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Soteriologia 1

Soteriologia

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Soteriologia 3

(Org.) Prof. Pr. VICENTE LEITE

Soteriologia
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Soteriologia 5

Prefácio
Este Livro de Soteriologia, parte de uma série que compõe a grade curricular
do curso em Teologia do IBETEL, se propõe a ser um instrumento de
pesquisa e estudo. Embora de forma concisa, objetiva fornecer informações
introdutórias acerca dos seguintes pontos: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
BÍBLICO-TEOLÓGICO; TRATADO TEOLÓGICO DOUTRINÁRIO e
DOUTRINAS SOTERIOLÓGICAS.

Esta obra teológica destina-se a pastores, evangelistas, pregadores,


professores da escola bíblica dominical, obreiros, cristãos em geral e aos
alunos do Curso em Teologia do IBETEL, podendo, outrossim, ser utilizado
com grande préstimo por pessoas interessadas numa introdução a
Soteriologia.

Finalmente, exprimo meu reconhecimento e gratidão aos professores que


participaram de minha formação, que me expuseram a teologia bíblica
enquanto discípulo e aos meus alunos que contribuíram estimulando debates
e pesquisas. Não posso deixar de agradecer também àqueles que
executaram serviços de digitação e tarefas congêneres, colaborando, assim,
para a concretização desta obra.

Prof. Pr. Vicente Leite


Diretor Presidente IBETEL
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Soteriologia 7

Declaração de fé
A expressão “credo” vem da palavra latina, que apresenta a mesma grafia e
cujo significado é “eu creio”, expressão inicial do credo apostólico -,
provavelmente, o mais conhecido de todos os credos: “Creio em Deus Pai
todo-poderoso...”. Esta expressão veio a significar uma referência à
declaração de fé, que sintetiza os principais pontos da fé cristã, os quais são
compartilhados por todos os cristãos. Por esse motivo, o termo “credo” jamais
é empregado em relação a declarações de fé que sejam associadas a
denominações específicas. Estas são geralmente chamadas de “confissões”
(como a Confissão Luterana de Augsburg ou a Confissão da Fé Reformada
de Westminster). A “confissão” pertence a uma denominação e inclui dogmas
e ênfases especificamente relacionados a ela; o “credo” pertence a toda a
igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração de
crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O
“credo” veio a ser considerado como uma declaração concisa, formal,
universalmente aceita e autorizada dos principais pontos da fé cristã.
O Credo tem como objetivo sintetizar as doutrinas essenciais do cristianismo
para facilitar as confissões públicas, conservar a doutrina contra as heresias
e manter a unidade doutrinária. Encontramos no Novo Testamento algumas
declarações rudimentares de confissões fé: A confissão de Natanael (Jo
1.50); a confissão de Pedro (Mt 16.16; Jo 6.68); a confissão de Tomé (Jo
20.28); a confissão do Eunuco (At 8.37); e artigos elementares de fé (Hb 6.1-
2).

A Faculdade Teológica IBETEL professa o seguinte Credo alicerçado


fundamentalmente no que se segue:

(a) Crê em um só Deus eternamente subsistente em três pessoas: o Pai,


o Filho e o Espírito Santo (Dt 6.4; Mt 28.19; Mc 12.29).

(b) Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé


normativa para a vida e o caráter cristão (2Tm 3.14-17).

(c) No nascimento virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória,


em sua ressurreição corporal dentre os mortos e sua ascensão
vitoriosa aos céus (Is 7.14; Rm 8.34; At 1.9).

(d) Na pecaminosidade do homem que o destituiu da glória de Deus, e


que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora
de Jesus Cristo é que o pode restaurar a Deus (Rm 3.23; At 3.19).
(e) Na necessidade absoluta no novo nascimento pela fé em Cristo e pelo
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poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o


homem digno do reino dos céus (Jo 3.3-8).

(f) No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna


justificação da alma recebidos gratuitamente na fé no sacrifício
efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (At 10.43; Rm 10.13; 3.24-
26; Hb 7.25; 5.9).

(g) No batismo bíblico efetuado por imersão do corpo inteiro uma só vez
em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme
determinou o Senhor Jesus Cristo (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12).
(h) Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa
mediante a obra expiatória e redentora de Jesus no Calvário, através
do poder regenerador, inspirador e santificador do Espírito Santo, que
nos capacita a viver como fiéis testemunhas do poder de Jesus Cristo
(Hb 9.14; 1Pe 1.15).
(i) No batismo bíblico com o Espírito Santo que nos é dado por Deus
mediante a intercessão de Cristo, com a evidência inicial de falar em
outras línguas, conforme a sua vontade (At 1.5; 2.4; 10.44-46; 19.1-7).
(j) Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à
Igreja para sua edificação conforme a sua soberana vontade (1Co
12.1-12).
(k) Na segunda vinda premilenar de Cristo em duas fases distintas.
Primeira - invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja fiel da terra,
antes da grande tribulação; Segunda - visível e corporal, com sua
Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts
4.16.17; 1Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 14).
(l) Que todos os cristãos comparecerão ante ao tribunal de Cristo para
receber a recompensa dos seus feitos em favor da causa de Cristo,
na terra (2Co 5.10).
(m) No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis,
(Ap 20.11-15).
(n) E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e
tormento eterno para os infiéis (Mt 25.46).
Soteriologia 9

Sumário
Prefácio 5
Declaração de fé 7

Capítulo 1
POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS BÍBLICO-TEOLÓGICO 11
1.1 O Agostinianismo 11
1.2 O Pelagianismo 13
1.3 O Calvinismo 16
1.4 O Arminianismo 19

Capítulo 2
TRATADO TEOLÓGICO DOUTRINÁRIO 29
2.1 Deus seria Injusto ao Condenar o Homem? 29
2.2 Conceito de Salvação 30
2.3 A Doutrina da Salvação 31

Capítulo 3
DOUTRINAS SOTERIOLÓGICAS 55
3.1 Doutrina do Arrependimento 55
3.2 Doutrina da Conversão 57
3.3 Doutrina da Regeneração 59
3.4 A Doutrina da Redenção 62
3.5 Propiciação 65
3.6 A Doutrina da Imputação 70
3.7 A Doutrina da Substituição 71
3.8 A Doutrina da Reconciliação 75
3.9 A Doutrina da Justificação 79
3.10 A Doutrina da Adoção 84
3.11 A Doutrina da Santificação 86

Capítulo 4
DOUTRINAS SOTERIOLÓGICAS COMPLEMENTO 91
4.1 A Doutrina do livre-arbítrio 91
4.2 Doutrina da Eleição 92
4.3 Expiação Universal Qualificada 94
4.4 A Graça de Deus pode ser resistida 96
4.5 Doutrina da Ressurreição 97
4.6 Glorificação 103

Glossário 113

Referências 115
10
Soteriologia 11

Capítulo 1

Posições Doutrinárias
Bíblico-Teológico
Antes de adentrarmos propriamente na temática da doutrina da
salvação, apresentaremos à guisa de conhecimento, algumas das
posições teológicas tomadas ao longo da história da Igreja, ou seja, o
Agostinianismo, o Pelagianismo, o Calvinismo e o Arminianismo.

1.1 O Agostinianismo
Agostinho de Hipona (354-430). Talvez o maior teólogo da
Antigüidade, nasceu em Tagaste, África do Norte (Algéria), filho de
Patrício, um pagão, e Mônica, uma cristã. Estudou gramática em
Madaura e retórica em Cartago, e foi intelectualmente estimulado ao
ler Hortensius, de Cícero. Depois de uma vida carnal durante seus dias
de estudante, afiliou-se à religião maniqueísta (373 d.C.). Ensinou
gramática e retórica na África do Norte (373-382 d.C.) e, depois, em
Roma (383 d.C.), onde abandonou os maniqueus e se tornou um
cético. Mudou para Milão a fim de ensinar (384 d.C.), onde foi
posteriormente influenciado pela leitura da filosofia neoplatônica e dos
sermões de Ambrósio. Foi convertido por meio de uma exortação,
ouvida por acaso num jardim, tirada de (Rm 13.13-14); foi batizado por
Ambrósio (387 d.C.) e reunido à sua mãe, que morreu pouco tempo
depois.
Depois de anos de retiro e estudo, Agostinho foi ordenado sacerdote
em Hipona, África do Norte (391 d.C.), onde estabeleceu um mosteiro
e, mais tarde, foi ordenado bispo (395 d.C.). O restante da sua vida
pode ser melhor visto nas controvérsias em que participou e nos
escritos que produziu. Agostinho morreu em 28 de agosto de 430 d.C.,
quando os vândalos estavam sitiando Roma.
1.1.2 Escritos principais
De modo geral, as obras de Agostinho dividem-se em três períodos:
Primeiro período (386-396 d.C.). A primeira categoria neste período
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consiste em diálogos filosóficos. Segundo período (396-411 d.C.). Este


grupo contém seus escritos anti-maniqueístas posteriores. Terceiro
período (411-430 d.C.). As obras no período final dos escritos de
Agostinho eram, em grande medida, anti-pelagianas.

1.1.3 Teologia de Agostinho

Deus. Agostinho argumentou a favor da auto-existência, absoluta


imutabilidade, porém uma triunidade de pessoas nesta única essência.
Deus também é onipresente, onipotente, imaterial (espiritual), eterno,
Deus não está dentro do tempo, mas é o criador do tempo.

A criação. Para Agostinho, a criação não é eterna. É ex nihilo (do


nada), e os “dias” de Gênesis podem ser longos períodos de tempo.
Cada alma não é criada na ocasião do nascimento, mas é gerada
pelos pais. A Bíblia é divina, infalível, inerrante, e somente ela tem
autoridade suprema sobre todos os demais escritos. Não há
contradições na Bíblia. Qualquer erro somente poderia estar nas
cópias, não nos manuscritos originais. Os onze livros apócrifos
também fazem parte do cânon, porque faziam parte da LXX, que
Agostinho acreditava ser inspirada, e porque contêm muitas histórias
maravilhosas dos mártires. Agostinho reconhecia que os judeus não
aceitavam estes livros apócrifos. O cânon foi fechado com os apóstolos
do Novo Testamento.

O pecado. Agostinho acreditava que o pecado tinha sua origem no livre


arbítrio, que é um bem criado. O livre arbítrio subentende a capacidade
de praticar o mal. É um ato voluntário, não-compulsório, determinado
pela própria pessoa. Com a queda, o homem perdeu a capacidade de
praticar o bem sem a graça de Deus; contudo, mantém a capacidade
de livre escolha para aceitar a graça de Deus. A verdadeira liberdade,
porém, não é a capacidade de pecar, mas a capacidade de praticar o
bem, e somente os redimidos a têm. Primeiro período (386-396 d.C.).
A primeira categoria neste período consiste em diálogos filosóficos.

Segundo período (396-411 d.C.). Este grupo contém seus escritos


antimaniqueístas posteriores. Terceiro período (411-430 d.C.). As
obras no período final dos escritos de Agostinho eram, em grande
medida, anti-pelagianas.
Soteriologia 13

O homem. Agostinho acreditava que o homem foi diretamente criado


por Deus, sem pecado; a raça humana inteira derivou de Adão.
Quando Adão pecou, todos os homens pecaram nele de forma
seminal. O homem é uma dualidade de corpo e alma, e a imagem de
Deus está na alma. A queda não erradicou esta imagem (Sl 48),
embora a natureza do homem fosse corrompida pelo pecado. A vida
humana começa no ventre na ocasião da animação. Os abortos antes
deste tempo simplesmente “perecem”. A alma do homem é superior e
melhor que o seu corpo, sendo que este é o adversário do homem.
Haverá uma ressurreição física dos corpos de todos os homens, justos
e injustos, para a eterna bem-aventurança ou agonia, respectivamente.

Cristo. Agostinho acreditava que Cristo era plenamente humano,


porém sem pecado. Cristo assumiu no ventre da virgem esta natureza
humana, porém Ele também era Deus desde toda a eternidade, da
mesma essência do Pai. Cristo, no entanto, era uma só pessoa.
Mesmo assim, estas duas naturezas estão tão distintas entre si, que a
natureza divina não se tornou humana na encarnação.

A salvação. A fonte da salvação é o eterno decreto de Deus imutável.


A predestinação está de acordo com a presciência de Deus sobre a
livre escolha feita pelo homem. Tanto os que são salvos quanto os que
são perdidos são predestinados assim. A salvação é operada somente
pela morte vicária de Cristo. É recebida pela fé. As crianças, no
entanto, são regeneradas pelo batismo, à parte da sua fé.

A ética. Para Agostinho, o amor é a lei. Todas as virtudes são


definidas em termos de amor. A mentira sempre é errada, até mesmo
para salvar uma vida. Em situações conflitantes, é Deus, e não nós,
quem determina quais pecados são maiores. Deus, às vezes, autoriza
exceções a um mandamento moral, de modo que matar é permissível
numa guerra justa, e até mesmo em casos tais como o suicídio auto-
sacrificial de Sansão.

1.2 O Pelagianismo

O pelagianismo é aquele ensino, originado em fins do século IV, que


ressalta a capacidade de o homem dar os passos iniciais em direção à
salvação mediante os seus próprios esforços, à parte da graça
especial. O agostinianismo se opõe veementemente a ele, enfatizando
14

a absoluta necessidade da graça interior de Deus para a salvação do


homem.

Pelágio era uma pessoa eminentemente moral, tornou-se um professor


de sucesso em Roma, nos fins do século IV. Britânico por nascimento,
era um asceta zeloso. Não se pode dizer com certeza se ele era um
monge, mas claramente apoiava ideais monásticos. Nos seus
primeiros escritos, argumentou contra os arianos, mas foi contra os
maniqueus que dirigiu seus ataques mais fortes. O fatalismo dualista
deles enfurecia o moralista que havia dentro dele.

Quando estava em Roma, Pelágio estudou os escritos anti-maniqueus


de Agostinho, especialmente do “livre arbítrio”. Veio a se opor
apaixonadamente ao quietismo de Agostinho, refletido na sua oração
em Confissões: “Dá o que Tu ordenas – e ordena o que Tu queres” (X,
31, 45).

Quando os visigodos avançaram contra Roma em 410/411 d.C.,


Pelágio buscou refúgio na África. Depois de evitar uma confrontação
com Agostinho, mudou-se para Jerusalém onde obteve uma boa
reputação. Ninguém se escandalizou com os ensinos dele.

Entrementes, na África, o aluno de Pelágio, Celéstio, um homem


menos cauteloso e mais superficial, deliberadamente expandiu as
conseqüências do ensino de Pelágio sobre a liberdade. Os
eclesiásticos na área de Cartago acusaram-no solenemente de
heresia. Segundo Agostinho, Celéstio não aceitava a “remissão dos
pecados” no batismo das crianças. Essa asseveração da “inocência”
de crianças recém-nascidas negava o relacionamento básico em que
todos os homens se encontram “desde Adão”. Era uma alegação de
que o homem não-remido é sadio e livre para praticar todo o bem.
Tratava-se de tornar supérflua a salvação por meio de Cristo.

Agostinho enviou seu próprio discípulo Orósio ao Ocidente, numa


tentativa de obter a condenação de Pelágio. Mas no Ocidente, os
eclesiásticos não conseguiam ver nada mais do que uma rixa
obstinada acerca de trivialidades. Inocentaram Pelágio, decisão que
enfureceu os africanos que apelaram a Roma e obrigaram o papa
Inocêncio I a condenar expressamente a nova heresia.
Soteriologia 15

A pedra fundamental do pelagianismo é a idéia do livre arbítrio


fundamental do homem e sua responsabilidade moral. Ao criar o
homem, Deus não o sujeitou, como as demais criaturas, à lei da
natureza, mas deu-lhe o privilégio sem igual de cumprir a vontade
divina mediante a sua própria escolha. Esta possibilidade de escolher
livremente o bem acarreta a possibilidade de escolher o mal.

Segundo Pelágio há três aspectos na ação humana: poder (posse),


querer (velle) e a realização (esse). O primeiro vem exclusivamente de
Deus; os outros dois pertencem ao homem. Sendo assim, conforme o
homem age, merece louvor ou censura. Seja o que for que seus
seguidores tenham dito, o próprio Pelágio mantinha o conceito de uma
lei divina que proclamava aos homens aquilo que devem fazer e que
colocava diante deles a perspectiva de recompensas e castigos
sobrenaturais. Se um homem desfruta de liberdade de escolha, é pela
expressa generosidade do seu Criador; ele deve usá-la para aquelas
finalidades que Deus estabelece.

O restante do pelagianismo decorre deste pensamento central da


liberdade. Em primeiro lugar, rejeita a idéia de que a vontade do
homem tem qualquer tendência intrínseca à prática do mal como
resultado da queda. Visto que cada alma é criada diretamente por
Deus, conforme Pelágio acreditava, logo, não pode entrar no mundo
maculada pelo pecado original transmitido por Adão. Antes de uma
pessoa começar a exercer a sua vontade, “há nela somente aquilo que
Deus criou”. O efeito do batismo das crianças, portanto, não é a vida
eterna, mas “a iluminação espiritual, a adoção como filhos de Deus, a
cidadania da Jerusalém celestial”.

Em segundo lugar, Pelágio considera a graça apenas como uma ajuda


externa fornecida por Deus. Não deixa lugar para qualquer ação
especial interior de Deus sobre a alma. Com a palavra “graça”, Pelágio
realmente quer dizer o livre arbítrio em si ou a revelação da lei de Deus
através da razão, que nos instrui naquilo que devemos fazer e que nos
propõe sanções eternas. Visto que essa revelação se obscureceu
através dos maus costumes, a graça agora inclui a lei de Moisés e o
ensino e exemplo de Cristo.

Essa graça é oferecida livremente a todos. Deus não faz acepção de


pessoas. É somente pelo mérito que os homens avançam na
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santidade. A predestinação divina opera de acordo com a qualidade


das vidas que Deus prevê que os homens terão.

Os teólogos freqüentemente descrevem o pelagianismo como uma


forma de naturalismo. Mas este rótulo dificilmente trata com justiça o
espírito religioso do pelagianismo. Embora o sistema seja deficiente no
seu reconhecimento da fraqueza do homem, realmente reflete uma
consciência da sublime vocação do homem e das reivindicações da lei
moral. Mesmo assim, a unilateralidade do pelagianismo continua sendo
uma interpretação inadequada do cristianismo, o que aconteceu
especialmente depois de Celéstio ter empurrado para o primeiro plano
a negação do pecado original, o ensinamento de que Adão foi criado
mortal e a idéia de que as crianças eram qualificadas para a vida
eterna até mesmo sem o batismo. Esse conceito otimista da natureza
humana e esse entendimento inadequado da graça divina foram
finalmente condenados em 431 d.C., no Concilio de Éfeso.

1.3 O Calvinismo

João Calvino, freqüentemente considerado “o sistematizador da


Reforma”, foi um reformador protestante do século XVI que reuniu de
modo sistemático a doutrina bíblica como nenhum outro antes dele
tinha feito. Ao mesmo tempo, não era um estudioso encerrado numa
torre de marfim, mas um pastor que pensava e escrevia suas obras
teológicas sempre tendo em vista a edificação da igreja cristã. Embora
seus pontos de vista nem sempre tenham sido bem vistos e, às vezes,
tenham sido deturpados de modo grosseiro, seu sistema de teologia
tem exercido ampla influência até aos tempos atuais, conforme indica o
fato de que todas as igrejas reformadas e presbiterianas o consideram
o fundador da sua posição doutrinária bíblico-teológica.

Deus. Isto levanta a questão de como Calvino considerava o Deus que


assim Se velara. Nisto aceitou a doutrina histórica do Deus Trino e
Uno, que é Pai, Filho e Espírito Santo, os mesmos em substância e
iguais em poder e glória. Além disso, enfatizou grandemente o fato de
que Deus é soberano. Isto significa que Deus é perfeito em todos os
seus aspectos, detentor de todo o poder, justiça e santidade. Ele é
eterno e completamente auto-suficiente. Por isso, Ele não está sujeito
nem ao tempo nem a quaisquer outros seres, nem pode ser reduzido a
categorias espaciais e temporais na compreensão e análise humanas.
Soteriologia 17

Para Suas criaturas, Deus sempre deve ser misterioso, a não ser a
medida que Ele Se revela a elas.

Este Deus soberano é a origem de tudo quanto existe. Mas não se


trata de Ele ser a origem devido ao fato de que tudo que existe à parte
dEle é uma emanação do Ser divino; Ele é a origem de todas as
coisas, porque Ele é o Criador delas. Ele levou todas as coisas a
existir, incluindo a criação do nada, tanto do tempo quanto do espaço.

Assim como Deus sustenta de modo soberano toda a Sua criação, a


governa e guia para a realização dos Seus propósitos finais, a fim de
que todas as coisas sejam somente para a glória de Deus. Esta
soberania de Deus inclui até mesmo as ações livres do homem, de
modo que a história possa alcançar o fim que Deus tem determinado
desde toda a eternidade.

Aqui, também, há um mistério que o calvinista está disposto a aceitar,


visto que aceita o mistério supremo da existência e da atuação de
Deus.

O homem. Os seres humanos foram criados à imagem de Deus, com


verdadeiro conhecimento, retidão e santidade. O homem se via como
criatura de Deus, colocado na criação como administrador da obra das
mãos de Deus. Tendo a imagem de Deus, também tinha livre arbítrio, o
que significava que possuía a capacidade de obedecer ou
desobedecer aos mandamentos de Deus. Ao lidar com o homem, Deus
celebrou com ele um relacionamento segundo a aliança, prometendo
Seu favor e Sua bênção e, em troca disso, o homem devia dominar a
natureza e subjugá-la, reconhecendo sua posição como senhor da
criação, sujeito à autoridade soberana do Deus Trino e Uno. Na
teologia calvinista, esta é a chamada aliança das obras.

A despeito deste relacionamento segundo a aliança e da manifestação


que Deus fez de Si mesmo, o homem preferiu pensar que poderia
declarar a sua independência do Deus soberano. Tentado por Satanás,
o homem afirmou-se como um ser independente, adorando a criatura
ao invés do Criador, e assim colocou-se sob condenação divina. O
resultado foi que Deus condenou o homem e, como conseqüência,
o homem foi rejeitado por Deus e se tornou totalmente corrupto,
transmitindo esta corrupção aos seus descendentes no decurso da
18

história. É somente pela graça geral ou comum de Deus que a


corrupção do homem não se desenvolve completamente nesta vida.

O Deus soberano, no entanto, não permitiu que Seus planos e


propósitos fossem frustrados. Já na eternidade, como parte do Seu
plano secreto, Ele tinha escolhido para Si mesmo um grande número
das Suas criaturas caídas, para serem reconciliadas com Ele. Deus
nunca revelou por que agiu assim; diz, apenas, que Ele escolheu fazer
assim na Sua misericórdia, porque, com toda a justiça, poderia ter
rejeitado a totalidade da raça humana pelos seus pecados. Na
execução deste plano e propósito de redenção, o Pai enviou ao mundo
o Filho, a segunda Pessoa da Trindade, a fim de receber a pena pelos
pecados dos eleitos e cumprir a favor deles a justiça completa da lei de
Deus. No Antigo Testamento, os profetas e os patriarcas antegozaram
a vinda de Cristo, confiando na Sua redenção prometida, ao passo que
na igreja do Novo Testamento, que continua até hoje, os cristãos
confiam na obra realizada no passado: aquilo que Cristo fez por eles
na História.

Àqueles que são os escolhidos de Deus é enviado o Espírito Santo,


não somente para iluminá-los para entenderem o evangelho revelado
nas Escrituras, como também para capacitá-los a aceitar a promessa
do perdão divino. Mediante esta “chamada eficaz” vêm a ter fé em
Cristo como Redentor, confiando somente nele como Aquele que
satisfez todas as exigências de Deus a favor deles. É, portanto, pela fé
somente (sola fidei) que são salvos, mediante o poder regenerador do
Espírito Santo. A partir de então, como povo de Deus, devem viver
vidas que, embora nunca sejam perfeitamente santas, devem
manifestar o fato de que são o Seu povo, procurando sempre glorificá-
lo nos pensamentos, palavras e ações.

A igreja. A vida do povo de Deus agora é a vida do povo da aliança de


Deus. Desde a eternidade, o Deus soberano tinha o propósito de fazer
uma aliança com os Seus eleitos em e através do representante deles,
o Filho, que os redimiu na História mediante a Sua vida imaculada e
Seu sacrifício na cruz do calvário. Por isso, como cidadãos do Seu
reino, agora são chamados para servi-lo no mundo, o que fazem como
igreja. Esta obrigação recai tanto sobre cristãos adultos quanto em
seus filhos, porque a aliança é feita com os pais e os filhos, assim
como ocorreu com Abraão e os seus descendentes, no Antigo
Soteriologia 19

Testamento, e com os cristãos e os seus descendentes, no Novo


Testamento. O batismo significa esta filiação ao corpo visível do povo
de Deus, tanto para os filhos quanto para os adultos, embora nos dois
casos os votos batismais feitos pelos adultos possam ser
posteriormente repudiados. A Ceia do Senhor é o sacramento contínuo
do qual o povo de Deus participa em memória dEle e da Sua obra
redentora a favor dos Seus. Mas, neste caso também, é somente à
medida que os elementos são recebidos e ingeridos com fé que o
Espírito Santo abençoa aqueles que recebem o pão e o vinho,
tornando-os participantes espirituais do corpo e do sangue do Senhor.

Na questão de organização da igreja, os calvinistas têm concordado de


modo geral em que a igreja deve ser governada por presbíteros, os
que ensinam e os que regem ou supervisionam, eleitos pela igreja.
Alguns, porém, crêem que uma forma episcopal de governo
eclesiástico é a forma correta, ou pelo menos permissível, de
organização. Mas todos concordam que, dentro do possível, a união
externa e visível da igreja deve ser mantida, porque todos os cristãos
são membros de um só corpo de Cristo.

1.4 O Arminianismo

A posição teológica de Jacobus Arminius e o movimento que teve nele


a sua origem, considera a doutrina cristã de modo muito semelhante
aos pais pré-agostinianos e a João Wesley, posterior a ele. De vários
modos básicos difere da tradição de Agostinho-Lutero-Calvino.

Esta forma de protestantismo surgiu na Holanda, pouco depois de a


“alteração” do catolicismo romano ter ocorrido naquele país. Ressalta
exclusivamente as Escrituras como autoridade suprema para as
doutrinas. Ensina que a justificação é somente pela graça, não
havendo nada de meritório em nossa fé que a ocasione, visto que
apenas pela graça preveniente a humanidade caída pode exercer tal
fé.

O arminianismo é um tipo distinto de teologia protestante, por vários


motivos. Uma das suas doutrinas distintivas é seu ensino acerca da
predestinação, pois assim os escritores bíblicos o fazem, mas afirma
que esta predestinação da parte de Deus é salvar aqueles que se
arrependem e crêem. Assim sendo, seu ponto de vista é chamado
20

destinação condicional, visto que a predeterminação do destino dos


indivíduos é baseada na presciência de Deus quanto ao modo de eles,
espontaneamente, aceitarem ou rejeitarem Cristo.

Arminius defendeu seu ponto de vista com mais exatidão no seu


comentário sobre Romanos 9, no seu “Exame do Panfleto de Perkins”,
e na sua “Declaração de Sentimentos”. Argumentou contra o
supralapsarianismo, popularizado por Teodoro Beza, genro de João
Calvino e professor de Arminius em Genebra, e defendido
vigorosamente na Universidade de Leiden por Francisco Gomarus, um
colega de Arminius. A opinião deles era que, antes da queda, e até
mesmo antes da criação do homem, Deus já determinara qual seria o
destino eterno de cada pessoa. Arminius acreditava, também, que a
opinião de Agostinho e Martinho Lutero, a favor da predestinação
incondicional infralapsariana, é antibíblica. Esta é a opinião de que o
pecado de Adão foi livremente escolhido, mas que, depois da queda, o
destino eterno de cada pessoa foi determinado por Deus, que é
totalmente soberano. Na sua “Declaração de Sentimentos” (1608 d.C.)
Arminius ofereceu vinte argumentos contra o supralapsarianismo que,
segundo disse (não muito corretamente), aplicavam-se também ao
infralapsarianismo. Estes argumentos dizem, entre outras coisas, que
aquele conceito está destituído de boas-novas; que é repugnante à
natureza sábia, justa e boa de Deus, e à natureza livre do homem;
“altamente desonroso a Jesus Cristo”; “danoso à salvação dos
homens”; e que “inverte a ordem do evangelho de Jesus Cristo” (a
saber: que somos justificados depois de crermos, e não antes de
crermos). Disse que, na realidade, todos os argumentos se resumem
em um só: a predestinação incondicional faz de Deus “o autor do
pecado”.
Em associação com o conceito de Arminius quanto à predestinação
condicional há outros ensinamentos significantes do “holandês
reservado”. Um deles é sua ênfase à liberdade humana. Neste ponto,
ele não era pelagiano, conforme alguns têm pensado. Acreditava
profundamente no pecado original, compreendendo que a vontade do
homem natural decaído não está somente aleijada e ferida, como
também totalmente incapacitada, à parte da graça preveniente, de
fazer qualquer coisa boa. Outro ensino é que a expiação de Cristo é
ilimitada nos benefícios que outorga. Entendia que textos tais como
“Ele morreu por todos” (2Co 5.15; cf. 5.14; Tt 2.11; 1Jo 2.2) significam
Soteriologia 21

exatamente o que dizem, ao passo que puritanos tais como João


Owen e outros calvinistas entendiam que “todos” significa apenas
todos aqueles que foram anteriormente eleitos para serem salvos. Um
terceiro ensino é que, embora Deus não deseje que pessoa alguma
pereça, mas que todas cheguem ao arrependimento (1Tm 2.4; 2Pe
3.9; Mt 18.14), a graça salvífica não é irresistível conforme se diz no
calvinismo clássico; ela pode ser rejeitada.
Segundo a opinião de Arminius, os crentes podem perder a sua
salvação e estarem eternamente perdidos. Citando para apoio desta
posição passagens como 2Pe 1.10: “Por isso, irmãos, procurai, com
diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição;
porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum”. Os
arminianos procuram nutrir e encorajar os crentes de modo que
permaneçam num estado de salvação. Embora os arminianos
considerem que foram bem sucedidos em afastar muitos calvinistas de
opiniões tais como a eleição incondicional, a expiação limitada e a
graça irresistível, reconhecem que não tiveram muito êxito na área da
segurança eterna.

