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A VERDADE SOBRE CANALHAS E

DUQUES
Elisa Braden
Resgatada da Ruína
Livro 02
Copyright © 2015 por Elisa Braden

Copyright © MR, 2019

Todos os direitos reservados.

Preparação: Penelope Charmosa

Epub: Dee Silva

Tradução: Christine C.

Revisão: Dee Silva

Capa: MR

Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida em qualquer


meio ou forma – impresso, digital, áudio ou visual – sem a expressa
autorização da editora sob penas criminais e ações civis.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas ou acontecimentos reais é mera coincidência.
SINOPSE
Quando uma aposta sai mal...

A dolorosamente tímida Jane Huxley é o mais longe de um diamante de


primeira. Um camundongo de biblioteca, com óculos e bem pouco agraciada,
nunca esperou fazer amizade com um encantador dissoluto como Colin Lacey, e
muito menos concordar em ajudá-lo a recuperar uma perdida herança familiar.
Felizmente ele não se parece em nada ao seu rígido e frio irmão mais velho.
Infelizmente, tampouco tem escrúpulos em recorrer a uma mentira, se isso
significa ganhar uma aposta. E isso põe Jane em uma posição muito precária.

Um duque formidável se casará com uma jovem pouco agraciada...

Para Harrison Lacey, o duque de Blackmore, o amparo da honra familiar


não é uma opção, é uma necessidade. Assim, quando o canalha de seu irmão
humilha a inocente Lady Jane, Harrison deve arrumar a situação, mesmo se isso
significa casar-se ele mesmo com a garota.

E um matrimônio de conveniência se converterá em muito mais...

Com sua reputação pendendo por um fio, Jane aceita casar-se com o
arrogante Duque de Blackmore, embora esteja convencida de que será como
entrar em uma nova Era Glacial. Só depois que longos olhares resultam em
beijos devastadores começa a suspeitar da verdade: talvez, só talvez, seu duque
não seja tão frio como parece.
CAPÍTULO 01

"A humilhação é um sinal de mau julgamento ou de um oportunismo atroz. Ou em seu


caso, de ambos." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu sobrinho por sua saída
prematura de Oxford devido a atividades de natureza extremamente inadequadas.

5 de Maio, 1817
Londres

Jane Huxley esperava fervorosamente que estivesse na direção correta. Ser


surpreendida com o traseiro pendurado na janela de uma casa equivocada, e
usando calças de homem, nada menos, seria muito lamentável.
Queria rir de sua própria situação, mas no momento o ar era um bem
escasso. Na realidade, estava presa: a metade direita de seu corpo dentro da casa
de um estranho em Londres, e a metade esquerda fora da janela da planta baixa,
e sua generosa cintura tão apertada que pouco podia respirar. Acreditava que
estava começando a ver manchas, mas na escuridão era difícil dizê-lo com
certeza.
Talvez isto seja uma má ideia, pensou não pela primeira vez.
Apoiando suas mãos no batente em frente a ela, empurrou os ombros para
cima com toda sua força. A janela se cravou dolorosamente na parte superior de
suas costas, mas não se moveu. Respirou fundo, ofegando fracamente.
Brilhante. Sufocada por sua própria corpulência. Se tivesse quarenta anos e
quarenta mil maços de papel, não poderia inventar uma morte mais humilhante.
Mais cedo, estudando a janela do exterior, estava segura de que poderia entrar
pela abertura; simplesmente subiria por uma pequena escada tirada do estábulo,
passaria uma perna primeiro, e tudo estaria arrumado. Equivocou-se.
Não importa. Deve entrar, Jane. Se for apanhada aqui a ruína seria a menor de suas
preocupações. Quase podia ouvir os soluços de sua mãe ao ver como uma de suas
filhas era transportada à Newgate por roubo. Ou pior ainda, à Bedlam. A ideia
era chocante. Inclusive uma lesão seria melhor, e Jane se opunha enfaticamente
à dor.
Voltou-se para diante até que seu rosto roçou o marco da janela. A nova
posição lhe tirou completamente o ar e ameaçou arrancar os óculos, mas se
endireitou o suficiente para que seus ombros pudessem deslizar-se um ou dois
centímetros mais para o interior da habitação. Dobrando o pescoço para um
lado em um ângulo anormal, agarrou-se à parede de cada lado e deu um forte
impulso.
Depois que seu traseiro golpeou o chão de madeira com um ruído surdo e
seus óculos voaram para aterrissar junto a um móvel oculto nas sombras, Jane
ficou um momento imóvel com um tornozelo ainda apoiado no batente,
permitindo que de novo entrasse ar em seus pulmões e que a dor palpitante de
sua bochecha e ouvido diminuísse. Com o coração pulsando depressa, esperou
escutar ruídos de alvoroço na casa, sinais de que um servente a tivesse ouvido
grunhir e entrar sem charme algum na casa de Lorde Milton.
Mas tudo estava em silêncio, por enquanto. Entretanto, a noite estava longe
de terminar.
Sacudindo a cabeça e rindo até dobrar-se ante sua própria estupidez, tratou
de ajustar sua máscara. Era um simples pedaço de tecido cortado de um dos
velhos casacos de seu irmão. Um velho casaco de lã. A coisa lhe tinha picado
quando a pôs pela primeira vez, mas depois de uma hora de suor nervoso
tornou-se insuportável. Era uma das muitas razões pelas quais agora podia
declarar-se razoavelmente como a Pior Delinquente da História do Homem. Ou
da Mulher. As mulheres podiam ser delinquentes?
Deu uma olhada ao seu atual conjunto: as calças de menino de seu irmão, o
casaco descartado de um cavalariço e um par de gastas botas de montar que
tinha descoberto em um baú no sótão. Além da máscara, tudo era bastante
cômodo, as calças em particular. A liberdade de movimento era algo assim como
uma revelação. Arqueou uma sobrancelha e suspirou. Sim, supunha que as
mulheres podiam ser delinquentes, mas segundo a opinião de Jane, mais que
uma profissão atrevida, era uma parva.
Girou no local, ajoelhada, procurando seus óculos. Chão de carvalho, tapete
felpudo, o pé de uma cadeira. Não deveriam estar muito longe. Agora de
joelhos, se moveu rapidamente à sua direita, fazendo uma varrição com as mãos.
—Oh! — Gritou quando seus nódulos deram com algo duro,
provavelmente o pé de uma mesa. Sacudindo vigorosamente os dedos pela
aguda dor, logo voltou a procurar os óculos.
Bom! Sentir a curva familiar das bordas do arame contra as gemas de seus
dedos, fez muito para apaziguar seu coração palpitante. Tocou as lentes.
Intactas, graças a Deus. Devolvendo os óculos ao lugar que correspondiam,
ficou de pé e tentou orientar-se. Tinha sido lua cheia só umas poucas noites
atrás, mas a grossa capa de fumaça de carvão e as nuvens de Londres faziam
com que a escuridão dentro da habitação fosse quase impenetrável. Mais uma
vez perguntou-se como tinha permitido que a convencessem daquela estupidez.
Sacudiu a cabeça. Agora não era o momento.
Lentamente, enquanto seus olhos se ajustavam, divisou as volumosas formas
de uma grande escrivaninha, várias cadeiras, três estantes e uma pequena mesa
perto da janela por onde tinha entrado. Isto devia ser a biblioteca de Lorde
Milton.
—Mmm — grunhiu recordando suas recentes observações do estúpido
sorridente. Não precisamente um erudito. Estaria surpreendida se esta habitação
fosse utilizada para outra coisa que não fosse desfrutar de um brandy ocasional.
Como amante dos livros, o que encontrava era um desperdício espantoso, mas
neste caso uma biblioteca vazia funcionava ao seu favor.
Devagar, foi para o extremo oposto da habitação, onde imaginava que devia
estar a porta. Rodeou a borda da mesa e golpeou ligeiramente o quadril no braço
de uma grossa poltrona. Esfregando o lugar distraidamente, passou a mão ao
longo da parede até que alcançou uma série de painéis elevados. Ah, sim. A
porta. Fez uma pausa, atenta a qualquer ruído. Nada. Além dos retumbantes
batimentos de seu coração, é claro. Com a mão escorregadia pelo suor,
esforçou-se para girar a maçaneta, conseguindo abrir a porta um centímetro e
dar uma olhada num corredor fracamente iluminado. Vazio. Nada de passos. É
óbvio, era mais de meia-noite e lhe tinham assegurado que Lorde Milton ia estar
ausente durante vários dias, por isso, encontrar serventes perambulando seria
surpreendente.
Respirando fundo, abriu a porta e saiu ao vestíbulo. Os estremecimentos
sacudiram-lhe os braços e ameaçaram lhe debilitar os joelhos. Um pouco da luz
da lua filtrando-se por uma janela ao final do comprido corredor permitiu-lhe
contar as portas. A que procurava era a terceira à direita. Ou era à esquerda?
Sentiu um nó no estômago enquanto os nervos a faziam duvidar de si mesma.
Não, era à direita. Arranhou-se através da máscara e ajustou os óculos.
É uma parva, repreendeu-se deslizando cuidadosamente ao longo da parede.
Isto é tudo. Acabou de chegar além de seus limites. Esses dias acabaram. ACABARAM. E
para a pouco agraciada Jane Huxley, isso era tudo. Era um bom conselho. Entretanto,
não fazia nada para tirá-la de seu atual ato ilícito. Isto tinha sido uma promessa
feita a um amigo. E Jane Huxley sempre cumpria suas promessas, mesmo
quando eram difíceis.
Respirou fundo. Porta dois.
Uns poucos metros mais. Agora, porta três.
O ar saiu de seus pulmões quando se deu conta que tinha chegado. Sua
tarefa estava quase terminada. Tudo o que tinha que fazer agora era abrir a
porta, encontrar o colar e voltar para casa. Simples. Ela alcançou a maçaneta.
O som de um sussurro deteve sua mão, seu fôlego, seu coração. Congelou
seus pés sobre o chão de carvalho. Encostou-se à parede olhando
freneticamente de um lado ao outro. Ninguém tinha entrado no corredor. Mas
ainda podia ouvir o som, débil e inegável. Deteve-se, mas só por um momento.
Ela pousou uma orelha sobre a porta. Sim. Sussurros... e movimento, como
roupas roçando-se e deslocamento de pés. De muitos pés.
Oh, céus. Alguém estava naquela habitação. Mais de uma pessoa, se seus
ouvidos não a enganavam. O gelo encheu sua pele. Deveria estar vazia. Tinham
dito que estaria vazia. Tragando com força, retrocedeu lentamente em direção à
biblioteca.
Umas mãos lhe agarraram os braços por trás, apertando com força as partes
carnudas justo por cima de seus cotovelos.
—Alto — disse uma voz fina e afetada por cima de sua cabeça. Ela gritou
tentando girar para liberar-se do agarre de um homem, mas simplesmente ele a
empurrou para diante como uma alga marinha na crista de uma onda. A terceira
porta da direita se abriu, empurrou-a outra vez e ela entrou tropeçando na
habitação.
— Acendam as luzes cavalheiros! — Ordenou a voz. ¯ Temos que ver nossa
intrépida intrusa, não é?
De repente, dois abajures se acenderam ao mesmo tempo, e ela pôde ver
que a estavam esperando. Homens. Mais de uma dúzia. Ela os olhou incapaz de
acreditar no que via. Tudo se movia lentamente, como num sonho. Ou um
pesadelo, pensou com terror distante. Porque, quando sua mente começou a
funcionar outra vez, deu-se conta que alguns dos homens lhe eram familiares. O
baixo e prematuramente calvo, era Sir Christopher Flatmouth. Outro
reconheceu como o segundo filho de Lorde Gattingford. Olhou à direita.
Inclinando-se negligentemente contra um sofá, usando um elegante casaco cinza
e uma expressão ilegível, estava o magro e inexplicavelmente atraente visconde
Chatham. Não tinha que olhar para trás dela para confirmar que o homem que a
tinha empurrado à habitação era Lorde Milton. Reconheceria aquele ceceio em
qualquer parte. Sem exceção, todos eram filhos da aristocracia. E sem exceção,
todos eram bons em nada, os dissolutos e eternamente aborrecidos libertinos da
alta sociedade.
Nesse momento sua surpresa ao vê-la estava se apagando, porque muitos
começaram a rir alto. Inclusive pensou que escutou uns quantos "hurra" em
meio à alegria. Não entendia. Por que riam? Por que os aplausos? A resposta
chegou momentos depois quando um deles foi empurrado à frente da multidão.
Abriu os olhos excessivamente. Como a força da maré, a comoção foi
apoderando-se dela. Uns cabelos loiros ondulados se agitavam artisticamente
por cima de uns envergonhados olhos azuis. Suas feições formosas de um modo
juvenil não pareciam agradadas, apesar das felicitações de seus amigos. Seu rosto
estava ruborizado, sua postura usualmente afundada, parecia um menino
apanhado em meio a uma travessura.
Ela tinha feito isto por ele. Estava parada em meio àquele matagal espinhoso
de vagabundos e canalhas vestida como um salteador de estrada gordo e
incompetente. Por sua culpa.
Um rubor intenso lhe cobriu o pescoço e as bochechas, mas em todos
outros aspectos sentia-se intumescida, o adormecimento espesso e paralisante
como três metros de neve. Por favor, não deixe que isto aconteça. Meu Deus, aquela
humilhação era intolerável. Nada tinha sentido. Só sabia que não podia respirar
o suficiente, que não podia mover-se de onde estava parada.
Ficou sem fôlego enquanto olhava fixamente seus olhos azuis. Ao redor os
outros pareciam estar cada vez mais perto, suas gargalhadas ressoando mais
forte, seus gestos selvagens penetrando em sua pequena bolha de espaço. Deveria
ir. Agora. Antes que aquilo piorasse. Por pura força de vontade ela deu um passo
miserável e hesitante para trás em direção à porta. Outra vez mãos a detiveram.
Uma voz disse com zombaria: — Aonde vai, pequena delinquente? Fique um
momento. O entretenimento começou agora.
O homem de olhos azuis que uma vez tinha considerado um amigo
empurrou violentamente o homem que estava ao seu lado e se lançou para a
frente.
—Solte-a — ladrou. — Ganhei a aposta. Já tem o que veio ver. Terminou.
— Aposta? —Ela murmurou com voz rouca, mas se perdeu entre as
gargalhadas e protestos dos cavalheiros.
—Merda! Não pode deixá-la ir até que seja desmascarada — declarou Sir
Christopher de forma efusiva. Claramente seu "entretenimento" da noite tinha
começado cedo.
—Certo! De que outra maneira poderemos saber com certeza que as
condições da aposta se cumpriram? - Gritou outro homem.
Um terceiro, o filho de Lorde Gattingford, replicou: —Quem mais usaria
óculos sobre uma máscara?
Isso gerou uma nova onda de gargalhadas da multidão. Jane levantou a mão
para tocar a borda da máscara.
— Perdi dez libras nisto — disse outro homem, o ressentimento elevando
sua voz. — Deveria saber que poderia encantar a garota. As gordas sempre
estão ansiosas por serem agradadas.
A habitação começou a oscilar. O calor e a vergonha se retorceram dentro
dela como uma serpente movendo-se ao redor de uma nova presa. Sacudiu a
cabeça automaticamente, incapaz de deter o movimento. Virou-se para olhar
Lorde Milton, pálido e magro, que enrugava suas sobrancelhas em finas linhas
retas. Ainda lhe sustentava o braço, mas estava absorto com a diversão. Quase
sem pensar ela baixou o ombro e o cravou em seu queixo. Foi recompensada
pela surpresa que viu em seus olhos e o afrouxamento do seu agarre.
Libertando-se, correu para a porta ainda parcialmente aberta. A dois passos
da liberdade a porta se fechou de repente, uma mão magra e elegante se apoiou
no painel em frente a ela. Lentamente permitiu que seu olhar percorresse o
braço coberto com a manga de um casaco cinza para encontrar-se com uns
entreabertos olhos turquesa. Chatham.
Sem dizer uma palavra ele se aproximou, aparentemente para envolvê-la em
seus braços.
— Aonde vai...? —Começou. Um cheiro de roupa limpa e cítrica e um leve
aroma de uísque a rodeou. Era surpreendentemente quente para ser um homem
tão frio, pensou distraidamente. Sentiu um forte puxão na nuca.
—Não! - Gritou com voz rouca, dando-se conta do que ele estava fazendo.
Puxou a fina lã de suas mangas, empurrou os ossos duros de seu peito. Mas foi
inútil.
A máscara caiu junto com seus óculos e várias forquilhas. Seu cabelo soltou,
uma queda tão reta e escura como seu orgulho arruinado. A conversação cessou.
Ela se afastou de Chatham e se voltou para o homem que havia manipulado sua
humilhação. Era um borrão. Um loiro e enganoso borrão que a tinha convertido
em um espetáculo. No silêncio não pôde deter o que se passou: a cereja do bolo.
Ali, no meio da casa de Lorde Milton em Londres, rodeada de canalhas de todo
tipo, com as calças de seu irmão e o casaco de um moço dos estábulos, a pouco
agraciada Jane Huxley fez o que tinha jurado que nunca faria em público: deixou
que as lágrimas deslizassem.
CAPÍTULO 02

"Qualquer livro que retrate o "amor verdadeiro" como uma razão para o matrimônio tem
a mesma credibilidade que os desvarios de um demente. Chama-se "ficção" por essa razão." -
A Marquesa Viúva de Wallingham á Lady Jane Huxley depois de descobrir a quarta cópia
de Orgulho e Preconceito da dita dama escondida dentro de um vaso.

Seis semanas antes Piccadilly, Londres

Para Lady Jane Huxley, o pequeno sino da porta da livraria da Norton, em


Piccadilly, era uma canção bem-vinda como nenhuma outra. Respirou
profundamente o aroma amado do papel, da tinta e as encadernações de couro,
levando-os aos seus pulmões como se pudesse fazê-los parte de si mesma. Ah,
sim. Felicidade.
—Não está planejando ficar muito tempo aqui, não é? - A áspera pergunta
veio de Eugenia Huxley, a segunda irmã mais nova de Jane.
Jane olhou à garota de cabelo escuro. Genie tinha crescido durante o último
ano. No próximo outono faria quatorze anos, e embora fosse mais de seis anos
mais nova que Jane, agora eram da mesma altura: apenas um metro e meio. Era
estranho pensar em sua pequena irmã malcriada convertendo-se em uma
apropriada jovem que em poucos anos deveria fazer sua estreia.
Os olhos castanhos claros se encontraram com os seus.
—Encontra o lugar mais aborrecido de toda Londres e me coloca aqui
durante horas. — O rosto de Genie se enrugou com desgosto enquanto olhava
as prateleiras que enchiam o pequeno e poeirento piso principal da loja. —
Prometeu-me ir às compras. Os livros não são ir às compras.
Jane piscou e ajustou seus óculos.
—Disparates. Alguém deve comprar livros, igualmente como deve comprar
laços. O fato de que não seja algo que você queira comprar não muda a definição
Genie.
Sentiu que o olhar fulminante de Genie caía sobre sua bochecha, mas ela o
ignorou para procurar o proprietário da livraria. Ele se apressou a sair da parte
de trás, um borrão de cabelo escasso, tecido de lã e óculos de arame.
—Senhor Higginbotham! Boa…boa tarde. Estou procurando... - começou
Jane, só para ser interrompida por um dedo levantado.
—Não agora jovem. - Passando bruscamente pelo seu lado, com suas
compridas mechas de cabelo escasso, andando ligeiro, o senhor Higginbotham
fez o que fazia geralmente: ignorou-a em favor de um cliente masculino.
—Eu não gosto dele - comentou Genie, seus olhos entrecerrados seguindo
o homem magro para a frente da loja.
Jane suspirou.
—Ele é assim. Está cuidando de seus interesses.
—É um mal-educado. Não se dá conta de quem é? Pelo menos deveria
prestar atenção ao muito que gasta em sua loja. Tratar a filha de um conde desta
maneira é simplesmente uma grosseria.
Em momentos como este Jane estava agradecida de ter irmãs. Genie poderia
parecer uma moça frívola, mas com estranhos era feroz defendendo Jane ou
qualquer um de seus irmãos, na realidade. Jane apertou seu braço e a empurrou
para a parte de trás.
—Vem. Se se comportar, a levarei ao lado quando tiver terminado. — Ao
lado estava a loja de chapéus favoritos de Genie. Mas sua afeição por eles devia
ter minguado, porque puxou Jane para detê-la e lhe dirigiu um olhar altivo digno
de uma rainha.
—Não fale comigo como se eu fosse uma menina.
Agora Jane recordava porque ter irmãs era uma faca de dois gumes.
—Não quer ir ao lado, então?
—Não seja ridícula. É óbvio que quero ir.
—Então qual é o problema?
Genie pareceu paralisar-se um momento. Por dentro, Jane sorriu. Ter vinte
anos, a diferença dos quase quatorze de Genie, dava-lhe certas vantagens. Por
exemplo, a capacidade de ganhar uma discussão com uma lógica circular.
A postura de rainha voltou no seu devido tempo, e Sua Majestade olhou
Jane por cima de seu nariz real.
—Não esperarei mais que uma hora. Depois disso pode ser que me
encontre ao lado.
Com um olhar plácido, Jane respondeu: —Não se esqueça de levar Teddy
contigo.
O vermelho floresceu nas bochechas de Genie, inundando sua testa e
pintando seu pescoço. Teddy era o novo e bonito lacaio que as havia
acompanhado nesta excursão... e a última fantasia impossível de Genie.
—Hum — Genie grunhiu girando sobre seus pés e dirigindo-se com passo
forte para uma prateleira baixa cheia de referências de navegação.
Enquanto sua irmã fingia uma fascinação por todas as coisas náuticas, Jane
escondeu um sorriso e se dirigiu ao canto mais longínquo da loja. Era um lugar
escuro e tranquilo. As prateleiras se elevavam até muito perto do teto, formando
uma pequena habitação. Jane fez uma pausa, simplesmente respirando em
silenciosa antecipação. Seus dedos enluvados deslizaram lentamente pela fila
ordenada de lombos, percorrendo suas suaves superfícies. Ela sabia pelo que
tinha vindo: por uma cópia de Emma para enviar à sua melhor amiga, Vitória
Lacey. Bem, agora Vitória Wyatt, Lady Atherbourne. Tinha sido só no ano
passado que sua amizade tinha começado, Jane sorriu e sacudiu a cabeça. Parecia
mais tempo.
Os pais de Jane, o conde e a condessa de Berne, tinham sido amigos dos
pais de Vitória, o duque e a duquesa de Blackmore, antes que este último casal
morresse tragicamente em um naufrágio no Mar do Norte. Há dois anos a mãe
de Jane se converteu em patrocinadora e acompanhante de Vitória em Londres,
e no ano passado, depois de um desastroso escândalo que obrigou Vitória a
casar-se com Lucien Wyatt, visconde Atherbourne, Jane tinha sido recrutada
para restaurar a reputação de Vitória. Só então Jane e Vitória começaram a
conversar com regularidade para terminarem convertendo-se em amigas. De
fato, tinham iniciado uma relação que Jane não tinha sentido com ninguém mais
além de suas irmãs, possivelmente nem sequer com elas.
Recordando a carta mais recente de Vitória, a boca de Jane se curvou para
cima outra vez. Felizmente, embora o matrimônio de sua amiga houvesse
começado com um escândalo, converteu-se rapidamente em um de verdadeiro
amor, e agora estavam instalados no imóvel de Lucien, em Derbyshire,
esperando a chegada de seu primeiro filho. Isso era o que havia trazido Jane à
livraria do Norton: sem dúvida uma mulher em confinamento necessitava de um
bom livro para passar o tempo.
Jane se moveu à sua direita examinando os títulos: Mansfield Park, várias
cópias do Waverley e Robinson Crusoé, alguns volumes de poesia de um homem do
qual nunca tinha ouvido falar. Mas nada de Emma. Diabos, aquela novela era a
mais deliciosa, uma rival para a favorita de todos os tempos de Jane, Orgulho e
Preconceito. Tinha escrito à Vitória descrevendo seus muitos encantos, tinha-lhe
prometido que enviaria uma cópia junto com sua próxima carta. Seria uma
lástima decepcioná-la.
Jane ajustou seus óculos e observou as prateleiras superiores com a
esperança de encontrar o livro. Na terceira olhada pensou que poderia tê-lo
encontrado, mas só havia um volume, Emma tinha três.
—Diabos - ela murmurou em voz baixa. Não só faltavam dois terços do
livro, mas principalmente o terceiro, que se encontrava na prateleira mais alta.
Isto exigia uma linguagem muito mais forte. —Maldição - sussurrou só para
prová-lo. Bem. Isso era mais satisfatório.
—Céus, não tinha ideia que as restrições das maldições se houvessem
afrouxado tão dramaticamente. Que maravilhoso. — A voz masculina e
zombeteira veio de uns metros atrás dela, ligeiramente à esquerda.
Congelada em seu lugar, Jane orou para que falasse com outra pessoa.
Embora naquele pequeno lugar não havia mais ninguém. Possivelmente se
dirigia a uma das prateleiras. Ou estava falando consigo mesmo. Possivelmente
se não se movesse ou respondesse ele não a notaria. Possivelmente…
—Lady Jane, não? Lady Jane Huxley?
Maldição. Dentro de sua cabeça a maldição não teve o mesmo impacto. Mas
suspeitava que nada menos que ser divinamente transportada a outro lugar a
faria sentir-se melhor a respeito deste momento. Na realidade, Jane era tímida.
Não era a classe de tímida ordinária, mais do tipo que atava a língua, fazendo-a
balbuciar e gaguejar, paralisando-a cada vez que alguém desconhecido lhe falava.
Responder mesmo às expressões mais banais de cortesia para ela era um
exercício de fortaleza, mas saber que um estranho a tinha ouvido amaldiçoar e
aparentemente sabia seu nome... bom. Isso era mortificante.
Levou um minuto inteiro para enfrentá-lo. Ele esperava pacientemente.
Demônios. Tinha esperado que se fosse. Mas não. Quando finalmente se voltou
ele estava ali, alto, magro e divertido. Os cachos loiros dourados caíam sobre
seus olhos azul céu. Um nariz pequeno e reto e traços refinados lhe davam uma
beleza juvenil, quase feminina, uma beleza que lhe era familiar.
A vergonha retrocedeu a favor da surpresa. Ela o conhecia. Era Lorde Colin
Lacey, o mais jovem dos dois irmãos de Vitória. (O mais velho era o duque de
Blackmore, mas Jane preferia não pensar nele). Lorde Lacey, no julgamento de
Jane, era um bêbado inveterado, um esbanjador com poucas qualidades
redentoras além da boa aparência juvenil. Ao menos essa foi sua impressão na
ocasião em que tinha estado suficientemente perto para formar um julgamento:
sentada ao seu lado no café da manhã das bodas de Vitória. Bem ébrio uma hora
antes de servirem a comida, comportou-se com todo o decoro que se podia
esperar de semelhante condição... com nenhum. O evento tinha chegado a um
final abrupto de fato quando Lorde Lacey fez um comentário terrivelmente
inapropriado em frente a toda uma mesa cheia de convidados.
O que estava fazendo ali, em um canto poeirento do Norton? Não parecia
um leitor. Entretanto, ali estava, erguido, sóbrio e muito elegantemente vestido
com um fraque de cor cinza clara e um colete listrado lavanda. Bastante
desconcertante, dado que recentemente Vitória havia expressado com
desespero: —Colin está tão longe de um mínimo de dignidade que temo que
nunca encontrará o caminho de volta novamente.
Hoje, ao menos, ele estava bastante... bem, galhardo, supunha.
—Não vai me responder, Lady Jane? - Ele esboçou um sorriso que era ao
mesmo tempo juvenil e íntimo, como um querubim que oferece uma piscada.
Um bonito querubim. — Esperava escutar mais epítetos para adicionar à minha
coleção.
Jane sentiu que ruborizava, sabendo que o vermelho não a favorecia.
—Lorde… Lorde Lacey — grasnou, rapidamente limpou a garganta para
cobrir seu nervosismo. —É um prazer voltar a vê-lo.
Seu sorriso se alargou, um brilho penetrou em seus olhos.
—Um prazer também, Lady Jane Huxley. - Fez uma reverência mais
profunda que a necessária. A fez perguntar-se se estava zombando dela. Os
cavalheiros raramente falavam com Jane, e quando o faziam nunca sorriam
encantadores ou a cercavam com conversas engenhosas. Geralmente, se não a
ignoravam por completo, evitavam seu olhar enquanto ela evitava o deles,
dizendo o menos possível e partindo para pastos mais bonitos tão rapidamente
quanto o permitisse a cortesia. Mas não Lorde Lacey. Hoje não.
—Passou-se muito tempo — disse ele calidamente. —As bodas de Vitória,
se não me engano. - Olhou ao redor do pequeno espaço cercado pelos livros. —
Procurando sua próxima novela favorita, suponho? Ou talvez uma referência à
linguagem vulgar?
Normalmente ela teria assumido que semelhante comentário tinha a
intenção de ser zombeteiro, mas seu tom sugeria uma brincadeira compartilhada
entre amigos. Com cautela assentiu, logo mudou de opinião e negou com a
cabeça.
Ele riu, seus olhos enrugando-se nos cantos, o som tão quente como uma
xícara de chocolate.
—Sentimo-nos contraditórios, não é? Não posso culpá-la. Escolher entre a
ficção e o profano é dos mais desafiantes. Quanto à diversão, cada coisa tem
seus méritos.
—Eu não… nada disso, na realidade. - Seus dedos automaticamente
mexeram em seus óculos. —Estava procurando um presente. Para Vitória.
—Para Tori? De verdade? Seu aniversário não é até julho, sabe? Tem tempo
suficiente. Não há necessidade de amaldiçoar, a menos que seja simplesmente
por diversão. Em todo caso, respaldo-o de todo coração.
Sentindo-se mais à vontade, Jane soltou uma pequena gargalhada.
—Não é para seu aniversário. Prometi-lhe que enviaria uma cópia de Emma
para que pudesse lê-lo durante seu confinamento.
Por um momento o sorriso de Lacey congelou, algo assim como surpresa,
logo arrependimento, movendo-se através de seus olhos. Logo desapareceu.
—Ah, sim, é claro. E o bebê chegará... logo.
Soava quase como uma pergunta, então se encontrou assentindo com a
cabeça, embora certamente ele devesse sabê-lo. Vitória era sua irmã, e este era
seu primeiro filho, apesar de tudo.
—Muito bem, - continuou ele, golpeando as mãos com força, - temos que
encontrar esta Emma então.
—Vai... vai ajudar-me a localizar o livro?
Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.
—Naturalmente. Você é uma jovem que necessita de ajuda. Que classe de
homem pensa que sou?
A boca de Jane se curvou.
—Não estou segura de que deseje que eu responda a isso. — A resposta
escapou antes que a precaução pudesse filtrá-la. Imediatamente sentiu que
ruborizava, e uma mão voou para cobrir sua boca. Muito tarde para isso, tola.
Ele riu.
—Muito bem, Lady Jane. De fato, tendo em conta minhas maldades
passadas, talvez tenha razão nesse aspecto. — Por um momento pareceu quase
tímido. — Só posso esperar melhorar sua opinião sobre meu caráter. Talvez
oferecer minha ajuda seja uma maneira de começar de novo.
Deixando cair seus dedos, ela vacilou antes de assentir, logo apontou a
prateleira superior.
—Consegui ver um dos volumes lá em cima, mas não vi os outros dois.
Ele avançou os poucos metros necessários para alcançar o livro ficando
suficientemente perto para que sua manga lhe roçasse o ombro. Esticando o
braço ele tirou a terceira parte de Emma de seu esconderijo com a invejável
facilidade de um homem alto. Ela o pegou, passando os dedos pela capa, e se
maravilhou do agradável de não ser ignorada.
—Obrigada, milord.
Ele fez um gesto desdenhoso.
—Prescindamos das formalidades. Para todos os efeitos práticos, somos
família. Por favor, me chame de Colin.
Ela fez uma pausa considerando seu pedido. Por um lado, tinha razão: suas
famílias estavam estreitamente conectadas e, dada sua amizade com Vitória, a
formalidade parecia, bem, um pouco demais. Por outro lado, era uma mulher
solteira em sua terceira temporada, e chamar um cavalheiro por seu nome
implicava certa intimidade. Isso poderia conduzir a suposições, o que poderia
conduzir ao escândalo. Mmm.
Por outro lado (Deus, estava ficando sem lados) quem se importava?
Dificilmente Jane seria um diamante de primeira, estava mais para uma pedra no
fundo de um rio: redonda, comum, sem nada de especial. De algum jeito isso lhe
permitia uma maior liberdade, já que escapava do escrutínio atribuído àquelas
com melhores perspectivas.
Lorde Lacey baixou o queixo e lhe dirigiu um sorriso de interrogação.
—Ainda pensando?
Ela apertou os lábios. Realmente ele era bastante encantador.
— Nada de formalidades, no momento, mas o chamarei de Colin quando
estivermos a sós, - ela disse em voz alta - e quando estivermos acompanhados
será Lorde Lacey, como é devido. De acordo?
—Perfeitamente. E eu seguirei me dirigindo a você como Lady Jane. — Ele
inclinou a cabeça para ela. — Talvez um dia possa ganhar o direito de chamá-la
simplesmente de Jane.
Seus olhos brilhavam como os de Vitória quando fazia a alguém uma sincera
declaração. Enchia de calor o receptor de tal adulação, e Jane não era imune.
Aparentemente, este tipo de encanto era um traço de família. Uma imagem de
seu irmão mais velho, o duque de Blackmore, surgiu em sua mente, e
imediatamente ela retificou sua avaliação. Claramente o encanto falhou em
pousar-se em alguns ramos da árvore genealógica.
Concentrou-se em Colin, que havia se virado para ver as prateleiras
procurando as outras duas partes de Emma.
—Lorde Lacey… Colin… — ela começou com voz vacilante. — Devo
dizer, embora esteja agradecida por sua ajuda, não posso deixar de me
perguntar...
Ele se deteve e a olhou por cima do ombro.
—Sim?
—Bem, por quê?
—Por que, o que?
—Por que se incomoda?
Ele suspirou e logo ficou em silêncio durante um longo momento, com o
olhar caindo sobre seus pés.
—Alguma vez cometeu um erro, Lady Jane? Refiro-me a um erro tão grave
que a redenção é duvidosamente possível?
Céus, pensou. Quando se fez tão séria esta conversação? Ela negou com a cabeça,
mas ele não a estava olhando. Logo se voltou, e agora sim a olhou.
—Eu sim. Mais de uma vez. Por muito tempo segui um caminho de
escuridão, me dando conta recentemente que a redenção nunca será possível se
não a perseguir. E para fazer isso devo mudar meu rumo.
—Vai se unir ao clero?
Ele retrocedeu e se agarrou ao peito como se o tivesse golpeado.
—Meu Deus, não! Que noção mais horrível!
Lhe dirigiu um sorriso malicioso.
—Bem, todo este bate-papo de escuridão e redenção. Que mais deveria
supor?
Lentamente ele riu e moveu um dedo para ela.
—Você é uma descarada, não? Não, só queria dizer que após o acontecido
resolvi me comportar como um cavalheiro, como não o tenho feito há algum
tempo.
—Então está sendo amável como um gesto de boas maneiras.
—Estou ajudando-a porque você merece ser tratada com amabilidade, e
qualquer cavalheiro digno do título deveria fazer o mesmo.
O coração deu um pequeno pulo. Além de seu irmão e de seu pai, nenhum
homem nem sequer a olhava, e muito menos pensava que merecia tão generosa
cortesia. Sentia-se como se o verão tivesse chegado um mês antes, quente e
inesperado.
—Obrigada - ela sussurrou. —Colin.
Ele sorriu brandamente e assentiu.
—É um prazer.
Até o momento em que localizaram os dois restantes volumes
inexplicavelmente dispersos na fila inferior na parte traseira da prateleira,
estavam conversando e rindo juntos como se tivessem sido amigos durante
muito tempo. De certo modo recordava Vitória, exceto por ser um homem, e
um bastante atraente, além disso.
—Milady, parece que nossa colaboração nesta tarefa foi um êxito - disse
enquanto lhe dava o volume final. Olhou por cima do ombro para a parte
dianteira da loja. —Temo que tenho que me despedir. Mas talvez tenhamos a
chance de falar de novo logo.
—Eu gostaria.
Ele sorriu, seus olhos enrugando e brilhando, dando uma inclinação em seu
chapéu inexistente, inclinou-se com galanteria e se afastou.
Estava suspirando, olhando a porta fechar-se atrás dele, quando Genie
colocou a cabeça por uma das prateleiras.
—Seu tempo terminou Jane - disse entre dentes. — Posso sentir o pó deste
espantoso lugar instalando-se em minha alma.
—Um pouco dramático, não te parece?
—Não. Não me parece.
Jane bufou e levantou o queixo.
—Tenha em conta que estou deixando passar isso sem zombar de mim. É
absolutamente muito fácil, e por baixo da minha dignidade.
Genie se negou a ser distraída de sua queixa inicial.
—Estou rodeada de aborrecimento. Tedioso, poeirento, eloquente
aborrecimento. Temos que ir agora, Jane. Agora. - Ela deu um chute ao dizer a
última palavra, o zumbido de sua voz recordando à Jane que sua irmã era ainda
muito jovem, de fato.
E graças a Deus por isso, pensou enquanto se dirigiam à vitrine onde o
senhor Higginbotham estava classificando seus montes de livros. Ao que parece,
Genie não se deu conta da longa e amistosa conversação que havia mantido com
Lorde Lacey. Jane preferia não responder perguntas sobre ele, sobretudo porque
tinha poucas respostas. Melhor manter isto fora do conhecimento de suas irmãs.
E de sua mãe. Oh, céus, sim. Sua mãe certamente faria uma ideia equivocada.
—Então Jane... — a voz de Genie era de uma indagação casual.
—Mmm?
A irmã de Jane piscou inocentemente.
—Esse cavalheiro com quem estava falando. É seu pretendente?
Jane congelou.
—Não. Isso é uma tolice. Se você, de todas as pessoas, tivesse um
pretendente, certamente mamãe saberia. Ela teria uma apoplexia se não fosse
informada, tendo em conta que está desesperada porque você pode ficar
solteirona.
Os olhos de Jane se estreitaram atrás de seus óculos.
—O que quer?
—Um novo chapéu; um caro. E sua promessa de não me trazer para este
miserável lugar outra vez.
—Feito. - Graças a Deus Genie ainda era bastante jovem para ser facilmente
subornada. Jane não poderia suportar escutar as suas quatro irmãs e a sua mãe
trocando opiniões sobre aquilo, como um animado jogo de cricket. Era muito
incerto, muito novo. Muito precioso e frágil.
—Oh, e isto é só o princípio. Acreditava que comprar minha discrição seria
tão barato?
Pela terceira vez no dia uma vil maldição entrou na mente de Jane.
Maldição.
CAPÍTULO 03

"Nunca aposte o que não pode se permitir perder. A menos que,é claro, seu oponente
esteja tão ébrio que não recorde o que está em jogo. Então, definitivamente, aposte a lua." - A
Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Reedham enquanto eram parceiras em um
entusiasmado jogo de whist.

