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FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU


EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

IGOR ANATOLI

EVENTOS DE RECALCITRÂNCIA

AMEAÇAS PARA A DEFESA NO CONTEXTO SUL-AMERICANO

RIO DE JANEIRO
2019
FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU


EM RELAÇÕES NTERNACIONAIS

IGOR ANATOLI

EVENTOS DE RECALCITRÂNCIA

AMEAÇAS PARA A DEFESA NO CONTEXTO SUL-AMERICANO

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado à
Faculdade Damásio, como
exigência parcial para
obtenção do título de
Especialista em Relações
Internacionais.

RIO DE JANEIRO
2019
Autor: IGOR ANATOLI

EVENTOS DE RECALCITRÂNCIA: AMEAÇAS PARA A DEFESA NO


CONTEXTO SUL-AMERICANO.

TERMO DE APROVAÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de


Curso apresentado no final do Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu em Direito
Internacional, na Faculdade Damásio, foi
considerada suficiente como requisito
parcial para obtenção do Certificado de
Conclusão. O examinado foi aprovado
com a nota ________.

Rio de Janeiro, ____ de __________________ de 2019.


TERMO DE RESPONSABILIDADE

Reconheço e assumo a responsabilidade pelas ideias, opiniões e


propostas inseridas no presente trabalho, não constituindo, de forma alguma
aceitação, concordância ou participação por parte do orientador, da Banca
avaliadora e tampouco da instituição que o aprecia.

Da mesma forma, reconheço e admito que a aprovação do trabalho


monográfico não significará o endosso do conteúdo por parte do orientador, da
banca examinadora ou da instituição de ensino.
RESUMO

Trata-se o presente trabalho de uma análise de eventos recalcitrância na América


do Sul, protagonizada por grupos que afrontam a autoridade estatal instituída,
objetivando, assim, identificar a principal ameaça a Defesa Nacional no espaço
sul-americano de uma perspectiva estrutural. A hipótese de investigação é que
existe uma semelhança nos eventos de recalcitrância que se manifestam no
continente derivados da incapacidade estatal de atender necessidades. Isto é,
supõe-se que a emergência de grupos insubordinados é derivada da perda de
autoridade estatal pela ausência de canais efetivos para o encaminhamento de
demandas. Uma vez que tal fenômeno se manifestou de forma recorrente em
toda a América Latina ao longo do século XX, supõe-se que há deficiências
estruturais do processo democrático regional que potencializam conflitos. De
forma indutiva, a análise proposta dos eventos de recalcitrância se restringe a
determinados países que sofreram a ação de grupos armados no âmbito sul-
americano, a fim de identificar os fatores comuns que motivaram sua emergência
e alcançar o cerne estrutural dessa ameaça à integridade do Estado Nacional.

Palavras-chave: Recalcitrância; Grupos Armados; Ameaças, Defesa Nacional;


Segurança e Defesa; América do Sul.
ABSTRACT

This paper is an analysis of recalcitrant events in South America, led by groups


that confront the established state authority, thus aiming to identify the main threat
to National Defense in the South American sphere from a structural perspective.
The research hypothesis is that there is a similarity in the recalcitrant events
manifesting on the continent stemming from the state's inability to meet needs. It
means it is assumed that the emergence of insubordinate groups is derived from
the loss of state authority due to the absence of effective channels for addressing
demands. Since this phenomenon has recurred in Latin America throughout the
twentieth century, it is assumed that there are structural deficiencies in the
regional democratic process that potentiate conflicts. Inductively, the proposed
analysis of recalcitrant events is restricted to certain countries that have suffered
the action of armed groups in the South American sphere in order to identify the
common factors that motivated their emergence and to point out the structural
core of this threat to the integrity of the National State.

Key words: Recalcitrance; Armed groups; Threats; National Defense; Security


and Defense; South America.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 07
1 CONTEXTO .......................................................................................................... 10
1.1 Contexto histórico .................................................................................. 10
1.2 Contexto político-histórico ...................................................................... 12
1.3 A necessidade de doutrinas autóctones ................................................. 16
2 AMEAÇA E SEGURANÇA .................................................................................... 18
2.1 Acerca da definição de ameaça ............................................................. 18
2.2 Processo de securitização...................................................................... 21
2.3 Dicotomia entre Defesa e Segurança ..................................................... 23
3 PROPOSTA DE SECURITIZAÇÃO ..................................................................... 28
3.1 Rebeldia ................................................................................................. 29
3.2 Desobediência civil ................................................................................ 30
3.3 Crime .................................................................................................... 31
3.4 Recalcitrância......................................................................................... 32
4 GRUPOS RECALCITRANTES NA AMÉRICA DO SUL ........................................ 35
4.1 Colômbia ................................................................................................ 36
4.2 Peru ....................................................................................................... 38
4.3 Paraguai ................................................................................................ 40
4.4 Considerações acerca da recalcitrancia na América do Sul ................... 42
5 ANÁLISE DA RECALCITRÂNCIA ......................................................................... 44
5.1 Onde se manifesta a reclacitrância ........................................................ 44
5.2 Zonas de Sombra ................................................................................... 48
5.3 O processo de ruptura institucional ........................................................ 49
5.4 Guerra assimétrica ................................................................................. 51
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 53
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 57
7

INTRODUÇÃO

A Escola de Relações Internacionais de Brasília defende a necessidade de


construção de conceitos específicos do espaço sul-americano para a compreensão
da realidade regional e adequado enfrentamento de seus desafios. Tal
entendimento advém da perspectiva crítica que a adoção de conceitos como Novas
Ameaças, Nova Ordem Mundial e outros de natureza realista não contribuem para a
compreensão de dinâmicas que interessam aos observadores regionais,
reproduzindo a perspectiva de espaços centrais do sistema internacional. Nesse
contexto, as análises das Escolas de Pensamento Crítico são mais adequadas ao
estudo da realidade latino-americana, especialmente para levar em conta a
diferença de realidade existente entre o centro e a periferia.

Também é oportuno reconhecer a relevância desse debate no espaço


acadêmico, sobretudo no campo das Relações Internacionais, com ênfase em
Defesa, uma vez que o conhecimento produzido pela academia deve orientar tanto
formadores de opinião quanto centros decisórios, contribuindo para a formação de
consenso político e social sobre questões caras ao exercício da soberania e
garantia da segurança.

Por tal, o presente trabalho busca contribuir para a construção de uma


perspectiva relevante para o contexto sul-americano, notadamente em aspectos de
identificação de ameaças à Defesa Nacional e da dinâmica de sua emergência,
contribuindo para uma melhor compreensão das motivações dos atores envolvidos
e, consequentemente, dos processos de guerra contemporâneos, mesmo em
cenários a nível internacional.

Esta proposta emerge do reconhecimento que identificar desafios e ameaças


próprios do contexto sul-americano é imprescindível à formulação de políticas
públicas adequadas para seu enfrentamento, assim como do aproveitamento das
oportunidades regionais. Ademais, a identificação realista de desafios nacionais e a
construção do consenso político em torno de seu enfrentamento favorece a
alocação de recursos públicos da mesma forma que mitiga custo político da
8

elaboração de políticas públicas para uma abordagem mais efetiva na perspectiva


da Defesa Nacional.

Por isso, uma análise acerca do fenômeno da recalcitrância que se proponha


científica tende a contribuir para a formatação de políticas públicas que atuem nas
variáveis de sua gênese e colaborem à coesão social de forma mais acertada.
Nesse sentido, diferentemente dos preceitos tradicionais de Segurança, emanados
dos centros dinâmicos do poder mundial, o continente sul-americano é
historicamente cenário de conflitos protagonizados por grupos guerrilheiros,
terroristas, rebeldes ou que, sob qualquer outra denominação, ainda que vazia de
significado científico, remetam à ideia de antagonismo em face do Estado de facto e
de seus referentes políticos. Sem o aporte teórico que os defina e reconheça as
dinâmicas que estabelecem, qualquer Estado que assuma a tarefa de enfrentar tal
desafio se sujeitará a definições e conceitos produzidos por terceiros Estados que,
em última instância, se prestam a atender seus interesses e enfrentar seus desafios,
que são distintos da realidade local onde o fenômeno se manifesta.

Por tal, parte-se do princípio que as estruturas sociais, políticas e econômicas


dos demais Estados sul-americanos assemelham-se mais à realidade nacional do
que os cenários descritos e analisados pela literatura produzida nos centros de
estudo das potências ocidentais. Assim sendo, a observação dos processos
ocorridos em Estados do âmbito regional pode ofertar melhores elementos à
compreensão dos desafios dos povos sul-americanos e, de alguma maneira,
similares à realidade brasileira.

Portanto, a análise de fenômenos autóctones de recalcitrância visa identificar


características inerentes à realidade regional, cujo conhecimento de suas
peculiaridades tende a tornar mais eficaz, menos agressiva e menos dispendiosa as
intervenções de políticas públicas nessa seara. Essa perspectiva demanda a análise
do fenômeno no espaço regional e essa é a proposta do presente trabalho.

Para alcançar esse objetivo, propõe-se, primeiramente, uma breve


contextualização teórica. Segue-se a busca pela definição do que representa a
recalcitrância, como objeto de securitização. Em seguida, de forma descritiva,
apresenta-se a análise de grupos que se insubordinam às estruturas estatais de
9

alguns Estados sul-americanos. A partir desse relatório, buscar-se-á identificar as


características comuns dos fenômenos de recalcitrância nos Estados observados,
para, enfim, definir as condições estruturais da região que determinam sua
emergência.
10

1 CONTEXTO

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO

A fim de contextualizar historicamente o presente trabalho, mostra-se oportuna


uma breve digressão histórica, revelando como o contexto internacional e a pugna
entre Estados contribuiu para o advento de diferentes visões de mundo que
fundamentaram paradigmas preponderantes em determinada era.

Embora seja possível uma digressão histórica até mesmo à antiguidade, o ano
de 1648 é escolhido pelo Professor Mohammed Ayood (1991) como marco para a
emergência do paradigma Westfaliano, devido ao evento que deu fim a Guerra dos
30 anos na Europa, consolidando os princípios de Relações Internacionais
fundamentados sobre a ideia de Estados nacionais independentes e soberanos.

Ayood aponta que a emergência do sistema de Estado-nação demandava para


consolidação das unidades nacionais duas vertentes de legitimação: uma externa,
em face dos demais Estados, provendo sua capacidade de defesa e, em última
instância, de sobrevivência; outra interna, sobordinando os súditos à ordem e à
autoridade do príncipe.

Essas duas tendências - de interação entre estados soberanos e de maior


identificação dos indivíduos com seus respectivos estados - se fortaleceram
mutuamente e, ao fazê-lo, estabeleceram com firmeza os fundamentos da
tradição intelectual em que, pelo menos em termos da literatura sobre
história diplomática e relações internacionais, segurança tornou-se
sinônimo de proteção dos interesses vitais e dos valores fundamentais de
um estado contra ameaças externas (AYOOD, 1991, p.262, tradução
nossa)1.

O fim da Primeira Guerra Mundial marcaria a emergência de outros


paradigmas de Relações Internacionais no âmbito da Defesa que buscariam

1
These two trends—of interaction among sovereign states and of greater identification of individuals
with their respective states—strengthened each other and in doing so firmly laid the foundations of the
intellectual tradition in which, at least in terms of the literature on diplomatic history and international
relations, security became synonymous with the protection of a state's vital interests and core values
from external threats (ibidem).
11

consolidar-se ao longo do século. A própria ideia de Paz Liberal, proposta por Kant e
inspiradora da Liga das Nações, apresentava uma proposta paradigmática que não
resistiu à emergência de regimes totalitários, como o facismo, e ao discurso realista
do Darwinismo nas Relações Internacionais (HOBSBAWN, 1995).

Contudo, no âmbito das Relações Internacionais, o paradigma que viria a


preponderar na esfera de Segurança e Defesa durante a maior parte do século XX
seria regido pela bipolaridade. O Conflito Leste/Oeste determinaria a conduta dos
países periféricos, alinhando-se aos interesses e doutrinas das duas potências
hegemônicas à época, notadamente Estados Unidos e União Soviética. A América
Latina subordinou-se a essa estrutura do lado Ocidental, ajustando-se ao sistema
nos termos do que foi denominado Doutrina de Segurança:

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o papel das Forças Armadas na


América Latina tem sido definido (e até mesmo imposto) pelo hegemon
ocidental e seu bloco militar aliado, a OTAN. Assim, durante a Guerra Fria,
os países latino-americanos deveriam lutar contra o comunismo dentro de
suas fronteiras, enquanto os Estados Unidos defenderiam o hemisfério
ocidental contra possíveis agressões externas do bloco soviético. Os
militares da América Latina não apenas absorveram essa tarefa como
também desenvolveram uma doutrina anti-comunista – Doutrina da
Segurança Nacional (CASTRO SANTOS, 2004, p. 01)

Em que pese a influência dos centros hegemônicos de poder durante o século


XX para determinar as estratégias de Segurança e Defesa, processos políticos
internos retrataram o posicionamento de grupos de interesses nacionais para ajustar
o alinhamento dos Estados latino-americanos ao sistema internacional de
segurança. Contudo, com o fim da Guerra Fria e a emergência de uma Nova Ordem
Mundial ainda não consolidada, os discursos e doutrinas que orientaram as políticas
públicas de segurança e defesa dos Estados latino-americanos revelam-se
anacrônicos, demandando um aggiornamento às tendências de um sistema
internacional, sobretudo no âmbito da Defesa.