A tradição arminiana tem feito parte da longa tradição protestante que


Jack Rogers, do Seminário Fuller, discute em seu livro Confessions of
a Conservative Evangelical (“Confissões de um Evangélico
Conservador”). Interessa-se pela autoridade e pela infalibilidade da
Bíblia, e expressa confiança de que as Escrituras são inerrantes em
questões de fé e de prática, ao passo que se conservam abertas
quanto à possibilidade da existência de erros matemáticos, históricos
ou geográficos. Os estudiosos dentro desta tradição, de modo geral,
não acreditam que Harold Lindsell interprete corretamente a longa
tradição cristã a respeito das Escrituras em obras tais como The Battle
for the Bible (“A Batalha pela Bíblia”), quando diz que até cerca de 150
anos atrás os cristãos em geral acreditavam na inerrância total das
Escrituras.
O arminianismo não é dispensacionalista propriamente dito, não se
compromete com um conceito milenista específico, pouco se interessa
pelas profecias específicas (crê que Deus deseja que nos
concentremos naquilo que está claro nas Escrituras: a redenção feita
por Cristo e uma vida de santidade). Mas muitos arminianos leigos
sucumbiram diante de livros proféticos populares tais como os de Hal
22

Lindsey, que ensinam de modo inequívoco que os eventos as


tendências políticas atuais cumprem profecias bíblicas específicas.
Um problema considerável para os arminianos é que freqüentemente
suas opiniões têm sido erroneamente descritas. Alguns estudiosos têm
dito que o arminianismo é pelagiano, é uma forma de liberalismo
teológico, e é sincretista. É verdade que certa ala do arminianismo
retomou a ênfase que Arminius dava à liberdade humana e à tolerância
de teologias diferentes, vindo a ser latitudinária e liberal. Na realidade,
hoje, as duas denominações na Holanda que tiveram sua origem em
Arminius estão nestas condições, de modo geral. Mas os arminianos
que promovem os verdadeiros ensinos de Arminius, e os do grande
arminiano que é João Wesley, cuja opinião e movimento às vezes têm
sido chamados “o arminianismo em chamas”, têm repudiado todas as
associações com a esquerda teológica. Em larga escala, tais
arminianos são compostos por vários milhões de cristãos que hoje
representam a Associação Cristã da Santidade (o Exército da
Salvação, a Igreja do Nazareno, a Igreja Wesleyana, a Assembléia de
Deus, etc.). Este tipo de arminianismo defende fortemente o
nascimento virginal de Cristo, os Seus milagres, Sua ressurreição
corpórea e a Sua expiação vicária (Seu sofrimento pelo castigo que os
crentes teriam recebido); a inspiração dinâmica e infalibilidade das
Escrituras; a justificação somente pela graça, mediante a fé somente; e
os destinos finais do céu e do inferno.
1.4.1 Jacobus Arminius (1560-1609)
Nascido em Oudewater, Holanda, Arminius foi educado nas
universidades de Marburg (1575) e Leiden (1576-1581), na academia
em Genebra (1582, 1584-1586) e em Basiléia (1582-1583). Foi pastor
de uma congregação em Amsterdã (1588-1603) e professor da
Universidade de Leiden desde 1603 até à sua morte.
Não escreveu uma teologia sistemática completa, como João Calvino
fizera, mas deixou uma quantidade considerável de escritos produzidos
tanto durante seu pastorado de quinze anos como quando era
professor em Leiden. Seu tratado sobre Romanos 7 interpretava os vv.
7-25 como o retrato de uma pessoa despertada (vv. 12, 21), mas não
regenerada (vv. 15, 18, 24). Escreveu um tratado sobre Romanos 9, no
qual interpretou esta passagem, usada por muitos calvinistas para
ensinar a predestinação incondicional, para ensinar somente a
Soteriologia 23

predestinação condicional. Um dos seus escritos mais significantes é


seu Exame do Panfleto de Perkins, uma resposta do tipo
“predestinação condicional” à opinião de William Perkins, de
Cambridge. Sua Declaração de Sentimentos (1608), que apresentou
às autoridades do governo em Haia, demonstrava seus argumentos
contra o supralapsarianismo (a opinião de que o destino de cada
pessoa foi determinado por Deus antes da queda de Adão). Além
disso, procurou obter um “status” favorável na Holanda para seu
próprio tipo de ensino a favor da predestinação condicional. Também
escreveu tratados tais como uma apologia contra trinta e uma
apresentações incorretas das suas opiniões, que já haviam circulado
por algum tempo; Controvérsias Públicas; e Setenta e Nove
Controvérsias Particulares (uma publicação póstuma das suas
anotações para suas aulas de teologia em Leiden).
Arminius foi o expositor mais capacitado daquilo que vários outros já
estavam ensinando: que a predestinação divina dos indivíduos baseia-
se na Sua presciência do modo pelo qual eles, espontaneamente,
aceitarão ou rejeitarão Cristo (no contexto da graça preveniente).
Seus ensinamentos foram promovidos especialmente por João
Wesley, pelos metodistas e, em nossos dias, pelas denominações que
compõem a Associação Cristã da Santidade.

1.4.2 Diferenças doutrinárias entre o Calvinismo e o Arminianismo


As doutrinas às quais os arminianos fazem objeção são as
relacionadas com a soberania divina em salvar o homem, mesmo que
este não queira, a inabilidade humana, a eleição incondicional ou
predestinação, a redenção particular (ou expiação limitada), a graça
irresistível (chamada eficaz) e a permanença dos crentes em estado de
salvação. Estes artigos de fé, baseados nos ensinos de Armínio, ficou
conhecido na história como a “Remonstrance”, ou seja, “O Protesto”
contra o Calvinismo.
1.4.2.1 Os cinco pontos do Arminianismo
Os cinco artigos de fé contidos na “Remonstrance” podem ser
resumidos no seguinte:
(a) Deus elege ou reprova na base da fé prevista ou da
incredulidade.
24

(b) Cristo morreu por todos os homens, em geral, e em favor de


cada um, em particular, embora somente os que crêem sejam
salvos.
(c) Devido à depravação do homem, a graça divina é necessária
para a fé ou qualquer boa obra.
(d) Essa graça pode ser resistida.
(e) Se todos os que são verdadeiramente regenerados, não
perseverarem na fé perderão, por conseguinte, a sua salvação.
1.4.2.2 Pontos salientes do Arminianismo
(a) O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que
não possa crer salvaticiamente (salvificamente) no Evangelho,
uma vez que este lhe seja apresentado.
(b) O homem nunca é de tal modo controlado por Deus que não
possa rejeitá-lo.
(c) A eleição divina daqueles que serão salvos alicerça-se sobre o
fato da previsão divina de que eles haverão de crer, por sua
própria deliberação.
(d) A morte de Cristo garantiu a salvação para todo aquele que
crê.
(e) Depende inteiramente dos crentes manterem-se em um estado
de graça, conservando a sua fé; aqueles que falham nesse
ponto desviam-se e se perdem.
1.4.2.3 Os cinco pontos do Arminianismo contrastados com os cinco
pontos do Calvinismo
(a) O livre arbítrio contrastado com a depravação total.

Arminianismo. Embora a natureza humana tenha sido seriamente


afetada pela queda, o homem não ficou reduzido a um estado de
incapacidade total. Deus, graciosamente, capacita todo e qualquer
pecador a arrepender-se e crer, mas o faz sem interferir na liberdade
do homem. Todo pecador possui uma vontade livre (livre arbítrio), e
seu destino eterno depende do modo como ele usa esse livre arbítrio.
A liberdade do homem consiste em sua habilidade de escolher entre o
Soteriologia 25

bem e o mal, em assuntos espirituais. Sua vontade não está


escravizada pela sua natureza pecaminosa. O pecador tem o poder de
cooperar com o Espírito de Deus e ser regenerado ou resistir à graça
de Deus e perecer. O pecador perdido precisa da assistência do
Espírito.

Calvinismo. Devido à queda, o homem é incapaz de, por si mesmo,


crer de modo salvador no Evangelho. O pecador está morto, cego e
surdo para as coisas de Deus. Seu coração é enganoso e
desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre, pois está
escravizada à sua natureza má; por isso ele não irá - e não poderá
jamais - escolher o bem e não o mal em assuntos espirituais. Por
conseguinte, é preciso mais do que simples assistência do Espírito
para se trazer um pecador a Cristo.
(b) A eleição condicional contrastada com a eleição incondicional.

Arminianismo. A escolha divina de certos indivíduos para a salvação,


antes da fundação do mundo, foi baseada na Sua previsão
(presciência) de que eles responderiam à Sua chamada (fé prevista).
Deus selecionou apenas aqueles que Ele sabia que iriam crer no
Evangelho. A eleição, portanto, foi determinada ou condicionada pelo
que o homem iria escolher. Portanto, Deus escolheu aqueles que Ele
sabia que iriam, de sua livre vontade e por intermédio da ação do
Espírito Santo, escolher a Cristo.
Calvinismo. A escolha divina de certos indivíduos para a salvação,
antes da fundação do mundo, repousou tão somente na Sua soberana
vontade. A escolha de determinados pecadores feita por Deus não foi
baseada em qualquer resposta ou obediência prevista da parte destes,
tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus quem dá a fé e
o arrependimento a cada pessoa a quem Ele escolheu. Esses atos são
o resultado e não a causa da escolha divina. A eleição, portanto, não
foi determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato
previsto no homem. Aqueles a quem Deus soberanamente elegeu, Ele
os traz, através do poder do Espírito, a uma voluntária aceitação de
Cristo. Desta forma, ao pecador, não lhe é concedido o direito de
arrepender-se para a salvação, mas somente aquele a quem Deus
escolher.
(c) A redenção universal ou expiação geral contrastada com a
redenção particular ou expiação limitada.
26

Arminianismo. A obra redentora de Cristo tornou possível a salvação


de todos. Cristo morreu por todos os homens, em geral, e em favor de
cada um, em particular, mas, somente aqueles que crêem nEle são
salvos. A morte de Cristo capacitou a Deus a perdoar pecadores na
condição de que creiam, mas na verdade não removeu (expiou) o
pecado de ninguém. A redenção de Cristo só se torna efetiva se o
homem escolhe aceitá-la.

Calvinismo. A obra redentora de Cristo foi intencionada para salvar


somente os eleitos e, de fato, assegurou a salvação destes. Sua morte
foi um sofrimento substitucionário da penalidade do pecado no lugar de
certos pecadores específicos, pessoas que Ele, Deus, escolheu para a
salvação antes que viessem ao mundo.
(d) A possibilidade de se resistir à obra do Espírito Santo contrastada
com a chamada eficaz do Espírito ou graça irresistível.

Arminianismo. O Espírito chama internamente todos aqueles que são


externamente chamados pelo convite do Evangelho. Ele faz tudo que
pode para trazer cada pecador à salvação. Sendo o homem livre, pode
resistir de modo efetivo a essa chamada do Espírito. O Espírito não
pode regenerar o pecador antes que ele creia. O livre arbítrio limita o
Espírito na aplicação da obra salvadora de Cristo. O Espírito Santo só
pode atrair para Cristo aqueles que O permitem atuar neles.

Calvinismo. Além da chamada externa à salvação, que é feita de


modo geral a todos que ouvem o evangelho, o Espírito Santo
aplica aos eleitos uma chamada especial interna, a qual
inevitavelmente os traz à salvação. A chamada externa (que é feita
indistintamente a todos) pode ser, e, freqüentemente é, rejeitada; ao
passo que a chamada interna (que é feita somente aos eleitos) não
pode ser rejeitada. Ela sempre resulta na conversão. Por meio desta
chamada especial o Espírito atrai irresistivelmente os pecadores já
eleitos antes que existissem, a Cristo. O Espírito só pode chamar para
aplicação da salvação, somente os já escolhidos de antemão por
Deus, e não precisa da cooperação humana, ou seja, queira ou não o
pecador virá a Cristo, pois ele já foi eleito desde a eternidade. O
Espírito tão somente leva graciosamente o pecador eleito a receber o
que já é dele. A graça de Deus nunca deixa de resultar na salvação
daqueles a quem ela é estendida.
Soteriologia 27

(e) A queda da graça contrastada com a perseverança dos santos.

Arminianismo. Aqueles que crêem e são verdadeiramente salvos


podem perder sua salvação por não guardar a sua fé.

Calvinismo. Todos aqueles que são escolhidos por Deus na


eternidade, antes que a criação existisse, e a quem o Espírito
concedeu a fé, são eternamente salvos. São mantidos na fé pelo poder
do Deus Todo Poderoso e nela perseveram até o fim, jamais se
desviam.
28
Soteriologia 29

Capítulo 2

Tratado Teológico Doutrinario


2.1 Deus seria Injusto ao Condenar o Homem?

Deus castigaria com penas eternas alguém que jamais ouviu falar do
evangelho? Não serão poucos os crentes bons e sinceros que
responderão a esta pergunta com um enfático NÃO! Numa ocasião
alguém me perguntou como ficaria o homem da pedra lascada e as
tribos primitivas que nunca ouviram o evangelho. Em nossos dias
existem tribos indígenas, africanas e povos espalhados pelo mundo
que nunca ouviram falar no nome de Jesus. Se estas pessoas
morrerem sem conhecer a Jesus irão para o inferno? No capítulo 3 de
Romanos, o apóstolo Paulo, ao tratar da questão da salvação e
condenação diz: "Não há um justo, nem um sequer", e complementa:
"Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus". O que
Paulo está dizendo nesses versículos é que a condição natural do ser
humano é de pecador. Todos nós somos pecadores em Adão (Rm
5.12); nascemos em pecado (Sl 51.5); portanto, nem nós nem ninguém
mereceríamos a salvação. É importante entendermos que a salvação é
um dom da livre graça de Deus (At 15.11; Ef 2.5,8). Deus não é
obrigado a salvar ninguém. Se Ele fosse obrigado, a salvação deixaria
de ser graça para ser dívida. A salvação é uma questão de graça; a
condenação, sim, é uma questão de justiça. Se Deus lançasse todo
mundo no inferno, não dando a ninguém a oportunidade de ouvir o
evangelho, mesmo assim Ele seria justo porque todos pecaram. Nesse
caso, observe que a proclamação do evangelho é necessária para que
alguém seja salvo, mas não necessariamente para que alguém seja
condenado (Lc 12.47,48; Rm 2.12). E a ignorância? Ela não justifica o
erro. Se a ignorância justificasse o erro, para quê pregar o evangelho
então? Vamos deixar todo mundo na ignorância e assim todos serão
salvos. E o índio? O índio é pecador por natureza e por isso
precisamos pregar o evangelho a ele, na esperança de que se
arrependa de seus pecados e se converta ao Senhor. E isso não sou
eu quem diz. O índio salvo, de nome Zenito, disse: “Não existe índio
inocente, mesmo que não tenha ouvido falar de Jesus. Quando ele
30

mata, rouba e adultera ele sabe que errou, mas continua fazendo
porque esta é a vida dele, viver no pecado.” Se o índio rejeitar a
salvação ou nunca ouvir o evangelho, será condenado pela justiça de
Deus por causa do que ele é por natureza: um pecador. Mas como os
índios e tantos outros crerão se não há quem pregue? Na verdade há
quem pregue, o que não há, na maioria das vezes, é boa vontade
cristã para se pregar o evangelho. A proclamação do evangelho é o
único meio de salvação de todos os povos (Rm 10.14-17). A igreja
sabe disso. Mas não basta saber, é preciso praticar! Fomos chamados
para proclamar Jesus Cristo. Essa é a nossa vocação (1Pe 2.9). Se a
igreja não fizer a sua parte, isto é, de pelo menos tentar livrar as
pessoas de irem para o inferno (Pv 24.11,12; Tg 5.20), será
responsabilizada por Deus pela condenação do pecador (Ez 33.8,9).
Vamos evangelizar!

2.2 Conceito de Salvação

A palavra salvação vem do grego Soter, que significa libertar, salvar ou


redimir. A salvação abrange três aspectos dispensacionais: salvação
física - do corpo, espiritual - da alma e preservativa - o ser total. Esta
salvação espiritual originou-se no coração de Deus, ao ver a queda do
homem no Éden. A ele, indefeso e sem mínimos recursos, Deus fez
uma promessa que da semente da mulher nasceria um que seria o seu
redentor (Gn 3.15). Esta promessa foi cumprida quando Jesus foi
enviado como cordeiro que tiraria o pecado do mundo (Jo 3.16). A
salvação nos foi concedida mediante a graça de Deus manifestada em
Cristo Jesus (Rm 3.24), seu sacrifício vicário (Rm 3.25; 5.8), sua
ressurreição (Rm 5.10) e sua contínua intercessão por todos os salvos
(Hb 7.25). A salvação é individual e recebida gratuitamente, mediante
a fé em Cristo; ela é o resultado da graça, da misericórdia de Deus (Jo
1.16) e da resposta humana à fé (At 16.31; Rm 1.17). Vemos aqui a
grande porta do amor divino mediante o plano da salvação, através da
qual todos podem escapar do iminente juízo divino e da condenação
eterna. A salvação é uma oportunidade universalmente inerente a
todos os homens (Rm 10.13). O benefício imediato da salvação é
expresso pela proteção física neste mundo (Hb 1.14); é a restituição
da imagem espiritual e moral de Deus (Cl 3.10; 2Co 3.18); e
futuramente, a vida eterna (Jo 11.25; Hb 12.1,2) e a morada nos céus
com Deus (2Tm 1.9; Tt 3.5; Jo 14.1-3).
2.3 A Doutrina da Salvação
Soteriologia 31

A “Salvação” é um termo inclusivo, que abrange dentro do seu escopo


muitos aspectos. Por exemplo, há salvação no passado, no presente e
no futuro, ou seja, salvação da penalidade, do poder e da presença do
pecado. Há a salvação do espírito na regeneração, da alma na
santificação, e do corpo na glorificação. Incluídas nesses diversos
aspectos encontram-se as doutrinas que, em conjunto, se chama
"Soteriologia", ou seja, a "Doutrina da Salvação".

A salvação é descrita na Bíblia como “o caminho”, ou a estrada através


da vida, para a comunhão eterna com Deus no céu (Mt 7.14; Mc 12.14;
Jo 14.6; At 16.17; 2Pe 2.21; At 9.2; 22.4; Hb 10.20). Esta estrada deve
ser percorrida até o fim.

A salvação abrange o passado, o presente e o futuro. Quanto ao seu


passado, o homem pode ser salvo das penalidades do seu pecado
(Rm 5.9); quanto ao seu presente, salvo do poder do pecado (Rm 5.10;
l Co 1.18); no futuro, liberto da própria presença do pecado (Rm 13.11;
Hb 9.28). “Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue,
seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.9). “Porque se nós, quando
inimigos fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho,
muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida"
(Rm 5.10). “... assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para
sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem
pecado, aos que o aguardam para a salvação” (Hb 9.28).
Se o homem pecador se arrependeu dos seus pecados, reconheceu a
sua situação de miserável e se converteu; ou seja, aceitou a Jesus
Cristo como Seu Único e Suficiente salvador pessoal, a partir desse
momento este pecador foi regenerado (nasceu de novo). Neste mesmo
instante, o seu nome foi escrito no Livro da Vida, e o crente foi
justificado pelo sangue do Cordeiro. Sendo então justificado, pela
expiação de Jesus, torna-se eleito e predestinado à salvação (vida
eterna). Sendo eleito, reconciliou-se com Deus Pai, sendo também
purificado dos seus pecados, pois o perdão de Deus e a Sua Adoção o
envolveu para nunca mais deixá-lo.
A salvação dos homens depende inteiramente da graça divina. Pois
todos os que se arrependem do pecado, obtêm perdão por meio de
Jesus Cristo. Todos os que crêem em Cristo são justificados por Sua
32

graça, Sua justiça que lhes é imputada. Deus adota como filho a todo o
que crê em Seu Filho Jesus Cristo.
O Espírito Santo opera uma grande transformação em todos os que
finalmente são salvos, pela qual tornam-se inclinados à santidade.
Continua a santificar a todos quantos têm regenerado, e, por fim, há de
prepará-los totalmente para o serviço de Deus e o gozo infinito dos
céus. “Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra
e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo,
mas passou da morte para a vida” (Jo 4.24). “Se com tua boca
confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus
o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se
crê para justiça, e com a boca se confessa a respeito da salvação” (Rm
10.9,10).
2.3.1 As três etapas da salvação
O apóstolo Paulo em Efésios 2.1-10 mostra-nos os três tempos da
nossa salvação: passado, presente e futuro.
2.3.1.1 No passado, o que éramos
A etapa passada da salvação inclui a experiência pessoal mediante a
qual nós, como crentes, recebemos o perdão dos pecados (At 10.43;
Rm 4.6-8) e passamos da morte espiritual para a vida espiritual (1Jo
3.14); do poder do pecado para o poder do Senhor (Rm 6.17-23), do
domínio de Satanás para o domínio de Deus (At 26.18). A salvação
nos leva a um novo relacionamento pessoal com Deus (Jo 1.12) e nos
livra da condenação do pecado (Rm 1.16; 6.23; 1Co 1.18).
Quando nos referimos ao passado, estamos, de fato, falando do
primeiro estado do crente antes da aceitação de Cristo como Salvador.
As características aqui apresentadas como do passado são as do
pecador atual. É o que é o pecador hoje sem Cristo. Era o nosso
estado deplorável de condenação e morte quando Cristo nos
achou. Ei-las:
(a) Estávamos mortos em ofensas e pecados (Efésios 2.1). Todo pecador
está espiritualmente morto. E o estado de morte que fala a Bíblia é a
separação de Deus dos que não conhecem a Cristo como Salvador.
Esse estado de morte espiritual teve seu início quando da queda do
homem pelo pecado no Éden e sua manifestação é vista em parte na
decadência moral, espiritual, natural e física da humanidade.
Soteriologia 33

“Ofensas” fala de ultraje, agravo, afronta que o homem praticou


quando desobedeceu a Deus. Melhor tradução é como está na
Versão Atualizada: “delitos” porque transmite a idéia de algo punível e
criminoso. A palavra “pecados” logo a seguir na expressão indica um
quadro funesto do estado permanente do homem pecador. Não se
trata aqui apenas de pecados individuais praticados, mas do pecado
entranhado na nossa natureza humana (Rm 3.23; 5.12).
(b) Andávamos segundo o curso do mundo (Efésios 2.2). “Curso’, aqui, é
seguimento do caminho mau. A palavra “mundo” no original, refere-se
à humanidade, bem como às suas coisas pecaminosas, como em 1Jo
2.15-17. “Mundo” neste contexto não se refere ao espaço sideral, nem
ao planeta Terra. Seguir “o curso deste mundo” é conduzir-se
conforme o pensamento mundano que predomina nos que vivem no
pecado (Cl 3.7-8).
(c) Fazíamos a vontade da carne (Efésios 2.3). A carne, aqui, não tem
sentido físico, mas refere-se ao que ela representa na nossa vida
cotidiana. Fazer “a vontade da carne” significa dispor-se para
satisfazer o pecado. Trata-se de uma natureza inclinada ao pecado,
que atende aos desejos (concupiscências) degradantes do pecado. É
a vontade humana subjugada às inclinações da natureza pecaminosa.
A carne, no homem, é o opositor do espírito. A carne física é
inconsciente, mas são os ímpetos da natureza decaída do homem
que a tornam desequilibrada (Gl 5.16-18).
(d) Éramos filhos da ira (Efésios 1.3). Existem várias expressões
parecidas na Bíblia que tem a mesma idéia como “filhos da
desobediência” (Ef 1.2; 5.6); “filhos da perdição” (Jo 17.12; 2Ts 2.3),
“filhos do inferno” (Mt 23.15). Quando a Bíblia fala da “ira de Deus”,
trata-se de juízo e os que estão sob “a ira de Deus” estão sob o juízo
de Deus. A ira de Deus não é uma atitude de má vontade de Deus,
como se Ele perdesse a calma e o equilíbrio, e se irasse. Não! Não se
trata disso. Sua ira é uma reação natural e automática de sua
santidade contra o pecado. É uma barreira espiritual que sua natureza
santa e eterna mantém contra o pecado (Rm 1.18; Sl 7.11).

2.3.1.2 No presente, o que somos


A etapa presente da salvação nos livra do hábito e do domínio do
pecado, e nos enche do Espírito Santo. Ela abrange:
(a) Somos filhos da misericórdia de Deus (Efésios 2.4). A expressão
“filhos da misericórdia" não está literalmente no texto bíblico, mas
contrasta com a expressão do v.2 “filhos da desobediência”. Na
34

verdade, a misericórdia divina nos elevou a um novo e santo estado


espiritual. Como avaliar a riqueza da misericórdia de Deus? É
impossível! As palavras “mas Deus” mudam totalmente o panorama
da vida do pecador, se ele quiser, pois indicam a intervenção divina
em favor da humanidade. A palavra “misericórdia” é composta de
duas outras palavras no latim antigo “miseri” e “cordis”, que,
respectivamente, significam “miserável” e “coração”. Deus aceitou a
miserabilidade do homem pecador e o recebeu em seu coração. O
amor de Deus pelos homens é incomparável e indiscutível (Jo 3.16;
1Jo 4.9).

(b) Fomos vivificados em Cristo (efésios 2.5). Antes, estávamos mortos


no pecado. Trata-se do estado de morte espiritual em relação a Deus
como já vimos. Depois, Ele nos vivificou em Cristo, isto é, nos deu
vida (Cl 3.1-3). Esse novo estado de vida resultou da morte de Cristo
por nós no Calvário e, pelo mesmo poder que o vivificou dos mortos,
também nós, fomos “vivificados juntamente com Cristo”. É a
ressurreição espiritual. Deus, riquíssimo em misericórdia, é qual fonte
inesgotável a produzir três elementos vitais de saúde espiritual:
“misericórdia” (Ef 2.4b), “amor” (Ef 2.4c e 5a), e “graça” (Ef 2.5).

(c) Temos uma nova cidadania com Deus (Efésios 2.6). “E nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. A palavra “assentar”
na linguagem neotestamentária tem o sentido de “descansar”, ou de
“tomar posse numa posição de honra”. O nosso primeiro estado era
de escravidão, subserviência ao pecado, por isso, o pecador nunca
podia assentar-se. No novo estado de vida regenerada, a postura de
escravo muda totalmente porque agora pode assentar-se e descansar
em Cristo. Disso recorre a nova cidadania espiritual conferida por
Cristo (Fp 3.20). Como cidadãos dos céus, nossa vida espiritual foi
elevada a um plano superior, isto é, “nos lugares celestiais”. Trata-se
de uma posição espiritual na qual fomos colocados como “novas
criaturas em Cristo” (2Co 5.17). A nova cidadania tem um novo
sistema de governo que não é o humano. Ela nos coloca em um novo
regime de vida e tem a Bíblia como “guia de regra e fé”. O cristão
autêntico vive sob esse novo regime da Bíblia e não se conforma com
este mundo de corrupção (Rm 12.2).

(d) Somos Feitura de Deus (Efésios 2.10). Todo aquele que,


sinceramente aceita Jesus como Salvador e Senhor de sua vida,
torna-se uma “nova criatura” (2Co 5.17). Isto é, somos uma nova
criação de Deus. A transformação operada pelo Espírito Santo na vida
do pecador o recria espiritualmente, por isso “somos feitura sua”. No
princípio da criação, Deus criou o homem e o fez feitura dEle, mas o
Soteriologia 35

pecado arruinou-a. Deus resolveu fazer uma nova criação a partir da


criatura existente (Ef 4.24; Gl 6.15; Cl 3.10). Na seqüência do v.10
está escrito que fomos feitos de novo “para as boas obras”. Aqui
temos o propósito de Deus para o crente como nova criatura em
Cristo. Visto que Deus “as preparou para que andássemos nelas”
(v.10), essas boas obras têm a ver com o andar diário do crente
conforme Ef 1.4: “somos santos e irrepreensíveis perante Ele”.

2.3.1.3 No futuro, o que seremos

O futuro é termo inevitável na vida de cada ser humano. É algo do qual


ninguém pode fugir e precisa estar preparado para ele. Se o homem
não tivesse pecado no Éden não haveria preocupação com o futuro,
mas isso ficou arruinado na vida humana depois do pecado. A etapa
futura da salvação (Rm 13.11,12; 1Ts 5.8,9; 1Pe 1.5) abrange:

(a) Nosso livramento da ira vindoura de Deus (Rm 5.9; 1Co 3.15; 5.5; 1Ts
1.10; 5.9).

(b) Nossa participação da glória divina (Rm 8.29; 2Ts 2.13,14) e nosso
recebimento de um corpo ressurreto, transformado (1Co 15.49-52).

(c) Os galardões que receberemos como vencedores fiéis (Ap 2.7). Essa
etapa futura da salvação é o alvo que todos os cristãos se esforçam
para alcançar (1Co 9.24-27; Fp 3.8-14). Toda advertência, disciplina e
castigo do tempo presente da vida do crente têm como propósito
preveni-lo a não perder essa salvação futura (1Co 5.1-13; 9.24-27; Fp
2.12,16; 2Pe 1.5-11; Hb 12.1).