Era muito tarde e Colin Lacey estava muito bêbado. Normalmente, estar em
tal estado era muito divertido. Mas não essa noite.
—Suponho que a aposta vai bem? - Perguntou uma voz seca do outro lado
da mesa.
Colin levantou a cabeça de onde estava, sobre seu antebraço. Quando
Chatham tinha entrado? E quando ele tinha começado essa estranha dança em
zigue-zague? Colin sacudiu a cabeça. O mundo se movia de maneira nauseante.
Ah, sim. Era o brandy que fazia com que seu amigo oscilasse e balançasse em
sua cadeira. Uma terrível quantidade de brandy.
Soprando, Colin respondeu: —Não. Não vai bem, absolutamente. Mas você
já sabe isso.
Com dedos elegantes e relaxados Chatham agarrou um copo de uísque e
tomou um gole. Colin se perguntou se Chatham estava bêbado também. Nunca
podia dizê-lo com certeza. Benedict Chatham, visconde Chatham, era um
homem diabolicamente controlado, mesmo tendo bebido como um cossaco.
Nunca se sabia se estava furioso ou feliz. Seu comportamento seguia sendo o
mesmo, independente das circunstâncias: um cinismo enfastiado e um engenho
mordaz acompanhados por uma inteligência temível e um curioso magnetismo
que as mulheres achavam irresistível, apesar de estar quase nos ossos, magro e
pálido como um papel. Colin tinha sido seu amigo durante mais de três anos, e
ainda assim, frequentemente parecia ser praticamente um desconhecido, embora
muito divertido.
Passando uma mão pelo rosto, Colin tratou de sentar-se em posição vertical.
—Nada disso seria nece… necesssa… não haveria nenhuma aposta, em
absoluto, se meu irmão não fosse um pedante moralizzzadorrr.
—Cuidado — respondeu Chatham, sua postura negligente, uma perna
magra pendurada sobre a outra, uma mão apoiada em seu joelho. Um só dedo
daquela mão se levantou para indicar a garrafa de brandy que algum empregado
do clube havia convenientemente deixado sobre a mesa. O cotovelo de Colin
quase a havia atirado ao chão. — Seria uma pena danificar objetos de valor.
—É brilhante, sabe,Chatham?
—Só o diz por que está bêbado.
Colin sacudiu a cabeça enfaticamente.
—Não! Não, não, não. O brandy é terrivelmente car…custa…caro. Por isso
jurei não o beber. Deixe-o assim. - Ele estalou os dedos, mas eles pareciam
perder-se entre si, já que o som não saía bem. — Não posso me permitir essa
coisa. Nem sequer posso me permitir botas decentes. O maldito Harrison
cortou meus recursos.
—Sim, seu irmão não é dos que suportam os parvos para sempre.
—Certo! É sua culpa que esteja neste perd… perd... nesta confusão. Agora a
aposta se faz mais malditamente impossível com cada novo tipo que acrescenta
seu nome ao livro. — Colin fez um gesto para o aparador, onde o livro de
apostas estava aberto à espera do próximo cavalheiro que subiria a aposta.
Felizmente aquele livro em particular se mantinha ali, no exclusivo salão de
jogos conhecido como Reaver’s, em uma sala privada acessível só para aqueles
que Chatham permitia entrar. Como o futuro Marquês de Rutherford, Chatham
podia se permitir o luxo de organizar este tipo de conveniências, felizmente para
Colin. E para Lady Jane Huxley, supunha.
Satisfeito como um gato que se estica depois de uma sesta, Chatham se
levantou e recolheu o livro, baixando o olhar à crescente lista de notas.
—Não posso ver por que se queixa. Quanto mais se unam à aposta, maior
será sua recompensa.
—Nunca quis arruinar ninguém.
Chatham voltou seu vívido olhar turquesa para Colin. Aquele olhar, em
particular, frio, calculista, de olhos entreabertos e sobrancelhas escuras, sempre
lhe dava calafrios. Era como ser examinado por um lobo que não estava
especialmente faminto neste momento, mas queria reservar o direito de avaliar
suas opções.
—Então talvez não devesse ter apostado em primeiro lugar. — A voz de
Chatham era suave, sem expressão.
Colin soprou e deu uma olhada à mesa de mármore.
—Soa como o duque.
—Sabe da aposta?
Riu sem alegria e sacudiu a cabeça.
—Se soubesse teria tirado muito mais que meus recursos.
De verdade, não culparia Harrison de exercer a violência sobre sua pessoa.
Quanto mais tempo Colin passava com Jane, pior se sentia a respeito do que
tinha que fazer. Esta mesma noite, por exemplo, antes de chegar ao Reaver’s e
conseguir embebedar-se, tinha ido a um evento da sociedade na casa de Lady
Reedham, um musical ou algo assim. Dada a natureza dos eventos da alta
sociedade, às vezes era difícil distinguir a diferença. Em qualquer caso, tinha
havido uma grande quantidade de música ruim, e embora seu cérebro estivesse
gratamente nebuloso neste momento, pensou que recordava de uma jovem
rechonchuda no piano, golpeando como se estivesse muito desgostosa com o
compositor.
Mas essa não era a parte importante. A parte crítica chegou uns minutos
mais tarde, quando viu Lady Jane Huxley sentada na terceira fila de cadeiras com
a cabeça inclinada como se estivesse orando. Levou um pouco de tempo
localizá-la, ela era bastante baixa de estatura, e duas filas adicionais de mulheres
altas e desajeitadas estavam sentadas entre ele e ela. Mas ele estava determinado,
e na primeira oportunidade, quando a garota no piano tomou um bendito
descanso e as damas junto a Jane correram para a mesa dos refrescos, Colin
levantou-se e se sentou ao lado de sua presa.
Ao olhar para baixo, ao seu colo, rapidamente se deu conta de que ela não
estava orando, absolutamente.
—Bom livro, Lady Jane?
Ela deu um recuo e de forma desajeitada conseguiu reter o livro nas mãos,
para logo fechá-lo com força e ajustar os óculos. Ela limpou a garganta e se
voltou para olhá-lo com seus grandes olhos castanhos escuros.
—Lorde Lacey, - disse com admirável serenidade - que inesperado vê-lo de
novo. Não me dava conta de que era um amante de Mozart.
—Oh, não sou.
Ela piscou lentamente, arqueando os lábios.
—Talvez seja melhor, dada a apresentação.
Gemendo sua concordância ele riu entre dentes e logo olhou ao seu redor.
—Está aqui com sua mãe?
Ela assentiu com a cabeça e passou as mãos sobre a capa do livro.
—Insistiu que deveríamos vir em apoio à senhorita Blythfield, que é uma
amiga da minha irmã. Esta noite é sua estreia musical.
—A que está tocando piano?
—Sim.
—Você está apoiando isso?
Um sorriso indefeso puxou sua boca, fazendo-se amplo enquanto negava
com a cabeça.
—Talvez 'apoio' seja um pouco forte, depois de pensar um pouco. —
Quando sorria pequenas covinhas apareciam em suas bochechas, uma doce
surpresa no que só poderia descrever-se como um rosto redondo e
insignificante.
Ele a recompensou com uma piscada.
—Por isso o livro, suponho.
—Você é muito perspicaz, milord.
—Chamaram-me de coisas piores.
Ela riu, um som agradável, ligeiramente rouco.
— Pode-se estremecer ao imaginar.
Deliberadamente, inclinou-se para ela, baixando a cabeça perto da dela.
—Vim para vê-la, Lady Jane.
Com os olhos abrindo-se desmesuradamente, um rubor inundando do seu
generoso peito ao seu rosto, Jane balbuciou: —A m… mim? Por quê?
A duas cadeiras de distância uma anciã de considerável tamanho limpou a
garganta deliberadamente, afastando sua atenção de Jane e fazendo com que se
erguesse sob o olhar severo da matrona.
—Talvez devêssemos falar disto em outro lugar — murmurou olhando ao
redor do salão. Os convidados deviam estar antecipando uma segunda rodada
da tortura musical, porque muitos se dirigiam de volta aos seus assentos.
Rapidamente, antes que a mãe de Jane pudesse voltar e confundi-lo com um
pretendente, discretamente cobriu a mão de Jane com a própria. — Espere até
que a música comece de novo, então nos encontraremos no vestíbulo de
entrada.
A julgar por seu cenho franzido parecia que Jane protestaria, assim lhe
apertou a mão. Ela baixou o olhar para onde estavam entrelaçadas e se deteve,
seus dentes mordendo seu lábio inferior.
Apresentando sua mais persuasiva expressão, a que sua irmã Vitória tinha
chamado de "cara doce como um cordeiro de primavera", sussurrou: —Por favor, Lady
Jane. Não me concederá este favor?
Seus olhos se encontraram, os dela cheios de dúvidas, mal-estar... e algo
mais. Ali nas profundidades de cor castanha escura, ampliada por seus óculos,
estava a faísca oculta de desejo que tinha notado durante sua conversação na
livraria. Lady Jane Huxley, igual a qualquer outra mulher de sua idade, queria ser
cortejada, ser admirada e trocar sussurros em um corredor escuro. Ser
perseguida.
A maioria dos homens a ignorava, a esta Jane baixa, de cabelo castanho,
gordinha e comum. E aqueles que não o faziam finalmente eram dissuadidos
por sua estudada absorção em qualquer livro que tivesse à mão. Mesmo quando
um cavalheiro se incomodava em começar uma conversação, ela raramente
oferecia mais que umas poucas palavras de cortesia. Considerando que os
homens pouca ou nenhuma vez lhe prestavam atenção, Colin não podia culpá-la
por estar cética com um pretendente repentinamente ardente. Mas se ia ter
êxito, tinha que ganhar sua confiança. E logo.
Quase podia ouvir o frio desprezo de seu irmão. Maldição, ele dizia a si
mesmo bastante frequentemente: Um homem nunca é tão repugnante como quando
engana um inocente em benefício próprio.
Mas não tinha opção.
A respiração de Colin se deteve enquanto esperava o assentimento de Jane.
Não podiam ter a conversação que precisava ter com ela ali, onde os membros
da alta sociedade podiam ouvi-los. Deviam estar a sós.
Ela olhou atrás dele e logo deu em sua mão um apertão antes de afastá-lo
dela. Lentamente ela assentiu com a cabeça, pretendendo retornar ao seu livro.
—Muito bem — sussurrou. — Minha mãe está se aproximando.
Provavelmente deva ir.
Uma onda de euforia o levou a ficar em pé e dirigir-se para o fundo da sala,
onde uma longa mesa atuava como depósito para os refrescos.
Estava perto. Podia sentir.
De repente, sua pele picava. Especialmente no pescoço, por baixo da
gravata. Passou um dedo entre o tecido e a garganta, sentindo ali a umidade
delatora. Rodando os ombros, encaminhou-se além de um par de matronas
vestidas de veludo e evitou o olhar coquete de uma de suas pupilas.
Após os meses atrozes da decisão de Harrison de cortar seus recursos, seu
corpo tinha se adaptado quase por completo à sobriedade forçada.
Sinceramente, quando a névoa da bebida se desvanecia, havia inclusive
começado a apreciar seus benefícios. Por um lado, era menos provável que se
encontrasse curvado sobre um urinol ao despertar. E a probabilidade de que sua
irmã desejasse reivindicá-lo como tio de seu primeiro filho melhoravam a cada
dia que não fazia algo para envergonhá-la. É óbvio, ela não sabia de seus planos
para sua melhor amiga. Ou porque tal coisa era necessária.
Uma pontada de dor lhe fechou a garganta. Tragou saliva para sufocá-la.
Comportar-se de maneira tão repugnante, embora fosse necessário, o fazia
desejar as comodidades do esquecimento. Neste momento, com muito prazer
renunciaria a certas partes do corpo, ao dedo mindinho da mão esquerda, por
exemplo, por uma bendita garrafa de brandy. Lady Reedham não oferecia sua
bebida escolhida, assim tomou um copo de ponche do tipo refresco e apoiou o
ombro na parede perto da entrada da sala. Logo esperou que sua tímida
passarinha tivesse coragem.
Como era de se esperar, ela não se levantou até bem começado o segundo
ato. Observou-a enquanto ela passava nas pontas dos pés além da fila de suas
irmãs e se transferia às portas duplas perto de onde ele se encontrava. Um lacaio
se inclinou quando ela passou pelo corredor, e se inclinou de novo quando
Colin a seguiu um minuto mais tarde.
Com o cenho franzido, procurou na sala escura, iluminada só por duas
luminárias. Onde tinha ido? Havia lhe dito que o encontrasse ali, não? Coçou a
cabeça. Sim, ele claramente recordava dizer…
—Psssst, Lorde Lacey. — O forte sussurro provinha de sua esquerda. Uma
luva branca apareceu de um espaço atrás da escada. Indicou-lhe que se
aproximasse.
Ele sorriu. Isto ia ser mais fácil do que pensava.
Aproximando-se dela lentamente, segurou-lhe a mão e lhe deu um terno
beijo, como um cavalheiro o faria com sua dama. Ou, ao menos, assim era como
uma típica mulher poderia imaginá-lo, supôs.
Mas Lady Jane não era da típica classe. Imediatamente afastou a mão,
deixando-o beijando o ar, e disse entre dentes: —Está bêbado de novo? Eu não
gosto de bêbados.
Talvez o cortejo não fosse ser tão fácil como tinha imaginado.
Deixou que seu braço caísse de novo ao seu lado e adotou uma expressão
tímida.
—Humildemente peço desculpas, milady. Não a culpo nem um pouco por
acreditar no pior de mim. Minha única intenção era demonstrar meu sincero
respeito.
Ela permaneceu em silêncio durante um longo minuto antes de suspirar. A
escuridão do lugar tornava difícil avaliar sua expressão. Não podia ver muito
mais que o reflexo da luz de vez em quando em seus óculos. Quando por fim
falou, sua voz era baixa e contida, como se só acreditasse na metade do que
dizia.
—Do que quer falar comigo?
De repente, a língua ficou presa. O suor brotou em suas palmas. Pressionou-
as contra o interior de suas luvas e limpou a garganta.
—Bem, bom. Sim. Quer dizer... você… você sabe que tenho muitos
remorsos.
Ela não respondeu.
—É que recentemente ambiciono reformar… hã… retificar a situação. Pôr
as coisas em ordem, por assim dizê-lo.
Entretanto, Jane não dizia nada. Bom, talvez um pouco de honestidade
mudaria suas fibras sensíveis. Ou ao menos, suas cordas vocais.
—A verdade é que, Lady Jane, minha irmã não fala comigo há muito tempo.
Ela estava muito consternada por meu comportamento anterior. Não posso
culpá-la.
Um suave bufo que soava como acordo veio dos arredores de Jane.
—Tinha perdido a esperança de recuperar seu afeto até a semana passada,
quando você e eu nos encontramos na livraria. - Um pouco às cegas, estendeu a
mão para o branco de suas luvas. — Você é sua melhor amiga,não é?
Uma aspiração, então uma das luvas se elevou para brincar com a borda de
seus óculos.
—Pode-se dizer isso, já que ela é a minha.
—Duvidei em pedi-lo, já que não é uma solicitação pequena, mas em prol da
restauração do vínculo familiar entre mim e Vitória, consideraria lhe falar em
meu nome?
—Eu? O que quer que eu diga?
—Simplesmente que estou tentando merecer seu respeito outra vez.
Possivelmente você viu meus esforços com seus próprios olhos.
Uns braços com luvas brancas se cruzaram sobre um corpete mais escuro.
Não podia recordar que cor de vestido usava, um castanho apagado, talvez, mas
sabia que era escuro, porque suas luvas pareciam flutuar nas sombras profundas.
—Você e eu nos falamos duas vezes, Lorde Lacey. E embora essas
conversações foram... agradáveis, não me atrevo a dar um respaldo com provas
tão insignificantes.
E assim, sua tímida passarinha pegou o anzol.
—É por isso que a procurei, milady. Pois eu acredito que se passasse mais
tempo em minha companhia estaria convencida da sinceridade dos meus
esforços.
Ela ficou um momento pensando. Praticamente podia ouvi-la pensando.
—Tudo de forma apropriada, entenda. Tenho o maior respeito…
—Por que eu? — Jane interrompeu.
—Vitória confia em você.
—Não, quero dizer, por que simplesmente não fala com ela você mesmo?
Ou para o caso, por que não tenta fazer as pazes com o duque? Ouvi dizer que
está na cidade.
Diabos. Esta aposta ia matá-lo antes que terminasse. Sua família não era um
tema do qual desfrutava falar, menos ainda do duque, em particular.
—Meu irmão não é da classe que perdoa — disse em voz baixa. E isso era a
maldita e condenada verdade.
—Sim, posso imaginar isso. — Sua instantânea e sentida concordância foi
surpreendente e alentadora. A maioria das mulheres desejavam Harrison, ou ao
menos a possibilidade de pôr os grilhões no poderoso duque. Ao que parecia,
Jane era exceção. De fato, ele estava achando que era exceção em muitos
aspectos. Era diferente das habituais solteironas. Uma vez que um homem via
além das paredes espinhosas de seu acanhamento, era bastante agradável... e não
era nada aborrecida. Justamente o contrário, na realidade. Gostava dela.
Ele baixou a cabeça e falou, imitando uma postura confiante.
—Tentei me aproximar, mas ele rejeitou tudo. Mesmo as ameaças de revelar
a queda bastante desgraciosa de Sua Graça no lago de peixes de Blackmore não
puderam convencê-lo.
Desta vez seu sopro claramente esteve amortecido pela risada, o que fez
tremer sua voz quando disse: —Teria dado tudo para presenciar esse
acontecimento. Similar a um eclipse do sol, estranho e impressionante.
—Oh, Sua Graça era a viva imagem da dignidade, o asseguro. Inclusive se
poderia dizer que estava encharcado dela.
Isso fez Jane rir tanto que ela se dobrou e apoiou uma mão em seu braço
para manter o equilíbrio.
—O duque... encharcado… com um nenúfar... com sua formosa cabeça
dourada.
Ele elevou as sobrancelhas. Ela tinha uma maldita boa imaginação.
—Não tinha pensado nisso. Poderia usá-lo como uma coroa. Lhe assentaria
perfeitamente. Harrison Lacey, o oitavo Duque de Blackmore. Rei do lago de
peixes.
Ela agitou a mão para ele, sem fôlego quando outra onda de risadas a
consumiu. Claramente, Jane achava a ideia de Harrison encontrando-se em um
infortúnio muito cômico. Agora que o pensava, ele também.
Tomando várias respirações profundas para recuperar o controle, bateu no
seu braço.
—Desfruto de sua companhia, Lorde Lacey. Não… não me oporia a
passarmos mais tempo juntos. Desde que nossos encontros sejam apropriados.
O coração de Colin bateu de um modo doentio contra a parede de seu peito.
Ela estava de acordo. Era o que tinha vindo ali conseguir. Agora, ganhar a
aposta era possível.
De repente, quis vomitar.
Em vez disso, ele assentiu e sorriu ao brilho de seus óculos.
—Não se arrependerá de sua decisão Lady Jane — mentiu. Depois de vê-la
desaparecer de novo na sala de música de Lady Reedham foi diretamente ao
Reaver´s e se embriagou.
Onde agora estava sentado. Bêbado. No Reaver’s. Vendo Benedict Chatham
beber seu segundo copo de uísque e folhear o condenado livro de apostas que
tinha cinco páginas a mais que há quinze dias.
Chatham arqueou uma sobrancelha e olhou Colin.
—Calças?
O estômago de Colin se contorceu de náuseas. Ele voltou a deixar cair a
cabeça em seu antebraço, onde se balançou para trás e para frente com
desespero. Chatham riu antes de falar a modo de consolo: —Bom, ao menos
não especificaram uma cor. Agora, isso seria um desafio.
CAPÍTULO 04
"O cortejo não tem espaço para a honestidade, moço. Por sua própria natureza, é um
truque ardiloso enraizado na ilusão e no autoengano." - A Marquesa Viúva de Wallingham
ao seu filho, Charles, depois da péssima tentativa do dito cavalheiro por cercar conversação com
a viúva de Lorde Willoughby.

Semanas depois de ter aceito passar mais tempo com Lorde Lacey, Jane
estava completamente confusa. Ele havia enviado uma nota na manhã depois do
musical de Lady Reedham solicitando que o acompanhasse a um passeio pelo
Hyde Park. Ela tinha concordado, levando sua criada Estelle como
acompanhante. Recordando quão emocionada tinha estado, o esmero com que
tinha escolhido seu vestido de montar. Algo muito pouco próprio dela,
reconhecia. Tinha sido bastante decepcionante que ele se comportasse de um
modo tão... bem, tão estranho. Em lugar de tentar cativá-la, como tinha parecido
fazer em seus encontros anteriores, tinha ficado calado, distraído. Logo lhe havia
perguntado se alguma vez tinha considerado viajar ao estrangeiro ou fazer algo
atrevido, algo que ninguém poderia esperar. Ela, é óbvio, havia lhe perguntado
se se sentia bem.
Dois dias depois de seu passeio encontrou-o no Museu Britânico, onde
viram os mármores do Elgin e riram juntos com mais histórias da infância do
Duque de Blackmore. Ela não deveria desfrutar tão efusivamente da descrição de
Colin das calças de seu irmão rasgando-se depois que seu cavalo o jogou em um
arbusto. Mas simplesmente não podia evitar.
À tarde Colin tinha começado a contar uma história peculiar de um colar
perdido pertencente a sua mãe, mas foram interrompidos por Genie, que ao ver
a coleção de estátuas gregas declarou que os atenienses não poderiam ter sido
muito civilizados já que tinham pouco em oferecer na forma de chapéus. Com
isso, Jane decidiu que era hora de ir, e Colin fez uma reverência, seu aspecto
bastante abatido.
Na última vez que o tinha visto, de pé, imóvel, nos subúrbios do Museu
Britânico, tinha ficado olhando Genie, Estelle e a ela enquanto subiam na sua
carruagem. Ela não sabia o que pensar de seu silêncio. Ou dele em todo caso.
—Crê que me encontrarei com ele esta noite Jane?
Piscando, Jane afastou o olhar da janela da carruagem Berne para pousá-lo
em sua irmã Maureen, sentada ao seu lado. Com suaves olhos castanhos, feições
arredondadas, embora simétricas, e o cabelo castanho claro que sempre parecia
estar iluminado pelo sol, Maureen era indiscutivelmente a mais bonita das cinco
filhas Huxley, por isso, Jane respondeu relaxadamente: —Se não for esta noite,
querida, será em outra. Não se preocupe.
Maureen assentiu e lhe sorriu melancólica. Jane lhe bateu no braço. Desde o
verão anterior, quando sua irmã mais velha, Annabelle, casou-se com Lorde
Robert Conrad, Maureen tinha tido fantasias em torno de encontrar seu próprio
amor verdadeiro. Dois anos mais jovem que Jane e em sua primeira temporada,
às vezes necessitava de tranquilidade.
Do lado oposto da carruagem veio uma ácida advertência de sua mãe.
—Não trouxe um livro longo, não é, Jane?
Jane sentiu que sua boca se esticava.
—Não, mamãe.
—Como espera conseguir um pretendente adequado nas páginas de uma
novela? Me atreveria a dizer que isso é impossível.
—Sim, mamãe.
—Não deveria precisar te recordar que esta é sua terceira temporada.
—Não, mamãe.
—Deve aproveitar cada oportunidade. Deus sabe quanto tempo se
apresentarão estas ocasiões.
—Sim, mamãe.
Seu pai, sendo o homem bondoso que era, pegou a mão de sua mãe na sua e
a apertou.
—Deixa-a, Meredith. Ela concordou em vir, não é assim? — Deu uma
piscada à Jane.
Realmente, Jane não havia precisamente concordado em ir ao baile de Lady
Gilforth. Em troca, lhe tinham informado que aconteceria e se esperava que
acompanhasse seus pais e Maureen, e que a proibiam de levar a novela que
estava lendo quando sua mãe entrara na biblioteca. Antes que um protesto
tivesse saído de seus lábios sua mãe havia elevado uma mão e dito: —Confio
que entende completamente. — Suas sobrancelhas arqueadas espectadoras
sobre seus olhos castanhos.
Que mais podia dizer Jane que não fosse: "Sim, mamãe"?
Durante as duas últimas temporadas tinha decepcionado a sua doce e bem-
intencionada mãe até a beira do desespero. O fantasma da solteirice de sua
segunda filha tinha acrescentado mais uns fios brancos ao cabelo castanho de
Meredith Huxley.
Por uns breves momentos Jane tinha contemplado contar à sua mãe sobre
Colin Lacey, embora só fosse para aliviar as preocupações de que ela era incapaz
de uma interação cordial com um cavalheiro. Tinha rejeitado a catastrófica ideia
um instante depois que lhe tinha ocorrido. O comportamento de Lorde Lacey,
embora encantador, não era o de um pretendente. Era amável e divertido, mas
frequentemente parecia distraído, como se sua mente estivesse preocupada com
outros assuntos.
Tendo sido testemunha de uma série de matrimônios por amor desenvolver-
se diante de seus olhos, incluindo os de sua melhor amiga e de sua irmã,
entendia a diferença. Ela se negava a despertar a esperança de sua mãe quando
era evidente que ele tinha em mente a amizade em lugar de um apego
romântico.
Felizmente Genie tinha demonstrado ser uma aliada bastante inteligente
para camuflar o propósito de suas saídas. Havia custado à Jane quase toda sua
mesada, é claro, mas estava aprendendo muito sobre o talento oculto de sua
irmã para o subterfúgio.
Ela suspirou e voltou a olhar pela janela da carruagem à movimentada rua.
Lady Gilforth vivia do outro lado de Mayfair. Como eles tinham sua residência
na rua Grosvenor de Londres, a viagem de carruagem era toleravelmente breve,
sendo assim não estava obrigada a escutar sua própria mãe expressando em voz
alta sua preocupação a respeito de muitas jovens demasiadamente sensatas que
escolhiam "livros de contos e poesia ao invés de assegurar um grande matrimônio".
Jane não a culpava por sua consternação. Na aparência, sua mãe e ela eram
muito parecidas: mais roliças do que era permissível; um breve e redondo nariz
que a maioria descreveria como chato; e acoloração que se mesclava muito bem
com os painéis de madeira. Mas em todo o resto, Jane e sua mãe eram um
estudo de contrastes: Lady Berne era efusiva, amável, cálida. Desde sua
juventude o humor e a amabilidade de sua mãe tinham brilhado, atraindo
numerosas amizades e a atenção do pai de Jane, o futuro conde de Berne, em
sua primeira temporada. Annabelle, a mais velha das cinco filhas, compartilhava
esta disposição, igualmente Maureen e Genie e inclusive a jovem Kate, embora
em menor grau.
Jane, para dizê-lo simplesmente, não a compartilhava.
Não achava estranho que sua mãe estivesse confusa pela incapacidade de
Jane em atrair algum pretendente. Ela nunca tinha sido designada a viver nas
margens dos salões de baile com as solteironas e as encostadas, ou, como Jane
as tinha apelidado de forma privada, as flores raras.
Ela inalou e se moveu sutilmente em seu assento, sentindo a carruagem
diminuir a velocidade à medida que se aproximavam da casa de Lady Gilforth.
Como ia suportar um baile inteiro sem um livro para lhe fazer companhia?
Esperava-se que observasse a multidão, maravilhada pela capacidade de Sir
Barnabus Malby de recordar os passos de uma dança enquanto ficava
hipnotizado por um corpete que passava? Ou talvez deveria admirar a risada
semelhante a um relincho de Penelope Darling ante cada ocorrência tediosa de
Lorde Mochrie?
Para falar a verdade, era suficiente fazer o que qualquer garota
"demasiadamente sensata" faria, correr e se esconder no terraço mais próximo. É
óbvio, Vitória havia tentado isso, e tinha se arruinado completamente. Então
talvez não fosse a melhor ideia.
—Jane, vem?
Sua cabeça girou para a porta aberta da carruagem através da qual podia ver
seus pais e irmã olhando-a à espera.
—É claro — murmurou descendo rapidamente da carruagem. Ajustando o
xale de caxemira sobre seus ombros, não pôde reprimir um estremecimento de
terror.
Maureen enlaçou um braço através do dela.
—Imagina. Esta pode ser a noite que recordaremos pelo resto de nossas
vidas.
Dando à sua irmã um olhar de soslaio, Jane elevou uma sobrancelha cética.
— Eu vi isso. — Veio a reprimenda habitual de sua mãe seguida por uma
advertência. — Por favor, demonstre que é capaz de ser agradável e simpática,
Jane. Não permitirei que se diga que minha filha é grosseira. A influência de
Lady Gilforth está crescendo com rapidez, e Lorde Gilforth é muito admirado
dentro da Câmara dos Lordes. Os melhores cavalheiros devem estar presentes.
— O brilho de luta em seu olhar era alarmante, em geral sua mãe era alegre.
Logo, entretanto, a razão atrás de seu ardor foi revelada: — Sei de uma boa
fonte que se espera a Sua Graça.
O ofego de Maureen ecoou no coração de Jane, embora provavelmente por
razões diferentes.
—Wellington? Pensei que ainda estava em Paris — interveio seu pai.
O leque de sua mãe tocou o braço de seu marido enquanto ela estalava a
língua.
—Não Wellington. Blackmore.
A compreensão no rosto de Lorde Berne foi seguida rapidamente por um
brilho divertido.
—Nesse caso, vocês, meninas, devem comportar-se o melhor que puderem.
—Precisamente. — Mamãe dirigiu sua afirmação enfática à Jane, que
agarrou seu xale um pouco mais forte enquanto esperavam que os outros
convidados abarrotando a porta de Lady Gilforth avançassem. Isto mostrava
que ia ter uma multidão.
Suspirando com graça, Maureen comentou: —Ele é muito bonito. E
distinto.
E intolerável, acrescentou Jane em silêncio. Um crítico, pomposo rei do gelo que necessitava
mais que tudo de um forte golpe em seu... orgulho.
—A fortuna e o título acrescentam um certo atrativo também, atrevo-me a
dizer.
Jane olhou seu pai com o cenho franzido, que lhe sorriu como se
compartilhassem uma brincadeira privada, e logo estendeu o braço a mamãe
para que pudessem entrar no vestíbulo de Lady Gilforth. Às vezes ela não
entendia as brincadeiras de seu pai. Para ela o Duque de Blackmore era o tema
menos divertido imaginável, a menos que alguém o imaginasse recebendo um
castigo.
Na temporada passada Blackmore inclusive tinha se atrevido a repreendê-la
diretamente na própria casa de Jane, nada menos. Era só a segunda vez que
tinham tido ocasião de falar. É claro, ela e Genie tinham estado brigando, como
as irmãs tendiam a fazê-lo, mas como ia saber que o maldito oitavo Duque de
Blackmore estaria espreitando nas sombras da sala de sua família, esperando
para falar com Lorde e Lady Berne? Só depois que ela tinha ameaçado atirar
Genie à lareira ele tinha revelado sua presença, as mãos atrás de umas costas
rígidas, a mandíbula apertada, não deixando que um pingo de emoção escapasse,
depois de tudo. Se houvesse sido qualquer outra pessoa o haveria descrito como
irritado de desaprovação. Mas Blackmore não se irritava, não se enfurecia. Era
como o fio de uma espada: implacável e preciso. Tinha-lhe tomado uns poucos
segundos para reduzir Jane, fazendo-a sentir-se como se tivesse dez anos sendo
surpreendida experimentando o brandy de seu pai ou escondendo um sapo no
bule de prata de sua mãe.
Respirando fundo, Jane recordou que, inclusive se ele se dignasse a ir ao
baile de Lady Gilforth, estaria muito ocupado defendendo-se de senhoritas com
a mente no matrimônio e de suas mães vorazes para notá-la. Certamente por
cortesia saudaria seus pais, possivelmente faria uma reverência à Maureen e a ela,
mas provavelmente isso seria todo o grau de sua interação.
Ela bufou e ajustou os óculos, a seguir alisou brandamente a seda primaveril
amarela de seu vestido ao longo de seu quadril. Só necessitaria uma reverência e um
"Sua Graça", nada mais Jane. Sentindo afrouxar a opressão em seu ventre
enquanto esperava que o mordomo de Lady Gilforth os anunciasse, seus olhos
examinaram rapidamente as extremidades do longo e amplo salão. Ao longo de
uma parede azul pálida estava uma fila de sofás de cor creme e cadeiras de
veludo azul escuro já meio povoados por figuras conhecidas: a azeda e magra
senhorita Sutherland, agora em sua quinta (e possivelmente última) temporada.
A anciã Lady Darnham, cujo rosto parecia estar formado em sua totalidade por
dobras em forma de sorriso. A alarmantemente alta e ruiva senhorita Lancaster,
com sua desafortunada tendência a esmagar os pés dos cavalheiros enquanto
dançavam... e caminhavam... e, por estranho que parecesse, enquanto jantavam.
Ah, sim. Esboçou um sorriso irônico. As flores raras estavam bem representadas
naquela noite. Seus olhos se dirigiram a um par de portas abertas na parede do
fundo, as que davam ao salão onde Lady Gilforth tinha colocado os refrescos.
Mmm. Se ela fosse sentar-se no extremo próximo da parede das flores raras
poderia fazer uma viagem ocasional às mesas de refrescos. Apenas uma viagem
emocionante, mas uma forma aceitável de distrair-se e ajudar que o tempo
passasse mais rapidamente. Sim, com efeito. Um plano estupendo.
Uma brusca cotovelada em suas costelas fez com que os olhos de Jane
pousassem em Maureen.
—Mamãe tinha razão - sussurrou sua irmã teatralmente atrás de seu leque.
— Ele está aqui. Supõe que está procurando esposa?
Jane seguiu o olhar de Maureen. Não foi difícil localizá-lo, mais alto que
John, seu irmão, que media um metro e oitenta, Blackmore ultrapassava por
meia cabeça a maioria dos outros cavalheiros. Ela também tinha que admitir a
contragosto que Maureen não tinha exagerado quando o tinha achado bonito.
Era-o. Bastante.
A mandíbula que sempre parecia estar apertada era forte, quadrada e magra.
Um nariz reto, refinado, atuava como uma âncora simétrica entre maçãs do
rosto altas assentadas por baixo de um par de penetrantes olhos cinza azulados.
No geral, obrigada pela honestidade, sua loira beleza masculina era inegável,
quase da mesma maneira que os mármores do Elgin eram objetivamente
magistrais. Jane imaginava que se a nobreza inglesa tivesse um panteão de
deuses como o dos antigos gregos, ele poderia considerar-se seu Apolo, exceto
que Apolo nunca tinha sido tão influente como o Duque de Blackmore, nem tão
intimidante.
—Bom, se ele estiver aqui para encontrar uma duquesa ou não —
respondeu Jane finalmente— recomendo manter distância. Entendo que o
congelamento é bastante doloroso.
Uma hora mais tarde Jane estava agradecida por sua estratégia de fazer
viagens ocasionais às mesas de refrescos. Lady Gilforth superou a si mesma.
Para saciar o apetite dos farristas até o jantar havia dois compridos aparadores
com uma ampla variedade de guloseimas, desde pequenos bolos de queijo às
bolachas recheadas. Qualquer pessoa que tinha ido a um baile sabia o que era
sentir-se faminto até o momento em que se anunciava o jantar. Tais oferendas
no intervalo eram mais que bem-vindas. Além disso, no centro de cada aparador
havia uma fonte de prata com um delicioso ponche: doce, ácido e um pouco
picante.
Jane serviu sua quarta taça perguntando-se se desta vez poderia discernir
aquela indescritível especiaria. Canela? Ela sacudiu a cabeça. Não. Não canela.
Mas talvez fosse uma mescla de vinho quente com especiarias e laranja. Isso
tinha mais sentido. Cravo-da-índia, canela, noz moscada poderiam em conjunto
produzir um sabor embriagador. Talvez inclusive um pingo de pimenta.
Parada nas portas que davam ao salão, viu os bailarinos girarem ao redor do
centro da pista em um conjunto. Quantos conjuntos tinha observado em suas
últimas três temporadas? Muitos.Valsas? Muitas. Os movimentos de cada
temporada eram os mesmos, e Jane se fartou profundamente de todos e de cada
um deles.
Suspirando, deu outro gole e desejou uma agradável e amena novela.
Ser uma flor rara lhe dava uma perspectiva única no padrão dos eventos da
alta sociedade, já que era capaz de observar os movimentos e repetições sem
participação direta. Seu irmão, que estava em seu grande giro pelo continente,
tinha enviado recentemente uma caixa cheia de tesouros à Casa Berne, incluindo
um relógio fascinante que, ao atingir a hora, estendia um pequeno pássaro em
um ramo de uma fissura em cima da esfera do relógio. A ave, que não tinha
vontade própria, era controlada unicamente pelo movimento regular do
mecanismo de relojoaria.
Assim era como ela considerava os movimentos da temporada em Londres:
gestos de cor orquestrados por um aparelho imune aos seus objetos. Reverência,
giro, reverência, risada, leque, sorriso, inclinação, e outra vez. E outra vez. Os
mesmos movimentos. A mesma rotina. Supunha que havia uma razão para tudo.
As mulheres deviam encontrar maridos e os cavalheiros deviam encontrar
esposas. Mas, ao estar quase fora do processo, não podia deixar de observar sua
monotonia.
Dentro de sua mente ela começou uma carta à Annabelle, que agora estava
felizmente livre de tais obrigações, havendo se casado em agosto passado. Por
certo Annabelle tinha adorado a temporada com todos os seus atrativos,
insistindo em desfrutar duas antes de casar-se com Lorde Conrad, a quem havia
amado com devoção desde a infância.
Querida Annabelle, escreveria Jane. Os refrescos de Lady Gilforth são magníficos.
Durante quase dois minutos de cada vinte deixo de suspirar por uma novela que me permita
esquecer minha miséria, e simplesmente desfrutar de seu ponche com suas especiarias
engenhosas. Suspeito que contém mais que uma pequena quantidade de vinho.
Baixou o olhar vendo os restos de sua quarta taça. Sentindo um agradável
calor, colocou-a em uma bandeja e se preparou para a longa viagem de volta ao
seu assento junto à parede. Ao entrar no salão um grito masculino de dor surgiu
do centro dos bailarinos do conjunto, atraindo sua atenção.
—Céus, Sir Barnabus, isso foi seu nariz? — O cabelo vermelho fogo de
Charlotte Lancaster era visível por cima da maioria das cabeças das outras
mulheres, e inclusive das de muitos cavalheiros. — Perdão. Temo que meu
cotovelo tem uma mente própria. Está bem? - Jane a tinha ouvido desculpar-se
por sua estupidez habitual, mas a senhorita Lancaster ordinariamente soava mais
sincera. O nariz deslocado de Sir Barnabus Malby era provavelmente menos
culpado que seus olhos errantes. A senhorita Lancaster tinha noções mais
modernas sobre tais coisas. Assim como, Jane. Mas inclusive o corpulento e
fedorento Sir Barnabus não pedia uma dança à comum Jane Huxley. Bom,
decidiu ela, há benefícios em ser ignorada, depois de tudo.
Mordendo o lábio, elevou-se nas pontas dos pés para ver se podia obter uma
visão do rosto do homem. Talvez a senhorita Lancaster lhe tivesse feito sangrar
o nariz. Agora isso seria interessante. Uma lapela negra apareceu em frente a ela.
Ela se moveu à sua esquerda, mas também o fez a parede masculina que levava
casaco negro e gravata branca. E agora estava mais perto, obscurecendo ainda
mais sua linha de visão. Deslizou para sua direita. Uma vez mais o cavalheiro
deslizou na mesma direção. Soprando exasperada, elevou a vista para ver quem
estava tão incrivelmente decidido a interpor-se entre ela e a comoção.
—As pessoas poderiam esperar um melhor comportamento de uma dama
entrando em sua terceira temporada - modulou a inconfundível voz precisa e
cortante de seu rival desde sua elevada altura. — Talvez fosse esperar muito.
Com os olhos dilatados, o coração pulsando com força contra seu peito,
Jane sentiu o odiado calor da vergonha queimando-a em uma onda. Blackmore.
O grande deus dourado da alta sociedade a estava criticando por ter uma
simples e natural curiosidade. A última vez que tinha feito algo similar tinha sido
no salão de sua família. Ela e Genie tinham estado discutindo sobre um livro
que Genie tinha roubado. Jane fazia uma vã ameaça de jogar sua irmã na lareira.
“Que livro é tão precioso, pergunto-me, que a leva a ameaçar queimar a irmã?”
Lembrou-se de sua voz cortante e fria. “Nada a dizer, então?” E ela tinha ficado
muda, paralisada pela vergonha da acusação, sem importar o injusto que pudesse
ser.
Era o mesmo agora, como se todo um ano não tivesse passado, como se em
troca, sua única tarefa tivesse sido a de permanecer em pé diante dele à espera
de sua dura avaliação. Como se atrevia? Nem sequer seu pai ou seu irmão, e
qualquer um deles que teria o direito, a repreenderia assim. Quem era para ela o
maldito Duque de Blackmore? Ninguém. Era o irmão de Vitória, não dela.
Portanto é problema de Vitória. Não meu.
Retrocedendo um passo, ela limpou a garganta, preparando-se para oferecer
uma saudação igualmente gelada antes de escapar de novo ao assento das flores
raras. Mas "Sua Graça", que tinha a intenção de dizer algo, se negou a emergir.
Sua boca se moveu, mas sua voz não. Ela tragou sentindo o fogo carmesim
debaixo de sua pele penetrar como outra presença.
Jane sentiu os olhos cinza azulados viajar por seu vestido, fazendo uma
pausa no modesto decote e voltando para seu rosto. Frios e remotos, pareciam
estar catalogando suas feições como um dono de estábulos notaria a condição
de uma égua.
—Já dançou esta noite?
Piscando lentamente, maravilhou-se pela pergunta, que tinha falado à
contragosto, como se ele não desejasse estar ali absolutamente. Em nome dos
céus, o que ele estava fazendo? Por que continuava falando com ela? Este era o
tipo de coisa que um cavalheiro poderia dizer se estivesse tentando persuadir
uma dama a... não. Era impossível. Precisava lhe proporcionar uma
oportunidade aceitável para retirar-se. Isso era tudo.
Ela sacudiu a cabeça e tragou saliva, seus olhos movendo-se com rapidez
entre ele e a porta do salão.
—Temo que o calor me causou uma sede espantosa. Estava a ponto de ir
pegar outro copo de ponche quando o senhor chegou.
Uma única sobrancelha aristocrática se elevou.
—De novo? Não é este o quinto?
Pela segunda vez esta noite Jane ficou estática ante uma declaração do
Duque de Blackmore. Tinha-a estado observando? Um estranho calafrio queimou
sua pele, diferente do rubor que a tinha engolido antes, mas igualmente quente.
—Ninguém deveria requerer tanto refresco - afirmou com segurança. —
Talvez se dançasse não se sentiria inclinada a consumir tal quantidade.
E o Rei do Gelo retorna, pensou. Bem, ao menos é previsível.
Os ombros de Blackmore se endireitaram ainda mais, a mandíbula
inclinando-se em um ângulo arrogante.
—Uma valsa começará logo. Consentirá em dançar comigo?
Depois de um novo estudo, talvez não tão previsível.
Ela teria ofegado, mas não era capaz de encontrar seu fôlego. Ou a
capacidade de mover-se. Lhe tinha pedido para dançar. Ele, denominado por
unanimidade o Partido da Temporada, de cada temporada, tinha pedido a ela, a
quinta-essência das flores raras para dançar uma valsa.
Visivelmente contrariado por seu silêncio, o alto e loiro Apolo da
aristocracia disse entre dentes: —Quando se pede a uma dama para dançar
costuma-se responder.
Ele estava correto. Ela devia responder. E o faria. Apertando os dentes, Jane
reuniu cada ápice de coragem que encontrou dentro de seu redondo e comum
corpo de solteirona e lhe deu a resposta que merecia.
—Não. — Surgiu como um sussurro. Tragando além de todo temor, repetiu
a palavra com sua voz normal, por mais afogada que pudesse ser. — Não. Não
creio que dançarei com você, Sua Graça.
CAPÍTULO 05

"Ela é seu próprio pior inimigo, Meredith. Recorde minhas palavras, um dia não terá
mais remédio que estar de acordo comigo." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady
Berne enquanto discutiam as perspectivas da futura solteirice de Jane Huxley.

