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RESUMO
A partir da emergente presença dos softwares de pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais,
o artigo objetiva relatar o uso de programa NVivo como ferramenta auxiliar na análise de
dados obtidos em pesquisa de recepção midiática. Após breve demonstração de como o
programa pode ser utilizado, o artigo faz a descrição resumida de uma pesquisa em
desenvolvimento no PPGCOM/UFRGS sobre a recepção de telenovelas por um grupo
étnico; apresenta as funcionalidades básicas do software, que envolve etapas como
preparação, codificação e análise dos dados coletados. Como forma melhor visualização
do processo, na descrição de cada uma das etapas são apresentados fragmentos dos dados
analisados na pesquisa citada. Por fim, faz-se reflexão sobre as possibilidades, desafios e
limitações do uso desses programas nas pesquisas em recepção midiática.
ABSTRACT
Based on the emerging presence of qualitative research programs in the social sciences,
the article aims to study the use of NVivo software as an auxiliary tool in the analysis of
data obtained through research of media reception. After a brief demonstration of how the
program can be used, the article presents a brief description of a research in developing
PPGCOM/UFRGS about the reception of Brazilian telenovela by an ethnic group; presents
the basic features of the software, which involves steps such as preparation, coding and
data analysis. As a way better view of the process, the description of each step are
presented fragments of the data analyzed in the study cited. Finally, it is thinking about the
possibilities, challenges and limitations of using such software in research on media
reception.
1
Trabalho apresentado no GT2 - Cultura e Tecnologia do X Seminário de Alunos de Pós-Graduação em Comunicação da
PUC-Rio.
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Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Mestre em Comunicação, cultura e cidadania pela Universidade Federal de Goiás. Bacharel em Comunicação Social
pela Universidade Federal do Maranhão; Membro do grupo de pesquisa “Comunicação e práticas culturais”. Membro da
Rede Obitel (Observatório Latino-americano de Teleficção Seriada). Email: wgrijo@yahoo.com.br.
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INTRODUÇÃO
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QSR NUD*IST e QST NUD*IST VIVO (NVivo) são marcas registradas de Qualitative Solutions and Research Pty Ltd.,
Austrália. Tradução da sigla NUD*IST: Sistema de indexação e de teorização sobre informações não-estruturadas.
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fenômenos investigados a partir do que foi obtido na experiência de campo. “O importante
é que ambos os tipos de programas se utilizam de maneira flexível e complementar para
levar a cabo a sistematização e obtenção de dados tanto dedutivos como
indutivos”4(OROZCO; GONZÁLEZ, 2011, p. 195).
A pesquisa bibliográfica sobre o uso de softwares em pesquisas qualitativas de Lage
e Godoy (2008) indica que existem aspectos negativos que precisam ser considerados nessa
utilização: programas encorajam estruturas de codificação complexas e detalhadas gerando
um excesso de codificação, o que pode levar o pesquisador a ficar distante do contexto
original da pesquisa; alguns pesquisadores têm dificuldade para associar um título
adequado aos textos codificados e as categorias, podendo gerar uma interpretação errônea
dos conceitos encontrados; redução do material de campo para apenas dados codificados,
levando à perda de contato com fontes importantes para estabelecimento de conceitos e
desenvolvimento de teorias; por fim, permite um aumento desnecessário dos dados
coletados, levando ao risco do comprometimento da análise em profundidade.
Nessa mesma linha de raciocínio, Puebla (2003) alerta para o fato de que dada a
facilidade técnica para codificar, os pesquisadores com fragilidades teórico-metodológicas
codifiquem tudo sem grandes reflexões e críticas. O resultado seria o que o autor chama de
"fetichização" do dado pelo uso irresponsável da assistência computacional. Nesse ponto,
Tavares dos Santos (2001) enfatiza que a organização computante da atividade cognitiva
exige que se compreenda a relação entre o homem e a máquina, no caso, o computador,
para além de uma relação fetichizada.
Ao fazerem um estudo sobre os usuários de CAQDAS no Reino Unido, um dos
países com maior tradição no uso desses programas, Mangabeira, Lee e Fielding (2001)
apontam alguns problemas potenciais relacionados ao uso de programas auxiliares nas
pesquisas qualitativas: a codificação automática possibilita uma codificação de segmentos
de texto rápida e unificada, concomitante a isso, pode acabar por substituir uma inspeção
meticulosa de cada segmento, antes que um código seja designado; a complexidade de
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“Lo importante es que ambos tipos de programas se utilicen de manera flexible y complementaria para llevar a cabo la
sistematización y obtención de datos tanto deductivos como inductivos”.