O que seremos? Seremos a Prova da Obra Redentora (Efésios 2.7). A


primazia de Cristo no juízo final será o seu povo redimido – a
demonstração da sua obra redentora. O v.7 diz “para mostrar nos
séculos vindouros”, isto é, o futuro da Igreja de Cristo. Ela será a
demonstração eterna da graça de Deus, ou seja, o testemunho da
manifestação da misericórdia divina sobre a humanidade. Será o
triunfo da misericórdia, não da ira divina. A expressão “séculos
vindouros” refere-se ao que a Igreja é agora e o que será no porvir (Fp
1.10; 2.16; Cl 3.4). Seremos o Testemunho da Manifestação da Graça
de Deus (Efésios 2.8,9). O v.8 declara o que Deus realizou mediante
seu Filho no Calvário e o que Ele continua realizando, ao revelar que
“pela graça sois salvos, por meio da fé”. A graça de Deus é a fonte que
Deus abriu no Calvário. É como uma imensa fonte de água profunda e
36

abundante, mas o vasilhame ou balde para tirá-la do poço é a nossa


fé. A fé é o meio de apropriação da salvação. O v.9 declara que não se
obtém a salvação por meio “de obras”, isto é, não depende de esforços
e méritos humanos. O v.8 afirma que a graça é “dom de Deus”, ou
seja, é dádiva que só Deus concede. Não se compra, nem se vende. É
por meio da fé sem as obras da lei (Rm 3.20-28; 4.1-5; Gl 2.16; 2Tm
1.9; Tt 3.5). Concluindo, ninguém poderá se gloriar na presença de
Deus. Nossa salvação será sempre o testemunho do favor divino, da
sua graça imensurável.

2.3.2 A Totalidade da Salvação

A salvação abrange corpo, alma e espírito. Quando o homem recebe a


Cristo como seu Salvador e nasce de novo pela obra do Espírito Santo,
isto define que ele é salvo no seu todo. A Bíblia é clara quando aborda
a tricotomia do Homem (corpo, alma e espírito), ela aborda a salvação
para o homem no seu sentido completo (1Ts 5.23; Hb 4.12; 1Co 15.42-
55).

A Salvação e as Obras. A fé é a raiz e a árvore da qual as obras de fé


são o fruto. Não somos salvos pela combinação de fé e obras, mas
sim, por uma fé que produz obras. Somos salvos exclusivamente pela
fé, mas por uma fé que não permanece isolada. Fé e obras são ambas
de determinação divinas, ambas são necessárias para o verdadeiro
crente. Sem fé ninguém é crente e à parte das obras, não pode haver
evidência dessa fé patenteada para os outros. Pois ambos os
elementos são encontrados na vida do verdadeiro crente. A fé é o meio
e a condição de sua salvação, ao passo que as obras são seu fruto e
suas evidências.

Para acrescentar, realmente não somos salvos pelas obras, mas


quanto à afirmação: “mas não somos salvos sem obras”, é que o
crente já salvo pela fé em Cristo, é salvo com uma vida cheia de obras,
por causa de uma fé produtiva; ou seja, cheia de frutos de justiça que
certamente colaborarão para o seu galardão.

As Escrituras Sagradas afirmam que a salvação é um dom de Deus,


vejamos as seguintes passagens: “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9). “Ninguém tem mais amor do
Soteriologia 37

que este, de dar alguém a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15.13).
“Mas não é assim o dom gratuito como a oferta. Pois pela ofensa de
um morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça,
que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou para com muitos” (Rm
5.15).

Resistência à Salvação. Resistir ao Espírito Santo é um pecado


imperdoável, ou seja, é pura “rebeldia”. O termo “resistir” ao Espírito
Santo tem a ver com a obra regeneradora do Espírito. Resistir ao
Espírito de Deus é um estado permanente e contumaz de rebeldia
contra Deus. Para acrescentar, é quando um pecador reconhece o seu
estado lastimável e tem convicção que já está condenado se continuar
a resistir, mas mesmo assim, prefere permanecer no pecado,
rejeitando sua salvação, e conseqüentemente rejeitando a Cristo e ao
Espírito Santo de Deus. A palavra “blasfêmia” significa propriamente
“detração ou calúnia”. No Novo Testamento, é aplicada a vituperação
dirigida tanto contra Deus como contra os homens; nesse sentido,
devemos compreender que se refere a uma forma agravada de
pecado. “Mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não tem
perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno” (Mc 3.29).
“Portanto, eu vos digo: Todo pecado e blasfêmia se perdoarão aos
homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos
homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do
homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito
Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” (Mt 12.
31,32).

Em nós habita o Espírito de Deus, e podemos entristecê-lo com os


nossos pecados; ou seja, ao pecarmos, quebramos a comunhão com
ele, que é tão santo e não pode contemplar o pecado, até que sejamos
restaurados depois da confissão e perdão. Ele afirma que os pecados
dos cristãos contra o Espírito Santo são: entristecê-lo, dando abrigo ao
mal na vida ou no coração, e apagá-lo pela desobediência. “... tu és tão
puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes
contemplar...” (Hb 1.13a). “Se confessarmos os nossos pecados, ele é
fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda
injustiça” (1Jo 1.9).

As benévolas operações do Espírito trazem grandes bênçãos, mas


essas inferem responsabilidades correspondentes. Falando de modo
38

geral, os crentes podem entristecer, mentir à Pessoa do Espírito Santo,


e extinguir o Seu poder. Os incrédulos podem blasfemar contra a
Pessoa do Espírito e resistir ao seu poder. Em cada caso o contexto
explicará a natureza do pecado. O Dr. Willian Evans assinala que:
“resistir tem a ver com a obra regeneradora do Espírito; o entristecer
tem a ver com a habitação do Espírito Santo, enquanto o extinguir tem
a ver com o derramamento para servir”. “Mas aquele que blasfemar
contra o Espírito Santo não tem perdão para sempre, visto que é réu
de pecado eterno” (Mc 3.29). “Portanto, eu vos digo: Todo pecado e
blasfêmia se perdoarão aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito
não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra
contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar
contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem
no futuro” (Mt 12.31,32).

2.3.3 A Necessidade da Salvação

“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus“ (Rm


3.23). (Deus) “quer que todos os homens se salvem, e venham ao
conhecimento da verdade” 1Tm 2.4.

Essas palavras do Apóstolo Paulo mostram que “todos pecaram”. E


isso, inclui, todos os homens, sem exceção; desde a queda dos nossos
primeiros pais (Adão e Eva) até o último que venha a existir, nasceram,
tem nascido e nascerão debaixo do pecado. “Eis que em iniqüidade fui
formado e em pecado me concebeu minha mãe” Sl 51.5. Jesus, o
único concebido sem pecado. Jo 8.46; 2Co 5.21; Hb 4.15; 1Pe 2.22.
Ele nasceu de uma virgem, “gerado pelo Espírito Santo” Mt 1.20c “...
ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1.21b).

Notemos então, que a necessidade da Salvação, está relacionada à


existência do pecado. Isto é, se não houvesse pecado, não haveria
necessidade de salvação. Porque também, não haveria, morte
espiritual, envelhecimento, dor, pranto, etc.

As necessidades da humanidade são muitas. Cada filho de Adão é


uma criatura carente. Como criatura, o homem é carente, mas se o
considerarmos como pecador, as carências se tornam múltiplas. Vimos
a este mundo como bebês indefesos e o deixamos nas mesmas
condições. Durante o tempo em que aqui vivemos, continuamos
Soteriologia 39

carentes. Cristo disse: "Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais
de todas estas coisas", (comida e roupa) (Mt 6.32).

Mas a nossa necessidade mais profunda é a de salvação do pecado,


pois ele é nosso maior perigo. O pecado criou uma necessidade eterna
e continuar perdido é enfrentar pobreza eterna. Ah, se os homens
pudessem perceber a necessidade que tem de salvação. É horrível ver
seres humanos se aproximando do abismo do inferno, sem verem o
perigo. Ver esta necessidade fará com que se diga como Pedro disse
em Atos 4.12: “Devamos ser salvos”. Sua afirmação é imperativa. Ah,
se esta necessidade da salvação tocasse de corações de homens e
mulheres!

É comum ao ser humano sentir necessidade em relação a coisas


materiais e temporárias. Quando se perde o emprego, a gente sente
que tem que arranjar outro. O negociante sente que tem que vender. O
jovem ambicioso sente que tem que ter um estudo superior. O
profissional sente que tem que ter clientes. As massas da sociedade
sentem que tem que se divertir e buscam prazeres com ansiedade
digna das melhores causas. E muitos jovens sentem que tem que se
casar, e este sentimento de urgência já destruiu muitas vidas. O
mundo ao nosso redor dá evidência de um sentimento de urgência em
tudo, menos no que é mais importante, a salvação do pecado.

Para preencher esta necessidade de salvação só existe uma Pessoa,


não adianta ir a ninguém mais. Durante a grande fome no Egito todos
tinham que ir a José para comprar comida, ele tinha a chave de todos
os armazéns. Desprezar José e recusar os cereais que tinha
significava morrer de fome. É o mesmo com Jesus de Nazaré, o Filho
de Deus. Só Ele tem o pão e a água da vida eterna. Desprezá-Lo, ficar
longe dEle, ignorá-Lo, é pedir a fome eterna. A salvação está em uma
pessoa.

2.3.3.1 A Singularidade da Salvação de Cristo

Salvação significa Livramento, a salvação que temos em Cristo é


livramento do pecado. O mundo já teve muitos libertadores ou
salvadores, homens que operavam grandes Libertações. Houve
homens, que salvaram grandes cidades, como Roma, tais como
Horácio que defendeu a ponte Levadiça contra o inimigo; que salvaram
40

países como Itália, tais como Garibaldi, um simples soldado e


libertador; salvadores tais como Simpson, o cirurgião renomeado, que
tornou possível a cirurgia mais perigosa ao descobrir o clorofórmio.
Mas, embora tenham sido grandes libertadores em sua esfera de
trabalho, não podem ser mencionados em pé de igualdade como
Cristo. O serviço deles ficou limitado quanto ao tempo e ao objeto. A
salvação oferecida por eles era só para o corpo dos homens e por
breve tempo. Mas a salvação de Cristo é eterna e inclui cada parte do
homem.

Cristo é indispensável. Não podemos fazer nada sem ELE. Há ajuda


humana que parece ser necessária, mas só Cristo é realmente
indispensável. A esposa pode achar que o marido é absolutamente
necessário a seu bem-estar. Contudo, um ano após a morte do
mesmo, ela afirma: “Nunca pensei que pudesse viver sem ele”.

Mas há Alguém sem o qual não podemos viver. Sem Ele não seríamos
nem faríamos nada. Sem Ele não temos recursos. Sem Ele o futuro é
cheio de desespero. Somos pobres miseráveis, não podendo comprar
um pedacinho que seja da Canaã Celestial. O fogo eterno é nossa
parte. Noto que há muitos que parecem viver bem sem Ele, orgulhosos
e prósperos agora, mas dia virá em que verão que ficar sem Ele é ficar
sem as necessidades e conforto da vida. João escreveu: “Quem tem o
Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1Jo
5.12). Saulo de Tarso pensou que dava para viver sem Jesus. Chegou
o dia em que exclamou: "Para mim o viver é Cristo!" Ah, se esta
mudança pudesse acontecer a alguns! A cegueira do homem o impede
de ver que Cristo é o único jeito de se escapar do pecado e da morte!
A ignorância do homem não pode entender o Evangelho de Cristo. A
tolice do homem não o deixa confiar no único Salvador que há! Que
humilhação, que desapontamento, que miséria, espera aqueles que
vivem e morrem sem Jesus! Que choque terão aqueles que pensam
que podem ir para o céu sem fé no Senhor Jesus Cristo, o único nome
abaixo do céu, pelo qual podemos ser salvos.

2.3.3.2 O Cristo do qual ninguém pode escapar

Todos os homens vão ficar face a face com Jesus Cristo um dia. É
com Ele que todos nós havemos de tratar. A hora se aproxima quando
todos no céu, na terra e em baixo da terra O reconhecerão como
Soteriologia 41

Senhor. Cada homem ouvirá Jesus falar no dia do juízo. Ele dirá a
alguns: “Vinde, benditos de meu Pai”. A outros, Ele dirá: “Apartai-vos
de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus
anjos” (Mt 25.41).

Ele não vai permitir que os homens fiquem neutros em relação a Ele. A
Bíblia diz que: “Quem não é comigo é contra mim” (Mt 12.3). Muitos
não querem ser contados como sendo contra Cristo: não estão
dispostos a admitir que são seus inimigos. Simplesmente O ignoram.
Não mostram interesse por Sua Palavra. Raramente, ou quase nunca,
vão à igreja onde Seu nome é pregado. Nunca oram em Seu nome,
nem dependem dEle para salvação. Não tem interesse pela Sua causa
e não dão nada para sustentá-la. Simplesmente O deixam de lado.
Mas isto é algo que os homens não podem fazer. Cristo não permitirá
que os homens o deixarem de lado. Se não confiar nEle como
Salvador, Ele o terá como cético. Se não colocar sua alma em Seu
sangue precioso, Ele o contará como desprezador. Se não o amar, Ele
o considerará Seu inimigo. Se não Lhe der do que tem, à medida que o
Senhor o faz prosperar para o engrandecimento do Evangelho, Ele o
considerará um estorvo. Se não produzir frutos para Sua glória, Ele o
olhará como um empecilho. Se não permitir que seja seu Senhor, Ele o
terá como rebelde. "Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal
de Cristo” (Rm 14.10).

2.3.3.3 O Cristo Todo - Poderoso

É Cristo e nada mais, Cristo e nada menos, e só Cristo. Ele recebeu o


nome de Jesus porque significa, “Jeová salva”. Deus não O teria
chamado assim, se não fosse Todo-Poderoso. Ele é Cristo, que
significa “Ungido”. Deus não teria ungido nem O nomeado Salvador se
não pudesse salvar. Ele também é chamado Filho de Deus, e com
certeza o Filho de Deus pode salvar.

Ele não precisa de ajuda ao nos salvar. Hb 1.3 diz: “O qual, sendo o
resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e
sustendo todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por
si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da
majestade nas alturas”. Só Ele nos resgatou da maldição da lei. Só Ele
satisfez a justiça transgredida pelos pecadores. Só Ele tirou a culpa do
pecado ao Se oferecer como sacrifício.
42

O calvário foi o lugar da maldição. A justiça amaldiçoava o imaculado


Filho de Deus, para que pudéssemos ser abençoados. O fogo da ira
divina O queimou, para que pudéssemos escapar do fogo eterno do
inferno.

2.3.3 A História da Salvação

De acordo com a Bíblia, a revelação é a ação de Deus em busca do


homem em sua história: a libertação do povo de Deus do Egito, a
presença divina no Sinai, a quebra da aliança, os sinais operados
pelos servos de Deus e, finalmente, a manifestação do Filho de Deus
encarnado.

A revelação real de Deus ocorre exclusivamente pela Palavra de Deus


e pelas palavras dos homens, que podemos chamar de revelação
verbal; ambas estão ligadas entre si, formando um só todo.

Podemos ainda denominar de revelação natural uma ação de Deus no


mundo e na história, quando todo ser e ação dependem de uma causa
transcendente; essa revelação natural não é uma história salvífica em
sentido próprio e estrito.

Por isso, podemos afirmar que os elementos constitutivos da história


da salvação são dois: a revelação e a graça. A Palavra de Deus só
pode ser ouvida como Palavra de Deus, quando é ouvida mediante a
sua presença. Quando a subjetividade humana se resume em ser
humana, ela tira o poder da Palavra divina, rebaixando-a ao nível das
palavras do homem, mesmo que contenha algo relacionado a Deus.
Por isso, só pode haver história salvífica e revelação em sentido
próprio, quando o receptáculo for um com Deus; isso equivale a dizer
que a história da salvação é a história da graça. Somente a graça de
Deus pode atuar na subjetividade do homem, a fim de que ele receba a
Palavra de Deus como sendo de Deus mesmo.

Um dos problemas relacionados à história da salvação que preocupam


os teólogos, os estudiosos da Bíblia e outros cristãos é o da salvação
daqueles homens que não pertenceram à aliança de Deus com Abraão
e Moisés, que viveram antes deles e que viveram alheios ao povo de
Deus, os que não foram atingidos pela revelação do Antigo
Testamento.
Soteriologia 43

Há algumas hipóteses a considerar, como: o homem daqueles tempos


não precisava de fé para se salvar. A essa idéia se opõe claramente
Hebreus 11.6. Segundo Straub, seria suficiente uma fé subjetiva; essa
hipótese admite a salvação do homem sem a necessidade da
revelação. Outra hipótese é o apelo à chamada revelação primitiva.
Toda salvação é proveniente da fé fundamentada numa revelação
divina. Não havendo a revelação divina, como no-la apresenta a Bíblia,
haveria uma revelação primitiva. Nesse sentido, não podemos
identificar o conhecimento da história primitiva com a revelação
primitiva. Finalmente, podemos solucionar o problema da salvação da
humanidade pré-cristã, com o pensamento de Tomás de Aquino: Deus
comunicou a cada homem, por meio de uma revelação especial, o
essencial daquilo que era necessário como condição para a
possibilidade da fé salvífica. Neste caso, poder-se-ia afirmar que o
homem primitivo não teve necessidade da oferta da revelação e da
graça sobrenatural, uma vez que Deus tem uma vontade acerca da
salvação universal do homem.

Na realidade, sempre foi oferecida à humanidade pré-cristã, por toda


parte, uma graça salvífica sobrenatural que lhe possibilitasse uma
salvação real e efetiva. Essa oferta diz respeito à estrutura íntima do
homem, com a intervenção da graça de Deus, que lhe possibilita a
realização de um ato salvífico livre. Assim, admite-se que a graça
salvadora sobrenatural foi oferecida a todos os homens pela vontade
salvífica universal de Deus. Essa graça opera uma mudança na
consciência.

Passo a passo com a história salvífica sobrenatural e geral existe a


história geral e sobrenatural da revelação e da graça, que existe por
sua vez paralelamente à história geral do mundo. A história da
revelação (desde Abraão a Moisés) que denominamos como revelação
primitiva deve ser considerada então como história especial da
revelação e da salvação.

Outrossim, a história geral da salvação, da revelação e da fé exerce


uma influência imediata e real sobre a história profana. E mais ainda: a
história geral da salvação não é outra coisa senão o caminho para a
salvação individual.
44

Em Romanos, capítulos um e dois, notamos que Paulo afirma que os


pagãos são culpados diante de Deus, embora não tivessem ouvido
nada da revelação do Velho Testamento. Uma vez responsabilizando o
homem diante de Deus, independentemente dessa revelação, Paulo
admite a revelação natural. Admite que o homem pode ter um
comportamento salvífico diante de Deus pela observância da lei escrita
no coração. Essa salvação só é possível mediante a graça divina.

Sem dúvida alguma, assim como vem expresso na carta aos


Romanos, todos os homens estariam perdidos sem a graça que
justifica mediante Jesus Cristo.

“A glória da graça incomparável do Cristo não aceita que todos os


homens de antes dele, de fato, se tenham perdido. Antes pode-se
admitir que, em razão desta graça... também a humanidade de antes
de Cristo conheceu uma real possibilidade de salvação”.

Finalizando o tema da história da salvação, podemos resumir as


verdades expostas na seguinte afirmativa: a história da salvação e da
revelação não pode ser aplicada indistintamente a todos os fatos da
história salvífica: a plenitude da história da salvação pode ser
encontrada somente em Jesus Cristo, meta, objetivo final e causa
dessa mesma história. Todas as fases anteriores devem ser
compreendidas como preparação da história que nos foi dada em
Jesus Cristo, por Deus. Em Jesus Cristo, a história da salvação atinge
sua perfeição total e sua meta última. As diversas etapas de tempo
participam da mesma essência da história salvífica única; são períodos
distintos uns dos outros, cada um deles fazendo parte da fase
definitiva.

Em relação às profecias do Antigo Testamento que anunciavam a


vinda do Messias, isto é, as profecias messiânicas, podemos afirmar
que Cristo já existia como “causa finais” na história geral do Antigo
Testamento, isto é, na história salvífica. As profecias vetero-
testamentárias sobre a nova e eterna aliança, a idéia do Messias, as
idéias de que Deus quer salvar o resto de Israel, tudo indica que na
Antiga Aliança havia uma dinâmica em perspectiva rumo a uma fase
histórico-salvífica mais ampla e mais elevada. Os homens antes de
Cristo e de sua auto-revelação viveram em Cristo e, de Cristo, tiveram
Soteriologia 45

uma fé que pode ser comparada à fé cristã, pois tais elementos são
indispensáveis para a salvação.

2.3.4 Os três Elementos Poderosos da Salvação

A Graça, Sangue e Fé. Essas palavras constituem os chamados


elementos poderosos da salvação em Cristo. São elementos, por
assim dizer, que operam em conjunto e interligados, no processo da
salvação, porque: a Graça é a fonte; o Sangue é a base; e a Fé é o
meio e a condição para a Salvação.

2.3.4.1 Graça como fonte de Salvação

[Do heb. hessed; do grego é charis; do lat. gratia] que significa: “favor
imerecido concedido por Deus à raça humana”, “cuidado ou ajuda
graciosa”, “benevolência”. Através da graça, o homem é capacitado a
compreender, a aceitar a e a usufruir, imediatamente, dos benefícios
do plano da Salvação. Há dois grandes tesouros inseridos na Graça de
Deus – O Amor e a Misericórdia. Jo 3.16. A Graça divina é operada
pelo seu Amor e a Sua Misericórdia. No Antigo Testamento Deus
revelou-se como o Deus da graça e misericórdia, demonstrando amor
para com o seu povo, não porque este merecesse, mas por causa da
fidelidade de Deus à sua promessa feita a Abraão, Isaque e Jacó (Êx
6.9). Os escritores bíblicos dão prosseguimento ao tema da graça
como sendo a presença e o amor de Deus em Cristo Jesus,
transmitidos aos crentes pelo Espírito Santo, e que lhes outorga
misericórdia, perdão, querer e poder para fazer a vontade de Deus (Jo
3.16; 1Co 15.10; Fp 2.13; 1Tm 1.15,16). Toda atividade da vida cristã,
desde o seu início até o fim, depende desta graça divina. Deus
concede uma medida da sua graça como dádiva aos incrédulos (1Co
1.4; 15.10), a fim de poderem crer no Senhor Jesus Cristo (Ef 2.8,9; Tt
2.11; 3.4). Deus concede graça ao crente para que seja “liberto do
pecado” (Rm 6.20,22); que nele opere “tanto o querer como o efetuar,
segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13; cf. Tt 2.11,12; Mt 7.21); orar (Zc
12.10); para crescer em Cristo (2Pe 3.18) e; para testemunhar de
Cristo (At 4.33; 11.23).

Devemos diligentemente desejar e buscar a graça de Deus (Hb 4.16).


Alguns dos meios pelos quais o crente recebe a graça de Deus são:
Estudar as Escrituras Sagradas e obedecer aos seus preceitos (Jo
46

15.1-11; 20.31; 2Tm 3.15); ouvir a proclamação do evangelho (Lc


24.47; At 1.8; Rm 1.16; 1Co 1.17,18); orar (Hb 4.16; Jd v. 20); jejuar
(cf. Mt 4.2; 6.16); adorar a Cristo (Cl 3.16); estar continuamente cheio
do Espírito Santo (Ef 5.18) e; participar da Ceia do Senhor (At 2.42; ver
Ef 2.9). A graça de Deus pode ser: resistida (Hb 12.15); recebida em
vão (2Co 6.1); apagada (1Ts 5.19); anulada (Gl 2.21) e; abandonada
pelo crente (Gl 5.4). Alguns tipos de graça defendidos pelos teólogos:

(a) Graça Comum. [Do Hb. Hessed; do gr. charis; do lat. gratia +
commune, concedido a todos]. Favores administrados por Deus a
toda a raça humana, visando a preservação da vida na terra. Entre
estes favores, encontram-se o dia, a noite, as estações, a
regularidade dos movimentos de translação e rotação, a cadeia
alimentícia, o sistema de defesa do corpo humano, etc.

(b) Graça Especial. [Do heb. hessed; do gr. charis; do lat. gratia +
speciale, relativo a uma espécie]. É a graça obtida mediante a fé no
sacrifício vicário do Filho de Deus. Através dela, Deus salva, justifica e
adota o pecador como filho (Jo 1.12; Ef 2.8,9).

(c) Graça Irresistível. [Do heb. hessed; do gr. charis; do lat. gratia +
irresistibilis, que não se pode suportar]. Doutrina calvinista segundo a
qual os predestinados para a vida eterna acabarão por ceder, mais
cedo ou mais tarde, aos reclamos da graça de Deus. Mesmo que não
o queiram, não poderão resistir ao chamado da salvação.

(d) Graça Preventiva. [Do heb. hessed; do gr. charis; do lat. gratia +
praeventu, prever antes]. Doutrina sustentado por Armínio, segundo a
qual, ainda que todos nos tenhamos degradado em conseqüência do
pecado, Deus nos restaura a capacidade de crer nas verdades do
Evangelho.

(e) Graça Santificadora. [Do heb. hessed; do gr. charis; do lat. gratia +
sanctoficatore, que produz santificação]. Segundo o catolicismo
romano, esta graça é obtida por intermédio da administração dos
sacramentos.

2.3.4.2 O Sangue de Cristo como a Base da Salvação

O sangue de Jesus é o tema central da Bíblia. De Gênesis a


Apocalipse esse fio escarlata, o sangue de Jesus, é o tema principal.
No Antigo Testamento, o sangue de Jesus é prefigurado no
Soteriologia 47

derramamento do sangue dos animais sacrificados nos holocaustos.


No Novo Testamento o sangue de Jesus é derramado para a nossa
redenção.

O sangue de Jesus é o fundamento da sua salvação. A salvação


depende do sangue de Jesus. Se a pessoa não estiver debaixo do
sangue de Jesus não haverá esperança para si. Sem derramamento
de sangue não há remissão de pecado. As obras não são suficientes
para levar alguém ao céu. A igreja não pode levar alguém ao céu. Fora
do sangue do Cordeiro de Deus ninguém pode entrar no céu.

O Valor do Sangue de Jesus (1Pe 1.18,19). “Sabendo que não foi


com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da
vossa vã maneira de viver que, por tradição, recebestes dos vossos
pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro
imaculado e incontaminado” (1Pe 1.18,19). Pedro seleciona dois
metais preciosos usados para comprar bens: o ouro e a prata. Mas
Quando Deus foi nos comprar, nos redimir, ele não empregou o ouro
nem a prata, mas o precioso sangue de Cristo. Hoje muitas pessoas
pensam que podem comprar a graça de Deus com dinheiro, com
obras. Mas foi Deus quem nos comprou. Ele não usou os tesouros do
mundo, mas o sangue do seu Filho: “... a igreja de Deus, a qual ele
comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

Lemos em Êxodo que Deus pôs toda a nação de Israel sob o sangue.
No texto Deus não disse: quando eu vir suas obras, suas lágrimas, seu
sofrimento, passarei por vós... Não foi assim que Deus falou, mas: “E
eu passarei pela terra do Egito esta noite e ferirei todo primogênito na
terra do Egito, desde os homens até aos animais; e sobre todos os
deuses do Egito farei juízos. Eu sou o SENHOR. E aquele sangue vos
será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue,
passarei por cima de vós, e não haverá entre vós praga de
mortandade, quando eu ferir a terra do Egito” (Êxodo 12.12,13, grifo
nosso). Em Lv 16.32,33 está escrito: “E o sacerdote... fará a
expiação... expiará o santo santuário; também expiará a tenda da
congregação e o altar; semelhantemente fará expiação pelos
sacerdotes e por todo o povo da congregação”.

A Necessidade da Expiação. A palavra “expiação” (heb. kippurim,


derivado de kaphar, que significa “cobrir”) comunica a idéia de cobrir o
48

pecado mediante um “resgate”, de modo que haja uma reparação ou


restituição adequada pelo delito cometido (note o princípio do “resgate”
em Êx 30.12; Nm 35.31; Sl 49.7; Is 43.3). A necessidade da expiação
surgiu do fato que os pecados de Israel (Lv 16.30), caso não fossem
expiados, sujeitariam os israelitas à ira de Deus (Rm 1.18; Cl 3.6; 1Ts
2.16). Por conseguinte, o propósito do Dia da Expiação era prover um
sacrifício de amplitude ilimitada, por todos os pecados que porventura
não tivessem sido expiados pelos sacrifícios oferecidos no decurso do
ano que findava. Dessa maneira, o povo seria purificado dos seus
pecados do ano precedente, afastaria a ira de Deus contra ele e
manteria a sua comunhão com Deus (Lv 16.30-34; Hb 9.7).

Porque Deus desejava salvar os israelitas, perdoar os seus pecados e


reconciliá-los consigo mesmo, Ele proveu um meio de salvação ao
aceitar a morte de um animal inocente em lugar deles (i.sto é, o animal
que era sacrificado); esse animal levava sobre si a culpa e a
penalidade deles (Lv 17.11; cf. Is 53.4,6,11) e cobria seus pecados
com seu sangue derramado.

A Cerimônia do Dia da Expiação. Levítico 16 descreve o Dia da


Expiação, o dia santo mais importante do ano judaico. Nesse dia, o
sumo sacerdote, vestia as vestes sagradas, e de início preparava-se
mediante um banho cerimonial com água. Em seguida, antes do ato da
expiação pelos pecados do povo, ele tinha de oferecer um novilho
pelos seus próprios pecados. A seguir, tomava dois bodes e, sobre
eles, lançava sortes: um tornava-se o bode do sacrifício, e o outro
tornava-se o bode expiatório (16.8). Sacrificava o primeiro bode, levava
seu sangue, entrava no Lugar Santíssimo, para além do véu, e
aspergia aquele sangue sobre o propiciatório, o qual cobria a arca
contendo a lei divina que fora violada pelos israelitas, mas que agora
estava coberta pelo sangue, e assim se fazia expiação pelos pecados
da nação inteira (16.15,16). Como etapa final, o sacerdote tomava o
bode vivo, impunha as mãos sobre a sua cabeça, confessava sobre ele
todos os pecados dos israelitas e o enviava ao deserto, simbolizando
isto que os pecados deles eram levados para fora do arraial para
serem aniquilados no deserto (16.21, 22).