Era dolorosamente óbvio que o Duque de Blackmore não estava


acostumado à rejeição. Franziu o cenho; a perplexidade entrecerrou seus olhos.
Como se esperasse que ela corrigisse sua própria declaração, olhou-a com
ferocidade, aguardando.
Ali ficaram, ambos parados numa ilha silenciosa no meio dos ruídos de bate-
papo e música.
Jane sentiu o impulso irresistível de retorcer-se, mas se obrigou a seguir
encontrando seu olhar e não dizer nada. Talvez seu vermelho brilhante acabaria
lhe desgostando, e ele a deixaria com seu ponche especial e poltrona de veludo.
—Sua Graça! — A exclamação de sua mãe fez com que o coração de Jane
batesse mais forte. Oh, céus. Saudando-os, sua mamãe se separou de um grupo de
matronas perto da borda de onde a senhorita Lancaster tinha detido o baile
temporariamente. — Que prazer mais inesperado. Passou-se muito tempo. —
Sua mãe se aproximou de Jane e fez uma reverência a Blackmore, que se
inclinou com rigidez, seu cenho relaxando-se.
—Lady Berne — disse simplesmente.
As pessoas poderiam ter pensado que seu tom era bastante frio, mas Jane
suspeitava que para Blackmore não era nada fora do normal. Certamente não
perturbou a sua mãe, que dedicou ao homem um sorriso radiante.
—Lorde Gilforth me assegurou que uma valsa começará em um momento.
Ele ficou imóvel, apertando os lábios em uma linha sombria.
—Possivelmente, se você não está comprometido com outra pessoa, minha
Jane seria um par adequado?
Oh. Oh, não.
No passado sua mãe a tinha pressionado para que conversasse com os
cavalheiros, tinha-a animado a procurar mais ativamente sua atenção, a cada
temporada tinha insistido em comprar novos vestidos, mais favorecedores. Mas
nunca, nunca tinha solicitado diretamente uma dança em nome de Jane. E
solicitar ao todo importante Duque de Blackmore era... não encontrava as
palavras. Insuportável estava perto, mas não conseguia capturar a natureza
estrondosa de sua mortificação.
Ao que parecia, Blackmore estava inclinado a ver a sugestão como um
aroma pútrido flutuando diante dele, porque seu queixo de bordas duras se
angulou mais para cima, e dilatou suas narinas com desagrado.
—Fiz tal oferta, senhora, e foi rejeitada.
Perguntando-se impassível se sobreviveria a esta noite, Jane observou como
os olhos de sua mãe se estreitavam, inclinava a cabeça e apertava os lábios. Isto
era ruim. Muito ruim, na realidade.
De repente, sua mãe adotou um sorriso agradável. Envolvendo a mão
discretamente no cotovelo de Jane, apertou-a mais do que o necessário e se
dirigiu a Blackmore.
—Tolices — declarou. — Um mal-entendido, isso é tudo. Ela ficaria
encantada de dançar com você. — As garras ficaram mais afiadas, quase
dolorosas. — Não é assim, Jane?
Pois bem, em função da preservação de seu braço, e muito possivelmente de
sua vida, Jane supunha que uma dança com o Rei do Gelo não era pedir muito.
Inclinou a cabeça em sinal de assentimento.
Rigidamente - parecia que ele fazia tudo rigidamente - o duque se inclinou e
lhe estendeu uma mão enluvada de branco.
—Lady Jane.
Ela deslizou sua própria mão na sua, e ele brandamente a transferiu ao seu
braço. O movimento a aproximou muito mais dele do que tinha estado alguma
vez. Fracamente notou que ele cheirava bem, como roupa de cama recém-lavada
secando ao sol. Deve ser a goma no lenço, pensou. Um montão disso, sem dúvida. A coisa
poderia ficar de pé e saudar Wellington sozinha.
Dando uma olhada ao lado, ficou pasma por suas diferenças. Ele a
ultrapassava em mais de trinta centímetros. Forte e magro, embora muito mais
largo de ombros do que se percebia à distância. Bonito como Hades…
pensando bem, Apolo era provavelmente mais adequado, então ficaria com essa
comparação. De toda forma, ele era tudo o que ela não era.
Devemos parecer um casal ridículo. Seu olhar se precipitou ao redor da sala. Sou
muito baixa para ver além da aglomeração. Ela não queria ver a consternação
zombadora que certamente ia encontrar em todos os rostos.
Começando a dança, Blackmore conseguiu fazer que o desnível de suas
alturas fosse menos complicado do que previra, cortando seus passos e guiando-
a com fluidez através dos giros da valsa. Uma vez mais um grande e profundo
silêncio prolongou-se e caiu entre eles. Dois minutos mais tarde, entretanto,
tinha que admitir que a dança em si era bastante... encantadora. Controlada.
Grácil.
Antes que pudesse pensar melhor, sua observação deslizou para fora de sua
boca.
— O senhor… dança muito bem, Sua Graça. É surpreendente.
Ele arqueou as sobrancelhas, então seus lábios firmes e retos se esticaram.
—Se acreditava que eu era um mau par para a valsa, talvez isso explique sua
rudeza de antes.
Ela ficou rígida, diminuindo o giro, mas ele aplicou pressão em suas costas, e
continuaram sem sequer uma pausa.
—Não são minhas maneiras que deveriam estar em questão, e sim as suas
— murmurou com fúria.
—Só uma menina acreditaria nisso.
Lançou um olhar fulminante além de sua mandíbula exasperantemente
perfeita, chocando-se com seus olhos cinza azulados, que cintilavam como a luz
do sol refletindo-se em gelo novo.
—Não sou uma menina. E agradecerei que deixe de me tratar como uma.
—A idade é simplesmente um número que indica o passar do tempo, Lady
Jane. A maturidade se mede melhor pelas próprias ações e comportamento,
áreas que necessitam melhoras no que concerne a você.
Jane moveu a mandíbula enquanto se esforçava para respirar.
— O senhor é uma criatura estranha, Sua Graça. Temo que nunca conheci
ninguém tão pomposo e terrivelmente mal-educado.
Seu cenho se aprofundou.
—Não é má educação dizer a verdade.
—Então, me permita lhe devolver o favor. O senhor é insuportável.
A sugestão mais elementar de um rubor deslizou ao longo de suas maçãs do
rosto.
—Lady Jane, encontro-me no final da minha paciência. Esta é a última vez
que estou de acordo em fazer um favor à minha irmã quando envolver
senhoritas descaradas que carecem do sentido de discernir entre um duque e um
cavalo de carga.
A declaração a deixou fria. Mesmo a cotovelada de Blackmore não pôde
fazê-la mover-se. Sem fôlego, os braços pesados e flácidos, Jane perguntou: —O
que Vitória tem a ver com isto?
Pela primeira vez na noite, ou nunca, que ela pudesse recordar, ele parecia
claramente incômodo. Depois de piscar várias vezes limpou a garganta: —Ela
me pediu que se a visse durante a temporada, me oferecesse para ser seu par em
uma dança.
Antes de terminar sua declaração os olhos de Jane se fecharam para não
enfrentar a verdade, sua cabeça caiu para frente, pendurada entre eles. Doía.
Profundamente. Inclusive a melhor amiga de Jane acreditava que ela era tão
patética que tinha recrutado seu irmão como seu par de dança. Respirando
através da dor apertada em seu peito, Jane tratou de liberar suas mãos.
—O que está fazendo?
A música continuava tocando, mas ficava pouco da canção. Sem dúvida
poderia retirar-se à sua poltrona no outro extremo da sala e voltar para a bendita
escuridão. Certamente ele a deixaria ir.
Mas ele não o fez. Suas costas davam à multidão, a dela, a uma parede. Seus
braços permaneceram em seu lugar, negando-se a liberá-la.
Provavelmente preocupado de que o envergonharei. Não deve passar disso.
De repente, tudo foi muito. Ele era muito. Ela tinha que dizer algo para
convencê-lo a deixá-la ir. Com os olhos fixos em seu lenço bem engomado,
juntou fôlego, ira e coragem.
—Possivelmente tenha razão Sua Graça - disse em voz baixa. —
Possivelmente não tenho o senso de diferenciar um duque de um cavalo de
carga. Mas tal coisa poderia resultar mais fácil se o primeiro não se parecesse
tanto ao traseiro do último.
A música terminou. Ele deixou cair os braços.
Girando, virou-se e partiu pela extremidade do salão, deslizando-se mais
para lá de um grupo de homens discutindo a respeito de uma excursão ao
Tattersall, e de cinco jovens damas abanando-se furiosamente no intento de
chamar atenção. Todos eles eram um borrão para Jane.
Fracamente ouviu Penelope Darling rir muito forte ante uma das
ocorrências de Lorde Mochrie. Logo, uma desculpa brusca de um ancião que
deu uma cotovelada no ombro de Jane. Ela não o sentiu. Sua única missão era
voltar para o salão, e de lá para o corredor, e de lá...
De lá…
Não sabia.
Como filha de um conde não lhe permitiam uma rota de escape.
Apareceu a entrada do salão. Ela deslizou fora do lotado salão e
imediatamente deu graças aos céus por lhe permitir um sopro de ar menos
pesado. Frente a ela os lacaios trabalhavam com rapidez e eficácia para organizar
as longas mesas para o jantar. À esquerda, um conjunto de portas abertas a
chamava.
Não era uma solução perfeita, mas ao menos lhe daria um alívio temporário,
um pouco de intimidade longe dos parvos da alta sociedade com suas nervosas
risadas. Deu um passo para o espaço escuro e silencioso. Duas criadas passaram
junto a ela sem se preocuparem em fazer uma reverência. Jane estava
acostumada a tal desprezo de sua posição. Muitas, muitas pessoas pareciam
quase incapazes de fixar-se nela. Muito frequentemente encontrava-se
alternando entre o divertimento e a irritação. Esta noite era um alívio.
A casa de Lady Gilforth não era muito decorada ou ostentosa. Melhor, era
discretamente elegante, as paredes do corredor com painéis de madeira escura,
nogueira, talvez. O salão e o refeitório estavam combinados em tons de azul e
verde acentuados pelas molduras brancas e móveis estofados em tom rubi.
Nenhuma das habitações que Jane tinha visto eram excessivamente grandes,
entretanto pareciam espaçosas e luminosas. Mas ali, no corredor tranquilo, a
cálida madeira escura parecia quase uma amiga, uma promessa de guardar seus
segredos. Ela chegou até o final do corredor e tentou abrir uma porta. Girando a
maçaneta lentamente abriu a porta uns meros centímetros, notando a falta de
iluminação.
Ah, sim. Perfeito.
Muitas casas em Mayfair se construíram seguindo linhas similares às da Casa
Berne, e em sua casa havia um armário neste mesmo lugar ao final de um
corredor. Olhou para trás para assegurar-se de que o duque não houvesse
decidido fazer algo extravagante como segui-la, por exemplo.
O que viu quando se voltou a fez dar um recuo e bater as costas contra a
porta. Fechou-a com um ruído forte. Fazendo uma careta, ela piscou e ajustou
os óculos. Não, ela não estava imaginando coisas. Ali, com sua loira cabeça
girando daqui para lá enquanto inspecionava o corredor, estava o outro irmão de
Vitória, Colin Lacey.
O ruído ao fechar a porta deve lhe haver alertado, porque ele olhou em sua
direção, e logo se equilibrou para a frente quando a reconheceu.
—Lady Jane! - Um sorriso lhe dividiu o rosto, mostrando os dentes brancos
na penumbra. — Parece que sempre a encontro nos corredores.
Ela levantou uma mão.
—Lorde Lacey, devo lhe advertir que neste momento não estou em uma
posição favorável para ninguém de sua família.
Ele se deteve.
—Não entendo.
—Vitória o enviou também? Disso tudo que se tratou ?
Aproximando-se um metro dela ele se atreveu a parecer desconcertado e
preocupado.
—Me enviar? Não falo com Vitória há meses.
—Por que atribuir a só um irmão a desagradável tarefa de ter piedade da
pobre e comum Jane Huxley quando pode enviar os dois?
Ele tomou uma respiração profunda para responder, então pareceu lhe faltar
o ar, lançou-o em um assobio enquanto negava com a cabeça.
—Tem-me em desvantagem, Lady Jane. Não tenho a menor ideia do que se
refere.
Seu desconcerto parecia autêntico, obrigando-a a reconsiderar sua suposição.
—Vitória não lhe pediu que fingisse um cortejo?
A risada repentina de Lorde Lacey provocou um incômodo rubor que fez
cócegas nas bochechas de Jane.
Ao vê-lo ele imediatamente fez um gesto e esclareceu: —Por favor, não
tome minha risada como zombaria. Não é por você, é por mim. Vitória levaria
uma cesta de cobras venenosas à sua porta antes de pedir que eu a cortejasse. —
O júbilo desapareceu lentamente em sua voz, sendo substituído por algo
parecido ao pesar. — Minha irmã tem uma opinião bastante ruim do meu
caráter. Merecidamente.
—Oh.
Ele sorriu brandamente.
—Conte-me o que aconteceu.
Ela sorveu pelo nariz e ajustou o xale um pouco mais forte ao redor de seus
braços.
—Isso não é importante. É suficiente dizer que observei fortes contrastes
entre você e seu irmão.
Lorde Lacey arqueou as sobrancelhas.
—E me alegra de coração que você não seja ele.
Outro sorriso curvou seus lábios, desta vez lento e cúmplice.
—Não pode imaginar o que me vi obrigado a suportar, Lady Jane.
—Ele é insuportável.
—Rígido.
—Cruel.
—Dissimulado.
—Alto.
Ele riu entre dentes.
—Alto?
Assentindo enfaticamente, ela explicou: —Ele se abate sobre mim como um
carvalho grande e imponente. Um carvalho reprovador e frio que nem sequer
deseja estar em minha presença, mas só suporta tal provação devido a sua irmã.
— Detendo sua fala potencialmente desastrosa, Jane apertou os lábios.
Os olhos de Colin se estreitaram com simpatia.
—Entendo. Harrison é pior quando acredita que está fazendo o melhor, não
importa o que nós, seres inferiores, podemos desejar para nós mesmos. O
Duque de Blackmore sabe o que é melhor.
—Precisamente! Quem é ele para emitir um julgamento?
—Só um homem.
Jane tragou saliva dando-se conta que ali havia alguém que a entendia,
realmente entendia quão mortificante era ser objeto de uma brincadeira imerecida.
Ela quis chorar por ter encontrado uma alma gêmea no momento preciso em
que necessitava de uma. Se fosse da classe chorosa possivelmente o teria feito.
Mas não era. Poderia perceber-se facilmente como uma debilidade, e tinha mais
que suficiente com o que lutar.
—Não deve ter sido fácil para você.
—Ter Harrison como irmão?
Ela assentiu.
Seus olhos ficaram sérios, logo tristes. Tragou visivelmente e afastou o olhar,
voltando com um sorriso vazio um momento depois.
—Contei-lhe da minha mais recente interação com o duque?
Sacudindo a cabeça sentiu despertar sua curiosidade. Isto seria outra história
divertida que terminava em uma abjeta humilhação para Blackmore? Sem
dúvida, isso era justo o bálsamo que necessitava depois daquela noite terrível.
Rir antes que ela devesse retornar ao salão e respirar o mesmo ar que Sua Real
Frieza durante o jantar.
Colin limpou a garganta.
—Trata-se de um colar. Do colar da minha mãe. Ou melhor, da nossa mãe.
Dele e minha. E de Vitória, é claro.
—Sim, sim. Sua mãe. Continue.
Ele sorveu pelo nariz. Puxou distraidamente a manga de seu casaco e baixou
o olhar para suas botas.
—Perdi-o.
Ela franziu o cenho.
—Perdeu o colar de sua mãe?
O olhar que lhe dirigiu foi tímido, mas também algo mais. Nervoso, talvez.
—É uma herança familiar destinada à futura duquesa de Blackmore.
—Como o perdeu…?
—Estava bebendo. Muito.
—Ah. Sim, bem. Isso explica.
Um suave sorriso esquentou seus olhos.
—Não completamente. Um amigo antigo, Lorde Milton, tinha curiosidade
sobre ele e me desafiou a mostrar-lhe. Assim o tirei da Casa Clyde-Lacey e o
levei à sua casa na cidade. — Ao ver sua consternação, acrescentou rapidamente:
— Um terrível engano, um dos muitos que agora estou tentando consertar.
Ela suspirou.
—Siga.
—De qualquer jeito, não recordo como, fui e retornei para casa sem o colar.
Quando mais tarde perguntei a Lorde Milton a respeito, afirmou que o levei
comigo, mas sei que não é verdade. Acredito que ele roubou deliberadamente o
colar como retribuição por sua própria má sorte nas cartas.
—Roubou uma herança familiar como compensação porque você o
derrotou na mesa de jogo? Que classe de cavalheiro…?
—Da classe baixa. Como já expressei…
Ela agitou uma mão.
—Sim, sim. Você está tentando reformar-se.
Ele assentiu.
—Com esse fim, recentemente confessei a perda do colar a Harrison. Ele
estava… aborrecido.
Soltando um sopro pouco elegante, ela perguntou: —O que disse?
—Que não deveria falar com ele de novo a menos que estivesse preparado
para devolver o que tinha perdido.
Ela cruzou os braços por baixo de seu busto tamborilando um só dedo
sobre a borda de sua luva comprida, justo por cima do cotovelo.
—Sabe, tenho um irmão e quatro irmãs, cada um deles tem me irritado em
grande medida em um momento ou outro. Mas nunca, nem uma vez, considerei
tirá-los da minha vida.
Colin encolheu os ombros dando a entender que fazia tempo que havia
renunciado a lutar contra a inflexibilidade de seu irmão.
—É seu modo de ser. Dificilmente pode culpá-lo. Ao menos me brindou
com a oportunidade de reparar o dano que causei. - Sorrindo fracamente, Colin
passou de um pé ao outro.
—Tem um plano para recuperar o colar?
Ele tinha baixado a cabeça para examinar uma vez mais suas botas, mas ante
sua pergunta levantou a vista, seu olhar estranhamente brilhante.
—Sim. — Endireitou os ombros como preparando-se. — Descobri o lugar
onde Milton esconde o colar. Ainda está em sua casa, aqui em Londres. Mas não
posso recuperá-lo enquanto ele está lá, já que certamente estará vigiando
sabendo que suspeito do roubo.
Ela franziu o cenho.
—Então, como vai ter acesso à sua casa?
—Não vou ter que fazê-lo. Tudo o que preciso fazer é afastá-lo, deixando a
casa vazia e sem vigilância durante várias horas, durante esse tempo qualquer
pessoa poderia facilmente entrar e recuperar o que é meu por direito sem que
ninguém se inteirasse.
No momento em que terminou seu olhar se centrou intensamente. Nela. A
implicação era inconfundível.
—Oh, não. Não, não, não. Estive de acordo em transmitir à Vitória minha
boa impressão a respeito de você, não em me converter em cúmplice de um
roubo.
—Não me atreveria a pedir-lhe...
—Não é o que acaba de fazer?
— …mas você é minha única esperança, Lady Jane. Deve ser alguém em
quem possa confiar que não fuja com o colar, alguém que não levante suspeitas,
nem que possam associar particularmente comigo. Prometo-lhe que não estará
em perigo em nenhum momento; eu farei todos os acertos. Só é necessário que
entre na casa do Milton, recupere o colar, e me devolva no dia seguinte.
—Sinto muito, Colin. Não posso…
—Harrison me deu um ultimato: recuperar o colar dentro de uma semana,
ou nunca voltará a falar comigo. E aconselhará Vitória a fazer o mesmo. Sem
dúvida espera que eu não o faça, e isto não é mais que uma desculpa para cortar
todos os laços. — Colin pegou suas mãos, as forçando a deixar seu corpo e as
apertando com as suas. — Por favor, Lady Jane. Você é minha única amiga
verdadeira.
Sua urgência era de fato grave. Ela sentiu que irradiava dele feito ondas.
Estava desesperado por sua ajuda. Mas como podia estar de acordo? Se a
apanhassem em um ato ilícito como aquele as consequências para sua reputação
seriam quase incalculáveis.
Por outro lado, não podia evitar imaginar a expressão do Duque de
Blackmore quando lhe apresentassem o colar que lhe tinha exigido como preço
por sua lealdade, imaginou vendo-se obrigado a retirar-se de sua posição rígida
para inclinar-se pelo perdão. Seria humilhante para um homem de sua natureza
que lhe demonstrassem que estava equivocado.
Por alguma razão isso importava à Jane… mais do que era devido. O Duque
de Blackmore. Humilhado. E sem ele sabê-lo, ela faria um papel fundamental.
Ela, a comum Jane Huxley, poderia pôr o Rei do Gelo de joelhos. Quão único
tinha que fazer era ser um pouco atrevida.
Por desgraça, "atrevida" era uma das muitas coisas que ela não era. Havia lido
sobre ser atrevida, sonhava com isso de vez em quando, foi testemunha disso
um par de vezes. Mas simplesmente ela não era.
Colin lhe apertou os dedos lhe recordando a necessidade de responder.
Olhou-o nos olhos. Um meio tom menos verde que os de Vitória, e um meio
tom menos cinza que os de Blackmore, seus olhos eram de um azul bastante
formoso. E bastante tristes.
No final foi isso o que a convenceu.
—Muito bem — ela disse devolvendo o apertão. — O que tenho que fazer?
CAPÍTULO 06
"Permita-me te ilustrar a distinção entre um erro e um escândalo: Confundir o esposo com
o lacaio é um erro. Confundir o lacaio com o esposo é um escândalo." - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao seu filho Charles depois da notícia das desafortunadas predileções de uma certa
viúva.

—Calças? — A incredulidade elevou a voz de Annabelle uma oitava


completa.
—Calças — Maureen confirmou acariciando a mão de Jane, que descansava
em seu colo. — E uma máscara.
De sua parte, Jane não podia suportar olhar à nenhuma de suas irmãs,
optando em seu lugar por olhar fixamente pela janela de seu dormitório.
Era a manhã seguinte ao maior erro de sua vida. E Annabelle, ao que
parecia, não era capaz de captar o mais simples dos conceitos. Sim, calças e uma
máscara. E sim, tinha sido surpreendida tentando roubar a casa de Lorde Milton de Londres.
Era tão difícil de compreender? Era irracional, certo, mas nada complexo.
—Bom, não acredito. Tem que haver algum engano. Jane nunca... — Sua
voz se apagou quando Maureen sacudiu a cabeça solenemente.
Annabelle lentamente se moveu para sentar-se no lado oposto de Jane em
um divã. Eram como uns parênteses, suas irmãs, emoldurando o desastre entre
elas. Annabelle deslizou sua mão sobre a de Maureen, que se mantinha em cima
da de Jane.
Que maldita embrulhada.
—Se necessitava de recursos não tinha mais que dizê-lo. Robert
generosamente me concederia um aumento, e então poderia te dar o que
necessitasse. Realmente, não havia necessidade de chegar a esses extremos…
Antes que Jane pudesse pronunciar uma palavra, Maureen respondeu: —
Não se tratava de recursos, Annabelle. Ela foi enganada por um vil farsante.
Os olhos de Annabelle, tão similares aos de Jane, abriram-se excessivamente.
—Quem?
—Lorde Lacey. — A resposta não veio de Maureen nem de Jane, mas sim
de Genie, que tinha colocado a cabeça na habitação.
Enquanto Annabelle ficava boquiaberta, Maureen perguntou: —O que faz
aqui, menina? Pensei que estivesse ocupada com sua aula de música.
—Papai me pediu que buscasse Jane. Quer falar com ela na sala.
O estômago de Jane desabou pelo que certamente devia ser um lance
completo de escadas. Papai era um tipo com senso de humor, de bom coração,
mas aquele horrível erro de julgamento de Jane seria uma prova para o mais santo
dos pais.
Felizmente Jane tinha irmãs para ajudá-la a ficar de pé, irmãs que a apoiavam
em cada um de seus cotovelos enquanto caminhava de qualquer jeito pelo
corredor, escada abaixo e para as portas fechadas do salão. Ali ficou parada,
flanqueada por Maureen e Annabelle, com Genie flutuando atrás. Juntas
olharam fixamente a madeira de cor parda dourada, talvez esperando transmitir
outro tipo de mensagem. Um que a loucura de Jane, em lugar de ser a causa de
sua ruína certa, fosse vista como uma brincadeira, alegremente descartada por
aqueles da alta sociedade que emitiam tais julgamentos.
—Talvez pudesse vir e ficar comigo e Robert por um tempo — Annabelle
sussurrou enquanto todas esperavam que ocorresse um milagre. — Não passará
muito tempo até o momento em que agradeça ter uma tia na casa.
Maravilhoso. Vou ser a tia solteirona que vive da generosidade de seu cunhado. Apesar
de estar agradecida pela oferta, não lhe entusiasmava converter-se em um
projeto de caridade. Além disso, não faria nada para resolver o problema central:
se ela estava arruinada, Maureen, Genie e inclusive a pequena Kate encontrariam
suas perspectivas de matrimônio gravemente diminuídas.
Respirando fundo, ela bateu na porta.
—Entre — disse a voz tranquila de seu pai.
Ao entrar na habitação viu seu papai afastar-se da janela, seu sorriso habitual
ausente, suplantado por uma exausta resignação. De repente, já não era seu
papai carinhoso, e sim um homem de muitos anos, o cabelo grisalho e fino, e
rugas na testa. Seus olhos cor de avelã que normalmente se enrugavam e
dançavam de risos agora estavam escurecidos e preocupados.
Tragando o nó em sua garganta, ela disse com voz rouca: —Sinto muito,
papai.
Os olhos cor de avelã suavizaram. Um doce e pequeno sorriso curvou sua
boca.
—Sei, querida. — Ele afastou o olhar por um momento e logo fez um gesto
para o sofá listrado em frente à sua poltrona verde favorita. — Vamos nos
sentar e pensar em como resolver este assunto, de acordo?
Enquanto se sentavam um em frente ao outro, Jane se perguntou se era
sequer possível sair por si só da armadilha que tinha saltado alegre e cegamente.
Vitória tinha se arruinado completamente na temporada passada, e com a ajuda
da família de Jane e uma boa amiga de mamãe, Lady Wallingham, sua reputação
tinha sido restaurada. Mas Lorde Atherbourne tinha pedido ela em matrimônio,
o qual tinha sido de grande ajuda para neutralizar suas indiscrições. Jane não
tinha tais perspectivas. Era tão provável que Lorde Lacey estivesse à altura das
circunstâncias como de que lhe brotassem asas e pusesse ovos para o café da
manhã.
Seu pai apoiou as mãos nos braços da poltrona e suspirou com cansaço.
—Queria falar contigo antes que chegassem Lady Wallingham e sua mãe.
—Lady Wallingham vem? — Ela sacudiu a cabeça, a negação e o desespero
em conflito dentro dela. — Terá que envolvê-la papai?
Vitória se referia à marquesa viúva de Wallingham como "o dragão". Era uma
boa descrição. Como amiga de alma de sua mãe e uma figura poderosa dentro
dos círculos de intrigas da aristocracia, tinha ajudado sem reparos a Vitória, a
irmã de um duque, quando lhe pediu. Mas nunca tinha parecido sentir uma
grande estima por Jane, criticando seu acanhamento e seu amor pelos livros
como "um prolongado e egoísta isolamento que atentava contra os próprios interesses". Além
da provável falta de inclinação do dragão para ajudar, Jane não podia ver como
mesmo uma matrona tão influente como Lady Wallingham poderia reverter o
dano. Simplesmente o erro era muito grave.
—Sua mãe insistiu – respondeu seu pai. — Mas temos maiores
preocupações ante nós. O que estava pensando Jane? — Sua presente
exasperação estava mais perto do que tinha esperado. Ela permaneceu em
silêncio para lhe dar a oportunidade de liberá-la.
Na noite anterior, ainda aturdida pela comoção, tinha resolvido explicar os
fatos crus da situação, mas tinha estado muito afetada para detalhar mais a
fundo. Depois de ter constatado sua segurança, seus pais tinham concordado em
atrasar as explicações até aquela manhã. Agora seu pai desejava uma recontagem
completa. Não podia culpá-lo. Sua estupidez o surpreendia, inclusive a ela.
—Sempre foi uma garota sensata. Este plano era, para dizer amavelmente,
de loucos. O que pôde te haver prometido Lorde Lacey em troca de colocar não
só sua reputação, mas também as perspectivas futuras de suas irmãs em perigo?
Encolhendo-se, Jane murmurou: —Nada. Não me ofereceu nada.
—Ajude-me a entender. Porque neste momento simplesmente não posso —
ele disse, as mãos abertas como suplicando aos céus em busca de respostas.
—Eu acreditei ser um amigo. Necessitava da minha ajuda, ou ao menos isso
pensei. Ele me deu sua palavra de que eu não estaria em perigo.
—Não te ocorreu que um amigo, pelo menos um cavalheiro, não te pediria
uma coisa assim? Não conceberia te pôr em tal perigo?
Ela piscou.
—Supus que as circunstâncias fossem extraordinárias. Tinha apelado à
minha generosidade antes, e então acreditei…
Seu pai endireitou-se em sua poltrona, os cotovelos apoiados nos braços.
—Atreveu-se a tomar liberdades…?
—Não! Nada disso, asseguro-lhe. Comportou-se como um cavalheiro —
tomou um segundo, e pela expressão de incredulidade de seu pai, refletiu: —
bem, até ontem à noite. Enganou-me a fim de ganhar uma aposta, não podendo
ser chamado de "cavalheiro", precisamente.
Felizmente seu pai pareceu tranquilizar-se e relaxar em sua poltrona.
—A sua mãe quase teve uma apoplexia. Vou fazer o que puder, mas tem
que saber que está fora de si. E muito determinada.
Tragando e apertando os punhos, que descansavam junto aos seus quadris,
ela assentiu com a cabeça e suspirou.
—Esperava isso.
— ... consciente de que solicitou privacidade, Godwin. Mas duvido muito
que tenha intenção de excluir a sua esposa. — As portas da sala se abriram de
par em par quando entrou sua mãe. Mas foi a mulher ao seu lado que fez com
que Jane se esticasse. Pequena como um pássaro, Lady Wallingham era uma
velha e magra mulher. Um dragão contido dentro de uma figura frágil, de cabelo
branco.
Seus afiados olhos verdes encontraram imediatamente Jane e se afundaram
em sua carne como garras.
—Não te disse que deixasse de ler aqueles fantásticos livros de romances,
Jane Huxley? — A voz de Lady Wallingham era aproximadamente duas vezes
mais forte do que caberia esperar de seu pequeno corpo. Jane, de vez em
quando, perguntava-se se era um pouco surda, mas não mostrava nenhum outro
sinal disso. — Amor verdadeiro e aventura estimulante. Puros disparates! Não é
de estranhar que se deixou enganar pelo primeiro descarado passavelmente
bonito que lançou um olhar em sua direção.
Antes que Jane pudesse responder sua mãe ignorou Lady Wallingham e
atentou para ela. Jane se voltou para trás em seu assento, mas sua mãe não
desanimou. Imediatamente agarrou Jane em um forte abraço, pressionando seu
rosto em seu peito e golpeando seus óculos.
—Oh, Jane — ela gemeu balançando-se para frente e para trás. — Como
chegamos a isto? Minha própria filha caída em desgraça. Nunca perdoarei aquele
homem.
—Dá-se conta de que ela mesma se desonrou, Meredith? — Foi a ácida
réplica de Lady Wallingham.
Sua mãe finalmente afrouxou seu agarre e se deixou cair sobre o sofá, o que
felizmente resgatou Jane da morte por asfixia. Entretanto, seu braço manteve-se
com firmeza ao redor dos ombros de Jane.
—Tolices. Teria estado na casa de Lorde Milton se não fosse pelas mentiras
daquela criatura desprezível? Eu acredito que não.
Lady Wallingham se sentou com ar majestoso na cadeira junto ao seu pai.
—Qualquer amigo de Benedict Chatham é suspeito. Ela deveria saber desde
o começo.
Isto fez com que sua mãe fizesse uma pausa enquanto esfregava
distraidamente o ombro de Jane.
—Agora que penso, por que Lorde Chatham te trouxe para casa, Jane?
Perguntou-se quando algum deles faria a pergunta. Ele não a havia
acompanhado até a porta, mas sua carruagem estava claramente marcada, e
quando chegou à Casa Berne, Maureen já havia descoberto sua ausência e
alertado seus pais. Tinham estado a ponto de lançar uma busca em grande escala
pela Grosvenor Street, por isso haviam saído precipitadamente quando a
carruagem de Lorde Chatham se deteve. Uma vez que tinha entrado na casa, ela
só tinha conseguido confessar o essencial de sua desventura antes de dissolver-
se em lágrimas uma vez mais. Não tinha sido sua melhor noite.
—De…depois que fui desmascarada, Chatham disse que os termos da
aposta se cumpriram, então insistiu em me acompanhar até em casa. Lhe disse
que podia caminhar porque a casa de Lorde Milton não está longe, mas ele foi
inflexível.
Lady Wallingham soltou um sopro. Ruidosamente.
Seu pai soprou aborrecido.
— As pessoas poderiam considerar cavalheiresco, salvo pelo fato de que
participou do plano.
Jane encolheu os ombros e moveu seus óculos, que ainda não haviam
recuperado sua forma correta depois de sua viagem através da janela da
biblioteca de Lorde Milton e do efusivo abraço de sua mãe.
—Não sei por que o fez — disse. — Possivelmente se arrependeu de sua
participação no plano de Lorde Lacey.
Um segundo sopro de Lady Wallingham foi seguido por: —Se isso for
verdade como o meu chapéu.
—Pouco importa a forma em que foi devolvida a nós — declarou sua mãe.
— Só que está a salvo.
—E depois meus sapatos!
Revirando os olhos, sua mãe olhou Lady Wallingham e logo apertou os
ombros de Jane a modo de consolo.

—Não se preocupe Jane. Para cada problema, há uma solução. Lady


Wallingham e eu não descansaremos até que a descubramos.
Desta vez Lady Wallingham elevou as sobrancelhas em direção à mãe de
Jane.
—Eu? — Perguntou com receio. — Nem você nem eu somos responsáveis
por retificar esta circunstância atroz, Meredith.
Seu pai soprou com desgosto.
—Se imagina que Colin Lacey arrumará as coisas, minha querida senhora,
temo que terá uma decepção.
—Não espero nada no estilo... — soprou Lady Wallingham — ... quem deve
se responsabilizar pela conduta difamatória do moço é Blackmore. Tem uma
dívida conosco por nossos esforços em favor de sua irmã.
O estômago de Jane se sacudiu de forma repugnante ante a menção do
duque. Levou um momento para recuperar o fôlego, mas no final, quando o fez,
conseguiu grasnar: — Não! — Todos os olhos se voltaram para ela. — Lady
Wallingham, o rogo, por favor, por favor, não envolva o Duque de Blackmore
neste... neste desastre.
O dragão soprou com desdém.
—Já está feito.
Jane gemeu e deixou cair o rosto entre as mãos.
—Economize o dramatismo, menina. E pare com sua tediosa preocupação.
Como sempre, tenho um plano. — Esta declaração provocou uma nova onda
de desespero. — É melhor assim. Deixa àqueles de nós que têm capacidade que
julguemos a situação.
Se Jane estivesse lendo sobre isto em um livro não teria acreditado. Sem
dúvida, sua vida não poderia ser pior que ser enganada para roubar a casa de um
homem, ser apanhada com uma máscara e calças, e ser acompanhada para casa
por um dos canalhas de pior reputação de Londres. Mas sim, parecia ser
possível. Porque agora o Duque de Blackmore não só se informaria de sua
estupidez, mas sim da obrigação de ajudar a remediá-la. Todas as piores
suspeitas que ele tinha sobre seu caráter se confirmariam. Podia imaginar seu
altivo e arrogante desprezo mesmo agora.
Sua mãe acariciou suas costas e murmurou com doçura: —Confie em Lady
Wallingham, querida. Ela sabe o que faz.
Sim, pensou Jane. Ela está a ponto de converter uma derrota em um desastre total.

~~*
Quando se tinha o legado Blackmore a cargo, o escândalo era muito
parecido ao veneno. Entretanto, para Harrison Lacey, o oitavo Duque de
Blackmore, as três últimas temporadas de Londres tinham sido amaldiçoadas
com essa enfermidade vil.
Primeiro tinha chegado por sua própria mão: um duelo com o anterior
visconde Atherbourne, que tinha terminado desastrosamente na morte do
homem. No ano seguinte, em um intento de vingança, o irmão do dito visconde
tinha atraído a irmã de Harrison, Vitória, a um encontro escandaloso. E agora...
aquilo.
O custoso pergaminho estava enrugado na mão de Harrison, as palavras de
Lady Wallingham escritas com uma letra audaz, desvanecendo-se em uma
neblina avermelhada. Fechando os olhos, dispôs-se a submeter sua ira
ingovernável. Rapidamente soltou a carta, lhe permitindo desdobrar-se de novo
em sua mesa.
Deveria saber que chegaria a isto. Colin tinha dado um giro perigosamente
fora do controle há anos, voltando-se cada vez mais petulante, rebelde e
imprudente. Entretanto, destruir deliberadamente uma dama inocente (embora
irritante), em particular uma de uma família respeitável com estreitos vínculos
com a sua, era simplesmente incompreensível.
—Sua Graça, o senhor Drayton chegou — anunciou Digby brandamente da
porta da biblioteca. — Parece que localizou Lorde Lacey.
Harrison levantou o olhar e assentiu com a cabeça ao loiro mordomo.
—Diga-lhes que entrem.
Tinha a garganta incomodamente apertada. Levantou-se, juntou as mãos às
costas e caminhou para a janela, e logo às estantes no lado oposto da habitação,
e logo depois de novo à janela. Eles eram sua responsabilidade, Vitória e Colin.
Seu fracasso, ao menos no caso de Colin.
Escutou o ruído forte de botas chiando no piso do silencioso corredor.
— ... amor de Deus, Drayton. Solte-me antes que escureça seus dias.
O investigador da Bow Street respondeu dando em Colin Lacey outro
empurrão, enviando-o tropeçando para dentro da habitação. Uma vez que
recuperou o equilíbrio, Colin puxou seu casaco e olhou para Harrison.
—Controla seu cão de caça, irmão. Um convite teria servido igualmente.
—Duvido — respondeu em voz baixa.
Passando uma mão pelo cabelo, Colin olhou sobre seu ombro ao
desalinhado Drayton. Ele moveu a outra mão em sinal de admissão.
—Desaparece, então. Seja um bom cão.
Drayton, um homem alto, magro e abatido que tinha demonstrado ser
indispensável para Harrison durante o ano passado, ignorou a ordem. Ficou de
pé, em silêncio, em um canto da habitação. O investigador conhecia bem o seu
empregador.
—Sente-se Colin.
Girando de novo para Harrison, Colin soprou: —Bem. É hora de outro
sermão, sem dúvida. O que aconteceu agora? Já cortou os meus recursos. E
agora o que pode ser?
Harrison se moveu para diante passando pelo lado da mesa e parando
diretamente diante do pálido moço de olhos avermelhados (porque ele não
podia qualificar-se adequadamente como homem), que havia criado tanta
destruição.
—Já disse: sente-se.
Ele se sentou, embora a contragosto. Harrison rodeou a mesa e fez o
mesmo.
—Explica a aposta.
Colin ficou quieto, logo puxou o tecido do seu colete.
—Aposta?
Silencioso como uma pedra, Harrison simplesmente o fulminou com o olhar
e esperou. Seu irmão se moveu, evitou seus olhos, e tratou de manter seu
próprio silêncio. Mas Harrison era paciente. Colin nunca havia possuído
disciplina para superá-lo.
—Não foi nada, na realidade.
Harrison esperou enquanto a cor avermelhada se transferia até o pescoço de
seu irmão.
—Uma pequena diversão. Com alguns amigos. Não é teu assunto, sem
dúvida.
—Uma diversão — disse Harrison em voz baixa.
Colin levantou as mãos.
—Muito bem! Foi um lapso colossal de julgamento. É isso o que deseja
escutar?
—Eu gostaria de escutar a verdade. Conte-me o que aconteceu.
—Cortou meus recursos — ele respondeu cruzando os braços. —Que outra
coisa eu podia fazer?
Uma vez mais Harrison deixou que as palavras de Colin se pendurassem no
silêncio. Passou um minuto inteiro. Finalmente, Colin afastou o olhar.
—Eu não tinha a intenção de lhe fazer dano.
—Esse refrão é familiar e tediosa. Não importa qual era sua intenção, só o
que causou.
Tragando saliva, Colin baixou o olhar às suas mãos.
—É muito ruim, então? — Perguntou com um fio de voz. — Está...?
—Arruinada? Oh, sim — confirmou Harrison, segurando-se por pouco para
não gritar as palavras. — Totalmente.
Colin beliscou a testa com os dedos indicador e polegar.
—Não supunha que fosse... maldição, Harrison, realmente começou como
uma brincadeira. Milton brincou que tinha me convertido em um aborrecido
sem o brandy, e que não acreditava que pudesse atrair nem sequer a comum
Jane Huxley para um passeio ao Hyde Park. Ele ofereceu umas poucas libras, e
estabeleceu a aposta. Outros cavalheiros acrescentaram suas partes. Antes de
quinze dias a coisa havia se tornado uma loucura.
—Entretanto, em nenhum momento lhe pôs um basta.
—Necessitava dos recursos. Não tem ideia do urgen…
A mão de Harrison golpeou a mesa.
—Não estou interessado em suas desculpas. Conte-me o que ocorreu ontem
à noite.
Colin ficou olhando-o, seus olhos dilatados.
—Agora! — Sua ordem foi um disparo. Harrison não estava acostumado a
levantar a voz, mas as circunstâncias eram bastante extraordinárias.
Tentando parecer casual, seu irmão encolheu os ombros.
—Inventei uma história sobre o colar da nossa mãe. Inventei que Milton o
tinha roubado, pedi à Lady Jane que me ajudasse a recuperá-lo.
—Que colar?
—O destinado à próxima duquesa de Blackmore.
Harrison franziu o cenho.
—Não há tal colar.
—Como disse, inventei uma história.
—Por que ela concordou em te ajudar?
Colin moveu-se em sua cadeira esfregando as palmas das mãos sobre as
coxas.
—Brinquei com sua sensibilidade feminina. Não estou orgulhoso disso.
Um estranho raio de escuridão, frio e surpreendente, deslizou-se através do
corpo de Harrison. A luz na habitação se atenuou até que o único a brilhar era o
rosto de seu irmão.
—Seduziu-a?
A pergunta embora suave, deve ter revelado algo do estado atual de
Harrison, porque Colin congelou como se estivesse cercado por um predador.
—Não — protestou rápido, mais enfaticamente: — Não! Nada do tipo.
Somos amigos. — Seu olhar deslizou para longe de Harrison. — Ou melhor,
éramos amigos.
Segundo a experiência de Harrison, havia pouca probabilidade que as jovens
sem pretendentes e com escassas perspectivas interpretassem as atenções
repentinas de um homem como Colin como mera amizade. Mas sua paciência
estava se desgastando, por isso pressionou: —Pergunto de novo, o que
aconteceu ontem à noite?
Suspirando, Colin deixou cair a cabeça para trás, contra a cadeira, e se
recostou de um lado.
—Ela fez tudo o que pedi. Usava um casaco e calças. Uma máscara. — Riu,
o som carinhoso e triste. — Teve que usar os óculos por cima. Um pouco
incômodo, isso. Mas Jane é... – olhou Harrison e imediatamente se endireitou.
— Entrou pela janela da biblioteca. Estávamos esperando no interior do salão.
Deve ter ouvido algo atrás da porta, porque Milton teve que ir até ela e trazê-la
de volta. Eu queria terminar ali. Mas os cavalheiros tinham outras ideias.
Exigiram que fosse desmascarada, então Chatham…
—Benedict Chatham estava envolvido? — Perguntou Harrison.
—Tirou-lhe a máscara. — A garganta do Colin se moveu de forma visível.
— Ela… ela chorou, Harrison.
Um raio de sombra negra retorceu-o e deslizou novamente através dele.
Desta vez empurrou sua cadeira com tal força que se deslizou para trás, à parede
a mais de dois metros atrás dele. Suas mãos aterrissaram com um golpe brutal
sobre a mesa, e deixou cair a cabeça entre os ombros. Aquela espiral de raiva o
agarrou como a serpente que era, prendendo fogo às paredes que a continham,
tentando-o a espremer a garganta de seu irmão. Em troca, suas mãos formaram
punhos sobre a superfície polida da escrivaninha.
Com um fio de voz, Colin confessou: —Uma vez que vi isso, que a vi… ali
de pé, com o cabelo escorrido, sem seus óculos, soube que estava equivocado .
Nunca deveria ter permitido que os homens se reunissem como uma manada
de…
—Maldição! Nunca deveria ter feito nada disso! — A magnitude do rugido de
Harrison fez com que Colin levantasse com um salto e retrocedesse vários
passos. Drayton, que estava de pé em silêncio em um canto, deu um recuo de
surpresa e logo se mudou para ficar diante das portas, evitando uma possível
fuga de Colin. Depois de um longo e espesso silêncio, Harrison se separou de
sua mesa e caminhou para a janela. Não podia olhar para Colin. Tinha medo do
que poderia fazer. Quando por fim falou, as palavras eram como uma pedra
pesada, dura e fria. — Só posso estar agradecido que nossos pais não estejam
vivos para ver no que se converteu seu filho. De minha parte, nunca estive tão
envergonhado de te chamar de irmão.
Durante muito tempo simplesmente ficaram ali, respirando e absorvendo o
enorme e abrupto abismo que se formou entre eles. Em idade só os separavam
seis anos, mas a distância entre Harrison e seu irmão tinha crescido de maneira
constante enquanto ele tinha esperado que Colin mostrasse sinais de verdadeira
humanidade, só para ser decepcionado. Seu irmão tinha vinte e cinco anos, mas
se comportava como um jovem imprudente de quinze. No ano passado
Harrison tinha descoberto o insensível tratamento de Colin com uma jovem
inocente, que tinha levado ao suicídio da garota. Foi então que lhe tinha tirado
os recursos, com a esperança de que a medida pudesse obrigá-lo a ficar sóbrio.
Conforme os informes de Drayton, tinha funcionado. Mas não o
suficientemente bem para evitar outro escândalo, outra vítima do egoísmo de
Colin.
—Deveria estar envergonhado. — A tranquila declaração surpreendeu
Harrison o suficiente para voltar-se e olhar para seu irmão. Colin estava branco
como o leite, a mão apoiada no respaldo da cadeira como se estivesse muito
fraco para valer-se por si mesmo. — Eu me envergonho de mim mesmo. Traí
uma amiga. Estava desesperado, mas tem razão. Essa é uma desculpa
insignificante para minhas ações. Pedirei que se case comigo hoje mesmo.
Harrison piscou.
—Não, não o fará.
A cabeça do Colin se elevou.
—Disse que está arruinada.
—Está.
—E eu sou o culpado.
—Apesar da sua participação neste negócio imoral. Contra toda sensatez e
grave risco de sua reputação, por certo passar sua vida ligada a um canalha sem
dinheiro é um castigo muito severo.
Com sua mão fechando-se e afrouxando-se no respaldo da cadeira, Colin
parecia disposto a discutir o assunto. Abriu a boca só para fechá-la um segundo
mais tarde. Então, cedendo à maior sabedoria de Harrison, meio que sorriu e
assentiu com a cabeça torcida em irônico e seco acordo.
—Sei que não acredita em mim, mas estive tentando me reformar. Tenho
me abstido do excesso nas mesas e do brandy. — Ante o olhar duvidoso de
Harrison, Colin retificou: — Em sua maior parte. — Esfregou o queixo e
suspirou. — Sua santidade sempre faz reluzir minhas piores tendências, mas
nisto está correto. A aposta foi um erro imperdoável. Necessitava dos recursos
para sair da Inglaterra. — Ante esta notícia Harrison lançou um olhar
interrogante a Drayton, que franziu o cenho e sacudiu a cabeça, ao que parecia
ser a primeira vez que ouvia algo a respeito. — Mas nunca deveria ter aceito
envolver Jane. Ela merece algo muito melhor que isso. Melhor que eu.
Em raras ocasiões Harrison tinha visto seu irmão daquela maneira: sério e
raciocinando o suficiente para analisar suas próprias ações. Era desconcertante.
—Aonde vai?
Colin encolheu os ombros com cansaço.
— A Inglaterra tem muitos problemas. Talvez a América tenha um melhor
efeito. — Seu sorriso era débil e se desvaneceu rapidamente. — Vai cuidar dela,
então? De Jane?
Harrison só assentiu com a cabeça.
—Bom. Trate-a bem, Harrison. Ela é muito mais notável do que qualquer
um suporia.
Uma vez mais o afeto na voz de Colin fez Harrison perguntar-se pela
natureza de sua suposta amizade.
—Não se preocupe com seu bem-estar. Acostumei-me a limpar seus
destroços. Pode ajudar melhor mantendo distância.
Apertando os lábios, Colin atuou como se quisesse dizer algo mais, mas logo
se voltou para olhar para Drayton.
—Se quiser que eu vá, terá que pôr uma correia em seu cão.
Harrison fez a Drayton um gesto com a cabeça, e o homem retornou ao seu
canto. Colin foi às portas e se deteve. Sem voltar-se, disse em voz baixa: —
Lamento o que fiz. É possível que não acredite em mim, mas é verdade. O
lamentava mesmo antes de fazê-lo. — Aguardou, possivelmente esperando que
Harrison se alegrasse e lhe desse palmadas no ombro, felicitando-o por obter
finalmente alguma medida de maturidade. Em vez disso, Harrison ficou em
silêncio deixando Colin pronunciar: —Desejo-te o melhor irmão — e se foi.
Momentos depois Drayton lhe dirigiu um olhar inquisitivo, e Harrison
assentiu.
—Vigie-o. —O investigador desapareceu imediatamente para seguir o rastro
de Colin.
Com o cenho franzido Harrison voltou para sua mesa dando-se conta que
sua cadeira estava a uns metros de distância, contra a parede. Aproximou-a e se
sentou, pegando uma pluma e papel. Depois de vários minutos ficou satisfeito
com suas duas mensagens e chamou Digby, que apareceu imediatamente.
—Sim, Sua Graça?
Harrison escreveu o endereço, selou as duas cartas e as estendeu ao
mordomo.
—Encarregue-se que sejam entregues sem demora.
Digby deu uma olhada nos envelopes.
—Lorde... Lorde Chatham e Berne, Sua Graça?
—Exatamente — respondeu distraidamente, sua pluma já trabalhava de
novo em uma nota para seu advogado. Depois disso enviaria uma carta à
Vitória, e possivelmente outra à tia Muriel. — Sempre acreditei que é melhor
pagar as dívidas imediatamente.
CAPÍTULO 07
"Posso sugerir que abandone esta inclinação pela imbecilidade imprudente antes que suas
opções se reduzam de limitadas a inexistentes?" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu
sobrinho com respeito à sua reincorporação em Oxford depois da intervenção heroica da dita
dama em seu nome.

