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Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio


04, 05 e 06 de novembro de 2013

Uso de software de pesquisa qualitativa na análise de dados da recepção midiática 1

Wesley Pereira Grijó 2


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO
A partir da emergente presença dos softwares de pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais,
o artigo objetiva relatar o uso de programa NVivo como ferramenta auxiliar na análise de
dados obtidos em pesquisa de recepção midiática. Após breve demonstração de como o
programa pode ser utilizado, o artigo faz a descrição resumida de uma pesquisa em
desenvolvimento no PPGCOM/UFRGS sobre a recepção de telenovelas por um grupo
étnico; apresenta as funcionalidades básicas do software, que envolve etapas como
preparação, codificação e análise dos dados coletados. Como forma melhor visualização
do processo, na descrição de cada uma das etapas são apresentados fragmentos dos dados
analisados na pesquisa citada. Por fim, faz-se reflexão sobre as possibilidades, desafios e
limitações do uso desses programas nas pesquisas em recepção midiática.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologia; Recepção; Telenovela; Análise de dados; NVivo.

ABSTRACT
Based on the emerging presence of qualitative research programs in the social sciences,
the article aims to study the use of NVivo software as an auxiliary tool in the analysis of
data obtained through research of media reception. After a brief demonstration of how the
program can be used, the article presents a brief description of a research in developing
PPGCOM/UFRGS about the reception of Brazilian telenovela by an ethnic group; presents
the basic features of the software, which involves steps such as preparation, coding and
data analysis. As a way better view of the process, the description of each step are
presented fragments of the data analyzed in the study cited. Finally, it is thinking about the
possibilities, challenges and limitations of using such software in research on media
reception.

KEYWORDS: Methodology; Reception; Brazilina telenovela, data analysis, NVivo.

1
Trabalho apresentado no GT2 - Cultura e Tecnologia do X Seminário de Alunos de Pós-Graduação em Comunicação da
PUC-Rio.
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Mestre em Comunicação, cultura e cidadania pela Universidade Federal de Goiás. Bacharel em Comunicação Social
pela Universidade Federal do Maranhão; Membro do grupo de pesquisa “Comunicação e práticas culturais”. Membro da
Rede Obitel (Observatório Latino-americano de Teleficção Seriada). Email: wgrijo@yahoo.com.br.
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INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é relatar o uso de programa de pesquisa qualitativa NVivo


como ferramenta auxiliar na análise de dados obtidos a partir dos trabalhos de campo de
uma pesquisa de recepção midiática. De forma mais ampla, este trabalho se insere num
contexto ao qual a intensa presença das tecnologias de informação e de comunicação
(TICs) na sociedade não pode ser negligenciada no cotidiano das pesquisas acadêmicas.
Tal conjuntura acadêmica é consubstanciada nas metodologias informacionais que
amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória
(bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação
(simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios
(inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos). (LÉVY, 1999)
Dessa forma, pretendemos com esta explanação demonstrar a necessidade de se
pensar o processo analítico dentro das pesquisas de recepção midiática, cujas discussões
epistemológicas, na maioria das vezes, ficam restritas as questões relativas ao objeto
empírico, às perspectivas teóricas e aos procedimentos metodológicos. Ou seja, o processo
de análise dos dados oriundos dos trabalhos de campo fica sem qualquer problematização
frente a outras estâncias das pesquisas. Assim, dialogamos com as experiências oriundas de
outras áreas de conhecimentos que já utilizam programas de pesquisa qualitativa, assim
como nossa própria experiência de trabalho com o software NVivo, um dos mais utilizados
nesse processo nas pesquisas brasileiras.
Assim, estruturamos este trabalho da seguinte forma: breve explanação da pesquisa
na qual o NVivo é utilizado; contextualização dos CAQDAS (Computer-aided qualitative
data analysis software) na pesquisa acadêmica; aplicabilidade dentro da nossa pesquisa; e
finalizamos com as considerações a partir dessa experiência de trabalho e pautada também
por toda revisão de literatura que fizemos sobre o uso desse tipo de programa nas pesquisas
qualitativas.
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BREVE RELATO DA PESQUISA