O Dia da Expiação era uma assembléia solene; um dia em que o povo


jejuava e se humilhava diante do Senhor (Lv 16.31). Esta contrição de
Israel salientava a gravidade do pecado e o fato de que a obra divina
Soteriologia 49

da expiação era eficaz somente para aqueles de coração arrependido


e com fé perseverante (Lv 23.27; Nm 15.30; 29.7). O Dia da Expiação
levava a efeito a expiação por todos os pecados e transgressões não
expiados durante o ano anterior (Lv 16.16, 21). Precisava ser repetido
cada ano da mesma maneira.

Cristo e o Dia da Expiação. O Dia da Expiação está repleto de


simbolismo que prenuncia a obra de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. No Novo Testamento, o autor de Hebreus realça o
cumprimento, no novo concerto, da tipologia do Dia da Expiação (Hb
9.6—10.18). O fato de que os sacrifícios do Antigo Testamento tinham
de ser repetidos anualmente indica que eles eram provisórios.
Apontavam para um tempo futuro quando, então, Cristo viria para
remover de modo permanente todo o pecado confessado (Hb 9.28;
10.10-18). Os dois bodes representam a expiação, o perdão, a
reconciliação e a purificação consumados por Cristo. O bode que era
sacrificado representa a morte vicária e sacrificial de Cristo pelos
pecadores, como remissão pelos seus pecados (Rm 3.24-26; Hb 9.11,
12, 24-26). O bode expiatório, conduzido para longe, levando os
pecados da nação, tipifica o sacrifício de Cristo, que remove o pecado
e a culpa de todos quantos se arrependem (Sl 103.12; Is 53.6,11,12;
Jo 1.29; Hb 9.26). Os sacrifícios no Dia da Expiação proviam uma
“cobertura” pelo pecado, e não a remoção do pecado. O sangue de
Cristo derramado na cruz, no entanto, é a expiação plena e definitiva
que Deus oferece à raça humana; expiação esta que remove o pecado
de modo permanente (Hb 10.4, 10, 11). Cristo como sacrifício perfeito
(Hb 9.26; 10.5-10) pagou a inteira penalidade dos nossos pecados (Rm
3.25,26; 6.23; Gl 3.13; 2Co 5.21) e levou a efeito o sacrifício expiador
que afasta a ira de Deus, que nos reconcilia com Ele e que restaura
nossa comunhão com Ele (Rm 5.6-11; 2Co 5.18,19; 1Pe 1.18,19; 1Jo
2.2). O Lugar Santíssimo onde o sumo sacerdote entrava com sangue,
para fazer expiação, representa o trono de Deus no céu. Cristo entrou
nesse “Lugar Santíssimo” após sua morte e, com seu próprio sangue,
fez expiação para o crente perante o trono de Deus (Êx 30.10; Hb
9.7,8,11,12,24-28). Visto que os sacrifícios de animais tipificavam o
sacrifício perfeito de Cristo pelo pecado e que se cumpriram no
sacrifício de Cristo, não há mais necessidade de sacrifícios de animais
depois da morte de Cristo na cruz (Hb 9.12-18).
50

O Valor do Sangue de Cristo é infinito. Pedro destaca aqui duas


coisas preciosas: A primeira refere-se ao caráter sacrificial do
Salvador. Ele é o Cordeiro de Deus (Is 53.7) – A suprema submissão
de Jesus até a morte e morte de cruz é um dos grandes aspectos da
sua obra redentora. Ele não morreu como mártir – Ele entregou-se
voluntariamente por você (Jo 10.18). A segunda diz respeito ao caráter
santo do Salvador. Ele é o Cordeiro sem mácula – Por isso sua morte
pôde ser vicária, substitutiva. Só Cristo poderia morrer por nós! Ele não
conheceu pecado – 2Co 5.21; nele não havia pecado – 1Jo 3.5;
nenhuma culpa foi encontrada em sua boca – 1Pe 2:22.

A Virtude do Sangue de Jesus. Em 1Jo 1.2, João define a vida


eterna, em função de Cristo Ela só pode ser obtida mediante a fé em
Jesus Cristo e a comunhão com Ele. Em 1Jo 1.3, a expressão
"Comunhão" (gr. koinonia) literalmente significa "ter em comum", e
envolve compartilhar e participar. Os cristãos têm tal comunhão porque
têm a fé cristã em comum (Tt 1.3; Jd 3), a graça de Deus em Cristo em
comum (Fp 1.7; 1Co 1.9), a presença neles do Espírito em comum (Jo
20.22; Rm 8.9,11), os dons do Espírito em comum (Rm 15.27) e um
inimigo em comum (1Jo 2.15-18; 1Pe 5.8). Em 1.6 do livro supra
“andar nas trevas” significa viver no pecado e nos prazeres mundanos.
Tais pessoas não têm "comunhão com ele", isto é, não nasceram de
Deus (1Jo 3.7-9; Jo 3.19; 2Co 6.14). Aqueles que têm comunhão com
Deus experimentam a sua graça e vivem em santidade na sua
presença. Eis a necessidade de ANDARMOS NA LUZ (1Jo 1.7) e isso
significa crer na verdade de Deus, conforme revelada na sua Palavra e
esforçar-se sincera e continuamente por sua graça, para cumpri-la por
palavras e obras. "O sangue de Jesus Cristo, seu filho, nos purifica de
todo pecado" (1Jo 1.7b), refere-se à obra contínua da santificação
dentro do crente, e à purificação contínua, pelo sangue de Cristo, dos
nossos pecados involuntários. É provável que aqui João não esteja
pensando nos pecados deliberados contra Deus, já que está falando
em andar na luz. Essa purificação contínua propicia a nossa íntima
comunhão com Deus. Contudo, em 1Jo 1.8, enfatiza que “se
dissermos que não temos pecado enganamo-nos a nós mesmos, e
não há verdade em nós”. Aqui João emprega o substantivo "pecado"
em vez da forma verbal "pecamos", para enfatizar o pecado como um
princípio imanente na natureza humana. Por um lado, João está
provavelmente argumentando contra os que afirmam que o pecado
não existe como um princípio ou poder na natureza humana, ou contra
Soteriologia 51

os que afirmam que as más ações que eles cometem não são
realmente pecado. Essa heresia continua ainda hoje entre os que
negam a realidade do pecado e que interpretam a iniqüidade em
termos de causas deterministas, psicológicas ou sociais (Rm 6.1; 7.9-
11). Por outro lado, afirma que os crentes devem conscientizar-se de
que a carne, ou a natureza humana pecaminosa, é uma ameaça
constante na sua vida, e que devem sempre estar mortificando as suas
más obras por meio do Espírito Santo que neles habita (Rm 8.13; Gl
5.16-25). Por isso devemos reconhecer os nossos pecados e buscar
em Deus o perdão e a purificação deles. Os dois resultados disso são
o perdão divino e a reconciliação com Deus, e a purificação (isto é,
remoção) da culpa e a destruição do poder do pecado, a fim de
vivermos uma vida de santidade (Sl 32.1-5; Pv 28.13; Jr 31.34; Lc
15.18; Rm 6.2-14). Portanto é enfática a expressão “há poder no
sangue de Jesus” para lidar com a escravidão do pecado.

Há poder no sangue de Jesus para lidar com a punição do


pecado. A Bíblia diz que“o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23). E
ainda “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:4). Foi por essa razão
que Cristo assumiu o nosso lugar. Ele foi à cruz como nosso fiador,
substituto e representante. Ele morreu a nossa morte. Ele sofreu o
nosso castigo. Ele pagou a nossa dívida. Ele morreu por nós. “Tendo
sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm
5.9). O crente não precisa temer mais o inferno, a condenação, o juízo.
Cristo morreu sua morte. Ele carregou seus pecados. Ele pagou sua
dívida. Há poder para lidar com a poluição do pecado – 1Jo 1.7; Is
1.18. O pecado é sujo e ele suja as pessoas, mas o sangue de Jesus
nos limpa (Is 1.18); o pecado contamina, mas o sangue de Jesus
purifica (1Jo 1.7).

A Voz do Sangue de Jesus (Hb 12.24,25). O sangue de Abel clamou


por vingança (Gn 4.10,13). Mas o sangue de Jesus clama por perdão –
“Pai, perdoa-lhes”. O sangue de Jesus é a voz do perdão. “Nele nós
temos redenção através do seu sangue” (Ef 1.7). Jesus disse para o
paralítico de Cafarnaum: “Filho, os teus pecados estão perdoados” (Mc
2.5). Veja que você não recuse aquele que fala (Hb 12.25). O perdão
só é possível com base no sangue de Jesus. O sangue de Jesus é a
voz da paz (Cl 1.20). “Tendo feito a paz através do sangue da sua
cruz” (Cl 1.20). Nós fomos reconciliados com Deus através do sangue
de Cristo. O sangue de Jesus é a voz do poder – Ap 12.11. O diabo é
52

visto como acusador e opressor do povo de Deus. Como o


venceremos? É pelo sangue de Jesus! Quem intentará acusação
contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará? É Cristo Jesus quem morreu! Se estivermos debaixo do
sangue de Jesus estamos protegidos! (Êx 12.13). O sangue de Jesus
não é apenas arma de defesa (Êx 12), mas também arma de ataque
(Ap 12:11). Nós vencemos as hostes do inferno pelo poder do sangue
de Cristo. O inferno treme diante do poder do sangue de Cristo. Foi na
cruz que Cristo esmagou a cabeça da serpente e desbaratou o inferno.
Foi na cruz que Cristo abriu uma fonte de cura e libertação para o seu
povo. Foi na cruz que ela nos libertou, nos remiu e pagou a nossa
dívida. Foi na cruz que ele tirou de nós o veneno da antiga serpente
(Jo 3.12-15).

2.3.4.3 A Fé em Cristo como a Base da Salvação

A salvação é um dom da graça de Deus, mas somente podemos


recebê-la em resposta à fé, do lado humano. Para entendermos
corretamente o processo da salvação, precisamos entender também
essa palavra: Fé. A fé em Jesus Cristo é a única condição prévia que
Deus requer do homem para a salvação. A fé não é somente uma
confissão a respeito de Cristo, mas também uma ação dinâmica, que
brota do coração do crente que quer seguir a Cristo como Senhor e
Salvador (Mt 4.19; 16.24; Lc 9.23-25; Jo 10.4, 27; 12.26; Ap 14.4). O
conceito de fé no Novo Testamento abrange quatro elementos
principais:

(a) Fé significa crer e confiar firmemente no Cristo crucificado e


ressurreto como nosso Senhor e Salvador pessoal (Rm 1.17). Importa
em crer de todo coração (At 8.37; Rm 6.17; Ef 6.6; Hb 10.22), ou seja:
entregar a nossa vontade e a totalidade do nosso ser a Jesus Cristo
tal como Ele é revelado no Novo Testamento.

(b) Fé inclui arrependimento, desviar-se do pecado com verdadeira


tristeza (At 17.30; 2Co 7.10) e voltar-se para Deus através de Cristo.
Fé Salvífica é sempre fé mais arrependimento (At 2.37,38; Mt 3.2).

(c) A fé inclui obediência a Jesus Cristo e à sua Palavra, como maneira


de viver inspirada por nossa fé, por nossa gratidão a Deus e pela obra
regeneradora do Espírito Santo em nós (Jo 3.3-6; 14.15,21-24; Hb
5.8,9). É a “obediência que provém da fé” (Rm 1.5). Logo, fé e
Soteriologia 53

obediência são inseparáveis (Rm 16.26). A fé salvífica sem uma


busca dedicada da santificação é ilegítima e impossível.

(d) A fé inclui sincera dedicação pessoal e fidelidade a Jesus Cristo, que


se expressam na confiança, amor, gratidão e lealdade para com Ele.
A fé, no seu sentido mais elevado, não se diferencia muito do amor. É
uma atividade pessoal de sacrifício e de abnegação para com Cristo
(Mt 22.37; Jo 21.15-17; At 8.37; Rm 6.17; Gl 2.20; Ef 6.6; 1Pe 1.8).

A fé em Jesus como nosso Senhor e Salvador é tanto um ato de um


único momento, como uma atitude contínua para a vida inteira, que
precisa crescer e se fortalecer (Jo 1.12). Porque temos fé numa
Pessoa real e única que morreu por nós (Rm 4.25; 8.32; 1Ts 5.9,10),
nossa fé deve crescer (Rm 4.20; 2Ts 1.3; 1Pe 1.3-9). A confiança e a
obediência transformam-se em fidelidade e devoção (Rm 14.8; 2Co
5.15); nossa fidelidade e devoção transformam-se numa intensa
dedicação pessoal e amorosa ao Senhor Jesus Cristo (Fp 1.21; 3.8-10;
Jo 15.4; Gl 2.20).

A Fé como o Meio e a Condição para a Salvação. No livro de


Hebreus, relata três coisas: (a) “sem derramamento de sangue não há
remissão de pecados” Hb 9.22; (b) “sem sangue é impossível o acesso
a Deus” Hb 10.19; (c) “sem fé é impossível aproximar-se de Deus” Hb
11.6. Portanto, Deus providenciou o plano de restauração e redenção
do homem, concretizou-o através do calvário, por Jesus Cristo, deu o
Espírito para convencimento, colocou ao nosso alcance, agora, basta
usar o meio, a Fé, para apropriar-se do Sangue, a Base, a fim de
chegar na fonte, a Graça e obter Salvação em Cristo Jesus.
54
Soteriologia 55

Capítulo 3

Doutrinas Soteriológicas
Acerca da doutrina da Fé como elemento essencial à salvação, não
reapresentaremos neste capítulo, uma vez que a mesma já foi
discutida no tópico 2.3.4, onde foram apresentados os três elementos
poderosos da salvação. Por outro lado, a seqüência expositiva dos
tópicos abaixo apresentados, não significa que os mesmos aconteçam
nessa mesma ordem no plano divino da salvação.

3.1 Doutrina do Arrependimento

Em Lucas 15, temos o capítulo das coisas perdidas: uma ovelha


perdida, um filho distante e a dracma perdida. Temos nesse capítulo a
alegria da recuperação, do arrependimento.

Arrependimento “[do latim repoenitere, arrepender-se], compunção,


contrição. Tristeza causada pela violação das leis divinas, pela qual o
indivíduo é constrangido a voltar-se a Deus para implorar-lhe o
imerecido favor. No Antigo Testamento, temos o vocábulo niham que
traduz a idéia de arrepender-se. No grego, podemos contar com pelo
menos duas palavras: metanoeõ e apostrepho. Tanto na língua
hebréia, quanto na grega, os termos usados para arrependimento
encerram a seguinte idéia: “voltar-se para longe de, ou em direção de”.

A palavra “Metanoia”, no grego, segundo o dicionário do Novo


Testamento Grego, W.C. Taylor, significa: “mudança da mente,
mudança do homem interior, ou a mudança profunda e radical da
mente, incluindo as faculdades de percepção, compreensão, emoções
juízo e vontade, que o Espírito de Deus opera num homem, na
experiência da salvação; quase sinônimo de regeneração;
arrependimento.”
56

Essa palavra ocorre aproximadamente sessenta (60) vezes no Novo


Testamento, e foi traduzida como arrependimento. Eis alguns
exemplos: A mensagem de João Batista: “Arrependei-vos, porque é
chegado a vós o reino dos céus” (Mt 3.2); um batismo de
arrependimento (gr. “baptisma metanoias”), (Mc 1.4; 1.5; Mt 3.2; At
3.19; 17.30). O arrependimento é diferente de remorso. Temos um
exemplo notável no suicídio de Judas, no qual podemos concluir que
um arrependimento salvífico não leva ninguém ao suicídio.

A doutrina do arrependimento é um ensino ausente em muitas igrejas


em nossos dias. Têm-se pregado sermões superficiais que diluem a
idéia do pecado, oferecendo muito e exigindo pouco demais. Temos
visto “conversões” que não evidenciam, na prática, o fruto do
arrependimento, ou seja, uma transformação, mudança radical de vida
(2Co 5.17; Mt 12.33). A palavra grega metanoia que é derivada de
meta - "depois", e neo - "compreender", que significa "reflexão
posterior", ou "mudança de mente", todavia o seu sentido bíblico vai
além, significando uma mudança de rumo, mudança de direção, de
atitude. Este é o significado da palavra.
Em Mateus 21.28-31, na Bíblia Almeida Revista e Corrigida (na ARC a
ordem dos dois filhos está invertida) – a parábola dos dois filhos -, o
Senhor Jesus nos dá lições claras sobre o arrependimento. Na lição do
segundo filho observamos que a confissão de fé sem arrependimento
gera uma devoção meramente exterior. Naquela ocasião, os ouvintes
de Jesus eram os fariseus, indivíduos que viviam na ilusão pensando
que eram muito justos, não se vendo a si mesmos como pecadores ou
desobedientes. Mas, apesar de serem religiosos, conforme é visto
nesta parábola, não estavam mais próximos do reino do que uma
prostituta (Mt 21.31).
O segundo filho na parábola contada por Jesus representa os fariseus,
e a lição que esse personagem nos ensina é que corremos o risco de
vivermos um cristianismo só de aparências, pois podemos estar
dizendo que vamos fazer, mas nunca fazemos.
Isto é bastante comum em nossos dias. Muitos crentes que freqüentam
os cultos da igreja, que se batizam, dão o dízimo, mas não obedecem.
Por quê? Porque não houve arrependimento.
Soteriologia 57

Temos quer ter em mente que Jesus não se impressiona com nossas
palavras piedosas. Ele quer ver os frutos, as evidências de nosso
cristianismo em obras de obediência (Mateus 7.21-23; Mt 6.5,16-18; Mt
23.3).
Na lição do primeiro filho temos a confissão de fé acompanhada de
arrependimento gera uma vida de obediência à vontade de Deus.
Observe que o primeiro filho quando recebeu a ordem do pai disse:
"Não quero". Esta é por natureza a nossa resposta às ordens de Deus.
Como já vimos, a palavra "arrependimento" significa um
redirecionamento da vontade humana. Assim, o primeiro filho embora a
princípio não quisesse fazer a vontade do pai, arrependido, mudou de
posição.
Igualmente precisamos desprezar nossos pecados, confessá-los,
abandoná-los, fazer as devidas reparações e tomar as devidas
providências para não repetirmos o erro. Poderemos pecar - e vamos -,
mas o processo de santificação não pode ser interrompido (Leia o
exemplo de Zaqueu em Lucas 19.8,9).
O arrependimento engloba o homem todo. Engloba o homem
intelectualmente (Mt 12.41; Lc 11.32). O arrependimento se inicia
quando há reconhecimento do pecado. O homem desperta para a
seriedade que seu pecado tem para Deus. Este é o primeiro passo do
arrependimento: quando eu compreendo que algo está errado.
Engloba o homem emocionalmente (2Co 7.10; Jó 42.6). Uma pessoa
pode até entristecer-se sem estar arrependida, como foi o caso de
Judas. (Mt 27.3-5), ou do moço rico (Mt 19.16-22). Entretanto, o
genuíno arrependimento sempre vem acompanhado por tristeza (Sl
51.17).
Engloba o homem volitivamente (Lc 15.17-20). A vontade do homem é
afetada. Lembra-se do filho pródigo? Em Lucas 15.17-20, somos
informados de que ele "caiu em si", compreendeu que algo estava
errado, mas não ficou só nisso. "Levantou-se e foi..." Houve uma
tomada de decisão. Não haverá arrependimento verdadeiro até que
tenhamos feito algo a respeito do pecado. Não basta saber que é
errado, ou ficar triste por ter pecado. O pecado precisa ser
abandonado.

3.2 Doutrina da Conversão


58

Conversão, segundo a definição mais simples, é abandonar o pecado


e aproximar-se de Deus (At 3.19). O termo usado no Novo Testamento
é ( Epistréfo, que segundo o dicionário do Novo
Testamento Grego, W.C. Taylor, significa “virar-se para, converto,
volto-me, torno atrás, viro-me, converto-me, desvio-me”. O termo é
usado para exprimir tanto o período crítico em que o pecador volta aos
caminhos da justiça como também para expressar o arrependimento
de alguma transgressão por parte de quem já se encontra nos
caminhos da justiça (Mt 18.3; Lc 22.32; Tg 5.20).

A conversão está relacionada com o arrependimento e a fé, e,


ocasionalmente representa tanto um como outro ou ambos, no sentido
de englobar todas as atividades pelas quais o homem abandona o
pecado e se aproxima de Deus (At 3.19; 1Pe 2.25). O Catecismo de
Westminster, em resposta à sua própria pergunta, oferece a seguinte e
adequada definição de conversão: “Que é arrependimento para a vida?
Arrependimento para a vida é graça salvadora, pela qual o pecador,
sentindo verdadeiramente o seu pecado, e lançando mão da
misericórdia de Deus em Cristo, e sentindo tristeza por causa do seu
pecado e ódio contra ele, daí em diante, ser obediente a Deus.”

Note-se que, segundo essa definição, a conversão envolve a


personalidade toda: intelecto, emoções e vontade.

Como se destinge conversão de salvação? A conversão é o lado


humano da salvação. Por exemplo: observa-se que um pecador,
bêbado notório, não bebe mais, nem joga, nem freqüenta lugares
suspeitos; ele odeia as coisas que antes amava e ama as coisa que
outrora odiava. Seus amigos dizem: “Ele está convertido; mudou de
vida”. Essas pessoas estão descrevendo o que parece, isto é, o lado
humano do fato. Mas, do lado divino, diríamos que Deus perdoou o
pecado do pecador e lhe deu um novo coração.

Como a fé e o arrependimento estão inclusos na conversão é uma


atividade humana; mas ao mesmo tempo é um efeito sobrenatural
sendo ela a reação por parte do homem ante o poder atrativo da graça
de Deus e da sua Palavra. Portanto, a conversão é o resultado das
cooperações das atividades e humanas. “Assim também operai a
vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é o que opera em
Soteriologia 59

vós tanto o querer como o efetuar segundo a sua vontade” (Fp 2.12-
13). As seguintes passagens referem-se ao lado divino da conversão:
Jr 31.18; At 3.26. E estas outras se referem ao lado humano: At 3.19;
11.18; Ez 33.11.

3.3 Doutrina da Regeneração

Regeneração é ato divino pelo qual a criatura humana experimenta


uma radical mudança interior. Trata-se de uma experiência profunda
em conjunto com o arrependimento.

Esta palavra é oriunda do [{grego  “Palingenesia”},


do lat. regenerationis]. É o ato de nascer de novo. Milagre que se dá na
vida de quem aceita a Cristo como o único e suficiente Salvador.
Através da regeneração, conhecida também como conversão, o
homem passa a desfrutar da natureza divina. Sem ela, o pecador
jamais entrará no Reino dos Céus. A regeneração não é um processo;
é um ato revolucionário. Regeneração, novo nascimento é o mesmo
que tornar a ser gerado, ganhar nova vida, reconstrução, restauração,
reorganização, revivido etc.

Em Jo 3.3: “Jesus respondeu e disse-lhe: Na verdade, na verdade te


digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de
Deus”. Em 3.1-8, Jesus trata de uma das doutrinas fundamentais da fé
cristã: a regeneração (Tt 3.5), ou o nascimento espiritual. Sem o novo
nascimento, ninguém poderá ver o reino de Deus, isto é, receber a vida
eterna e a salvação mediante Jesus Cristo. Apresentamos a seguir,
importantes fatos a respeito do novo nascimento.

A regeneração é a nova criação e transformação da pessoa (Rm 12.2;


Ef 4.23,24), efetuadas por Deus e o Espírito Santo (Jo 3.6; Tt 3.5). Por
esta operação, a vida eterna da parte do próprio Deus é outorgada ao
crente (Jo 3.16; 2Pe 1.4; 1Jo 5.11), e este se torna um filho de Deus
(Jo 1.12; Rm 8.16,17; Gl 3.26) e uma nova criatura (2Co 5.17; Cl 3.10).
Já não se conforma com este mundo (Rm 12.2), mas é criado segundo
Deus “em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4.24). A regeneração é
necessária porque, à parte de Cristo, todo ser humano, pela sua
natureza inerente e pecadora, é incapaz de obedecer a Deus e de
agradar-lhe (Sl 51.5; 58.3; Rm 8.7,8; 5.12; 1Co 2.14).
60

A regeneração tem lugar naquele que se arrepende dos seus pecados,


volta-se para Deus (Mt 3.2) e coloca a sua fé pessoal em Jesus Cristo
como seu Senhor e Salvador (Jo 1.12). A regeneração envolve a
mudança da velha vida de pecado em uma nova vida de obediência a
Jesus Cristo (2Co 5.17; Ef 4.23,24; Cl 3.10). Aquele que realmente
nasceu de novo está liberto da escravidão do pecado (Rm 6.14-23), e
passa a ter desejo e disposição espiritual de obedecer a Deus e de
seguir a direção do Espírito (Rm 8.13,14). Vive uma vida de retidão
(1Jo 2.29), ama aos demais crentes (1Jo 4.7), evita uma vida de
pecado (1Jo 3.9; 5.18) e não ama o mundo (1Jo 2.15,16).

Quem é nascido de Deus não pode fazer do pecado uma prática


habitual na sua vida (1Jo 3.9). Não é possível permanecer nascido de
novo sem o desejo sincero e o esforço vitorioso de agradar a Deus e
de evitar o mal (1Jo 2.3-11,15-17, 24-29; 3.6-24; 4.7,8 20; 5.1),
mediante uma comunhão profunda com Cristo (1Jo 15.4) e a
dependência do Espírito Santo (Rm 8.2-14).

Aqueles que continuam vivendo na imoralidade e nos caminhos


pecaminosos do mundo, seja qual for a religião que professam,
demonstram que ainda não nasceram de novo (1Jo 3.6,7).

Assim como uma pessoa nasce do Espírito ao receber a vida de Deus,


também pode extinguir essa vida ao enveredar pelo mal e viver em
iniqüidade. As Escrituras afirmam: “se viverdes segundo a carne,
morrereis” (Rm 8.13). Ver também Gl 5.19-21, atentando para a
expressão “como já antes vos disse” (Gl 5.21).

O novo nascimento não pode ser equiparado ao nascimento físico,


pois o relacionamento entre Deus e o salvo é questão do espírito e não
da carne (Jo 3.6). Logo, embora a ligação física entre um pai e um filho
nunca possa ser desfeita, o relacionamento de pai para filho, que Deus
quer manter conosco, é voluntário e dissolúvel durante nosso período
probatório na terra (Rm 8.13). Nosso relacionamento com Deus é
condicionado pela nossa fé em Cristo durante nossa vida terrena; fé
esta demonstrada numa vida de obediência e amor sinceros (Hb 5.9;
2Tm 2.12).

3.3.1 Natureza da Regeneração


Soteriologia 61

O Novo Testamento assim descreve regeneração:

(a) Nascimento, Deus, o Pai, é quem gerou e o crente é nascido de Deus


(1Jo 5.1; Jo 3.8; 3.3,7). Esses termos referem-se ao ato da graça
criadora que faz o crente um filho de Deus.
(b) Purificação (Tt 3.5; At 22.16).

(c) Criação, aquele que recria pela operação do seu Espírito (2Co 5.17;
Ef 2.10; 4.24; Gl 6.15; Gn 2.7). O resultado prático é uma
transformação radical em sua natureza, seu caráter, desejos e
propósitos.

(d) Ressurreição (Rm 6.4,5; Cl 2.13; 3.1; Ef 2.5,6).

3.3.2 A Necessidade da Regeneração

Embora muitos possam achar esta afirmação extremada, foi o próprio


Jesus quem primeiro declarou a absoluta necessidade do novo
nascimento espiritual para se entrar no Reino de Deus. No seu famoso
diálogo com Nicodemos, registrado em João 3.3, Ele declarou: “Em
verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus”. A expressão, a menos que, no ensino de
Jesus, sinaliza uma condição universalmente necessária para ver e
entrar no Reino de Deus. É uma condição sem a qual é impossível a
entrada no Reino de Deus. Portanto, o novo nascimento é uma parte
essencial do cristianismo.

Regeneração é o termo teológico usado para descrever o novo


nascimento. Refere-se a uma nova geração, um novo gênesis, um
novo princípio. A regeneração marca o início de uma nova vida, numa
pessoa radicalmente renovada. Pedro fala aos crentes que eles foram
“regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível,
mediante a Palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23).

Dabney (1820-1898) descreve a regeneração da seguinte forma:


Regeneração é “uma renovação sobrenatural das disposições que
determinam o propósito moral e do entendimento na apreensão da
verdade moral e espiritual, o todo resultando numa permanente e
fundamental conversão nas ações do homem como um todo, tanto
para com o pecado como para com a santidade: a carne e Deus. Para
tal mudança, a vontade humana é absolutamente inadequada e
62

irrelevante... Ela [a regeneração] é, portanto, uma obra divina e todo-


poderosa do Pai e do Filho através do Espírito Santo, como Seu
Agente”.

Sim, a regeneração é obra do Espírito Santo e tem que ser, visto que
antes de sermos regenerados estávamos “mortos em delitos e
pecados” (Ef 2.8). O Espírito Santo implanta em nossos corações, na
regeneração, vida espiritual, fazendo com que tenhamos disposição,
inclinação e desejo para com as coisas de Deus, coisas essas que de
outra forma nunca existiriam visto que “a mente carnal é inimizade
contra de Deus” (Rm 8.7) e “não há ninguém que busque a Deus” (Rm
3.11).