É nesse contexto que emerge, deslocando o paradigma da bipolaridade,


conceitos como de Novas Ameaças, Choque de Civilizações e outros, em geral de
caráter realista e oriundos dos centros hegemônicos de poder global. Porém,
revelando maior consistência institucional dos Estados da América Latina, ocorre em
2003, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Conferência
Especial sobre Segurança no México. Com o objetivo de “iniciar um processo de
12

reflexão conjunta sobre segurança hemisférica, a partir de uma perspectiva


atualizada e abrangente, à luz de novas circunstâncias globais e regionais” (OEA,
2003, p. 01, tradução nossa).

No citado documento, os países do continente reconheceram a existência


“tanto de ameaças tradicionais de segurança quanto novas ameaças, preocupações
e outros desafios que, devido às suas características complexas, determinam que a
segurança tenha um caráter multidimensional” (ibidem).

Urge destacar o contexto político de tal encontro. Há pouco havia ocorrido a


invasão do Iraque, por uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, a
revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sob a égide da Guerra ao
Terror, o encontro marcaria o alinhamento do continente ao que seria conhecido por
Doutrina Bush, estabelecendo uma doutrina de segurança que se pretendia global,
pautada sobre a agenda de enfrentamento às Novas Ameaças 2. Daí a presença no
documento formatado ao final da reunião de conceitos como Terrorismo, segurança
cibernética e tráfico de drogas, entre outros (OEA, 2003).

Tal documento, a Declaração Sobre Segurança das Américas, é representativo


do momento em que surge. O mesmo evidencia a renúncia ao paradigma da Guerra
Fria e, embora assuma o discurso de Novas Ameaças, oportunizou a concertação
política do continente para também incorporar o reconhecimento de desafios
inerentes à realidade latino-americana, instando os Estados da região a formatarem
suas próprias doutrinas e estratégias para o enfrentamento dos desafios regionais.
Nesse sentido, pobreza extrema, desastres naturais e doenças, como a AIDS, são
reconhecidos como ameaças, suscitando um processo de securitização orientado
pela realidade regional Tal reconhecimento pauta o objeto do presente trabalho e
demanda uma análise conceitual específica, que será tratada a seguir.

1.2 CONTEXTO POLÍTICO

2
Este trabalho reconhece como Novas Ameaças o conceito aprofundado por Mary Kaldor (2013).
13

Com a queda do Muro de Berlim, Francis Fukuyama declarava solenemente o


"Fim da História", defendendo um suposto consenso global sobre o modelo político-
econômico-social baseado nos fundamentos da democracia liberal ocidental
(ANDERSON, 1992). Embora sua interpretação do conceito hegeliano seja
questionável, seu trabalho pode ser interpretado como a leitura conclusiva de um
ciclo histórico marcado pelo breve período de dicotomia entre o modelo político-
social planejado e o modelo democrático-liberal que caracterizou a Guerra Fria.
Nesse momento, a ordem internacional que regia o sistema bipolar durante grande
parte do século XX se manifestou sob os ditames de um discurso que, sem a sua
antítese, após a ruína do bloco soviético, busca atualizar-se para enfrentar novos
desafios que emergem no cenário internacional.

É nesse contexto que se busca inserir o presente trabalho. Considerando a


existência de um confronto ideológico próprio do processo histórico dialético (como
proposto por Hegel) e superando a proposta conclusiva de Fukuyama, uma nova
ordem internacional está sendo formatada e diferentes discursos são propostos
pelos atores interessados em influenciar o sistema. Essa interpretação está de
acordo com a percepção de superação do paradigma bipolar, possibilitando o foco
em outras perspectivas que antes eram negligenciadas. Entretanto, a análise dessa
dinâmica exige a seleção de perspectivas adequadas ao seu entendimento. Nesse
sentido, o ensino do discurso do professor Foucault contribui para o proposto.

Foucault (1993) identifica que a percepção da realidade é guiada pelo discurso.


Nesta perspectiva, tendo em conta a interação entre as nações, a percepção de
ameaças e desafios, aliados e oportunidades foi concebida sob o paradigma da
bipolaridade, orientada por um discurso que foi consolidado desde o fim da Segunda
Grande Guerra. Esse paradigma hegemônico influenciou as relações entre os
Estados, a produção científica, a indústria bélica e as estruturas de poder político-
militar de todas as nações.

No entanto, em uma interpretação epistemológica que sugere a mudança


paradigmática, o fim das hostilidades entre o bloco soviético e o bloco democrático-
liberal exigiu a adoção de um novo paradigma que, sob certo discurso, pudesse
conduzir não só a produção científica, mas também a dinâmica das relações
14

interestatais, as preocupações internacionais e os objetivos coletivos das nações,


sobretudo em termos de Segurança e Defesa.

Portanto, a queda do muro em 1989 demarcou uma disputa internacional pela


imposição de um novo discurso que não se manifesta de maneira ingênua ou
espontânea. A realidade que emerge no mundo pós-Guerra Fria é caracterizada
pela busca, protagonizada por atores detentores de recursos de poder, por
estruturar relações de influência que atendam aos seus interesses. Para tal, os
discursos que tendem a preponderar como ferramentas de interpretação da
realidade devem torná-la apetecível e adequada à manutenção de estruturas
hegemônicas:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao


mesmo tempo controlada, selecionada e redistribuída por um certo número
de procedimentos cuja função é invocar poderes e perigos, dominar o
evento aleatório e evitar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT,
1993, p.08)

A este respeito, na aula inaugural do Collège de France em 1970, Foucault se


ocupa em esclarecer esta dinâmica, caracterizada pela exclusão de discursos
indesejáveis e pelo credenciamento de agentes legitimados à difusão de uma
doutrina que se pretende hegemônica, um uma vez que não se oponha aos valores
dos grupos detentores de poder:

O ritual define as qualificações que devem ter indivíduos que falam (e


que, no jogo de um diálogo, interrogatório, recitação, devem ocupar tal
posição e formular esse tipo de enunciados); define os gestos,
comportamentos, circunstâncias e todos os sinais que devem acompanhar
o discurso; (...) Um funcionamento em parte diferente tem as "sociedades
de discurso', cuja tarefa é preservar ou produzir discursos, mas para fazê-
los circular em um espaço fechado, distribuindo nada além disso e sob
regras estritas, mas sem que os titulares sejam despojados da função de
difusão. (...) pensem o segredo técnico ou científico, as formas de
divulgação ou circulação do discurso médico; pensem naqueles que se
apropriaram do discurso econômico ou político
À primeira vista, as doutrinas (religiosas, políticas, filosóficas) são o
inverso de uma "sociedade de discurso ': nesta última, o número de
indivíduos que falavam, se já não estivesse determinado, tendia a ser
limitado; é entre eles que o discurso podia circular e ser transmitido. A
doutrina, por outro lado, tende a difusão; e é pela apreensão em comum de
um só e mesmo conjunto de discursos como indivíduos, tão numerosos
como se queira imaginar, definem sua dependência recíproca. Na
aparência, a única condição exigida é o reconhecimento das mesmas
verdades e a aceitação de uma determinada regra - mais ou menos flexível
- de acordo com os discursos válidos (FOUCAULT, 1996, p. 39).
15

Não é outro o contexto em que está inserido Francis Fukuyama, egresso da


Escola Econômica de Harvard e entusiasta do liberalismo. A sua credencial
acadêmica se soma ao discurso de conformidade com a manutenção e expansão do
status quo ante, obviamente, sem a oposição de doutrinas antagônicas socialistas,
tal é a análise de Anderson (1992). É necessário destacar a pluralidade de discursos
existentes que, assumidos por entidades formadoras de opinião (a mídia, partidos
políticos, universidades, centros de pesquisa etc.), oferecem perspectivas variadas
para a interpretação de determinado cenário. Nesse sentido, a Doutrina Bush
também emergiu, ostentando o antagonismo do bem contra o mal e declarando uma
guerra contra o terrorismo, a principal arma de ataque ao mundo livre (KALDOR,
2001).

O conceito de Novas Guerras, assim como de Choque de Civilizações,


também são tributários da representação de doutrinas que cooperam para a
composição de um paradigma que, como o Fim da História, apresenta um
ocidentalismo liberal hegemônico (HUNTINGTON, 1996). De fato, são todos esses
discursos originários do mundo anglo-saxão e dotados das mesmas credenciais que
possibilitam sua assimilação e reprodução pelos meios de comunicação que formam
opinião, conforme citado por Foucault. São essas características de discursos
comuns que contribuem para a formação de um novo paradigma e sujeitam
indivíduos e nações a relações de poder por ele sedimentadas:

A doutrina vincula os indivíduos a certos tipos de enunciados e,


consequentemente, os proíbe de qualquer outro; mas também se serve, em
reciprocidade, de certos tipos de enunciados para vincular os indivíduos
entre eles e para diferenciá-los dos outros. A doutrina efetua uma dupla
submissão: a dos sujeitos que falam aos discursos, e a dos discursos ao
grupo, pelo menos virtual, dos indivíduos que falam. (FOUCAULT, 1996, p.
43)

Foucault também esclarece acerca de procedimentos para a exclusão de


discursos dissonantes, dinâmica que favorece a preponderância dos discursos
hegemônicos. Um exemplo notável pode ser reconhecido durante o período da
Guerra Fria, sob a hegemonia do discurso bipolar. Neste momento, eventos como a
Conferência de Bandung, o Movimento de Países Não-Alinhados ou o Pan-
Arabismo, não são negligenciados apenas por centros de formação de opinião em
escala global, como muitas vezes ainda são esquecidos nos livros de História e
Política. Esse processo é descrito com muita precisão pelo professor Marcelo Gullo:
16

Seguindo as reflexões de Gustavo Battistoni, podemos dizer que os


intelectuais contra-hegemônicos são dissidentes do sistema que, ao não
aceitar ideias hegemônicas, sofrem, como castigo, o esquecimento. Por
causa da pressão da superestrutura cultural que, nos países subordinados,
está a serviço das estruturas do poder mundial.(GULLO, 2018, p. 202 apud
BATTISTONI, 2008, tradução nossa)

Ainda mais, Gullo propõem uma teoria crítica latino-americana, inspirado em


conceitos próprios e de analistas regionais que se ocuparam em entender as
dinâmicas interestatais e suas consequências para a América Latina. Nesse sentido,
o presente trabalho também se presta a uma análise autóctone a fim de ofertar uma
mirada distinta daquelas oriundas do Norte.

1.3 A NECESSIDADE DE DOUTRINAS AUTÓCTONES

Não se pretende estabelecer um juízo de valor acerca dos diversos discursos


sustentados na Cátedra de Relações Internacionais, antes se opta por um juízo de
adequação às doutrinas produzidas nos países centrais. O referencial teórico
proposto permite questionar discursos traduzidos a partir de cenários estranhos à
realidade que se busca observar. Este ato de ruptura com doutrinas estrangeiras é
reconhecido por Gullo como o processo de Insubordinação Ideológica, chave para o
exercício da Soberania e desenvolvimento das nações (GULLO, 2014). Foucault
também insta essa ruptura questionando os discursos impostos pelas racionalidades
hegemônicas.

Isso não implica descartar o conhecimento e as teorias produzidas pelos mais


diferentes povos, antes representa a consciência de ajustá-los à realidade a qual se
destina sua aplicação. Essa também é a percepção de Amado Cervo (2008), uma
vez que muitas das percepções do Norte global não são aplicáveis ao Sul, já que os
desafios, oportunidades e recursos dos países centrais do sistema internacional não
se confundem com a realidade dos países em desenvolvimento.

Dessa diversidade deriva a necessidade de formulação de conceitos que


sirvam à compreensão da realidade do espaço onde as relações socioeconômicas
17

observadas se manifestam, a fim de contribuir para a busca de soluções ao


enfrentamento de desafios e aproveitamento das oportunidades:

As teorias das relações internacionais não são livres ou imparciais,


uma vez que estão ligadas aos interesses, valores e normas de conduta
das sociedades em que são elaboradas e descartam os valores de outras
sociedades. Teorias que servem ao primeiro mundo não são
necessariamente adequadas para países emergentes (CERVO, 2008, p.
24)

Foucault encoraja esse processo de pensar um outro discurso como uma


ferramenta questionadora do status quo, cujas estruturas vigentes se servem de
discursos hegemônicos para a manutenção das relações de poder nas escalas de
macro e microssistemas. Nesse sentido, assume-se principalmente a já citada obra
A Ordem do Discurso (FOUCAULT, 1996) como um referencial teórico para
sustentar a experiência pós-moderna de lançar uma observação autóctone de
desafios relacionados à Defesa e à Segurança, de modo mais adequado à realidade
latino-americana.