O estudo provisoriamente intitulado “Comunicação, cultura e subalternidade: as


relações do quilombo urbano da Família Silva com as telenovelas”, desenvolvido em nível
de tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da
UFRGS, propõe realizar uma pesquisa empírica na comunidade quilombola urbana da
Família Silva, primeira desta categoria reconhecida no país, em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul. Num âmbito mais geral, o estudo propõe averiguar a relação daqueles
sujeitos com os meios de comunicação de massa, precisamente, com a televisão e o gênero
telenovela.
Ao construirmos a proposta da pesquisa com o intuito de verificar, a partir daquele
contexto étnico específico, se há apropriações e percepções dos sujeitos com as narrativas e
personagens negros presentes nas telenovelas, temos como objetivo principal compreender
a dinâmica das mediações culturais e comunicacionais naquela comunidade quilombola
citadina a partir da recepção das telenovelas e as possíveis apropriações realizadas.
Para nos ajudar a entender o contexto da comunidade, buscamos no cerne do
pensamento dos estudos culturais a noção de grupos sociais marginalizados ou subalternos,
de Antonio Gramsci, e seus posteriores desdobramentos, consubstanciados nos estudos
culturais (britânicos e latino-americanos), nos estudos pós-coloniais e subalternos. Outra
questão teórica importante é a contribuição dos estudos antropológicos contemporâneos
para a compreensão da atualidade do conceito de etnicidade, grupos étnicos, invisibilidade
do negro gaúcho e quilombos urbanos.
Ainda como parte de nossa perspectiva teórica, nos alinhamos às teorias
desenvolvidas pela tradição dos estudos culturais a partir do modelo de
Codificação/Decodificação (HALL, 2003) e Mediações Comunicativas da Cultura
(MARTÍN-BARBERO, 2001).
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CAQDAS COMO FERRAMENTA DE PESQUISA QUALITATIVA

Os estudos de revisão de literatura sobre os CAQDAS apontam que, a partir da


década de 1980, os pesquisadores voltados para trabalhos qualitativos passaram a adotar
com mais freqüência o computador no auxílio do tratamento dos dados. Antes desse
período, programas de análise de texto estavam presentes no cotidiano das pesquisas
qualitativas apenas para análise qualitativa de conteúdo. (MANGABEIRA; LEE;
FIELDING, 2001; KELLE, 2008; PUEBLA, 2003). Segundo Puebla (2003),
independentemente da tradição interpretativa que se vincula o pesquisador e o desenho de
pesquisa em que se insere sua atividade (análise de discurso, estudos biográficos,
etnográficos, etc.) existe já um corpus de materiais que permitem pensar a análise
qualitativa assistida por computador como um campo singular e privilegiado do
conhecimento.
Ao fazerem uma gênese dos softwares de pesquisa qualitativa, Kelle (2008) e
Orozco e González (2011) afirmam que os primeiros programas (década de 1960) com essa
finalidade se limitavam a reproduzir em uma interface interativa as tarefas tradicionais dos
pesquisadores como o recorte de fichas e a codificação de textos. Assim, o que era
apresentado como novidade se restringia a funções que se pode realizar atualmente com
qualquer programa simples com processador de palavras. Com a maior oferta de softwares
de pesquisa qualitativa como, por exemplo, TAP, QualPro, HyperQual, TextBase, Alpha e
The Ethnograph, NUD*IST3, MAX, Hiperresearch, eles passaram ter mais especificidades.
Diante desse número de programas destinados à pesquisa qualitativa, Orozco e
González fizeram uma divisão desses programas em dois grupos a partir de suas tarefas
diferenciadas: descrição-interpretação e produção indutiva. O primeiro grupo está voltado a
facilitar o trabalho do pesquisador em organizar os dados obtidos nos trabalhos de campo
(entrevistas, observações, grupos focais, etc.); a função do segundo grupo de programas
está relacionada a conceber os dados de maneira indutiva e pensar explicações sobre os