Por fim, assim como o nascimento natural resulta em entrar num reino
natural e temporal (o reino deste mundo), assim o nascimento
espiritual resulta em entrar no reino espiritual e eterno (o reino de Deus
e o mundo ou era vindoura). Não podemos experimentar o mundo
físico sem ter nascido nele fisicamente. Similarmente, não podemos
experimentar o mundo espiritual sem ter nascido nele espiritualmente.
A não ser que uma pessoa nasça de novo — nascida espiritualmente
do alto — ela não pode ver o reino de Deus (Jo 3.3,5,7).

3.4 A Doutrina da Redenção

Redenção [Do lat. Redempio] e sig. resgate, libertação. Livramento


proporcionado por Cristo ao oferecer-se para morrer em nosso lugar.
Com a sua morte vicária, livrou-nos das garras de Satanás.

[Do gr. apolutrosis]. Originalmente significa resgatar mediante o


pagamento de um preço. A expressão denota o meio pelo qual a
salvação é obtida, a saber: pagamento de um resgate.

Que é redenção? Simplificadamente podemos dizer que “redenção


significa livrar alguém através do pagamento de um preço”. A idéia
está associada com a de “resgate”. O termo grego para ambos é lytron,
que era usado para o ato de pagar o resgate de escravos de guerra.
No grego clássico, na 14ª rapsódia da Ilíada, o termo lytron é
empregado para a recuperação do cadáver de Heitor das mãos dos
gregos. Um léxico grego define assim: “É aquilo que se oferece para
Soteriologia 63

libertar e resgatar um homem de uma escravidão bárbara”. Redenção


é, pois, resgate, compra do poder da escravidão.

3.4.1 Como o termo entrou no pensamento bíblico?

O Antigo Testamento foi escrito em hebraico. Quando foi traduzido


para o grego chamou-se Septuaginta. Esta tradução, conhecida
também pela sigla LXX, influenciou muito o pensamento dos escritores
do Novo Testamento. Eles foram pregar para judeus fora da Palestina,
muitos dos quais ignoravam o aramaico e o hebraico. O grego era a
língua universal. Os pregadores do Novo Testamento escreveram em
grego e se valeram da Septuaginta. A primeira vez que a expressão
aparece é em Êxodo 13.13. Os primogênitos, desde a saída do Egito,
pertenciam a Iahweh. A idéia aparece em Êxodo 4.22, onde Israel é
declarado como primogênito de Iahweh. Em Êxodo 13.2, todo animal
primogênito é de Iahweh. Mas o jumento era muito necessário, pela
sua força física, para o trabalho no campo. Ele podia ser resgatado, ou
seja, se poderia pagar um preço por ele, como lemos em Êxodo 13.13.
Nesta primeira ocorrência bíblica, a idéia é de dar algo em troca de
algo. Um cordeiro, por exemplo. Resgate, aqui, é dar um valor para se
ter algo que fora da pessoa, mas que agora não era mais.

A segunda ocorrência surge em Êxodo 21.28-30. Como não era um


homicídio doloso, o dono do boi podia pagar um valor (em hebraico
kopher) para redimir sua vida ameaçada. O princípio da lei mosaica era
vida por vida e ele, para não ser morto, pagaria um preço. Aqui, é
pagar um preço para ter vida. A pessoa era culpada, mas pagava um
preço e se livrava da condenação. Como se faz no Brasil: certos
crimes mais leves são pagos com cestas básicas.

Em Êxodo 30.12 reaparece a idéia, agora com o sentido de


“cobertura”. Os israelitas eram recenseados, temporariamente,
provavelmente para se dispor deles em algum serviço oficial. Pagariam
um resgate, um valor, por isto. Uma taxa (um imposto) pelo direito de
serem do Senhor.

Com o tempo, a palavra, tanto no grego (lytron), como no latim


(redimo) passou a ter a conotação de um preço pago para comprar um
64

escravo ou um cativo, tornando-o livre. Pagava-se um preço pelo


resgate (pela redenção) do cativo. Em Hebreus 11.35, o termo grego
aparece, traduzido pela Versão Revisada como “livramento”. Os fiéis
preferiram não ser livrados. Mas esta é a idéia: livramento mediante
pagamento. Em Isaías 43.3, por exemplo, Iahweh diz que deu partes
da África a Ciro, como resgate de Judá. Livrou a nação do cativeiro,
dando outras nações a Ciro.

3.4.2 Uma definição teológica

Redenção inclui tudo aquilo que chamamos salvação: livramento do


pecado, perdão dos pecados, justificação, santificação e a vida eterna.
É o ato pelo qual o crente passa a ser de Deus. Longe de Deus, o
homem é escravo (Jo 8.34-35), e é libertado em Cristo (Jo 8.36). É
libertado para não mais ser escravo de ninguém (Gl 5.1).

3.4.3 O Redentor

De todos os títulos de Cristo, este, sem dúvida é um dos mais


preciosos para o fiel. O Novo Testamento o mostra como o Redentor.
Vejamos:

(a) Em Cristo temos a redenção dos nossos pecados, não sendo mais
nós escravos deles (Rm 3.23-24). Veja também Romanos 6.16-22.
Antes de sermos comprados por Cristo, nós nos oferecíamos ao
pecado, para fazer sua vontade. Éramos seus servos. Agora, livres,
nós nos oferecemos a Cristo para fazer a sua vontade. Mudamos de
servos para servos? Então, não ficamos livres! Quando estávamos
debaixo do pecado, não conseguíamos não pecar (Rm 7.23-24).
Agora, libertados e tornados livres do pecado, podemos não obedecê-
lo e devemos nos apresentar a Deus para fazer a sua vontade (Rm
12.1-2). A submissão a Deus é voluntária, a submissão ao pecado era
escravizante.

(b) O sangue de Cristo, sua morte na cruz, foi o preço pago pela nossa
redenção (Rm 3.25). Não foi o Pai quem abusou do Filho, mas o Filho
se ofereceu, ofereceu seu sangue, como o preço para nos libertar e
nos presentear ao Pai (Ap 5.9-10).

(c) Ao nos comprar, ele acabou com a nossa condição de escravos e nos
tornou participantes de sua natureza, a de Filho (2Pe 1.4). Ele nos
tornou seus irmãos, na linguagem do autor de Hebreus, pois
Soteriologia 65

passamos a ser filhos do Pai (Hb 2.11-12). Tínhamos a natureza de


Adão e passamos a ter a natureza de Cristo.

(d) A nossa redenção nos faz participantes, também, da ressurreição, da


ascensão e da glorificação de Cristo (Rm 4.25 e 8.29-30). Isto
significa que temos vida na vida de Cristo, mas porque ele
ressuscitou, seremos ressuscitados (1Co 15.20-22) e como ele foi
glorificado, nós também o seremos (1Jo 3.2). Ao efetuar a nossa
redenção, Jesus nos deu sua natureza vitoriosa, sua natureza
ressurreta e sua natureza glorificada, estas duas últimas a
recebermos no tempo apropriado. Isto porque fomos tirados do
domínio do pecado e passamos a ser propriedade sua.

Redenção é, portanto, a essência da salvação. Significa que fomos


comprados para Deus, como o texto de Apocalipse 5.9-10 já nos
mostrou. Como conseqüência ética da nossa redenção, devemos
reconhecer que somos o santuário do Espírito Santo e não mais
escravos de alguém nem mesmos donos de nossa vida (1Co 6.19-20).
Neste texto, “corpos” é o grego sôma, que designa mais que a
estrutura física. É o âmago do ser, da pessoa, seu centro volitivo e
afetivo. Cristo fez a redenção de todo o nosso ser, para sermos do
Senhor. Pensemos em 1Jo 4.4 e 5.19. Somos do Senhor.

3.4.4 A doutrina da redenção pode ser resumida da seguinte forma:

(a) O estado do pecado, do qual precisamos ser redimidos. O Novo


Testamento mostra que o ser humano está alienado de Deus (Rm
3.10-18), sob o domínio de Satanás (At 26.18), escravizado pelo
pecado (Rm 7.14) e necessitando de livramento da culpa, da
condenação e do poder do pecado (Ef 5.8).
(b) Preço pago para nos libertar dessa escravidão: Cristo pagou esse
resgate ao derramar o seu sangue e dar sua vida (1Pe 1.18-19).

(c) O estado presente dos redimidos: Os crentes redimidos por Cristo


estão agora livres do domínio de Satanás e da culpa e do poder do
pecado (Cl 1.13). Essa libertação do pecado, no entanto, não nos
deixa livres para fazer o que queremos, pois somos propriedade de
Deus. A nossa libertação do pecado por Deus nos torna em servos
voluntários seus (Rm 6.18-22).

3.5 Propiciação
66

[Do lat. propitiatio, tornar favorável]. Doutrina segundo a qual o


sacrifício de Cristo, no Calvário, tornou Deus favorável à humanidade
caída e enferma pelo pecado. Esta doutrina está ligada essencialmente
ao ministério sacerdotal de Cristo. “Ao qual Deus propôs para
propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela
remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus”
(Rm 3.25).
“Propiciação”. O que é isto, exatamente? O termo é enigmático, e
muitos nunca ouviram falar dele, a não ser em algum versículo bíblico
em que a palavra aparece. E talvez não tenham se apercebido dele. A
melhor explicação para o termo é que nos diz que “propiciação
significa a remoção da ira mediante a oferta de algum presente”. Era
um ato presente na política internacional no Oriente antigo, quando um
rei de alguma nação, para se manter seguro, enviava presente a outro
rei, de uma nação mais forte. Era um gesto destinado a cultivar boas
relações.
O verbo hebraico que traz a idéia de propiciação é kipper, com a idéia
de fazer amizade, de juntar partes opostas e até mesmo em conflito.
No Novo Testamento, a idéia mais próxima é “reconciliação”. A idéia
do Novo Testamento se entende bem em 2Coríntios 5.21. O sentido do
texto é que Deus ofereceu Cristo como presente ao mundo para fazer
as pazes com o mundo. É um conceito que nos parece estranho, mas
mostra que, no Novo Testamento, Deus toma a iniciativa, em Jesus, de
propor as pazes ao homem.

3.5.1 Algumas Objeções

Como “propiciar” tem a idéia de fazer as pazes, de aceitar um presente


para fazer amizade, muita gente se escandaliza. Parece que está se
subornando Deus. Mas, como veremos, é ele quem a oferece e não
quem a recebe. Outros alegam que a ira de Deus é
superdimensionada neste aspecto. Mas a Bíblia fala de um Deus que
se ira e que sente indignação: Salmo 7.11-12. É verdade que Deus é
tardio em irar-se (Ne 9.17), mas é certo que se ira. A Bíblia mostra que
nele misericórdia e ira se completam (Nm 14.18).

A propiciação surge exatamente aqui: como temperar ira e


misericórdia? Em vez de objeção, a ira de Deus torna necessária a
propiciação. Esta ira divina não é um descontrole emocional, mas é
Soteriologia 67

parte integrante da moralidade de Deus. Se ele não se indignasse


contra o erro e contra o pecado, não seria Absolutamente Santo.
Exatamente por ser santo Deus sente ira contra o pecado. Exatamente
por ser santo é que tem misericórdia. Aqui surge a propiciação.

3.5.2 O Ponto Central da Propiciação

O ponto central da propiciação é este: como remover a ira de Deus?


No Antigo Testamento a resposta é clara: a ira não se remove. Ela se
desvia. Veja-se o Salmo 78.38. O pecado tem um preço (Ez 18.20 e
Rm 6.23). O pecado é tão sério aos olhos de Deus que exige a morte
do pecador. A única maneira de se aniquilar o peso do pecado é com
a morte. Deus instituiu o sacrifício no culto do Antigo Testamento para
ensinar este aspecto. É a morte, através do derramamento do sangue,
que faz a propiciação ou expiação dos nossos pecados. A resposta ao
ponto central é esta: o sangue faz a expiação (que significa de dois
fazer um ou reaproximar dois que estão distantes e em inimizade),
idéia parecida com a propiciação. Esta última avança por incluir a idéia
de um presente para de dois fazer um.

3.5.3 A Idéia no Tabernáculo

O tabernáculo foi o templo móvel de Israel, construído durante a


peregrinação pelo deserto. Era um lugar provisório, morada de Deus,
lugar de encontro pessoal com Deus (Êx 33.7-11). O tabernáculo tinha
o lugar santo, onde ficava o povo, e o santíssimo ou santo dos santos,
onde o sumo sacerdote entrava uma vez por ano, para fazer a
expiação do pecado do povo. No santíssimo ficava a arca da aliança.
O nome da tampa da arca era kaporeth, que vem de um verbo da
família kpr, que significa “propiciar”. Veja-se Êxodo 25.17-22. Como
disse Hoof: “aí o mais perfeito ato de expiação era realizado uma vez
por ano pelo sumo sacerdote” (O Pentateuco, p. 145). Devemos ter
isto em mente: o lugar mais importante e solene do tabernáculo era
onde acontecia a propiciação. Sangue se oferecia a Deus para sua ira
se afastar do povo. O sangue era derramado exatamente sobre a
tampa da arca, chamada “propiciatório”. “Propiciação” e libertação do
poder do pecado se juntam desde cedo, na revelação bíblica. Se a
Bíblia não se detém em explicitar a doutrina, a figura está bem
presente em suas páginas.
68

Neste sentido, o propiciatório simbolizava a cruz de Cristo, onde se


efetuou o perdão dos pecados, mas com uma diferença: a obra de
Cristo não tem prazo de validade. O perdão alcançado no tabernáculo
e mais tarde no templo tinha um ano de duração. A cruz é o
propiciatório do Novo Testamento, mas com um perdão eterno, sem
necessidade de repetição (Hb 9.11-14). A cruz resolveu o problema do
pecado para sempre. Cristo é o Cordeiro que remove o pecado do
mundo (Jo 1.36). A propiciação, no Antigo Testamento, era um símbolo
da obra perfeita de Cristo, em remover nossos pecados e nos
reconciliar com Deus (2Co 5.18-19).

Mais uma questão, que não é curiosidade. O dia em que o sumo


sacerdote entrava no santíssimo (yom kippur, o dia do perdão), “em
tempos posteriores era essa também a única ocasião em que o nome
de Deus, portador de sua promessa de ajuda e aliança, era
perceptivelmente proferido” (Sacrifício e Culto no Israel do Antigo
Testamento, p. 102). O nome sagrado de Deus, que não se
pronunciava mais nos tempos de Jesus, era a mais exata expressão
do caráter do Pai. Pois bem, o caráter do Pai está ligado à propiciação.
É seu caráter que nos garante o perdão dos pecados. Não é o nosso
caráter, mas o dele.

3.5.4 A Obra de Cristo

A propiciação é um ato de misericórdia de Deus, quando esta triunfa


sobre sua ira. A oração do publicano, na parábola contada por Jesus
ilustra isto. Em Lucas 18.13, o que o publicano pede, nas palavras de
Jesus, é que Deus seja “propício” a ele, que Deus seja ou faça sua
propiciação. Ele precisava de perdão. O fariseu achava que tinha
aceitação divina porque era bom. Deus lhe devia isto. O publicano
sabia que não era bom, nada tinha de bom, e que só podia alcançar o
favor de Deus como um presente divino. Ele devia a Deus. Jesus
sintetiza bem sua missão, nesta parábola. Ele, Jesus, é o presente
divino para reaproximar as duas partes distanciadas, a divina e a
humana. Ao mesmo tempo mostra dois tipos de pessoas. Uma que
julga que não precisa de perdão, que Deus deve estar muito contente
com ela. Outra que reconhece a necessidade de perdão e sabe que
não merece e pede um favor a Deus.
Soteriologia 69

Segundo Hebreus 2.17, Jesus fez a propiciação pelos nossos pecados.


Ele mesmo presenteou Deus Pai com sua vida para nos conseguir o
perdão. Nesta declaração, a oferta é do Filho. Não há choque com
outros textos que dizem que o Pai ofereceu o Filho. É que a epístola
aos Hebreus põe o Filho como agente no processo da salvação, em
sua linha de argumentação. E lembremos que a Trindade não entra em
conflito, mas age sempre em sintonia.

Em 1João 2.2, Jesus é a propiciação pelos nossos pecados. É por isto


que ele nos defende, como Advogado, junto ao Pai (1Jo 2.1).
Tínhamos, como o publicano da parábola, um débito que não
podíamos pagar. Jesus o pagou e por isto pode nos defender. Não
devemos mais nada a Deus porque Jesus pagou o preço dos nossos
pecados com a sua própria vida. Não se paga um débito duas vezes.
Vale a pena a citação do Novo Dicionário da Bíblia neste texto: "Tudo
isso nos ajuda a perceber que, aqui, a ‘propiciação’ deve ser tomada
em seu sentido usual nas Escrituras. O escritor sagrado estava
descrevendo a atividade de Jesus em prol dos homens, como a única
coisa que pode fazer desviar a ira divina” (p. 1331).

O texto de 1João 4.10 avança significativamente nesta idéia. O Filho,


Jesus, é o presente dado pelo próprio Pai. Difere do pensamento do
autor de Hebreus. Mas o que realmente interessa é que não é um
presente nosso. Não havia nada que pudéssemos oferecer. Então, o
Pai ofereceu o Filho. Aqui, não é o Filho que se autodoa ou
autopresenteia ao Pai, mas é o Pai quem oferece o Filho ao mundo. A
morte de Cristo é um gesto de amor do Pai para conosco. Esta idéia é
confirmada por Romanos 3.25-26, onde se vê que é Deus Pai quem
oferece o Filho como propiciação. Quem crê na eficácia do sangue de
Cristo (não de animais, mas do sangue de Cristo) é justificado.
Conforme o versículo 25, Deus deixa de lado os delitos que o pecador
outrora cometeu. Um rei guerreava contra outro por ambição ou porque
se sentira ofendido. O pecado ofende a Deus e o levaria a nos
guerrear, mas em Cristo ele oferece à humanidade a mão estendida
para fazer as pazes. O Novo Testamento vê a propiciação como ato de
Deus, seja pelo oferecimento do Pai seja pelo oferecimento do Filho,

O mais fácil ficou para o fim. “Propiciação” vem de “propiciar”, que


significa tornar favorável. Esta doutrina mostra como é que Deus se
torna favorável a nós. Como, de inimigos que somos, ele nos
70

transforma em amigos. Não é por mérito algum que venhamos a


apresentar. Na realidade, nem mesmo tomamos a iniciativa. Deus nos
oferece a reconciliação e amizade por um gesto seu. É ele quem toma
a iniciativa. Cabem aqui as palavras do Batista: “O homem não pode
receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu” (Jo 3.27).
Propiciação é um gesto de Deus em nos reconciliar com ele. Ele nos
dá. Nós aceitamos.

3.6 A Doutrina da Imputação

[Do lat. imputare; do gr. logizomai; e do heb. hassad]. A idéia nas três
línguas clássicas, é uma só: creditar na conta de alguém. Trata-se de
uma declaração formal de que determinada ação foi, de fato, praticada
pelo indivíduo citado em juízo. Portanto, a palavra “imputação” significa
“debitar, atribuir responsabilidade” ou “lançar na conta de alguém”.

Na cruz do calvário, o Senhor Jesus tomou a dívida que tínhamos em


relação àquele que fora ofendido – Deus – e cobrou de Si mesmo
nosso débito, colocando Sua justiça em nossa conta.

Em Romanos 5.12 Paulo escreve “... assim como por um só homem


(este, naturalmente é Adão) entrou o pecado no mundo e pelo pecado
a morte, assim também a morte passou a todos os homens porque
todos pecaram”. O grande ato da imputação está implícito nas palavras
aqui traduzidas por “passou”. O pecado de Adão é lançado na conta de
todos os seus descendentes. Com este ato Deus está nos imputando
aquilo que nos pertence de direito, porque somos filhos de Adão. A
morte espiritual é debitada em nossa conta. Quando Deus nos vê
através de Adão, Ele nos vê espiritualmente mortos. Nascemos
espiritualmente mortos porque os pais que nos deram a vida física
estavam também espiritualmente mortos, e só podiam transmitir aquilo
que possuíam.

Dessa situação negativa vamos para o segundo grande fato da


imputação: o pecado da humanidade foi imputado por Deus, o Pai, a
Deus, o Filho. Foi feito uma transferência divina na qual lançou-se na
conta do Senhor Jesus Cristo aquilo que não lhe pertencia. Isto, como
vê, é justamente o oposto do primeiro passo dado por Deus na
imputação. Quando Ele colocou o pecado de Adão em nosso conta,
Soteriologia 71

estava apenas registrando o que na verdade nos pertencia. Agora


Deus, nesse segundo passo, registra na conta de Jesus Cristo o que
realmente não era dele. Este foi um ato judicial, mediante o qual a
minha culpa, o meu pecado foi atribuído a ele.

3.7 A Doutrina da Substituição

A palavra “substituição” não se encontra na Bíblia, mas a verdade


expressa por ela encontra-se de Gênesis ao Apocalipse, pois é uma
das doutrinas mais importantes da Palavra de Deus. Porém, queremos
saber em que sentido a palavra “substituição” é usada? A lei divina
declara: “A alma que pecar essa morrerá” (Ez 18.4 e 20). Desta forma,
a raça humana está debaixo da sentença da morte física, da morte
espiritual, que é a separação de Deus, e da morte eterna. Para o
homem ser salvo precisa de um substituto para tomar o lugar do
culpado e livrá-lo da sentença de morte.

Morrer em lugar de outrem não é um serviço desejável, e com exceção


do Senhor Jesus, não havia ninguém que podia ser o substituto dos
pecadores. Apesar de não haver ninguém, desde a queda do homem o
povo esperava a chegada neste mundo de um voluntário que pudesse
e desejasse morrer em lugar dos homens. Eva provavelmente achava
que seu filho Caim fosse o Salvador prometido, mas em vez de Caim
dar a sua vida pelos outros ele tirou a vida de seu próprio irmão. Pelos
sacrifícios oferecidos no tabernáculo e no templo, Deus educava o
judeu a respeito da necessidade de um substituto para morrer em lugar
do pecador. “O Cordeiro de Deus” é o título do Senhor Jesus – Ele
“como cordeiro foi levado ao matadouro” (Is 53.7).

A história de Abraão subindo ao monte Moriá para oferecer seu filho


Isaque como holocausto sobre o altar é a melhor ilustração da doutrina
de substituição no Velho Testamento. Abraão levava o fogo e o cutelo,
símbolos da justiça e do juízo de Deus. O feixe de lenha foi transferido
para Isaque, figura de Cristo, “carregando ele mesmo em seu corpo,
sobre o madeiro, os nossos pecados” (1Pe 2.24). Ao subir o monte
Isaque deu falta do cordeiro e perguntou ao pai: “Eis o fogo e a lenha,
mas onde está o cordeiro para o holocausto? “Esta é a pergunta que
os judeus piedosos faziam através dos séculos, até o dia em que João
Batista apontou ao Senhor Jesus e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que
72

tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). A resposta de Abraão foi uma


profecia. Ele respondeu: “Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro
para o holocausto” (Gn 22.8).

Ao chegar ao cume do monte ajuntaram pedras para fazer um altar, e


Abraão, depois de ter colocado a lenha no lugar, amarrou Isaque sobre
o altar e estendeu a mão para imolar o próprio filho. “Mas do céu lhe
bradou o Anjo do Senhor: e disse: não estendas a mão sobre o rapaz,
e nada lhe faças, pois agora sei que temes a Deus” (Gn 22.12).
Depressa Abraão tirou o seu filho do altar, olhou e viu atrás de si um
carneiro preso pelos chifres entre os arbustos; “tomou Abraão o
carneiro e ofereceu-o em lugar de seu filho” (Gn 22.13). Podemos
imaginar o que sentiu Isaque quando viu o carneiro sobre o altar em
seu lugar.

No Novo Testamento há também um exemplo notável de substituição -


O Senhor Jesus, numa noite só, foi traído, preso, julgado, e
condenado. Não havia tempo para fazer uma cruz para ele, mesmo
assim, uma cruz já o esperava. Aquela cruz não foi feita para Jesus
Cristo, mas sim para Barrabás. Três cruzes foram feitas para três
criminosos, mas o Senhor Jesus tomou o lugar de um deles, chamado
Barrabás. Não sei se Barrabás assistiu a morte do seu substituto, mas
em todo caso ele podia dizer “Ele morreu em meu lugar”.

O Novo Testamento ensina com clareza esta verdade. Romanos 5.8;


1Pe 2.21; 1Pe 3.18; Mt 20.28.

A fim de ser o nosso substituto o Filho de Deus se tornou homem.


De outra maneira ele não podia morrer em lugar do pecador. Os
animais sacrificados serviam como figuras e sombras da realidade,
mas nunca poderiam tirar pecados (Hb 10.4). Também um anjo não
servia para ser substituto do homem; somente um homem podia
morrer em nosso lugar. Jesus Cristo é Deus e homem.
Para Jesus Cristo poder morrer em nosso lugar havia necessidade da
encarnação e do nascimento virginal de Cristo.

O fato de Jesus Cristo nascer de uma virgem é importante, porque esta


verdade está ligada com a humanidade de Cristo e com a morte
expiatória em prol dos pecadores. O filho de Deus tornou-se
Soteriologia 73

verdadeiramente homem, mas o seu nascimento não foi natural, mas


sim sobrenatural porque nasceu de uma virgem.
A primeira profecia de Cristo na Bíblia (Gn 3.15), indica que o Salvador
havia de nascer de uma virgem. Deus, falando com Satanás, disse:
“Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e SUA
SEMENTE. Esta te ferirá a cabeça, tu lhe ferirás o calcanhar” (versão
Almeida Corrigida). O homem não foi o progenitor de Cristo. Em Isaías
7.14 o nascimento virginal de Cristo foi profetizado com clareza:
‘Portanto o Senhor mesmo vos dará sinal; Eis que a virgem conceberá.
e dará a luz um filho, e lhe chamará Emanuel”.
Mateus, no seu evangelho (1.18 a 25) cita a profecia de lsaías 7.14 e
esclarece como o nascimento de Cristo é diferente dos demais. A
nossa vida começou com o nosso nascimento, mas o nascimento de
Cristo foi diferente porque Ele sempre existiu. A genealogia de Jesus
Cristo em Mateus 1.1 a 17 repete o mesmo verbo “gerar”. Por exemplo:
“Abraão gerou a Isaque”, Jessé gerou o rei Davi” etc. Mas quando
Mateus registrou no seu evangelho o nascimento de Jesus Cristo ele
mudou a expressão e escreveu: “Ora o nascimento de Jesus Cristo
FOI ASSIM: Estando Maria sua mãe, desposada com José, sem que
tivesse antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt
1.18). José estranhou a situação e pensou em abandonar Maria mas
“Eis que lhe apareceu em sonho, um anjo do Senhor dizendo: José
filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela
foi gerado é do Espírito Santo” (Mt 1.20). Lucas, o médico, confirma
que Jesus nasceu de uma virgem (Lc 1.27 e 34). O anjo Gabriel foi
enviado a Maria para anunciar o grande acontecimento. “Então disse
Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem
algum? Respondeu-Lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo e o
poder do Altíssimo te envolverá com a Sua sombra; por isso também o
santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1.34 e 35).
O escritor aos Hebreus citou uma profecia messiânica: “Por isso, ao
entrar no mundo diz: “Sacrifícios e oferta não quiseste ANTES CORPO
ME FORMASTE” (Hb 10.35). Foi um corpo verdadeiramente humano,
mas sem a natureza pecaminosa.

O substituto pelos homens precisava ser homem perfeito sem pecado.


Deus não pode pecar, e Jesus Cristo sendo Deus, não somente não
pecou, mas lhe era impossível pecar.
74

A aprovação de Deus Pai e do Espírito Santo no batismo de Jesus


testifica o fato que Ele é perfeito. “Batizado Jesus, saiu da água, e eis
que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como
pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus dizia: “Este é o meu
filho amado em quem me comprazo” (Mt 3.16,17). Este é o testemunho
que tem muito valor porque Deus sabe tudo.

No encontro com satanás Jesus provou que é invencível.

Venceu as tentações de Satanás no fim de quarenta dias e quarenta


noites jejuando no deserto (Mt 4.1 a 11). No caso do Senhor Jesus o
sentido da palavra “tentação” só pode ser “provar” porque a tentação
não acha apoio nEle.

Entre as testemunhas da inocência do Senhor Jesus encontra-se


Judas Iscariotes, que por causa da sua traição teria motivo de achar
algum defeito no Senhor Jesus, para poder justificar o seu crime. Além
disso, ele por três anos e meio foi discípulo e andava com o seu
mestre e conhecia bem a vida de Jesus Cristo, mas não achou defeito
nEle. Ao contrário, ao devolver as trinta moedas, o preço da traição,
ele disse; “Pequei, traindo sangue inocente” (Mt 27.4). Os principais
sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam testemunhas falsas para
poder acusar o Senhor Jesus, mas os testemunhos não eram
coerentes, e pelo depoimento deles ficou bem claro que a vida de
Cristo é perfeita.

Os apóstolos Pedro, Paulo e João testificaram da vida perfeita de


Cristo, cada um apresentava um aspecto diferente. O apóstolo Pedro
escreveu: “O QUAL NÃO COMETEU PECADO, nem dolo se achou na
sua boca” (Pe 2.22). Pedro era um homem de ação, e ele escreveu a
respeito das ações de Jesus Cristo. Por outro lado Paulo era um
grande pensador e ele escreveu a respeito da mente de Cristo. “Aquele
que NÃO CONHECEU PECADO, ele o fez pecado por nós; para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). João, o apóstolo de
amor, que reclinava sobre o peito de Jesus, escreveu acerca do
caráter do Senhor Jesus: ‘Sabeis também que ele se manifestou para
tirar os pecados, e NELE NÃO EXISTE PECADO” (1Jo 3.5).
Soteriologia 75

O escritor da Epístola aos Hebreus frisa o fato que Jesus Cristo é


perfeito, e desta maneira, sem pecado “Com efeito nos convinha um
sumo-sacerdote, assim como este, santo, inculpável, sem mácula,
separado dos pecadores, é feito mais alto do que os céus” (Hb 7.26).
“Porque não temos Sumo-sacerdote que não possa compadecer-se
das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as coisas à
nossa semelhança MAS SEM PECADO” (Hb 4.15). Havia somente um
que podia ser o nosso substituto, para morrer em nosso lugar; aquele
que é Deus e se tornou homem sem pecado.