No mesmo sentido, mas especialmente ocupado com a observação dos


fenômenos políticos em seu ambiente regional, o cientista político argentino
Guillermo O'Donnell também corrobora a posição defendida por Amado Cervo sobre
a necessidade de um desenvolvimento conceitual latino-americano:

"Temos uma pequena situação teorizada em que regimes


democráticos coexistem com Estados cuja legalidade não penetra todo o
território e com regimes subnacionais que certamente não são
democráticos. É uma realidade social que subjaz às nossas democracias,
que clamam por mais pensamento latino-americano, para assumir e teorizar
essas problemas (LORCA, 2007, P.02).

É com esse ânimo, de pensar a realidade regional a partir da própria realidade


sul-americana, que o presente trabalho se volta a observar a percepção de ameaça
como processo discursivo.
18

2 AMEAÇA E SEGURANÇA

2.1 ACERCA DA DEFINIÇÃO DE AMEAÇA

Assumindo que o presente trabalho enfoca a área de Relações Internacionais


voltada a para a Defesa e Segurança, importa identificar o principal objeto do qual
se ocupam os Estados em termos de política pública no que tange a essa seara
específica, notadamente o combate a ameaças, seja ele de modo preventivo ou
repreensivo. Nesse contexto, o reconhecimento de um fator ou agente como uma
ameaça depende necessariamente da perspectiva que é conferida à dinâmica
perpetrada pelos agentes, seus valores e objetivos. Ou seja, uma ameaça só pode
ser reconhecida como tal a partir de definições político-estratégicas dos agentes
decisores, sendo oportunas as anotações do professor Bartolomé. Neste sentido,
Bartolomé (2006) explica que cada Estado define, através das interações na
estrutura vigente, os atores envolvidos e suas diretrizes de securitização, avaliando
suas ameaças e oportunidades de acordo com as variáveis de tempo e
circunstância.

La segunda aclaración que es necesario efectuar, apunta a que las


amenazas transnacionales no pueden ser jerarquizadas en relación a su
importancia, peligrosidad o probabilidad de ocurrencia. Por el contrario, la
valoración de una amenaza depende de la situación específica de cada
Estado que, a través de un proceso de esencia constructivista, la securitiza
o desecuritiza de acuerdo a las circunstancias (BARTOLOMÉ, 2006, p.
162).

Corroborando este posicionamento, na Conferência de Segurança das


Américas, ocorrida em 2003 no México, sob os auspícios da OEA, de forma
concertada os membros da organização se manifestaram nesse mesmo sentido,
reafirmando sua soberania para determinar diretrizes de defesa e segurança:

a) Cada Estado tem o direito soberano de identificar suas próprias


prioridades nacionais de segurança e definir as estratégias, planos e ações
para fazer frente às ameaças à sua segurança, em conformidade com seu
ordenamento jurídico e com pleno respeito do Direito Internacional e das
normas e princípios da Carta das Nações Unidas e da Carta da OEA (OEA,
2003, p. 03)
19

O que se infere, nessa perspectiva, é a necessidade da determinação política


das diretrizes de Segurança Nacional para a determinação de ameaças. Para tanto,
embora o Estado moderno seja a Unidade Política mais valorizada, ou seja, o
núcleo capaz de atribuir valores às circunstâncias e atores, sua legitimidade provém
da sociedade e sobrepõem-se a outros agentes designadores de valor. Contudo, o
Estado não deve ser pensado como um todo absoluto e homogêneo, que nega os
demais atores sociais, já que o processo decisório implica a conformação de
interesses distintos de vários grupos de interesse que interagem no cenário político
(TRUMAN, 1951).

Nessa pugna, a sociedade se expressa em seus múltiplos poderes e formas de


organização política, constituindo um equilíbrio que prestigia determinados grupos
em prejuízo de outros. O ponto é, corresponde ao Estado, no momento da tomada
de decisão política, o direito de dar as definições políticas que governarão a
sociedade sobre a qual está regulando, fechando, assim, por completo a de bilhar3.
Toda esta dinâmica descrita se leva a termo por meio de uma estrutura burocrática
e uma liderança política que respondem à influência dos segmentos sociais com
capacidade de pressão e maior ou menor capacidade para encaminhar demandas.

Para aprofundar o tema, este trabalho opta pelas reflexões políticas de Carl
Smith, que forma espectros de proximidade e distância de um grupo político a outro
de extremos, como Amigo e Inimigo, mas necessariamente tomados desde um polo.
Em sua própria concepção, depende de cada um dar significado ao outro, em clara
heterogeneidade de identidade e interesses (SCHMITT, 1998).

Uma vez que o formato da definição (amigo/inimigo) tenha sido esclarecido, o


assunto que a proclama deve ser levado em conta. O Estado, em seu caráter de
Unidade Política, toma para si esse direito de consignar valores às definições em
termos de Política, tanto política interna quanto externa, bem como de atribuir
definições aos fenômenos e atores. É precisamente essa característica que permite
definir a relação com os aliados ou antagonistas, amigo ou inimigo: definição que
depende de uma única parte, ainda que seja fruto de um complexo processo político
interno, sujeito a variáveis internas e externas.

3
Modelo do Jogo de Bilhar (HUNTINGTON, 1996, p. 35)
20

Qualquer que seja a designação e sua correspondência, devemos entender


que o outro, por acaso, é o que se quer que ele seja, e aí reside a essência política
das definições. O inimigo não é oposto em si mesmo, mas ocupa uma posição
estranha aos interesses politicamente definidos. No entanto, em consonância com a
construção de perspectivas e percepção de realidades, essa mesma opinião está
sujeita a mudanças. No entanto, considerando como atribuição política a definição
do status dos agentes envolvidos em determinado cenário, assumir a definição de
outros como sua é uma renúncia à soberania nacional.

Esta é a posição de SMITH (1998) e incorpora a proposta do presente trabalho


para definir como grave equívoco a abstenção da tarefa política de definir objetivos
nacionais e identificar agentes colaboradores ou antagônicos, além de configurar um
atentado contra a soberania. Também é possível inferir que significa uma
cooperação para a consecução de objetivos nacionais estrangeiros, de países que
satisfatoriamente enfrentaram o processo político interno de definição de ameaças e
alianças. É por isso que a liderança diplomática e midiática é estratégica para lograr
apoio interno e externo na busca de objetivos politicamente definidos, sendo capaz
de influenciar e mesmo orientar o processo decisório (HERMAN; CHOWSKY, 1988).

Um exemplo notório nos últimos 30 anos é a questão iraquiana, projeto político


alheio, surgido partir da definição por parte do governo dos EUA de um inimigo.
Determinação que originou o esforço nacional de convicção da opinião pública
interna e internacional, busca de apoio político por meio de alianças e legitimidade
em organizações internacionais para atuar contra o determinado inimigo (KALDOR,
2013).

Nesse contexto, compreendendo o momento histórico de mudança de


paradigma que superou a bipolaridade do século XX, os formadores de opinião
internacional, seja a mídia, centros de pesquisa, chancelarias ou organismos
internacionais; todos empreenderam uma dinâmica de encaminhar discursos a fim
de reorientar o processo de securitização dos demais países. Trata-se da pugna por
poder em um ambiente anárquico como descrito por Morghentau (2003).

Para a América Latina, no entanto, a falta de excedentes de recursos de poder


compromete a capacidade dos Estados da região de influenciar o processo de
21

securitização em âmbito global. Sem embargo, a nível regional, no pleno exercício


da soberania de cada Estado, existe a necessidade da constituição de discursos
próprios que orientem a tomada de decisão no sentido de encaminhar um processo
de securitização que atenda aos interesses dos Estados latino-americanos. Por tal,
convém a observação desse processo antes de pensá-lo na América Latina.

2.2 PROCESSO DE SECURITIZAÇÃO

Quando os países do continente americano, reunidos na Conferência Especial


sobre Segurança, no âmbito da OEA, reconheceram como ameaças desafios
inerentes à realidade regional, evidenciou-se uma evolução institucional pautada
pelo exercício da Soberania. Poucas décadas antes, alinhados a blocos
hegemônicos, a América Latina se ajustava a projetos de Segurança internacional,
formatados por Estados alheios a região, e que pouco tratavam dos problemas
locais, antes orientavam países periféricos a condutas que se prestavam a seus
próprios projetos de Seguraça.

O reconhecimento da pobreza extrema, desastres naturais e mesmo doenças


como ameaças deve ser observado como iniciativa própria da América Latina (OEA,
2003). Adentrando o século XXI, os Estados da região expressaram as expectativas
das sociedades que representam, elevando a atenção de suas instituições para as
questões suscitadas em um notório processo de securitização, ao menos na esfera
retórica. Contudo, independente do fato da questão social ter alçado ou não tal
umbral na agenda política regional, é relevante a determinação de circunscrever
demandas sociais no espectro de maior atenção do Estatal.

De uma perspectiva construtivista, segundo Bartolomé (2006), tal elevação


valorativa das prioridades do Estado lhe possibilita levar a termo recursos extremos
para a consecução dos objetivos traçados pela condução política, com vista à tutela
de bens jurídicos objetos da securitização:

El constructivismo considera que la inclusión de un tema determinado


dentro de la agenda de Seguridad no solo refleja la existencia de un
problema, sino también el ejercicio de uma opción política que permite
22

la adopción de medidas y acciones especiales (BARTOLOMÉ, 2006, p.


41, grifo nosso).

Nesse mesmo sentido

Para ele, segurança é um conceito intensamente político, chegando mesmo


a propor a necessidade de se trabalhar com a noção de “securitização”, a
qual pode ser vista como uma versão mais extrema de “politicização”. Ou
seja, para Buzan, securitizar é levar a política para além das regras do jogo
estabelecidas e apresentar a questão ou como um tipo especial de política
ou acima da política. A questão é, pois, considerada uma ameaça
existencial que requer medidas de emergência e justificativas fora dos
limites normais dos procedimentos políticos (BUZAN, 1991 apud CASTRO
SANTOS, 2003, p.119)

Depreende-se, portanto, que determinada questão, ao ser objeto de tutela


estatal, torna-se reconhecida como política pública. Porém, a elevação de
determinada matéria à esfera da Defesa se dá pelo reconhecimento que a mesma
está associada a interesses estratégicos do Estado, cujo comprometimento coloca
em risco a integridade nacional e, em última instância, a própria sobrevivência do
Estado. Tal reconhecimento confere às matérias objeto da securitização prioridade
na gestão pública, demandando, se preciso, o emprego de recursos extremos para
a sua tutela.

Essa determinação de prioridades, contudo, não é dado ao acaso, mas fruto de


um processo político essencialmente construtivista em que distintos grupos de
interesses, agentes decisórios e formadores de opinião interagem para definir os
objetivos vitais do Estado e, consequentemente, suas maiores ameaças.

Direcionando esse discurso para o proposto inicialmente neste trabalho, a


observação de conceitos autóctones, prestigiando a área de Segurança e Defesa,
dar-se á ênfase a securitização na seara da Segurança Interna, vetores estes
consubstanciados no conceito de Segurança Democrática. Preterido pela literatura
internacional em Relações Internacionais e completamente negligenciado pelas
publicações em idioma Anglo-Saxão, o conceito de Segurança Democrática se volta
à realidade de muitos países da América Central, mas também detém acertada
aplicabilidade para Brasil, Colômbia, México e Venezuela:

Como se anticipó, la Seguridad Democrática es una concepción de


seguridad de origen latinoamericano, elaborada teniendo en cuenta que, en
la medida en que aumenten –o tal vez solo persistan– altos niveles de
23

violencia estructural en las sociedades, disminuyen los niveles de


gobernabilidad en las democracias del continente, y consecuentemente
estas se debilitan (BARTOLOMÉ, 2006, p. 54).

Brevemente apresentado, o conceito auxilia análises que se propõem à


securitização da Segurança Interna. Esta orientação advém da perspectiva que
observa o crime e a violência como variáveis dotadas da capacidade de ameaçar os
valores basilares do Estado, como a liberdade, a coesão nacional e as instituições
democráticas. Ademais, embora sua cognição seja dificultada em países cuja
legislação proscreve a utilização do aparato militar no âmbito interno, não há
constrangimento em países onde a dicotomia entre Segurança e Defesa é mitigada,
tema a ser tratado na próxima seção.

2.3 DICOTOMIA ENTRE SEGURANÇA E DEFESA

Tradicionalmente o conceito de Defesa remete ao enfrentamento de ameaças


externas, garantindo a existência do Estado, a integridade de seu território e a
estabilidade de suas instituições. Diversas constituições de países sul-americanos
positivaram este entendimento. Nesse mesmo sentido, atuando como parâmetro,
manifestou-se o Relatório sobre os termos de referência para os conceitos de
Segurança e Defesa na América do Sul:

A Defesa é uma função do Estado relacionada com a proteção e


manutenção de sua soberania e da integridade de seu território, população,
território e instituições, como tal, abrange questões de segurança
relacionadas com o ambiente externo, enquanto ambiente estratégico da
política externa dos Estados, e se configura como o determinado espaço
específico e exclusivo de organização e uso da força militar do Estado, em
relação a riscos ou ameaças à própria integridade e existência soberana e
independente (UNASUL, 2015, p. 5).

