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CRIANÇAS FELIZES: PROCURAM-SE!

Vivemos hoje numa sociedade em transformação onde as pessoas existem em


modo automático, sem tempo, disposição e paciência para serem
autoconscientes, críticas e agentes transformadores de tudo o que se passa à
volta delas.

Hoje não temos crianças felizes porque simplesmente não temos mais
crianças. Essa etapa do nosso desenvolvimento foi banida. Hoje temos adultos
minis. Brincar, inventar, magoar-se e descobrir-se faz cada vez menos parte da
vida de uma criança. As crianças não estudam, nem aprendem, elas trabalham.
Árduo, no duro, intelectual e emocionalmente. No entanto, muitas delas não
gostam do trabalho que têm. A culpa é de um sistema de educação que não
permite cada um ser o que é, que não permite cada um crescer feliz com as
suas inaptidões, que perpetua a atitude de limitar a inteligência àquelas
disciplinas em específico e à capacidade de memorização. Um sistema que
nos formata a todos como iguais. Mas o mesmo sistema nos exige na entrada
para mercado de trabalho que sejamos empreendedores, criativos, que
tenhamos soluções alternativas, que sejamos diferentes. Como? Se o sistema
nos trata a todos por iguais? Se não permite cada um exprimir os seus talentos
e desenvolver as suas paixões?
Um sistema que persiste do século passado desadaptado e envelhecido para a
juventude do nosso século. Existem crianças fabulosas mas pouco
conformadas ao nosso modelo de ensino porque ele não é cativante, não
desperta a curiosidade nem o gosto pela aprendizagem. É um sistema de
imposições, onde as crianças não têm voz, não são livres de escolher. Tal
como um adulto infeliz no seu trabalho porque faz o que não gosta, hoje em
dia temos crianças infelizes porque estudam o que não gostam. Tal como um
adulto que cai em depressão – uma tristeza profunda – porque se sente infeliz
com a vida, cada vez mais crianças também deprimem e exprimem ansiedade
por não estarem felizes. O sistema faz pressão. Pressão para que cada um
aprenda a ser o que não é, a saber o que não lhe interessa, a competir na pauta,
como se todos pudéssemos ser avaliados da mesma maneira. E os pais
deixam-se ir no sistema. Hoje em dia assisto a cada vez mais a pais em raiva
porque o filho tirou um 3 na pauta, porque o filho não é o melhor. Às crianças
já não lhes é permitido errar. Os pais acreditam tanto neste sistema que se
esqueceram da unicidade e raridade da personalidade dos seus filhos.
Esqueceram-se do ser único que faz parte da vida deles. Os filhos já não são
filhos são troféus de exibição do título de melhor pai.
Atualmente os pais dispõem de cada vez menos tempo para os filhos devido
ao medo que destilam todos os dias pra cima deles. Acham que têm de
trabalhar muito para que não falte nada aos filhos. Substituem cuidados e
afetos por bens materiais. Trabalham para que não lhes falte nada? E tempo
para eles? Tempo para os ouvir, para brincar com eles, para contar as histórias
de família, para passear, para ensinar-lhes as coisas que não se aprendem na
escola, tempo simplesmente para estar presente nas vidas deles. É sob este
paradigma do “para que nunca te falte nada”, que quando uma criança exige
atenção os pais se desculpam. Então a criança aprende a desenvencilhar-se
sozinha do emaranhado emocional, isola-se, é obrigada a autossustentar-se de
amor, quando nem sequer sabe como o fazer. Não podemos depois culpar as
crianças porque se portam mal, porque são hiperativas quando os pais não têm
tempo para escutá-las e apoiá-las nas necessidades de afeto. Os filhos não
ganham à vontade para se exprimir, para se explicar, não desenvolvem sentido
critico e aprendem a ser subservientes, submissos e conformados com o
sistema das coisas, porque os pais não têm tempo para os porquês. Esses o
Google resolve. Os pais já não existem mais como pais. Os pais foram
substituídos por amas mecanizadas: tablets, computadores e consolas.
Queixamo-nos que vivemos num tempo onde parece não haver sentimentos
uns pelos outros. Pudera! Se as nossas crianças estão à mercê de máquinas que
substituem os pais de carne e osso e sentimentos!
Não existem crianças felizes porque também já não existem pais felizes, bem
resolvidos. Os pais de hoje foram as crianças de ontem, lembram-se daquelas
que eu estive a falar?
É uma contradição o que exigem das crianças na vida adulta com o que lhes
ensinam em crianças. Ah, esperem! Claro, já nascem todas ensinadas! Isto
poupa muito trabalho a todos…
O que precisamos de fazer para encontrar crianças felizes? Talvez as soluções
não agradem a todos, mas precisamos de reformas profundas na educação. Se
queremos adultos empreendedores, criativos, com espírito crítico, boas
competências sociais, então o sistema de ensino atual não corresponde. É
preciso um sistema que valorize os talentos e paixões de cada um, que
desperte a curiosidade, que promova o trabalho em equipa e a cooperação em
competição saudável, que desenvolva a criatividade e o pensamento
divergente, que inclua tempo para brincar e inventar, que rompa com
conformismos e padrões, que faça das crianças agentes ativos nas decisões do
seu percurso académico e de vida e que acima de tudo valorize a diferença
individual. É preciso que os pais tenham tempo para ser pais. Ser pai ou mãe é
uma profissão onde o produto desenvolvido só fica pronto ao fim de uns anos.
Exige tempo, paciência, dedicação e abnegação. E que o uso das máquinas
seja limitado!
Por favor, adultos felizes lutem contra o sistema! Defendam a felicidade das
crianças. Milagres, só com a ajuda das nossas ações!

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