3
QSR NUD*IST e QST NUD*IST VIVO (NVivo) são marcas registradas de Qualitative Solutions and Research Pty Ltd.,
Austrália. Tradução da sigla NUD*IST: Sistema de indexação e de teorização sobre informações não-estruturadas.
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fenômenos investigados a partir do que foi obtido na experiência de campo. “O importante
é que ambos os tipos de programas se utilizam de maneira flexível e complementar para
levar a cabo a sistematização e obtenção de dados tanto dedutivos como
indutivos”4(OROZCO; GONZÁLEZ, 2011, p. 195).
A pesquisa bibliográfica sobre o uso de softwares em pesquisas qualitativas de Lage
e Godoy (2008) indica que existem aspectos negativos que precisam ser considerados nessa
utilização: programas encorajam estruturas de codificação complexas e detalhadas gerando
um excesso de codificação, o que pode levar o pesquisador a ficar distante do contexto
original da pesquisa; alguns pesquisadores têm dificuldade para associar um título
adequado aos textos codificados e as categorias, podendo gerar uma interpretação errônea
dos conceitos encontrados; redução do material de campo para apenas dados codificados,
levando à perda de contato com fontes importantes para estabelecimento de conceitos e
desenvolvimento de teorias; por fim, permite um aumento desnecessário dos dados
coletados, levando ao risco do comprometimento da análise em profundidade.
Nessa mesma linha de raciocínio, Puebla (2003) alerta para o fato de que dada a
facilidade técnica para codificar, os pesquisadores com fragilidades teórico-metodológicas
codifiquem tudo sem grandes reflexões e críticas. O resultado seria o que o autor chama de
"fetichização" do dado pelo uso irresponsável da assistência computacional. Nesse ponto,
Tavares dos Santos (2001) enfatiza que a organização computante da atividade cognitiva
exige que se compreenda a relação entre o homem e a máquina, no caso, o computador,
para além de uma relação fetichizada.
Ao fazerem um estudo sobre os usuários de CAQDAS no Reino Unido, um dos
países com maior tradição no uso desses programas, Mangabeira, Lee e Fielding (2001)
apontam alguns problemas potenciais relacionados ao uso de programas auxiliares nas
pesquisas qualitativas: a codificação automática possibilita uma codificação de segmentos
de texto rápida e unificada, concomitante a isso, pode acabar por substituir uma inspeção
meticulosa de cada segmento, antes que um código seja designado; a complexidade de

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“Lo importante es que ambos tipos de programas se utilicen de manera flexible y complementaria para llevar a cabo la
sistematización y obtención de datos tanto deductivos como inductivos”.
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certos programas faz com que, às vezes, os pesquisadores tenham apenas uma vaga idéia do
que as operações específicas significam para a sua análise como um todo; uma "quase-
quantificação" dos resultados pode estimular análises numéricas aparentemente precisas,
mas incorretas. Nesse último item, Teixeira e Becker (2001) indicam que uma maneira de
evitar o tratamento quantitativo de dados qualitativos é uma postura de vigilância constante
do processo de pesquisa, visando, assim não incorrer nas desvantagens que as técnicas de
operacionalização via programa possam trazer, o que gera, de certa maneira, um maior
controle sobre o processo de pesquisa.
Apesar desses possíveis problemas, Orozco e González (2011) apontam que os
CAQDAS mais recentes possibilitam os pesquisador ferramentas e aplicações que
permitem o cruzamento de dados de maneira interativa e intuitiva. Tal característica
permite nas pesquisas atuais que dados oriundos de diferentes técnicas de pesquisa possam
ser “cruzados” como, por exemplo, aqueles obtidos em etnografia gravada em vídeo ou em
áudio com outros originados de entrevistas transcritas ou fotografias.
Outra vantagem apontada no uso de CAQDAS nas pesquisas qualitativas é a
possibilidade de gerar sistemas de redes conceituais (mapas semânticos gráficos ou
matrizes temáticas reticulares), em que o pesquisador pode visualizar a conexão causal
contidos nos materiais e documentos (fontes). Com isso, é mais fácil visualizar hipóteses
emergentes em diferentes níveis de interpretação, algo que era muito difícil realizar com as
técnicas e instrumentos tradicionais. (OROZCO; GONZÁLEZ, 2011)
Por fim, ainda ao que concerne às vantagens da utilização dos CAQDAS como
ferramenta de análise nas pesquisas qualitativas, Kelle (2008) agrupa-as a partir de três
aspectos: mecaniza tarefas tediosas e complicadas na organização de dados; torna o
processo de pesquisa mais sistemático, explícito, transparente e rigoroso, pois sistematiza
procedimentos anteriormente não sistematizados, permitindo aos pesquisadores documentar
exatamente como eles analisam os dados; livra o pesquisador de tarefas mecânicas, tediosas
e complicadas, que pode se dedicar a tarefas mais criativas e analíticas.
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O NVIVO