3.8 A Doutrina da Reconciliação

[Do lat. reconciliatio]. Reatamento de relações entre partes litigantes. O


Senhor Jesus, com a sua morte vicária, reconciliou-nos com Deus de
maneira definitiva, clara e eficiente. 2Co 5.18 “E tudo isso provém de
Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo e nos deu
o ministério da reconciliação”.

A reconciliação (gr. katallage) é um dos aspectos da obra de Cristo


como redenção. Refere-se à restauração do pecador à comunhão com
Deus. O pecado e a rebelião da raça humana trouxeram como
resultado, hostilidade contra Deus e alienação dEle (Ef 2.3; Cl 1.21).
Essa rebelião provoca a ira de Deus e seu julgamento (Rm 1.18,24-
32). Mediante a morte expiatória de Cristo, Deus removeu a barreira do
pecado e abriu um caminho para a volta do pecador a Deus (Rm 3.25).
A reconciliação entra em vigor mediante o arrependimento e a fé
pessoal em Cristo, do pecador (Mt 3.2; Rm 3.22).

Mas o que é Reconciliação? O assunto da reconciliação encontra-se


em quatro trechos nas epístolas do apóstolo Paulo, e em cada um
deles contém verdades da morte do Senhor Jesus, pela qual Deus
pode reconciliar o pecador. A graça de Deus descreve-se em Romanos
5, e no versículo 20, o apóstolo Paulo escreveu: “Mas onde abundou o
pecado, superabundou a graça”. Onde aconteceu isto? Foi na cruz de
Cristo. Naquele lugar abundou o pecado, mas no mesmo lugar
superabundou a graça de Deus. No lugar onde o homem demonstrou
no máximo a sua inimizade contra Deus, e onde a sua revolta contra o
seu criador chegou ao cume, Deus manifestou o seu amor, e pela
morte de Seu Filho providenciou um meio, pelo qual, o homem pode
ser reconciliado com Deus.
76

A cruz de Cristo revelou o coração humano e a sua inimizade e ódio,


contra Deus, mas, por outro lado a cruz de Cristo revelou também o
coração do amor de Deus para com o homem . Os chefes religiosos
cometeram toda a injustiça contra o seu Messias, pois, cheios de ódio
e inveja “deliberaram prender Jesus” à “traição e matá-lo” (Mt 26.41).
Judas, por trinta moedas, o preço de um escravo, traiu seu Mestre com
um beijo (Mt 27.9).

Prenderam e julgaram o Senhor Jesus de noite.

Uma grande multidão com lanternas, tochas, cacetes e espadas,


guiados pelo traidor chegou ao jardim de Getsêmane. O Senhor fez
duas perguntas a Judas ele disse:

“Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” (Lc 22.48). À multidão


Ele disse: “Saístes com espadas e paus como para deter um
salteador? Diariamente, estando convosco, no templo não pusestes
mão sobre mim. ESTA PORÉM É A VOSSA HORA E DO PODER DAS
TREVAS”. Foi para esta hora que Ele veio ao mundo. No Getsêmane
Ele pediu para que, se possível, lhe fosse poupada aquela hora
(Marcos 14:35). Noutra ocasião “então procuraram prendê-lo; mas
ninguém lhe pôs a mão, porque ainda não era chegada a sua hora”
(João 730). Agora chegou a hora e Ele voluntariamente se entregou
aos homens maus e perversos.

Ele sabia todas as coisas que sobre Ele havia de vir. “Sabendo, pois
Jesus todas as coisas que sobre Ele haviam de vir, adiantou-se e
perguntou- lhes: A quem buscais? (João 18:4). Que amor!
Voluntariamente, Ele se entregou.

Ele mostrou o Seu poder e divindade. Quando eles responderam: “A


Jesus, o Nazareno”, então Jesus lhes disse: “Sou eu, recuaram e
caíram por terra” (Jo 18.6). Pela sua palavra Ele podia ter vencido a
multidão armada com paus e espadas, mas chegou a hora do poder
das trevas.

Ele podia ter pedido mais de doze legiões de anjos. Mas não pediu (Mt
26.53).
Soteriologia 77

Aqueles acontecimentos cumpriram as Escrituras. “Tudo isto, porém,


aconteceu para que se cumprisse as Escrituras, dos profetas” (Mt
22.56).

O Senhor Jesus retribuiu o ódio com a bondade. O último ato do


Senhor Jesus antes de ser levado preso, foi curar a orelha do servo do
sumo sacerdote. Ele pagou o mal com o bem.

O julgamento de Jesus Cristo perante Anãs, Caifás e o Sinédrio foi


ilegal. O Sinédrio não podia reunir antes de seis horas da manhã.
Como queriam condenar Jesus depressa e tudo às escondidas, de
noite, antes que o povo soubesse, os membros do Sinédrio reuniram
na casa de Caifás, para procurar uma acusação contra o Senhor Jesus
e para arranjar falsas testemunhas. Mesmo assim, apresentaram o
Senhor Jesus a Pilatos sem a acusação. De manhã, na reunião oficial,
o Sinédrio queria somente lavrar a sentença e levar o Senhor Jesus a
Pilatos para obter permissão para o matar. Não estava interessado em
fazer justiça, mas sim, em matar Jesus Cristo.

Além de perverterem a justiça eles maltrataram o homem sem defeito e


cuspiram nEle (Mc 14.65). Foi o maior insulto para mostrarem o seu
ódio a Cristo, mas, além disto, cobriram o seu rosto e deram-lhe
murros, dizendo: Profetiza. Que brutalidade! Também os guardas lhe
deram bofetadas (Mc 14.65). Amarraram o Senhor Jesus como se
fosse um preso perigoso. Este procedimento dos chefes religiosos, que
deviam ter dado uma boa acolhida ao Messias, demonstrou a sua
hostilidade a Deus e a Cristo. A religião muitas vezes serve só de capa
para esconder a sua inimizade a Deus.

O Senhor Jesus facilmente podia ter exposto a perversidade daquela


gente religiosa. Jesus, porém, guardou silêncio e o profeta Isaías
explicou porque: “Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a sua
boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e como ovelha, muda
perante os seus tosquiadores, ele não abriu a sua boca” (Is 53.7). A
razão é que Ele estava de caminho para a cruz.
Tanto os gentios como os judeus mostraram hostilidade para com
Cristo. Pila tos é culpado da maior perversão da justiça, porque como
juiz ele declarou Jesus Cristo inocente, e ao mesmo tempo mandou
açoitar o nosso Senhor contra a lei e entregou um homem inocente
para ser crucificado. Os soldados romanos foram brutais no seu
78

tratamento a Cristo. Ele foi açoitado, despido e eles escarneciam do


Filho de Deus, cobrindo-o com um manto escarlate, colocaram uma
coroa de espinhos na sua cabeça e cuspiram nEle.
O mundo deu ao Filho de Deus uma cruz. Foi uma morte brutal que
demonstrou a inimizade do homem contra Deus. Foi o cume da revolta
do homem contra Deus, pois, é o lugar onde o pecado abundou. Em
vista da inimizade do homem demonstrada pela cruz de Cristo. Qual é
a atitude de Deus para como homem? Podíamos esperar o juízo de
Deus contra o homem pela sua revolta manifestada na cruz de Cristo,
mas Deus respondeu com amor.
A cruz de Cristo é a prova do amor de Deus para com os homens. O
amor de Deus chama-se a graça de Deus porque é amor aos que não
o merecem (Rm 5.1,11) apresenta um quadro do amor de Deus AO
FRACO, que é vítima do pecado. AO ÍMPIO, que se opõe a Deus e a
Sua Palavra. “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu
a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6). Ele ama o PECADOR: “Mas Deus
prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido
por nós sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Ele ama o inimigo e
revoltado contra Deus. “Porque se nós, QUANDO INIMIGOS fomos
reconciliados com Deus mediante a morte de seu Filho” (Rm 5.10).
É pela cruz de Cristo que o fraco, ímpio, pecador, e inimigo de Deus
podem ser reconciliados com Deus.
Estudemos os fatos da reconciliação com Deus pela morte de Cristo.
“DEUS ESTAVA EM CRISTO, RECONCILIANDO CONSIGO O
MUNDO” (2Co 5.19). Isto não quer dizer que todo o mundo esteja
reconciliado com Deus, mas que, em virtude da morte de Cristo, Deus
oferece a reconciliação a todo o povo do mundo. O caminho para Deus
não está impedido, mas está aberto para todos. O fundamento para a
reconciliação encontra-se em 2Co 5.19: “não imputando aos homens
as suas transgressões”.
As doutrinas da imputação e da justiça são ligadas com a obra de
reconciliação. Foi o pecado que causou a inimizade entre Deus e os
homens, mas pela obra da cruz este impedimento foi removido. Como
já temos estudado, nestas lições há um aspecto negativo e positivo da
imputação. Ao crente em Cristo, Deus não lhe imputa o pecado, mas
imputa-lhe a sua justiça. “Aquele que não conheceu o pecado, ele o fez
pecado por nós para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co
Soteriologia 79

5.21). Esta é a única maneira pela qual o homem pode ser reconciliado
com Deus.

Por Jesus Cristo recebemos a reconciliação (Rm 5.11). Existem quatro


palavras que podem descrever os efeitos da reconciliação.

(a) Paz. O mais importante aspecto deste assunto é a PAZ COM DEUS
(Rm 5.1), e desta paz dependem outros aspectos deste assunto. Nós
não precisamos fazer a paz com Deus porque ela já foi feita (Cl 1.20).
Precisamos aceitar a paz feita por Cristo na cruz. Também. “Ele
(Cristo) é a nossa paz” (Ef 2.14). “E vindo, (Cristo) evangelizou a paz”
(Ef 2.17).

(b) Perto. “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe,
FOSTES APROXIMADOS PELO SANGUE DE CRISTO” (Ef 2.13).
Pelo sangue de Cristo chegamos perto de Deus, mas como? Nós
éramos estranhos e inimigos (Cl 1.21), mas agora nós nos tornamos
filhos de Deus. Nós chegamos perto pelo novo parentesco e pela
nova relação com Ele. Mas isto não é tudo, porque podemos chegar
perto em comunhão com Deus (Ef 2.18).

(c) Perfeição. “Agora, porém, vos reconciliou com Deus por meio do
sangue de Cristo mediante a sua morte, para apresentar-vos perante
ele santos, inculpáveis, e irrepreensíveis” (Cl 1.22). Que perfeição!

(d) Privilégio. Os que s reconciliados com Deus por meio do sangue de


Cristo tem um privilégio inestimável, pois. Deus nos deu “o ministério
da reconciliação (2Co 5.18), ou “a palavra da reconciliação” (v. 19).
Temos um serviço e uma mensagem. É o serviço de embaixador em
nome de Cristo. Um embaixador é o representante do seu país e do
seu governo em outro país. Somos representantes de Cristo neste
mundo que não aceita e a nossa mensagem é: “Em nome de Cristo,
pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Co 5.20).

3.9 A Doutrina da Justificação

[Do heb. tsadik; do gr. dikaioo, dikaios , que significa ser “justo diante
de Deus”; do lat. justificationem] É o ato de declarar justo. Através
deste processo judicial, que se dá junto ao tribunal de Deus, o pecador,
que aceita a Cristo como o Único e Suficiente Salvador, é declarado
justo. Ou seja, passa a ser visto por Deus como se jamais tivera
pecado em toda a sua vida. A justificação é mais que um mero perdão.
80

O criminoso perdoado, ou anistiado continua criminoso. Mas se Deus o


justificar, torna-se ele justo (Rm 8.1).

Mas o que é Justificação? Justificação é o ato divino no qual Deus


decreta a absolvição do pecador, declarando-o justo (At 11.39). Deus
declara a pessoa justa, como se nunca houvesse pecado antes.
 “Dikaiosis”.É um termo jurídico, pelo qual o juiz declara
justo, ou seja inocente o acusado. Em Deuteronômio 25.1 Deus
estabelece um princípio pelo qual o homem pode ser julgado. “Em
havendo contenda entre alguns, e vierem a juízo, Os justos os
julgarão. JUSTIFICANDO O JUSTO E CONDENANDO O CULPADO”.
O juiz humano só pode fazer isto; absolver o justo e lavrar a sentença
contra o culpado.

Nos capítulos um e dois da Epístola aos Romanos é provado que tanto


o judeu como o gentio são pecadores perante Deus, pois não há
distinção. O judeu condenava o pagão pela imoralidade e achava que
era superior por causa dos seus privilégios e pelo seu conhecimento
do Deus pelo Velho Testamento. Mas em Romanos 2.21 a 24 a
situação torna-se clara. O judeu que se gloriava na lei mas não
guardava a lei. A sua religião e o seu conhecimento do Deus só
serviam de capa para esconder os seus pecados. Paulo perguntou: “Tu
que te glorias na lei, desonras Deus pela transgressão da lei? Pois
está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa
causa” (Rm 2.23,24).

3.9.1 Ninguém pode ser justificado pela lei (Rm 2.11,18)

As pessoas que procuram a justificação pela lei realmente não sabem


das exigências da lei. “Pois, qualquer que guarda toda a lei, mas
tropeça em um só ponto, toma-se culpado de todos” (Tg 2.10). Certas
pessoas acham que procurando guardar a lei estão justificadas,
entretanto por um só ponto estão condenados num só pecado,
portanto, traz a condenação, logo todos já pecaram. O propósito da lei
não é justificar alguém, mas pelo contrário, condenar o pecador. “Pela
lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20). A lei é como um prumo,
que colocado numa parede mostra que ela é torta, mas não a conserta.
A lei mostra o pecado do homem e o leva à condenação.
Soteriologia 81

Ninguém pode ser justificado pelos ritos religiosos (Rm 2.25,29). Os


judeus confiavam nas cerimônias e ritos do judaísmo, especialmente
na da circuncisão, que é o sinal da aliança que Deus fez com eles.
Ninguém pode ser justificado perante Deus pelas obras. Deus julga o
homem pelas suas obras. O homem gosta de apresentar as suas
obras, mas Deus julga todas elas, incluindo aquelas da revolta contra
Deus. A respeito do juízo final descrito em Apocalipse 20.12 lemos “e
os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se
achava escrito nos livros”. O julgamento pelas obras descreve-se em
Romanos 2.6,10. É o princípio do juízo, mas em vez de ser justificado
pelas obras, todos os que confiam nelas serão condenados. O
apóstolo Paulo escreveu: “pois já temos demonstrado que TODOS,
tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado” (Rm 3.9).
3.9.2 O Quadro de Todos os Homens Debaixo do Pecado (Rm 3.10-
12)
O estado pecaminoso do homem é universal. Este é o ensino dos
versículos 10 a 12. Em todo o homem falta a justiça. “Não há justo nem
sequer um”. É cego espiritual — ‘Não há quem entenda. Fica contente
sem Deus — “Não há quem busque a Deus. ‘ Está perdido e inútil para
Deus - Todo, se extraviaram a uma se fizeram inúteis ‘Não há quem
faça o bem, não há nem um sequer”.

O quadro do homem debaixo da lei (Rm 3.19 e 20). (a) A lei mostra
que todos são pecadores ‘Pela lei vem o conhecimento do pecado” (v.
20). (b) Todo mundo fica calado, sem desculpa e sem motivo de
reclamar perante Deus (v. 19). (c) Todo o mundo fica culpável perante
Deus (v. 19)

O veredicto da justiça divina. ‘Porque todos pecaram e carecem da


glória de Deus (v. 23). Nesta altura surge um grande problema: Como
pode Deus justo justificar alguém já condenado perante Deus? COMO
PODE O HOMEM SER JUSTO PARA COM DEUS? (Jó 9.2). Para Jo
foi um enigma como também ao seu amigo Bildade, que exclamou:
‘Como, pois seria justo o homem perante Deus, e como seria puro
aquele que saiu de mulher? (Jo 25.4).

Deus tem de permanecer justo para poder justificar o pecador. Certas


pessoas dizem que Deus, é o Deus de Amor e por isso Ele vai perdoar
82

a todos. É fato que Ele é Deus de Amor, mas também é um Deus justo
e não pode sacrificar a sua justiça para perdoar o homem. Tem de
haver uma base de justiça para poder justificar o homem. Não
podemos nem pensar num Deus injusto.
O trono de Deus é para todo o sempre porque é baseado na justiça
(Hb 1.8). Os tronos dos homens sempre têm manchas de injustiça e
por causa disto eles também. O rei Salomão orou a Deus: “ouve Tu
nos céus, e age e julga a Teus servos, CONDENANDO O
PERVERSO... E JUSTIFICANDO O JUSTO” (1Rs 9.32). O juízo
humano somente pode fazer isto porque é um princípio de julgamento
estabelecido por Deus. Salomão no princípio estabeleceu o seu reino
com justiça, pois há nele a sabedoria de Deus para fazer justiça (1Rs
2.20). Porém no fim do seu reinado Salomão tomou-se perverso, e
logo foi decretada por Deus a divisão do seu reino o que se deu no
reinado de seu filho.

Na vida do rei Davi há um caso que ensina que para um reino subsistir
tem de ter a base da justiça (2Sm 14) Absalão, o filho de David,
mandou matar Amon, também filho de David. Absalão para escapar à
justiça fugiu para outro país, onde ficou por muito tempo. Joabe, o
general de Davi, percebeu que o rei sentia a falta de seu filho, resolveu
promover a volta de Absalão sem exigir o castigo do crime. Enviou
uma mulher sábia ao rei David para contar uma história comovente,
inventada por Joabe. Ela contou como um dos seus dois filhos matou o
outro e os vingadores do sangue procuravam matar o assassino. Desta
maneira ela ia perder os dois filhos. Foi fácil descobrir a sua
mensagem. Acaba com as exigências da justiça e do castigo do
pecado e deixa seu filho Absalão voltar. Ela também disse ‘pois Deus,
não tira a vida, mas cogita meios para, que o banido não permaneça
arrojado de sua presença (2Sm 14.14). Ela não falou toda a verdade
porque Deus, tira a vida e cogita somente um meio justo para trazer de
volta o banido. Ela conseguiu o que Joabe queria e Absalão voltou
para Jerusalém, mas não lhe foi permitido ver o rosto do rei.

Não demorou muito antes de descobrir que perdoar de um modo


injusto não funciona. Logo ao voltar a Jerusalém Absalão queria ser
juiz (2Sm 15.4). Imagine, um assassino como juiz! Ele furtava o
coração dos homens de Israel (2Sm 15.6).
Soteriologia 83

Mandou seus servos meter fogo no pedaço de cevada de Joabe para


exigir uma audiência com ele. Não ficou satisfeito de estar em
Jerusalém sem a reconciliação com seu pai. Pelo desrespeito de
propriedade alheia conseguiu a reconciliação com o seu pai, mas foi
uma reconciliação injusta a sem base (2Sm 14.33). Depois de receber
o beijo da reconciliação tramou uma conspiração a revoltou-se contra
seu pai, a quem procurava matar. O rei Davi foi obrigado a fugir de
Jerusalém, e o seu trono foi abalado. Somente quando Absalão foi
morto é que voltou a paz a Jerusalém. Deus não pode deixar ninguém
entrar no céu injustamente porque desta maneira o seu trono seria
abalado e não seria o Deus justo.

O único trono eterno que nunca se abala é do Filho de Deus, pois nele
as promessas feitas a Davi são cumpridas, e de quem está escrito:
“Mas acerca do Filho: O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre, e
Cetro de equidade é o cetro do seu Reino, amaste a justiça e odiaste a
iniqüidade” (Hb 1.8-9)

Agora, pelo evangelho de Cristo, Deus manifesta a Sua justiça, “Para


ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm
3.26). Mas como a resposta certa encontra-se em Romanos 3.24 e 25
onde lemos da justificação pela GRAÇA, pela REDENÇÃO e pela FÉ.
Qual é a certa? Todas as três porque são três aspectos da justificação:

(a) A graça de Deus é a origem da Justificação. Sendo justificados


gratuitamente por Sua graça. A Graça é o amor aos que não
merecem. É a dádiva de Deus oferecida gratuitamente sem
merecimento algum de nossa parte. Há uma ilustração da graça em 2
Reis 6. O rei da Síria enviou as suas tropas para cercar a cidade de
Dotã e capturar o profeta Eliseu. Deus atendeu o pedido de Eliseu
para ferir o exército sírio com cegueira, e Eliseu conduziu os sírios
presos para Samaria. Agora Eliseu pede a Deus que abra os seus
olhos deles, e quando recobraram a vista eis que estavam presos na
fortaleza de Samaria. O rei de Israel queria matar os seus inimigos,
mas Eliseu mandou o rei colocar perante eles água e pão. Porém o rei
de Israel fez muito mais. Ele ofereceu-lhe, um grande banquete (2Rs
6.23). Os sírios mereciam a morte, mas receberam um grande
banquete. A graça de Deus é ainda muito mais do que isto.

(b) A base da justificação é a redenção que há em Cristo Jesus. É


pagamento do preço exigido pela justiça divina. É o preço pago pela
morte do Senhor Jesus na cruz.
84

(c) O meio da justificação é a fé no sangue de Jesus Cristo. ‘‘A quem


Deus propôs no seu sangue como propiciação mediante a fé” (Rm
3.25).

3.10 A Doutrina da Adoção

“Adoção é o ato pelo qual uma pessoa recebe como filho próprio a um
que não é, conferindo-lhe todos os direitos e posição de filho.” A
palavra adoção (no grego  “Huiothesia)”, significa
literalmente “pôr como filho. ”A adoção está muito ligada à
regeneração. A regeneração dá à pessoa a natureza de filho de Deus,
e a adoção dá-lhe a posição de filho: (Jo 1.12; Rm 8.17). Segundo o
dicionário do Novo Testamento Grego, W.C. Taylor define como
adoção: “Aquela relação que Deus se agradou de estabelecer entre si
e os israelitas em preferência a todos as demais nações, Rm 9.4” -
Thayer. “A natureza é condição dos verdadeiros discípulos de Cristo,
os quais pela recepção do Espírito Santo nas suas almas se tornam
filhos de Deus (Rm 8.15; Gl 4.5; Ef 5.1); também inclui o estado feliz
separado na vida futura depois da volta visível de Cristo do céu (Rm
8.23). Vemos nessa referência o aspecto escatológico da adoção.

3.10.1 Os Direitos da adoção

Adoção de filhos (Rm 8.15), não tem nada a ver com filiação e sim com
posição que já descrevemos acima. Deriva de dois termos gregos:
“Huios” (Filho) e “Thesis” (posição). A adoção quase não era usada
entre os judeus. Os casos mencionados na Bíblia ocorrem fora do
ambiente cultural de Israel, como o caso de Moisés no Egito (Êx 2.10 e
At 7.21). Temos também o caso de Ester na Pérsia (Et 2.7).

O mundo greco-romano onde foi escrito o Novo Testamento, praticava


a adoção. O termo “huiothesia” é de origem romana, adotado pelos
gregos. Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, emprega-o cinco vezes:
(Rm 9.4; 8.15,23 Gl 4.5; Ef 1.5) (Adoptio, do direito romano no latim).

A adoção significa que todo o nosso temor desaparece e é substituído


por uma confiança plena na proteção paternal de Deus (Rm 8.15). Sem
a adoção nenhuma pessoa experimenta qualquer liberdade de
relacionar-se com Deus. Portanto, na adoção temos:
Soteriologia 85

(a) Os direitos de filho adotivo.

(b) Os privilégios dos filhos de Deus.


(c) Estar para sempre com o Senhor (1Ts 4.17).
(d) Herdar todas as coisas com Cristo (Rm 8.17).

(e) Reinar com Cristo (Ap 20.4; 5.9,10; 20.6; 22.3,5).

3.10.2 Os Instrumentos da Adoção

(a) A soberania de Deus (Ef 1.5).

(b) A redenção de Cristo (Gl 4.5; 3.26).

(c) A fé (Gl 3.26) aquela capacidade de crer que Deus fará tudo quanto
tem prometido.

(d) O Espírito Santo (Rm 8.16), Espírito de adoção”.

(e) A graça de Deus (Ef 1.17; Rm 4.16, 17).

(f) A caridade de Deus (1Jo 3.1).

3.10.3 As Condições Para a Adoção Divina

Somente os que são guiados pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus
(Rm 8.14). Jesus declarou para aqueles que queriam crer nele: “Vós
sois filhos do Diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai”(Jo
8.44). Somente os que estão incluídos em (Jo 1.12), é que são filhos
de Deus. O filho sempre tem a natureza do pai. Podemos exemplificar
da seguinte maneira: “Os pintinhos de uma galinha colocando-os na
água, ele se afundam, mas os da pata não. Se todos misturando-se
disserem ser filhos da pata, é só colocá-los na água para saber a
verdade. Assim também diante do trono de Deus, não haverá enganos
entre os filhos de Deus e os filhos do Diabo”.

Os filhos de Deus se distinguem (1Jo 3.10), os filhos de Deus, são os


que praticam a justiça e amam os irmãos. Estamos colocados diante
de dois reinos: “Luz e Trevas”. Seremos colocados em alta posição nos
céus (Ef 1.5,6). A questão da adoção pode ser muito bem estudada,
mas nunca será bem entendida, exceto por aquele que adota ou que é
adotado. Nós entendemos porque fomos adotados. É um assunto para
86

os salvos. O filho adotivo tem seus direitos assegurados: é o próprio


Espírito Santo quem assegura os direitos dos filhos de Deus. Ele é o
nosso penhor (2Co 1.22), uma garantia. Não existe na terra algo que
se possa comparar ao estado de gozo que espera os filhos de Deus.
3.10.4 Bênçãos Advindas da Adoção

(a) Um novo nome (Jo 1.42; Ap 2.17).


(b) Uma nova família (Ef 2.19).

(c) Uma nova herança (Rm 8.17; 1Pe 1.4).

(d) Uma nova mente (1Co 1.26).


(e) Uma intimidade com o Pai, comunhão (Koinonia no grego).

3.11 A Doutrina da Santificação

Santificação. [Do lat. santificatio] Separação do mal e do pecado, e


dedicação ao serviço do Reino de Deus. É desta forma que o filho de
Deus aperfeiçoa-se à semelhança do Pai Celeste. A santificação só é
possível através da palavra de Deus. Santo. [Do heb. kadosh; do gr.
hagios] Aquele que se separa do mal, e dedica-se ao serviço divino. O
processo de santificação do crente tem como base a Palavra de Deus.
Santidade. [Do lat. sanctitatem]. Perfeição moral. Estado de quem se
destaca pela pureza. Nas Sagradas Escrituras, a santidade tem dois
sentidos mui distintos. É a separação do mal e do pecado. É a
dedicação completa ao serviço do Reino de Deus. “Pois esta é a
vontade de Deus, a vossa santificação, abstenhais da prostituição”
(1Ts 4.3).

A Santificação é o estudo do lado prático da salvação, com a


justificação, temos uma mudança de relação perante Deus, isto é
restauração das relações interrompidas pelo pecado, enquanto que na
Santificação temos uma mudança em nosso caráter, isto é, uma nova
maneira de viver (1Pe 1.15). Deus prometeu-nos vitória em Cristo.

Há diferença entre: Santificação e Santidade. Santificação é o


processo de tornar santo, o ato pelo qual pode-se chegar a santidade.
Santidade é o estado daquele que é santo. Não podemos falar que
temos Santidade, mas que estamos em processo em Santificação.
Soteriologia 87

A Santificação não é necessidade opcional e sim, absoluta: fomos


chamados para a Santificação (1Ts 4.7a); o evangelho é o caminho da
Santificação (Jo 17.17); Jesus Cristo deseja-a para nós (Jo 17.17,19;
1Co 1.30); é fundamental para a adoração (Sl 24.3,4); é a “via
expressa”, a condição de ver a glória de Deus (Hb 12.14).
Há Dois Aspectos a Serem Abordados Dentro da Santificação. Aspecto
Instantâneo (posicional). Refere-se a obra instantânea da Santificação
e limpeza realizada por Jesus no momento da conversão do pecador.
Uma nova posição, que possibilita ao novo crente ser considerado
“santo” em Cristo, a partir da conversão. 1Co 1.30; Jo 17.19; 1Co 6.11.

Aspecto Progressivo (prático). Refere-se à obra progressiva que é


operada no crente enquanto vive no corpo físico. É o desenvolvimento
da santificação, de forma contínua, até a volta de Jesus, ou o
passamento do crente para outra vida. (Hb 12.14; Ap 22.11). Isso
implica, obviamente, em uma rejeição de nossa parte, de tudo que se
interpõe ou venha a se interpor em nosso caminho de Santificação.

A Santificação Envolve: Separação – das coisas do mundo (1Jo 2.17;


1Pe 1.15); dedicação – apresentação de todo o nosso ser para Deus
(Rm 12.1,2); purificação – limpeza de toda imundícia da carne e do
espírito (2Co 7.1); Serviço – como instrumento de justiça para e na
obra de Deus (Rm 6.12b).

Os Meios de Santificação: Sangue de Cristo (Hb 9.14); a Palavra de


Cristo (Ef 5.26); o Espírito de Cristo. (Rm 8.9,2).

3.11.1 O Crente e a Santificação

A santificação é um assunto que de modo especial está no centro da


vontade de Deus, porque está escrito: “Esta é a vontade de Deus, a
vossa santificação” (1Ts 4.3). Jesus zela pela Sua igreja “para
apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem
coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5.27).