Jane tinha tentado tudo. Aconchegada em sua poltrona favorita, perto da


janela de seu lugar favorito, na acolhedora biblioteca de painéis de carvalho da
Casa Berne. Sorvia sua bebida favorita (café com um pingo de creme e açúcar,
embora todo mundo pensasse que estava louca por tomá-lo dessa maneira), e lia
sua novela favorita.
Nada disso tinha ajudado. Tinham passado dois dias, e mesmo assim, não
podia sentir-se cômoda. Com uma picada sutil debaixo de sua pele, o
conhecimento de sua recente escapada e suas terríveis consequências se negava a
deixá-la em paz, mesmo que por umas horas. As histórias daquela noite já
tinham viajado dos homens presentes no salão de Lorde Milton às damas da alta
sociedade. Estas últimas não perderam tempo em fazê-la em pedaços.
A única esperança de sua família, de acordo com Lady Wallingham, era
Blackmore. Jane não tinha perguntado como o duque poderia intervir em seu
nome; ele era um dos pares mais importantes da Inglaterra, mas mesmo ele não
podia deter as decididas fofoqueiras com um osso entre suas mandíbulas. Só
podia supor que talvez forçando seu irmão a desculpar-se e defender
publicamente a honra de Jane sua reputação poderia ser reparada o suficiente
para eliminar a mancha de suas irmãs. Mesmo assim, embora ele tivesse aceitado
falar com seu pai, estava menos que otimista.
Esfregou os olhos cansados por baixo de seus óculos. Quando conseguia
dormir seu sono era inquieto e cheio de visões perturbadoras de Colin Lacey
rindo e zombando enquanto o frio olhar de seu irmão em silêncio a condenava.
Um calafrio lhe percorreu a coluna. Ela tirou os sapatos e se apoiou no braço da
poltrona, logo colocou os pés debaixo da manta que tinha em seu colo. Com um
suspiro ela voltou para seu livro. Certamente Lorde Darcy poderia fazê-la
esquecer do insuportável Duque de Blackmore.
Maldição. Porque devo constantemente pensar nesse homem?
Sua poltrona de respaldo alto estava longe da porta, assim não a viu abrir-se,
só escutou o estalo da maçaneta ao girar e sentiu uma corrente de ar. Isto foi
seguido pela voz do mordomo, Godwin.
—Lorde Berne virá em um momento. Gostaria de um chá?
—Não.
Jane congelou com aquela única sílaba profundamente revestida de gelo.
—Muito bem, Sua Graça.
A porta se fechou e se fez silêncio. Não o ouviu mover-se. Seguia na
habitação? Boba. Claro que sim. Deveria dizer algo? Saltar da poltrona e
diretamente fazer uma reverência? O que ele diria? Sem dúvida algo exasperante.
Ou humilhante. Ou alguma combinação de ambos. Com ar ausente, ela pôs de
novo a xícara em seu pires com um tinido suave.
De repente, o golpe seco de botas se aproximou num ritmo de comando.
Maldição. Fechou os olhos e os abriu quando as botas se detiveram.
—Lady Jane — disse firmemente, sua mandíbula incapaz de mover-se, ao
que parecia. Hoje ele vestia-se de verde: um fraque muito elegante verde escuro
junto com um colete e calças de pele de antílope. Se ela não soubesse o
prepotente e arrogante que era poderia estar inclinada a derreter-se e suspirar
por sua beleza varonil.
Se fosse propensa a tamanha estupidez. Coisa que não era.
Conhecendo muito bem as qualidades menos que admiráveis do duque,
ignorou os ditados dos bons costumes e optou por permanecer sentada.
—Sua Graça - disse casualmente, tratando de alcançar seu café e tomar um
pequeno gole. — Veio reunir-se com meu pai, suponho.
Uma parte dela, a parte que estava de verdade cansada de ser a lamentável
solteirona, deleitava-se na forma tranquila e descarada que entregava sua
mensagem. A pequena e tímida Jane não se deixará intimidar tão facilmente, não? Mas
outra parte, a bastante mais cautelosa, gritava que devia levantar-se, fazer uma
reverência, desculpar-se e sair da habitação com a maior rapidez que a simples
física lhe permitisse. O Duque de Blackmore não era um homem com o qual
brincar.
Em particular quando sua família dependia de sua ajuda.
Sem dizer nada, ele simplesmente ficou com as mãos cruzadas às costas,
olhando-a fixamente desde sua grande altura. Seus olhos agudos e bastante frios
para perfurar seu ventre, aquela lâmina cinza azulada a percorreu de cima a
baixo, deslizando-se através dela em uma onda de comichões brilhantes e
impressionantes.
Era incrivelmente inquietante.
Pousando sua xícara sobre a mesa lateral uma vez mais, limpou a garganta e
deslizou os pés no chão. Então ela agarrou o livro contra seu peito, girando
ligeiramente para descartar sua manta e levantar-se. Fez uma reverência com a
esperança de que ele não notasse sua falta de sapatos.
Mas ele não estava olhando seus pés, nem sequer seu rosto. Em troca, seus
olhos estavam fixos em sua mão. Ela baixou o olhar. Uma mão perfeitamente
normal, a esquerda, já que tinha necessitado da direita para jogar de lado a
manta. Talvez estivesse observando seu livro.
—O que está lendo?
Em qualquer outra pessoa ela teria julgado sua expressão como um olhar
absorto. Mas sem dúvida o afamado Duque de Blackmore não era tão distraído.
—Orgulho e preconceito - esclareceu. — É um dos meus favoritos.
—Uma novela? — Disse finalmente.
Ela assentiu.
—Não perco tempo com esse tipo de frivolidades.
Ela torceu a boca.
—É óbvio que não.
Com o cenho franzido, ele continuou: —Nas raras ocasiões em que minha
agenda me permite ler com fins de ócio, prefiro matéria que seja ao mesmo
tempo prática e edificante. A ficção não é nada disso.
—Naturalmente.
—Parece que não acredita em mim.
Jane levantou as sobrancelhas.
—Asseguro, Sua Graça, que acredito em cada palavra.
Seu cenho se aprofundou, estreitando os olhos com suspeita. Aproximou-se
mais, agora a menos de um metro de distância.
—Está zombando de mim, Lady Jane? — As palavras foram pronunciadas
em voz baixa, mas com um som perigoso que lhe pôs rugas no rosto. De
repente, não parecia particularmente aconselhável cutucar este leão em
particular.
—N…não, de maneira nenhuma.
Ele avançou outro passo obrigando-a a recuar até que a parte posterior de
suas pernas roçaram sua poltrona desocupada. Uau, pensou. Ele é muito maior do
que acreditei à distância. Examinando seu rosto, pescoço, logo baixando para sua
mão que agarrava o livro e subindo de novo aos seus óculos, ele a observava
com uma intensidade que sentiu como uma explosão. Automaticamente tocou
as bordas de metal na têmpora. Seu olhar seguiu seu movimento, como um
predador.
—Alguém deveria lhe ensinar boas maneiras.
Ele estava alarmantemente perto, a meros centímetros dela. Podia cheirar a
goma, sentir o calor de seu corpo. Uma dor estranha se instalou entre seu
coração e o estômago, provavelmente porque precisava respirar. Sim, isso era
tudo. Seus pulmões estavam ardendo.
Ele inclinou a cabeça.
—Seu marido, talvez.
Essa afirmação absurda fez com que inspirasse ar como um afogado,
alimentando seus pulmões famintos.
—Ma… marido? — Ela tossiu sacudindo a cabeça. — Não sei o que lhe
disseram, Sua Graça, mas temo que o matrimônio seja bastante impos…
—Sei de tudo.
Ela fez uma pausa.
—Então o senhor deve saber que destruí qualquer possibilidade, por
mínima que fosse, de me casar bem.
Seus olhos brilharam como se houvesse dito ao mesmo tempo uma coisa
agradável e desagradável.
—Você se culpa?
Ela o olhou, maravilhando-se pela pergunta.
—Foi minha culpa. A quem iria culpar?
—Ao meu irmão.
—Colin mentiu, é claro. Mas ele não me obrigou a vestir um casaco e calças
de um rapaz, pôr uma máscara ridícula e entrar pela janela da casa de um
homem. Essas lamentáveis decisões foram minhas e só minhas.
Parecia genuinamente perplexo por sua declaração. Possivelmente esperava
que se dissolvesse em lágrimas e recriminações histéricas contra seu desonesto
irmão. Logo sua expressão clareou, voltando-se mais firme.
—Não deveria defendê-lo.
—Não fiz nada di…
—Ele não é digno de tal devoção.
—Sim, bem, simplesmente…
—E ele se foi da Inglaterra.
Ela piscou momentaneamente aturdida.
—Foi? Para onde…?
—Não importa. — Seus ombros, parecendo mais largos do que o normal
talvez devido a sua proximidade, se ergueram quando sua cabeça se elevou em
uma agora familiar pose arrogante. — Você se esquecerá dele a partir de agora.
Por que, oh, por que, querido Deus, seu temperamento se acendia tão fácil e terrivelmente
com o homem que sua família mais necessitava? Teve que apertar os dentes e tomar
uma respiração profunda para controlar-se e não devolver o golpe com uma
réplica infantil. As palavras estavam ali, clamando no fundo de sua garganta,
mantidas cativas pela precaução. Em geral seu acanhamento podia apanhá-las
em seu interior, mas ultimamente não se sentia tímida com Blackmore.
Enfurecia-a muito, consumia completamente sua baixa autoestima e não deixava
lugar à vacilação.
Talvez por isso, quando abriu a boca para falar, as palavras que havia estado
lutando por não dizer, brotaram de seus lábios, as cordas que as atavam
debilitadas pelo calor.
—E como se propõe assegurar meu esquecimento, Sua Graça? Me atreveria
a dizer que a única maneira de está seguro disso é estar presente dentro de mim.
E quem se ofereceria como voluntário para isso? O senhor? — Ele pareceu
desconcertado por seu arrebatamento, as narinas dilatadas, os olhos brilhantes,
os lábios entreabertos. Inclusive um toque de cor subia por suas maçãs do rosto.
Ah, sim. Ela o tinha ali, não é? Simples lógica, na realidade. Não deveria ir por aí
lançando diretivas que não podia fazer cumprir. Ele teria que estar dentro de sua
mente para saber se tinha esquecido Colin, mas era impossível.
Tragando saliva, ele parecia ter perdido a fala.
Jane sentiu o triunfo disparar.
—Além disso, se não está dentro de mim, não pode impor sua vontade
sobre a minha com o fim de obter o que quiser. Talvez na próxima vez que
deseje se dar bem devesse pensar nisto e brandir essa sua língua com mais
sabedoria.
Bom, aquilo era muito estranho. Agora sua respiração parecia um pouco
dificultosa.
—Basta — ele disse com voz áspera. — Devo me reunir com seu pai. Onde
o …? — Limpou a garganta com força, em seguida tirou um relógio dourado do
bolso de seu colete e abriu a capa. — Lorde Berne está atrasado. A pontualidade
não significa nada nesta casa?
—Não há necessidade de ser insultante. Estou segura de que papai estará
aqui em breve.
—Como é um insulto assinalar o que é óbvio…?
A porta se abriu e seu pai entrou com um sorriso jovial.
—Sua Graça, vejo que minha Jane e você estão se conhecendo melhor.
Excelente, excelente.
Jane dedicou a Blackmore um sorriso triunfante.
—Viu? Tudo o que precisa é um pouco de paciência. — Estendeu uma mão
para trás dela para recuperar sua manta, pendurou-a em seu braço e fez uma
profunda reverência. — Deixarei os cavalheiros para que falem em privado. -
Com isso cruzou a habitação, ao aproximar-se de seu pai ficou nas pontas dos
pés para lhe beijar a bochecha, e logo continuou para a porta. Ela teria saído
com uma vitória quase perfeita, salvo que ele não ia permitir.
—Lady Jane — disse Blackmore, sua voz uma ordem para deter-se e virar-
se.
Quando o fez seu coração bateu mais forte e um rubor floresceu debaixo de
sua pele.
Porque ali estava o duque com seus sapatos bem gastos pendurados em seus
dedos.
—Esqueceu algo?
~~*
Maldição, maldição. Maldito duque e sua condenada perspicácia.
Enquanto caminhava para a cozinha minutos depois de deixar a biblioteca,
Jane lamentava o fato de que nenhuma quantidade de maldições aliviaria seu
desgosto com aquele homem. É claro, ela agora usava seus sapatos, e isso era
muito útil no chão de pedra da cozinha. Mas ele a tinha envergonhado
deliberadamente.
— ... o preço do faisão, e eu disse que por esse preço poderia contratar uma
carruagem de aluguel para Hertfordshire e pegar dois ou três eu mesma!
Jane seguiu o som de sua mãe rindo com a governanta, a senhora Jones, e
com a cozinheira, a senhora Dunn, todas reunidas ao redor da mesa de trabalho
central debatendo aparentemente sobre o menu do jantar. Sua mãe preferia uma
abordagem muito pessoal à gestão da refeição, já que amiúde expressava seu
agrado com seu pai incorporando nos menus diários seu prato favorito ou seu
desagrado com o que mais lhe desgostava. Jane pensava que era uma das
particularidades mais divertidas de sua mãe, mas claro, ela não desmaiava com o
faisão assado nem empalidecia ante a visão do nabo, como seu pai.
Uma criada entrou atrás de Jane e quase se chocou com ela.
—Oh! Perdão, milady. Não a vi. — A garota mal se deteve para fazer uma
reverência antes de precipitar-se para fora do salão com sua braçada de roupa de
cama.
Sua mãe levantou a vista da lista que segurava.
—Jane? Onde esteve se escondendo esta manhã?
Sorrindo fracamente, aproximou-se do trio de mulheres. Em geral, as damas
da sociedade não passavam tempo na cozinha com os criados, mas sua mãe
estava longe de ser típica, e Jane apreciava o resultado. Um lar que era mais
acolhedor e confortável que o da maioria das famílias da aristocracia.
—Estava na biblioteca, lendo um pouco.
A simpatia desapareceu do rosto de sua mãe. Ela estalou a língua, abraçou
Jane e depois bateu-lhe no ombro.
—Tudo ficará bem. Não deve se afundar no desespero, querida.
—Sei. Não se preocupe comigo, mamãe. De fato, foi bastante agradável
passar um tempo sozinha. — Franziu o cenho. — Até que o duque chegou.
Sua mãe agarrou o antebraço de Jane.
—Chegou? Quando?
Jane baixou o olhar para a mão de sua mãe.
—Recentemente — disse com cautela. — Agora está com papai.
O agarre de sua mãe se aprofundou enquanto a outra mão se desdobrava
pelo seu corpete.
—Senhora Dunn e senhora Jones — disse secamente. — Devemos fazer
um inventário.
Com isso, as três mulheres entraram em ação. A senhora Jones rabiscava em
sua pequena caderneta, a senhora Dunn dizia os ingredientes da despensa
adjacente, e sua mãe respirava um pouco rápido, pelo visto aflita pela emoção.
—Mamãe, está bem?
Sua mãe não afastou o olhar de sua tarefa de fiscalizar as habilidades de
anotação da senhora Jones.
—Mmm? Oh, sim. Esplendidamente, poderia dizer. Por que pergunta?
—Comportase como se estivéssemos esperando o príncipe regente para
jantar.
Ela riu um pouco e agitou os dedos.
—A gente nunca sabe quando terá que organizar um baile ou outra festa
importante. O melhor é estar preparada.
Jane duvidava muito que sua confusão não se mostrasse em seu rosto.
—Há alguma notícia que perdi?
Por fim sua mãe olhou em sua direção, e parecia incapaz de conter seu
entusiasmo por mais tempo, iluminou-se com um sorriso brilhante e se
precipitou para a frente para agarrar as mãos de Jane.
—Deveria esperar para lhe dizer isso, mas não posso. — Sacudiu suas mãos
entrelaçadas de cima a baixo como um cãozinho brincando com uma meia
descartada. — Acredito que iremos planejar um baile de compromisso muito em
breve.
Aturdida, Jane sentiu que lhe caía a mandíbula. Depois da comoção sentiu
uma pequena pontada de dor.
—Por que Maureen não me contou que tinha um pretendente?
—Maur… — começou sua mãe, só para dar-se conta de seu próprio
engano... — Jane. Não é Maureen quem vai casar-se logo. É você, querida.
Jane ficou olhando sua mãe, perguntando-se quando tinha começado a
beber enormes quantidades de vinho no café da manhã. Antes do intento de
roubo Jane tinha sido uma flor rara, pouco agraciada, tímida, aficionada aos
livros, com uma quantidade excessivamente generosa de carne e visão ruim.
Depois, bom... a probabilidade de receber uma oferta de matrimônio, e da classe
de cavalheiro que poria a sua mãe em êxtase, teria que subir uma colina antes de
chegar a zero, um fato que sua mãe não parecia dar-se conta.
—Não… não estou comprometida, mamãe. Tem que compre…
—Não ainda — ela sussurrou teatralmente, dando à mão inerte de Jane outra
sacudida. — Mas neste momento seu pai está aceitando o pedido do duque por
sua mão.
A luz tinha diminuído de repente? Certamente isso parecia à Jane. E a voz
de sua mãe se desvanecia pouco a pouco. Possivelmente Jane estava contraindo
algum tipo de enfermidade, porque teria jurado que sua mãe dissera…
—Só imagina, querida. Minha Jane, a duquesa de Blackmore. Não será
esplêndido?
CAPÍTULO 08
"A sorte é uma concessão para aqueles com má visão e escassa inteligência. No final, os
melhores jogadores não vencem por milagre, mas sim apesar dele" - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao perder quatro xelins com Lady Colchester durante um jogo de Piquet.

A deusa da fortuna não tinha sorrido a Colin em meses, mas hoje estava
particularmente má. Levantou seu olhar irado à figura, uma escultura da Fortuna
vertendo ouro de uma cornucópia da abundância. Elevada no interior do
vestíbulo do Reaver’s, um feminino e zombador aviso da atração e da falsa
esperança, ou isso sempre tinha pensado.
—Milord, se não lhe importa esperar no salão, Lorde Chatham disse que vai
se reunir com você em um momento.
Colin contemplou o esbelto mordomo de pele escura.
—Obrigado Shaw.
Quando entrou no salão encontrou-o quase vazio, só alguns senhores
bebendo tranquilamente seu café da manhã. À diferença do Whites e Brooks,
Reaver não via necessidade de discrição em seu clube. Cada superfície brilhava
com flagrante luxo, das paredes de seda dourada às cortinas, os brilhantes lustres
de cristal, aos espelhos dourados. Era decadente. E enganoso, ninguém se fazia
rico ali, exceto Reaver. Colin escolheu sentar-se de costas à parede, em uma
mesa no canto dos fundos, onde teriam maior privacidade.
Por dentro sentiu começar o tremor, aquela rasteira sensação retorcendo-se,
que o fazia querer levantar-se e fugir. Respirando profundamente obrigou-se a
acalmar-se. Ainda não. Tinha que ver Chatham primeiro.
Com sua habitual graça espectral, o visconde de cabelo escuro chegou
brandindo sua arma com uma despreocupação que um observador casual
erroneamente subestimaria. Colin tinha visto o que o homem podia fazer com a
arma cuidadosamente dissimulada, então não fazia esse tipo de hipótese.
— Parece um pouco cansado, velho amigo. — Frio e inexpressivo, Chatham
se sentou apoiando a arma contra sua cadeira.
—Tem-no?
—É óbvio.
Colin desabou quando o alívio inundou seu corpo. Pela primeira vez em
várias semanas podia respirar sem perguntar-se se seria a última vez.
—Graças a Deus — sussurrou.
Chatham colocou a mão dentro de seu casaco e tirou uma bolsa. Deslizou-a
sobre a mesa com uma mão esbelta de dedos longos.
—A soma final? — Se Colin fosse afortunado, que nos últimos tempos
havia demonstrado uma qualidade difícil de alcançar, teria mais de mil libras,
mais que suficiente.
—Não tanto como você gostaria, temo. Flatmouth nega tudo. Afirma que
Phillips pôs seu nome sem seu consentimento. — Chatham encolheu os ombros
e suspirou. O que se podia fazer?
Com o cenho franzido, Colin assentiu passando uma mão pelo cabelo.
Abriu a bolsa com um puxão e contou as notas. Piscando, contou de novo.
Freneticamente procurou na bolsa de couro para ver se tinha perdido algo. Não.
Não, não, não.
—Onde está o resto? — Chatham levantou uma sobrancelha.
—Esse é o resto. O que está aí é tudo o que tem.
—São só quatrocentos. Não é o suficiente.
—Sim. Por desgraça, Flatmouth não foi o único em retratar-se depois do
acontecido. Sabe, acredito que seus amigos podem ser menos que honoráveis.
Colin se inclinou sobre a mesa, sua voz baixa e mortal.
—Onde diabos está meu dinheiro, Chatham?
Os olhos do outro homem não mostraram emoções.
—Como já disse, tem o que consegui reunir. O resto, bem, depois dos
esforços de seu irmão em nome da dama, acredito que nunca o verá.
A cabeça de Colin se voltou para trás ante a menção de Harrison.
—O que fez?
—Deixou muito claro que vai destruir qualquer homem associado com a
aposta. Naturalmente, muitos cujos nomes estavam no livro escolheram invocar
uma falha de memória, e agora recordam as circunstâncias daquela noite de um
modo um pouco diferente que você ou eu. A breve incursão de Lady Jane na
delinquência não foi mais que uma história de Banbury dito na brincadeira. Ou
isso parece agora.
—Como sabe o conteúdo do livro?
Uma das comissuras dos lábios de Chatham se elevou sutilmente.
—Eu dei a ele.
Recostando-se em sua cadeira com um golpe seco e duro, Colin ficou
olhando o visconde, perguntando-se se o homem se tornara louco.
—Ou, para ser mais preciso, o vendi.
Por um breve instante Colin tinha se atrevido a imaginar que finalmente
poderia estar a salvo. Todo o ar que tinha respirado durante aquele bendito idílio
saiu em um suspiro. Harrison quebraria todos e cada um dos homens que
aparecia no livro. Lentamente e com precisão devastadora. Colin havia visto nos
olhos de seu irmão quando lhe tinha contado a respeito das lágrimas de
humilhação de Jane. Não se deteria porque um homem negasse sua participação
na aposta, isso não significaria nada. Os que haviam se retratado não o
entendiam. Mas logo o fariam. Negar-se a pagar a dívida não os salvaria do
Duque de Blackmore.
Entretanto mandaria Colin a um destino pior. Com as palmas cobrindo seus
olhos, enterrou os dedos em seu cabelo.
—Estou morto. — Queixou-se. —Morto.
—Sim, imagino. Por certo, ainda tem aquele livro de mapas que te
emprestei?
Deixando cair as mãos, disparou ao seu antigo amigo um olhar hostil.
Chatham sorriu. Como de costume, não chegou aos seus olhos.
—É melhor recuperá-lo antes que desapareça, não acha?
Minutos depois Colin deixou o Reaver´s com menos da metade do que a
aposta deveria ter pago. Quatrocentas e dezoito libras. Talvez suficiente para ir
embora. Estava longe de ser o suficiente para ficar.
Colocando a bolsa no interior do casaco, deixou a praça tranquila para
dirigir-se à movimentada rua St. James. Em frente a ele uma charrete passou
movendo-se pesada, seguida de uma carreta de carvão. O ruído das rodas e dos
cavalos e todos os diversos gritos daqueles que seguiam com sua rotina diária era
ao mesmo tempo reconfortante e desconcertante. Precisava chegar às docas.
Precisava desaparecer. Formigava-lhe o pescoço.
Sem perder tempo, virou para o norte, para Piccadilly, caminhando mais
rápido, com o coração palpitante. Pouco podia acreditar no que havia
acontecido. Quatrocentas e dezoito libras não era uma pequena soma, mas para
ele era uma sentença de morte. Syder nunca aceitaria a metade do que lhe devia.
E para Colin tinha acabado o tempo.
Um moço e seu acompanhante idoso passaram ao seu lado, a bengala do
ancião fazendo um ruído surdo no chão. Um cavalo soprou e agitou os cascos
atrás dele. Cada som, cada movimento era mais agudo, mais surpreendente. Seus
sentidos lhe diziam que corresse, mas sabia que isso só atrairia uma atenção não
desejada.
Chegou à rua Jermyn, fazendo uma pausa para esperar uma abertura para
cruzar. Se pudesse chegar à carruagem na Piccadilly e Bond, poderia tomar uma
carruagem de aluguel para as docas. A partir daí... não sabia. Possivelmente um
daqueles novos navios a vapor. Teria que sair de Londres; isso era certo. Mas até
aonde devia fugir? Ali Syder parecia onipotente, um monstro de coração negro
com tentáculos que se estendiam das casas de jogo de PallMall aos matadouros
de Whitechapel.
Quatrocentas e dezoito libras não sustentariam Colin por muito tempo sem
conexões. Não conhecia ninguém na América ou no Canadá. Tinha uma tia em
Edimburgo, um antigo companheiro de colégio em Dublin, uma antiga amante
em Paris. Quantos quilômetros poderia dar Syder para considerar a satisfação de
matar o homem que lhe tinha feito uma armadilha?
Ele não sabia. Não sabia nenhuma maldita coisa.
Dando uma olhada atrás dele perdeu o fôlego, o coração lhe golpeou no
peito como um falcão apanhado dentro de uma gaiola de madeira. Drayton.
Acreditou que tinha se desfeito do abatido investigador. Maldito inferno.
Virando à direita na Jermyn, apressou o passo. Adiante havia um pequeno
beco entre duas lojas. Drayton estava muito atrás, o bastante para que se Colin
se metesse nele no momento oportuno teria uma oportunidade de perdê-lo.
Dando uma cotovelada num homem ao passar e deixá-lo para trás, Colin
observou uma cadeira antes de entrar correndo no beco. Estava mais escuro ali,
as paredes de tijolo iminentemente perto de um e outro lado. O caminho
comprido se esticava como um corredor, mas podia ver luz ao final. Com
grandes passos, Colin se infiltrou mais profundamente no estreito espaço em
direção à mais brilhante e aberta rua, esperando que o levasse a uma rua
adjacente. Olhou por cima do ombro para ver se Drayton o seguia.
E sentiu que sua cabeça explodia na escuridão.

~~*

O negro se abrilhantou em um vermelho, desvaneceu-se mais escuro, então


se iluminou a cinza. O suave estalo de uma pistola martelando-se chegou aos
ouvidos de Colin, mas o sangue pulsava tão forte e grotescamente dentro de seu
crânio que mal registrou.
—A morte é terrivelmente definitiva. Posso sugerir que se aposente?
Vindo de cima dele, a voz era gelada e despreocupada. Chatham? Não. Não
podia ser.
—Syder escutará isto. — Aquela voz, profunda e áspera, também soava
familiar.
—Talvez. Ou talvez perdeu a pista de Lorde Lacey depois de persegui-lo nas
docas. Recomendo o último.
—Os homens que mentem ao Syder terminam esfolados como prêmio.
—Mmm. E o que ocorre com os homens que não cumprem com sua tarefa
porque foram despojados de seu prêmio antes que pudesse ser entregue?
Só a cabeça nauseante e palpitante de Colin encheu o silêncio que seguiu.
Atacava e pulsava contra a fria e dura umidade pressionando sua bochecha.
Umas fortes pisadas de botas se retiraram lentamente. O estômago de Colin se
agitou, a dor lhe provocando náuseas. Ao longe ouviu a primeira voz
murmurando a alguém, outro estalo, e o barulho suave de uma bengala contra o
barro endurecido. Mas logo sentiu que lhe revolvia o estômago, e as contrações
de seu corpo esvaziando-se com força fez com que de novo sua cabeça
explodisse. Depois disso retornou ao vermelho, depois ao negro, então nada.
CAPÍTULO 09
"Algumas manchas não se podem tirar. Nesse caso, a maioria consideraria o tecido
arruinado, mas isso é porque não são bastante inteligentes para dar-se conta que simplesmente
se pode tingir toda a roupa de uma nova cor. Não mais manchado, e sim um novo vestido.
Uma solução ideal." - A Marquesa Viúva de Wallingham à sua nova criada pessoal
enquanto instruía a garota na apropriada administração de suas funções.

Jane ia vomitar, muito possivelmente sobre toda a seda colorida que estava
estendida frente a ela. Rodeada de suas irmãs, de sua mãe e de Lady Wallingham,
estava sentada em uma pequena mesa na loja da Bond Street da costureira de
origem italiana Renata Bowman. Não podia imaginar uma miséria maior.
—A cor está muito melhor, não é? Não mais amarelo para ela. — A elegante
costureira de cabelo escuro não se incomodou em olhá-la quando fez sua
declaração. Em troca, ela moveu seus dedos em direção a Jane como se fizesse
referência a um sofá com necessidade de uma nova tapeçaria.
—Oooh, nunca considerei o vermelho para ela. É muito dramático. Não
acredita que é muito audaz? — Annabelle perguntou à senhora Bowman, que
limpou a garganta com desdém.
Maureen ofereceu sua própria opinião.
—Ela vai ser uma duquesa. As cores mais fortes serão mais adequadas,
sobretudo uma vez que comece a atuar como anfitriã de Blackmore.
O estômago de Jane se retorceu, seu café da manhã de ovos e bolachas
ameaçando reaparecer com uma pressa indecorosa.
—Jane! — Disse Lady Wallingham. — Não vomitará em um damasco tão
precioso. Se precisa fazê-lo, faça em outro lugar.
Todos os olhos se voltaram para ela enquanto tampava a boca com a mão.
—Sente-se mal, querida? — Sua mãe perguntou.
Tragando com força para conter a náusea que lhe subia pela garganta, Jane
tomou duas respirações profundas e murmurou: —Estou bem.
—Não parece muito bem — Genie disse, brevemente afastando-se da
exibição de um vestido cor de rosa rodeado de cinco chapéus. Jane deixou cair
sua mão e olhou furiosa à Genie, que lhe lançou um olhar vesgo com a intenção
de tirá-la de seu abatimento. Jane suspirou. Provavelmente, nada obteria essa
façanha.
Enquanto isso, as demais continuavam discutindo sobre o enxoval
extravagante de Jane, o qual era um esforço conjunto dos desejos mais
apreciados de sua mãe e os recursos de Blackmore. Annabelle cedeu terreno nas
cores mais escuras e mais intensas, suspirando por um casaco de veludo azul
escuro, enquanto Maureen murmurava sua aprovação por um vestido de dia, de
seda cor avermelhada. Sua mãe expressou sua consternação pela escassez de
adornos nos desenhos que a senhora Bowman estava recomendando. A senhora
Bowman lançou uma série de frases italianas, logo assinalou à cintura em uma
das ilustrações.
—Vê isto Lady Berne? Sua filha é... como dizê-lo... redonda. — O comprido
e elegante dedo indicador da costureira percorreu o longo vestido e logo tocou a
prega. — E pequena.
Jane piscou. A senhora Bowman se acreditava valente?
—Ela é baixa — exclamou a mulher, acrescentando: — Devemos esticar. —
Ela demonstrou beliscando os dedos juntos e separando as mãos verticalmente.
— Devemos criar cintura. E devemos simplificar.
—Oh, mas eu gosto muito dos adornos — disse a pequena Kate atrás do
ombro da mãe. — Rosas, também. Jane não pode ter algumas rosas, mamãe?
Se não fosse atrair muita atenção, Jane poderia ter gemido. Ela odiava
comprar vestidos, indevidamente conduzia à mortificação e ao desconforto para
alguém de sua figura, mas fazê-lo nas atuais circunstâncias era quase
insuportável. Isto ia custar ao duque uma fortuna.
Enquanto seu pai estava longe de ser pobre, seus ganhos eram talvez uma
décima parte dos de Blackmore. E com cinco filhas para vestir para as múltiplas
temporadas de Londres, um enxoval desta magnitude teria arruinado sua família.
Felizmente para a mãe e irmãs de Jane, que desfrutavam da ideia de comprar um
número excessivo de vestidos, roupa interior de seda, chapéus, luvas, sapatos e
outros artigos diversos aptos para uma duquesa, Blackmore tinha insistido em
pagar por tudo. Não havia, sem dúvida, consultado Jane.
Nem com o enxoval. Nem com a cerimônia. Nem com o matrimônio.
Ela não tinha visto nem falado com o homem desde a semana que lhe havia
arrebatado os sapatos da mão e saído apressada da biblioteca da Casa Berne. De
fato, no momento em que sua mãe lhe tinha informado do propósito de
Blackmore, ele já tinha concluído o assunto e ido.
Tinha saído precipitadamente da cozinha em direção à biblioteca,
surpreendendo seu pai ao irromper através das portas, resfolegando e gritando:
—Papai, não devia estar de acordo!
Mas seu pai simplesmente tinha sacudido a cabeça e cruzado a habitação
para envolvê-la firmemente em seus braços como tinha feito quando era uma
menina.
—Já está feito, anjo — lhe tinha sussurrado contra a parte superior de sua
cabeça. Afastando-se, ele tinha apoiado as mãos sobre seus ombros e falado
com carinho, mas severamente. — Deve aceitar este matrimônio. E estar
agradecida.
—Agradecida! — Tinha grasnado.
Com suas mãos firmes, sua voz mais firme, tinha lhe dado uma pequena
sacudida e respondido: —Blackmore está tratando de corrigir um erro no qual
não tomou parte. O descarado de seu irmão manchou a honra de sua família, e
ele deseja retificar a situação ao te dar o amparo de seu nome e de seu título. —
Ela tinha começado a protestar, mas ele tinha continuado com firmeza: — É um
nobre sacrifício, anjo, e sim, devia estar agradecida. Blackmore não acaba de
salvar só a ti, mas também as suas irmãs de uma grande desgraça.
Angustiada, Jane havia se sentido separada de seu corpo, sua necessidade de
negar a verdade vociferando dentro dela. Mas não podia negar. Seu pai tinha
razão. Blackmore estava se sacrificando, lançando o considerável poder que
exercia na sociedade (um grande e imponente poder), sobre ela e sua família
como um escudo protetor.
Era o único evento suficientemente significativo para que seu incidente de
torpe delinquência ficasse ofuscado entre os círculos de fofoqueiras: o Duque de
Blackmore finalmente tinha escolhido uma esposa. Fazendo de Jane sua
prometida estabelecia em termos muito claros que não acreditava nos rumores e
não toleraria que ninguém a associasse com o escândalo.
Simplesmente não podia compreender por que ele fazia uma coisa assim.
Vitória tinha falado do superdesenvolvido sentido de honra e orgulho de
Blackmore, mas o Apolo da aristocracia nem sequer deveria estar dançando com a
comum Jane Huxley, muito menos casar-se com ela. Nobre sacrifício, por certo.
Eram um casal terrível. Além do que, ela não desejava ser uma duquesa. Mais
especificamente, não desejava ser sua duquesa.
—Minha opinião não conta?
A expressão de seu pai se tornou grave, embora sua voz havia se mantido
suave.
—Temo que teve sua oportunidade, Jane. Quando subiu pela janela de
Lorde Milton, se arriscando e arriscando suas irmãs, você tomou a decisão.
Agora, deve fazer as coisas certas. Deve fazer isto por elas.
As lágrimas inundaram seus olhos, sulcando suas bochechas como duas
gotas gêmeas. Pôde ver o resplendor da luz do dia cintilando sobre os atalhos
úmidos. Seu peito parecia vazio, raspado e deixado escancarado.
Seu pai a tinha estreitado em seus braços de novo, sua mão segurando a
parte posterior de sua cabeça.
—Ele é um bom homem, querida. Nunca teria aceito o matrimônio se não
fosse.
Talvez fosse. O Duque de Blackmore poderia ter se casado com qualquer
uma. Poderia nomear pelo menos sete belezas da nobreza, todas diamante de
primeira, que seriam uma melhor opção para ele. Conformar-se com alguém
como Jane era um ato de inexplicável altruísmo.
Blackmore estava tão acima dela que bem poderia estar na lua.
Entretanto, tinha aceito casar-se com ele. Porque seu pai tinha razão, não
podia jogar o futuro de suas irmãs ao lixo simplesmente para escapar de um
matrimônio que temia. Maureen e Genie mereciam a oportunidade de dançar a
valsa, comprar chapéus e mover seus leques para paquerar em suas próprias
temporadas. Mereciam fazê-lo sem o espectro do terrível erro de Jane
agarrando-se a elas como uma pegajosa teia de aranha.
Agora, pelas mesmas razões, tinha estado de acordo com aquela excursão às
lojas para comprar um enxoval que não queria, para um matrimônio que não
queria, com um homem que… bom, um homem para quem era tragicamente
inadequada. No presente, ouviu sua mãe exclamar por uma ilustração de um
conjunto de montar verde esmeralda e sentiu que seu estômago se retorcia de
forma ameaçadora. A senhora Bowman explicou que baixaria a cintura em todos
os vestidos um pouco mais do que estava na moda, já que ajudaria Jane parecer
"menos bolinho, mais duquesa".
Foi então que Lady Wallingham escolheu inserir-se na discussão, declarando:
—Sim, sim. Tudo isto está muito bom. Mas o que fazer com seu vestido de
noiva, senhora Bowman? A princesa Charlotte usou uma magnífica confecção
de tule prateado. Insisto que Jane use nada menos que ouro.
A senhora Bowman sacudiu a cabeça enfaticamente e levantou um dedo.
—O ouro é muito amarelo. Não, não, não. Para Lady Jane tem que ser algo
mais intenso. — Ela tirou um lápis do bolso e estalou os dedos à sua ajudante,
que flutuava no fundo. Um pequeno caderno de desenho apareceu no mesmo
instante. A senhora Bowman o abriu e começou a desenhar com traços rápidos
e decisivos. — Bronze. Seda. Um pouco de fita para passar o corpete.
Os olhos verdes de Lady Wallingham se centraram na costureira, que parecia
perdida em seus próprios pensamentos, murmurando de vez em quando em
italiano.
—Ela terá tule de ouro. Ponha-o como quiser. Mas Lady Jane Huxley deverá
usar ouro no dia de suas bodas.
A senhora Bowman ficou imóvel, olhando à marquesa viúva de Wallingham.
Um resistente brilho de respeito apareceu em seus olhos escuros antes que
elevasse as sobrancelhas e encolhesse os ombros. Voltando para seu esboço,
murmurou: —Uma faixa larga para colocar na cintura. E tule de ouro sobre a
seda de bronze.
Jane olhou Lady Wallingham, que assentiu imperiosamente. Aquilo era
muito grandioso. Era muito custoso. Era... não era ela.
Ela sabia que, em certo sentido, todos tinham razão. Deveria estar
agradecida ao duque. Deveria aspirar converter-se em uma duquesa. Até a
senhora Bowman provavelmente tinha razão: deveria usar cores mais vivas,
cinturas baixas e formas mais simples. Mas Jane não queria usar bronze ou verde
esmeralda. Não queria ser uma duquesa.
Acima de tudo não queria que Blackmore a olhasse com a resignada
amargura que sabia que ia ver em seu rosto pelo resto de suas vidas.
Queria fugir.
Ocultar-se em algum lugar longínquo.
Perder-se em uma história, qualquer história, contanto que pertencesse a
outra pessoa.
A senhora Bowman elevou o esboço para que todo mundo o visse. Todas
suspiraram e aclamaram enquanto Jane o olhava de esguelha sentindo-se
miserável. Sem dúvida, um vestido tão requintado ficaria ridículo nela, como
colocar uma coruja com um dos chapéus mais elaborados de Genie. Seu único
consolo residia na ideia de que talvez o vestido de noiva fosse o ponto
culminante da senhora Bowman, o destaque que marcou o final daquele
pesadelo da Bond Street. Mas como logo descobriu, tal ilusão era um caminho à
decepção.
—E agora, — anunciou a costureira voltando uma página em branco —
algumas coisas para a noite de bodas, não?
CAPÍTULO 10
"Os homens são impulsionados por duas forças: luxúria e poder. O matrimônio é a única
instituição reconhecida que serve para ambos os fins. Do contrário, me atreveria a dizer,
teríamos muito trabalho para arrastá-los até o altar." - A Marquesa Viúva de Wallingham
à Lady Berne enquanto discutiam a intratável falta de interesse de seu filho Charles para
voltar a casar-se.

—Bom Deus, homem, guarda essa coisa.


Harrison levantou a vista de seu relógio e virou-se com uma sobrancelha
elevada para Henry Thorpe, Conde de Dunston. As bolinhas de pó flutuavam
na luz da manhã que se filtrava pela janela da igreja de St. George, rodeando a
cabeça castanha de Dunston. Depois de ter conhecido o homem muito antes de
Oxford, Harrison estava acostumado à exasperação de seu amigo.
—Passaram-se três minutos desde a última vez que olhou. Ela aparecerá
quando estiver pronta. Tenha paciência.
—Está atrasada— Harrison respondeu categoricamente, fechando o relógio
com um estalo e deslizando-o no bolso.
Dunston suspirou, seu caráter afável provavelmente tensionado pelo atraso
de vinte minutos das bodas do Harrison.
—Sua mãe e irmãs estão ajudando-a. As mulheres requerem muito tempo
para preparar-se.
—Dei-lhe tempo suficiente. Cinco semanas, para ser preciso. Mais tempo
simplesmente é petulância.
Parados na parte traseira da igreja, fora da vista dos reunidos nos bancos de
carvalho, falavam em sussurros. Harrison não tinha nenhum desejo de incitar o
alarme.
—Como de costume, temo que Lorde Dunston tem o melhor argumento,
Harrison.
Ele se voltou para ver sua irmã aproximando-se dele. Depois de ter dado à
luz o seu sobrinho só oito semanas antes, ela estava muito saudável, brilhante de
fato, em um vestido de seda verde suave adornado com renda de cor creme. A
tensão que se assentou ao redor de seus pulmões aliviou um pouco.
—Vitória.
Quando lhe tinha escrito sobre sua decisão de casar-se, ela tinha insistido em
viajar à Londres para as bodas, apesar de suas instruções específicas de que
permanecesse em Derbyshire. Seu marido tinha demonstrado ser um inútil para
dissuadi-la, é claro; Atherbourne estava lamentável e perdidamente apaixonado.
Se ela pedisse, não duvidava que o visconde se jogaria de cabeça nos escarpados
de Dover.
Sorrindo radiante, puxou sua manga negra para endireitá-la, apesar de seu
ajudante de câmara ter feito o gesto desnecessário. Pagava ao servente
generosamente por suas normas e habilidades impecáveis.
—Seja paciente, querido irmão. Estou segura que sua noiva simplesmente
deseja parecer o melhor possível.
—Minha paciência não está em questão. As bodas estavam previstas para as
nove. Já passou. — Tirou o relógio do bolso notando que Dunston fechava os
olhos e soltava um exagerado suspiro. — Vinte e cinco minutos.
A mão de Vitória, que tinha pousado brandamente sobre seu braço, deu-lhe
uma pequena palmada.
—Por que não vou ver se posso apressar sua chegada? — Ela disse no tom
que alguém usaria com um bebê irracional.
—Sim! — Dunston respondeu antes que Harrison. — Obrigado, Lady
Atherbourne. Essa é a solução ideal.
Sorriu ao conde e deu no braço do Harrison outro tapinha.
—Não se preocupe tanto. — Elevando uma mão para acariciar o espaço por
cima da ponte de seu nariz, brincou: — Vai sair uma ruga.
Quando se foi, Dunston comentou: —Sua irmã parece estar bem.
—Sim.
—Interessante.
Harrison lhe lançou um olhar interrogante, que Dunston respondeu com um
encolhimento de ombros.
—Tendo em conta que você matou o irmão de Atherbourne em um duelo, e
que ele mais tarde te culpou por essa morte, assim como a de sua irmã, não teria
acreditado que seu matrimônio resultaria tão feliz.
Sua voz careceu de expressão quando ele respondeu: —O assunto foi
resolvido. Como bem sabe. — Dunston também sabia que Harrison não
gostava de falar do atroz amanhecer quando havia disparado em Gregory Wyatt,
matando um bom homem e pondo em movimento o vicioso escândalo que
tinha partido em duas a vida de Vitória.
—Sim. Atherbourne e você são civilizados agora, é verdade. Mas esse é
precisamente meu ponto. O matrimônio é imprevisível. O amor é imprevisível.
—Sandices.
—Qual parte?
—O matrimônio é totalmente previsível. Está desenhado para ser assim. O
marido protege e provê a esposa, que então se encarrega de sua comodidade e
dá à luz os seus filhos. Um simples acordo.
A testa de Dunston caiu em seus dedos, os quais a esfregaram como se
tivesse uma enxaqueca.
—Crê sinceramente que não é mais complicado que isso, não é?
Arqueando uma sobrancelha ante a clara contrariedade de seu amigo,
Harrison respondeu: —É óbvio.
Dunston suspirou, sacudiu a cabeça e deixou cair as mãos nos flancos.
—Prometa-me algo.
—O que?
—Nunca diga algo assim à sua esposa.
Harrison franziu o cenho e abriu a boca para discutir, mas Dunston lhe deu
uma palmada no ombro e se afastou para a grande coluna onde se iniciavam os
bancos. Voltou com um relatório.
—Os convidados estão um pouco inquietos. Por que convidou tantos?
Quando minha prima se casou fui afortunado de ter sido informado.
—Lady Wallingham insistiu. Afirmou que era essencial para nossos
objetivos.
—Desde quando aceita ordens de Lady Wallingham?
O olhar fulminante de Harrison comunicou seu desgosto sem necessidade
de palavras.
Minutos depois, seis minutos para ser mais preciso, o som do órgão da igreja
lhes alertou da chegada da noiva. Finalmente, finalmente, aquela condenada
cerimônia poderia começar.

~~*

Quinze minutos antes ...

Aconchegada no interior de uma pequena antecâmara branca da igreja de St.


