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Um leão no bosque de Palermo

Adolfo Bioy Casares

Devaneios de uma leitora pouco atenta...

O citado conto começa com uma epígrafe de um poema de Oscar Wilde que vai falar
dos relacionamentos sexuais de uma esfinge, metade humana metade animal, como a que
Édipo encontra em Tebas e apesar da exclamação – Vai-te daqui animal horrendo - o que
vemos no conto é um paradoxo.

Gostaria de mostrar as personagens, em ordem de aparição...

Doutor Standle-Zanichelli: sócio do Club Atlético, sempre um retardatário, um dos


últimos a sair, meticuloso a repartir o cabelo, cuidadoso com a imagem civilizada de um
cavalheiro discursa com propriedade sobre a civilização e a fera primitiva sublimada pelo
homem sem o qual já estaria predestinada a extinção. Porém, segundo ele, a civilização não
triunfou, a bestialidade, a agressividade e a natureza dos instintos anda à espreita, e o menor
descuido, a tal da civilização cairá por terra. Evidentemente, por ter percebido isso, será ele a
vítima perfeita da primitiva bestialidade disfarçada em um leão fugido do zoológico, ao sair do
clube montado em sua perfeita bicicleta e em sua perfeita arrogância civilizada.

Daniel: zelador do vestuário, responsável por fechar as portas, passa o dia atarefado
com as responsabilidades e atendendo aos sócios repletos de quereres. Cansado, não vê a
hora de chegar em casa e tomar um mate... casado, tem filhos, mas não só isso tem uma
amante ao qual se encontra no Deportivo as escondidas. Ao escutar o doutor, não entende
nada, só deseja ir embora. Em casa, tudo se repetia dia após dia, a mulher o mandava sair para
poder fazer o jantar em sossego e ele aproveitava esse pedido para sua aventura amorosa com
Susana, mas nesse dia especialmente a mulher o recebeu diferente, já esbravejando,
certamente desconfiava das traições. Discutiram como nunca antes e em vez de ir ao
encontro, deitou-se na cama, pensou em sair, mas lembrou do leão.

O Outro Sócio: assim mesmo, sem nome, nem pormenores, só desejava pegar o trem.
Junto a babá tira as roupas e devora uma perna de vaca escondidos de todos. Luta por ela,
com o barista que só se aparta com a chegada do desejum.

Lorenzo, o galego do bar: habitualmente cortês e servil, irrita-se por não conseguir
ouvir a notícia sobre a fuga dos leões. Disputa a babá como Outro sócio, ameaça matar o
menino e servi-lo de comer por este derrubar as garrafas no bar e fazer outras travessuras.

Melania: esposa de Daniel, mãe de três meninos, é colocada como desleixada e suja
pela amante e o marido, quando descobre a traição (... nunca brigaram tão brutalmente...)
ameaça ir ao encontro no lugar dele e arrancar os olhos da amante, mas fica só na intenção...

Renata, a babá: uma verdadeira mãe para Orlandito. A principio parece ser uma
pessoa sensata, mas passa a agir de modo pouco comum, se oferecendo para o Outro sócio,
anunciando uma fome extrema e não se importando que pretendam assar a criança e servi-la
como um porco, ela mesmo diz – Eu lhe indicarei, senhor, as carnes mais tenras. – Devora uma
perna de vaca na cozinha com o Outro sócio, tira as roupas...

Orlandito: “menino modelo”, os pais viajam pelo Caribe e o deixam aos cuidados da
babá. Se mostra rebelde fazendo todo tipo de travessuras, até fugir para o bosque...

Susana: a amante de Daniel, “a senhora do colega”, não me parece claro se é ou não


esposa do Lorenzo, divaga pensando em Daniel por não vir ao encontro e pensa ser culpa da
esposa, uma degenerada. Daniel, pensando nela, imagina-a como uma ovelha e ele pronto a
dar o bote.

O espírito nonsense, os arroubos permitidos pelo fato de um leão fugido, o medo, tudo
isso remete a uma sociedade que de modo algum deixou de lado seus instintos primitivos, que
só aguardam uma oportunidade, pequena que seja, para se manifestarem. Mesmo assim,
ninguém vai muito além do permitido, apesar da ameaça a pobre esposa ela se resigna, Daniel,
não vai ao encontro da amante, ela mesmo só divaga pela janela, no clube ninguém “come” a
criança. No dia seguinte, com os espíritos apaziguados, Daniel e os do clube se preocupam com
a criança e o doutor que ainda não apareceu. Pela janela, descobrem formas geométricas (a
razão?) perto do portão. Daniel se arrisca pelo bosque em busca do menino apesar de lembrar
dos filhos, mulher e amante. Achou-o seguro perto do lago,e de mãos dadas na volta
encontram o grupo do clube em trajes pouco comuns à procura do menino apesar do leão.
Daniel antes de achar o menino, chega perto das formas geométricas e nada mais eram que a
bicicleta do doutor e uma poça de sangue. Esse se deixou levar pela selvageria...

O leão foi capturado e suas vidas também?

Existe dentro de cada um de nós um animal selvagem, que vive controlado, pronto a
fugir para o bosque, longe dos olhares reprimidores da sociedade? A fuga do leão
desencadeou uma série de acontecimentos e atitudes inesperadas frente à perspectiva de
morte ou do desconhecido, o medo, e isso mostra o quanto nós somos dependentes da
normalidade ou vivemos em função de acharmos que podemos estar sempre no controle da
vida. Quando isso não acontece, como agora, frente ao que o planeta vive hoje com a
pandemia, perdemos a noção de civilidade, e com isso o perigo de agirmos por conta própria,
a mercê de nossos desejos sem pensar na vida em comum, no outro. Mas existe nossa
consciência, a ética, não precisamos ter um Deus que nos diga o que é certo ou errado, agimos
conforme nossas diligências.

Nossas personagens por fim, agiram de forma digna.

Um adendo:

Não consigo ler esse conto sem me lembrar dos desenhos de Tom & Jerry ou
Pernalonga e sua turma, onde sempre tem alguns episódios onde se escuta no rádio a fuga de
um leão ou outro animal selvagem do zoo ou do circo e este sempre vai de encontro ao
convívio das personagens, para o bem ou para o mal.

Jeanice Ferreira

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