Entre os softwares de pesquisa qualitativa mais utilizados como ferramenta para


análise de dados está o NVivo. Sobre a história desse programa, Lage (2011) relata que, em
1981, os pesquisadores Lyn e Tom Richards desenharam e desenvolveram a primeira
versão do NUD*IST (Non-Numerical, Unstructured Data Indexing, Searching and
Theorinzing). Pontualmente, o software foi construído para em uma pesquisa qualitativa
que possuía um grande volume de dados textuais, sendo posteriormente adotado por outros
pesquisadores. A partir de 1987, após várias alterações em relação ao projeto inicial o
programa passou a ser denominado de N4.
Em seguida, num contexto de popularização dos computadores pessoais, facilidades
em aplicativos em bancos de dados e criação de uma empresa para comercializar o
programa, foi lançando um segundo software, o NVivo. Em 2006, a empresa dona da
patente fundiu os dois programas e lançou uma versão única do NVivo 7, incorporando as
funcionalidades dois outros anteriores e com a interface com sistema Windows. Em 2008,
foi lançando o NVivo 8, que inovou ao ter a possibilidade de trabalhar não apenas com
dados textuais (Word ou Txt), mas também com fotos, vídeos, som e arquivos em PDF.
Dois anos depois, a versão 9 do programa mudou sua arquitetura interna e trouxe
outras funcionalidades: trabalho em grupo, hospedagem em servidores, trabalho com dados
armazenados em outros bancos de dados, interface com outros aplicativos, maior
sofisticação dos recursos gráficos, entre outras coisas. A partir de 2012, com o NVivo 10,
foi possível se trabalhar com as mídias sociais, o que permite a captura de dados
diretamente em seus suportes originais.
Em suma, o programa é bastante útil para pesquisas com dados qualitativos
oriundos de diários de campo, transcrições de entrevistas, grupos focais, programas de
rádio ou televisão, reportagens jornalísticas, atas de reuniões, artigos e documentos que
podem ser utilizados diretamente da Internet. Com o software podemos realizar a
codificação dos textos, fotos, vídeos, áudios selecionados como material empírico visando
posterior recuperação.
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Entre as principais estruturas de um projeto no NVivo estão os Nodes ou “Nós”.
Conceitualmente, um “Nó” é uma estrutura para armazenamento de informações
codificadas e pode assumir significados diferentes, dependendo da abordagem
metodológica utilizada na pesquisa. Dentro da lógica como foi elaborado o programa, o
sistema de codificação ou indexação é construído a partir dos "Nós", entendidos como
recipientes para idéias e pensamentos sobre os dados obtidos, consubstanciando assim as
"categorias" da pesquisa. Na prática, os "Nós" armazenam o código dessas "categorias"
construído pelo pesquisador a partir de seus objetivos teórico-metodológicos.
Sinteticamente, os "nós" armazenam informações como: título, definição da "categoria",
anotações sobre elas e as referências às partes do documento codificadas pelo "Nó". Depois
de construídos, pode-se ligar os "Nós" com os documentos armazenados nas "Fontes". A
codificação/indexação dos "Nós" ou "categorias" pode ser organizada hierarquicamente por
classes, subclasses, e assim por diante, de acordo com as necessidades do pesquisador.
Em termos de produção acadêmica brasileira, o contato com estas ferramentas
informacionais ocorreu somente a partir dos anos 1990. No que diz respeito aos programas
de pesquisa qualitativa, o NVivo representa a principal porta de entrada dos pesquisadores
brasileiros para a análise de dados qualitativos auxiliado por computador. Segundo Lage
(2011), esse software é o mais utilizado no ambiente acadêmico brasileiro, tendo sido
adotado por centros de pesquisa qualitativa da maioria das grandes universidades, como
Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)5, entre outras. No entanto, ainda é baixo o número
de pesquisas qualitativas que usam algum tipo de programa de apoio como este. No Brasil,
é possível encontrar diferentes relatos de pesquisa que usaram o NVivo, hegemonicamente