George, Jane tinha muitos problemas para respirar. Um suave golpe na porta
precedeu à voz apagada de sua mãe: —Querida? Seu pai gostaria de falar
contigo. Não vai sair?
Ela não estava tentando ser difícil. Só lhe preocupava afastar-se muito do
urinol.
—Não me sinto especialmente bem, mamãe.
A seguinte voz que escutou foi a de seu pai.
— Anjo? Não estará sozinha. Eu estarei contigo em cada passo.
Ela fechou os olhos com força, quase desmaiando ante as palavras de
consolo.
—Sei, papai. — Ele estaria ali, seu braço firme sustentando-a erguida
enquanto caminhasse pelo corredor para Blackmore. Mas quem estaria lá com
ela quando isto terminasse? Quem poderia sustentá-la erguida quando o duque
olhasse à sua nova duquesa com compaixão e ressentimento?
Após ouvir sussurros fora da porta, esperou sentada sobre uma pequena
cadeira de madeira embelezada com o magnífico vestido de bronze que a
senhora Bowman fez, perguntando-se quando alguém, qualquer um, viria a seus
sentidos . Olhou para o urinol no canto. Já não tinha nada no estômago, salvo as
náuseas que ainda se retorciam dentro dela como uma tormenta.
Outro golpe suave.
—Jane? — Desta vez, era Vitória. — Vou entrar.
Ela teria protestado, mas Vitória não lhe deu oportunidade. A cabeça loira
dourada de sua melhor amiga apareceu na porta antes que ela terminasse de
falar, seguida por uns grandes e doces olhos verde azulados.
—Oh, Jane — suspirou. — Está tão linda. — Entrando plenamente na
pequena antecâmara, fechou a porta e se apoiou nela, franzindo os lábios em um
sorriso compreensivo. — E tão miserável.
—Como fez? — Jane sabia que estava pálida e doentia, por isso desprezou
tudo, exceto a última parte da declaração de Vitória. O que necessitava agora era
conselhos sobre como sobreviver a umas bodas não desejadas.
—Minhas circunstâncias foram um pouco diferentes. Lucien e eu... bom,
digamos que já nos conhecíamos o suficiente para saber que nos adaptaríamos.
—Mesmo assim, não deve ter sido fácil para ti.
O sorriso de Vitória foi gentil.
—Não. Não foi. Temo que não tenho um conhecimento secreto para
oferecer. Este é simplesmente um desses momentos que deve suportar com
toda a dignidade que possa reunir.
Jane grunhiu.
—Temia que dissesse isso. — Suspirando profundamente, ela apoiou as
mãos nos joelhos e deixou cair a cabeça para diante. Um suave sussurro foi
seguido por umas cálidas mãos enluvadas que chegaram a descansar sobre as
suas.
Quando levantou a vista, Vitória estava de joelhos ante ela.
—Ele é um bom homem, Jane. Leal, honrado. Muito mais amável do que
deixa ver. — Ante a expressão duvidosa de Jane, ela riu. — É verdade. Sei que
parece um pouco rígido.
—É o homem mais frio que conheci. Não, espera. — Jane se deteve
fingindo calcular todos os homens que tinha conhecido em sua cabeça. — Sim,
o mais frio. Desaprova-me a tal ponto que ficarei surpreendida se ele não
empregar uma instrutora para me ensinar o comportamento apropriado.
Sacudindo a cabeça, Vitória perguntou: —Não supõe que poderia haver
mais nele do que parece ao tratá-lo levianamente?
—Não. E se há, vi poucas evidências disso.
A boca de Vitória se torceu.
—Mmm. Depois das bodas, atrevo-me a dizer que terá oportunidade de
descobrir suas qualidades mais íntimas.
De repente, o peito de Jane se sentiu anormalmente apertado. Voltou as
mãos de modo que agora agarravam as de Vitória.
—Ele e eu fazemos um terrível casal, Vitória. Não pode ver isso? — As
palavras saíram como tiradas à força, a verdade dita claramente e de maneira
urgente depois de ser sufocada por cinco semanas. — Todo mundo nesta igreja,
toda Londres, e mesmo a Inglaterra, entende. Somos um casal ridículo, o mais
ridículo que poderia sugerir-se. Por que todos vocês se comportam como se não
vissem?
—Jane — começou com doçura.
—Por favor, não negue. Não suportaria a ouvir mentir para mim.
—Não mentiria para você.
—Então me diga, antes deste ano, quem você imaginou que ele escolheria
como sua duquesa?
—Harrison ainda não tinha começado a procurar esp…
—À Lady Mary Thorpe, não é assim? A irmã de Dunston.
A expressão do rosto de Vitória disse a verdade.
—Precisamente — Jane confirmou por ela. — Com boas razões! Inclusive
você pensou que fosse necessário lhe pedir que dançasse uma valsa comigo, algo
que ainda não te perdoei, por certo.
—Jane, só queria…
—Sua lástima foi insultante, mas não de todo injustificada. Serei uma atroz
duquesa de Blackmore.
—Oh, isso não é…
Jane soltou as mãos de Vitória para enumerar seus pontos com os dedos.
—Primeiro, sou baixa.
—Só é sete centímetros mais baixa que eu, e cinco mais baixa que Mary
Thorpe.
—Segundo, sou gorda.
—É agradavelmente arredondada. Muitos homens apreciam uma figura bem
formada.
—Terceiro, sou tímida.
Vitória sorriu.
—Não é tímida comigo. Uma vez que se sinta cômoda…
—Quarto, uso óculos.
—Bom, poderia tirar isso, suponho, se lhe incomodam tanto.
Jane se deteve.
—Não me incomodam. Não posso ver um pingo sem eles. Estou falando de
como os outros me percebem.
Com cuidado, Vitória retrocedeu, ficou de pé e endireitou os ombros, as
mãos cruzadas com serenidade sobre seu ventre.
—Para — disse com firmeza.
Jane piscou. Não era próprio de Vitória dar ordens. Mas Jane obedeceu,
levantando-se de sua cadeira, em parte porque Vitória brilhava dos pés à cabeça
como a filha de um duque, e em parte porque parecia que não ia falar até que
Jane o fizesse.
—Agora, algo desta tolice vai alterar o que acontecerá hoje?
Jane vacilou antes de sacudir a cabeça.
—Não — Vitória confirmou com suavidade. — Depois de hoje você será a
duquesa de Blackmore. Você. Não Mary Thorpe. Nem ninguém mais. Fossem
quais fossem as expectativas que outras pudessem ter tido carecem de sentido. A
nova duquesa de Blackmore é uma mulher inteligente, encantadora, bem
formada, que usa óculos e lê muito.
—Não se esqueça, baixa.
—Sua altura não é significativa.
—Será quando meu marido se assemelhar a uma árvore parada ao lado de
um cogumelo.
—Jane.
Jane suspirou.
—Muito bem. Possivelmente tenha razão.
—Nenhum "possivelmente" a respeito. — Vitória sorriu lentamente, logo
estendeu as mãos e beliscou as bochechas de Jane brandamente. — Assim está
melhor. Um pouco de cor. Sinto haver pedido a Harrison que dançasse contigo.
Foi com boa intenção, sabe.
—Sei.
—Está pronta para ser minha irmã?
Jane rodeou com os braços sua melhor amiga. Abraçaram-se com força
durante longos segundos antes que Jane sussurrasse: — Sabe que é a única coisa
boa deste absurdo?
Vitória sorveu pelo nariz e logo se retirou para abranger o rosto de Jane
entre suas mãos. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
—Fomos durante muito tempo irmãs de coração, agora o seremos de
verdade. — Com o polegar, Jane secou a lágrima caindo pela bochecha de
Vitória e sorriu irônica.
—Trazer um herdeiro ao mundo te converteu em um regador?
Rindo ,Vitória retirou as mãos e respirou profundo.
—Pronta?
—Não.
—Acalme-se, querida Jane. Está a ponto de se converter em duquesa.
Melhor começar a atuar como tal. — O tom falsamente severo foi suavizado
pelo sorriso brincalhão de Vitória, mas Jane sabia que tinha razão. Devia
converter-se em uma duquesa, a duquesa de Harrison Lacey, o oitavo Duque de
Blackmore. E já não podia atrasar por mais tempo.
Seu estômago se contraiu, desabando-se dolorosamente pelo interior de seu
abdômen como um peixe jogado à beira do rio: fora de sua profundidade,
lutando para respirar, sabendo instintivamente que seu lugar estava em outro
lugar, mas sem poder fazer nada a respeito.
—Muito bem — Jane disse com voz rouca. Limpou a garganta, endireitou
os óculos com mãos trêmulas, e adotou a expressão mais valente que pôde
conseguir.
—Vá procurar papai. É o momento de mostrar ao mundo como é a nova
duquesa de Blackmore.
~~*

Sua noiva usava um vestido bronze recoberto de um transparente dourado


que brilhava à luz das janelas da igreja. Ela estava longe de ser uma beleza,
comum seria o adjetivo correto. Mas o vestido lhe adaptava sem problemas,
atraindo o olhar ao seu amplo peito, e logo até a cintura recém-descoberta, onde
uma faixa bronze escuro estava amarrada.
Harrison franziu o cenho. Talvez isto explicasse a extravagante fatura que
tinha recebido da loja Bowman na Bond Street.
Subiu o olhar até seu rosto. Via-a pálida. Os olhos de Jane não estavam nele,
mas se moviam freneticamente de seu ramo de rosas marfim aos convidados
sentados nos bancos. Lorde Berne tinha uma mão sobre a dela em seu braço,
mas ela ainda se atrasava ligeiramente para trás de seu pai, como se ele a
arrastasse para frente, contra a corrente.
Finalmente seus olhos escuros encontraram os de Harrison. Ela passou por
um raio de sol e se deteve por um breve instante. Houve um brilho em seus
óculos pelo reflexo da luz antes que voltasse a avançar; depois disso, já não
afastou o olhar dele.
—Amados irmãos... — ele escutou cada palavra da cerimônia, pronunciou
seus votos, ajoelhou-se quando pediram. Mas todo o tempo sua atenção estava
nela. Em Jane.
Sua voz tinha uma leve aspereza. Era algo que tinha notado no baile de Lady
Gilforth, embora nesse momento tinha estado mais zangado com ela que
intrigado. Enquanto escutava aquela voz prometer amar, adorar, e muito
especialmente obedecê-lo, uma sensação o percorreu do couro cabeludo até sua
pele, e desceu por sua espinha dorsal. Na parte dele que ninguém conhecia, a
satisfação vibrava e se pavoneava. Era algo inesperado e não desejado.
A satisfação voltou de novo quando deslizou o anel de sua mãe em seu
dedo. Por fim, depois da terceira prece por sua fecundidade, o sacerdote cessou
o monótono sermão e completou a cerimônia. Harrison ofereceu o braço à sua
esposa. Apesar dos severos esforços por esmagá-la, aquela despertada satisfação
se apoderou dele pela terceira vez. Agora enchia todo seu corpo.
Sua esposa. Ela era sua esposa.
Jane deslizou a mão dentro de seu cotovelo, seu tato ligeiro e cauteloso. A
música do órgão e do coro ressoou dentro da igreja cavernosa enquanto se
retiravam pelo corredor.
Ele não deveria sentir-se tão agradado. Ela estava longe de ser formosa,
elegante e obediente esposa que tinha presumido que ia escolher quando
chegasse o momento, o qual sempre tinha sido "mais adiante". Franziu o cenho.
Talvez essa fosse a razão daquela gratificação desconcertante. Já não estaria
obrigado a suportar o mercado matrimonial. Qualquer cavalheiro com um título
e fortuna estaria agradecido por escapar daquela loucura.
Ao baixar o olhar ao seu cabelo escuro partido no centro e recolhido na
parte posterior de sua cabeça adornado com umas pérolas e uma fita dourada,
seu cenho se aprofundou. Diminuindo o passo ao chegar à última coluna no
final dos bancos, detiveram-se e esperaram pelo sacristão no canto sombreado
da igreja.
Ela deixou escapar um grande suspiro e olhou distraidamente seu rosto.
Suas sobrancelhas baixaram, e piscou como uma coruja antes de deixar cair seu
olhar para seu queixo e murmurar: —Não me olhe com esse cenho franzido.
Isto é obra sua, não minha.
E foi quando soube. Era algo mais que o alívio de já não ser um objetivo da
busca de marido. Era ela. Jane. Ela era muito possivelmente a única mulher que
o tinha desafiado de maneira tão direta. Ela não o tratava como um duque.
Tratava-o como um homem, e um que a irritava tanto quanto ela a ele. A ideia
de obter o controle sobre ela saciava uma necessidade oculta que raramente
reconhecia, muito menos se permitia.
Ele queria submetê-la, pô-la de joelhos. O impulso era básico. Primitivo.
Mas logo que entrou em sua mente, escapou de sua fonte, correndo por suas
veias para bulir sob sua pele. Sentindo a virilha esticando-se de antecipação,
apertou a mandíbula, tratando de sufocar o instinto indecoroso. Não devia
deixar que esse sentimento se assentasse. Ela tinha casado com ele por uma
razão: para proteger sua reputação. Ele tinha casado com ela por uma razão:
para restaurar a honra de sua família. Permitir que sua união se convertesse em
algo mais seria um erro perigoso.
Era inapropriado sentir aquelas coisas por sua esposa.
Imaginá-la ajoelhada diante dele.
Fantasiar com ela entregando-se ao prazer de ambos.
Não, devia apagar estes impulsos primários como os pequenos incêndios
que eram.
Se não, era ver como ambos ficavam carbonizados.

~~*

Segundo a experiência de Jane, poucos problemas não podiam superar-se


com uma boa comida. Hoje estava demonstrando ser a exceção. O café da
manhã de bodas tinha sido um festim sem igual (obra de sua mãe, é óbvio).
Presunto salgado e suculento, pães doces delicados, doces, bolo de ameixas,
omeletes sutilmente temperadas com cebolas e tomilho, e uma seleção de outros
pratos que chegava a enjoar, cada um mais tentador que o anterior. No
momento em que apresentou o bolo de bodas, Jane temia que fosse explodir.
Mas nada disso diminuiu seu infortúnio. Nem tampouco, ao que parecia,
havia consolado o Duque de Blackmore. Seu marido. Diabos, nunca me acostumarei
com isso. Mesmo agora, duas horas depois, ele conservava a mesma expressão de
tensão e consternação que tinha visto pouco antes que o sacristão os tivesse
acompanhado a um pequeno escritório, onde tinham assinado o registro,
finalizando sua união mal concebida.
Ela suspirou, bebeu um gole de café olhando os convidados que formavam
redemoinhos no salão de sua família. Todos pareciam estar desfrutando mais
que ela. A risada e a conversação criavam um estrondo geral que flutuava ao
redor e por cima dela como a névoa sobre os pântanos.
Na verdade, deveria estar agradecida de estar sentada naquele pequeno divã
escondido em um canto inócuo do salão. Às vezes era agradável ser ignorada.
As duas últimas horas tinham sido terríveis. Tudo aquilo de sorrir e assentir com
a cabeça e os "milord". Em um dado momento tinha temido que seus joelhos
cederiam com a tensão de fazer reverências, especialmente depois que o maldito
padre os tinha, ao duque e a ela, de joelhos por perto de meia hora enquanto ele
seguia falando, falando e falando, suplicando ao Todo—Poderoso por sua
fertilidade. Realmente. Uma oração singela por uma união frutífera era mais que
suficiente. Três longas súplicas figuravam como pouco digno.
Agora que pensava nisso, a oportunidade de sentar-se ali e descansar,
relativamente tranquila, bebendo seu café, e com ninguém aproximando-se era
bastante agradável.
A poucos metros de distância Lady Wallingham declarou em voz alta que o
dourado era a cor ideal para as noivas da moda. A viúva usava um vestido azul
brilhante com um turbante com plumas combinando. Extravagante, mas de
alguma maneira sempre elegante, Lady Wallingham se arrumava para não ter
papas na língua e igualmente ser poderosa. Excêntrica, entretanto amplamente
aceita, inclusive respeitada pelas outras matronas.
Jane se ergueu quando uma ideia se insinuou como uma picada em sua
mente. No papel de duquesa, estava destinada a fracassar espetacularmente.
Todo mundo sabia. Mas e se se convertesse em uma excêntrica? Uma original,
por assim dizer, a duquesa que amava os livros mais que as danças, a que
raramente falava, a que dificilmente aparecia em Londres, nunca organizava um
único...
Seu olhar pousou na cabeça louro dourado de seu novo marido. Ele estava
perto da lareira falando com Lorde Dunston. Via-se intimidante. Parecia o
Blackmore que nunca toleraria a indignidade de uma esposa excêntrica. Ela
desabou no divã quando seu pequeno raio de esperança morreu
prematuramente.
A mãe de Jane levou Lady Wallingham, e um grupo de amigas de Annabelle
passaram diante dela, ignorando-a como de costume. Atrás delas outro grupo de
cinco jovens se reuniam, seu círculo loiro rodeando uma figura familiar de lindo
cabelo castanho avermelhado.
Jane se pôs rígida ao reconhecer Lady Mary Thorpe, a irmã de Lorde
Dunston.
Quando o grupo risonho de Annabelle se afastou, Jane não pôde evitar
ouvir as amigas de Mary falarem, e de tudo o que podiam falar, da própria Jane.
—Estou atônita, simplesmente atônita! — Sussurrou a rancorosa Lady
Phillipa Martin-Mace. — O que poderia estar pensando Blackmore para casar-se
com alguém tão feia e gorda como Jane Huxley? Uma escolha horrível,
certamente, mas o pior mesmo é que poderia ter oferecido matrimônio a ti,
Mary.
Jane fez uma careta, então deixou brandamente seu café sobre a mesa baixa
diante dela sentindo a repentina volta das náuseas que havia sentido antes. Na
realidade, aquilo era de se esperar. Deveria estar preparada. Mas escutar a
verdade sem rodeios foi como o súbito corte de uma fria faca.
—Deveria tê-lo feito, quero dizer. Ela se aproveitou de sua honra de
cavalheiro — Adorra Spencer interveio, seus dentes anormalmente grandes
fazendo sua dicção menos cortante. — Todos sabemos que Blackmore é
obsessivo a respeito. Do contrário, sem dúvida, teria te pedido em matrimônio
nesta temporada.
A loira mais clara de todas elas, a senhorita Cecilia Barkley, negou-se a ser
menos importante.
—Ele é legitimamente teu, querida Mary. Você deveria ter sido a duquesa de
Blackmore.
Uma cálida presença afundou a almofada junto a Jane, desviando sua
atenção da guarda de palácio de cabelo amarelo que rodeava uma recatada Mary
Thorpe, que escutava tudo sem elevar um protesto.
—Perguntava-me onde tinha se metido. — Vitória disse casualmente... —
Se escondendo à plena vista, já vejo.
O olhar de Jane desceu às suas mãos, ao seu anel de bodas, uma esmeralda
de tamanho considerável flanqueada por uma dúzia de diamantes e coroada de
ouro. Tinha pertencido à última duquesa de Blackmore, a mãe do duque.
Retorceu o anel a uma volta completa antes de parar e cruzar as mãos.
—De vez em quando a invisibilidade é benéfica.
Vitória se inclinou mais para perto, empurrando o ombro de Jane com o
próprio.
—Não preste atenção a elas. A inveja é a cor mais feia da paleta. Sou
pintora. Eu sei.
—Não têm razão? — Jane sussurrou. Antes que Vitória pudesse responder,
ela continuou: — Inclusive eu tinha ouvido que ele estava a ponto de pedir a
mão de Mary Thorpe antes… — com um pequeno movimento ela fez um gesto
com sua mão esquerda... — que isto ocorresse. Possivelmente tem razão de
sentir-se traída.
Vitória não estava aceitando nada daquilo.
—A esta altura já deveria conhecer Harrison suficientemente bem para saber
isto: se lhe tivesse feito promessas, as teria cumprido. Não as fez e se Mary
agora se sente traída, é o resultado de sua própria fantasia.
—Sim, mas…
—Jane, recorda como Mary se comportou comigo quando minha reputação
estava no chão?
Ela assentiu. A garota de cabelo canela e sua manada de loiras tinham feito
um franco desprezo à Vitória. Recordando a dor nos olhos de Vitória quando
Mary tinha levado seu grupo a cruzar a rua Bond em um claro intento de evitar
passar perto de Vitória, Jane sentiu um ressurgimento da furiosa indignação que
tinha experimentado naquele momento.
—E crê que eu preferiria passar os próximos quarenta anos trocando
experiências com alguém que sei que é, no melhor dos casos, inconstante? Ou
preferir alguém que demonstrou ser leal e verdadeira?
— É… o segundo?
—Precisamente. — Vitória estremeceu. — Meus sobrinhos desenvolverão
um melhor caráter nos joelhos de sua mãe, graças a Deus.
Jane levou um momento para dar-se conta de que se referia aos futuros
filhos de Jane com Blackmore. Para o qual seria necessário...
Ela sentiu um rubor em suas bochechas.
Alheia aos pensamentos inapropriados de Jane, Vitória concluiu suas
palavras de apoio com: —Como aconteceu, estou muito agradecida de que seja
você quem usa o anel da minha mãe.
Jane encontrou os olhos de sua amiga sabendo que falava de coração.
—Obrigada — disse.
Vitória lhe apertou a mão brevemente.
—Isto foi um momento difícil, mas sabe que não está sozinha. Se alguma
vez tiver necessidade, vem à Thornbridge. — Um suave sorriso curvou sua
boca. — Oh, seria maravilhoso Jane. Poderia ficar todo o tempo que desejasse.
Lucien tem tantos livros…
—Talvez ela devesse instalar-se em Blackmore Hall antes de ir contigo,
querida irmã. — A voz tranquila e cortante atraiu os olhos de ambas ao rosto de
Blackmore. Não parecia satisfeito.
Vitória lhe dirigiu um sorriso brilhante, um que ele não devolveu.
—Simplesmente estava convidando Jane para uma visita. Somos amigas, já
sabe.
Ignorando-a, Blackmore voltou seu olhar de ferro para Jane.
—Devemos partir antes da hora se quisermos chegar à estalagem ao
anoitecer.
Girando a cabeça com surpresa, Vitória protestou: —Harrison, não pode
esperar que sua esposa passe sua noite de bodas viajando em uma carruagem.
—Não — disse categoricamente. — Ficaremos na estalagem. Acredito que
isso é certo.
Disparando à Jane um olhar de exasperação de irmã, Vitória disse: —
Trataria de raciocinar com ele, mas uma vez que determinou um rumo, nada o
convence de abandoná-lo.
Enquanto se dirigiam para o andar de cima, ao dormitório para preparar-se
para sua partida, Jane sentiu o frio do medo assentar-se sob sua pele.
Uma vez que determina um rumo...
A maior parte do que Jane sabia de seu novo marido provinha das
descrições de Vitória, um punhado de interações menos que cordiais, e sua
reputação como um duque exigente e poderoso. Grande parte de sua resistência
ao matrimônio se apoiava em sua própria falta de idoneidade para cumprir com
o papel de duquesa. Isso tinha consumido seus pensamentos excluindo todo o
resto.
Até agora.
Agora devia ter em conta que, além de ser o oitavo Duque de Blackmore,
também era um homem. A conversação profundamente incômoda que tinha
tido antes com Annabelle a respeito dos "prazeres das relações maritais" surgiu de
novo em sua mente enquanto Vitória, junto com suas irmãs, mãe e Estelle, a
criada de Jane, revoavam ao seu redor como um bando de mariposas.
Ela tragou saliva, seus ouvidos zumbindo e acalorando-se.
Ele era um homem.
Formoso. Dominante. Viril.
Oh, meu Deus. Por que ela não se deu conta antes? Todo o tempo
preocupou-se que a achariam deficiente como duquesa. O que deveria lhe haver
preocupado mais era seu iminente fracasso como esposa.
Esforçou-se para recordar o que Annabelle lhe havia dito. Algo sobre
"embriagador" e "felicidade absoluta". Sua irmã tinha mencionado que um homem
tinha um apêndice, e que não se alarmasse quando se endurecesse. Quando Jane
tinha perguntado como poderia ocorrer tal coisa, Annabelle lhe tinha assegurado
que, se um homem achava uma mulher agradável, ia acontecer de forma natural.
Seus pulmões se apertaram.
E se ele não a achasse? Agradável, queria dizer.
— ...Graça?
Ela sacudiu a cabeça e piscou ao ver o rosto de Estelle, que flutuava a
poucos centímetros do dela.
—Oh, per… perdão, Estelle. Estava falando?
A criada, uma mulher magra de quarenta anos e cujos amáveis e naturais
maneiras a tinha feito uma das acompanhantes favoritas de Jane, limitou-se a
sorrir.
—Pode tomar um tempo acostumar-se ao novo título, não é?
Jane voltou a piscar e assentiu com ar ausente.
—Sente-se bem?
Jane não respondeu.
Não podia.
Estava muito ocupada correndo para o urinol, onde o magnífico café da
manhã de bodas de sua mãe fez um pronto e desagradável reaparecimento.
CAPÍTULO 11
"Me economize seu tedioso discurso. Os desconfortos da viagem só são superados por seus
inconvenientes. E você está se convertendo rapidamente em um destes últimos." - A Marquesa
Viúva de Wallingham ao seu sobrinho em sua viagem de Oxford à Londres.

Sentados um junto ao outro em sua carruagem, viajando pelo grande


caminho do norte para Blackmore Hall em Yorkshire, a esposa de Harrison não
havia dito uma só palavra em mais de três horas. E ela estava em seu sétimo
suspiro. Embora Harrison frequentemente preferisse o silêncio, o dela só era
quebrado pelo passar de páginas, o ruído das rodas da carruagem, e o suspiro
incessante.
Irritado, baixou o olhar ao seu nariz curto e redondo onde seus pequenos e
redondos óculos não conseguiam manter-se adequadamente em seu lugar. Ela
os fez subir em um gesto já familiar. Inexplicavelmente, provocou uma labareda
de calor dentro dele. Talvez irritação. Talvez algo mais.
Em sentido estrito, Jane era toda comum, apagada e ignorável: seu cabelo
era castanho e murcho, seus olhos castanhos e grandes, o nariz muito curto, sua
pele mais leitosa que cremosa, e sua figura muito gordinha para ser considerada
bela. Seus olhos caíram em seus seios generosamente arredondados,
cuidadosamente delineados pelo corpete de seu vestido de viagem verde
esmeralda. Depois de um novo estudo, aqueles traços tinham suas vantagens, pensou.
Ela suspirou de novo, um sorriso sutil brincando em seus lábios, que não
eram nem muito finos nem muito cheios, nem muito estreitos nem muito
amplos. Eram simplesmente um conjunto de lábios bastante atraentes, com um
ligeiro arco no superior, mas nada digno de destaque. Por que então o esboço
mais leve de seu sorriso ou a curva ou a careta desses lábios deveriam ser tão
incrivelmente fascinantes não tinha ideia.
A carruagem se agitou ao passar por um buraco profundo, fazendo com que
ambos balançassem. Ela apoiou a mão direita na parede ao lado do marco da
janela, e logo voltou a agarrar seu livro quase imediatamente. Com a mão
esquerda voltou delicadamente a página, deslizando seus dedos amorosamente
sobre sua superfície e então a elevou para empurrar a borda de seus óculos…
outra vez. O anel de sua mãe lhe deu uma piscada e cintilou à luz do entardecer.
Mas isso não foi o que lhe chamou a atenção. Foi sua mão, ou melhor, suas
duas mãos. Elas eram deliciosas: pequenas, sedosas, delicadas, brancas. Havia
tirado as luvas porque, como ela tinha explicado pouco depois de sua saída da
Casa Berne, preferia sentir o deslizar do papel sob seus dedos.
Quase tinha gemido. Simplesmente pensar em suas mãos o punha inquieto.
Imaginar que outra coisa ela poderia saborear e acariciar com aquelas mãos nuas
o punha duro como uma pedra.
Uma vez mais a grande inconveniência de seus pensamentos o alarmou. A
luxúria era para as amantes, não para as esposas. Tinha terminado com
Marguerite, sua amante de três anos, antes de ter proposto matrimônio a Jane.
Talvez tivesse sido uma imprudência. Ele era um homem de apetites fortes, os
quais Marguerite previamente tinha atendido com discrição, regularidade e
entusiasmo. Depois de seis semanas de abstinência tinha sentido que sua fome
poderia levá-lo a fixar sua vista em sua nova esposa.
Mesmo assim, não devia permitir que continuassem estes pensamentos
aberrantes. Às esposas devia-se mostrar o máximo cuidado e consideração
devido às suas sensibilidades delicadas. Jane era inocente. Sua tarefa seria
introduzi-la no leito matrimonial com cuidado e grande moderação.
Certamente não podia exigir que acariciasse seu membro com aquelas mãos
brancas, logo o tomasse entre seus lábios pouco notáveis e profundamente
dentro de sua boca descarada. Tampouco que ela mais tarde mostrasse seus
plenos e deliciosos seios para que ele pudesse sugá-los, até que estivesse
encharcada entre suas coxas carnudas.
Harrison apertou os dentes e agarrou a correia de couro em cima da janela,
voltando o olhar para os campos verdes da campina. O sussurro de uma volta
de página seguido de seu oitavo suspiro o atraiu para ela como um ímã.
—Se deseja uma diversão mais prazerosa que admirar as terras de cultivo de
Hertfordshire, Sua Graça, com muito gosto lhe emprestarei um dos meus livros
— disse Jane sem levantar a vista de sua novela. Devia ter sentido seu olhar fixo
nela. Talvez a tivesse incomodado. Deus sabia que o havia incomodado.
—Ficção, suponho – disse, sua voz vergonhosamente rouca.
Finalmente ela levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos.
—Sim.
—Não — respondeu com brutalidade. — Eu não gosto de novelas.
—Talvez a poesia seja mais de seu gosto.
—Frívolas tolices. Uma absoluta perda de tempo.
Ela torceu a boca.
—Bem, Sua Graça, já que neste momento tem um excesso de tempo a
perder, possivelmente possa adquirir um novo apreço pela ficção. É uma boa
distração, pelo menos.
Sem responder ao seu ponto muito válido, só a olhou irado. Tomando sua
falta de resposta como um acordo, Jane colocou seu livro no assento junto a ela,
apoiou uma mão no marco da janela, e se levantou até ficar encurvada.
Que diabos estava fazendo?
Girando até que seu traseiro ficou frente a ele, ela se inclinou para frente e
puxou uma cesta que parecia ter sido escondida debaixo de seus pés.
—Tenho justo o que necessita — ela murmurou, seu redondo e exuberante
traseiro balançando-se a meros centímetros do rosto de Harrison. — Wordsworth
é muito lírico. O que requer é algo com ação vigorosa. Algo que lhe faça
bombear o sangue.
Era isso . Ela o estava torturando intencionalmente.
Seu traseiro ricocheteava e oscilava encantadoramente enquanto ela escavava
dentro da cesta. Tragou saliva, incapaz de afastar o olhar, embora soubesse que
era mal... muito mal imaginar agarrar seus quadris, levantar sua saia verde
esmeralda e lhe mostrar justo que ação vigorosa…
—Achei! Sabia que estava aqui. — Sua mão esquerda se estendeu
triunfalmente agarrando um trio de volumes atados com um pedaço de corda.
Pôde distinguir a palavra "Waverley" com o passar do desgastado lombo.
De repente, a carruagem sacudiu com força, as rodas gemendo quando
golpearam uma das crateras mais profundas do caminho, fazendo com que Jane
perdesse o equilíbrio e fosse jogada para trás.
Justo em seu colo.
Ela gritou alarmada. Ele gemeu de surpresa.
No instante em que ela caiu seus braços envolveram sua cintura de forma
automática cruzando o fluxo superior de seus seios. Agora ela estava
pressionada firmemente, embalada dentro da curva de seu corpo. Contra sua
vontade, ele baixou a cabeça até que seus lábios se abateram a um centímetro de
seu pescoço branco leitoso. Ela era toda suavidade. Cada maldito centímetro.
Apertando os dentes e tomando uma necessária respiração profunda, lutou
contra o agonizante prazer de seu traseiro retorcendo-se contra seu membro.
Assim de perto seu aroma lhe encheu os pulmões, fresco, doce e quente como o
bolo de maçã com manteiga que recordava do cozinheiro anterior de Blackmore
Hall.
Deu-lhe água na boca.
—Oh, céus. P… per... oh... — seu ofegante tom áspero enviou ainda mais
sangue correndo de sua cabeça àquela extremamente agradecida parte dele, que
celebrava sua proximidade com alegria indecorosa.
A carruagem balançou de novo quando atravessou penosamente outro
buraco. Felizmente, o movimento brusco o tirou de sua névoa luxuriosa tempo
suficiente para que retornasse à razão. Apertando a mandíbula, deslizou as mãos
agarrando sua cintura justo por cima dos quadris, a levantou e a baixou junto a
ele, de volta ao seu lugar apropriado.
—Oh! — Ela chiou, suas mãos roçando as de Harrison enquanto ele se
retirava.
Perdendo toda sua paciência, grunhiu: —A leitura não me interessa. Tenha a
amabilidade de guardar seus livros e fique em seu assento.
—Sinto muito, Sua Graça — ela começou endireitando seus óculos por
cima das bochechas acesas. — Não foi minha intenção…
—Em qualquer caso, estes acidentes são o resultado natural da conduta
imprópria, uma lição que deve estar bem versada a esta altura.
Seu rosto passou de ruborizado a vermelho brilhante.
—Terei em conta.
—Por favor, faça-o. Agora eu gostaria de dormir. Rogo-lhe que me permita
a cortesia de uma hora de paz e quietude. — Com isso, já não pôde olhá-la.
Mesmo respirar perto dela era doloroso, seu aroma ainda enchendo sua cabeça
com seu cheiro lhe embriagando. Cambaleava para ele, seus sentidos capturados
e agitando-se como roupa pendurada em um varal, sendo maltratada por um
forte vento. Cruzou os braços sobre o peito e fechou os olhos, baixando a
cabeça em uma pretensão de dormir, sua mão discretamente colocando as abas
de seu casaco sobre seu colo. Provavelmente ela era muito inocente para
entender o que tinha estado empurrando contra seu traseiro com insistência. Até
lá, ele não queria responder perguntas a respeito.
Apesar de não responder imediatamente à sua reprimenda, ele logo ouviu o
assobio e estalo de uma brusca volta de página, junto com uma réplica baixa que
soava suspeitamente como: —Prove uma tumba. Há um montão de paz e
tranquilidade ali, insuportável...
Sua voz apagou em um suspiro furioso, seguido pelo silêncio que havia
solicitado.
Se só este inoportuno, inadequado e totalmente desastroso desejo de saltar
sobre o corpo exuberante de sua nova esposa como um lobo faminto pudesse
ser eliminado tão facilmente.

~~*

Jane tentou com todas as suas forças desaparecer em seu livro, mas foi inútil.
Tinha lido a mesma frase cinco vezes e nem uma palavra daquilo se parecia com
o inglês.
Diabos. Era aquele homem. Seu marido.
Dirigiu-lhe um olhar com os olhos entreabertos. Estava inclinado longe dela,
fingindo dormir. Seu cabelo brilhava sob a luz tênue, cor café claro nas raízes,
dourado brilhoso nas pontas. Era um pouco mais escuro e cinzento que o de
Vitória, mas isso talvez fosse porque estava muito curto. Se o deixasse crescer
provavelmente o dourado teria preferência. Deixou que seus olhos se
deslizassem para baixo, à sua mandíbula. Era como uma faca, tão cortante e
dura. Ele era de fato, duro em todas as partes. Em seus ombros. Em seu peito.
Em suas coxas. Naquelas, especialmente. Quando o via à distância parecia
esbelto e elegante. Mas quando se aproximava, era muito maior e mais
imponente, mais largo nos ombros, mais grosso nos braços.
Como podia um homem tão belo ocultar uma alma tão fria e rígida?
Tinha sido completamente desnecessário reagir com tanta dureza à sua
abertura e posterior queda. Estava tentando lhe fazer um favor, pois ele tinha
estado alternadamente olhando pela janela e de volta a ela durante quase três
horas. Claramente ele estava adoecendo de aborrecimento se estava tentando ler
seu livro por sobre seu ombro. Isso devia ter sido o que tinha estado tentando
fazer, porque ela não podia imaginar outra motivação para seu evidente olhar
fixo. Finalmente os acalorados calafrios de seu olhar se fizeram insuportáveis,
por isso, lhe tinha oferecido um livro.
Simples cortesia. Qualquer pessoa educada teria feito o mesmo. Mas ele viu
assim? Certamente não! O rei do gelo não podia manchar sua antiga memória
com o romantismo das novelas. Deus nos livre! Além de seu esnobismo
literário, fazia uma montanha de um grão de areia por sua pequena queda. Como
ia fazer já que o caminho estava cheio de ocos e buracos?
Passou outra página, só para que não suspeitasse que estava fazendo hora.
Necessitando de uma saída para sua indignação, começou a planejar uma carta
para Vitória, que estava tristemente equivocada quando se tratava do caráter do
duque: Querida Vitória, escreveria. Temo que esteja tristemente equivocada a respeito do
caráter de seu irmão. Permita-me que te ilumine: longe de ser amável, é impaciente e grosseiro.
Lady Wallingham é mais amável. O proprietário da livraria da Norton é mais amável.
Suspeito que inclusive Monsieur Bonaparte é mais amável. Quando lhe ofereci um livro para
passar o tempo nesta viagem interminável, sua resposta foi gritar que me calasse.
Deteve-se, reconsiderando sua descrição.
Bom, para ser justa, possivelmente "gritar" seja exagerar um pouco. Blackmore não grita,
não é? Isso também é um incômodo. Ele é sempre frio, tranquilo e cortante.
Sacudindo a cabeça, tratou de voltar para seu ponto original.
Essa é uma queixa para outro dia. Neste dia, terei que demonstrar sua inclinação pela
rigidez. Quando caí em seus braços…
Oh, céus. Aquilo não soava bem.
… por acidente, lembre-se .
Sim, aquilo era melhor.
Sabe o que fez? Depois de me sustentar firmemente um bom momento, pôs-me de novo em
meu assento tão facilmente como moveria uma cesta de nabos! Pode imaginar? Levantada e
deixada cair como se fosse um bebê, não uma mulher adulta.
Ela fez uma pausa recordando a sensação de seus musculosos braços ao seu
redor, seu duro peito atrás dela, e suas coxas realmente duras debaixo dela. Ele a
tinha envolto, aconchegado contra ele, seu quente fôlego em seu pescoço. Mal
tinha se atrevido a respirar, de fato não tinha respirado durante vários segundos,
quando a tinham inundado as sensações mais peculiares.
A sensação de seus braços ao meu redor foi extraordinária, devo dizer, continuou. Mais
como estar parada sob o sol forte do final do verão vendo uma centena de cisnes repentinamente
levantar voo em um campo dourado. Se precipita sobre sua pele como uma faísca e um
comichão ao mesmo tempo. Uma faíscamichão, se quiser.
Ela riu um pouco ante sua palavra recém-inventada, então observou
Blackmore com cautela. Seguia sem inteirar-se de nada, muito melhor.
Muito diferente de qualquer coisa que tenha conhecido. E logo, transferir minha não-
insubstancial pessoa sem sequer um sopro de esforço! Seu irmão é monstruosamente forte.
Resulta-me ao mesmo inquietante e intrigante. O que há de errado comigo, Vitória?
Movendo-se em seu assento, tragou saliva sentindo-se de repente um pouco
sedenta. Um pouco acalorada. Um pouco nostálgica por uma carruagem aberta,
onde uma brisa fresca poderia aliviar seu repentino rubor. Talvez revisasse a
carta antes de enviá-la. Sim, uma análise objetiva e completa do caráter de
Blackmore requeria um exame muito mais exaustivo. Pelo bem da precisão, é
óbvio.
CAPÍTULO12
"Um viajante se parece muito a um homem ébrio. Em geral, veria uma estalagem mais
como uma fonte de enfermidade e infecções, que como um lugar de descanso e sustento, mas
depois de dias e dias viajando pelos terríveis caminhos da Inglaterra, o mundo inteiro fora da
carruagem se assemelha a um palácio." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao proprietário
de uma estalagem em Wiltshire logo que apresentaram o recibo.

Chegaram à estalagem nos subúrbios de Biggleswade pouco depois do


entardecer. Foi uma hora mais tarde do que Harrison havia antecipado, mas o
cocheiro se viu obrigado a conduzir mais devagar devido ao caminho
anormalmente cheio de buracos.Vários dias de chuva seguidos de mais dias de
sol tinham feito seu trabalho, resultando em longos lances do caminho
tornando-se perigosos pelas brechas e sulcos. Deveria ter previsto. Em geral,
esses detalhes não lhe escapavam, e era decepcionante dar-se conta de que a
agitação das bodas tinha diminuído sua minuciosidade habitual. Entretanto,
estava satisfeito de ver que as outras duas carruagens que viajavam levando os
serventes e seus pertences haviam chegado a salvo antes deles. Ao menos uma
parte deste dia ia ser de acordo com o plano.
A carruagem oscilou quando o cocheiro desceu da boleia. Do caminho, O
Porco e o Arado parecia uma pequena estalagem, sua estrutura original da era
Tudor, uma fazenda de cordas e barro. Mas no interior do pátio central podia-se
ver a estrutura de tijolo de dois pisos, recentemente acrescentada, estendendo-se
de cada lado de um quadrado grande e aberto. No interior, sabia que a comida
embora rústica, era muito boa, igual à cerveja. Os alojamentos eram limpos e
ordenados. E o preço razoável, já que estava localizada nos subúrbios de um
povoado, afastada do caminho principal, rodeada de terras de cultivo.
Embora fosse uma boa estalagem (uma de suas favoritas ao longo da rota
entre Londres e Yorkshire, e que tinha estado ali muitas vezes), duvidava que
jamais tivesse estado tão contente de finalmente chegar. Esta tinha sido uma
viagem muito exaustiva.
Um suave grunhido proveniente do estômago de sua esposa precedeu ao seu
murmúrio: —Daria todos os livros que possuo por uma comida substanciosa.
—Isso não será necessário— disse com secura. — Acredito que aceitam
libras e peniques.
—Acaba de fazer uma brincadeira, Sua Graça?
Não gostou da incredulidade em sua voz. Contrariamente à acusação
frequente de Colin, ele possuía senso de humor; simplesmente optava por atuar
com moderação. Nem tudo na vida devia estar sujeito à própria diversão.
—O Porco e o Arado serve um excelente guisado de lebre.
Ela ficou imóvel pronunciando o mais fraco gemido feminino.
Curiosamente sedutor, desejou voltar a escutá-lo. Por um momento ele
lutou com o impulso lascivo. Era um erro permitir-se tais indulgências. Na
realidade não deveria...
—O caldo é rico, impregnado de sabor salgado — continuou, sua voz
adquirindo uma ligeira aspereza. — E se absorve muito agradavelmente em pão
quente, recém-saído do forno.
Desta vez, seu gemido foi inequívoco. Foi seguido por sua respiração
entrecortada.
—Para terminar, — descreveu em voz baixa, desfrutando do som de seu
delicado ofego — doces amoras maduras banhadas com creme acompanhando
um pudim muito macio.
—Basta — ela protestou com voz rouca. — Por favor. Estou morta de
fome, Sua Graça. Não posso suportar outra palavra.
Ele tampouco. Felizmente, o cocheiro escolheu esse momento para abrir a
porta, e eles saíram agradecidos da carruagem para o pátio de paralelepípedos.
Sacudindo suas saias, logo esfregando-se distraidamente a parte baixa de
suas costas, Jane observou a elaborada placa de madeira sobre a porta.
Apresentava uma gorda leitoa rosada em posição vertical conduzindo um arado,
fazendo o papel dos agricultores em lugar do gado.
—Mmm - murmurou. — Acredita que sirvam toucinho?
Ignorando a pergunta, ele a conduziu para o interior e falou brevemente
com o dono, o senhor Moffat, que se inclinou e disse Sua Graça numerosas
vezes antes de lhes mostrar o salão. Oito mesas enchiam o interior. Na grande
lareira de tijolo ardia um fogo lento. Sua luz piscando dançava sobre as paredes
de gesso, o teto de madeira e nas desgastadas tábuas do chão. Um casal de
anciões conversava com seus pratos ao meio ocupando um canto, mas o resto
do salão estava vazio. Harrison e Jane se sentaram na segunda mesa flanqueando
a lareira.
Baixo e robusto, o calvo senhor Moffat cruzou os grossos braços sobre um
peito de barril e lhes assegurou: — Eu mesmo esfolei as lebres esta manhã. Não
há guisado melhor, eu diria. — O rápido sotaque camponês do homem deve ter
parecido ilegível à Jane, porque ela o olhou piscando sem compreender e logo
baixou o olhar à mesa.
— Nos serviremos cada um num prato — Harrison respondeu. — Um
pouco de sua cerveja, também. E pudins, se tiverem.
—Se tiver? Virão em seguida, Sua Graça!
Dez minutos mais tarde, Jane não havia dito nenhuma palavra, só havia se
limitado a assentir agradecendo ao hospedeiro e logo tinha começado a devorar
metade de seu prato de guisado junto com uma quantidade significativa de pão.
Para Harrison, contemplar seus olhos fechados, seu suave suspiro de apreciação
pela comida, era inquietantemente erótico.
Perguntou-se se algo estava errado com ele. Com o cenho franzido,
considerou a possibilidade. Era uma febre? Certamente sentia-se quente.
Ruborizado. Mas nenhuma febre alguma vez lhe tinha feito permanecer
dolorosamente excitado à vista das mãos de uma mulher ou o som que ela
emitia ao satisfazer um estômago vazio. Talvez fosse uma espécie de febre
intermitente.
Dois pratos, cada um com um pudim de groselha rematado com uma
pequena porção de creme apareceram em sua mesa, entregues pela senhora
Moffat. Era uma mulher surpreendentemente alta e de ossos sólidos. Ela
plantou suas grandes mãos em seus enormes quadris e meio que sorriu.
—Aqui tem, duque. Esta é sua nova duquesa?
Ele levantou uma sobrancelha e lhe lançou um olhar irônico.
—Amável como sempre, já vejo.
A senhora Moffat soprou. Ela não era das que respeitavam as cerimônias.
Ou as boas maneiras.
—Noto que você não respondeu.
Jane, que tinha estado sentada sem mover-se e em silêncio desde que a
senhora Moffat se aproximou, tocou a borda de seus óculos, tragou de forma
visível, e assentiu com a cabeça para a mulher sem olhá-la nos olhos.
Ele franziu o cenho. Estava intimidada? Pela esposa tosca do hospedeiro? A
mulher era bastante imponente e bastante audaz para alguém de sua classe, mas
certamente a filha de um conde…
—Bem, duquesa, agrada-me conhecê-la, agrada-me bastante. — Ela
assinalou com o polegar o Harrison. — O duque esteve aqui no Porco e o Arado,
há quanto tempo? Quase quinze anos, diria eu. Ninguém pensou que ia trazer
alguém como você.
Quanto mais a mulher falava, mais Jane se encolhia sobre si mesma, seu
rosto voltando-se branco, seus olhos baixos, seu corpo quieto como um coelho
temendo a panela do senhor Moffat.
—Senhora Moffat – disse. — A duquesa preferiria jantar em solidão, se não
se importa. Igual a mim.
Uma vez mais, outro sopro. Lançou à Jane um olhar de cumplicidade.
—É um pouco rigoroso com as regras, este. Deve ser toda essa goma no
lenço. Mas não terá que preocupar-se, duquesa. Uma vez que o tenha a sós, essa
parte sai muito rápido. — Ante a grande piscada da mulher, uma cor rosada
cobriu desde o pescoço até o rosto de Jane.
Vendo a reação de sua esposa, o estômago de Harrison começou a arder
como se tivesse tragado uma jarra de vinagre. Sua voz se fez mais suave. Mais
perigosa.
—Não direi outra vez.
Finalmente pareceu retornar a sensatez à grossa mulher. Endireitou-se,
deixando cair os braços nos flancos, seu sorriso apagado. Ela sorveu pelo nariz,
assentiu e se voltou para ir-se.
—Obr…obrigada, senhora Moffat. — As suaves palavras vieram de Jane de
forma inesperada, fazendo a cabeça da mulher girar. — O guisado estava
sublime. E os pu… pudins se veem celestiais depois de uma longa viagem.
A senhora Moffat sorriu com calidez, revelando que lhe faltava um dente.
— Por nada, duquesa.
Enquanto a mulher se encaminhava para a mesa do casal de anciões para
recolher seus pratos, Jane pegou seu pudim e começou a saborear sua deliciosa
textura gordurosa.
—Mmm — ela disse, pondo os olhos em êxtase. Pousou sua mão livre no
centro de seu peito atraindo a atenção de Harrison à generosa curva de seus
seios. Ela engoliu e lambeu as migalhas dos lábios. —Isto está divino. Deveria
prová-lo.
Baixando as sobrancelhas, ele estranhou a reação de Jane. Não pelo pudim,
que ele sabia que era delicioso, mas sim pela senhora Moffat. Ele sabia que era
tímida, mas tinha assumido que era principalmente com os de sua própria classe,
mais que tudo nos bailes e nas outras reuniões com muita gente. Entretanto,
parecia que seu nervosismo em torno dos que ela não conhecia se estendia a
todo mundo, inclusive aos criados e às esposas de hospedeiros. Devia recordar
isto no futuro, pois como seu marido, era seu dever encarregar-se de sua
comodidade.
Assim depois da comida, quando o suspiro de satisfação de Jane foi seguido
por um bocejo encoberto, ele sugeriu que era hora de retirar-se.
—Nossas acomodações não oferecerão muito luxo, mas serão agradáveis e
razoavelmente cômodas.
—Nossas acomodações? — Os olhos de Jane aumentaram, levantando a voz
a um chiado. — Única?
—Estamos casados. Não seria estranho que necessitássemos de
acomodações separadas durante a viagem?
Apertando os lábios, ela assentiu.
—Suponho que tem razão. — Embora suas palavras estivessem de acordo
com sua observação, seus ombros se esticaram visivelmente.
Sua tensão não melhorou enquanto se encaminhavam ao piso de cima, ao
maior quarto da estalagem. De fato, quando ele se voltou depois de fechar a
porta, viu-a de pé no centro do quarto retorcendo as mãos. Dirigiu-se para ela
até que ficaram separados só por trinta centímetros.
—Está ansiosa. O que acontece?
Dando uma olhada ao redor do quarto, ele não pôde determinar a causa. Em
comparação com a maioria das estalagens, o melhor quarto de O Porco e o Arado
era moderadamente espaçoso. Havia uma pequena cama dupla contra a parede,
com uma colcha de quadros amarelo e azul; em um canto protegido, um urinol e
o lavabo; e uma grande janela emoldurada por cortinas amarelas descoloridas.
Sem dúvida, nada para gerar aquele tipo de alarme.
Ela se negou a olhá-lo. Em troca, seus olhos estavam fixos na cama.
—Na… nada. Simplesmente estou um pouco nervosa.
—Por quê? — Exigiu saber.
Disparando-lhe um olhar exasperado por baixo de suas pestanas, ela
recorreu ao sarcasmo.
—Oh, não pode imaginar, Sua Graça? Talvez tenha algo a ver com que esta
será minha noite de núpcias.
—Noite de núpcias...? — De repente, sua reação tinha muito mais sentido.
— Pensou que eu ia demandar meus direitos conjugais esta noite? Quando
claramente está exausta? Em uma humilde estalagem de Bedfordshire?
Ela soprou e tocou o canto de seus óculos.
—Bom, quando o põe nesses termos, talvez eu tenha suposto erroneamente.
—Certamente.
Ela assentiu com a cabeça, seus olhos colados em seu lenço.
—Mas teremos que... dormir. Juntos. — Olhou para trás, logo depois voltou
ao lenço. — Nessa cama.
Por que tinha que dizer daquela maneira? Até este momento, talvez
imprudentemente, não havia se preocupado muito com seus acertos para
dormir. Agora, ele não podia concentrar-se em nada mais.
—Você é muito alto — ela acusou.
—E você não — replicou.
—Além disso, previamente tinha calculado mal a amplitude de seus ombros.
Mas são muito...Amplos, quero dizer.
Ele notou que a respiração de Jane se tornou mais rápida, seus olhos suaves
enquanto examinava os ombros antes mencionados.
—E o que têm isso?
Ela piscou.
—Mmm? Oh! Só que a cama é um pouco pequena. E você, desculpe, Sua
Graça, não.
Ao olhar para a cama, logo depois de voltar aos seus profundos olhos
castanhos, tentou sufocar as muitas respostas inadequadas que saltaram de sua
cabeça. Tomando tudo em consideração, a que pronunciou foi bem comedida
em comparação.
—Vamos nos encaixar perfeitamente.
Ela umedeceu os lábios. Tragou saliva.
Antes de fazer alguma loucura como tomar posse de sua virginal esposa, lhe
mostrando quão bem encaixariam, juntou os punhos atrás das costas, e a
informou de seus planos. Planos que acataria, maldição, apesar daquele desejo
vicioso que assaltava seu autocontrole sem piedade. Ele não ia ser regido por
seus baixos instintos.
—Não precisa preocupar-se de que tentarei consumar nossa união em nossa
viagem. Tinha previsto esperar até chegar à Blackmore Hall, onde poderemos
encontrar comodidade e nos recuperar dos rigores da viagem antes de realizar
este tipo de demanda.
—Oh — ela disse em voz baixa, parecendo aliviada, mas murcha. Uma
sombra se moveu através de seus olhos. — Que atencioso.
Harrison deu um passo atrás, pondo alguma distância entre eles.
—Os criados estão nas habitações ao final do corredor. Pedirei à sua criada
pessoal que a ajude. Estelle, não é?
Ela assentiu com a cabeça, as comissuras de seus lábios curvando-se para
baixo, sua garganta movendo-se quando tragou saliva.
Suspeitava que de algum jeito a tinha incomodado. Mas ele não perguntou.
Em troca, virou sobre seus pés, abriu a porta e fugiu da habitação antes de fazer
algo do qual ambos se arrependeriam depois.
~~*