Deus quer que a sua Igreja esteja em condições de realizar a sua obra
aqui na terra. Todo crente ganha muito na sua vida espiritual quando
se aprofunda neste maravilhoso tema, quando experimenta o poder da
santificação na sua própria vida. Que Deus fale ao coração de cada
um.
88

Que Significa Santificação. Santificação é a Continuação da Obra de


Salvação. A Bíblia diz: “Aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo”. É através da santificação que a
vida de Jesus se manifesta em nossa carne mortal (2Co 4.10,11).

Os Aspectos da Santificação. Vamos meditar sobre o significado da


santificação sob dois aspectos: Santificação significa separação de
alguma coisa má; santificação significa separação para Deus a fim de
vivermos conforme à sua vontade.

Separação de Tudo que não Agrada a Deus. Pela santificação


experimentamos uma radical purificação de toda a imundícia da carne
e do espírito. A santificação é aperfeiçoada no temor de Deus (2Co
7.1). A presença de Deus em nosso ser faz a luz divina penetrar em
todas as áreas de nossa vida (Is 6.4-7; 1Ts 5.23). Pela santificação
toda a nossa maneira de viver passa a condizer com o Senhor, que é
santo (1Pe 1.15,16). Pela santificação rompemos com toda a imundícia
em nosso redor (2Co 6.14-18; Dt 7.26; 1Tm 6.11).

Os ensinos da Bíblia sobre a santificação referem-se em primeiro lugar


à necessidade do crente separar-se de todo o pecado e mal. Disse
Deus: “Ser-me-eis santos, porque Eu, o Senhor, Sou Santo” (Lv 20.26).
Ela também mostra que os separados devem ser purificados. Jesus se
deu a si mesmo por nós, e isto foi “para nos remir de toda a iniqüidade,
e purificar para si um povo seu” (Tt 2.14).

Separação para Pertencer Inteiramente ao Senhor. Pela santificação


somos separados do mundo para sermos do Senhor (Lv 20.26). O
povo de Deus é “um povo seu especial, zeloso de boas obras” (Tt
2.14). Pela santificação, a vida do crente fica entregue à disposição do
Senhor. Convém observar que Jesus, como homem, se santificou a si
mesmo por nós (Jo 17.19). Isto não significa que Ele precisasse de
purificação ou aperfeiçoamento, porque era absolutamente perfeito.
Esta santificação de Jesus significa que Ele se entregou inteiramente
ao serviço de Deus. De igual modo a santificação opera na vida do
crente este mesmo desejo. O crente, pela santificação, santifica a
Cristo como Senhor em seu coração (1Pe 3.15). Faltando a
santificação, o crente começa a perder a reverência diante das coisas
de Deus, e quer nos cultos ou na igreja, torna-se comum e rotineiro. A
Bíblia diz que Deus deve ser grandemente reverenciado por todos os
que o cercam” (Sl 89.7).
Soteriologia 89

Quando Jesus disse que Ele se havia santificado (Jo 17.19), é evidente
que suas palavras não tinham o sentido de que Ele havia precisado
purificar-se ou separar-se do mundo. Ele era PERFEITO E PURO.
Jesus estava expressando, sim, a sua entrega completa a Deus.
Esta entrega total, Jesus espera também de nós. Ele tem o direito de
nos possuir, pois nos comprou por alto preço (1 Pe 1.18,19). Assim,
não devemos mais viver para nós, mas totalmente para Ele que por
nós morreu (2 Co 5.15). Sejamos pois santificados.
3.11.2 Como Podemos Experimentar A Santificação
A Bíblia afirma que a santificação é obra de Deus (1Ts 5.23), mas o
homem tem a sua parte a fazer. Diz a Bíblia: “O QUE É SANTO
SANTIFIQUE-SE AINDA” (Ap 22.11 ARC). Assim como Deus nos
preparou a salvação por Jesus Cristo (Lc 2.30,31) Ele também nos
preparou a santificação através dele (1Co 1.30). A santificação não é
algo que dependa da nossa própria força e caráter, mas é uma
operação divina na vida do homem. De que modo Deus nos santifica?
Ele nos santifica pelo seu Filho (Jo 17.19; Ef 5.25,26). O seu sangue
precioso que operou a nossa salvação (Cl 1.14), opera também a
santificação (Hb 13.12). Pelo poder da cruz podemos pela fé nos
identificar com a morte de Jesus e experimentar a crucificação da
nossa carne (Gl 2.20; Rm 6.6), porque “Se um morreu por todos, logo
todos morreram” (2Co 5.14).
Deus nos santifica pelo Espírito Santo (2Ts 2.13). O Espírito Santo
opera como uma luz que alumia, como um fogo, que queima toda
impureza (Is 6.4-7). O Espírito Santo opera também ajudando o crente
a subjugar a sua carne (Gl 5.16-18, 24,25), dando assim lugar ao fruto
do Espírito pelo qual as características de Cristo se manifestam na
nossa nova natureza (Gl 5.22,23).
Deus nos santifica pela sua palavra (1Tm 4.5). A Palavra é um poder
que purifica (Jo 15.3; Ef 5.26) e que guarda (SI 119.11,17). A Palavra
de Deus opera aperfeiçoando o crente para que se torne perfeito e
perfeitamente instruído para toda boa obra (2Tm 3.16,17).
Através da Participação Pessoal. A participação do homem na obra da
santificação consiste na sua aceitação da obra de Deus na sua vida.
Ele deve por isso pedir a Deus que o santifique. Entregando-se
90

inteiramente a Deus, o crente poderá experimentar a perfeita vontade


de Deus na sua vida (Rm 12.2).
Muitos pensam que a santificação é um produto do nosso próprio
esforço, e quando, apesar de muito se esforçarem, não alcançam o
alvo desejado, ficam desanimados, achando que a santificação é uma
coisa impossível. Lembremo-nos de que a santificação é uma obra que
Deus deseja operar em nós os salvos. Tudo, porém, depende da nossa
aceitação.
Quando Jesus na cruz exclamou “Está consumado” (Jo 19.30), estava
então consumado tudo o que é necessário para a nossa santificação.
“Foi para santificar o povo pelo Seu próprio sangue, que Ele sofreu fora
da porta” (Hb 13.12). Ele se entregou a Si mesmo pela Igreja para
santificar, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula,
nem ruga, mas santa e irrepreensível (Ef 5.25,26; Cl 1.22).
3.11.3 As Bênçãos do Crente Santificado
O crente diminui em si para que Jesus nele cresça (Jo 3.30), e seja
formado nele (Gl 4.19). A santificação promove o crescimento
espiritual, porque elimina as causas que podem interrompê-lo, como o
pecado de desobediência, e negligência. Ela também estimula o
crescimento espiritual porque promove uma íntima comunhão com
Deus. O Espírito Santo tem mais Liberdade de Operar Nele (2Co 3.17).
Quando as vestes são alvas, o óleo não falta sobre a cabeça (Ec 8.9)
Deus faz, maravilhas sobre a base da santificação (Js 3.5).
O Crente se torna preparado para toda boa obra. A mão de Deus
opera todas as coisas (Is 26.12), mas Ele se serve de instrumentos
santificados (2Tm 2.21). Antes de tudo, a santificação prepara o crente
para ser um instrumento na mão de Deus, para despertamento e
conquista de almas preciosas. É a mão de Deus que opera tudo,
porém Ele usa homens, que se entregam totalmente em Suas mãos,
corno instrumentos seus (At 8.5,6; 19.11,12).
O crente se torna apto para o arrebatamento. Santificação é condição
indispensável para quem deseja ser arrebatado (Hb 12.14).
Santificação representa as vestes da noiva (Ap 19.7,8). “E qualquer
que nele tem esta esperança purifica-se a si, mesmo como também ele
é puro” (1Jo 3.3). Somente subirão para a glória, quando Jesus vier
arrebatar sua Igreja, aqueles que foram santificados pelo poder do
Soteriologia 91

sangue de Jesus. A eles “Será amplamente concedida a entrada no


reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1.11).
Mantenhamos, pois, sempre a nossa santificação renovada pelo poder
do sangue de Jesus. Assim fazendo, teremos direito à árvore da vida e
poderemos entrar na cidade pelas portas (Ap 22.14).

Capítulo 4

Doutrinas Soteriológicas
Complemento
4.1 A Doutrina do livre-arbítrio

O homem é capaz de aceitar ou rejeitar Cristo, logo um indivíduo pode


resistir à Graça, cair em tentação, se perder definitivamente ou mesmo
escolher entre a vida e a morte. É Deus quem inicia a obra, mas é o
homem quem decide se responde com arrependimento ou não.

À luz da Bíblia, o homem não regenerado é escravo do pecado e


incapaz de servir a Deus com suas próprias forças (Rm 3.10-12), mas,
por ainda ter em si resquícios da imagem de Deus, ele tem a
capacidade (livre-arbítrio) de, mesmo no estado caído, corresponder
com arrependimento e fé quando Deus o atrai a si. A iniciativa é
sempre de Deus, já que o homem, em seu estado caído, não pode e
não quer tomar a iniciativa. Ele precisa primeiro ser convencido para
depois ser convertido, e quem convence o homem é o Espírito Santo.
Em João 16.8-11 diz: “E, quando ele vier, convencerá o mundo do
pecado, e da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em mim;
da justiça, porque vou para o meu pai, e não me vereis mais; e do
juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado”.

Entendemos que é mesmo Deus quem abre os corações para Cristo,


mas cabe a humanidade amar mais a luz do que as trevas. Ou seja,
mesmo sabendo que Jesus é o único caminho para a salvação, o
homem pode resistir. Diversas passagens bíblicas afirmam essa
verdade como, por exemplo, em Hebreus 3.7-13, “portanto, como diz o
Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos
92

corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde


vossos pais me tentaram, me provaram e viram, por quarenta anos, as
minhas obras. Por isso, me indignei contra esta geração, e disse: estes
sempre erram em seu coração e não conheceram os meus caminhos.
Assim jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso. Vede,
irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel,
para se apartar do Deus vivo. Antes, exortai-vos uns aos outros todos
os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós
se endureça pelo engano do pecado”.

É Deus, portanto, quem desperta o desejo de salvação no homem (Jo


6.44; At 16.14). Tal desejo, porém, depois de despertado, pode ser
resistido (2Cr 15.2; 1Tm 4.1; 2Tm 2.12; Hb 3.7-19 e 10.23-29; Tg 4.8).
Se o homem aceita a oferta de Salvação, ele é salvo por Deus e o
Espírito Santo opera a regeneração em sua vida. Assim como a
iniciativa para a salvação é sempre de Deus (Ef 2.4-9), a regeneração
é operada tão somente por Deus. Não é pelas próprias forças do
homem que ocorre a regeneração, mas pelo poder do Espírito Santo
(Tt 3.3-7). Em síntese: o livre-arbítrio é claro em toda a Bíblia (Dt
30.19, Js 24.15, 1Rs 18.21, Is 1.19,20, Sl 119.30, At 10.43, Jo 1.12;
6.51), mas não é o livre-arbítrio que salva o homem. É Deus quem
opera a Salvação no homem e o transforma pelo poder do Espírito
Santo, quando o homem aceita a Salvação. E mesmo no livre-arbítrio
há a soberania divina, pois foi Deus quem deu essa capacidade de
escolher ao homem, capacidade esta que é resquício da imagem
divina nele. Deus, em sua soberania, criou homens livres. O homem só
reage aos apelos do Espírito de Deus.

4.2 Doutrina da Eleição

[Do lat. electionem]. Ato de eleger, escolha. Diploma divino com que é
agraciado todo o que recebe a Cristo Jesus como seu Único e
Suficiente Salvador (Jo 3.16). A eleição subentende que a pessoa,
mediante o sacrifício de Cristo, já atendeu a todos os requisitos
exigidos pela justiça de Deus quanto ao perdão de seus pecados.

Ora, quanto à eleição, é necessário dizer que ela é precedida pela


predestinação. Noutras palavras: toda a humanidade, sem quaisquer
exceções, foi predestinada à vida eterna. Mas a eleição está reservada
àqueles que acreditam na eficácia do sangue de Jesus.
Soteriologia 93

A Eleição [gr. eklegoe] refere-se à escolha feita por Deus, em Cristo,


de um povo para si mesmo, a fim de que sejam santos e inculpáveis
diante dEle (2Ts 2.13).

4.2.1 Eleição Condicional

A eleição divina não é uma escolha arbitrária de Deus, mas fruto de


sua presciência (Rm 8.29,30). Deus quer que todos se salvem (At
10.34 e 17.30-31; 1Tm 2.4; 2Pe 3.9 e Rm 11.32), mas os escolhidos de
Deus são aqueles que O aceitaram (Jo 7.37-38; Ap 22.17), cuja
decisão já era conhecida por Deus por ser Ele onisciente e presciente,
isto é, sabe de todas as coisas antes de todas as coisas acontecerem.
É importante salientar que o fato de Deus conhecer (presciente) não
significa necessariamente que interferirá. A Bíblia sempre fala de
predestinação à vida eterna em Cristo. A Epístola de Paulo aos Efésios
mostra isso. Aliás, os termos 'em Cristo Jesus', 'no Senhor' e 'nEle'
ocorrem 160 vezes nos escritos de Paulo, sendo que 36 vezes só em
Efésios, onde está o recorde. Ou seja, se queremos entender bem
Efésios, devemos começar a atentar para a palavra-chave dessa
epístola: 'em Cristo'. Ora, mais de uma vez é dito em Efésios 1 que a
predestinação ocorre em Cristo. Ou seja, a predestinação e a eleição
não são para estar em Cristo. A predestinação e a eleição estão em
Cristo. Clarificando: para aqueles que estão em Cristo está destinado
desde a fundação do mundo a Salvação. Igualmente, a quem não
estiver nEle, a perdição. Enquanto você estiver nEle, seu destino é o
céu. Enquanto não estiver nEle, o inferno. O critério é estar nEle.
Como afirma Paulo, Deus nos elegeu 'para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dEle' (Ef 1.4), mas Cristo só vai 'vos apresentar
santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis, se, na verdade,
permanecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da
esperança do Evangelho' (Cl 1.22,23). Está claro: a eleição é
condicional. E qual a condição? Estar em Cristo: '...Nos elegeu nEle...'
(Ef 1.4)”.

A eleição é feita em Cristo pelo seu sangue, “em quem [Cristo]... pelo
seu sangue” (Ef 1.7). O propósito de Deus, já antes da criação, era ter
um novo povo para si mediante a morte redentora de Cristo na cruz (Ef
1.4). Sendo assim, a eleição é fundamentada na morte sacrificial de
Cristo, no Calvário, para nos salvar dos nossos pecados.
94

A eleição em Cristo é em primeiro lugar coletiva, isto é, a eleição de


um povo (Ef 1.4,7,9). Os eleitos são chamados “o seu corpo” (Ef 1.23),
“minha igreja” (Mt 16.18), “povo adquirido” (1Pe 2.9) e a “noiva” de
Cristo (Ap 21.9). Logo, a eleição é coletiva e abrange o ser humano
como indivíduo, somente à medida que este se identifica e se une ao
corpo de Cristo, a igreja verdadeira.

A eleição para a salvação em Cristo é oferecida a todos (Jo 3.16,17;


1Tm 2.4-6; Tt 2.11; Hb 2.9), e torna-se uma realidade para cada
pessoa consoante seu prévio arrependimento e fé, ao aceitar o Dom
da salvação em Cristo. Mediante a fé, o Espírito Santo admite o crente
ao corpo eleito de Cristo (a igreja), (1Co 12.13), e assim ele torna-se
um dos eleitos. Daí, tanto Deus quanto o homem têm responsabilidade
na eleição.

4.3 Expiação Universal Qualificada

O sacrifício de Jesus na cruz foi realizado por toda humanidade. Cristo


morreu por todos (Jo 3.16 e 6.51; 2Co 5.14; Hb 2.9; 1Jo 2.2), mas sua
obra salvífica só é levada a efeito naqueles que se arrependem e
crêem (Mc 16.15,16; Jo 1.12). Sintetizando: a Expiação de Cristo é
suficiente, mas só se torna eficiente na vida daqueles que
sinceramente se arrependem de seus pecados e aceitam a Cristo
como único e suficiente Senhor e Salvador de suas vidas.

Há àqueles (calvinistas) que acreditam que o sacrifício de Cristo foi


feito apenas pelas ovelhas ou pela Igreja. Contudo, existem na Bíblia
diversas passagens Bíblicas que condizem com a nossa interpretação.
Conquanto existam passagens bíblicas que afirmam que Cristo morreu
pelas ovelhas (Jo 10.11,15), pela Igreja (At 20.28 e Ef 5.25) ou por
'muitos' (Mc 10.45), a Bíblia também afirma claramente em muitas
outras passagens que a Expiação é universal em seu alcance (Jo 1.29;
Hb 2.9 e 1Jo 4.14), o que deixa claro que as passagens que dão uma
idéia de ela ter sido limitada nada mais são do que referências à
eficácia da Expiação. Ou seja, a Expiação de Cristo foi feita para toda
a humanidade, mas só os que a aceitaram usufruem sua eficácia. O
fato de a Expiação só ter sido crida, aceita e aplicada em muitos e não
em todos não significa que ela tem sua eficácia comprometida, como
Soteriologia 95

alguns podem pensar. O fato de muitos usufruírem dela já demonstra


sua eficácia. Ela só não seria eficaz se ninguém se salvasse por ela.

Além disso, as Escrituras só afirmam a eficácia da Salvação sobre


aqueles que crêem. A Bíblia apenas frisa a eficácia da Expiação em
passagens onde os que crêem em Cristo são associados natural e
enfaticamente à obra expiadora (Jo 17.9; Gl 1.4; 3.13; 2Tm 1.9; Tt 2.3;
1Pe 2.24). A eficácia não está necessariamente na salvação de todos,
mas na consecução da Salvação. Se alguém foi salvo por essa
Expiação, esta foi eficiente. Não houve 'desperdício' pelo fato de seu
alcance ser universal, mas nem todos serem salvos. Até porque se
crermos que a Expiação de Cristo é limitada, o que seria um sacrifício
que proporcionasse uma Expiação Ilimitada? Jesus sofreria um pouco
mais na cruz? Outro fato: uma Expiação Limitada é uma contradição
ao ensino bíblico de que Deus não faz acepção de pessoas (Dt 10.17 e
At 10.34). Deus é soberano, mas isso não significa dizer que Ele fará
alguma coisa que contradiga o seu caráter santo e amoroso, ressalta.

É importante interpretar as Escrituras de maneira correta como um


todo, de tal maneira que não contradiga nenhum de seus pontos.
Lembremos que uma hermenêutica (interpretação da Bíblia) prudente
interpreta uma passagem ou passagens observando o contexto geral
sobre o assunto na Bíblia. A Bíblia se explica por meio dela mesma.
Portanto, se ela afirma que Deus é santo, justo e amor, e não faz
acepção de pessoas; e que Deus quer que todos se salvem e
cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2.3,4); e que a
Expiação foi por 'todos' (1Tm 2.6; Hb 2.9); logo as passagens em que
há alusão a 'muitos' devem ser interpretadas à luz dessas outras. O
resultado é que as passagens que aludem a “muitos” não se referem
ao alcance da Expiação, que é universal, mas à eficácia dela para os
“muitos” que a receberam por fé.

Outro ponto que deve ser exposto é o fato de que a Palavra de Deus
deve ser entendida da forma que, de fato, está escrita. Não se pode
simplesmente desconsiderar o significado óbvio dos textos sem ir além
da credibilidade exegética. Quando a Bíblia diz que “Deus amou o
mundo” (Jo 3.16) ou que Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (Jo 1.29) ou que Ele é “o Salvador do mundo” (1Jo
4.14), significa isso mesmo. Em texto algum do Novo Testamento,
“mundo” se refere à Igreja ou aos eleitos.
96

Escreve o apóstolo João, referindo-se a Cristo e à Expiação: “E Ele é a


propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas
também pelos de todo o mundo” (1Jo 2.2). Ou, como disse o teólogo
H. C. Thiessen, refletindo sobre o pensamento do Sínodo de Dort:
“Concluímos que a Expiação é ilimitada no sentido de estar à
disposição de todos, e é limitada no sentido de ser eficaz somente para
aqueles que crêem. Está à disposição de todos, mas é eficiente
apenas para os eleitos” (Lectures in Sistematic Theology, Grand
Rapids, 1979).

4.4 A Graça de Deus pode ser resistida

Com todo essa maneira de interpretar às Escrituras, fica mais clara


porque a Graça de Deus pode ser resistida. Afinal, a obra de Cristo foi
realizada por todos, mas Deus concedeu o livre-arbítrio ao homem.
Exemplificamos este entendimento com mais passagens bíblicas. À luz
da Bíblia a graça de Deus pode ser resistida (Hb 3.7-19; 10.23-29;
10.39 e 12.25; At 7.51 e 13.46; Mt 23.37; 2Pe 2.1,2,20,21; 2Cr 15.2;
1Tm 4.1; 2Tm 2.12; Tg 4.8). É equivocado pensar que Deus não é
absolutamente soberano se concede ao homem o livre-arbítrio, uma
vontade livre, para escolher ou não a Salvação. Um deus que no fundo
manipula as decisões dos seres humanos ao invés de convidá-los não
pode ser plenamente justo. É verdade que ninguém merece a
Salvação, mas se Deus resolver salvar uns e condenar outros por
mero capricho seu, sem critérios, sem escolha para suas criaturas, Ele
mancha a Sua santidade. Ora, a soberania de Deus não é baseada na
Sua vontade. Deus faz o que quer, claro, mas em harmonia com o Seu
caráter, que é santo e justo (Is 6.3). Deus, na Sua soberania, decidiu
que Jesus morreria por todos e que todos teriam o livre-arbítrio, apesar
de viverem sob o pecado, para decidirem-se a Cristo ou não e, assim,
não fossem inescusáveis. Isso é ético, justo, amor e graça (Leia Isaías
1.18-20).

4.4.1 O homem pode cair da graça

Por fim, tendo em vista a questão do livre-arbítrio, fica claro que o


homem pode, sim, perder a Salvação caso não permaneça na fé até o
fim. O ser humano pode cair da graça. Há uma profusão de textos
bíblicos que confirmam isso (Mt 24.12,13; Lc 9.62 e 17.32; Jo 15.6; Rm
Soteriologia 97

11.17-21; 1Co 9.27; Gl 5.4; Ap 3.5; 1Tm 1.19 e 4.1; 2Tm 2.10,12; Hb
3.6,12,14; 2Pe 2.20-22; 1Co 15.1-2 e 2Co 11.3-4). Porém, se o cristão
cultivar sempre a sua vida espiritual, fortalecer-se em Deus,
perseverará até o fim (Ef 6.10-18).

Destacamos alguns textos bíblicos comprobatórios:

(a) “Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, que te
tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe,
pois, a vida para que vivas tu e a tua semente” (Dt 30.19).

(b) “E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve diga: Vem. E


quem tem sede venha; e quem quiser tome de graça da água da vida”
(Ap 22.17).

(c) “E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus
não faz acepção de pessoas” (At 10.34).

(d) “... diante de Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens se
salvem e venham ao conhecimento da verdade; porque há um só
Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo
homem, o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos...”
(1Tm 2.3-6).

(e) “E Ele [Jesus] é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente


pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2.2).

(f) “Vemos, porém, coroado de glória e de honra, aquele Jesus que fora
feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte,
para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2.9).
(g) “Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz, não
endureçais os vossos corações...” (Hb 3.7,8).
(h) “Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo,
pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra
vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior
do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o
caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo
mandamento que lhes fora dado; deste modo, sobreveio-lhes o que
por um verdadeiro provérbio se diz: o cão voltou ao seu próprio
vômito, e a porca lavada ao seu espojadouro de lama” (2Pe 2.20-22).
98

(i) “Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei: da
graça tendes caído” (Gl 5.4).

4.5 Doutrina da Ressurreição


[Do lat. resurrectio]. Volta miraculosa à vida. Ressurreição do texto
grego é anástasis, que significa (levantar, erguer, surgir, sair de um
local ou de uma situação para outra). Já do latim "ressurreição" é o ato
de ressurgir, voltar à vida, reanimar-se, entende-se o termo
ressurreição como ressurgir dos mortos.

4.5.1 Pano de Fundo

A crença na ressurreição de uma forma ou de outra, não se confina à


herança judaico-cristã. Uma noção vaga de ressurreição existia entre
os mais primitivos povos animistas, e o costume de sepultar utensílios,
alimentos e outros itens de interesse, juntamente com os mortos, em
algumas culturas, provavelmente refletia a crença na ressurreição.
Nessa categoria se poderia incluir a maneira elaborada como os
egípcios embalsamavam seus mortos. Contudo, muitas culturas
primitivas, apesar de crerem no após-vida, não distinguiam claramente
entre o corpo e o espírito, e por essa razão os ensinamentos sobre a
sobrevivência da alma e sua natureza, não podem ser facilmente
acompanhados através da história.

Para alguns povos antigos a alma foi uma espécie de substância


semifísica, capaz de atarefar-se em atividades similares às do corpo,
pelo que também poderiam usar utensílios que haviam sido úteis para
o corpo; o que talvez explica a maior parte dos hábitos de
sepultamento dos povos antigos. É interessante observarmos que os
hábitos de sepultamento, até mesmo entre o homem Neanderthal (o
homem-de-neandertal - Homo neanderthalensis - é uma espécie fóssil
do gênero Homo que habitou a Europa e partes do oeste da Ásia,
tendo coexistido com os Homo sapiens), demonstram a crença na
sobrevivência em face da morte física. Apesar do pensamento
ordinário, dos gregos e dos romanos, acerca da existência após-
túmulo, envolver alguma forma de descida ao hades, em que a alma
seria uma substância bem diluída, apesar de material, e à qual vários
graus de inteligência e de vida real eram atribuídos, aqui e acolá,
dentro dos mitos (como, por exemplo, no mito de Osíris), aparecem
casos de ressurreição, por parte dos deuses ou dos heróis, e, algumas
Soteriologia 99

vezes, até mesmo de pessoas comuns. Contudo, essa não era a


ênfase e nem o ensinamento comum, e sabemos que tais noções não
eram levadas muito a sério pelos antigos. A idéia da sobrevivência, em
sua forma mais elevada, era ensinada por Platão, em diálogos como
Fédon e Banquete. É ali que encontramos uma bem elevada idéia
sobre a grandeza da personalidade humana, que não se concentra no
corpo, e nem mesmo na combinação do corpo com a alma (porquanto
tal combinação ali aparece realmente como uma punição contra o
homem, por haver perdido a perfeição, ao cair no pecado); antes, a
alma aparece ali como uma substância pura, eterna em sua natureza,
embora dotada de um começo remoto no tempo, na forma de
individualização; mas mais tarde, devido à sua queda, teria assumido o
veículo de um corpo físico.

Segundo essas noções platônicas, a vida consistiria essencialmente da


luta da alma por libertar-se deste mundo material, na tentativa de
retomar ao mundo eterno ao qual ela pertence. Muitas idéias de Platão
são paralelas à doutrina cristã, embora não haja nelas qualquer indício
da ressurreição do corpo, e nem qualquer noção que disso se
aproxime. Porque tal conceito seria altamente indesejável para Platão.

Apesar do fato de que o conceito do após-vida, no zoroastrismo, era


mais materialista que a maioria das idéias antigas, contudo, até mesmo
ali não havia qualquer idéia claramente definida acerca da ressurreição
dos mortos. A afirmação mais clara sobre a ressurreição, fora da
herança judaico-cristã, se encontra no Alcorão, onde Deus é retratado
como alguém que conclama os anjos a tirarem os mortos e
ressuscitarem-nos, como corpos vivos de carne. Isso ocorreria quando
do julgamento, após o que os eleitos viveriam no aprazimento sensual
de alimentos abundantes, de gemas preciosas ofuscantes e de
donzelas de 'olhos grandes', ao passo que os ímpios seriam lançados
numa punição física eterna. Tais ensinamentos tem sido interpretados
simbolicamente, mas tal modernização tem sido vigorosamente
atacada pelos islamitas ortodoxos. O ensinamento sobre a
ressurreição, no Alcorão, entretanto, na realidade não é uma doutrina
independente, porquanto o próprio Alcorão estribou-se pesadamente
sobre o Antigo como sobre o Novo Testamentos, em muitos
particulares.

4.5.2 A Ressurreição no Antigo Testamento


100

As declarações que têm sido extraídas do Pentateuco, apesar de


darem a entender um após-vida, são extremamente duvidosas como
evidências da crença na ressurreição, dentro dos livros de Moisés. O
trecho de Êx 3.6,16 é usado pelo Senhor Jesus, nas citações, a fim de
provar o fato de que os antigos patriarcas continuavam vivendo mas
isso, por si mesmo, dificilmente poderia servir de prova da ressurreição
no livro de Êxodo, ainda que possa mostrar que o judaísmo posterior
veio a encarar tais passagens desse modo. Sabemos, de fato, que
assim aconteceu. (Mc 12.18 e ss). O rabino Simai argumenta em prol
da ressurreição com base em Êx 6.3,4 (a promessa de que a Terra
Prometida seria dada aos patriarcas), mas isso provavelmente foi
compreendido pelos próprios patriarcas como uma promessa referente
aos seus descendentes. A exclamação de Jacó: A tua salvação
espero, ó Senhor! (Gn 49.8), bem como o desejo expresso por Balaão:
Que eu morra a morte dos justos, e o meu fim seja como o dele (Nm
23.10), apesar de indicarem alguma crença no após-vida, dificilmente
podem ser considerados como uma afirmação da ressurreição naquele
período tão remoto.

Naturalmente, a famosa passagem da ressurreição, em Jó 19.23-27, é


uma declaração expressa dessa crença, e o livro de Jó é o mais antigo
volume da coletânea do Antigo Testamento. Porém, essa doutrina não
se tornou tradicional na fé judaica senão depois que já estava escrito o
Pentateuco.