Tal parâmetro, amplamente reconhecido no continente americano, enquadra-


se no que o Professor Mohammed Ayood (1991) denominou Conceito Ocidental de
Segurança, surgido no contexto de formação dos Estados Nacionais europeus a
partir da Paz de Westfalia:

Essas duas forças – a interação entre os Estados soberanos e a


grande identificação dos indivíduos com seus respectivos Estados –
reforçou uma à outra, e com tal reforço, criou-se a base para a tradição
24

mais dominante na literatura de Relações Internacionais, na qual a


segurança vira sinônimo da proteção contra ameaças externas aos
interesses vitais e aos valores básicos de um Estado. Por fim, Ayoob
denomina essa corrente de “Conceito Ocidental de Segurança (AYOOD,
2007 apud RUDZIT; NOGAMI, 2010, p. 02)

De fato, a constituição dos Estados Nacionais, sobretudo no continente


europeu, fundamentou-se no reconhecimento de fronteiras, subordinação da
população e preservação da soberania, justificando a função tradicional das Forças
Armadas e sua orientação primordialmente externa (AYOOD, 1991). Tal processo
também pode ser verificado na consolidação da independência dos países latino-
americanos que, além do dever de repelir ameaças externas de colonialismo e
rivalidades regionais na formação de suas fronteiras, enfrentaram o processo interno
de subordinação e centralização de poder. Ademais, a América Latina herdou as
rivalidades e estruturas de suas metrópoles, além da tarefa de resguardar-se contra
possíveis intentos de recolonização (DORATIOTO, 2002).

Ocorreu, contudo, um esmaecimento dessas ameaças externas ao longo do


século XX, substituída pela ameaça comunista, porém completamente
descaracterizada com o fim da Guerra Fria e o advento de uma nova agenda
internacional de segurança. É nesse contexto que deve ser questionado a
reorientação da Defesa Nacional na América do Sul, sobretudo devido ao
reconhecimento da improvável hipótese de conflito regional e da constituição de
uma Comunidade de Segurança no continente.

Na nova ordem internacional, as “novas ameaças” (terrorismo, tráfico


de drogas, pobreza extrema, crescimento populacional desordenado,
desigualdade de renda, questão ambiental e proliferação de armas de
destruição em massa) substituíram “o perigo comunista” presente na
Guerra Fria. Para os países latino-americanos, isso implicou, dentro das
fronteiras nacionais, uma mudança no papel atribuído às Forças Armadas –
para o assim chamado “papel de polícia”. Dessa forma, elas estariam
incumbidas de lutar contra o narcotráfico e o crime organizado e de,
eventualmente, controlar a violência e os distúrbios urbanos. No campo
externo, as Forças Armadas deveriam juntar-se às forças de paz das
Nações Unidas, quando assim solicitadas (CASTRO SANTOS, 2004, p.2).

Verifica-se, no entanto, uma dificuldade no aggiornamento do conceito de


Defesa na esfera latina americana, em especial do seu aparato militar, derivada da
reprodução da política de securitização tradicional aplicada à esfera regional. Este
equívoco político-administrativo orienta a aquisição de meios e o desenvolvimento
das capacidades técnicas e humanas do aparelho militar a uma realidade alheia às
25

ameaças regionais, não valorizando as peculiaridades locais, demandando a


aquisição de meios e técnicas utilizados pelas potências hegemônicas e difundidos
por suas academias militares, publicações científicas e lobbystas. Esse erro
conceitual foi identificado pelo professor Ayood:

Isto porque, ao se tentar aplicar a definição ocidental de segurança


na análise da situação de países em desenvolvimento, verificar-se-ão
grandes problemas de conceituação. Como exemplo, Ayoob usa o primeiro
e fundamental atributo deste conceito, a proveniência externa das
ameaças, pois a sensação de insegurança que estes Estados sofrem
emana largamente de dentro das suas próprias fronteiras, ao invés de
serem de fora delas. Apesar de essa situação não significar a inexistência
de ameaças externas, as ameaças internas têm maior visibilidade, pois são
abundantes nos países em desenvolvimento, podendo-se arguir que tais
conflitos frequentemente se transformam em conflitos interestatais, devido
ao fator de transbordamento dos mesmos para países vizinhos com os
mesmos problemas internos. Assim, as vulnerabilidades internas dos
Estados em desenvolvimento são as principais causas para o elevado
número de conflitos em diversas partes do globo abrangidas por esses
países. Portanto, a principal causa dessa situação ocorre devido às
debilidades desses Estados (RUDZIT; NOGAMI, 2010, p. 04)

Evidencia-se, portanto, uma patente dicotomia conceitual que não raro


distancia a Defesa, e seu aparato militar, da esfera da Segurança Interna, quando,
no que tange a experiência latino-americana, estas se encontram essencialmente
sobrepostas. O cenário colombiano, onde o conflito interno demandou a atuação da
Polícia Nacional ombreando com o Exército, em uma situação extrema, contrasta
com a disposição constitucional brasileira que orienta as Forças Armadas ao cenário
externo, enquanto o Peru não diferencia a origem da ameaça para que a mesma
seja objeto de securitização. Sem embargo, destaca-se expressiva falta de
consenso político acerca da legitimidade e mesmo da conveniência do uso dos
recursos disponíveis quando orientados ao cenário interno.

Essa diversidade conceitual é inerente ao processo de aggiornamento das


funções das Forças Armadas em um cenário pós-Guerra Fria e de mitigação de
hipóteses de conflito, que demanda a identificação de ameaças. Nesse contexto,
urge a participação da academia, entre outros setores formadores de opinião e dos
agentes decisores para a construção de um consenso nacional e regional em torno
do objeto de securitização do Estado para, consequentemente, determinar as
ameaças aos valores mais caros da nação e as estratégias para mitigá-las.
26

No que tange especialmente à Defesa, a abordagem teórica e o ordenamento


jurídico que a orienta ao cenário externo compromete o aggiornamento da missão
das Forças Armadas na América Latina, sendo a Argentina um expoente nesse
sentido. Tal percepção emerge do caráter meramente subsidiário conferido a
funções que a cada dia são gradativamente assumidas pelas Forças Armadas,
devido a fragilidades estruturais do aparelho de segurança do Estado e das
crescentes demandas sociedade pela pró-atividade do Estado:

Em um país que apresenta um dos piores níveis de distribuição de


renda do mundo, as Forças Armadas levam comida, atendimento médico,
assistência social e até serviço religioso às populações carentes das mais
longínquas regiões do território nacional. Constroem estradas e socorrem
vítimas da seca e de enchentes; prestam assistência permanente a
povoamentos situados em fronteiras distantes – por vezes, são o único
contato dessas populações com o mundo moderno. Os recrutas são
considerados essenciais para desempenhar essas atividades. Além disso,
de acordo com o Exército, o recrutamento é um importante canal de
mobilidade social para as classes desprivilegiadas. Essas atividades sociais
têm sido utilizadas pelos militares para justificar o serviço militar obrigatório
e a própria existência das Forças Armadas (CASTRO SANTOS, 2004,
p.9)4.

Dentro desse debate, que apresenta a dicotomia entre Segurança e Defesa,


emerge a problemática da securitização de questões relativas à Segurança Interior,
que eventualmente demandam o emprego cada vez maior de recursos estatais, mas
que sofre o constrangimento tradicionalista do empenho do aparato militar em
teatros interno. Como citado, focando no espaço latino-americano, alguns países
lograram ajustar sua legislação nesse sentido, após terem alcançado certo
consenso interno, outros não:

Após a Guerra Fria, e ao longo do processo de democratização da


Terceira Onda, a Argentina separou formalmente os conceitos de
segurança e defesa. Na verdade, a Lei de Defesa Nacional (N° 23.554),
promulgada em abril de 1988, estabeleceu que a defesa nacional deveria
cuidar das agressões que viessem de fora das fronteiras nacionais e cuja
solução requisesse o emprego das Forças Armadas. A segurança interna
(note-se que a expressão “segurança nacional” deixou de ser empregada)
como definida na Lei n. 4.059, de janeiro de 1992, estabelece que a
liberdade, a vida e a propriedade dos cidadãos devem ser garantidas pelo
emprego da polícia e das Forças de Segurança. O Chile, ao contrário,
manteve a amplitude do conceito. A segurança refere-se, nesse país, não
apenas à ameaça física, mas também às mínimas condições econômicas,
políticas e ambientais que assegurem uma vida digna para a população. O
Brasil apresenta uma situação mista (ibidem, p.5).

4
Corroborando, o CEED da UNASUL veio a registrar o mesmo fenômemo. Cf. (UNASUL, 2015, p.
26).
27

Reconhecendo o desafio desse debate como pertinente à abordagem


acadêmica deste trabalho, será apresentado na próxima seção, uma proposta de
parâmetros mínimos para o enfrentamento dessa dicotomia entre Segurança Interior
e Defesa, a partir da perspectiva da segurança pública.
28

3 PROPOSTA DE SECURITIZAÇÃO

O conceito de "guerra ao terrorismo", formulado pela Doutrina Bush, interpreta


conflitos no mundo da perspectiva da "luta entre o bem e o mal". O estabelecimento
de um discurso contra inimigos de motivação demoníaca é empresta a construção
de consenso para o esforço nacional, político e econômico de apoio ação militar
(KALDOR, 2013). No entanto, sob este discurso, é impossível entender a natureza
racional dos atores envolvidos nos conflitos e, consequentemente, realizar uma
abordagem conflito político de forma preventiva (Ó’TUATHAIL, 1996).

Portanto, este trabalho assume a premissa de que agentes envolvidos em


conflitos são racionais, ou seja, pressupõe-se que suas ações tenham como objetivo
atender às suas necessidades, independentemente de serem econômicos,
metafísico ou altruísta (AGUAS, 2005). A partir dessa premissa, o caráter
demoníaco dos grupos recalcitrante é alterado para a crença de serem seus
membros seres humanos, dotados de razão e movidos de forma consciente por
objetivos busca de suas necessidades, a despeito da legalidade ou legitimidade de
seus atos, estando tal fenômeno inserido no contexto de Desvio, isto é, do
Comportamento Desviante (BECKER, 2008; MERTON, 1938).

Assim sendo, aponta-se que não raro a expectativa de satisfação das


necessidades desvia-se, em meios ou fins, do socialmente aceitável5. A violação da
norma se manifesta - positivada ou não - com a determinação individual de rejeitar
os termos de um projeto coletivo, sucumbindo à crença de que a iniciativa individual
transgressora oferece perspectiva de maiores ganhos, materiais ou imateriais. Essa
transgressão representa um ataque contra a sociedade e seus valores e resulta em
manifestações de controle social, desde um riso ou escândalo, até à repreensão ou
imposição de sanções mais severas, de acordo com o bem jurídico lesado e o grau
de reprobabilidade conferido ao ato pela sociedade (WEBER, 1999)

Dessa perspectiva, a partir de diferentes graus de reprobabilidade, é possível


identificar que tipo de ação perpetrada contra valores e interesses coletivos tem
maior potencial para constituir uma ameaça à integridade e, em última instância, à

5
Teoria da anomia (MERTON, 1938)
29

própria existência do Estado. Ou seja, em que nível de conflito social o desvio se


torna objeto de Defesa. Assim, de forma pedagógica e fundamentada nos princípios
da Sociologia do Desvio (BECKER, 2008), a fim de apontar que tipo de
comportamento deve se ocupar a Segurança Interna e qual deve ser objeto da
Defesa, propõe-se relacionar quatro comportamentos transgressivos: rebelião,
desobediência civil, crime e recalcitrância.

3.1 REBELDIA

Caracterizada como um fenômeno da sociologia do desvio, a rebeldia


consiste em um comportamento que se desvia da média social e, portanto, é
identificado como desviante. No entanto, ele não atenta de maneira gravosa contra
valores sociais ao ponto de atingir a condenação social reservada a infrações. É
tolerado, mesmo que seja alvo de diferentes níveis de reprovação social. A rebeldia
é um dos fatores que confere o caráter dinâmico à sociedade, levando à mudança
de valores e comportamentos socialmente aceitos. No entanto, um certo
comportamento rebelde pode ter sua condição agravada, passando a ser banida:

Há grande número regras. Elas podem ser formalmente promulgadas na


forma da lei, e, nesse caso, o poder de polícia do Estado será usado para
impô-las. Em outros casos, representam acordos informais, recém-
estabelecidos ou sedimentados com a sanção da idade e da tradição;
regras desse tipo são impostas por sanções informais de vários tipos.
(BECKER, 2008, p.15-16)

Do ponto de vista do rebelde, este expressa seu desacordo com os valores


atuais à sua maneira, enfrentando costumes preponderantes por meio de seu
pensamento, conduta ou estética desviante. Ainda que assuma um discurso político
que justifique sua posição ou traduza seus valores em desacordo com o
hegemônico, sua conduta não chega a violar normativas cominadas com sanções, o
que lhe conferiria seu caráter infracional. Nesses termos, a rebeldia não configura
um processo de ruptura, uma vez que é inerente a sociedades que resguardam
como valores a democracia, a liberdade e a livre expressão do pensamento;
contribuindo sobremaneira a um projeto democrático.
30

3.2 DESOBEDIENCIA CIVIL

A desobediência civil representa o comportamento desviante que viola as


normas instituídas, porém consciente da inadequação da norma. Representa,
portanto, a insurgência política do indivíduo contra os regulamentos impostos pelo
rito social regulatório (ARENTD, 1973).