Jane despertou por duas coisas: uma canção persistente e asquerosamente


alegre de um pássaro pousado muito perto da janela. E algo apertando um de
seus seios com uma grande quantidade de entusiasmo. Além disso, estava
bastante cômoda, especialmente tendo em conta seu duro travesseiro cheio de
caroços e a manta pesada e muito quente. Normalmente, preferia uma cama
mais suave e uma coberta mais leve, já que não gostava de ter seu sono
perturbado pelo excesso de calor. Mas neste caso, era encantador estar tão
fortemente envolta em um casulo, as pernas pesadas, a cintura assegurada, o
traseiro ajustado e empurrado pelas dobras duras e toscas da manta pesada e
quente. E seu seio, espremido, embalado e incitado por...
Seus olhos abriram de repente. Oh, céus. Não era uma manta. Tampouco
um travesseiro. Nem sequer seu espartilho, que tinha tirado antes de meter-se só
na cama. Só.
Quando seu marido se uniu a ela, não podia dizê-lo, depois de ter ficado
adormecida antes que ele tivesse retornado de qualquer lugar que tinha ido.
Agora, ela estava agradecida por essa pequena bênção, já que suas posições eram
ligeiramente embaraçosas.
Estavam enredados como a videira e a árvore. Podia deduzir, pois não podia
ver nada mais que um contorno impreciso sem seus óculos, que um de seus
braços se estendia por baixo de sua cabeça. O outro se fechava ao redor de sua
cintura e curvava-se para cima de maneira que sua mão grande e magra podia
fazer o que quisesse com seu seio. Essa parte se sentia… bastante agradável, na
realidade. Sua palma era cálida e firme, deslizando-se sobre seu mamilo
endurecido e sensibilizado enquanto seus longos dedos apertavam brandamente,
gerando pequenos choques de sensações que a faziam desejar respirar
ofegantemente e deslizar as pernas ao longo das dele. Moveu os quadris
experimentalmente. O vulto que tinha estado pressionando em sua parte traseira
empurrou para frente e pressionou mais forte.
O que foi aquilo?
Poderia ser seu apêndice? Com os olhos bem abertos, considerou a
possibilidade. Sim, era possível. Recordou Annabelle mencionar algo a respeito
da manhã e o apêndice. Mas ela tinha estado tentando com grande esforço não
escutar, assim não recordava os detalhes.
Imediatamente soube que devia formular uma carta urgente a Annabelle.
Tinha pouquíssima informação essencial. Querida Annabelle, escreveria. Despertei
esta manhã e me encontrei em uma muito inquietante…
Não, não era isso.
…incômoda…
Mmm. Tampouco, muito bem.
…extraordinária circunstância. Estava absolutamente engolida por meu novo marido. Os
dois estavam dormindo profundamente até que um pássaro desejoso de uma morte prematura
incomodou meu sono. Enquanto Sua Graça continuava dormindo, não pude deixar de notar
uma certa pressão, uma espécie de empurrão, procedente da região de baixo de sua cintura.
Céu santo, isto era desastroso. Talvez devesse simplesmente chegar ao
ponto.
Talvez devesse indicar simplesmente meu ponto: tentou me explicar sobre o apêndice
masculino antes de minhas bodas. Seria tão amável em me explicar isso de novo? Desta vez,
lhe rogo, não economize nenhum detalhe. Suspeito que requererei todo o conhecimento à minha
disposição.
Sempre sua irmã agradecida, Jane
P.S.: A sensação de ser abraçada e acariciada pelo Duque de Blackmore faz necessária a
invenção de uma nova palavra, já que temo que o idioma inglês não pode proporcionar um
termo adequado para descrevê-la. Denominei a sensação "faíscamichão", metade faísca, metade
comichão. Estou bastante contente com ela, embora suspeite que ele não concordaria.
Tristemente, é um purista da tradição.
O nariz do purista de tradição lhe acariciou o pescoço e de um modo
pecaminoso passou o polegar sobre seu mamilo através do linho da camisola.
Ela apertou as coxas, tratando de apagar a dor quente e acesa que floresceu
entre elas. Ele inalou profundamente contra sua pele, absorvendo seu aroma.
Um gemido retumbou em seu peito, ecoando na coluna de Jane. Ela não podia
deter a insistente carícia de seu polegar, não podia deter o movimento de seus
próprios quadris, pressionando para trás, com mais força contra ele, e não pôde
deter o pequeno e breve gemido que emitiu com seu próximo fôlego.
E isso foi o que o despertou.
Seu polegar se deteve. Seus quadris se congelaram. Nenhum dos dois
respirou.
Então, deu-se conta que as pessoas que dormiam não deviam deixar de
respirar. Assim, deliberadamente, fechou os olhos, respirou lentamente, e fingiu
dormir.
Com cuidado, ele tirou o braço de baixo de sua cabeça, sua mão gentilmente
deixando-a sobre um travesseiro. Continuando, retirou suas pernas, as
deslizando dentre e por cima das dela. Então, retirou os quadris, levando seu
calor e seu apêndice com ele. A última parte em desenredar-se foi sua mão, a
qual ficou um momento mais em seu seio como se necessitasse uma longa
despedida. Talvez fosse assim.
Finalmente, também a retirou deslizando-a com suavidade, a cama
movendo-se quando ele a abandonou. Ela ouviu seus passos afastando-se ao
longo do piso de madeira para o protegido canto da habitação. Logo veio
gotejamentos intermitentes. O sussurro de um tecido. O tinido de uma navalha
contra uma bacia. A abertura da janela. O pássaro afastando-se batendo as asas.
A água sendo colocada, a seguir mais gotejamento, já que se repunha a jarra.
Mais passadas, desta vez com botas, mas cuidadosas, resistentes a perturbá-la.
Detiveram-se.
Curiosa, ela abriu os olhos uma pequena fração e olhou para a porta. Não
podia ver muito, uma mancha escura com cabelo dourado diante de uma porta
escura . Ele estava ali, imóvel. Olhando.
A ela? Não. Não podia ser.
Ele devia estar examinando seu relógio, ao qual era excessivamente
aficionado.
Sim, isso era muito mais provável. Pensar que tinha estado observando seu
sono era pura loucura. A ela. À comum Jane Huxley. Bem, Jane Lacey agora,
supunha. Por outro lado, talvez fosse isso precisamente. Casou-se com uma
mulher comum, e esta mesma manhã tinha sido o momento em que ele se deu
conta de quão permanente era...
De repente, ela estava muito contente por sua má visão.
Muito contente, na realidade.
CAPÍTULO 13
"Na realidade, a riqueza do marido só é importante se a gente prefere comidas frequentes
a passar fome." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Maureen Huxley em resposta
à afirmação da dita dama que os recursos de um pretendente são menos importantes que sua
sinceridade.

Três dias mais tarde, mergulhada em uma banheira de cobre com o vaivém
da água quente chegando justo sob seu queixo, Jane considerou que talvez
aquele matrimônio não era, depois de tudo, um mau negócio. A banheira, por
exemplo, era absolutamente esplêndida. Profunda e larga, colocou-se frente à
esculpida lareira de mármore do quarto de vestir adjacente à antecâmara da
duquesa de Blackmore. Sua antecâmara. Inalando o vapor perfumado com flor
de macieira, permitiu que o calor da água aliviasse seus membros rígidos e
suspirou de felicidade.
Antes de chegar à Blackmore Hall, na noite anterior, Jane teria insistido em
que havia poucas, se é que existiam, vantagens do título. Estava claro que havia
calculado mal. Embora o luxo de seu novo lar não devesse ter sido uma surpresa
- Blackmore era um dos nobres mais ricos da Inglaterra, depois de tudo -, vê-lo
pela primeira vez tinha superado seus sentidos.
À medida que a carruagem tinha avançado pelo caminho da entrada, o pôr
do sol tinha pintado a alada expansão palaciana de pedra calcária com um
dourado brilhante. Centrada por uma arcada e colunas, a casa descansava em
uma ascensão por cima de um pitoresco lago de peixes de grande tamanho.
Rodeava-os uma embriagadora abundância de jardins e uma paisagem verde de
suaves colinas e campos extensos.
Uma vez dentro do vestíbulo de entrada, apesar de seu esgotamento, havia
girado em seu lugar maravilhando-se ante a grandeza de paredes de seda azul
pavão, as colunas brancas que flanqueavam um nicho em forma de concha e um
teto com afrescos opostos aos chãos de mármore polido. Fazia Clumberwood
Manor, a casa de campo de sua família em Nottinghamshire, parecer a moradia
de um andrajoso camponês. E o vestíbulo de entrada era a primeira de mais de
cento e vinte habitações, algumas das quais passou a manhã e a tarde explorando
com a amável governanta, a senhora Draper.
Jane desfrutava da comodidade. Desfrutava de um banho quente, uma cama
de plumas suaves, e a chama do fogo em uma noite fria. Mas nunca havia se
atrevido a prever que tal luxo lhe pertenceria algum dia. Converter-se na
Duquesa de Blackmore poderia resultar ser um ajuste incômodo em todos os
outros aspectos, mas neste ela desfrutaria até que seus dedos ficassem enrugados
como uma maçã ao sol.
—Está pronta para o enxágue, Sua Graça? — A voz de Estelle veio de trás
de sua cabeça.
Jane suspirou com tristeza.
—Não posso ficar aqui pelo resto do dia?
O estalo de uma toalha ao ser sacudida rapidamente foi seguido pela risada
de Estelle.
—Tem que ter um pouco de fome, suspeito. Não quererá chegar tarde ao
jantar, não é? Dizem que o cozinheiro aqui é um francês louco, mas que suas
comidas vêm diretamente da porta do céu.
Ela gemeu ante a menção dos alimentos.
—Isso é um sonho encantador. Me dê só uns poucos minutos mais, Estelle.
Acredito que minha parte traseira ainda tem que se recuperar da viagem.
De fato, apesar do luxo da carruagem de Blackmore, viajar pelo caminho
cheio de buracos de Londres a Leeds não tinha sido agradável. Depois da
contrariedade do primeiro dia, o duque tinha escolhido montar a cavalo em
lugar de sentar-se no interior da carruagem com ela. Em cada parada, apesar de
ser educado e sempre se preocupar com a sua comodidade, tornou-se mais
distante e taciturno, mal trocava uma palavra com ela, além de lhe ordenar entrar
para as refeições e coisas do tipo. Depois da primeira noite, ele quis que
dormissem em habitações separadas, mantendo-se fiel à sua promessa de atrasar
a consumação do matrimônio.
Entretanto, inclusive depois de chegar à Blackmore Hall na noite anterior,
tinham dormido separados, ele citando o evidente esgotamento de Jane. Tinha
se perguntado se estava chateado com ela, mas não parecia que fosse assim. O
que deixava uma só conclusão: lamentava sua união e temia a intimidade do leito
matrimonial.
Ela baixou o olhar para seu corpo impulsionado pela água. Era todo
brancura, suavidade, arredondamento. Como podia culpá-lo, honestamente? A
maioria dos homens preferiam uma forma mais refinada. Todo mundo sabia.
Ele teria que cumprir com suas obrigações masculinas com o tempo, igual
ela faria com seu dever de esposa. Mas talvez ele tivesse decidido que um atraso
mais prolongado, talvez de duração indefinida, lhes daria mais tempo para
reconciliar-se com a tarefa onerosa. Sim, isso era provável. E provavelmente
sensato.
Um peso se instalou dentro de seu peito fazendo com que lhe doesse e
apertasse até a garganta. Tragando saliva, repreendeu-se por sua tola emoção.
Não tinha sentido tornar-se chorosa. Sorveu pelo nariz e deu um meio sorriso. Deveria
estar aliviada. Sim, aliviada. Ele não te incomodará; você não o incomodará. É o acerto
perfeito. Muito sensato, realmente.
Com esse pensamento reconfortante, terminou seu banho e se vestiu para o
jantar. Como de costume, seu cabelo murcho como uma flecha se negou a
formar um cacho, assim Estelle simplesmente o separou no centro e o ancorou
na parte posterior de sua cabeça.
—Bem — a criada disse trespassando com firmeza um último grampo ao
longo do couro cabeludo de Jane. — Tudo terminado.
Jane se levantou e se olhou no espelho da penteadeira . Seu vestido era
requintado, o suave verde de um prado à saída do sol. As mangas até os
cotovelos, o decote quadrado adornado com uma fita de um verde mais escuro
combinando com a faixa na cintura. Realmente só com o vestido, não seu rosto
visível no pequeno espelho, pouco reconheceria sua própria forma. A senhora
Bowman, apesar de sua fanfarronice, tinha um talento magistral.
—Aqui está, Sua Graça — Estelle disse colocando um xale de cor marfim
suave sobre os braços de Jane. — Está radiante. Melhor que não se atrase.
Escutei que Sua Graça está esperando no salão.
Jane assentiu, diminutas vibrações em seu ventre sendo um preâmbulo ao
aumento de seu pulso. Como o tinha visto muito pouco ontem, e nada hoje,
talvez um ataque de nervos era de se esperar. Bem, era um milagre que pudesse
recordar seus traços, já que tão cuidadosamente a tinha evitado.
Ao entrar no salão, recebeu um lembrete devastador. Ele estava vestido de
um azul profundo como a meia-noite. E estava desgraçadamente bonito, parado
tão alto e reto junto à sua cadeira, os ombros largos, o cabelo brilhando em
glória magnífica à luz das velas, as sobrancelhas franzidas em um olhar de aço
dirigido… para ela.
—Você está atrasada — grunhiu.
Piscando para limpar a névoa repentina que tinha descido sobre ela, replicou
com todo o engenho que possuía nesse momento: —Seriamente?
—Cinco minutos. Em Blackmore Hall se janta às sete. A senhora Draper
não lhe informou?
Ela ficou olhando-o de sua posição dentro da porta, porque justo nesse
momento não podia fazer nada mais. Na realidade, não era como se ela nunca o
tivesse visto antes. Por que parecia muito mais atraente do que o habitual?
Estranho, por certo. Possivelmente simplesmente tivesse renovado suas energias
depois de recuperar-se da viagem.
—Às sete? — Repetiu. — Oh, sim, é claro. A senhora Draper me disse.
—Se sabia, então por que chegou tarde?
Ela olhou ao redor do salão notando que eram as únicas almas presentes,
além dos lacaios assistindo-os. Arqueou uma única sobrancelha.
—Minhas desculpas, Sua Graça. Espero que nossos hóspedes não se sintam
ofendidos por minhas más maneiras.
Ou ele não entendeu seu sarcasmo ou preferiu ignorá-lo, porque sua única
resposta foi tirar a cadeira à sua direita e dizer friamente: —Confio em que não
volte a acontecer.
Fazendo uma careta, sacudiu a cabeça e se dirigiu ao seu assento. Tinham
passado dois dias desde que esteve assim, perto o bastante para cheirá-lo.
Tomou uma respiração profunda, levando sol e goma ao fundo de seus
pulmões. Piscou. Quando a goma havia se tornado tão deliciosa?
—Dormiu bem?
A pergunta começou sobre sua cabeça e logo se transferiu à cadeira ao seu
lado. Ela assentiu.
—Bastante. E você?
—Mmm. Melhor esta noite, espero. — Seu rosto era inexpressivo, seus
olhos cinza azulados explorando sem descanso seu cabelo e vestido. — Você
parece... bem.
Ali estavam as vibrações outra vez. Em seu ventre. Em suas pálpebras. Era
tola, como quando bebia muitas xícaras de café.
—Você também, Sua Graça.
Com um gesto a convidou a comer a sopa de aspargos que se colocou diante
dela. Piscou, dando-se conta de que talvez pela primeira vez em sua vida tinha
ignorado por completo a comida. E que deliciosa comida era: tenro bife de
vitela com uma nova camada de erva, com um rico e cremoso molho bechamel;
suculento salmão com um molho azedo ricamente balanceado; um bolo de
groselha que era doce e picante e a fez pôr os olhos para cima e franzir os lábios.
Antes que a comida houvesse terminado, nove pratos tinham sido oferecidos,
todos tão celestiais como Estelle lhe tinha informado.
Enquanto deslizava um último bocado do suculento bolo de groselhas em
sua boca, o duque, que tinha permanecido em silêncio durante toda a refeição ,
perguntou-lhe: —Toca piano?
Mordendo e deixando que o doce sabor forte explodisse em sua língua, Jane
elevou um dedo, fechou os olhos e saboreou por um momento. Finalmente
tragou, e se voltou para Blackmore. Seus olhos estavam um pouco frágeis; suas
maçãs do rosto um pouco avermelhadas; e sua respiração, um pouco rápida. Só
pôde concluir que, também, estava reagindo à comida. Realmente era
excepcional.
Amanhã teria que visitar aquele louco francês que dirigia as cozinhas. Era
um artista.
—Sim. Na realidade eu gosto, sempre e quando não tiver que tocar em
frente a muitas pessoas.
Ele pousou os olhos em suas mãos, o peito agitado de repente em uma
respiração profunda.
—Já terminou?
Perplexa, inclinou a cabeça.
—Suponho que sim.
— Lhe mostrarei a sala de música.
Com o cenho franzido, ela procurou seu rosto. Ele parecia dolorido. Estava
ainda muito cansado da viagem? Certamente parecia ser da classe robusta, não
um que requeresse longos períodos de descanso. Muito desconcertante.
—E a biblioteca.
—Oh! — Ela sorriu, recordando a habitação de dois pisos com painéis de
mogno, com curvados cantos de estantes e um teto pintado para parecer-se a
uma catedral, o céu cheio de anjos. Ela tinha pensado que o desenho era
bastante apropriado.
—Foi o primeiro lugar que vi com a senhora Draper esta manhã. Magnífica,
Sua Graça.
—Lhe mostrou a antiga biblioteca ou a nova?
Com os olhos muito abertos, inclinou-se para ele.
—Há duas? Qual é a diferença?
Seu sorriso foi lento e inesperado. Jane sentiu de repente a boca seca.
—Se você tem que me perguntar, então deve vê-la por si mesma. — Se pôs
de pé e tirou sua cadeira. — Venha, lhe mostrarei.
E o fez, levando-a em um percurso assombroso da velha e nova biblioteca.
Ao que parecia, a que ela tinha visto antes era a nova. A antiga biblioteca estava
afastada em um canto no fundo da planta baixa, justo ao final de um estreito
corredor do escritório do duque. Enquanto ele segurava a porta aberta para que
entrasse, ela não podia dizer o que tinha estado esperando. O que poderia ser
mais magnífico que a nova biblioteca?
Conteve o fôlego sentindo-o mover-se perto, atrás dela. Tão perto que o
calor dele se sentia como o sol em sua pele.
—Gosta? — A suave e murmurada pergunta junto ao seu ouvido enviou um
calafrio pelo caminho de seu pescoço, sobre as colinas de seus seios e para trás,
à curva de sua coluna.
—É incrível — sussurrou sem fôlego, que mal pôde formar as palavras. Ela
não estava falando da habitação, embora poderia ter sido. Era metade do
tamanho da nova biblioteca, escura e íntima, onde a outra era palaciana e
grandiosa. Os painéis de nogueira de cor quase negra estavam compensados
com três janelas grandes que davam aos jardins dos fundos. Uma lareira
ancorada em uma parede junto com duas poltronas de couro e um sofá de
veludo verde. Uma mesa se localizava debaixo da janela central. A habitação era
perfeita. Quase sagrada.
—Venha — ele disse com voz rouca. — Deve ver a sala de música.
Ela se voltou e se chocou contra seu peito, seu nariz aterrissando em seu
lenço. Suas mãos chegaram de forma automática para estabilizá-la.
—Oh, per... perdão…
Jane olhou para cima, muito para cima… aos seus olhos. Antes que se
formasse uma tormenta, a água azul se transformaria, se voltaria dificultosa e
assumiria uma luz aguçada. Essa era a cor de seus olhos: água azul antes de
aproximar uma tormenta. Ele sustentava seus antebraços com força, suas mãos
envolvendo-os por completo e aproximando-a de maneira que as pontas de seus
seios roçavam seu casaco.
Soaram passos no corredor. Um lacaio ocupando-se das velas. Blackmore
afastou-a vários centímetros e tragou antes de deixar cair as mãos ao lado.
Continuando, inclinou-se e lhe indicou que se adiantasse.
Enquanto percorriam a longitude da casa para encontrar a sala de música,
ele limpou a garganta e começou a descrever a história de Blackmore Hall.
—Houve uma estrutura de um ou outro tipo nesta terra da época de
Guillermo, o Conquistador. O Castelo Blackmore segue em pé, embora seja
uma espécie de ruína.
—De verdade? Um castelo? Eu adoraria vê-lo.
Ele baixou seu olhar, a comissura de sua boca elevando-se ligeiramente.
—Amanhã, possivelmente. Eu a levarei.
Ela sorriu.
—Eu gostaria muito.
Assentindo com a cabeça, continuou sua história.
—Esta casa foi construída e reconstruída quatro vezes.
—Céus! Quatro?
—Mmm. A renovação mais recente expandiu Blackmore Hall ao seu
tamanho atual. Meu avô contratou os melhores artesãos da época. Robert
Adam[1]. — Ele agitou uma mão para a grande escada enquanto se
aproximavam da parte dianteira da casa. — Thomas Chippendale[2]. Para isto
— indicou uma mesa de mogno que tinha um vaso de rosas. — Capability
Brown[3].
—Foi um desenhista de jardins, não? — Maureen tinha falado dele
frequentemente, já que adora jardins.
—Bastante experiente, sim.
Chegaram à sala de música. Como todas as demais habitações, era
impressionante: paredes de seda cor creme com um desenho de folhas.
Elegantes cadeiras de respaldo arredondado, estofados em brocado dourado
intenso com borda de madeira escura. O mesmo gênero se utilizou para as
cortinas. O enorme tapete quadrado tinha um desenho circular em azul escuro,
vermelho e dourado.
E logo estava o piano. Ocupava um canto da sala, sua madeira castanho
dourada brilhante e reluzente. Ela lançou um olhar interrogativo para o duque.
Ele apontou com a cabeça o instrumento.
—Por favor.
Ela sorriu, tirando o xale e entregando-lhe com ar ausente. Sentou-se no
banco do piano, passou os dedos brandamente pelas teclas. Em seguida,
fazendo uma pausa para dar um suspiro, tocou uma singela melodia campestre
que tinha aprendido de cor. Na metade sentiu-o mover-se perto dela, sua
sombra brincando sobre suas mãos. Mas era uma raridade que ela pudesse tocar
um instrumento bem afinado e tão maravilhosamente feito à mão, e por isso,
não levantou os dedos das teclas até interpretar a última nota.
Ela suspirou.
—Esta é a surpresa mais formosa que recebi em muito tempo. Obrigada,
Sua Graça.
Sorrindo, levantou a vista ao seu rosto e se surpreendeu pelo perto que se
parecia com uma pedra. Seu punho estrangulava seu xale. Seus olhos
queimavam suas mãos brancas. Nervosa, ajustou os óculos com uma dessas
mãos brancas. Ele seguiu o movimento, então se centrou em sua boca.
—É hora de retirar-se. — Sua voz era pouco mais que um grunhido baixo,
quase ameaçador em sua intensidade.
Ansiosa, ela pousou uma de suas mãos em sua cintura.
—Oh, mas não me sinto particularmente sonolenta. Talvez pudesse tocar
algo m…
—Agora. — O grunhido foi mais profundo.
Oh, céus. Não sabia o que o tinha incomodado, mas estava claro que algo o
fizera. O brilho selvagem em seus olhos falava de emoção mal contida. Ela o
tinha visto duas vezes esta noite: no jantar e agora ali. Qualquer que fosse a
causa, não estava interessada em provar seu estado de ânimo. Assentindo com a
cabeça, ela aceitou o xale que lhe entregou e o permitiu escoltá-la ao piso de
cima, à habitação da duquesa. Sentindo-se incômoda, ela abriu a porta e se
voltou para enfrentá-lo, só para encontrá-lo lançando um olhar fulminante por
cima de seu ombro.
—Oh Sua Graça! e Sua Graça — Estelle disse atrás dela. — Estava
preparando a bata da duquesa.
Voltando-se de novo para a criada, Jane respondeu: —Muito bem, Estelle.
Obrigada.
— Os deixarei a sós... me retirarei... está bem?
Antes que Jane pudesse responder, Blackmore disse rigidamente: —Não.
Fique e ajude a duquesa a preparar-se para a cama. — Com isso, inclinou a
cabeça para Jane e retrocedeu. — Por agora, lhe direi boa noite.
Vendo as largas costas de seu marido desaparecerem pelo corredor, logo na
antecâmara do Duque que ficava junto à sua, Jane sacudiu a cabeça confusa.
—É o homem mais confuso que conheço, Estelle. Não sei se algum dia o
compreenderei.
A criada esboçou um sorriso secreto.
—O que? — Jane perguntou.
—Nada. Diria só isto, Sua Graça. Os homens são criaturas mais simples do
que você crê. É provável que em quinze dias tudo esteja claro.
—Bom, espero que tenha razão.
O sorriso de Estelle cresceu.
—Tenho, não se preocupe. Agora vamos prepará-la para dormir.
CAPÍTULO 14
"Pode demorar, se quiser. Mas com o tempo, querido moço, deverá me dar o que quero, ou
se resignar a uma vida de miséria." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu filho,
Charles, ante sua contínua resistência em lhe proporcionar um neto.

Uma hora mais tarde, aconchegada em uma cômoda cadeira ao lado de um


fogo crepitante em seu dormitório, o coração de Jane rodou como um navio no
mar. Ele ia declarar seu amor por ela? Por fim romperia seu longo silêncio e lhe
diria a verdade de sua devoção?
A toda pressa, virou a página. Sim! Faria. Fez.
—Não sou homem de muitas palavras, Emma — seguiu dizendo em um tom tão
sincero, tão decidido, tão afetuoso, que não podia não a convencer. — Se a quisesse menos
talvez pudesse falar mais.
Ela fechou os olhos e apertou o livro contra seu peito. Mesmo depois da
quinta leitura, a frase seguia emocionando-a até a ponta dos pés. "Se a quisesse
menos talvez pudesse falar mais." Ela suspirou, saboreando as palavras como um
bom vinho do porto, e logo continuou com a história.
Um golpe firme seguido pelo som de uma porta que se abria e fechava
interrompeu a emocionante cena. Sem levantar a vista, ela fez um gesto com a
mão na direção do intruso.
—Agora não, Estelle. Estou chegando na melhor parte.
A garganta que se limpou tinha um som claramente masculino.
Congelando no meio da frase, Jane elevou lentamente o olhar, encontrando
em primeiro lugar um par de pés com meias, continuando um par de calças
negras, e finalmente Blackmore inteiro parado a menos de dois metros dela,
com uma expressão indecifrável. Torpemente, ela ficou de pé, deixando Emma
cair ao chão.
—Oh, céus. — Inclinou-se para diante para recuperá-lo, topando na mesa
lateral com o quadril e provocando um tinido da xícara de porcelana,
esparramando chocolate sobre o pires. — Oh, céus — repetiu, endireitando-se
bruscamente e girando para olhar atrás dela toda a confusão.
—Jane.
Ela voltou a girar.
—Sim?
— Se acalme.
Ajustando seus óculos, deixou cair o livro em sua cadeira e cruzou os braços
sobre sua cintura. Não sabia o que pensar de sua repentina informalidade
chamando-a por seu primeiro nome. E ele tirara o lenço, o fraque e o colete. Sua
camisa de linho branco estava aberta no pescoço, deixando descoberto um
triângulo de pele e um pingo de pelo aparecendo nos músculos de seu peito.
Ela deixou cair as mãos nos flancos, onde pressionaram contra a seda bordô
da bata de renda que Estelle tinha disposto para ela. Previamente, Jane tinha
achado estranha a escolha, mas a maioria das roupas proporcionadas pela
senhora Bowman eram igualmente decadentes, então encolheu os ombros e a
pôs antes de sentar-se para sua noturna xícara de chocolate e a leitura de um
bom livro.
Os olhos de Blackmore se estreitaram e baixaram ao seu busto sem
espartilho, suas narinas dilatadas em uma respiração contida. O calor de sua
concentração fez com que seus mamilos se endurecessem, a reação embaraçosa,
por sua vez, gerando um quente rubor.
—Eu… eu não o esperava — gaguejou. — O que está fazendo? Aqui. Esta
noite. Pensei... — sua voz se desvaneceu quando ele deu dois passos para ela,
trazendo consigo o aroma da luz do sol, o ar fresco e... oh, simplesmente ele.
Sentiu uma debilidade inundando suas pernas, agitando seu ventre.
—Pensou... o que? Que eu ia esperar para sempre? — Sua voz baixa e
áspera ondulou sobre sua pele. — Sou seu marido. Tenho direito de entrar nesta
habitação quando eu quiser. Em particular, porque é a primeira vez desde nossas
bodas.
Maldição. Ela tinha suspeitado de seus motivos no momento em que o viu
em sua habitação, meio vestido. Mas não antes. De fato, tinha decidido que ele
poderia muito bem ter a intenção de esperar para sempre. Obviamente, tinha
suposto erroneamente. Seu estômago se retorceu, a sensação semelhante a
mergulhar de um escarpado. Sua pele ficou fria, logo quente. Seus dentes
pressionaram seu lábio inferior. Ela não parecia capaz de respirar.
Ele deu outro passo mais, deixando tão somente centímetros de distância
entre eles. Uma de suas mãos se aproximou para acariciar seu cabelo, que Estelle
havia escovado e deixado solto e escorrido. A sensação de seus dedos pinçando
entre as mechas causou calafrio atrás de calafrio correndo sobre sua pele como
gotas de chuva sobre uma folha.
—Que livro está lendo?
Seu aroma a rodeava, enjoando-a. Derretendo-a.
—Livro? — Ela sussurrou. — Se... chama-se Emma. É a história de uma
jovem cujo pai... — ela ficou sem palavras no momento em que seus dedos
acariciaram brandamente atrás de suas orelhas, tomou seus óculos, e os afastou,
sempre muito brandamente, de seu rosto. — Não importa — ela suspirou
deixando que seus olhos se fechassem.
Ele pousou as mãos nos lados de sua cabeça. Algo quente lhe roçou a testa,
a pálpebra, a bochecha. Deslocando-se até a comissura de sua boca. Logo se
moveu contra seus lábios em uma tensa pressão. Estava-a beijando, deu-se
conta. O Duque de Blackmore a estava beijando.
—Jane — sussurrou, seu quente fôlego contra seu queixo.
—Mmm?
—Isto será mais fácil se relaxar.
Seus olhos abriram de repente. Ela estava tão perto que podia ver algum
detalhe de seu rosto. Parecia que ele estava sorrindo ligeiramente.
—Está rindo de mim? — Perguntou.
—Não.
—Não acredito.
Suas mãos se ocuparam em desatar a faixa por baixo de seu busto, seus
nódulos roçando a suavidade de seus seios.
—Por que pensa isso?
—Posso escutar em sua voz. É tremendamente injusto. Você sabe que eu
nunca fiz isto.
Deslizou a bata de seus ombros e a jogou sobre a cadeira.
—Sim — respondeu. — Sou consciente disso.
—Então também deve saber que tenho pouca ideia do que esperar.
—Estou aliviado de escutar isso — disse.
Ela franziu o cenho e entrecerrou os olhos.
—Aliviado? Pensei que estava divertido.
—Uma esposa deve ser inocente quando chega ao seu marido. É o correto.
Com um suspiro de exasperação, ela elevou seu olhar irado na direção de
onde supunha que encontraria seus olhos.
—Não sei o que devo fazer. Isso me deixa em desvantagem. Além do que,
não posso ver nada sem os meus óculos. Você é um borrão. Bastante bonito.
Mas igual a um borrão.
Ele ficou em silêncio por um momento antes de perguntar cuidadosamente:
—Prefere usar seus óculos?
—Sim, eu gostaria disso — respondeu aliviada.
Imediatamente e com grande suavidade, os óculos voltaram a cair em seu
lugar, sobre seu nariz.
—Melhor? — Perguntou, sua mandíbula cinzelada já não imprecisa.
Ela assentiu, de repente sentindo sua proximidade o dobro de sua força
habitual. Ela podia ver a sombra da barba debaixo de sua pele, o ligeiro rubor ao
longo de suas maçãs do rosto, o reflexo da luz do fogo em seus olhos, que
estavam mais escuros que o normal.
Talvez devesse ter ficado sem óculos.
—Agora, — ele disse à maneira de um tutor instruindo a um estudante —
vamos começar com os beijos. Permita que seus lábios se suavizem e aceitem a
carícia dos meus. — Procedeu à sua demonstração segurando suas bochechas
entre suas mãos e inclinando-se para acariciar com seus lábios os dela. Jane
tratou de manter os olhos abertos, quanto podia aprender sem olhar, depois de
tudo? Mas eles se fecharam por sua própria vontade, igual às suas mãos que se
elevarem automaticamente para acariciar o dorso das de seu marido, que
seguravam seu rosto com tanta doçura.
Um calor como nunca tinha experimentado começou a resplandecer em seu
interior enquanto seus lábios mordiscavam e roçavam os dela. Começou em seu
ventre e foi florescendo para fora como uma flor em busca do sol. Justo quando
tal sensação a encorajou para começar a igualar sua pressão, respondendo às
suas carícias com algumas próprias, ele se retirou deixando cair as mãos.
Jane abriu os olhos. Aumentou-os logo que viu o que ele estava fazendo. Ele
estava tirando a camisa, puxando a coisa por cima de sua cabeça.
—Oh. Oh, Deus, Sua Graça — sussurrou. Era ainda mais musculoso do
que havia suspeitado. Ao ser tão alto, magro e distinto ao estar vestido, era fácil
descartar o físico do homem como típico de um aristocrata. Mas, como havia
aprendido na carruagem e na realidade, cada vez que entrava em estreita
proximidade era quase anormalmente forte. E agora entendia a razão. Se via
como uma dessas figuras gregas representadas nos mármores de Lorde Elgin,
mas com um pouco de pelo castanho claro ao longo da metade superior de seu
peito.
—O que acontece? — Perguntou, olhando para baixo, ao seu próprio torso.
Ela não o culpava. Era muito cativante.
—N…nada. Nada, absolutamente. Costuma fazer muito exercício, Sua
Graça?
Ele franziu o cenho.
—Eu gosto da esgrima. E montar, é claro. Por que pergunta?
—Oh, por nenhuma razão em particular.
—Nunca te farei mal, Jane.
Seus olhos voaram para ele. É óbvio que não o faria. O pensamento nunca
lhe tinha ocorrido. Por que diria…?
—Não mais do que o necessário, em qualquer caso.
— Como?
Com sua cor aprofundada, ele elevou uma mão para esfregar a parte
posterior de seu pescoço. O movimento fez com que os músculos menores ao
longo de seu ventre se esticassem e ondulassem de maneira fascinante. Ela
tragou saliva. Ele respondeu: —Haverá alguns incômodos na primeira vez. A
partir de então, deverá ser menos difícil.
—Portanto, o mal-estar é todo da minha parte. Entendi bem? — Ela fez a
pergunta só para chateá-lo um pouco. Annabelle já lhe tinha explicado a dor que
experimentaria.
—Sim.
—Mmm.
—É inevitável. Mas vou tomar todas as precauções para diminuir a
dificuldade para você.
—Como?
—Te ajudando a relaxar. — Olhou por cima do ombro à cama com dossel
de seda verde, logo a ela. — Talvez devêssemos nos deitar.
Ela fez uma pausa considerando sua sugestão, e logo assentiu. Ele se
aproximou da cama e tirou a colcha, fazendo um gesto para que se aproximasse.
Ela obedeceu, movendo-se para ficar diante dele. Uma vez mais suas mãos
acariciaram seu cabelo, retirando-o de seus ombros e colocando-o atrás de suas
costas. Seus movimentos lentos e cuidadosos recordavam os de um cavalariço
atendendo uma égua nervosa.
Inclinando-se para beijá-la de novo, segurou seu queixo entre o indicador e
o polegar, acariciando sua pele com suavidade. Ela suspirou contra sua boca,
aproximando-se até que sentiu que seus braços lhe rodeavam as costas,
apertando de tal maneira que seus seios ficaram esmagados contra os duros
contornos de seu abdômen.
Seu calor era incrível, virtualmente queimando-a através da seda de sua
camisola. Por dentro, a inquietação tomou o controle, obrigando seus quadris a
inclinar-se para diante para esfregar-se licenciosamente contra suas coxas. Algo
empurrou contra seu ventre. Algo duro, inchado, de uma natureza bastante
insistente. Seu apêndice, concluiu, alarmando-se um pouco ao recordar a
descrição de Annabelle do processo de consumação.
De repente, a escorregadia presença de sua língua deslizou para passar da
borda de seus lábios, e por instinto abriu-os para que pudesse deslizar no seu
interior, onde acariciou, pressionou e agradou a sua boca. Ele parecia frio e
quente ao mesmo tempo, como hortelã e baunilha. Subiu os braços entre eles
para envolvê-los ao redor de seu pescoço. Desesperadamente queria mais.
Esticando seu agarre, ela tratou de aproximá-lo mais para aumentar a pressão de
sua boca contra a dela.
Ele gemeu, seus braços, que rodeavam sua cintura, apertando com mais
força até que seus pés deixaram o chão. Depositando-a na cama como se não
pesasse nada, manobrou-os até colocá-la sobre suas costas e meio em cima dela,
meio em cima da cama. Fez um espaço entre suas pernas, sua coxa esfregando
da forma mais deliciosa ao longo da junção que doía e se contraía por ele. Ela
gemeu e se atreveu a empurrar insistentemente a língua contra a sua, desejando
seu sabor, necessitando que ele fizesse... algo.
Só que ele não fez o que desejava. Em troca rompeu o beijo, o peito
movendo-se rapidamente com seus ofegos. Por um momento ele deixou cair a
cabeça entre eles como se precisasse recompor-se. Rodando sobre seu flanco, se
sentou para apagar a lamparina junto à cama, deixando parte da habitação nas
sombras.
Sentiu-o sair da cama, ouviu o som de tecido deslizando-se sobre a pele, e
logo sentiu o colchão afundar-se quando voltou a deitar-se sobre ela. Seus
braços rodearam seu pescoço de forma automática, mas lhe agarrou
brandamente os pulsos e os colocou a cada lado de sua cabeça.
—É melhor desta maneira — sua voz retumbou quase irreconhecível. — Só
fique assim e deixa que te toque.
Tocá-la foi o que fez, primeiro com seus lábios contra o lado de seu
pescoço, mordiscando e sugando. Logo, com as mãos, deslizando sobre seu
seio, lhe acariciando o mamilo através da seda de sua camisola até que ela gemeu
e se retorceu, seus pulmões trabalhando para tomar mais ar. Várias vezes
levantou a mão para roçar seu rosto ou aferrar seu cabelo, mas a cada vez lhe
devolvia os braços cuidadosamente aos flancos, o que a fazia grunhir de
frustração.
Finalmente começou a subir a saia de sua camisola além de suas coxas, o que
lhe deu a oportunidade de esfregar suas pernas nuas contra as suas peludas. Era
uma sensação interessante, uma em que não teve tempo de deter-se. Porque,
quão seguinte sentiu foram seus dedos acariciando a parte interna de sua coxa.
Quando lhe roçou o lugar mais íntimo todo seu corpo se sacudiu pela surpresa.
E ficara, entretanto, acalmando a carne ali, extraindo o que sentia como uma
incomum quantidade de umidade. Isto era normal? Ela não tinha fôlego
suficiente para perguntar, sentindo-se igualmente ofegante como depois de
correr com suas irmãs pela larga colina coberta de neve perto de sua casa de
campo.
Só que não sentia frio agora. De fato, ela estava bastante quente até sentir
seus ossos fundidos, deixando-a líquida e maleável em suas mãos. Seu polegar
girava prazerosamente ao redor de um ponto sensibilizado dentro das dobras de
seu lugar íntimo, elevando sua inquietação a um grau insuportável. Ela queria
arquear-se contra ele, gemer e lhe rogar que fizesse algo. Mas estava claro que
seu marido não se sentia cômodo com ela fazendo demandas. Seus movimentos
eram lentos, cuidadosos, deliberados. Controlava a si mesmo e a ela, unindo-os
naquela dança limitante.
Ele se moveu entre suas coxas, agarrando seus joelhos e os estendendo para
cima abrindo-os para seus quadris. Finalmente. Finalmente, pensou ela,
retorcendo-se para dar capacidade ao seu peso e desacostumada presença. Uma
quente pressão abriu passagem, entrando lentamente. Distendendo.
Distendendo de modo insuportável. Ela grunhiu e mordeu o lábio ante a dor
ardente.
Ele baixou o rosto no oco de seu pescoço e empurrou seus quadris para
diante em um movimento rápido e controlado. Ela quis chorar ante o repentino
calor, pressão e dor. Mas fechou o punho no lençol debaixo dela e se obrigou a
permanecer em silêncio. Ele se retirou quase por completo. Ela soltou um
suspiro de alívio, que rapidamente se converteu em um ofego quando ele voltou
a empurrar fortemente para dentro dela, repetindo o movimento uma e outra
vez, os músculos de seus braços, peito e pescoço distendidos e trêmulos
enquanto mantinha seu peso acima dela.
Depois dos primeiros impulsos, seu corpo começou a ceder, a dor a
diminuir, tal como ele havia dito. Inclusive parecia dar as boas-vindas à
plenitude do deslizamento, à quente fricção. Mas justo quando ela começava a
pensar que este processo poderia ser passível, inclusive agradável, seu marido
ficou rígido e empurrou uma última vez, gemendo seu nome em seu pescoço,
seus quadris se sacudiram duas vezes mais antes de cair em cima dela,
obviamente terminando a noite.
Momentos depois, com o peito agitado, ele deslizou com cuidado para fora
dela, seu apêndice mais suave por seus esforços. Rodando até ficar de costas ao
seu lado, sua respiração voltando lentamente à normalidade.
—Está bem, Jane? — Perguntou, sua voz áspera e rouca, não obstante
extremamente cortês.
—É claro — respondeu ela com voz neutra. — Você foi muito
considerado, Sua Graça.
Seu comentário foi recebido com um longo silêncio. Em questão de minutos
o sentiu sair da cama e o ouviu recolher sua camisa e calças. A porta entre suas
antecâmaras abriu e fechou com suavidade.
Ela tirou os óculos e cegamente os colocou na mesinha de cabeceira. Não
tinha os necessitado, depois de tudo. Estava muito escuro para ver algo.
Suspeitava que ele não tinha desejado olhá-la. Se não, por que apagar a luz? Por
que deixar sua camisola em seu lugar até o último momento? Ainda a tinha
colocada, amontoada em dobras por cima dos quadris.
Uma dor apertada se instalou profundamente em seu peito, retorcendo e
queimando em torno de seu coração. Superava inclusive a dor entre suas coxas.
Ela pegou a colcha e se cobriu enquanto girava sobre seu flanco e se encolhia,
de repente com frio depois de todo aquele calor insatisfatório.
Annabelle lhe tinha mentido. Ela não sabia por que. Talvez sua irmã tivesse
se preocupado de que Jane se negaria se soubesse. Mas em sua mente, ela
escreveu uma mordaz recriminação à sua irmã mais velha.
Querida Annabelle, escreveria. Esta noite descobri um fato muito inquietante: que é
muito capaz de me enganar, e para minha grande consternação, sou bastante tola para ter
escutado. Entretanto, a verdade deve dizer-se: as relações matrimoniais são tão
"embriagadoras" e "felizes" como tomar uma carruagem de aluguel em Piccadilly. Depois de
passar da antecipação e da emoção inicial, a viagem está cheia de movimentos discordantes,
aromas estranhos e mal-estar geral. E no final,querida irmã, se fica com apenas isto, a clara
sensação de ter sido extorquida.
CAPÍTULO 15
"Quando se trata de homens querida, é aconselhável manter as expectativas baixas e as
indulgências reparatórias altas." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Berne durante
uma discussão sobre as qualidades menos íntimas de Lorde Berne.