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certos programas faz com que, às vezes, os pesquisadores tenham apenas uma vaga idéia do
que as operações específicas significam para a sua análise como um todo; uma "quase-
quantificação" dos resultados pode estimular análises numéricas aparentemente precisas,
mas incorretas. Nesse último item, Teixeira e Becker (2001) indicam que uma maneira de
evitar o tratamento quantitativo de dados qualitativos é uma postura de vigilância constante
do processo de pesquisa, visando, assim não incorrer nas desvantagens que as técnicas de
operacionalização via programa possam trazer, o que gera, de certa maneira, um maior
controle sobre o processo de pesquisa.
Apesar desses possíveis problemas, Orozco e González (2011) apontam que os
CAQDAS mais recentes possibilitam os pesquisador ferramentas e aplicações que
permitem o cruzamento de dados de maneira interativa e intuitiva. Tal característica
permite nas pesquisas atuais que dados oriundos de diferentes técnicas de pesquisa possam
ser “cruzados” como, por exemplo, aqueles obtidos em etnografia gravada em vídeo ou em
áudio com outros originados de entrevistas transcritas ou fotografias.
Outra vantagem apontada no uso de CAQDAS nas pesquisas qualitativas é a
possibilidade de gerar sistemas de redes conceituais (mapas semânticos gráficos ou
matrizes temáticas reticulares), em que o pesquisador pode visualizar a conexão causal
contidos nos materiais e documentos (fontes). Com isso, é mais fácil visualizar hipóteses
emergentes em diferentes níveis de interpretação, algo que era muito difícil realizar com as
técnicas e instrumentos tradicionais. (OROZCO; GONZÁLEZ, 2011)
Por fim, ainda ao que concerne às vantagens da utilização dos CAQDAS como
ferramenta de análise nas pesquisas qualitativas, Kelle (2008) agrupa-as a partir de três
aspectos: mecaniza tarefas tediosas e complicadas na organização de dados; torna o
processo de pesquisa mais sistemático, explícito, transparente e rigoroso, pois sistematiza
procedimentos anteriormente não sistematizados, permitindo aos pesquisadores documentar
exatamente como eles analisam os dados; livra o pesquisador de tarefas mecânicas, tediosas
e complicadas, que pode se dedicar a tarefas mais criativas e analíticas.
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O NVIVO
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Apesar de ainda serem incipientes pesquisas na área da comunicação que utilizam softwares para auxiliar na análise dos
dados, recentemente, dois trabalhos realizados e publicados na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), utilizaram o programa NVivo como recurso auxiliar para a análise
de dados. Nesse sentido, em ambas as pesquisas a tecnologia foi utilizada para estudo em redes sociais on line: primeiro, o
estudo monográfico de Rodrigues (2012) observa as formas de comunicação estabelecidas por uma Organização Não-
Governamental no ambiente Facebook; em seguida, a tese de Pieniz (2013) estuda como sujeitos receptores tornam-se
emissores ao compartilharem suas percepções sobre telenovela no microblog Twitter. Nos dois casos citados, as autoras
utilizaram parcialmente os recursos oferecidos pelo programa, fixando suas possibilidades somente na busca por palavras
mais freqüentes e na construção de mapas relacionais.
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nos cursos de Administração, Ciências Sociais e Saúde. Nas pesquisas em Comunicação a
utilização desse programa ainda ocorre de forma limitada e sem grandes reflexões sobre as
contribuições metodológicas para a construção da pesquisa.
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O NVivo disponibiliza diferentes funcionalidades que facilitam o processo de codificação. Uma delas é a codificação
automática, que, na realidade, é uma forma de agrupar textos por algum tipo de similaridade entre as predefinidas pelo
software.
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áudios), Observação participante (com duas subpastas para os textos de observação e os
registros fotográficos).
A partir de nossas primeiras pesquisas exploratórias realizadas no ano de 2011 no
quilombo da Família Silva e a realização de entrevistas com três moradores da comunidade,
pudemos chegar a três pré-categorias que emergiram nas falas dos sujeitos sobre suas
relações com as telenovelas. Desse modo, verificamos que as apropriações e negociações
dos quilombolas com as mensagens desses produtos midiáticos estão relacionadas com
categorias com Etnia, Gênero e Classe. Posteriormente, a partir de uma releitura desse
primeiro material, além das categorias já mencionadas, chegamos a outras que estavam
presentes nas falas como Telenovela e Personagens, pois assim poderíamos verificar
melhor as relações dos entrevistados tanto com as tramas e seus respectivos personagens
para posterior análise das possíveis identificações com essas categorias. Assim, cada uma
dessas pré-categorias tornou-se “Nó” no projeto do NVivo. Por se tratar de uma pesquisa
com entrevistados, cada um deles se tornou um “Nó” também, chegando ao total de 12.