5
Apesar de ainda serem incipientes pesquisas na área da comunicação que utilizam softwares para auxiliar na análise dos
dados, recentemente, dois trabalhos realizados e publicados na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), utilizaram o programa NVivo como recurso auxiliar para a análise
de dados. Nesse sentido, em ambas as pesquisas a tecnologia foi utilizada para estudo em redes sociais on line: primeiro, o
estudo monográfico de Rodrigues (2012) observa as formas de comunicação estabelecidas por uma Organização Não-
Governamental no ambiente Facebook; em seguida, a tese de Pieniz (2013) estuda como sujeitos receptores tornam-se
emissores ao compartilharem suas percepções sobre telenovela no microblog Twitter. Nos dois casos citados, as autoras
utilizaram parcialmente os recursos oferecidos pelo programa, fixando suas possibilidades somente na busca por palavras
mais freqüentes e na construção de mapas relacionais.
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nos cursos de Administração, Ciências Sociais e Saúde. Nas pesquisas em Comunicação a
utilização desse programa ainda ocorre de forma limitada e sem grandes reflexões sobre as
contribuições metodológicas para a construção da pesquisa.

O NVIVO NA PESQUISA DE RECEPÇÃO MIDIÁTICA

O uso do NVivo como ferramenta de análise dos dados de nossa pesquisa é


antecedido por todo um processo que vai desde o amadurecimento de nossa perspectiva
teórica e das escolhas dos procedimentos metodológicos adequados para termos os
subsídios necessários para a execução dos trabalhos de campo. Em nossa estratégia
metodológica, tendo em vista se tratar de um estudo de pesquisa de recepção midiática e
ciente do contexto de oralidade presente nas comunidades tradicionais, seguiremos a
experiência dos trabalhos que tomamos como referência na estância teórica e partimos de
uma abordagem qualitativa de pesquisa, referendada no método da História Oral. No que
tange às técnicas de pesquisa utilizadas para a captura dos dados durante os trabalhos de
campo, nos valemos da etnografia, da observação participante, da entrevista semi-
estruturada, da discussão em grupo e história de família.
Posteriormente aos trabalhos de campo, o tratamento dos dados segue as seguintes
etapas: a preparação dos dados (transcrição das entrevistas e informações contidas em todos
os instrumentos de coleta; criação do projeto dentro do NVivo, nomeação das “Fontes”, dos
“Nós” e posteriormente das “Classificações” e “Atributos”); a codificação manual6 e a
análise dos dados e a elaboração dos relatórios para apresentação dos resultados.
Assim, em nosso projeto cada técnica de pesquisa se tornou uma pasta e suas
subpastas dentro das fontes com seus respectivos documentos. Desse modo, temos:
Discussão em grupo (subpastas para cada encontro no total de três), Entrevistas (12
subpastas destinada para cada um dos entrevistados na qual conterá as transcrições e

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O NVivo disponibiliza diferentes funcionalidades que facilitam o processo de codificação. Uma delas é a codificação
automática, que, na realidade, é uma forma de agrupar textos por algum tipo de similaridade entre as predefinidas pelo
software.
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áudios), Observação participante (com duas subpastas para os textos de observação e os
registros fotográficos).
A partir de nossas primeiras pesquisas exploratórias realizadas no ano de 2011 no
quilombo da Família Silva e a realização de entrevistas com três moradores da comunidade,
pudemos chegar a três pré-categorias que emergiram nas falas dos sujeitos sobre suas
relações com as telenovelas. Desse modo, verificamos que as apropriações e negociações
dos quilombolas com as mensagens desses produtos midiáticos estão relacionadas com
categorias com Etnia, Gênero e Classe. Posteriormente, a partir de uma releitura desse
primeiro material, além das categorias já mencionadas, chegamos a outras que estavam
presentes nas falas como Telenovela e Personagens, pois assim poderíamos verificar
melhor as relações dos entrevistados tanto com as tramas e seus respectivos personagens
para posterior análise das possíveis identificações com essas categorias. Assim, cada uma
dessas pré-categorias tornou-se “Nó” no projeto do NVivo. Por se tratar de uma pesquisa
com entrevistados, cada um deles se tornou um “Nó” também, chegando ao total de 12.
Assim, a árvore de “Nós” ficou da seguinte forma: Classe, Gênero, Etnia, Entrevistados
(“Subnós” de entrevistados de 1 a 12), Personagens e Telenovelas, conforme podemos
averiguar no esquema presente na Figura 1:
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Figura 1: Visualização do esquema de “Fontes” e “Nós” da pesquisa no NVivo.