Era uma desgraça. Um ataque à mão armada puro e simples, pensou


Harrison enquanto examinava as contas da casa. A fatura pelas especiarias tinha
aumentado dez vezes nas duas semanas desde sua chegada a Blackmore Hall.
Dez vezes!
—Sua correspondência, Sua Graça.
Levantou o olhar para ver Beardsley, o mordomo do imóvel durante os
últimos quatro anos, entrando em seu escritório. Com uma inclinação da cabeça,
indicou a bandeja sobre a mesa designada para a nova correspondência a ser
vista. O mordomo era inclusive mais baixo que Jane, mas era o homem mais
eficiente e competente a ocupar a posição. Vitória o tinha contratado pouco
depois de assumir os deveres da sua mãe. Era uma das muitas razões pelas quais
ainda sentia sua falta. Ele não possuía seu dom para a compreensão das pessoas.
Seu cozinheiro, por exemplo. Por que o francês requeria de repente dez vezes a
quantidade normal de especiarias? Certamente, o tamanho do lar não tinha
aumentado proporcionalmente.
Com um suspiro de desgosto, colocou a fatura de lado e recuperou a
primeira carta da pilha da correspondência. Abriu-a e rapidamente examinou a
mensagem de Dunston, que lhe informava que ele, sua mãe e sua irmã passariam
pela região no próximo mês e aceitava a oferta de Harrison para uma visita.
Com o cenho franzido, Harrison tomou esta notícia com certa preocupação.
Jane só agora começava a superar seu acanhamento com os criados. Na semana
passada tinham recebido a visita do vigário e de sua esposa. Ela pouco tinha
falado mais que um punhado de frases. Embora não fosse precisamente
grosseira, seu desconforto tinha sido óbvio, e o vigário amavelmente tinha
cortado sua visita, oferecendo suas felicitações por seu matrimônio.
Tentou imaginar Jane fazendo-se de anfitriã para o sociável Lorde Dunston
junto com sua mãe e irmã, Lady Mary. Seria mais difícil para ela, sobretudo
tendo em conta que sua visita iria durar dias ou semanas, não a meia hora que o
vigário e sua esposa tinham estado.
Harrison odiava ver sua esposa em tal estado. Com ele Jane não tinha
reservas, inclusive era um tanto descarada, embora frequentemente de maneira
sutil. Seu vivo senso de humor, engenho, natureza observadora e inteligência
eram muito íntimos. De fato, a tendo acompanhado em várias explorações do
imóvel incluindo os jardins, as ruínas do castelo de Blackmore e ao longo do rio
que serpenteava pelos arredores, acostumou-se bastante bem à sua companhia,
desejando-a em distintos momentos no transcurso de cada dia.
Sua personalidade era incomum em sua experiência, mas não poderia ser
criticada como pouco atrativa. Justamente o contrário, de fato. Simplesmente se
sufocava e sentia-se presa na presença de pessoas desconhecidas. Recordando
sua reação à visita do vigário, sentiu ira de novo. O silêncio e a baixa autoestima
tinham tomado conta dela, claramente incômoda com qualquer coisa além das
meras sutilezas. Inexplicavelmente, encontrou-se cada vez mais agitado, olhando
com o cenho franzido ao vigário, que não havia feito outra coisa que lhes
desejar o melhor em seu matrimônio e lhes animar a assistir ao serviço do
domingo. O desconforto de Jane lhe deu vontade de fazer em pedaços algo ou
alguém. Uma resposta irracional, mas inegável.
Sacudindo a cabeça, recordou a si mesmo que ela devia aprender a dirigir as
visitas como de Dunston cedo ou tarde. Talvez como seu marido, poderia aliviar
seu caminho ao fazer todos os acertos adiantados, assegurando assim que ela só
tivesse que fazer aparições ocasionais para as refeições e coisas assim. Sim,
decidiu. Esse era o curso apropriado. Ele planejaria tudo por ela, permaneceria
ao seu lado sempre que fosse necessário e reduziria suas obrigações às de um
convidado de honra. Uma excelente solução.
Satisfeito, escreveu rapidamente uma resposta a Dunston. Logo se ocupou
da correspondência restante. No momento em que tinha terminado, sua mesa
estava livre de todos os documentos, exceto das contas da casa e da fatura das
especiarias. Seu cenho franzido retornou.
Depois de outro exame, deu-se conta que a quantidade de especiarias não
havia, de fato, aumentado dez vezes. Em troca, seu cozinheiro estava gastando,
de verdade, somas exorbitantes em chocolate.
—Beardsley!
O mordomo respondeu ao seu grito quase imediatamente.
—Sim, Sua Graça?
—Vá buscar a senhora Draper.
Quando a governanta chegou, Harrison elevou a conta do comerciante de
especiarias e exigiu saber o que tinha provocado o aumento exorbitante.
—Tenho… tenho entendido que Monsieur Renaud desejava assegurar-se
que não lhe faltasse chocolate, Sua Graça. A Sua Graça, a duquesa, gosta muito
de chocolate. Toma todas as noites.
—Todas as noites?
—Sim, Sua Graça. Algumas manhãs também. Embora prefira o café, então.
Apertando a mandíbula, Harrison despediu a governanta e voltou-se para
olhar a fatura. Tal extravagância era absurda. Devia confrontar Jane sobre sua
indulgência. À medida que avançava pelo corredor entre seu escritório e a antiga
biblioteca, o lugar que ela ocupava quase com devoção religiosa, uma pequena
voz no fundo de sua cabeça inquiriu se não estava exagerando a importância do
gasto como uma desculpa para ir vê-la. Mas imediatamente rejeitou a ideia. Era
sua esposa. Podia falar com ela quando quisesse. Não necessitava de desculpas.
Naturalmente, pôs limites a si mesmo quando se tratava de passar muito
tempo com ela. A mulher era pura tentação. Tinha recorrido até à última gota de
restrição que possuía para visitar sua cama só uma vez por semana, a frequência
que tinha considerado apropriada para o matrimônio. E tão doloroso como isso,
era ainda mais insuportável impedir que sua paixão inflamasse além de sua
capacidade de controle. Mas se não restringisse a si mesmo, significaria ceder aos
seus instintos mais baixos e nunca a deixaria sair do dormitório. Que classe de
homem trataria a sua esposa dessa maneira? Não, ele devia continuar lhe
mostrando o respeito que ela merecia mediante o controle da sua natureza
primitiva e mantendo uma distância apropriada.
Como era de esperar, encontrou-a aconchegada em uma das cadeiras entre a
lareira e a janela, seus sapatos marrons no chão, sua avermelhada saia de seda
colocada ao redor dos joelhos, e um grande livro embalado no colo.
Quando fechou a porta, ela levantou a vista. E logo sorriu. Os olhos escuros
brilhantes, as covinhas aparecendo, seu rosto passou de comum à cativante em
um instante.
—Oh, Sua Graça, não tem ideia dos tesouros que possui.
Pelo contrário, ele podia pensar ao menos em um.
—Esta Bíblia é sublime. — De fato, sua voz tinha uma sussurrada
reverência, seus dedos acariciando ligeiramente as páginas. — É a arte sagrada
de uma mão que obviamente adorava seu tema.
Os sentimentos que se apoderaram dele nesse momento eram qualquer
coisa, menos piedosos. Profanos, possivelmente. Pecaminosos, sem dúvida.
Combateu-os, como sempre fazia. E como de costume, a batalha lhe deixou
com pouca paciência ou suavidade quando voltou a falar.
—Recebi a fatura de um comerciante de especiarias. Devido ao seu hábito
de tomar chocolate, aumentou dez vezes.
Seu sorriso desapareceu, substituído por um cenho franzido entre suas
sobrancelhas escuras.
—Meu hábito por chocolate?
—Sim. Esteve bebendo-o todas as noites e deve parar.
Com cuidado, ela fechou a Bíblia, levantou-se e a levou de volta à estante,
deslizando-a com reverência de novo ao seu lugar. Voltando-se para enfrentá-lo,
ela apoiou as mãos pequenas e brancas no respaldo da cadeira e perguntou: —
Está curto de recursos, Sua Graça?
Ele jogou a cabeça para trás, seu temperamento inflamando-se.
—Esse não é o ponto. — Ela rodeou a cadeira, aproximando-se mais, a cor
inundando suas bochechas, suas mãos agora plantadas em seus quadris.
—Se quiser, pode sentir-se livre em utilizar o meu dote para cobrir os custos
do meu hábito, como você diz.
—Pode ser que não seja suficiente, se este esbanjamento continuar.
—Esbanjamento? — Ela apertou os lábios e logo empurrou seus óculos
mais para cima em seu nariz pequeno e redondo. — Diga-me a verdade: não
acredita que é incomum que um duque se preocupe com pequenos detalhes
como um aumento menor no consumo de chocolate?
—Eu não chamaria um aumento de dez vezes "menor". E não mude de tema.
Não estamos falando de mim.
—Bom, talvez devêssemos. Posso sugerir que pratique o arco e flecha ou a
caça? Entendo que alguns duques desfrutam muito destes apropriados
passatempos.
Ele se aproximou mais.
—Está dando a entender que não tenho suficientes atividades para ocupar o
meu tempo.
—É isso, ou não pode permitir-se o luxo de contratar um administrador, o
que pode ser ainda mais alarmante que sua indignação pelo chocolate.
Com sua ira crescendo a cada segundo, ele tentou recuperar o controle da
conversação.
—Já é o suficiente — disse. — Deixará de beber essa coisa todas as noites.
A partir de agora, pode tomá-lo uma vez por semana. Isso é tudo.
O rubor de Jane se intensificou, seus olhos refulgindo indicando sua fúria.
—Tendo em conta a quantidade de goma que se requer para manter seus
lenços definidos, você não está em condições de emitir ordens. — Fechando a
distância entre eles com fortes pisadas, ela colocou por um instante fugaz um
dedo no interior do objeto infrator roçando seu peito por baixo. — Pelo mesmo
custo, poderia me banhar em chocolate todas as noites e ainda ficaria o
suficiente para um prato de bolachas.
Ele tentou (oh, como tentou) não imaginar seu corpo nu coberto de
chocolate. Mas estava ali, reproduzindo-se em sua mente como o truque de um
demônio, tentando-o além de sua resistência. A parte de si mesmo que havia
negado muito tempo uivou e se esforçou por dominar. E a parte dele que tinha
começado a endurecer-se no momento em que tinha entrado na antiga
biblioteca e visto seu sorriso, o retorceu por dentro e por fora, aquela parte se
converteu em pura pedra, pronta para tomar o que era dele. Talvez se ela se
detivesse ali poderia ter resistido, empurrado o animal primitivo que temia de
volta à sua jaula. Mas ela não tinha terminado.
—Você pode preferir em seu planejamento uma vez por semana, Sua Graça
– ela disse, obviamente referindo-se às visitas à sua cama uma vez por semana.
— Mas eu acredito que os prazeres da vida não estão destinados a serem
distribuídos de um modo tão miserável.
Sua declaração o quebrou. Tinha tentado com tão maldito afinco controlar-
se, até o ponto que pensou que ia morrer por causa do esforço. E ela apreciava
tudo o que tinha feito para protegê-la? Não. Pelo contrário, o acusava de lhe
negar seu prazer. Havia se metido com seu orgulho, sua autoridade, sua
virilidade, inclusive com o seu lenço. Era a gota que enchia o copo.
A luz se fez mais aguda, o rosto dela mais claro. Sentiu a pele tensa
enquanto o vermelho bordeava sua visão. A maré de luxúria, obsessão e escura
necessidade empurrava o muro de sua vontade, esticava músculos e ossos,
causando uma dor pesada e ardente ao longo de todo seu corpo.
Faltava tão pouco para romper a corrente da sujeição, para permitir que a
maré e o animal corressem livremente.
Tão… pouco.
E então, aconteceu. Observando a sutil elevação de sua boca descarada,
sarcástica, curvando-se em um sorriso satisfeito, tudo o que temia de repente
desatou-se.
Sem pensar, sua mão envolveu sua nuca, agarrando-a com dureza e puxando
sua boca para encontrar a dele, deixando que a pressão a obrigasse a abrir os
lábios, permitindo a invasão de sua língua. O outro braço a esmagou contra ele,
seu corpo rugindo ante a suavidade de seus seios doces e plenos, a suavidade
sem fim de sua cintura e quadris.
Se ela resistisse teria se detido em um beijo. Mas não o fez. Em troca, depois
de um breve momento de surpresa, respondeu ao seu fogo com o próprio.
Agora, que ela estava ali com ele, seu corpo se regozijou. Ela sugou sua língua,
suas mãos enredando-se por seu cabelo, o puxando para baixo com força. O
sufocado gemido de Jane, um convite licencioso reverberando contra seus
lábios.
Levantou-a do chão; tropeçando os levou para a mesa deixando-a sobre sua
superfície. Com sua boca devorando a dela, afastou-lhe as coxas e encaixou os
quadris entre eles, esfregando seu dolorido membro contra o quente ponto de
sua união. Mas não era satisfatório. Precisava estar dentro. Ela era dele. Dele.
Agarrando punhados de seda vermelha, puxou a saia dela para cima, suas
mãos lutando com o tecido para acessar o que era dele. Ele rompeu o beijo
ouvindo seu gemido de necessidade. Aspirou ar, levando seu doce aroma de
maçãs para o interior de si mesmo. Sua visão se tornou imprecisa. Baixou a boca
ao seu pescoço. Necessitava mais. Mais de sua pele, e de seu aroma e de suas
mãos agarrando seu pescoço como faziam agora, como se nunca fosse soltá-lo.
Seus lábios deslizaram por cima de sua clavícula. Sua língua encontrou um
rastro para seus seios. Suas mãos ganharam a batalha contra a saia encontrando
seus cachos úmidos, seus dedos deslizando-se através das dobras escorregadias
afundando-se profunda e certeiramente em sua vagina estreita, molhada. Essa
vagina lhe pertencia. Era dele.
Usando a outra mão, deu um puxão na borda de seu corpete, tirando as
mangas de seus ombros. Um seio túrgido transbordou para seus lábios. Ele
capturou a ponta do mamilo vermelho e amadurecido e sugou com força,
percorrendo—o com os dentes. Gemendo e ofegando, lhe apertou os quadris
com suas coxas, apertando os dedos em sua vagina úmida, retorcendo-se e
empurrando seu seio profundamente em sua boca.
Ele rasgou a braguilha de suas calças liberando seu membro inchado.
Dobrou os joelhos. Tirou os dedos. Soltou seu mamilo com um ruído úmido e
ficou lambendo uns instantes a ponta.
Olhou os olhos apaixonados de sua esposa.
Logo, deliberadamente, afundou a cabeça de seu pênis contra ela. Fez uma
pausa para escutá-la ofegar em busca de ar e gemer de desejo. E então empurrou
com todas as suas forças. Da boca de Jane emergiu um grito de prazer sem
limites, semelhante ao canto de uma sereia. Mas não abriu os olhos, manteve-os
bem fechados. E agora ele estava se afogando em seu fogo, sua vagina
apertando e aferrando-se a ele. Harrison se retirou, logo empurrou outra vez, a
mesa golpeando contra os painéis de madeira. Outra vez, mais duro. Lhe cravou
os dedos na nuca, agudos, lacerantes e perfeitos. Outra vez, mais profundo. Ele
grunhiu o nome de sua esposa, o som gutural de uma reclamação. Outra vez,
mais rápido.
Jane. Sua Jane.
Outra vez. E outra. Mais profundo. Mais rápido. Mais duro. Mais.
Ele queria arder dentro dela, saturá-la com seu corpo.
Seus seios nus para ele, sacudiam-se a cada investida. Seus amados gemidos
guturais ecoavam em sua pele como uma sinfonia, reunindo-se em um
crescente. Ela o segurou, agarrou-o com força, estremecendo-se ao seu redor.
Sua beleza nesse momento do clímax. Sua pele leitosa ruborizada, sua boca
torcida e aberta em um ofego, olhos castanhos fechados em êxtase ao
pronunciar um quase mudo grito final o deixou louco. Estreitou-a entre seus
braços enquanto afundava o rosto em seu pescoço, seu membro enterrado na
profundidade de seu corpo quente e receptivo.
Sentia chegar à culminação, sentia-a como um gêiser na base de sua coluna.
Sabia que o ia mudar para sempre. Quando chegou, a intensidade foi como uma
tormenta de raios, trovejando e crepitando ao longo de todos os seus músculos
e nervos, obrigando os seus quadris a cravar-se nela, a empurrar seu membro
duramente em seu interior. O movimento frenético não podia ser controlado.
Nem detido. Juntos, eram uma força da natureza. Gritando de triunfo e
grunhindo de saciedade enquanto disparava sua semente profundamente dentro
de seu centro feminino, soube além de toda dúvida. Era certo. Ela era dele.
Sua por direito. Sua por Deus.
Enquanto lhe acariciava brandamente o cabelo e o pescoço com suas mãos,
pousava os lábios contra sua têmpora, o único pensamento de Harrison era que
ela era dele.
E nunca a deixaria ir embora.

~~*

Jane não estava muito segura do que havia acontecido. Ainda tremendo da
sequela do êxtase furioso, só podia aferrar-se a ele, sentindo tremores similares
ondulando debaixo de sua pele. Ele permanecia totalmente dentro dela, seus
quadris inseridos com força entre suas coxas, seus braços rodeados ao redor de
suas costas, apertando-a quase dolorosamente contra seu peito, seu fôlego
quente umedecendo sua pele entre seu pescoço e o ombro. Era como se ela
estivesse tentando ir, e ele a mantivesse prisioneira.
Exceto por ela não querer escapar. Pela primeira vez desde seu matrimônio,
queria ficar. Exatamente assim. Seu corpo escorregadio e pulsando com o
rememorado prazer. Com ele em estado puro, nu e despojado de seu título, de
suas maneiras e de sua maldita goma.
Cada um de seus duros músculos se sacudia, seu peito agitado enquanto
lutava para recuperar o fôlego. Ela o entendia porque sentia o mesmo. Tinha
sido como uma tempestade furiosa, tão repentina que mal havia se arrumado
para agarrar-se a ele. Num segundo, tinha estado indignada por suas ridículas
acusações sobre o chocolate, e no seguinte os olhos dele haviam brilhado com
um calor temível, sua boca e corpo virtualmente consumindo-a.
Depois de sua terceira visita à sua cama. Foi só ontem à noite? Havia se
resignado às não desagradáveis, mas no final repetitivas e insatisfatórias relações
maritais. Cada vez que ele havia chegado, beijado e acariciado seu corpo,
surgiam esperanças só para serem destruídas ao cabo de seu dever marital. Não
queria queixar-se. Depois de tudo, ele era a viva imagem da cortesia. Da fria,
controlada e incrivelmente frustrante cortesia.
Mas isso foi antes de hoje, antes que ela soubesse o que estava perdendo.
Antes que tivesse lhe revelado o que tinha estado escondendo: uma paixão feroz
enterrada sob camadas de gelo. Inclusive agora podia senti-lo retirando-se, seus
braços suavizando sua constrição e separando seu corpo do dela. Enquanto se
afastava, subiu com gentileza seu corpete, baixou a saia para cobrir onde tinham
estado unidos, logo com a máxima discrição abotoou a braguilha das calças. Sua
cabeça, embora já não enterrada em seu pescoço, permanecia inclinada. Não
queria olhá-la nos olhos.
—Jane — ele disse com voz rouca quase inaudível, suas mãos descansando
ligeiramente nos joelhos dela cobertos de seda. — ... sinto muito. Lhe...? Está...?
— Seu dedo foi lhe acariciar a pele ao lado de seu pescoço, onde a barba
incipiente de sua mandíbula a tinha irritado um pouco.
Ela nunca o tinha visto tão inseguro, tão vulnerável.
—Sinto-me absolutamente esplêndida — ela respondeu com suavidade.
Aflito, seus olhos inquisitivos voaram para procurar os dela. O remorso e a
surpresa se mesclavam ali. Sua garganta se moveu ao tragar saliva.
—Perdi o controle. Tratar a ti, minha esposa, de tal forma, é um erro
imperdoável. Não voltará a ocorrer.
Ela começou a protestar que deveria e aconteceria outra vez, se tinha algo
que dizer a respeito, mas não lhe deu oportunidade. Apoiou as mãos em sua
cintura, desceu-a da mesa do escritório como se não pesasse mais que um
travesseiro. Ela chiou, surpreendida pelo movimento, sua saia voltando a cair ao
seu lugar. Antes que pudesse pronunciar uma palavra, ele endireitou a coluna,
retificou os ombros, girou sobre seus calcanhares e a deixou balançando-se
sobre as pernas que sentia como gelatina, na antiga biblioteca, segura agora de
uma só coisa: o oitavo Duque de Blackmore era uma fraude.
CAPÍTULO 16
"A Inglaterra simplesmente está infestada de canalhas e rufiões. Só na semana passada
fui insultada duas vezes, uma por um hospedeiro excepcionalmente grosseiro e outra por meu
próprio sobrinho!" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao Ministro do Interior, Lorde
Sidmouth, em uma discussão estratégica sobre como assegurar a ordem doméstica e a
tranquilidade.

O pedaço de pão aterrissou sobre a danificada mesa diante de Colin


enquanto uma forte discussão acontecia atrás dele. Um casal brigava sobre se
deviam continuar em Manchester ou ir para o sul, a Warrington, onde vivia a
mãe da esposa. Por isso, não queria casar-se. Com o tempo, cada mulher se
convertia em uma harpia, exortando o homem ao desgosto pela família dela.
Esfregando a testa com os dedos indicadores e polegar, Colin tomou um gole de
cerveja amarga e rançosa e parou. Ao sair do frio e úmido botequim, a luz do
meio-dia o golpeou com força, enviando agulhas de dor por sua cabeça. Puxou
seu chapéu para baixo tratando de ocultar o rosto, encolheu os ombros, e se
dirigiu para o estábulo.
Mesmo depois de semanas o movimento repentino e a luz brilhante o
incomodava. Recordava pouco de como escapara do homem de Syder. Três dias
depois do golpe tinha despertado em uma pensão em Richmond, ao oeste de
Londres. Uma mulher grande, áspera, de meia idade com um amor pelo tricô e o
nome improvável de Samambaia, havia sido contratada para cuidar dele. Por
quem, não ia dizer. Suspeitava que ou Chatham tinha tido um incomum ataque
de consciência, ou Drayton o tinha encontrado e assumido que Harrison não
queria morto o seu único irmão e atual herdeiro. Não importava. Uma vez que
havia se recuperado, tinha pago generosamente à Samambaia por seu trabalho e
seu silêncio, e logo tinha comprado um cavalo e se dirigido para o norte.
Odiava viajar. Maldito tempo para pensar. Pensar doía abominavelmente.
Um grito e o som de cristais quebrados chegaram do interior do botequim.
A porta abriu de repente e jogaram o marido, que aterrissou com seu traseiro no
lodo. A esposa lançou um maço de tecido no colo do homem, gritando a
respeito de como sua mãe tinha tido razão sobre ele o tempo todo.
Puxando seu chapéu mais para baixo, encobrindo seus olhos, Colin se
encolheu e se sentiu agradecido que uma mulher não lhe tinha posto os grilhões.
Apressou-se a chegar ao desmantelado estábulo onde seu cavalo estava
esperando. Era uma pequena égua magra, suave e tranquila.
Relinchando brandamente quando ele entrou, Matilda aceitou o pequeno
pedaço da maçã que tinha salvado da sua comida.
—Aqui, menina. — Ela acariciou sua mão procurando mais. Ele riu entre
dentes. — Não é um pouco exigente, pequena? Se tivesse mais, lhe daria. Disso
pode estar segura. — Assaltou-o um enjoo, e apoiou a cabeça em seu pescoço
por um momento. Ainda não estava bem. Samambaia lhe tinha advertido a
respeito de ir-se de Richmond muito cedo, que não ia sarar a menos que
descansasse totalmente.
Mas ele havia sentido a coceira. Sentido a rasteira sensação de ser caçado.
Estavam perto. Então tinha fugido. Primeiro a Southampton. Então, depois de
evitar um estivador que parecia estar recebendo recursos de Syder, à Liverpool.
Tinha comprado passagem à Nova Iorque, só para inteirar-se que seu navio para
a América se atrasaria para reparações imprevistas; não zarparia até dentro de
dez dias. Logo tinha visto seis homens rastreando a linha da costa. Os homens
de Syder.
Southampton não estava longe o bastante. Liverpool também não.
Possivelmente mesmo a América não estaria longe o bastante.
—Fugir não é a resposta, Lacey.
A voz baixa e áspera vinha de trás dele. Virou-se, sua cabeça parecendo
flutuar, para ver o homem alto e magro que o tinha seguido sem descanso de
um extremo ao outro da Inglaterra.
—Drayton.
Contra vento e maré, o maldito cão do Harrison estava atrás de seu aroma.
Era um maldito incômodo.
—Sim. — Áspero e desalinhado, o investigador se via como sempre:
esfarrapado. — Acredita que Syder se renderá? Melhor pensar de novo.
—O que sabe a respeito?
Em um abrir e fechar, o olhar do investigador foi de inexpressivo e cansado
a escuro e feroz.
—Conheço assassinos muito bem.
—Então sabe que fugir é a única resposta.
Drayton baixou os olhos e sacudiu a cabeça.
—Vá à Blackmore. Conte ao duque a verdade. Desculpe-se com a duquesa.
—Duquesa?
O olhar que o investigador lhe disparou fez Colin piscar. Que imbecil sou,
pensou. É óbvio que Harrison se casaria com ela.
—Lady Jane — sussurrou para si mesmo.
—Sim.
Ele gemeu e esfregou a testa.
—Vá à Blackmore — repetiu Drayton. — Pode acreditar que está se
ocultando bem Lacey, mas até um menino de dois anos poderia rastreá-lo.
—É precisamente por isso que não vou ali, idiota.
O homem encolheu os ombros.
—Não significa muito para mim, na realidade. Minha tarefa é vigiá-lo. Paga-
me para isso, esteja você adormecido em seu cavalo, pendurado numa corda em
Whitechapel ou jazendo em um buraco olhando ao Criador.
Colin se encolheu ante a crua lista de seus possíveis destinos.
—Se fosse minha dívida e minha pele, estaria procurando o único homem
que se importa um pouquinho se estou vivo ou morro.
—E o que acontece se me seguem? — Ele meneou a cabeça. — Não. Fiz
mais do que suficiente sem colocar o meu irmão e a sua nova esposa em perigo.
Drayton trocou de lado para poder olhar à estrada lamacenta.
—Prefere a morte, então?
Sua mandíbula se apertou junto com suas vísceras.
—Sim.
Desgrenhada, a cabeça do homem pendurou para frente.
—Uma merda — murmurou. Olhou para Colin. — Posso lhe dar a
vantagem de uma semana. Talvez quinze dias.
Colin entrecerrou os olhos.
—Como, exatamente?
O investigador sorriu. Não era uma visão agradável.
—Vão perseguir fantasmas. — Voltou-se e se dirigiu à entrada, fazendo uma
pausa com uma mão apoiada no batente de madeira. — Apresse-se Lacey. Se
conhece Syder, necessitará de cada minuto. E pelo amor de Deus, evite os
caminhos principais.
Vendo Drayton afastar-se arrastando os pés pelo pátio enlameado do
botequim, Colin considerou a ideia. Blackmore. Não tinha estado em casa em
mais de um ano. Desde antes que Harrison lhe tivesse tirado os recursos.
Harrison, que se envergonhava de chamá-lo de irmão, mas que também seguia
pagando Drayton para vigiá-lo. Evidentemente não queria Colin morto. Era um
pequeno consolo.
Matilda mordiscou seu chapéu, o que lhe obrigou a afastar-se da cocheira.
Com ar ausente, esfregou de novo o nariz.
—Você gostaria de uma longa viagem, Matilda? Não posso prometer um
caminho fácil, mas se chegarmos ao nosso destino no momento oportuno, terá
a melhor cocheira dos melhores estábulos de Yorkshire.
A égua pressionou o nariz contra sua mão com insistência. O aroma da
putrefação do feno e esterco de cavalo era agudo e vil. Suspirando, lhe deu um
último tapinha. Então selou Matilda, a montou e se dirigiu de novo à luz do dia.
Ignorando a dor que lhe causava, voltou-se para o leste.
Para Blackmore.
Para casa.

~~*

Jane olhava pela janela da biblioteca, vendo Blackmore montar seu cavalo
para outro passeio. A verdade era inegável: seu marido a estava evitando. Quatro
dias depois de seu encontro explosivo, simplesmente entrar na antiga biblioteca
a fazia ruborizar-se de tal maneira que sua cor demorava para voltar ao normal.
Já ler (e sentar-se e dormir e respirar) era incrivelmente difícil.
Mas Blackmore não parecia sofrer da mesma enfermidade. Ele de fato, tinha
falado só uma vez nesses quatro dias, e isso devido a que quase haviam se
chocado na parte superior da escada. Uma palavra: "desculpe", murmurada
solenemente antes que ele se afastasse e lhe fizesse um gesto para que seguisse
seu caminho; essa foi a única vez que tinha ouvido sua voz. Em quatro malditos
dias.
Jane estava farta. Ele levava comida à sua habitação, seus passeios o
ocupavam quase a metade do dia fora de casa, e mantinha sua bela e confusa
pessoa longe de sua presença como se ela estivesse coberta de mel e ele parado
em um formigueiro.
Ao baixar o olhar à carta de Annabelle, que tinha recebido esta manhã,
voltou a ler o firme conselho de sua irmã. "Deve perseverar para conseguir o que deseja,
querida. O matrimônio dura toda uma vida. Isso é muito tempo para aceitar menos que a
felicidade que merece".
É claro, Jane lhe tinha escrito há duas semanas, por isso, Annabelle não
sabia nada do ocorrido na antiga biblioteca. Ela não sabia o que Blackmore tinha
feito a Jane, como ele mesmo se revelou e, por sua vez, tinha-a mudado de um
modo fundamental.
Ele não era frio. Longe disso. Ele a desejava. A ela. Uma solteirona. Mesmo
sendo arredondada, necessitando de óculos, sendo baixa, aficionada aos livros e
tímida, desejava-a. Incrível, admitiu, mas também certo. Porque em nome dos
céus ele simplesmente não permitia dar rédea solta ao seu desejo, Jane só podia
conjecturar. Algum equivocado sentido de decoro, o mais provável. Bem, essa tolice devia
acabar.
Ela apertou as coxas para afogar ali a dor do vazio, enquanto o via afastar-se
em sua montaria.
E tem que acabar hoje.
O que precisava era um plano de sedução, uma maneira de romper seu
eterno controle. O problema era que não tinha ideia de como obter tal objetivo.
A última vez tinha acontecido por acaso.
À medida que percorria a carta de Annabelle em busca de pistas, seus olhos
se focaram no terceiro parágrafo. "Considere suas preferências. Ofereça-lhe mais do que
parece gostar". É óbvio, Annabelle estava falando do planejamento das refeições,
não das relações maritais, mas talvez este conselho poderia aplicar-se aos
assuntos mais íntimos.
Jane soprou e dobrou a carta cuidadosamente. Primeiro, teria que
determinar o que poderia tentar seu apetite. Deu-se suaves golpes com a borda
do papel dobrado contra o queixo, tratando de recordar com precisão o que o
tinha provocado há quatro dias. Ela estava lendo uma passagem da canção de
Salomão. Ele tinha entrado na sala, brilhando, severo, autoritário, alto e largo...
oh, céus. Ela apertou as coxas de novo. De novo vinha aquele rubor.
Tentando concentrar-se, fechou os olhos. Estava irritado com ela pelo
chocolate. Não. Antes disso, tinha estado fascinado. Com a Bíblia que segurava.
Não, não com isso exatamente. Ele tinha se centrado em suas mãos.
Seus olhos se abriram de repente. Ele fazia muito isso. Mais que muito.
Quase constantemente. Ela estendeu as mãos para as examinar à luz na janela.
Eram perfeitamente normais. Pálidas, pequenas. A pele era muito suave, e seus
dedos eram bem formados, mas não podia ver nada que pudesse causar em Sua
Graça ataques de paixão.
Mmm. Muito desconcertante. Mas sem dúvida, se o duque gostava da vista de
suas mãos, ela estaria feliz de empregar o conhecimento para benefício mútuo.
Que outra coisa poderia atraí-lo? Imediatamente, pensou em seus seios. Sem
lugar a dúvidas, ele os apreciava. Olhou para baixo. Sempre lhe tinham parecido
bastante chatos, como grandes globos carnudos que faziam a prova de vestidos
uma tortura. Entretanto, o duque parecia gostar bastante, se suas olhadas
persistentes ao seu corpete eram algum sinal.
Agora que pensava, ele a olhava muito: na carruagem a caminho de
Blackmore Hall, em suas excursões pelo imóvel, inclusive no jantar. Especialmente
no jantar. Ou em qualquer refeição, na verdade. Muitas vezes tinha levantado a
vista depois de saborear um delicioso bocado para encontrar seus olhos fixos
nela. Sempre tinha chegado à conclusão de que aquele olhar fixo era uma forma
de julgamento, que ele a estava examinando em busca de falhas que logo poderia
exigir que corrigisse.
Mas se essa não tivesse sido a razão? E se a estava observando porque...?
Tragou saliva.
Oh, Deus. O rubor estava piorando. Agora uma debilidade invadia suas
extremidades. Chegou cambaleando em uma das cadeiras e se deixou cair no
assento, abanando-se com a carta de sua irmã. De repente, ela sabia como
seduzir seu marido. Seria necessário planejamento e uma boa quantidade de
ousadia. Seus dentes brincaram com seu lábio inferior. Poderia fazê-lo? Se ela
tivesse razão e ele pudesse ser tentado, então devia fazê-lo, pois não podia
suportar a ideia de continuar como estranhos educados, como tinham sido nos
últimos dias. Portanto, isso significava sair da biblioteca e implementar um plano
de ação inspirado e audaz. E o primeiro passo envolvia um louco francês.
CAPÍTULO 17
"Os talentos de um francês devem ser o dobro dos de um inglês para compensar o aumento
significativo de arrogância e situações desagradáveis." - A Marquesa Viúva de Wallingham à
Lady Reedham após as queixas da dita dama de seu cozinheiro francês.

A cozinha principal de Blackmore Hall era enorme, três longas mesas de


trabalho (não uma) ocupavam o centro do lugar. A sala fervia de criadas, todas
correndo de um lado ao outro, cortando isto e aquilo, e um homem encarregado
de tudo lhes gritando em um inglês com sotaque francês: Monsieur Renaud. Era
surpreendentemente jovem, inclusive bonito, de pele morena, cabelo negro e um
nariz longo, que frequentemente se enrugava de desgosto pelo resultado dos
esforços de suas criadas. Seus braços se incharam quando transportou uma
grande peça de carne de uma mesa a outra. Cuspiu sobre a superfície da primeira
mesa, amaldiçoando a pobre moça que a tinha utilizado anteriormente para tirar
as escamas dos pescados.
Jane, depois de passar desapercebida ao entrar, limpou a garganta. Ninguém
olhou em sua direção. Tentou de novo, desta vez mais forte. Ainda nada.
—Monsieur Renaud? — Disse em voz alta, sua voz um pouco mais
vacilante do que gostaria. A metade das criadas se detiveram para olhar,
continuando a sussurrar e dar cotoveladas entre elas. Em pouco tempo todas
estavam fazendo reverências. Mas Renaud não deteve o que estava fazendo. Em
seu lugar, brandiu uma faca no que parecia ser um cordeiro murmurando para si
mesmo em francês, a maioria terríveis vulgaridades.
—Monsieur Renaud eu gostaria de falar com você, se não se importar.
Fez-lhe um gesto com a mão sem afastar a vista de seu trabalho, a faca
cintilando à luz da tarde proveniente das altas janelas.
—Fale.
Ela entrou mais na habitação, colocando-se no lado oposto de sua mesa de
trabalho.
—Eu gostaria de solicitar que prepare um piquenique.
Finalmente se deteve, baixando a mão com a faca, o outro braço deslizando-
se sobre sua testa brilhando pelo suor.
—Um piquenique. — A forma como o disse, com tanto desdém ao longo
da palavra: "piquenique", implicava que não contava com sua aprovação. Mas
talvez fosse simplesmente uma barreira do idioma.
—Sim. Quer dizer, eu gostaria de ter uma refeição preparada que se possa
desfrutar ao ar livre. Em uma cesta, por favor.
Ele soprou e logo voltou a trinchar a carne.
Por um momento não esteve segura se ele entendera o que queria, que o
piquenique fosse preparado imediatamente, porque ele não mostrou muita
urgência. Ou qualquer urgência, no caso.
—M… monsieur, necessitarei logo da cesta.
Outro sopro.
—Em uma hora.
Ele se deteve. Deixou cair de repente a faca sobre a mesa. Levantou as mãos
em uma gesticulação selvagem enquanto uma série de impropérios em francês
explodia de sua boca.
Ela abriu muito os olhos. Nunca tinha ouvido uma linguagem tão colorida
dita em sua presença. Era muito esclarecedor. Ela não tinha ideia que essas
coisas fossem possíveis e muito menos desejáveis, entre ingleses e ovelhas.
—Monsieur Renaud — ela interrompeu com calma, levantando um dedo...
— certamente não desejo causar uma interrupção. Mas isto é muito importante,
do contrário não teria solicitado.
Outra série de epítetos virulentos. Na realidade, pensou, isto está à beira do
absurdo. Talvez ele não estivesse a par de que falava francês com fluência.
De novo interrompeu o discurso, suas palavras serenas e deliberadas.
—Peut-êtrevouspréférezquitterl'Angleterre et retourner À votrepays d’origine.
Jepeuxcertainementarrangerça. [4]
Ele congelou na metade dos insultos, sua boca apertando-se e borbulhando,
seu rosto avermelhado. Simplesmente lhe tinha dado a oportunidade de sair da
Inglaterra, já que parecia bastante zangado com seus habitantes, e ajudá-lo a
retornar à sua casa. Sua reação lhe pareceu muito dramática. Mas ela reconhecia
o tempestuoso estilo de alguém desejando ser o centro das atenções.
Genie era sua irmã, antes de tudo.
Suas sobrancelhas pesadas se chocaram em um cenho feroz.
— A senhora fala francês? — Murmurou.
—Oui — ela respondeu, lhe dedicando um sorriso plácido e tocando o
canto de seus óculos. — Agora... bem, se um simples piquenique for muito para
você, possivelmente uma das criadas da cozinha pode me ajudar. Não tem que
ser elaborado. Um pouco de pão talvez. Umas poucas frutas.
Ele estreitou os olhos e cruzou seus braços musculosos sobre o peito.
—Non.
—Não?
—Isto não é aceitável. Pão. Frutas. Alimentos para camponeses!
—Então, o que sugere? — Perguntou inocentemente.
Sua mão golpeou a mesa de trabalho, e ele gritou ordens às criadas, que se
apressaram a fazer sua vontade. Quando terminou, voltou-se para olhar à Jane.
— A senhora é inteligente — disse ressentidamente.
Ela sorriu, cuidadosa de não revelar seu triunfo.
—Devo dizer, Monsieur Renaud, estou absolutamente obcecada por seu
bolo de frutas. Poderia pôr algum na cesta?
Ele soprou, gritando: —Acrescentem dois bolos de frutas!
Duas horas mais tarde ela se encontrou subindo pela colina para as ruínas do
castelo de Blackmore carregando o peso da cesta, e amaldiçoando-se por ter
escolhido aquele lugar em particular. Por outro lado, apresentava a privacidade
requerida para sua missão. Por outro, encontrava-se em uma ladeira arborizada
cheia de ramos de avelã e arbustos, fazendo lenta sua marcha. Anteriormente,
quando seu marido a tinha levado ao castelo, ele tinha limpado o caminho
diante dela usando seu grande corpo e braços longos para assegurar que não
encontrasse nenhuma dificuldade.
Hoje se via obrigada a caminhar através das sarças por sua conta, espinhos
de vez em quando capturando sua saia e as mangas de seu casaco azul escuro.
Felizmente usava luvas, que protegiam suas mãos. Infelizmente o dia era quente,
com apenas a mais leve brisa batendo nas árvores. O suor lhe corria pelas costas,
lhe causando um comichão. Seus óculos continuamente caíam mais abaixo de
seu nariz, necessitando constantes ajustes com sua mão livre. A frustração se
acrescentava ao esforço. Esperava que ele não chegasse ao castelo primeiro,
porque gostaria de uns minutos para refrescar-se depois da vigorosa subida.
Por fim, ela viu os restos do castelo de Blackmore, mofado e cinza, entre os
ramos de uma imponente coluna. Um trio de corvos se lançou de uma de suas
muralhas. Realmente era um castelo bastante pequeno, nem de perto tão grande
como o tinha imaginado. Uma pedra cinza com um punhado de miseráveis
frestas de luz, só a metade continuava com a altura original. O resto estava no
chão, rochas quadradas cobertas de musgo e sarças.
Com as pernas e pulmões ardendo, ofegou e soprou, lançando a cesta diante
dela para limpar o caminho. Então ouviu o relincho de um cavalo.
Diabos. Ele já estava ali.
Depois de ter perguntado ao chefe dos estábulos onde tinha ido seu esposo
ao montar, tinha ficado satisfeita ao dar-se conta de que tinha ido reunir-se com
o vigário para discutir a construção de um teto novo para um pobre aldeão do
povoado. Sabendo que estava só um quarto de hora de distância, tinha enviado
imediatamente uma mensagem por um dos criados pedindo a Blackmore que se
reunisse a ela no castelo para um propósito muito importante. Nesse momento
tinha sido deliberadamente vaga, já que tinha raciocinado que a urgência sem
detalhes seria uma melhor estratégia. Ao que parecia, tinha tido razão. Devia ter
cavalgado bastante rápido para chegar primeiro que ela.
—O homem é incrivelmente eficiente — ela murmurou afastando um ramo
frondoso de seu rosto. Com um passo forte subiu o resto do caminho coberto
de ervas daninhas e entrou no espaço que teria sido uma vez o grande salão.
—Que diabos estava pensando?
Virou-se à sua esquerda, onde seu alto, loiro e zangado marido se jogava
sobre ela como uma ave de rapina. Ele passou por cima de madeiras podres e
pedras sem mais esforço do que ela faria para avançar por um caminho de
cascalho, detendo-se a poucos centímetros dela, antes que tivesse um momento
para recuperar o fôlego. Tomando a pesada cesta, ele a pôs no chão com uma
mão e depois se inclinou para alcançar sua saia, eliminando com destreza um
ramo espinhoso enganchado na musselina azul céu.
Seu aroma de luz do sol penetrou até seu nariz, enchendo seus sentidos
famintos. Oh, piedade, ele estava tão perto…
—Possivelmente não ficou claro, mas pelo que lembro, especificamente, te
disse que não perambulasse pelo imóvel sem mim. — Não gritou, mas sua voz
cortou como uma navalha.
Ela suspirou quando ele se elevou em toda sua estatura, com seus largos
ombros. Uma sensação líquida na parte inferior de seu corpo, particularmente
entre suas coxas e ventre, mostrava que seu problemático rubor estava ficando
bastante indiscriminado. Agora achava inclusive sua desaprovação excitante.
Algo devia estar errado com ela.
—Jane — disse. — Qual é o problema?
Ela afastou o olhar de seus ombros, atualmente coberto com um casaco de
montar de uma formosa cor café, para responder a sua pergunta.
—Nenhum, Sua Graça. Pensei que poderíamos desfrutar de um piquenique
juntos.
Ficou olhando-a, a mandíbula apertada.
—Um piquenique.
—Sim, um piquenique. Por que todos os homens por aqui o dizem dessa
maneira?
Com seus olhos aproximando-se à dureza do diamante, disse brandamente:
—Que homens?
Um estremecimento deslizou sobre sua pele quando seu corpo grande se
aproximou mais, abateu-se sobre ela e a bombardeou com uma intensidade que
não tinha sentido em quatro dias. O estômago revirou.
—Eu…eu me referia a Monsieur Renaud. O cozinheiro. Preparou a cesta.
— Ela fez um gesto para onde jazia no chão.
Seus olhos seguiram sua mão e logo voltaram imediatamente para seu rosto.
—Não tenho tempo para um piquenique. Pensei que tinha ocorrido um
infortúnio. Sua nota o dizia.
—Eu me sinto muito desafortunada — ela disse, empurrando seus óculos ao
seu lugar e tirando o chapéu. Ela se afastou uns poucos metros para colocar o
chapéu de palha em uma das pedras maiores e recuperar o fôlego. — Meu
marido esteve me negligenciando.
Ele ficou imóvel e em silêncio, seu rosto inescrutável.
—Além disso, tenho muito calor. Acredito que vou prescindir de algumas
capas desnecessárias.
Olhando-o diretamente nos olhos, ela desabotoou os botões que fechavam a
parte dianteira de seu casaco. Embora suas mãos tremessem, eram só cinco, por
isso não levou muito tempo. Tirando as mangas de caxemira azul, deixou seus
braços nus. Debaixo usava um fino vestido de musselina de manga curta
desenhado originalmente para usar com um chemisette, já que o decote era
bastante baixo. Se estivesse preocupada com o pudor era uma adição
importante, sobretudo com uma figura como a dela. Entretanto, não tinha
optado por usar um chemisette. Inclusive havia pensado em não usar seu
espartilho, mas decidiu que ajudaria a melhorar a parte visível de seus seios, que
era óbvio, um pouco mais do que o terço superior.
—Jane — seu marido disse entre dentes.
—Mmm?
—O que está fazendo?
Ela piscou inocentemente.
—Não sei a que se refere. Simplesmente estou me refrescando. — Ela
passou os dedos enluvados pela clavícula. — Faz um calor terrível hoje.
Um músculo de sua mandíbula se esticou.
—Acredito que possivelmente seja pelas luvas — ela continuou. —Supõe
que poderia ser isso? — Muito lentamente, tirou o couro suave e flexível das
mãos, colado brandamente em cada punho, afrouxando a ponta dos dedos em
separado, a seguir deslizando-a por completo, permitindo que o couro arrastasse
gentilmente contra sua pele. — Bem, — disse — muito melhor.
—Ponha-as de novo.
Teve que resistir à necessidade de obedecer sua dura ordem. Ele era bastante
intimidante naquele estado de ânimo tormentoso. Mas não lhe deu atenção e se
dirigiu para a cesta, deixando suas luvas, casaco e chapéu colocados na pedra.
Inclinou-se para diante para procurar os artigos para seu almoço ao ar livre, lhe
apresentando deliberadamente sua parte traseira. Não era uma certeza que ele
tivesse algum interesse nessa parte dela, mas calculava que valia a pena o intento.
Um chiado soou nas imediações de seu marido. Excelente. Ela sorriu para si
mesma. Outra peça valiosa de informação.
—Temos um verdadeiro festim. Mas primeiro... — voltou-se para ele
segurando uma grossa manta de lã. Seu coração bateu mais forte e o ar
abandonou seu corpo. Ele estava justo ali, a menos de dois metros dela, seu
corpo tão rígido como as pedras que os rodeavam.
—Temos que ir — disse, sua voz rouca, seus olhos dilatados. Notou que ele
tinha as mãos agarradas atrás das costas, como se tivesse medo do que poderia
fazer se as soltasse.
A expressão de seu rosto enviou tremores a cada parte de seu corpo: aos
seus mamilos, suas coxas, entre suas coxas. Inclusive a parte baixa de suas costas
experimentaram as pequenas sensações peculiares de um calor tremente.
—Por quê? — Ela perguntou, sua voz rouca.
Ele apertou a boca.
—Sabe por que.
—Diga-me. — Ela jogou a manta.
O brilho mais elementar de agonia passou por seus olhos, passou por sua
testa, antes de ser controlado.
—O que aconteceu antes...
—Na biblioteca.
Seu peito inchou e sua mandíbula endureceu.
—Sim. Foi imperdoável.
Ela cruzou os braços por baixo de seu busto, erguendo involuntariamente a
carne arredondada para ressaltá-la ainda mais por cima de seu decote.
—Segundo quem?
Ele piscou, seus olhos como dardos movendo-se entre seus seios e seu
rosto, aparentemente incapazes de decidir onde ficar.
—Segundo eu. É meu dever te proteger.
—Você é meu marido.
Suspirando, arrastou seu olhar para encontrar o dela totalmente.
—Precisamente.
—E eu sou sua esposa.
Agora, a cautela deslizou em sua expressão.
—Sim.
Ela sorriu.
—Não diria também que é seu dever satisfazer todas as minhas
necessidades?
Percebendo uma armadilha, ele tentou raciocinar primeiro.
—Sempre e quando não sofrer dano ao fazê-lo, sim.
—Então estamos de acordo. — Ela estendeu os braços aos flancos,
convidando-o a comer. — Pareço-lhe danificada?
Uma dobra se formou entre suas sobrancelhas.
—Parece despida.
Ela soprou.
—Totalmente apropriado para o clima. E para o meu propósito. O qual é
assegurar que meu marido satisfaça minhas necessidades enquanto eu satisfaço
as dele.
—Jane…
—Primeiro, comamos este festim maravilhoso de Monsieur Renaud.
Ele apertou os dentes.
—E logo vamos discutir todas as outras necessidades que poderíamos
satisfazer juntos.
—Jane — disse esticando a mandíbula. — Não vou fazer isto. Não pode me
tentar a te possuir.
Um lento sorriso curvou sua boca. Ela se aproximou mais, deixando que
seus seios apenas lhe roçassem o abdômen, desfrutando ao ouvi-lo inalar com
brutalidade. Com um olhar malicioso debaixo de suas pestanas, perguntou: —
Quer apostar, Sua Graça?
CAPÍTULO 18
"Todo homem, desde Adão temeu o poder da tentação de uma mulher. Toda mulher desde
Eva, entende que têm razão em as temer. Agradeçam que somos criaturas misericordiosas." -
A Marquesa Viúva de Wallingham ao vigário local depois de um exaltado sermão sobre os
perigos da luxúria.