Destaca-se que a desobediência civil não objetiva a alteração da estrutura


social, mas apenas certa normativa. O indivíduo não se desvincula do corpo social,
pelo contrário, se reconhece como sujeito capaz de reivindicar a mudança de
determinado entendimento que não julga adequado à sociedade em que está
inserido e com a qual compartilha valores. O desobediente está ciente dos
regulamentos e assume, por sua crença, as consequências de sua escolha.

O desobediente percebe si mesmo e a seu coletivo como membros da


sociedade, compartilhando seus valores e crenças, além de conferir legitimidade às
autoridades constituídas e à ordem jurídica corrente. Isso não implica sua satisfação
com a totalidade dos regulamentos, e mesmo sua determinação de infringir
deliberadamente algum deles que reconhece como inapropriado constitui a iniciativa
de sensibilizar e pressionar as instituições à mudança, caracterizando a atividade de
desobediência civil.

Assim sendo, de modo similar à rebeldia, na desobediência civil não se


verifica o animus de ruptura político-institucional com o corpo social, também não há
deslegitimização da autoridade constituída ou busca de mudança na estrutura sócio-
estatal. Em termos de diferenças, embora a rebeldia não tenha necessariamente
seu caráter de negação, a consciência política da ação de desobediência é um
requisito que a caracteriza, assim como o fato de violar a norma positiva.

Independentemente da legitimidade ou não do recurso, ele não é


caracterizado como um ataque à integridade territorial, à soberania do Estado (em
seu aspecto interno ou externo) ou mesmo à segurança coletiva. Ou seja, a
desobediência civil não se trata de uma ameaça aos bens afetados pela Defesa,
restringindo-se a seara da Segurança Pública.
31

2.5.3 CRIME

A grande quantidade de variáveis que envolve a empresa humana de viver


em sociedade e as complexas cadeias sociais e econômicas que estão estruturadas
nessa dinâmica, invariavelmente, não permitem o desenvolvimento uniforme de
todos os setores sociais, nem de todos os indivíduos. Diferentes decisões, tomadas
paralelamente às oportunidades que se apresentam dispares, relacionam os
indivíduos com a escassez e a distribuição desigual de recursos de maneira muito
assimétrica, resultando em frustração de expectativas e desejos. Portanto, sem
entrar nos espectros da causa, pode-se reconhecer que certos indivíduos
apresentam em relação a outros, posição de insatisfação e / ou fraqueza em
diferentes aspectos sociais, econômicos e emocionais (BECKER, 2008; MERTON,
1938).

Nessa perspectiva, e considerando apenas as ações dos agentes como


racionais (o que notoriamente exclui a delinquência passional e patológica), a
violação das normas legais surge da crença de que seus atos infracionais podem
conferir resultados mais valorizados pelo indivíduo do que o cumprimento das
normas. Portanto, para o ofensor, assume-se que o custo de oportunidade da
violação - moral, social, legal ou metafisicamente - é menor que o custo da
obediência.

Além disso, deve ser levada em consideração uma variável determinante nas
dinâmicas de transgressão: a ponderação, própria do infrator, sobre a capacidade
de repressão social e / ou a eficácia do aparato estatal de impor custos à violação
das normas. Portanto, a incerteza acerca das consequências da transgressão de
uma norma atua como um fator de mitigação de custos para executá-la.

No entanto, frente ao exposto, não se verifica na atividade criminal uma


determinação em alterar as estruturas do Estado ou os valores da sociedade. A
atividade delinquente, mesmo executada em grupoe de forma sistemática, objetiva a
alteração circunstancial da condição do indivíduo, conferindo satisfação a uma
32

necessidade material, moral ou social. O agente infrator, em regra, é motivado pelos


mesmos propósitos da sociedade integrada, mas opta por meios inadmissíveis6
(MERTON, 1938). Isso significa que não há dissociação do agente com a estrutura
vigente, portanto, não deve ser atribuído um caráter político a atividade delinquente,
conquanto não ouse superar as estruturas do Estado, mas se restrinja a esquivar-se
a persecução penal.

3.4 RECALCITRÂNCIA

A epistemologia de Bruno Latour insta o observador a conferir relevância e


significado para dinâmicas não previstas na análise. De fato, a capacidade de
compreensão e a captura limitada de observadores não assimila a variedade de
fenômenos fora de sua realidade conhecida. Esta abordagem epistemológica é
inserida nos princípios da Teoria Ator-Red, a qual, na ótica de Latour, conferem
especial relevância aos espectros não integrados aos sistemas para uma
perspectiva mais ampla dos fenômenos não observados. Da mesma forma, a
observação também se inclina à dinâmica estruturada entre os atores (humanos e
não humanos) e suas relações (redes), um aspecto reduzido da realidade. Nesse
contexto, a atividade recalcitrante é representada pela dinâmica desenvolvida fora
da estrutura, apresentando inclusive resistência à estrutura percebida pela análise
(ARENDT, 2007).

Nesse sentido, por meio da Teoria Ator-Rede aplicada à Defesa, é possível


reconhecer a atividade recalcitrante como a resistência do indivíduo à sujeição do
Estado, em oposição a estrutura institucional, que exige a inclinação do cidadão
para integrá-la, como concebido por Weber. Assim sendo, a recalcitrância assume
como antagonista o próprio Estado, ou seu referente de turno, ou ainda suas
instituições, insurgindo-se contra o Estado na forma em que se encontra
estruturado, embora sem necessariamente impor-se predominantemente sobre a
ordem, no contexto paradigmático que conhecemos como Westifaliano / Weberiano.

6
Innovation (MERTON 1938)
33

Para Latour, sob o arcabouço conceitual da Teoria Ator-Rede, a recalcitrância


representa todo espectro que escapa ao domínio estabelecido. Essa abordagem,
adotada pela Sociologia do Desvio, identificaria a recalcitrância como a não-
dominação do coletivo sobre os indivíduos a ele vinculados. Trata-se de um notório
rechaço aos projetos coletivos, aderindo à crença de que a contribuição ou o esforço
coletivo confere resultados inferiores a outras alternativas válidas, sejam tais ganhos
materiais, sociais ou metafísicos. Inclusive, a própria expectativa de ganhos pode
conferir a coesão em torno de um projeto alternativo e recalcitrante:

Esta quinta alternativa está em um plano claramente diferente daquele dos


demais. Representa uma resposta transitória que busca institucionalizar
novos procedimentos voltados para objetivos culturais renovados,
compartilhados pelos membros da sociedade. Assim, envolve esforços para
alterar a estrutura existente, em vez de executar ações acomodatícias
dentro dessa estrutura, e introduz problemas adicionais com os quais não
estamos preocupados no momento (MERTON, 1938, p.676, tradução
nossa)7.

Nesse sentido, a descrença acerca da satisfação das necessidades por meio


de projetos coletivos, instrumentalizados principalmente pelo Estado, promove uma
percepção da opressão desencadeada pela adesão forçada ao coletivismo, seja
esta adesão legal, ideológica ou comportamental (ROSIÈRE, 2011). É nesse
cenário, pautado pela incapacidade da sociedade e de suas instituições de integrar
elementos insatisfeitos, onde se evidencia as diferenças entre segmentos integrados
e marginalizados. Essas diferenças tendem a constituir elementos de discurso para
o reconhecimento de identidades próprias e contrárias a valores vigentes ou
autoridades institucionalizadas que não oferecem satisfação às demandas
encaminhadas. Portanto, infere-se que, sob essa insatisfação, são estabelecidas
condições para a articulação de indivíduos com necessidades semelhantes, unidos
por um discurso politizado que traduz suas aspirações (AGUAS, 2005).

Essa é a dinâmica de articulação de um grupo de interesse, no entanto,


quando essas aspirações são dirigidas à opção de reestruturação do Estado ou/
com a proposta de mudança da ordem vigente, estão presentes os elementos que
caracterizam a recalcitrância, em notória ameaça à estrutura do Estado como está

7
This fifth alternative is on a plane clear dififferently from that of the others. It represents a transitional
response which seeks to institutionalize new procedures oriented toward revamped cultural goals shared by the
members of the society. It thus involves efforts to change the existin structure rather than to perform
accommodative actions within this structure, and introduces additional problems with which we are not at the
moment concerned." (Op. cit.)
34

concebido. Essa perspectiva se adapta ao conceito de agentes recalcitrantes do


professor Frédéric Ramel (2013), que os define como agentes contrários à ordem
instituída, demonstrando uma rejeição beligerante a toda cooperação com as
autoridades e qualquer contribuição para a segurança nacional e internacional em
suas áreas de atuação.

Já sobre os estudos do professor Milton Santos, pode-se ainda complementar


a caracterização de grupos recalcitrantes como dotados de outra racionalidade, uma
vez que, alijados dos fluxos homogeneizantes das áreas centrais do capitalismo,
apresentam a potencialidade de propor rupturas na ordem vigente, permitindo-lhes
desenvolver uma outra maneira de pensar:

Ainda cabe observar que a partir da implantação da racionalidade


dominante, implantam-se contra-racionalidades, tanto do ponto de vista
social (entre pobres, migrantes, minorias), do econômico (atividades,
tradicional ou recentemente, marginalizadas) e do geográfico (áreas menos
modernas, opacas). Incapaz de se subordinar às racionalidades
dominantes, esta experiência de escassez é a base para uma adaptação
criadora, o que faz destas irracionalidades outras formas de racionalidade e
que apontam para a construção de um novo sentido” (CAMPOS, p.163,
2008)

Embora o otimismo do professor Milton Santos lhe permita conjecturar a


capacidade criativa inerente a espaços não integrados, o potencial de ruptura
Institucional derivado do surgimento de racionalidades disruptivas desperta o
interesse das políticas públicas de Defesa, ameaçando de tal forma a estrutura
estatal que extrapola a seara da Segurança Pública para tornar-se objeto da Defesa.

A partir da classificação proposta, que também se presta a conceituar o


fenômeno da recalcitrância, é possível observar manifestações de insubordinação e
desvio de uma perspectiva que se ajusta às divisões de Seguraça e Defesa. Tal
ferramenta se mostra oportuna a fim de possibilitar a análise que consuma o
presente trabalho: os eventos de recalcitrância na América do Sul.
35

4 GRUPOS RECALCITRANTES NA AMÉRICA DO SUL

Uma vez que o trabalho apresentada tem por foco a análise da emergência
de grupos armados na América do Sul, se detém a presente análise na natureza
desses atores, buscando sedimentar uma definição que sirva como ferramenta
conceitual mais adequada a compreensão desse fenômeno, próprio da América
Latina, ainda que não exclusivo da região.

Nesse contexto, denominações oriundas de doutrinas alienígenas, como


terroristas, radicais ou comunistas não cooperam a uma abordagem científica que
interesse às nações sul-americanas, uma vez que se tratam de conceitos que dão
suporte a iniciativas alheias voltas a consecução de interesses também alheios8.
Por isso, sob um discurso equivocado, é impossível compreender a natureza
racional dos atores envolvidos nos conflitos regionais e, consequentemente, realizar
uma abordagem política desses processos disruptivos de forma preventiva
(Ó’TUATHAIL, 1996).

Portanto, para entender o processo de recalcitrancia na América do Sul,


busca-se, através desta exposição apontar as motivações de grupos insurgentes
que, ainda no século XXI, optaram pelas armas para alcançar o sucesso de seus
objetivos. Imediatamente, devemos destacar as limitações e questionamento,
sobretudo acerca das fontes utilizadas que, embora se restrinjam a apenas três
países, servem de parâmetro ao debate proposto.

Como apontado na seção anterior, a formação de um grupo recalcitrante se


amalgama através de um discurso que defende a necessidades de indivíduos que
se reconhecem marginalizados pela estrutura vigente. Partindo desse princípio, esta
seção opta por uma abordagem descritiva, a fim a identificar quais são os objetivos
dos grupos recalcitrantes observados e o discurso que assumem como bandeira, de
sua própria perspectiva. Mais uma vez, considerando que a atribuição do caráter
terrorista ou rebelde reproduz a perspectiva do poder constituído, observar a
perspectiva dos agentes que determinam a atividade recalcitrante é o cerne da
proposta de compreender o fenômeno. Tal é a proposta do trabalho.
36

4.1 COLÔMBIA:

As Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC), fundada em 1964


como a ala militar do Partido Comunista Colombiano, são a maior insurgência da
América Latina, mais capaz e melhor equipada. De origem campesina e
nominalmente lutando em uma base de metas marxistas com estratégias de
guerrilhas, chegaram a controlar cerca de 40% do território colombiano.

Em sua gênese, em um contexto de conflitos internos protagonizados pela


hegemonia política de dois partidos representativos das elites locais, o movimento
que culminaria na formação das FARC emerge demandando essencialmente
reforma agrária:

Luchamos por una Política Agraria que entregue la tierra del latifundio a los
campesinos: por eso, desde hoy, 20 de Julio de 1964, somos un ejército
guerrillero que lucha por el siguiente Programa Agrario:
PRIMERO
A la política Agraria de Mentiras de la Oligarquía, oponemos una efectiva
Política Agraria Revolucionaria que cambie de raíz la estructura social del
campo colombiano, entregando en forma completamente gratuita la tierra a
los campesinos que la trabajan o quieran trabajarla, sobre la base de la
confiscación de la propiedad latifundista en beneficio de todo el pueblo
trabajador (FARC, 1964).