Fonte: NVivo

A título de exemplificação, vamos colocar o trecho de uma entrevista realizada


durante a pesquisa exploratória com uma moradora do quilombo. Por conta do acordo do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido firmado a partir das indicações do Comitê de
Ética da UFRGS, o nome desta entrevistada assim como de todos os outros entrevistados
sempre será mantido em sigilo. Contudo, queremos mostrar aqui como um pequeno trecho
de entrevista pode ser codificado em vários “Nós”. Assim, além do “Nó” Entrevistado, o
trecho é codificado ainda em outros “Nós” (categorias) estabelecidos no projeto:

Esse negro [Etnia] que tem na novela das oito [Telenovela], eu já não gosto. Ele faz o
que quer com as mulheres [Gênero], não respeita nada, nada fica bom pra ele. Todo
dia ele aparecia com uma branca [Etnia e Gênero] diferente. Ou eles colocam os
negros [Etnia] como empregados [Classe] ou colocam nesse papel aí que faz coisa
errada e não fica bom pros negros [Etnia].

Com este exemplo, queremos acenar que na fase de codificação de uma passagem
de texto em um “Nó”, neste caso uma resposta de entrevista, o mesmo trecho de fala pode
ser codificado em outros vários “Nós”, ou seja, outras dimensões analíticas. Essa
possibilidade é possível visto que o NVivo não trabalha de forma excludente durante o
processo de codificação, pois ele não retira do documento original o trecho selecionado
para codificação. Para Baumgarten, Teixeira e Lima (2007), essa capacidade de registrar e
armazenar codificações sobrepostas é, justamente, o que irá permitir resultados ricos de
análise, com o auxílio de poderosas ferramentas de busca do material codificado.
Entretanto, ponderamos que o trecho colocado como exemplo é um caso típico de uma fala
que pode ser codificada em vários “Nós”, não sendo necessariamente uma regra a ocorrer
em todos os trechos das entrevistas ou das observações. O importante é estar ciente de que
sempre que um fragmento de texto é codificado no NVivo, uma referência a esse fragmento
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fica armazenada em um ou mais “Nós”, a critério do pesquisador e conforme o referencial
teórico adotado.
Apesar de termos feito a codificação do trecho apresentando como exemplo a partir
das palavras que remetem às categorias pré-definidas pela pesquisa exploratória, há
diversas formas de empreender a codificação com o NVivo, a mais comum é a leitura direta
dos documentos aplicada à idéia de codificação em três planos (STRAUSS; CORBIN, 1990
apud BAUMGARTEN; TEIXEIRA; LIMA, 2007): primeiramente uma análise linha a
linha onde são examinadas palavras, frases e outras evidências; passando à análise de
sentenças ou parágrafos, a fim de construir uma categorização a respeito destes blocos; por
último, uma análise do documento como um todo7.
Com a versão 9 do NVivo, o programa acrescentou algo comparável às variáveis de
um banco de dados, chamado “classificações” que podem ser associadas a vários
“atributos”. No caso desta pesquisa que envolve entrevistados definimos o “Nó”
Entrevistados (no total de 12) e posterior classificação desses “Nós”. Com os “atributos”,
tornou-se possível reunir, informações sócio-demográficas dos entrevistados à base de
dados sem a necessidade de codificação. Assim, definimos que os atributos para a
classificação dos “Nós” Entrevistados seriam: Sexo, Idade, Profissão, Escolaridade, Estado
civil, Renda e Cor8. A escolha desses atributos se deve a necessidades da pesquisa de
entender às questões oriundas da recepção das telenovelas pelos entrevistados não somente
através do que foi codificado nos “Nós” temáticos, mas também a atributos específicos dos
sujeitos.
Finalizado o processo de codificação e classificação dos atributos, podemos utilizar
com mais precisão outros recursos do NVivo, como a busca por freqüência de palavras, a
criação de gráficos e modelos, a geração sistemas de redes conceituais e dos relatórios.
Todos esses resultados são essenciais para a análise dos dados qualitativos e suas

