplos, demonstrou-se o percurso tortuoso, mas repleto de
exemplos, de como essas atividades de apropriação criativa acompanharam o
desenvolvimento da indústria dos videogames desde o início e como a partir dos anos 90, com
videogames como Doom e Quake, temos a popularização de uma forma específica de
intervenção criativa sobre os videogames: o modding.
Acredita-se pelos motivos expostos ao longo do texto, que o modding é uma forma
particular e interessante de produção que, se é ainda refém das contradições entre capital e
trabalho gratuito/livre expostas por Terranova e Kücklich, está sob o controle de fãs que,
coletivamente, constroem uma comunidade de conhecimento.
O modding é entendido como uma das muitas formas que a participação motivada por
interesse que encontra na internet o espaço predileto para que entusiastas de diferentes locais,
por meio do debate e troca de opiniões e informação, gere conhecimento de maneira coletiva.
Além disso, o interesse financeiro, direto e indireto, de estúdios de desenvolvimento sobre
essa atividade, seus participantes e os produtos derivados dela, colocam o modding e a
indústria dos videogames em uma situação particular e que deve ser estudada mais a fundo se
quisermos entender alguns dos desdobramentos da convergência midiática e como ela pode e
está afetando a cultura e a economia contemporâneas.
Nos últimos anos, parte da atenção que antes era direcionada ao modding pela
indústria e canais de divulgação têm sido colocada sobre o desenvolvimento “indie”. Da
mesma maneira, diversas empresas vêm ao longo dos últimos anos ganhando proeminência,
não por lançarem videogames acompanhados por ferramentas e tecnologia para a produção de
140

modificações, mas por produzirem e distribuírem exclusivamente ferramentas para o


desenvolvimento de videogames para prospectivos designers de jogos.
Unreal Development Kit, citado no trabalho, e outros motores de jogo que não
dependem de um jogo base como Unity45, GameMaker46, Stencyl47, etc., proprietários, mas
distribuídos gratuitamente, têm como propósito oferecer todo o suporte para a criação de
videogames de diversos gêneros e estilo e que, até pouco tempo, enfrentariam grandes
dificuldades para serem desenvolvidos por um único desenvolvedor ou pequeno grupo.
Em outra frente, tivemos também ao longo dos últimos anos o desenvolvimento de
diversos frameworks e bibliotecas de código fonte aberto voltadas especialmente para o
desenvolvimento de videogames, como MonoGame48, SFML49, SDL50, LibGDX51, etc., além
dos trabalhos realizados sobre os motores de jogos que tiveram seu código fonte liberado,
como exemplificado na discussão a respeito do assunto anterior.
O que se procura enfatizar com esses exemplos é o fenômeno corrente e
aparentemente cada vez mais presente de diversificação das opções e do acesso ao
conhecimento necessário para que qualquer entusiasta crie seus próprios videogames, sejam
eles modificações ou criações completamente originais. Essas outras oportunidades, no
entanto, não descartam ou desvalorizam a importância e a existência das formas de atividade
criativa discutidas nesse trabalho, apenas demonstram como diferentes maneiras de produção
criativa continuam a surgir nesse sentido, reforçando a importância que a apropriação e
agência sobre os objetos midiáticos que os cercam tomam nessa nova ecologia midiática.
Todas essas diferentes atividades podem coexistir, pois se atendem a motivações
similares, elas operam em níveis diferentes. Sites agregadores como Moddb, a crescente lista
de videogames comercializados pela plataforma de vendas Steam com a funcionalidade
“Workshop” incorporada, ajudam a verificar que o apelo do modding persiste. Casos
relativamente recentes e importantes de inovação em design de jogos como DayZ, apenas
comprovam que se o modding não é mais a única forma de prática amadora de
desenvolvimento de videogames, ele ainda é uma das formas viáveis para esse tipo de atuação
sobre o software. Finalmente, acredita-se que o modding ainda é um espaço privilegiado para

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