Em seu manifesto originário, aqui citado, há ênfase a inviabilidade do meio


pacífico para as reivindicações proposta. Inclusive, há referência à própria
inexistência de canais para o encaminhamento do pleito campesino, razão que
legitimaria o recurso às armas:

Nosotros somos revolucionarios que luchamos por un cambio de régimen.


Pero queríamos y luchábamos por ese cambio usando la vía menos
dolorosa para nuestro pueblo: la vía pacífica, la vía democrática de masas.
Esa vía nos fue cerrada violentamente con el pretexto fascista oficial de
combatir supuestas “Repúblicas Independientes” y como somos
revolucionarios que de una u otra manera jugaremos el papel histórico que
nos corresponde, nos tocó buscar la otra vía: la vía revolucionaria armada
para la lucha por el poder (Ibidem).

Ao longo de sua história, as FARC entabularam sangrenta guerra contra as


forças legalista, fazendo uso de estratégias de guerrilha e não raro lançando mão de
atentados como recurso de bélico, em um contexto de guerra assimétrica. Ademais,
de forma sistemática, se valem da extorsão, sequestros e tráfico de drogas para
37

financiar o esforço de guerra. Tais práticas acarretaram o reconhecimento por muito


Estados de sua qualidade de terroristas (USA, 2014).

Atualmente, contudo, após negociações de um processo de paz que


culminaram com a renúncia às armas e a incorporação do grupo à estrutura política
vigente, o discurso das FARC alterou-se completamente, incorporando demandas
mais difusas:

Hacemos parte de la marea mundial contra el imperialismo y el


neoliberalismo, contra la guerra, contra la destrucción del medio ambiente,
contra el patriarcado y toda forma de discriminación entre los seres
humanos. Creemos en la integración Latinoamericana y Caribeña, creemos
que toda nación tiene derecho a su soberanía, a decidir libre y
democráticamente su destino, sin injerencias extranjeras. Soñamos con un
mundo mejor, sin abismales diferencias económicas y sociales, en paz y
armonía. Un mundo en el que un día termine por fin la explotación
capitalista (FARC, 2017).

Acerca do Exército de Libertação Nacional (ELN), este é um grupo insurgente


marxista colombiano formado em 1965 por intelectuais inspirados pela Revolução
Cubana. Essa influência lhe conferiu maior embasamento retórico desde sua
gênese e lhes conferiu maior receptividade urbana que as FARC.

Em suas primeiras manifestações públicas, o ELN emitiu manifestos listando


uma série de propostas reivindicatórias em uma extensa pauta que propunha uma
reestruturação do Estado. Denominado Manifiesto de Simacota, este incluía desde
relações de trabalho e produção, até questões de política externa, passando por
saúde e educação, mas citando primeiramente a reforma agrária.

Com viés comunista, os textos destacam como a hegêmonia bipartidária do


período de sua criação regia a política colombiana e esvaziava a perspectivas de
grupos não oligárquicos:

Actualmente las decisiones necesarias para que la política colombiana se


oriente en beneficio de las mayorías y no de las minorías, tiene que partir
de los que detentan el poder.
Los que poseen actualmente el poder real constituyen una minoría de
carácter económico que produce todas las decisiones fundamentales de la
política nacional.
Esa minoría nunca producirá decisiones que afecten sus propios intereses.
Las decisiones requeridas para un desarrollo socio-económico y político del
país en función de las mayorías afectan necesariamente los intereses de la
minoría económica.
38

Estas circunstancias hacen indispensable un cambio de la estructura del


poder político para que las mayorías organizadas produzcan las decisiones.
(ELN, 1965).

Tal qual ocorreu com as FARC, duranto o governo de Santos, o ELN logrou
entabular negociações de paz mais efetivas do que nas tentativas anteriores,
orientando sua militância para a pugna política, com a proposta de renúncia a luta
armada.

Pode-se inferir que ambos os movimentos se valeram do discurso de


exclusão e de não representação para legitimar a luta armada como meio válido a
reividicações sociais, especialmente a reforma agrária. Em um contexto de graves
conflitos fundiários, onde a desigualdade social evidenciava a extrema pobreza, os
discursos socialistas e revolucionários lograram forte receptividade em populações
marginalizadas e excluídas do processo político.

A geografia colombiana também é significante variável nesse processo. A


existência de vasto território de complexa logística, como a floresta Amazônica a
Cordilheira dos Andes, comprometia sobremaneira a capacidade estatal de prover
serviços e impor a ordem. Em oposição, a mesma geografia contribuía à estratégia
de guerrilha e a circulação de pessoas e recursos ao longo do território e por
fronteira internacionais.

4.2 PERU

O Sendero Luminoso emergiu ao longo do anos 1970 como dissidência do


Partido Comunista Peruano. Seu primeiro líder foi o ex-professor universitário
Abimael Guzman, que direcionou sua facção para a orientação maoísta do
comunismo, voltando-se para o combate armado em zonas rurais e arregimentando
população, especialmente indígena e campesina.

O grupamento adquiriu notoriedade por meio de atentados, especialmente


contra embaixadas estrangeiras e instalações estatais. Tais ações iam ao encontro
do discurso proclamado pelo grupamento de insurgência contra as instituições e a
ordem internacional:
39

PROGRAMA DE LA REVOLUCIÓN DEMOCRÁTICA NACIONAL


1. Conquistar el poder, el Estado de grandes burgueses y grandes terratenientes feudales; dictadura
reaccionaria de los explotadores y opresores, que tienen como principal componente y columna
vertebral a las Fuerzas Armadas y Policía Nacional del Perú, fuerzas antipopulares, vende patrias y
represivas que lo sustentan, y a todo su aparato burocrático. Conquistar el poder aniquilando y
desintegrando a su columna vertebral (PCP-SL, 2006).

Tendo atuado inicialmente em zonas rurais negligenciadas pelo Estado e


marginalizadas pelas dinâmicas internacionais, o discurso comunista anti-
imperialista que remete a uma classe internacional opressora apenas poderia
prosperar mediante propostas com as quais os sujeitos receptores de sua
mensagem se identifiquem. Nesse sentido, a demanda por reforma agrária e tutela
de povos originários incorporava-se a pauta reformista do Estado de acordo com a
necessidade das populações a que se dirigia:

7. Aplicar la política de la tierra para quien la trabaja confiscando,


repartiendo y garantizando tierras al campesinado principalmente pobre, y
estas sean propiedades principalmente de grandes terratenientes feudales;
mientras con los medianos y pequeños terratenientes y campesinos ricos
hacer ayudas mutuas, concesiones positivas y no negativas bajo la política
de independencia y autodecisión relativa en el Frente Unido Democrático
Revolucionario, en beneficio de la revolución. (Ibidem)

Outro grupo recalcitrante peruano que logrou notoriedade nos anos 1980
denominava-se Tupac Amaru. Também de doutrina marxista, o nome do movimento
remete à herança histórica da invasão espanhola e da heroica resistência indígena,
corporificado no mártir a que seu nome faz alusão. Em um país majoritariamente
indígena e miscigenado, o paralelo histórico é iniciativa voltada a identificação dos
indivíduos, visando a coesão do grupo e a adesão a suas propostas:

EL MOVIMIENTO REVOLUCIONARIO TUPAC AMARU (MRTA), nace


como una respuesta histórica a este sistema corrompido y lucha por forjar
una sociedad nueva y justa. Una sociedad que garantice a los hombres la
alimentación, la educación, la vivienda, el vestido y el trabajo: una sociedad
socialista.
El MRTA recoge el legado histórico de nuestros padres que desde Manco
Inca, Juan Santos Atahualpa, Túpac Amaru, Micaela Bastidas y José Olaya,
supieron luchar contra el colonialismo español por un mundo más justo.
Recoge el legado de nuestros héroes que como Cáceres, y Leoncio Prado,
Grau y Bolognesi, supieron llevar adelante la dignidad nacional hasta sus
últimas gotas de sangre, enseñando con su ejemplo cual es el verdadero
camino de un militar patriota, al lado de su pueblo y no contra él. (MRTA,
1980)

Assim como o Sendero Luminoso, o contexto histórico de constituição dos


movimentos é de déficit democrático, influenciados pela ditadura militar peruana do
40

período de 1968 a 1980. Sob a égide da Guerra Fria, em que o Peru se ajustava à
Doutrina de Segurança Hemisférica, os conflitos internos reproduziam a pugna
internacional. Contudo, se na esfera internacional potências hegemônicas se
antagonizavam em igualdade de condições, internamente segmentos
marginalizados e historicamente excluídos se reconheciam sob discursos de viés
marxista que se voltavam meramente para necessidades básicas, uma vez que
encontravam-se não apenas excluídos do processo político, mas também
marginalizados dos avanços econômico-sociais.

La Guerra Revolucionaria, la Guerra del Pueblo, es la forma superior y


decisiva de lucha revolucionaria, es la expresión más alta de la violencia de
las masas conducidas por el partido revolucionario para la toma del poder.
En tanto que el Estado es una maquinaria de opresión de clase, cuyo pilar
represivo más importante es el ejército, es necesario destruir este estado
mediante la violencia revolucionaria, oponiéndole un ejército revolucionario,
que concentre la potencialidad revolucionaria de las masas y destruya al
ejército reaccionario en el terreno de la lucha. . (MRTA, 1980)

Pode-se inferir do observado que o contexto peruano de emergência de


grupos recalcitrantes foi fortemente marcado pela orientação de reivindicações
sociais, aglutinadas sob um discurso marxista que evidenciava a desigualdade de
classes e ostentando a identidade étnica como fator de coesão. Nesse contexto, o
cenário internacional que condicionou os Estados sul-americanos a assumirem
governos autocratas, acarretou na orientação de grupos insubordinados a opção
pela luta armada, em face da impossibilidade de alteração da ordem vigente por
meios democráticos e por influência de experiências externas, como a Revolução
Cubana e a Internacional Socialista.

4.3 PARAGUAI

O Exército do Povo Paraguaio (EPP), fundado em 2008, de orientação


marxista-leninista, é reconhecido como uma dissidência do Partido Patria Livre que,
com baixos resultados eleitoras, teria optado pela luta armada. O grupamento
realizou ações nas províncias mais pobres do país, como San Pedro e Caaguazú.
Nessas ocasiões, as reinteiradas ações criminosas de extorsão, sequestros e
assaltos levaram certas autoridades a atribuírem ao EPP um caráter meramente
criminoso.
41

A despeito da classificação de terceiros em sua primeira manifestação


pública, o EPP assumiu um discurso orientado a pauta sociais e de deslegitimação
do referente político, o que o enquadraria dento do conceito formulado de grupo
recalcitrante:

No hay dudas de que el Gobierno de Fernando Lugo no ejecutará la


Reforma Agraria integral prometida al Pueblo Paraguayo.
Esta situación exige que el propio pueblo tome la tierra en sus manos y
realice la Reforma Agraria desde abajo: los obreros, los estudiantes, los sin
techos y demás sectores sociales populares deben acompañar al
campesinado en esta tarea.
Para vencer la resistencia de unos pocos ricachones prepotentes, debe
hacerse un uso intensivo de la violencia en la lucha popular (EPP, 2008).

Conjuntamente à reforma agrária, o EPP também se manifestação no sentido


de pleitear políticas habitacionais, de saúde e educação. A pauta socialista do
movimento, que emite referências ao Francismo do Século XXI, em notório apelo a
um nacionalismo histórico, se apresenta como fator de amálgama, uma vez que
encampa demandas coletivas em uma região historicamente negligenciada e de
fraca presença do poder estatal. Tal percepção é traduzida no discurso do
grupamento:

En el Estado Paraguayo moderno el sistema democrático esta en sus


aspectos fundamentales monopolizado por la oligarquía y sus lacayos, este
sistema se ha convertido cada día mas, simplemente en un instrumento de
dominación contra la gente humilde. El sistema democrático paraguayo no
es mas que un autoritarismo legalizado y con rostro civil. Y no puede ser
otra cosa, pues reposa sobre el terreno de la sociedad capitalista con una
absolutamente antidemocrática distribución de la riqueza, de los
conocimientos y de los beneficios sociales; unos pocos se llevan todo, la
mayoría se lleva la nada. (EPP, 2008).

As observações emanadas acerca da emergência do discurso do EPP não se


revela singular. Antes se assemelha aos demais grupos recalcitrantes citados. De
forma indutiva, portanto, depreende-se que tais similaridades apontam a
características estruturas inerentes a região sul-americana que condicionavam a
emergência do fenômeno. Esta, entre outras conclusões a partir da descrição dos
grupos recalcitrantes observados, é apresentada.

4.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RECALCITRANCIA NA AMÉRICA DO SUL


42

Embora as fontes e a exposição da natureza dos grupos citados tenham sido


limitadas, o que se busca apontar é como a similadade de características dos
eventos de recalcitrância no continente sul-americano revelam condições
estruturais. Com a devida crítica, essas variáveis serevelam auspiciosas como
objeto de políticas públicas para a atuação preventiva na esfera da Segurança e da
Defesa.