7
Outra possibilidade é a busca automática por palavras ou padrões léxicos, que oferece, por um lado, a vantagem da
velocidade, principalmente quando são utilizadas grandes massas de dados, mas por outro lado, pode levar a uma
codificação dispersa.
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Apesar de todos os entrevistados serem moradores do quilombo, preferimos seguir a indicação do IBGE e pensar a
questão da cor como auto-atribuição e não um dado pré-definido pela pesquisa.
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necessidades, mas podem variar de acordo com as necessidades e objetivos da pesquisa,
devendo ser utilizadas de acordo com os critérios teórico-metodológicos do pesquisador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior presença entre os pesquisadores qualitativos dos programas de computador


iniciou um forte debate em relação às possíveis vantagens metodológicas e seus perigos.
Tomando como bases nossas experiências iniciais com o manuseio dessa ferramenta,
acenamos que parte do receio dos críticos da utilização desses softwares em suas estratégias
metodológicas está diretamente ligada à possibilidade de que esses programas possam
distanciar o pesquisador de seus dados e comprometer suas posturas teórico-metodológicas.
No entanto, não podemos deixar de vislumbrar que programas como o NVivo e seus
recursos de codificação e reapresentação dos dados qualitativos oferecem novas e
fascinantes possibilidades para a interação com os dados da pesquisa, abrindo novas
perspectivas e estimula novas intuições, o que vai somar às condições de produção de
conhecimento imbricados a todas as pesquisas acadêmicas.
Apesar de ser uma importante ferramenta para a análise dos dados coletados durante
os trabalhos de campo, algo ainda pouco explorado – ou pelo menos não explicitado - nas
pesquisas de recepção midiática brasileira, não podemos negligenciar todas as orientações
teórico-metodológicas da pesquisa, as interações com o objeto empírico e a atividade de
investigação do pesquisador, nem sua responsabilidade, intuição, criatividade e habilidade
investigativa. Como isso, enfatizamos que tais programas se configuram apenas como
ferramentas úteis e práticas, se tornando completamente mecânicas sem a intuição do
pesquisador e uma visão metodológica clara e coerente.
Evidentemente, as possibilidades trazidas com a mediação do computador nas
pesquisas podem fazer com que as funcionalidades da ferramenta sejam confundidas com a
abordagem metodológica; em suma, devemos evitar que essa tecnologia molde a pesquisa a
partir da lógica da ferramenta. A perspectiva, o método e as técnicas qualitativas não
mudam em função dos CAQDAS, o que muda é a maneira como os dados são tratados e
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processados, pois se o pesquisador tiver controle da ferramenta, poderá otimizar a análise
de seus dados.
Ponderamos ainda que o estudo utilizado aqui para ilustrar as funcionalidades do
NVivo não foi integralmente concluído, estando ainda em fase de descoberta das
potencialidades da ferramenta para nossas necessidades. Mas esses primeiros
procedimentos com o programa permitem apontar a importância de aprender a trabalhar
com as inúmeras funcionalidades do software e entender a lógica de seu funcionamento,
além de decidir qual o melhor caminho a seguir para trabalhar com os dados coletados.
Antes de usar o NVivo ou qualquer outro programa, é necessário investir tempo em sua
aprendizagem, por mais amigável e intuitiva que seja a ferramenta. Além disso, o processo
de codificação exige, muitas vezes, diversas leituras dos dados, sob a perspectiva do
referencial teórico que sustenta a pesquisa, ou seja, não se pode perder de vista a chamada
“vigilância epistemológica” defendida nos manuais de metodologia cientifica. Finalmente,
por mais que possamos vislumbrar as possibilidades de um software para contribuir com o
cotidiano da pesquisa e lhe prover mais confiabilidade, pela essência da pesquisa
qualitativa, esta deve ainda sim ser pautada pelas questões do objeto empírico (na maioria
das vezes envolvendo sujeitos), pelas condições de produção do conhecimento e pela
subjetividade do pesquisador.

REFERÊNCIAS

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In BAUER, M.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Tradução: Pedrinho A. Guareschi. 7ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

BAUMGARTEN, M.; TEIXEIRA, A. N.; LIMA, G. Sociedade e conhecimento: novas tecnologias


e desafios para a produção de conhecimento nas Ciências Sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v.
22, n. 2, p. 401-433, maio/ago., 2007.

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