Pela época em que foi registrada a história dos reis (1 e 2 Reis), essa
doutrina já deveria estar bem estabelecida em Israel, porquanto os
Salmos certamente contêm tal pensamento (Sl 17.15), e a literatura
daquele período registra várias ressurreições contemporâneas (1Rs
17.17,24; 2Rs 4.18-37; 13.20-25). Nos livros proféticos, a passagem de
Is 26.16-19 provavelmente é a passagem isolada mais importante de
todo o Antigo Testamento, acerca da ressurreição. A passagem de Ez
37.1-14, apesar de provavelmente ter por - referência primária - a
restauração da nação de Israel, igualmente ensina a doutrina da
ressurreição. No trecho de Daniel 12.2 essa doutrina se faz
perfeitamente clara.

A igreja cristã primitiva se utiliza os trechos de Jr 18.3-6 e Sl 88.10


como textos de prova da doutrina da ressurreição (Ver também Sl 16.9,
que mui provavelmente prediz especificamente a ressurreição de
Soteriologia 101

Cristo). E o trecho de Os 6.2 é outra profecia acerca da ressurreição de


Cristo, ao passo que Oséias 13.14 fala sobre a ressurreição em geral.
A crença na ressurreição foi-se tornando cada vez mais comum após
os exílios, sobretudo no período dos Macabeus. E, pelo tempo em que
nasceu Jesus Cristo, era uma crença praticamente universal na
Palestina e no judaísmo em geral. Os fariseus eram os grandes
defensores dessa doutrina, e a isso haviam acrescentado a crença na
sobrevivência da alma, nos anjos, nos espíritos e na existência de um
mundo sobrenatural. A grande exceção no judaísmo era a tradição dos
saduceus. Os saduceus se ufanavam de sua “pureza doutrinária”,
rejeitando aquilo que reputavam meros mitos. Esses consideravam o
Pentateuco como seu “cânon” das Escrituras. Por essa, mesma razão
rejeitavam eles a ressurreição, a sobrevivência da alma, a existência
dos espíritos, etc., porquanto essas doutrinas não são
claramente,ensinadas no Pentateuco, apesar de haver ali alguns
indícios das mesmas. (Ver Josefo, Antiq. 18.1.4, onde vemos que os
saduceus chegavam até a negar a imortalidade da alma, quanto mais a
realidade da ressurreição).
4.5.3 A Ressurreição no Novo Testamento

A afirmação mais decisiva sobre a realidade da ressurreição aparece


nas páginas do Novo Testamento, onde essa doutrina pode ser
encontrada em muitas passagens, e o capítulo 15 de 1 Coríntios é a
sua declaração clássica. Podemos supor que a descrição exposta por
Paulo não era muito diferente daquilo que se poderia encontrar nos
estudos rabínicos mais refinados, excetuando, naturalmente, a ênfase
cristã sobre a importância da pessoa de Jesus Cristo como as
primícias dos ressurretos, além do fato de que os cristãos sempre
vincularam a ressurreição de Cristo à concretização da imortalidade,
porquanto é a vida de Cristo que possibilita aos remidos viverem em
qualquer sentido espiritual, na imortalidade ao nível da alma, ou,
finalmente, na imortalidade final, quando a alma houver de ser
revestida pelo corpo espiritual.

Nas páginas do Novo Testamento os seguintes pontos específicos


deveriam ser observados acerca do fato da ressurreição, envolvendo
tanto a ressurreição de Cristo como a de outros:

(a) Jesus Cristo, antes de sua morte e ressurreição, já possuía poder


sobre a morte, tendo ressuscitado a várias pessoas dentre os mortos
102

(Mt 9.25; Lc 7.12-15 e João 11.43,44).

(b) Cristo previu a sua própria ressurreição (João 10.18 e Lc 24.1-8).

(c) Houve uma ressurreição de mortos que se seguiu imediatamente


após a ressurreição de Cristo (Mt 27.52,53).
(d) Os apóstolos também puderam ressuscitar certos homens da morte
(Atos 9.36-41 e 20.9,10).

(e) Existem duas ressurreições gerais e futuras, a saber: A ressurreição


para a vida (1Co 15.13,22; 1Ts 4.14-17 e Ap 20.4); e a ressurreição
para o “juízo” (João 5.28,29 e Ap 20.11-13). Essas duas
ressurreições ocorrerão com um hiato de mil anos entre elas (Ap
20.5).
(f) A ressurreição do Senhor Jesus foi corporal (João 20.3-10; 20.19-
23,24-29; 21.12-14). Mas as suas várias aparições mostram que o
seu corpo fora espiritualizado, tendo sido ressuscitado para a vida
com uma nova forma, e, por ocasião de sua ascensão aos céus,
podemos imaginar que houve mais uma fase de “espiritualização”.

(g) O ensino contido no décimo quinto capítulo de 1Co parece indicar


que, de alguma maneira, ultrapassa em muito à nossa compreensão
e a nossa própria ressurreição também envolverá os antigos
elementos do corpo morto, recolhidos, transformados e
espiritualizados. O corpo ressurreto será incorruptível, glorioso,
poderoso, espiritual, e será até mesmo conformado segundo a
natureza celestial de Jesus Cristo, o que nos permitirá participar de
sua própria natureza que ele possui na qualidade de Deus-homem
(Rm 8.29; 2Co 3.18; 2Pe 1.4 e 1Co 14.42-44,49; Ef 3.19; Co 2.10).
(h) Os crentes que ainda estiverem vivos quando da segunda vinda de
Cristo, receberão o mesmo tipo de corpo, através de transformação
súbita, quando de sua manifestação, assim escapando aos efeitos da
morte física. (1Co 15.50-53; Fp 3.20,21; 1Ts 4.16,17).
(i) Essa transformação magnificente quer quando da ressurreição, quer
quando da transformação súbita, é chamada de redenção do corpo;
mas significa um passo mais elevado em direção à glorificação,
sendo, na realidade, um passo na direção da glorificação do “ser
inteiro” (Rm 8.23 e Ef 1.13,14).
(j) Após a “segunda” ressurreição é que terá lugar o julgamento final (Ap
20.7-15 e Jo 5.29).
Soteriologia 103

(k) Alguns dos pais antigos da igreja ensinaram que parte da diferença
entre a glorificação de uma pessoa, em comparação com outra, será
devida a natureza mais avançada ou menos avançada do corpo da
ressurreição. Isto provavelmente expressa uma verdade. Todavia,
não contemplamos nenhuma estagnação. As pessoas sendo
glorificadas terão continuamente, especulamos, uma transformação
do veículo (corpo) espiritual da alma (Ef 3.19) que pode servir de
base desta idéia, embora não a expresse diretamente.

4.6 Glorificação
A palavra glorificação é usada nos seguintes casos:
(a) Tornar glorioso ou honroso, louvor, exaltar (Jo 12.28; 13.31,32; At
2.13). No caso de Jesus Cristo, isso teve lugar, especialmente, por
ocasião de sua ressurreição e ascensão.
(b) Conduzir os crentes ao estado celestial da glória, onde
compartilharão do estado glorioso de Jesus Cristo, participando de
sua imagem e natureza, isto é, da própria natureza divina (Rm 8.29;
Co 2.10; 2Pe 1.4). Isso significa que receberemos a própria plenitude
de Deus (Ef 3.19).
Exibir o louvor (1Co 6.20). Os céus declaram a glória de Deus, no dizer de
Salmos 19.1. Os homens glorificam a Deus em suas vidas, quando
obedecem aos seus preceitos e buscam o desenvolvimento espiritual (1Co
10.31; João 17.5; Hb 6.1 ss).

4.6.1 Caracterização Geral


As grandes doutrinas bíblicas que envolvem a salvação do homem
assemelham-se aos elos de uma corrente. Temos assim a eleição, a
chamada, o arrependimento, a fé (estas últimas duas coisas formam a
conversão), a regeneração, a justificação, a união com Cristo, a
santificação, a preservação (cujo lado humano é a perseverança) e a
glorificação. Como vemos, a glorificação é o último elo dessa cadeia.
Porém, cada um desses elos aponta para algum estágio e/ou
qualidade do processo da salvação. A glorificação espera-nos ainda no
futuro, pois é o aspecto celeste da salvação do homem, aquilo que o
Senhor realizará, em último lugar, em favor das almas humanas
remidas. Porém, calmos em erro quando pensamos na glorificação
como um ato único, isolado. Antes, trata-se de um processo eterno
(Rm 8.30).
104

A verdade é que Paulo não estabelece claras distinções entre as


doutrinas de justificação, santificação e aspectos da glorificação. Em
Rm 8.30, santificação é omitida e Paulo pula da justificação para a
glorificação, - como se esta fosse o próximo passo no progresso da
experiência cristã. Porém, a verdade é que a justificação subentende a
santificação, sendo mesmo a sua semente e raiz. Podemos observar,
em Rm 5.18, a expressão “justificação que dá vida”, o que indica que a
justificação é a base e a fonte da vida, e essa vida é a “vida eterna”; e
a vida eterna é a glorificação, já que, nas Escrituras, vida eterna, não
significa meramente existência sem princípio ou sem fim, mas antes,
uma modalidade de vida. Quando as Escrituras falam da vida eterna,
pois, indicam a vida de Deus, da qual os crentes se tornaram
participantes mediante a regeneração efetuada pelo Espírito Santo. A
justificação, portanto, é a fonte, contendo em forma de semente esse
tipo de vida, aqui chamado de glorificação.

Esses também glorificou. Essa glorificação inclui tudo quanto está


envolvido na transformação do crente segundo a imagem de Cristo, em
que o remido participa de sua natureza moral e metafísica, bem como
de sua herança, o que é comentado com pormenores nas notas
expositivas sobre o vigésimo nono versículo deste oitavo capítulo da
epístola aos Romanos.
O fato que a vida deles (dos crentes) foi elevada a um novo nível
aponta para a medida muito maior em que finalmente participarão da
perfeição divina.

O tempo passado do verbo, glorificou, é usado neste versículo porque


a glorificação é aqui encarada como algo já realizado e certo no plano
divino, apesar de sua concretização estar reservada para o futuro.
Podemos observar que o tempo passado é utilizado no caso de todos
esses atos divinos, a presciência, a eleição, a justificação e a
glorificação; e tudo pela mesma razão.

Estritamente falando, a glorificação pertence ao futuro; - mas o


apóstolo considera todos esses diferentes atos como se estivessem
juntamente focalizados em um único ponto, no passado. A glorificação
está subentendida na justificação.
Todos os demais passos, após a justificação, são apenas desdobras
subseqüentes do destino humano, que conduzem à glorificação. Os
Soteriologia 105

homens são conhecidos, predestinados, eleitos, justificados e


santificados a fim de que finalmente venham a ser glorificados como
filhos de Deus. A glorificação completa consiste da condução dos filhos
de Deus à glória; e isso porque são filhos do Pai celeste, devendo ser
participantes das perfeições do Pai eterno, bem como co-herdeiros de
Cristo, possuidores de sua mesma natureza e herdeiros de toda a sua
herança. Isso ocorrerá quando a igreja se tornar a plenitude daquele
que preenche a tudo em todos.

Glorificou. Isso não significa que tal glória lhes seja propiciada através
dos sofrimentos, ou através dos dons extraordinários do Espírito Santo;
porque a palavra glorificar jamais é utilizada nesse sentido. Além disso,
Paulo se referia aos santos em geral, e não apenas acerca de alguns
indivíduos. Se essa interpretação, aqui combatida, fosse verdadeira,
então ninguém seria chamado, predestinado e justificado, enquanto
não possuísse os dons extraordinários do Espírito Santo; e ninguém
possuiria os dons extraordinários do Espírito a não ser essas pessoas.
No entanto, muitos têm exibido tais dons, sem se interessarem muito
pela graça de Deus e pela felicidade eterna. Pelo contrário, a glória
eterna está aqui em foco, de conformidade com aquilo que o apóstolo
vinha falando no contexto que consistirá na semelhança a Cristo, em
comunhão com ele e em contemplação eterna de sua pessoa, bem
como na liberdade de todo o mal e no aprazimento de tudo que é bom:
e essa é a finalidade da graça predestinadora mencionada em Rm
8.29.
4.6.2 Sua Essência: Transformação Segundo a imagem de Cristo

(A) João 5.25,26 e 6.57, que dizem: Em verdade, em verdade vos


digo que vem a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a
voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem, viverão... Porque
assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu
ao Filho ter vida em si mesmo... Assim como o Pai, que vive,
me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai; também quem de
mim se alimenta, por mim viverá.
Esses versículos nos ensinam que a vida necessária e independente
de Deus Pai, que consiste na verdadeira imortalidade, foi transmitida
ao Filho de Deus, quando de sua encarnação como homem; e então,
através do Filho, a todos os outros filhos, de tal modo que eles passam
a participar da vida divina, a saber, a mesma vida que Deus Pai possui.
106

Todos aqueles que são transformados segundo a imagem de Cristo


compartilham desse tipo de vida.
(B) 2Co 3.18: E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando,
como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados
de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor,
o Espírito...
A transformação segundo à imagem de Cristo é um processo gradual,
produzido através da dedicação diária de todo o nosso ser, através do
contacto contínuo com a divindade, mediante o Espírito de Deus, que é
a força ativa dessa transformação. Ela passa de glória em glória,
porquanto consiste na contemplação da elevada glória do Senhor, que
é, Cristo Jesus. O objetivo dessa transformação é a implantação, no
crente individual, daquela mesma imagem, caráter essencial ou ser
essencial que é possui do pelo próprio Filho de Deus. Trata-se de uma
operação divina que não pode ser imitada pela reforma moral,
porquanto se trata de um processo místico, que afeta a natureza moral,
levando à perfeição; e isso é realizado em termos exatos, através da
transformação metafísica do ser essencial, partindo daquilo que é
comum aos seres humanos mortais, transformando-os em seres
pertencentes à família divina, dotados da mesma natureza que o Irmão
mais velho, que é Jesus Cristo.

(C) Mt 5.48: Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso


Pai celeste.

Este versículo declara qual o grande alvo moral da humanidade. Esse


alvo é a perfeição absoluta de Deus Pai. É um erro crasso reduzir esse
versículo como se o mesmo ensinasse a simples maturidade, conforme
tantos intérpretes têm feito, os quais, dessa maneira,
propositadamente ignoram a elevada mensagem que tem por intuito
ser transmitida aqui. Os verdadeiros discípulos de Cristo estão sendo
moralmente aperfeiçoados, e isso não subentende meramente a
“impecabilidade”. Pois uma pessoa pode estar livre do pecado e,
contudo, não participar ainda da “santidade positiva” de Deus, como,
por exemplo, do fruto do Espírito Santo, de conformidade com Gl
5.22,23. Então, os remidos virão a possuir o amor, a longanimidade, a
bondade, a justiça, a gentileza de Deus, juntamente com todas as
qualidades morais de seu ser. Os remidos serão perfeitos nessa
santidade, bem como em seus seres morais, tal como Deus Pai é
Soteriologia 107

igualmente santo; e isso porque são verdadeiros filhos de Deus, tal


como Jesus é o Filho de Deus. Ora, essa transformação moral, por sua
vez, provoca a transformação metafísica, do que fala Rm 8.29
especificamente.
(D) Ef 1.23 ...a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo
enche em todas as coisas...

Cristo é aquele que preenche tudo em todos, em torno do qual, por


semelhante modo, gira a criação inteira e encontra o seu significado.
Assim também nos ensina o “mistério” aludido em Ef 1.10. Porém, a
plenitude de Cristo é a igreja, a sua “noiva”. Isso expressa uma
glorificação de grande magnitude, posto que nenhum anjo, por mais
exaltado que seja, foi jamais chamado de filho ou de plenitude de
Cristo. É claro, portanto, que os crentes, transformados conforme a
imagem de Cristo, serão elevados muito acima de todos os outros
seres, tornando-se superiores aos grandes principados, poderes e
domínios, que são vocábulos que expressam a gradação variada
existente entre os seres angelicais. A plenitude de Cristo, entretanto,
consiste na personalidade humana transformada. Existem várias
formas de vida e, na escala descendente, temos de começar pela vida
suprema de Deus Pai. O Filho de Deus participa dessa vida, como os
filhos de Deus também dela participam, ainda que, por enquanto, estes
últimos, não participem dela ainda em sua plenitude; mas, o fato de
que participarão, nesta plenitude, coloca-os em nível muito acima de
qualquer anjo.
(E) Ef 4.12,13,15: ...com vistas ao aperfeiçoamento dos santos,
para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo
de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do
pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade,
à medida da estatura da plenitude de Cristo... seguindo a
verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o
cabeça, Cristo...

Os dons espirituais doados aos membros da igreja e a própria


existência da igreja, visa produzir a “perfeição dos crentes” e essa
perfeição está em Cristo, porquanto a igreja é o corpo de Cristo. A
perfeição a ser atingida deve ser aquilatada pela mesma perfeição
existente em Cristo, sendo uma “perfeição completa”, e não uma
perfeição limitada. Esse desenvolvimento em direção à perfeição se
verifica de acordo com a verdade e com o amor, pois a vida
108

caracterizada pelo amor cristão, a dedicação ao próximo, o amor


inspirado e implantado pelo Espírito Santo (Gl 5.22,23) é o caminho
mais rápido em direção à perfeição, porquanto faz de nós aquilo que
Cristo é, já que ele é o mais extraordinário exemplo de altruísmo que o
homem já teve ocasião de ver. Ora, o amor consiste em desejarmos
para os outros aquilo que desejamos para nós mesmos, bem como de
nos importarmos com os outros do mesmo modo que nos
preocupamos conosco mesmos. Deus “...amou o mundo de tal maneira
que deu o seu Filho...” (João 3.16), e Cristo nos amou de tal modo que
deu a sua vida por nós, quando ainda éramos seus inimigos (Rm 5.5-
8). Esse mesmo princípio, em nós implantado pelo Espírito Santo, atua
no crente, produzindo a mesma perfeição moral possuída por Jesus
Cristo, até que haja a plena participação em sua natureza e estatura.
Esse é o grande alvo de nossa transformação segundo a sua imagem.
Assim como a cabeça e o corpo participam de uma única natureza,
embora possuidores de funções e posições diversas, por igual modo
os crentes, na qualidade de corpo de Cristo, possuem a sua mesma
natureza, ainda que ocupem funções e posições diferentes das do
Filho, dentro da economia divina.

(F) 2Pd 1.3,4: Visto como pelo seu divino poder nos têm sido
doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade,
pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a
sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas
as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por
elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-
vos da corrupção das paixões que há no mundo...
Essa é a mais profunda verdade do evangelho, mas que tem sido
virtualmente ignorada pela igreja, onde a salvação tem sido reduzida
ao mero perdão dos pecados e à mudança de endereço para os céus.
O evangelho de Cristo, entretanto, consiste em muito mais do que isso,
e envolve até mesmo a nossa co-participação na natureza divina.
Nenhum homem ousaria fazer tal pronunciamento por si mesmo,
porquanto estaria cometendo o pecado de orgulho de Satanás, que
desejou ser “igual ao Altíssimo”. Neste versículo, porém, o remido é
visto como um ser de tal modo transformado, segundo a imagem de
Cristo.

Não há base na suposição de que a “morte física” produz a glorificação


completa. Nos céus não há estagnação e os crentes não atingirão a
Soteriologia 109

elevadíssima glória de Cristo em um único grande salto, como alguns


tolamente imaginam. Pelo contrário, o alvo mesmo da existência, tanto
nos céus como aqui, consiste no crescimento constante, até atingirmos
a plena estatura de Cristo. Todavia, o tempo necessário para tanto
sempre depende tão somente de cada indivíduo. Paulo gravitou até o
“terceiro céu” (2Co 12.2-4), um lugar de glória magnificente. Contudo,
nenhum judeu instruído chamaria a isso de residência mais elevada de
Deus, ainda que faça parte dos “lugares celestiais”. Os remidos, por
conseguinte, progridem para a mais exaltada glória, e não atingem a
mesma meramente porque morrem fisicamente. Não obstante, o lar
verdadeiro da igreja de Cristo são os “lugares celestiais”. Mas a
epístola aos Efésios, que reitera com freqüência essa expressão,
ensina-nos que existem muitos níveis de vida e de seres espirituais.
Mas a promessa feita a todos os crentes é que, finalmente, nenhum
ficará aquém desse alvo, pois esse sucesso foi garantido pelo próprio
Cristo, no oitavo capítulo do evangelho de João, bem como pelo
apóstolo Paulo, neste oitavo capítulo da epístola aos Romanos.

É uma vaidade sem igual a dos homens que pensam saber tudo
acerca dos céus de Deus, ou sobre os lugares celestiais, os quais
cercam a verdade de Deus com a sebe de seus dogmas, defendendo,
dessa maneira, verdades que são meramente parciais. Para esses
estão reservadas muitas surpresas. De uma coisa podemos estar
certos, porém: Cristo é o grande alvo, tanto da existência nesta esfera
terrena, como da vida na esfera celeste. E a vida de que desfrutaremos
ali, por igual modo, participará do desenvolvimento em Cristo Jesus.

(G) Hb 2.10: Porque convinha que aquele, por cuja causa e por
quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à
glória, aperfeiçoasse por meio de sofrimentos o Autor da
salvação deles...

Em sua encarnação, Cristo assumiu a humanidade, tendo-se limitado a


andar pela mesma vereda que palmilhamos, a fim de que pudesse ser
o pioneiro do caminho de volta a Deus, e não apenas o próprio
caminho de retorno. Por essa razão é que algumas traduções dizem,
em Hb 2.10, “pioneiro”, em vez de “Autor”. Porém, ambas essas
traduções emitem conceitos que expressam a verdade. A encarnação
de Cristo se cerca de grande importância, posto que assim como Cristo
se identificou completamente conosco, assim também nos
identificaremos completamente com ele. Cristo tomou sobre si a
110

natureza humana autêntica; mas, por meio do Espírito de Deus, foi


transformado como homem, e foi com o poder do Espírito Santo que
operou suas extraordinárias maravilhas.
Além disso, Jesus prometeu que poderíamos fazer prodígios iguais aos
que ele fez, e maiores ainda (João 14.12). Esclareceu que assim
poderia ser porque ele estava indo especificamente para o Pai, o que
subentende o dom subseqüente e necessário do Espírito Santo, que
ele outorgaria a seus discípulos, para que fosse o seu representante à
face da terra, que viria completar a obra por Cristo iniciada,
especialmente no aspecto da transformação dos crentes à imagem do
Filho de Deus. Além disso, quando de sua ressurreição e ascensão,
Cristo entrou não somente no santuário celeste (os lugares celestiais, a
habitação de Deus, a pátria dos cidadãos celestiais), mas entrou na
própria habitação de Deus, o Santo dos Santos dos céus. Sim, Cristo
foi glorificado, mas ainda aguarda sua posterior e maior glorificação na
igreja, bem como quando se tornar o centro real de toda a criação,
tema esse explorado no primeiro capítulo da epístola aos Efésios. Ora,
aqueles que confiam em Cristo experimentarão exatamente o mesmo
processo. Esses possuem ainda, por enquanto, a vida mortal, na
carne, o que, para ele, serve de escola de “aperfeiçoamento”, quando
lhes é dada a oportunidade de aprenderem os princípios pelos quais a
perfeição lhes será conferida. Tais crentes estão sendo transformados
segundo Cristo, e pelo mesmo Espírito que o transformou. Além disso,
potencialmente, já participam de sua vida ressurreta e de sua elevada
glória. Por conseguinte, tudo quanto se aplica ao cabeça, que é Cristo
se aplica também ao corpo, que é a igreja, tanto no que concerne à
natureza essencial como no que diz respeito à herança, incluindo tudo
quanto os remidos receberão, farão e serão.

(H) 1 João 3.2: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não
se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando
ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque
havemos de vê-lo como ele é....

Para os crentes, a parousia ou “segundo advento de Cristo” será um


momento em que os seus seres serão extraordinariamente
transformados, quando também o problema do pecado será
solucionado, quando a alma remida será libertada do empecilho
representado pelo corpo mortal.
Soteriologia 111

Na eternidade os espíritos humanos remidos serão levados à


participação na mais elevada forma de vida, isto é, a verdadeira
imortalidade de Deus Pai, aquela forma de vida que não pode deixar
de existir, aquela independente e necessária; pois a vida de Deus Pai é
a própria fonte da vida, e não alguma vida dependente, tomada por
empréstimo, conforme toda e qualquer outra vida, observável à face da
terra e nos lugares celestiais.

O alvo dos crentes, entretanto, é a participação na própria vida de


Deus, a forma mais elevada de vida, tornando-se seres igualmente
dotados de vida necessária e independente. A segunda vinda de
Cristo, que nos elevará muito acima desta vida mortal, será um grande
salto espiritual para a frente, porquanto os antigos obstáculos serão
vencidos, e uma vida de espiritualidade pura terá início.
Finalmente, equivocamo-nos quando pensamos na salvação como
algo obtido de uma vez por todas. Apesar de podermos dizer que uma
pessoa foi salva quando ela se converteu, com isso estamos apenas
dizendo que, em algum ponto, começou a salvação de sua alma (na
hipótese de que ela, realmente, foi regenerada).
Pode-se também afirmar que um homem foi salvo quando não está mais
debaixo do poder condenador do pecado, e a sua santificação começou.
Também podemos dizer que um homem foi salvo quando ele deixa para
trás o seu corpo mortal e entra no mundo da luz. Porém, por ocasião da
glorificação futura, ele chegará a participar - de uma maneira nova daquilo
quesignifica estar salvo. Então terá começado a absorver os atributos
divinos, com base em uma real (porém finita) participação na natureza
divina. “...as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não
subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que os
amam” (1Co 2.9).
112
Soteriologia 113

Glossário
Asceta: S 2 g. Indivíduo que pratica a efetiva realização da virtude, a
plenitude da vida moral.

Sincretista: S 2 g. Partidário do sincretismo. [Sincretismo: S. m. Tendência à


unificação de idéias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo
inconciliáveis.]
114
Soteriologia 115

Referências
ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. Rio de Janeiro:
CPAD, 1996.

BANCROFT, Emery H. Teologia Elementar. São Paulo: Imprensa Batista


Regular, 1989.

BERGSTÉN, Eurico. Lições Bíblicas. Rio de Janeiro: CPAD, 3º trimestre,


1984.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Ed. Luz para o Caminho


Publicações, 1990.

BÍBLIA Estudo Pentecostal. Flórida – EUA: CPAD, 1995.

CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia Teologia e


Filosofia. São Paulo: Candeia, 1991.

BÍBLIA Thompson, Flórida – EUA: Vida, 1990

CABRAL, Elienai. Lições Bíblicas. Rio de Janeiro: CPAD, 4º trimestre, 1999.

ERICKSON, Millard J. A Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1992.

FAULKNER, George Russel. Fundamentos da Teologia Pentecostal. São


Paulo: Quadrangular, 1991.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua


Portuguesa. 2. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
116
Soteriologia 117

AVALIAÇÃO DE SOTERIOLOGIA

Nome: ___________________________________________________
Professor:__________________ Unidade:_______________
Data: ___/___/____Nota:_____ Entregar até:___/___/____
Questionário

1) Qual o pensamento Agostiniano sobre:


a) o pecado;
b) a criação do Homem;
c) salvação.
2) O que você entende por presciência de Deus?
3) Qual o pensamento Pelagiano sobre:
a) o Pecado;
b) a criação do homem;
c) a Salvação.
4) Dê sua opinião: Adão foi criado mortal ou imortal?
5) Qual o pensamento Calvinista sobre:
a) a criação do homem;
b) a salvação.
6) Você concorda com o pensamento Calvinista, quando este diz que
“Deus escolheu para Si mesmo um grande número das suas
criaturas caídas, para serem reconciliadas com Ele”?.
7) Qual o pensamento Arminiano acerca da doutrina da
predestinação?
8) Quais são os cinco artigos de fé contidos na “Remonstrance” de
Arminius?
9) Dê referências bíblicas (escrevendo os versículos por extenso) que
comprove o Senhorio de Cristo.
10) Qual a importância da doutrina soteriológica?
11) Qual a origem da palavra “salvação”?
118

12) Quais os dois lados e as três etapas do caminho da salvação?

13) Resumidamente, defina:


a) Doutrina do arrependimento,
b) Doutrina da conversão;
c) Doutrina da regeneração;
d) Doutrina da redenção;
e) Doutrina da propiciação;
f) Doutrina da imputação;
g) Doutrina da substituição;
h) Doutrina da reconciliação.
14) Relacione abaixo as cinco terminologias bíblicas para o termo
“salvação”.
1º __________________________________;
2º __________________________________;
3º __________________________________;
4º __________________________________;
5º __________________________________.
15) Quais são os três elementos poderosos da salvação? Explique cada
um deles.
1º __________________________________;
2º __________________________________;
3º __________________________________;
16) Circule as letras correspondentes às afirmações são verdadeiras.
a) A palavra Soteriologia é a junção de vocábulos gregos, Soteria
que significa Salvação e Logia que significa estudo;
b) A salvação nos é concedida mediante a graça de Deus,
manifesta em Cristo Jesus (Rm 3.24). A salvação é baseada na
morte de Cristo (Rm 3.25), sua ressurreição (Rm 5.10) e sua
contínua intercessão pelos salvos (Hb 7.25);
c) Etapa passada da salvação inclui a experiência pessoal
mediante a qual nós, como crentes, recebemos o perdão dos
pecados (At 10.43);
Soteriologia 119

d) A etapa presente da salvação nos livra da ira vindoura de Deus;


e) A etapa futura da salvação abrange nosso livramento do hábito
e do domínio do pecado, e nos enche do Espírito Santo;

f) Conceito Geral, portanto de Estar Salvo é: Estar plenamente


seguro provando todas as bênçãos do presente, livre
completamente do perigo próximo.

• Obs.: Responder este questionário à tinta azul ou preta em folha à


parte.

Boa Prova!

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