 Identifica-se a gritante desigualdade social, marcada pela extrema pobreza,


como característica dos países da região e, de forma agravada, nas regiões onde
emerge o processo de recalcitrância. A maior notoriedade da desigualdade favorece
o antagonismo de classes, sobretudo porque associa a percepção popular do poder
político e da opressão aos grupos mais privilegiados.

 Da mesma forma, a opção pela via armada é decorrente de cenários onde


existe profunda limitação de alternativas democráticas de representação, sobretudo
na América do Sul, onde longos períodos de ditadura se consolidaram e
constrangeram a abertura de canais para encaminhamento de demandas populares.

 O discurso socialista logrou aglutinar grupos historicamentes excluídos por


ofertar propostas de serviços sociais como acesso a terra, moradia e trabalho. Tal
evidência é majorada com o nível de exclusão social do grupo observado, onde a
maior carência de acesso a tais direitos favorece a adesão a discursos de ruptura.

 Também resta notória a fraca capilaridade estatal dos países da região,


evidenciada pela incapacidade dos governos de prestar serviços e de impor a ordem
sobre todo o território.

 Por fim, identifica-se que a região sujeitou-se como um todo à estrutura


internacional referente à Guerra Fria, tendo suas instituições estatais se alinhado à
estratégia Ocidental de Segurança. Também se observou a reprodução do conflito
no âmbito interno dos Estados, ao menos de forma retórica. Portanto, os discursos
que orientaram a ordem internacional vigente justificaram a imposição da política
interna de Segurança e Defesa na região.
43

Após as observações apresentadas, orienta-se este a trabalho as análises


propostas a partir dos princípios suscitados nas seções anteriores a fim de prover
uma análise conceitual do fenômeno de recalcitrância na América do Sul.
44

5 ANÁLISE DA RECALCITRÂNCIA

Esta seção visa contribuir para a construção de perspectivas que sejam mais
adequadas para a análise do fenômeno de recalcitância, identificado previamente
como maior ameaça a integridade dos Estados latino-americanos e de suas
instituições. Analiticamente, apontam-se três elementos suspeitos à compressão do
debate proposto: a) os agentes envolvidos; b) o espaço em que estão circunscritos
e; c) dinâmica do evento observado. A presente seção se ocupa dessa análise,
cerne do presente trabalho.

5.1 ONDE SE MANIFESTA A RECLACITRÂNCIA

Na esfera de Segurança e Defesa, o conhecimento produzido pela academia


se presta a orientar os centros de formadores de opinião e contribuir para a
construção de consenso político e social sobre questões caras ao exercício da
Soberania e tutela da Segurança. Nesse sentido, sob a égide da proposta de ofertar
embasamento conceitual à análise de fenômenos regionais, identificou-se a partir de
movimentos de recalcitrância observados o condicionamento da manifestação do
fenômeno a peculiaridades geográficas comuns aos países da América Latina.

A gritante desigualdade social evidenciada pela extrema pobreza em zonas


marcadas pela ausência do Estado são características geográficas que condicionam
a emergência do fenômeno de recalcitrância, demandando uma análise acerca das
condições sócio-geográficas que influenciam o fenômeno.

Nesse sentido, embasando-se em trabalhos de Santos (1997), compreende-


se o espaço como uma acumulação desigual de tempos, uma vez que a ação do
homem no território não se manifesta de maneira uniforme, mas é intensamente
desigual. Milton Santos denomina essa desigualdade de Rugosidade. As
rugosidades são expressões de assimetria observadas no espaço, que não se
restringem às estruturas técnicas fixas e características de um determinado
momento. Atualmente, os avanços tecnológicos alcançam a instalação de meios
45

técnico-científico-informacionais, que possibilitam a interação do homem sobre o


ambiente em termos que flexibilizam os parâmetros tradicionais de tempo e espaço.
A intensidade e alcance global dos fluxos de dados, pessoas, bens e capitais,
possibilitados pelo ambiente técnico-científico-informacional, caracterizam a
globalização.

Estas características desiguais do espaço e as diferentes opções humanas


em sua relação com o ambiente levam a uma inexorável assimetria entre os níveis
de concentração espacial dos recursos - capital, população, estrutura logística e
outros recursos de poder (SANTOS; SILVEIRA, 2002). Essas zonas são chamadas
por Milton Santos de Zonas Luminosas, onde a presença de instalações e recursos
impulsiona a intensidade dos fluxos. A circulação de pessoas, dados, ideias, capitais
e mercadorias constrói a possibilidade de expansão e acumulação de todos esses
recursos. Em oposição, identificam-se áreas deprimidas onde a falta de recursos e
instalações interrompe a dinâmica dos fluxos e compromete o desenvolvimento
sócio-econômico desses espaços. Essas são as Zonas Opacas, como ensinado
pelo professor Milton Santos.

A dinâmica de fluxos permite, não apenas a homogeneidade dos espaços


sócio-geográficos, mas também sua integração, em oposição a áreas deprimidas
pela sua ausência, que tendem a um maior isolamento. As zonas opacas são,
assim, caracterizadas por rugosidades que impedem essa homogeneização e estão
sujeitas a processos disruptivos, o que desperta interesse de políticas públicas de
Segurança e Defesa, perspectiva que não é abordada pelo professor Santos.

Complementando a perspectiva geográfica com a percepção política do


espaço, Guillermo O'Donnell (1993) identifica deficiências nas instituições
democráticas latino-americanas produzidas a partir de processos históricos de
constituição dos Estados, marcados por assimetrias estruturais. Tais peculiaridades
do espaço latino-americano carecem de conceitos próprios que auxiliem sua
compreensão, mas em refência a estas assimetrias espaciais, O'Donnell apresenta
os conceitos de Democracia Delegada, em oposição à Democracia Representativa.
Esta última caracteriza-se pela eleição de representantes políticos que encaminham
demandas sociais aos centros decisórios, como instituições mediadoras do
processo de canalização das expectativas coletivas. Já em Democracias Delegadas,
46

a fragilidade das instituições não lhes confere a oportunidade de articular as


demandas sociais, reservando aos representantes eleitos pelo voto a tarefa de
liderar processos de tomada de decisão no âmbito de um mandato que lhes outorga
poderes para melhor atingir o interesse coletivo.

Nesse sentido, as democracias delegadas tendem a concentrar o poder no


executivo e em seus representantes eleitos. Uma vez que se identifica uma frágil
capilaridade dos mecanismos de participação popular, a interação entre Estado e
sociedade se manifesta mais intensamente onde o aparelho da burocracia do
Estado está concentrado. Ou seja, a percepção do Estado na sua dimensão
ideológica, coercitiva e burocrática se confunde com o aparato burocrático e seus
representantes, nitidamente concentrados nas capitais e centros urbanos. A
consequência direta desse processo de concentração é a assimetria dos aspectos
da cidadania e do Estado de Direito à medida que os distintos estratos sociais se
distanciam dos centros de decisão e ocupam áreas pouco dinâmicas, na periferia.

A partir da observação dessa assimetria, O'Donnell formula o conceito de


Áreas Marrons, caracterizadas por baixa intensidade de cidadania, onde a
funcionalidade do Estado e de suas instituições esmorece, resultando em fraqueza
da legalidade e de seus instrumentos de controle. Essas áreas são áreas de
evidente ineficiência do Estado:

(...) Estados ineficazes coexistem com esferas de poder autônomas


e territoriais. Esses estados são incapazes de garantir a eficácia de
suas leis e políticas em todo o território e do sistema de
estratificação social. As regiões periféricas ao centro nacional (que
geralmente sofrem mais com crises econômicas e têm burocracias
mais fracas que o centro) criam (ou reforçam) sistemas de poder
local que tendem a atingir graus extremos de dominação
personalista e violenta (patrimonial e até mesmo sultanista, na
terminologia weberiana), dada a todo tipo de práticas arbitrárias. Em
muitas das democracias emergentes, a eficácia de uma ordem
nacional incorporada na lei e na autoridade do Estado desaparece
assim que nos afastamos dos centros nacionais e urbanos.
(O´DONNELL; WOLFSON, 1993, p. 09-10, tradução nossa)

Estes conceitos formulados por O'Donnell, Democracia Representativa e


Delegada, Zonas Luminosas e Marrons, permitem uma perspectiva política em
áreas onde a ausência do Estado e os debilitados nexos de cidadania
comprometem o exercício da Soberania, em sua vertente interna. Assim sendo,
reconhecendo a eficácia da soberania como um requisito para a sobrevivência do
47

Estado, há uma necessidade de análise das ameaças que áreas marrons


representam à Segurança e à Defesa Nacional. Isto é, além da necessidade de
políticas públicas à superação de áreas Marrons, propõe-se a securitização de
zonas que, por comprometerem muito mais que a cidadania, deveriam ser objeto de
políticas públicas de Defesa.

Para incorporar a perspectiva geográfica à política em um conceito voltado à


Segurança e Defesa, se agrega à análise a perspectiva geoestratégica de Thomas
Barnett (2005), que destaca a globalização como promotora de uma crescente
interdependência entre os Estados que, interconectados, não só integram suas
economias à rede internacional, como também seu modus vivendi.

O comércio internacional atua nesse cenário como um estímulo à produção


de bens e à distribuição de recursos que beneficiam os atores envolvidos no
processo de globalização, embora em diferentes medidas. Esse fluxo comercial,
acompanhado por investimentos interestatais, turismo, intercâmbio acadêmico e
todas as formas de contato entre povos de diferentes nações tem contribuído para a
homogeneização cultural e compartilhamento de valores entre os Estados. Esse
seria o Núcleo Funcional do Sistema Internacional (Core).

Em oposição, existem áreas do globo onde fluxos homogeneizantes são


constrangidos. Invariavelmente, essas zonas atuam contra o estabelecimento de
fluxos regulares em áreas próximas, além disso, exportam seus conflitos e
ideologias hostis ao modelo de globalização e integração internacional. Thomas
Barnett nomeou esse espaço de Non-Integrated Gaps (Gaps):

Mostre-me onde a globalização está repleta de conectividade de


rede, transações financeiras, fluxos de mídia liberais e segurança
coletiva, e mostrarei as regiões que oferecem governos estáveis,
aumentando os padrões de vida; onde há mais mortes por suicídio
do que por assassinato. Essas partes do mundo chamamos de
Núcleo Funcional ou Core. Mas mostre-me onde a globalização está
diminuindo ou simplesmente ausente, e mostrarei a você regiões
atormentadas por regimes de repressão política, pobreza e doenças
generalizadas, assassinatos em massa de rotina e, mais importante,
conflitos crônicos que incubam a próxima geração de terroristas
globais. Essas partes do mundo eu chamo de Non- Integrated Gaps,
ou Gap. (BARNETT, 2003, p.01-02, tradução nossa).
48

Ao lado da tarefa protetiva do pretenso gendarme do mundo, Barnett aponta


como estratégia preventiva a extensão das áreas integradas aos fluxos do sistema
internacional, o que necessariamente envolve a redução do Gap. Como tal, assume-
se a tarefa de promover a estabilidade através da proteção dos núcleos funcionais
do Sistema Internacional (Zonas Core) contra ameaças emergentes de áreas não-
integradas, envoltas em terrorismo, tráfico de drogas e epidemias e crime
organizado.

5.2 ZONAS DE SOMBRA

A partir da análise do espaço e sob a perspectiva da Segurança e da Defesa,


propõe-se a formulación del concepto de Zona de Sombra. Define-se, portanto,
Zona de Sombra como o espaço sócio-geográfico expoente de assimetrias
estruturais que conduzem a fragilidades do ordenamento jurídico, agravado pela
debilidade da capacidade Estatal de ofertar serviços e impor a ordem. Estas
condicionantes caracterizam potencial amenaça à Segurança e à Defesa, uma vez
que possibilitam a emergência de discursos disruptivos com a potencialidade de
legitimarem movimentos de recalcitrância.

Assim, considerando os custos de oportunidade representados pela opção de


uso dos meios disponíveis e de orçamentos designados, há que se identificar no
território nacional as Zonas de Sombra como espaços sócio-geográficos com maior
propensão a emergência de riscos relacionados à Segurança e Defesa. Aponta-se,
por fim, a necessidade de orientação de políticas públicas adequadas à integração
desses territórios, para favorecimento dos fluxos e mitigação dos processos de
recalcitrância, promovendo a sua integração ao território nacional e aos fluxos
homogeinizantes.

Por esta lógica, a implementação de estratégias eficazes para enfrentar de


forma preemptiva as ameaças à Segurança e à Defesa necessita compulsoriamente
superar as rugosidades que comprometem os fluxos no território e estimular a
integração das Zonas de Sombra aos Núcleos Funcionais do Estado. Destarte,
ampliar-se-á a circulação de informação, de capitais, bens e pessoas, promovendo
49

estímulo à produção e à distribuição de recursos, contribuindo para o


desenvolvimento, a difusão cultural e o compartilhamento de valores em todo o
território.