Assim, a árvore de “Nós” ficou da seguinte forma: Classe, Gênero, Etnia, Entrevistados
(“Subnós” de entrevistados de 1 a 12), Personagens e Telenovelas, conforme podemos
averiguar no esquema presente na Figura 1:
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Esse negro [Etnia] que tem na novela das oito [Telenovela], eu já não gosto. Ele faz o
que quer com as mulheres [Gênero], não respeita nada, nada fica bom pra ele. Todo
dia ele aparecia com uma branca [Etnia e Gênero] diferente. Ou eles colocam os
negros [Etnia] como empregados [Classe] ou colocam nesse papel aí que faz coisa
errada e não fica bom pros negros [Etnia].
Com este exemplo, queremos acenar que na fase de codificação de uma passagem
de texto em um “Nó”, neste caso uma resposta de entrevista, o mesmo trecho de fala pode
ser codificado em outros vários “Nós”, ou seja, outras dimensões analíticas. Essa
possibilidade é possível visto que o NVivo não trabalha de forma excludente durante o
processo de codificação, pois ele não retira do documento original o trecho selecionado
para codificação. Para Baumgarten, Teixeira e Lima (2007), essa capacidade de registrar e
armazenar codificações sobrepostas é, justamente, o que irá permitir resultados ricos de
análise, com o auxílio de poderosas ferramentas de busca do material codificado.
Entretanto, ponderamos que o trecho colocado como exemplo é um caso típico de uma fala
que pode ser codificada em vários “Nós”, não sendo necessariamente uma regra a ocorrer
em todos os trechos das entrevistas ou das observações. O importante é estar ciente de que
sempre que um fragmento de texto é codificado no NVivo, uma referência a esse fragmento
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fica armazenada em um ou mais “Nós”, a critério do pesquisador e conforme o referencial
teórico adotado.
Apesar de termos feito a codificação do trecho apresentando como exemplo a partir
das palavras que remetem às categorias pré-definidas pela pesquisa exploratória, há
diversas formas de empreender a codificação com o NVivo, a mais comum é a leitura direta
dos documentos aplicada à idéia de codificação em três planos (STRAUSS; CORBIN, 1990
apud BAUMGARTEN; TEIXEIRA; LIMA, 2007): primeiramente uma análise linha a
linha onde são examinadas palavras, frases e outras evidências; passando à análise de
sentenças ou parágrafos, a fim de construir uma categorização a respeito destes blocos; por
último, uma análise do documento como um todo7.
Com a versão 9 do NVivo, o programa acrescentou algo comparável às variáveis de
um banco de dados, chamado “classificações” que podem ser associadas a vários
“atributos”. No caso desta pesquisa que envolve entrevistados definimos o “Nó”
Entrevistados (no total de 12) e posterior classificação desses “Nós”. Com os “atributos”,
tornou-se possível reunir, informações sócio-demográficas dos entrevistados à base de
dados sem a necessidade de codificação. Assim, definimos que os atributos para a
classificação dos “Nós” Entrevistados seriam: Sexo, Idade, Profissão, Escolaridade, Estado
civil, Renda e Cor8. A escolha desses atributos se deve a necessidades da pesquisa de
entender às questões oriundas da recepção das telenovelas pelos entrevistados não somente
através do que foi codificado nos “Nós” temáticos, mas também a atributos específicos dos
sujeitos.
Finalizado o processo de codificação e classificação dos atributos, podemos utilizar
com mais precisão outros recursos do NVivo, como a busca por freqüência de palavras, a
criação de gráficos e modelos, a geração sistemas de redes conceituais e dos relatórios.
Todos esses resultados são essenciais para a análise dos dados qualitativos e suas
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Outra possibilidade é a busca automática por palavras ou padrões léxicos, que oferece, por um lado, a vantagem da
velocidade, principalmente quando são utilizadas grandes massas de dados, mas por outro lado, pode levar a uma
codificação dispersa.
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Apesar de todos os entrevistados serem moradores do quilombo, preferimos seguir a indicação do IBGE e pensar a
questão da cor como auto-atribuição e não um dado pré-definido pela pesquisa.
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necessidades, mas podem variar de acordo com as necessidades e objetivos da pesquisa,
devendo ser utilizadas de acordo com os critérios teórico-metodológicos do pesquisador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAUER, M.; AARTS, B. A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos.
In BAUER, M.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Tradução: Pedrinho A. Guareschi. 7ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
PUEBLA, C. A. C. Analisis cualitativo assistido por computadora. Sociologias, Porto Alegre, ano
5, nº 9, jan/jun, p.288-313, 2003.
STRAUSS, A.; CORBIN, J. Basics of qualitative research: grounded theory procedures and
techniques. London: Sage, 1990.