Este cenário não só coopera à constituição de estruturas socioeconômicas


estáveis, como mitiga assimetrias estruturais, tendendo a permitir uma melhor
capilaridade das estruturas burocráticas da democracia. Tal tentativa é
indispensável para a supressão de Zonas de Sombra, uma vez que consolida os
laços de cidadania através do reconhecimento da legitimidade da autoridade do
Estado pelos administrados, bem como o exercício de instrumentos legais de
coerção e imposição de ordem.

O acima exposto corresponde a uma visão multidimensional de temas que,


instrumentalizados para o âmbito da Segurança e Defesa, se complementam, não
apenas para identificar um cenário adverso, mas também para propor uma
intervenção construtiva e preventiva de conflitos. .

5.3 O PROCESSO DE RUPTURA INSTITUCIONAL

Após a análise a) dos agentes envolvidos nos processo de Recalcitrância; b)


do espaço em que estão circunscritos; orienta-se esta análise a observação acerca c) da
dinâmica do processo de recalcitrância.

De uma perspectiva sociológica, as disputas dos grupos de interesse são


reconhecidas como um fator que possibilita o exercício da política, porém a falta de
canais institucionalizados de reivindicação e reconhecimento das demandas de um
determinado grupo pode orientar a conduta dessa coletividade a alternativas que
julguem mais adequadas para suas aspirações, apresentadas sob um discurso de
ruptura.

A instrumentalização desse discurso de ruptura é politicamente direcionada,


podendo alcançar maior capacidade de identificação com os indivíduos se ancorado
em outros vetores, como etnia, território, idioma, religião etc. Dessa forma, o
50

discurso recalcitrante se torna capaz de polarizar o interesse de um determinado


grupo que, em algumas circunstâncias, se sente subjugado, mas que reconhece no
discurso recalcitrante um alento a suas necessidades.

Logo, identifica-se a determinação à luta armada e à violência como uma


resposta de força contra a percepção de opressão que sofre determinando grupo
político (recalcitrante), levando-o a não reconhecer como legítima a autoridade que
a exerce. Esta perda de legitimidade do Estado deriva da incapacidade parcial ou
total para prestar serviços mínimos, como segurança, saúde e bem-estar aos seus
cidadãos. Neste contexto, a falta de canais de reivindicação para o reconhecimento
de demandas impulsiona a adesão a discursos de ruptura institucional que ofertem
alternativas válidas ao atendimento dos interesses de determinada coletividade.

Portanto, uma vez que se perceba os grupos de interesse como a articulação


de indivíduos de necessidades semelhantes sob um discurso politizado, a
emergência de grupos recalcitrantes pode ser entendida como a radicalização desse
grupo de interesse em resposta à incapacidade do Estado de propor soluções
negociadas ou mesmo de ofertar perspectivas de adequado encaminhamento de
demandas, majorando tensões entre diferentes grupos sociais, polarizados por
questões étnicas, políticas, religiosas ou de classe (AGUAS, 2005).

Após a perda de legitimidade derivada desse processo, sem instrumentos


adequados de representação e de coerção, originam-se várias formas de violência
política, tanto estatal como recalcitrante. Nesse contexto, em que pese as questões
valorativas acerca dos recursos utilizados em conflitos assimétricos por agentes
recalcitrantes, a estrutura do conflito segue o modelo proposto Rosière (2011), onde
a percepção de opressão e repressão interna é retroalimentada pela oposição de
guerrilhas, subleveções e revoluções, que emergem como forma de resistência a
violência estatal.

O grupo recalcitrante emerge, assim, como resistência a forças que entende


como opressoras. Primeiro, um governo que não consegue integrá-lo
satisfatoriamente, deixando claras as diferenças entre os grupos integrados e os
marginalizados, cujas diferenças constituirão um elemento de discurso para o
reconhecimento de identidades próprias e subversivas à autoridade que não os
51

representa. Essas diferenças tornam-se ainda mais evidentes quando


acompanhadas por uma presença estrangeira, ainda que tão somente representada
pela influência cultural (RAMEL, 2011).

Neste contexto, o conflito emergirá onde há a perda da força de coesão,


entendida como uma unidade social e territorial, notariamente nas aqui
denominadas Zonas de Sombra. Sobre essa coesão encontra-se a legitimidade do
Estado para a coerção e para a disseminação de ideologias, auxiliados pelos
elementos simbólicos da identidade unitária (NOGUÉ FON e VICENTE RUFÍ, 2001).
Contudo, em áreas de fluxos deprimidos, assoladas pela pobreza e violência, com
escasso déficit de cidadania e não integradas às zonas dinâmicas do Estado, a
tendência a processos disruptivos esmaece a subordinação ideológica prescrita por
Weber e consolidadora dos Estados Nacionais.

5.4 GUERRA ASSIMÉTRICA

Embora não seja objeto deste trabalho, observou-se por ocasião da análise
realizada, que os vários grupos recalcitrantes analisados recorrem deliberadamente
ao crime para financiar suas atividades: sequestro, extorsão, roubo e tráfico de
drogas, o que tampouco impede que se valham de apoio externo. As violações
apontadas também são agravadas com a prática deliberada de atentados, explosão
em áreas urbanas, deslocamento de populações civis e assassinatos de não
combatentes e prisioneiros. Ou seja, há um confronto claro com os princípios da
guerra através da opção sistemática pela violação da lei, e até por crimes contra a
humanidade, como tipificado no Estatuto de Roma, além de recorrentes violações
das Convenções de Genebra e seus protocolos.

O que se vislumbra decorre do desenvolvimento industrial e tecnológico dos


recursos de guerra, que minimizaram a capacidade de um agente não estatal de
arcar com o custo de uma guerra convencional (KALDOR, 2013). Por outro lado, as
estratégias de terrorismo conferem visibilidade a grupos recalcitrantes e, quanto
maior a violência empregada, maior o impacto de seus eventos e a disseminação de
seus objetivos e ideologias. Essa estratégia também procura impor custos ao
52

adversário que, a longo prazo, tende a forçar os agentes decisores a abrir


negociações ou oferecer concessões.

A reabilitação de grupos como as FARC, IRA e até o Talibã se circunscreve


nesse contexto, porém a análise de guerras assimétricas é matéria da qual não se
ocupa este trabalho, apesar do reconhecimento de sua pertinência temática.
53

6 CONCLUSÃO

O reconhecimento dos desafios e ameaças próprios do contexto sul-


americano é imprescindível à formulação de políticas públicas adequadas para o
enfrentamento da realidade regional, com o melhor aproveitamento das
oportunidades existentes para o incremento da Segurança e da Defesa continental.
Ademais, a identificação realista de desafios nacionais coopera à construção de
consenso político em torno de seu enfrentamento, favorecendo sobremaneira a
alocação de recursos públicos, da mesma forma que mitiga o custo político da
elaboração e implementação de políticas públicas, com uma abordagem mais
efetiva na perspectiva da Defesa Nacional e da Segurança Pública.

Buscou-se, neste projeto que se encerra, enfocar conceitualmente a dinâmica


de conflitos decorrentes da perda da sujeição política que atenta contra a Defesa,
considerando-se a estrutura constitucional do Estado Westifaliano / Weberiano,
observando-se o processo a partir do qual emergem grupos que se insurgem contra
o Estado. A análise visa contribuir para uma melhor compreensão dos processos
disruptivos protagonizados por esses atores e, consequentemente, das dinâmicas
de conflitos contemporâneos;

Fez-se uso da interdisciplinariedade, mesclando conceitos jurídicos,


geográficos e sociológicos aplicados a uma perspectiva relacionada à Segurança e
Defesa. Optou-se por uma análise pautada pelo método indutivo, ofertando a
possibilidade da cognição de uma realidade diversa da representada por discursos
hegemônicos, que não têm contribuído ao enfrentamento dos desafios regionais;

Sob esses parâmetros, trabalho apresentado atingiu as seguintes


conclusões:

a) Primeiro, destacou-se a necessidade da construção de conceitos autóctones


para o entendimento das realidades regionais. A insistente tendência dos
centros de formação de opinião e dos espaços de tomada de decisão na
adoção de ideologias estrangeiras invariavelmente leva a uma percepção
equivocada das variáveis do sistema internacional;
54

b) Por tal, defendeu-se que conceitos ajustados à realidade regional tendem a


permitir uma melhor análise dos custos de oportunidade, dos espaços de
manobra e dos interesses nacionais, caracterizando um recurso necessário
aos espaços produtores de conhecimento, a fim de subsidiar centros de
tomada de decisão e cooperar na constituição de consenso político e social
de projetos nacionais de Segurança e Defesa. O resultado dessa concertação
política é invariavelmente a formatação e implementação de políticas públicas
que tendem a ser dotadas de maior eficácia, devido a mitigação dos custos
políticos de seu desenvolvimento e a posssibilidade de ações preventivas,
notoriamente menos custosas, em termos econômicos, socias e políticos;

c) Assim sendo, após uma breve regressão histórica, apontou-se a necessidade


de aggiornamento das funções das Forças Armadas, em um cenário de pós-
Guerra Fria, como estratégia de Estado, onde a securitização observa Novas
Ameaças e desafios locais. Não se desconsidera o papel tradicional das
Forças Armadas e sua função de manutenção da soberania e proteção do
território, contudo, como observado, os países em desenvolvimento detêm
suas principais ameaças oriundas do espaço interno, decorrente de
fragilidades estruturais em geral superadas pelos países desenvolvidos. Por
tal, a orientação das instituições latino-americanas e sua doutrina não deve
meramente reproduzir os conceitos tradicionais, oriundos do Norte e voltados
ao enfrentamento de ameaças pertinentes aos espaços onde são
conjecturados e equivocadamente aplicados de forma universal;

d) Nesse contexto, a dicotomia entre Segurança Interna e Defesa, onde a


perspectiva tradicional orienta a Defesa para o enfrentamento de ameaças
externas foi identificada como anacrônica, oriunda de um contexto de
formação de Estados Nacionais gestado no espaço Europeu e superado ao
longo do século XX;

e) Por tal, propôs-se uma classificação para condutas desviantes a partir da


Sociologia do Desvio, caracterizando comportamentos como rebeldia,
desobediência civil, crime e recalcitrância, sendo apenas este último objeto
55

da Defesa, uma vez que se insurge contra as estruturas do Estado e suas


instituições, possuindo a pontencialidade de catalizar processos disruptivos;

f) Alguns desses processos disruptivos que ganharam notoriedade na América


do Sul foram descritos a partir da própria perspectiva de agentes que
ousaram se manifestar publicamente. A partir de tais declarações, identificou-
se similaridades de carcaterísticas que evidenciaram a recalcitrância como
fenômeno estrutural da América do Sul ao longo do Século XX;

g) Apontou-se a similaridade de cenários sócio-econômicos no espaço sul-


americano caracterizados pela gritante desigualdade social evidenciada pela
extrema pobreza em zonas marcadas pela ausência do Estado,
características geográficas que condicionam a emergência do fenômeno de
Recalcitrância;

h) As carências apontadas se mostram inerentes a regiões subdesenvolvidas,


sugerindo a aplicabilidade das ferramentas a outras áreas do globo de
similares características sócio-econômicas.

i) Entre os Estados da América do Sul, também identificou-se a semelhança


entre os processos de emergência dos grupos insubordinados, sendo
derivados da incapacidade estatal de atender necessidades e expectativas da
coletividade. Trata-se do agravamento de aspectos políticos disruptivos,
derivados de uma baixa intensidade de cidadania em espaços deprimidos de
expressões técnico-científico-informacionais, contribuindo para potenciais
conflitos e transbordos de instabilidade;

j) Trata-se do processo de ruptura institucional, cerno do trabalho apresentado,


que se relaciona com o reconhecimento por um grupo de interesse de opções
diferentes daquelas dirigidas pelo Estado. Defede-se que a ineficácia dos
canais para encaminhamento de demandas também é decisiva, o que
converge para o reconhecimento da opção de ruptura institucional como
instrumento legítimo de proteção de interesses individuais, que são
compartilhados por uma determinada coletividade sob um discurso disruptivo;
56

k) Isto é, a escolha do recurso às armas deriva da ineficiência de canais


políticos para encaminhar demandas insatisfeitas de indivíduos que, então,
se organizam politicamente sob um discurso de resistência, seja ele com
bases étnicas, religiosas ou ideológicas;

l) Assim emerge o fenômeno de recalcitrância, em resistência a forças


identificadas por grupos marginalizados como opressivas. Em primeiro lugar,
um governo que é incapaz de integrar de forma satisfatória grupos
historicamente excluídos, evidenciando as diferenças entre grupos integrados
e marginalizados. Diferenças essas que tem a potencialidade de se tornarem
elementos de reconhecimento de uma identidade alheia ao projeto de coesão
nacional, sob um discurso subversivo à autoridade constituída, a qual deixa
de ser atribuída legitimidade;

m) Por fim, a violência extrema e a violação sistemática dos direitos humanos


perpetrados por esses grupos estão circunscritos a contexto de conflitos
assimétricos, onde grupos dotados de menos recursos logísticos e
capacidade de projeção de força buscam alternativas para envolver a opinião
pública no conflito e forçar governos constituídos a abrir negociações ou
oferecer concessões.
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