Em resposta ao seu desafio, retrocedendo cuidadosamente uns passos, o


duque apertou os lábios em aparente desaprovação.
—Pensava que a esta altura evitasse as apostas — replicou com suavidade.
Ela entrecerrou os olhos. Evidentemente ele pensava que enfurecendo-a
recuaria em seu propósito. Estava equivocado.
—Comamos? — Ela se inclinou para recuperar a manta e em seguida a
estendeu com um estalo, colocando-a em uma parte do lugar acolchoada com
erva, musgo e videiras.
—Não tenho fome.
—Fazer beicinho não é digno de você, Sua Graça.
—Afastar-me com um importante…
Ela se voltou de onde estava tirando as coisas da cesta, plantando as mãos
nos quadris.
—Tolices. Sua vontade é tão fraca que nem sequer pode suportar uma
simples refeição comigo? Pensei que era mais forte que isso.
Esta provocação pareceu despertar sua ira, já que seus olhos cintilaram.
—Tome cuidado com a forma que me desafia, esposa. Pode ser que você
não goste das consequências tanto quanto crê.
Ignorando o revirar peculiar em seu ventre, Jane respondeu rapidamente: —
Não seja tolo. — Deixou-se cair sobre a manta. — Vamos comer juntos. Não é
um desafio. É uma refeição. — Fez um gesto e acariciou a manta ao seu lado.
— Sente-se, Sua Graça. Quanto mais cedo terminemos, mais cedo poderá reatar
seus deveres.
A contragosto, muito ao seu pesar, ele se uniu a ela, sentando-se na borda
mais afastado da manta, justo em frente a ela. Jane sorriu e se inclinou para lhe
entregar um bolo de frutas envolto em um guardanapo e logo pegou um para
ela.
—Vê? Isto não é agradável? — Suspirou.
Ele não respondeu, em troca deu uma dentada ressentida, seu braço apoiado
descuidadamente em um joelho levantado.
De fato, ela não tinha muita fome. Ao menos não de comida. Mas fez
questão de saborear lentamente cada alimento, cada massa de folheado, cada
bocado gorduroso. Primeiro, seu bolo de frutas. Depois, uma torta doce de
damasco. Finalmente, os polpudos e suculentos morangos. No momento em
que tirou da cesta a pequena garrafa de vinho, ele tinha os olhos frágeis, com o
que agora ela reconhecia como pura luxúria. Ele tinha dado só três dentadas,
observando obcecado como ela lambia com delicadeza as migalhas da ponta dos
dedos.
Ao passar os dedos pela garrafa, ela estalou a língua.
—Oh, olhe. Agora estou molhada.
De repente, em um rápido movimento, ele ficou de pé e se afastou dela até
chegar ao muro de pedra, as mãos apoiadas nos quadris, os ombros rígidos.
—Jane — disse com brutalidade. Sua voz soava apagada, já que estava a
mais de cinco metros e de costas para ela. — Deve parar.
—Por quê?
Ele sacudiu a cabeça, esperando um longo tempo antes de oferecer uma
resposta.
—O que eu quero de ti, não é... não é apropriado exigir-se de uma esposa.
Elevando-se sobre os joelhos, Jane ficou de pé com cuidado, sacudiu a saia,
e abriu passagem através dos restos de comida para aproximar-se mais dele.
Consciente que pressioná-lo muito poderia voltar-se contra ela, deteve-se uns
metros de distância.
—Não é possível que esteja exagerando um pouco a delicadeza das minhas
sensibilidades?
Ele deixou cair a cabeça para a frente e a sacudiu de um lado a outro
enquanto estendia um braço para apoiá-lo contra o muro de pedra.
—Você não entende.
Soava tão desesperado que ela não pôde suportar nem um momento mais.
Em questão de segundos deslizou-se em silêncio entre ele e o muro, o musgo
frio contra suas costas, o peito de seu marido irradiando calor contra sua testa.
—Então proponho uma solução — ela disse enquanto elevava o olhar para
encontrar o seu. Aquele olhar era tão volátil como uma tormenta no oceano.
Extraíra o ar de seu corpo, causando-lhe uma dor profunda em seu interior. Ela
queria acalmá-lo, aliviar sua óbvia tortura. — Conte-me seus desejos. Descreva-
os, um por um. E eu lhe informarei se algo que diga me ofende. Certamente as
palavras são permissíveis, embora seja só para estabelecer onde estão os limites.
Ela podia ver como trabalhava sua mente, pensando na sua sugestão. Ele
não era um homem que podia dissuadir com facilidade do curso que tinha se
imposto, como corretamente Vitória tinha observado. Entretanto, ela contava
com que a combinação da lógica e luxúria pudesse convencê-lo a ser flexível. Só
um pouco. Por ela.
—As palavras são poderosas, Jane. Com seu amor pela leitura deveria saber
melhor que ninguém.
— As deixaremos aqui no castelo, então. Viverão entre o musgo e os
corvos. — Pegou a mão ainda apoiada em seu quadril e ele o permitiu, um sinal
positivo. Acariciando o dorso de sua mão forte, magra, logo entrelaçando os
dedos de ambos, ela encontrou seus olhos e lhe disse: — Faço-te esta promessa.
O que você me disser aqui, ficará só entre nós. E, se você o desejar, não teremos
que falar disso outra vez.
Ele parecia hipnotizado por sua mão segurando e acariciando a dele.
Durante muito tempo não disse nada, o sussurro das folhas e o som de suas
respirações era a única coisa que se ouvia entre eles. Quando ele rompeu o
silêncio, sua voz foi rouca e baixa.
—Suas mãos são deliciosas, sabe?
A respiração e o pulso de Jane se aceleraram.
—Seriamente?
Ele assentiu.
—Sonho com elas frequentemente.
—O que sonha?
—Que me toca.
—Sonho com isso também.
Fechando os olhos brevemente, ele respirou fundo.
— Não assim.
Com a mão livre, ela apoiou a palma diretamente sobre seu coração.
—Para mim sempre começa aqui — sussurrou. — Admiro muito seu peito.
Sua boca se curvou em um pequeno meio sorriso. Ela sentiu que estava
surpreso.
—Temo que minhas fantasias não são tão castas.
—Conte-me.
O sorriso desapareceu, substituído pela fome.
—Não quer escutar isto.
Frustrada com sua reticência, golpeou-o ligeiramente.
—Sim, quero. Conte-me.
E então o fez, sua voz crua e desafiante, desafiando-a a protestar.
—Sonho contigo nua. Completamente. Suas mãos me acariciando. — Se
esperava que ela gritasse e saísse correndo depois daquilo, ele estava
completamente…
—Entre minhas pernas.
Oh, compreendeu. Seu apêndice. Não tinha pensado muito a respeito de tocá-
lo com as mãos. Nem sequer tinha podido lhe dar um olhar, com a inclinação de
seu marido por cobrir ambos com roupa e no escuro.
Mas ele não tinha terminado.
—Desejo suas mãos me acariciando ali, tomando meu pau entre seus
lábios…
— Pau? Refere-se ao seu apêndice?
Ele piscou como se despertasse de um sonho, só para encontrar uma aranha
rastejando sobre ele. Sua consternação foi cômica.
—Meu o que?
—Seu apêndice. Essa parte entre suas pernas, a que insere dentro de…
Ele tossiu, tragou saliva e apertou os lábios.
—Refere-se a ele como meu apêndice?
—Sim. Você, ao que parece, não. Não sei o que acha tão divertido. Pau é
uma palavra melhor?Acredito que não. Apêndice é mais descritivo e mais
delicado para o ouvido.
Seus lábios se arquearam e tremeram.
—É claro, chama—o como quiser.
Ela soprou.
—Continue.
Com o peito tremendo pela risada controlada, ele disse: —Esqueci onde
fiquei.
—Você deseja que eu acaricie seu ap… seu pau com as mãos, e logo o
ponha dentro da minha boca.
Toda a risada, suprimida e não suprimida, cessou imediatamente com suas
simples palavras. Sua mão apertou a dela espontaneamente, seus olhos ardendo
como chamas azuis.
—Sim — disse com voz rouca.
—Francamente, Sua Graça, não vejo problema.
—Não terminei.
O coração bateu mais forte contra os ossos de seu peito, a excitação de seus
desejos disparando os dela.
—Continue. Por favor.
Ele se aproximou mais, pegando sua mão e levando-a à boca. Passando
meigamente os lábios através da pele do dorso de sua mão, murmurou: —
Primeiro te poria de joelhos em frente a mim. — Ele introduziu seu dedo
indicador em sua boca, sugando-o brandamente, sua língua revoando e
brincando antes de soltá-la para colocá-la contra seu lábio inferior. Permitiu-lhe
retroceder e descansar em seu queixo. Enquanto com seu polegar ele fazia
círculos na palma de sua mão, pequenas e provocadoras carícias. — Então suas
formosas mãos brancas apertariam meu pau, deslizando-se e ordenhando. Teria
que ser firme ao fazê-lo. Estou terrivelmente duro por ti. Sempre. No instante
em que entra em minha mente. — Ele colocou sua palma contra sua mandíbula,
sustentando sua mão ali. De forma automática ela abrangeu sua mandíbula com
os dedos. — Quando me tomar dentro de sua boca, usará seus lábios e língua
para me acariciar e me agradar. Depois, com suas mãos, dará prazer a si mesma.
Ela gemeu, seu rubor rugindo fora de controle, a debilidade destruindo sua
capacidade em estar de pé. Nunca tinha imaginado aquelas coisas. Aquelas
íntimas, eróticas e diabolicamente inteligentes coisas. Mas ela as desejava. Ela o
desejava. Naquele mesmo segundo.
Ele franziu o cenho.
—Angustiei-te. — Começou a retroceder. — Pararei.
Ela se agarrou a ele, uma mão alcançando seu pescoço, a outra agarrando
um punhado do casaco de montar.
—Se se detiver o matarei— ela grunhiu.
Seu rosto congelou em um olhar de perplexidade e compreensão crescente.
—Não está… não está desgostosa.
—Conte-me mais. Conte-me tudo — ela ofegou, seus dedos cravados e o
puxando. Não podia evitar. Seu marido tinha acendido um fogo que só ele podia
extinguir.
—Está excitada. — Parecia assombrado.
Ela gemeu um protesto por sua maldita lentidão.
—Tire o casaco — ela ordenou tirando a peça. Ela tinha o casaco até a
metade de suas costas antes que ele começasse a ajudá-la. Por baixo ele só usava
a camisa e um singelo lenço sem goma. Ela afundou o nariz contra a roupa,
respirando profundamente seu aroma, esfregando seus seios doloridos contra
suas costelas, passando as mãos de cima a baixo pelos duros músculos de seu
peito. Era um festim para sua fome.
Ele rodeou com as mãos a parte de trás de sua cabeça, seus dedos
afundando-se no coque apertado para desfazer-se das forquilhas. O cabelo caiu
solto por suas costas, um manto frio e pesado deslizando-se ao longo de sua
coluna. Com as mãos enredadas entre suas mechas, ele utilizou seu agarre para
inclinar sua boca e ir ao seu encontro. Ela abriu a boca para sua língua e com as
mãos lhe agarrou a nuca e se segurou ainda mais ao seu duro corpo. Ele rasgou
a parte traseira de seu vestido, a delicada musselina desfiando-se facilmente.
Com o corpete aberto agora, ela tirou o vestido e o empurrou para baixo sobre
seus quadris enquanto ele a despojava de seu espartilho e anágua. Por fim parou
de frente a ele, nua, salvo por seus óculos.
Seus olhos, oh, seus olhos eram ferozes pela luxúria, devorando seus seios,
seu ventre arredondado, coxas e a inflamada e dolorida união entre elas. Jane
observou o torso agitado de seu marido, respirando como um fole, como um
cavalo correndo com muita força.
Ele arrancou o lenço. Cruzou os musculosos braços sobre o peito para
agarrar a borda de sua camisa e retirá-la com rapidez por cima de sua cabeça.
Oh, ele era lindo. Os músculos marcados de seu peito, este ligeiramente
peludo, incitou seus olhos e mãos a pousar ali, tocar e acariciar com abandono.
Mas não houve tempo. Ele deixou cair a camisa no chão e imediatamente
começou a trabalhar na abertura de suas calças. Ela agarrou seus punhos,
detendo seus esforços frenéticos, logo caiu lentamente de joelhos sobre a roupa
descartada aos seus pés. O ar quente do verão era como uma carícia de seda
sobre sua pele nua enquanto ela desabotoava sua braguilha, suas mãos
acariciando deliberadamente a raivosa dureza avultando debaixo da pele dele.
Até que ele se revelou. Seu pau. Grande e avermelhado, fortemente
vascularizado e impossivelmente duro, totalmente erguido e colado ao seu
corpo.
Um audível gemido saiu da garganta de seu marido quando ela agarrou o
caule de seda quente em seu punho, deslizando os dedos acima e abaixo por sua
substancial longitude. Sem vacilar, quase por instinto, inclinou-se para a frente e
envolveu a cabeça arredondada com seus lábios, sugando brandamente e
desfrutando do sabor almiscarado e salgado.
Ele fechou a mão em seu cabelo, por um momento empurrando sua
longitude mais para lá de seus dentes e mais profundo em sua boca. Voltou-se
para trás quando ela ofegou, logo empurrou lentamente para diante de novo.
Em pouco tempo ela deu-se conta de sua necessidade e relaxou a língua,
permitindo entrar mais dele. Ela o apertou na raiz, tratando de controlar melhor
o ritmo. Ele soltou um grito afogado de prazer, que enviou sensações
reverberando por todo seu corpo.
—Jane — ofegou. — Não posso aguentar muito mais.
Ela não queria soltá-lo, mas ele insistiu puxando sua mão e retirando-se de
sua boca. Protestando, já que ela queria mais dele, ficou em silêncio quando ele
caiu de joelhos diante dela tomando seu rosto entre as mãos.
—Tenho que estar dentro de ti — disse cruamente, tomando sua boca com
a sua antes que pudesse responder. Embalando sua cabeça, ele baixou a ambos
no chão, colocando-a sobre seu casaco e camisa, e logo beijando seu pescoço,
sua boca deslizando e sugando sua língua. Ela o envolveu em seus braços,
pressionando seus eretos e doloridos mamilos contra seu peito. Ele enganchou
uma mão atrás de seu joelho, abrindo suas pernas para tomar o lugar. Ela mal
deu-se conta, pois ao mesmo tempo seus lábios encontraram seu mamilo e o
devoraram no calor de sua boca. Sugando com uma pressão feroz, ele obrigou
seu corpo a arquear-se para ele, procurando mais daquelas faíscas selvagens que
explodiam da ponta sensibilizada. Sua língua revoou e provocou, lambendo e
esquentando até que ela gemeu de prazer. Enquanto dava o mesmo tratamento
ao outro seio, sua mão cavando o peso da carne e mantendo-o prisioneiro em
sua boca, ela soluçava e lhe arranhava as costas rogando piedade.
—Por favor — exclamou. — Por favor, Sua Graça. Quero-o dentro. Venha
para mim. Agora, por favor.
Soltou-lhe o seio, a ponta úmida endurecendo-se ainda mais ao ar livre.
—Jane — grunhiu. — Pelo amor de Deus, me chame de Harrison.
—Sim, Sua Graça. O que quiser. Só se apresse.
Puxando suas pernas para envolver com elas seus quadris, ele posicionou a
ponta de seu pau em sua abertura, a qual flexionou em enlevada antecipação.
Lenta e implacavelmente afundou sua longitude profundamente em seu interior,
sua carne distendendo e invadindo em um deslizamento deliberado. Justo
quando ela pensava que não podia ir mais longe, ele pressionou mais fundo, a
base dele queimando sua abertura, a espessura dele quase dolorosa. Seus braços
a apertaram com mais força contra seu peito, sua mão agarrando sua nuca.
—Sente isso, Jane? — Sussurrou em seu ouvido.
Com o fôlego obstruindo a garganta, ela assentiu.
—Isso é seu marido reivindicando o que é dele. O que é meu. Entendeu?
Ela gemeu e arqueou as costas, mas ele a controlou com os quadris,
permanecendo enterrado profundamente em seu interior, sem mover-se.
—Se entendeu, então diga meu nome.
—Por favor — ela gemeu, cravando os dedos em seu cabelo agora úmido,
esfregando os seios freneticamente contra seu duro e musculoso torso.
Lambeu sua clavícula. Seus dentes puxaram brandamente o lóbulo de sua
orelha. Seus quadris empurraram ainda mais profundamente, esfregando-se
contra ela. Ela gemeu de desespero.
—Diga-o, esposa. Quem está dentro de ti agora?
—Você, Harrison.
—Sim — ele gritou, retirando bruscamente os quadris e em seguida
bombeando para frente em uma investida viciante e satisfatória.
Ela gritou de prazer.
Ele investiu uma vez mais.
Ela gritou seu nome.
E outra mais.
Ela arranhou, rogou e voltou a gritar.
Logo o prazer em espiral aumentou pelo calor, poder e velocidade de suas
investidas e se reuniu em uma onda, subindo e subindo, curvando-se e
construindo, até que Jane sentiu que seu centro explodia em espasmos de êxtase
incandescente, invadindo e girando ao longo de todo seu ser, açoitando-a com
sua força contra uma costa dourada uma e outra vez. Ainda com o eco de
pequenas ondas remanescentes ressoando, Jane se deleitava na sensação das
contínuas investidas de seu marido, seus quadris fustigando os seus, seu rosto
magro de um modo formoso em cima dela, olhando-a fixamente em seus olhos.
O azul estava envolto pela fumaça escura, turva com a ferocidade da
necessidade de culminar. Ela tocou sua bochecha, passando o polegar sobre seus
lábios. Ao final, com três últimas estocadas, olhos fechados com força e dentes
apertados, ele deixou cair a cabeça sobre seu ombro, e terminou gritando seu
nome, sua semente brotando de seu interior, seu prazer igualando ao dela.
Durante muito tempo simplesmente ficaram abraçados, entrando e saindo
do sono sob um dossel de folhas e céu, seus corpos saciados e preguiçosos no
mormaço. Finalmente sua boca encontrou a dela em um suave e prolongado
beijo. Afastou com suavidade o cabelo do rosto, chocando suas mãos com a
borda de seus óculos. Ele sorriu enquanto se retirava apoiando os cotovelos
para não a esmagar.
—E por que esse sorriso, Sua Graça? — Jane perguntou com um sorriso
próprio.
—Um dia vou fazer amor com você sem óculos — respondeu. — E meu
nome é Harrison.
Retorcendo-se até ficar completamente debaixo dele, ela tirou os óculos,
estendeu o braço para colocá-los de forma segura em uma pedra próxima, e em
seguida enganchou os braços ao redor do pescoço de seu marido, atraindo sua
boca de novo para a sua.
—Bem, Harrison — disse. — Suponho que 'um dia' chegou antes do que
tinha previsto.
CAPÍTULO 19
"Jogo limpo? Só as crianças acreditam nessas coisas." - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao Primeiro-ministro, Lorde Liverpool, durante uma discussão sobre o decoro do
parlamento.

Seu aroma o estava deixando louco. Como também seus suspiros.


—Talvez estivesse mais cômoda na biblioteca — disse com os dentes
apertados.
Descansando no sofá a não mais que dois metros dele, ela levantou a vista
de seu livro e lhe sorriu radiante.
—Oh, mas seu escritório tem a melhor luz. — Ela fez um gesto apontando
atrás de suas costas às grandes janelas que davam para um pequeno jardim de
rosas. — Terminou com sua correspondência?
Formulou a pergunta de forma inocente. Mas ele não se enganava. Ela era
uma sereia. Uma maldita tentadora vestida de azul e com óculos.
Ele grunhiu.
—Tenho muito o que fazer. — Era verdade e isso era um problema. Nos
últimos cinco dias raramente tinha deixado o dormitório de Jane. Quando o
fazia, era para fazer amor na antiga biblioteca. Ou na nova biblioteca. Ou na sala
de música, inclinada sobre o piano. Inclusive a havia tomado no sofá onde
atualmente estava sentada esperando que terminasse seu trabalho.
Esta era uma das muitas razões pelas quais tinha resistido, em primeiro
lugar. Além da indecência de possuir sua esposa em formas e graus que pouco
consideraria com uma amante, Jane era uma distração definitiva para suas
responsabilidades como Duque de Blackmore. Havia-lhe dito isso, ao que ela
tinha respondido: —Acaso meu prazer não é seu maior dever, marido?
Não tinha discutido, já que era um ponto justo. E é óbvio, ela tinha estado
sentada escarranchada sobre seu colo nesse momento, então seus pensamentos
não tinham sido precisamente claros. Inclusive agora, com ela fazendo nada
mais que respirar na mesma habitação, sentia a onda de calor e urgência
surgindo dentro de seu corpo. Como ia se concentrar nas corteses missivas do
Primeiro-ministro ou nos relatórios agrícolas do administrador de seu imóvel no
oeste da Inglaterra? Realmente não podia.
—Mmm — Jane gemeu com voz rouca, seus braços estendendo-se por cima
de sua cabeça, seus exuberantes seios empurrando seu corpete. —Parece que
não posso me concentrar esta tarde. Talvez outro livro me chame a atenção.
Enquanto se movia para a estante atrás dele, seus dedos roçaram
provocadores seu ombro, sussurrando contra seu pescoço. Ela fazia isso
frequentemente, tocando-o de pequenas formas, parecendo desejar o contato. À
princípio ele não sabia como reagir. A maioria das pessoas evitava tocá-lo
casualmente por respeito à sua posição. Mas Jane não tinha tais reservas. Desde
o dia do piquenique no castelo de Blackmore, ela o fazia sem reparos, com
frequência tomando sua mão na dela, acariciando seu rosto, roçando com suaves
beijos sua mandíbula, que era tudo o que podia alcançar quando ambos estavam
de pé. Seu pequeno hábito o acalmava e o excitava, mesmo enquanto lutava com
a estranheza disso.
Ela fingiu procurar um novo livro enquanto ele tentava com todas as suas
forças ignorá-la. Seu aroma de doces e amadurecidas maçãs em um ensolarado
dia de setembro punha-o duro como o aço sob suas calças.A carta entre seus
dedos tremeu. Colocou-a com cuidado sobre a escrivaninha.
—Oh, não tenho lido este em décadas! Harrison, o leu? Deve tê-lo feito.
Olhe, está velho e manchado.
Quando ele viu o que segurava sua respiração se deteve por um momento.
O gelo se cristalizou sobre sua pele, uma descarga de frio subiu do mais
profundo centro de seu corpo. Sua excitação se desvaneceu entre uma
respiração e a seguinte.
—Foi muito querido. — Ela passou seus dedos sobre a capa. — Os sinais
são inconfundíveis.
Ele baixou o olhar à sua mesa.
—Sim. Li. — Sua voz soou vazia aos seus próprios ouvidos.
—"As Viagens de Gulliver". Li para Eugenia uma vez. Ela se queixou
amargamente de que as reações do Gulliver não eram realistas e que
simplesmente deveria ter esmagado os liliputienses como animais pomposos que
eram. — Jane riu. —Genie não tem papas na língua quando está desgostosa.
Com cuidado, ele pegou uma carta e simulou ler.
—Onde está o segundo volume? Não o vejo aqui.
Por um momento não pôde responder. Mas aquela era uma velha dor, uma
que ele tinha combatido e vencido há muito tempo. Porque deveria reaparecer
hoje não sabia.
—Perdeu-se. Quando Vitória era ainda um bebê.
—Perdeu-se? O que aconteceu?
—Queimou-se.
Ouviu-a ofegar horrorizada.
—Não. Que terrível acidente. Quem amava este livro deve ter ficado
devastado.
Ficando rígido, ele não respondeu. Não a olhou. Não podia.
No silêncio que seguiu ouviu o sussurro de seu vestido enquanto se movia
para ele, cheirou sua doce pele quando parou atrás dele. Fechou os olhos
quando ela envolveu os braços ao redor de seus ombros, atraindo-o ao berço de
seus seios.
—Harrison — murmurou brandamente contra sua orelha. —Como se
queimou?
Endireitou-se antes de responder: —Passaram-se décadas, Jane. Por que é
importante? É só um livro.
—Tenho curiosidade. Diga-me. — Suas mãos deslizaram para trás para as
deixar apoiadas só em seus ombros, seu fôlego roçando a pele de sua nuca.
—Deixa-o.
Apesar de não poder vê-la, sentiu-a estremecer ante sua brusca e glacial
resposta. Suas mãos deixaram seus ombros, seu calor afastando-se de seu
pescoço. Com os olhos fixos no papel em frente a ele, esperou sua réplica
descarada. Não veio. Em seu lugar ouviu o suave estalo da porta de seu
escritório ao abrir-se e fechar-se.
Maldição.
Ela estava zangada com ele. Tinha-lhe falado com muita dureza.
Tratou de ler o relatório do Ministro do Interior, Lorde Sidmouth, sobre
como tinha frustrado exitosamente um levante em Derbyshire, mas seus olhos
se dirigiam invariavelmente às portas do escritório.
Aonde tinha ido? À antiga biblioteca, talvez. Converteu-se em seu refúgio.
Com ar ausente esfregou o peito, tratando de aliviar a dor repentina ali,
junto com a constrição de seus pulmões. Sentia-se em pânico. Olhou de novo às
portas.
Talvez devesse ir procurá-la.
Sim, decidiu. Devia falar com ela, lhe explicar que preferia não retornar ao
passado, já que nada de bom podia resultar disso. E logo, uma vez que
compreendesse melhor as limitações de suas conversações, ela voltaria para seu
bom humor habitual.
Dirigiu-se imediatamente à antiga biblioteca. Encontrou-a vazia.
Demônios.
A nova biblioteca foi a seguinte escolha óbvia, mas não encontrou mais que
Beardsley instruindo um lacaio sobre a reposição do mobiliário.
—Não, Sua Graça, temo que não vi a duquesa. Talvez esteja dando um
passeio pelos jardins —disse o mordomo em resposta à pergunta de Harrison.
A opressão em seu peito se incrementou quando deixou a habitação. Aonde
tinha ido? Se ela estava mais perturbada do que tinha pensado, teria se retirado
ao seu dormitório? Ou pior, teria metido na cabeça percorrer as terras sozinha,
talvez inclusive selar um cavalo para um longo passeio longe de casa? Longe
dele?
Não gostou da ideia. Ela era sua esposa. Seu lugar era ali. Perto. Onde,
maldição, pudesse encontrá-la quando quisesse falar com ela. Ou escutar sua
risada rouca e sedutora. Ou cheirar seu aroma embriagador.
Avançando a grandes passadas pelo corredor em direção à escada,
contemplou a ideia de impor regras para acautelar futuros incidentes daquele
tipo. Ele devia ter acesso a ela a todo momento. Descartando isso (parecia
pouco razoável exigir que ela permanecesse à distância de um braço sempre), ao
menos deveria lhe informar de seu paradeiro.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma música débil. O piano.
Acelerando o passo junto com o ritmo de seu coração, dirigiu-se à sala de
música. É claro. Por que não pensei em procurá-la ali? Ela adora a sala de música.
A porta estava entreaberta. Ao abri-la aproximou-se lentamente não
desejando incomodá-la. Ela tocava uma melodia simples, sombria e evocativa,
lenta e melancólica. Seus dedos acariciavam as teclas com um toque persistente,
e quando terminou a última nota sombria, ela suspirou.
—Nunca foi minha intenção que se fosse — ele disse em voz baixa.
Endireitando os ombros, Jane se negou a olhá-lo, em troca ajustou seus
óculos e pareceu encantada pelas teclas pequenas em frente a ela.
—Ao contrário do que você pode acreditar, Sua Graça, não ajusto cada
movimento meu de acordo com as suas preferências.
Maldição. Ali estava o Sua Graça outra vez. Realmente grave. Não há nada mais que
fazer. Devo me desculpar.
—Sim. Um traço do mais irritante esse — disse. Infernos. Por que o disse?
O único benefício de sua boca extraordinariamente rebelde foi que por fim
ela encontrou seus olhos. Os dela, redondos e cintilando. Então, apertou os
lábios. E tremeram. E logo pôs-se a rir.
—Para você, tenho certeza.
Ele aspirou, os músculos de seu pescoço relaxando pela primeira vez desde
que ela tinha saído pela porta do escritório.
—Sinto muito Jane — disse com suavidade enquanto sua risada se apagava.
Com seu olhar abrandando-se, ela tomou sua mão. Enquanto seus dedos se
entrelaçavam, ele sentiu que seu mundo voltava a estar bem. Quando seus
pequenos toques se tornaram necessários?
—Aceito suas desculpas — disse. — E não foi minha intenção ressuscitar
lembranças difíceis.
Deixando cair os olhos às suas mãos unidas, de uma à outra, lhe deu a única
explicação que pôde.
—Esse livro foi muito querido para mim quando menino. Mas isso foi há
muito tempo.
Jane ficou de pé e o beijou na mandíbula, passando por seu lado para dirigir-
se para a porta.
—Aonde vai?
Detendo-se por um momento para lhe dirigir um olhar travesso por cima do
ombro, Jane sorriu.
—Recuperar um livro. E organizar um piquenique. De repente estou morta
de fome.
Enquanto observava seus plenos, exuberantes quadris balançando-se ao sair,
não pôde reprimir um gemido silencioso. Malditos infernos. Agora nunca vou terminar
o trabalho deste dia.

~~*

Os morangos foram sua queda. Podia ver aproximar-se a ruptura de seu


controle. Lambendo com delicadeza uma das frutas doces e amadurecidas, a
segurou parada em seu lábio inferior por um instante. Logo a colocou dentro de
sua boca, mordendo com lento cuidado.
Uma gorda abelha zumbiu perto de seu nariz. Ela a espantou com um tapa.
—Talvez ela queria compartilhar com você , Jane — disse a voz rouca e
divertida de seu marido. — Entendo o que sente.
Ela tragou saliva.
—Tudo o que tem que fazer é ler para mim. Isso é pedir muito?
Ele suspirou inclinando-se para trás, apoiando-se nas mãos, as pernas
esticadas diante dele. Estavam sentados em uma manta sob uma árvore, à beira
coberta de erva do rio que atravessava as grandes zonas verdes de Blackmore.
—Não sei o que é mais alarmante: sua persistência infernal ou sua afeição
pela extorsão.
Ela soprou.
—A extorsão implica que não desfrutará do preço a pagar. Você gostou de
ler uma vez.
—Desfrutarei mais da recompensa.
—Harrison.
Movendo-se para apoiar as costas contra o tronco da árvore, ele recolheu o
livro que ela tinha deixado perto de sua mão.
—Meu pai possuía um pequeno imóvel em Nottinghamshire. — Começou a ler. —
Fui o terceiro de cinco filhos.
À princípio sua voz foi rígida, ressentida. Mas quanto mais lia, mais ela o
recompensava, movendo-se sobre a manta, aproximando-se dele, passando os
dedos ao longo de seu ombro e pescoço. Eventualmente, ela colocou a cabeça
sobre sua coxa, olhando sua formosa mandíbula. Surpreendentemente, embora
de maneira ausente, segurava sua mão e a beijava, seguiu lendo sobre Gulliver e
os pequenos liliputienses presunçosos. Os músculos de seu rosto relaxaram, sua
voz profunda ficando mais leve a cada palavra. Logo, ela inclusive fechou os
olhos, imaginando a exasperação de Gulliver ao estar atado e ser golpeado por
pessoas não maiores que seu dedo.
—Quando os operários acreditaram que já não era possível que me soltasse, cortaram
todas as cordas que me ligavam; ato seguido me levantei no estado de ânimo mais triste que
senti em toda minha vida. Mas o ruído e o assombro das pessoas ao vê-lo levantar-se e
caminhar não podem descrever-se.
Ela riu.
—Imagina, Harrison? Temo que não seria nem de perto tão paciente quanto
ele.
Quando ele baixou o olhar, uma onda estranha e poderosa a encheu com
força. Seus olhos brilhavam com uma luz azul, faiscavam com a alegria pura da
aventura, o descobrimento e algo mais… conexão, talvez. Pela primeira vez Jane
sentiu que estava vendo-o. A ele. Não ao duque. Não o homem que todos os
outros conheciam.
Ele estava magnífico. Tirou-lhe o fôlego.
Ela estendeu a mão para acariciar seu rosto. Ele moveu suas mãos
entrelaçadas de modo que seu nódulo roçou os lábios de Jane. À dourada luz
voluptuosa, o rio suspirando através do silêncio e as folhas ondulando por cima
de suas cabeças, o coração de Jane foi capturado por ele. Enfeitiçado.
Escravizado.
Ele era dela. Seu Harrison.
Soprou uma brisa mais forte, e ele desceu o olhar ao livro em sua mão. O
colocou cuidadosamente sobre a manta.
—Meu pai o queimou. O segundo volume do livro.
Suas palavras a deixaram gelada, enviando um calafrio por sua pele.
—Vinha ao rio muitas vezes — disse olhando à água aprazível. —Para
pescar. Mas também para me perder em outros mundos por um tempo. Era um
consolo para mim. — Um sorriso muito triste curvou sua boca. — Ele não
aprovava.
Tragando com força para controlar a crescente dor, ela se levantou
lentamente, permanecendo perto, acariciando sua mão com o polegar.
—Zangou-se?
Sacudiu a cabeça.
—Sua Graça não seria tão áspero. A ira é para aqueles que carecem de
disciplina. Não, sentiu-se decepcionado. Eu era seu herdeiro. Meu tempo não devia
desperdiçar-se em atividades pouco sérias. Não podia permitir que essas
fantasias continuassem.
Ela sentiu uma quantidade grosseira de ira indisciplinada surgindo como um
ninho de abelhas furiosas.
—Então, queimou seu livro?
Ele soprou soltando uma risada sem alegria, seus olhos ainda fixos na água.
—Livros. Plural. Tinha muitos favoritos nesse momento. E não.
Oh, Graças a Deus. Por um momento tinha pensado…
—Fez-me queimá-los. Todos e cada um.
Lhe arrepiou o cabelo. Por dentro ela se retorcia com a necessidade de
gritar, de dar chutes contra o chão pelo ultraje, de arranhar ao seu pai morto.
Mas se obrigou a permanecer imóvel e em silêncio.
Finalmente ele a olhou, lhe dedicando um pequeno sorriso que fez com que
retorcesse o coração dentro do peito.
—Exceto este. — Levantou o livro que tinha lhe feito ler. — Este consegui
salvá-lo. Enterrei-o dentro de uma caixa selada. Perto do castelo.
Por um momento, ela não pôde falar. Então o fez porque queria entender.
—Quantos anos tinha?
—Dez.
—Tinha dez anos.
—Bastante velho para ter mais juízo — disse.
—Mais juízo? Por ler histórias que qualquer menino normal apreciaria?
Seu sorriso cresceu e se voltou mais cálido à medida que percorria o rosto de
Jane.
—Diz a mulher que guarda livros em cada canto da casa quando ela tem
duas bibliotecas em perfeito estado.
Incapaz de suportar um momento mais, ela se colocou em seu colo, lutou
com suas saias até que ficou escarranchada sobre suas coxas, tomou seu rosto
entre as mãos e o beijou com toda a ternura em seu interior. Seus lábios se
moveram muito brandamente contra os dele, deslizando-se e pressionando com
pequenas dentadas. Aqueles lábios masculinos lhe devolveram a carícia, mas ele
parecia conformar-se passando as mãos por suas costas e deixar que o tocasse
ao seu desejo.
Ela se voltou para trás, descansando ligeiramente a testa contra a de seu
marido.
—Foi um erro, Harrison. Foi um erro. — Sua voz se quebrou na última
palavra. Debaixo dela, ficou tenso.
—Sua lástima é desnecessária — disse, o duque retornando. — Foi há muito
tempo.
Erguendo-se sobre os joelhos, ela apanhou um punho de sua camisa e lhe
deu uma pequena sacudida.
—Lástima é quão último sinto por você, Sua Insuportável Graça.
Ele relaxou um pouco, inclusive elevando uma mão para fazer cócegas em
sua nuca.
—Tomo a devida nota — disse com secura.
Ela olhou para onde tinha deixado o livro.
—Quando o recuperou? Ao livro, quero dizer.
—Faz quatro anos.
Sua resposta a fez elevar a cabeça.
—Depois que ele…
—Morreu. Sim.
—Esperou todo este tempo?
Em seus olhos apareceu uma cansada aceitação e uma irônica dor.
—Se tivesse conhecido melhor o meu pai não teria necessidade de fazer essa
pergunta.
Ela odiava o seu pai. Odiava-o. O bastardo insensível tinha sorte de já estar
morto. Mas pensou que era melhor não dizer isso. Harrison poderia ofender-se.
Ao longe ouviu o relincho de um cavalo. Uma ruga apareceu entre as
sobrancelhas de Harrison. Os dois se voltaram na direção do som, mas o morro
do terreno não lhes permitia ver quem se aproximava. Harrison com gentileza,
sem esforço, a levantou de seu colo. O homem realmente era
surpreendentemente forte e se deslizou por debaixo dela para levantar-se. Em
seeguida lhe ofereceu distraidamente a mão para ajudá-la a ficar de pé.
Depois de sacudir suas saias para arrumá-las, ela ficou na ponta dos pés,
tentando ver por cima do morro, onde algumas árvores se agitavam e
balançavam com o crescente vento. Sentindo uma mudança absoluta em seu
marido antes que o outro homem aparecesse à vista, protegeu os olhos do
resplendor do sol e lhe perguntou: —Quem é?
Ele havia se tornado frio. Rígido, duro e gelado.
—O filho pródigo — respondeu.
Seus olhos voaram ao topo, onde só podia ver o chapéu do homem
movendo-se mais e mais alto por cima da erva. Ela entrecerrou os olhos
tentando ver seu rosto. Mas não teve que fazê-lo, porque seu marido o
identificou primeiro.
—Parece que meu irmão retornou à Blackmore.
CAPÍTULO 20
"Infelizmente, não nos permitem escolher quem compartilha nosso laço sangíneo. Se
pudéssemos isto seria imensamente mais fácil." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu
filho Charles durante uma discussão do inadequado de seu sobrinho herdar o título de
Marquês de Wallingham.

Jane abraçou a si mesma e começou a passear pelos lindos verdes limites da


antecâmara da duquesa. Dando uma olhada ao relógio de bronze no suporte de
mármore, observou que tinha passado mais de uma hora desde que Harrison
havia desparecido zangado, seu comportamento mais sombrio e mais
tormentoso do que alguma vez havia visto.
Depois que Colin tinha aparecido pelo rio, seu marido lhe tinha ordenado
que ficasse enquanto avançava pelo declive para encontrar-se com seu irmão.
Tinham trocado algumas palavras. Nenhuma das quais pôde escutar e antes que
pudesse sair de seu estupor e aproximar-se, Colin tinha voltado para seu cavalo e
se dirigido para Blackmore Hall.
Quando Harrison tinha retornado ao seu lado, imediatamente havia
começado a pôr as coisas na cesta, sua expressão dura e remota. Apesar de suas
numerosas perguntas, havia dito somente: —Discutiremos mais tarde, Jane.
Retornaram à casa, ele com a mandíbula apertada, suas passadas rápidas e
largas, tanto que ela se viu obrigada a correr para não ficar para trás. De vez em
quando ele cuidava de olhar para trás, e havia diminuído o passo, mas seus
pensamentos estavam obviamente enredados pela repentina aparição de Colin.
No momento em que tinham subido os degraus do terraço dos fundos e
entrado na ala sul, tanto o fôlego de Jane como a paciência do Harrison se
esgotaram, e ele tomou só um momento para falar em sua direção: —Espere-me
em seu dormitório. Ali me reunirei contigo dentro de uma hora.
Agora, deixada com pouca escolha a não ser obedecer, pôs-se a passear em
sua habitação, esperando como lhe tinha pedido. Ou melhor, exigido. Ela tinha
escrito ao menos três cartas à Vitória em sua mente, mas nada tinha aliviado seu
mau humor.
—Tenho que ir buscá-lo — murmurou para si mesma. Depois de tudo,
quem sabia o que poderia ter acontecido? Harrison poderia ter matado Colin
àquela altura. Um calafrio de alarme disparou por suas costas. Ele era um
homem muito controlado, mas nunca o tinha visto daquele jeito.
Estimulada por uma crescente urgência, correu à porta da antecâmara e
abriu-a. Ofegou e cambaleou para trás.
Ele estava ali. Do outro lado da porta. Ameaçador, com o cenho franzido, a
mão levantada para agarrar a maçaneta.
—Aonde vai? Acredito que te disse que me esperasse aqui.
Soprando indignada, plantou as mãos nos quadris.
—Estava demorando muito.
Ele se aproximou, obrigando-a a voltar para a sala e fechar a porta atrás dele.
—Colin e eu tínhamos muito que discutir.
Seu rosto era solene e cansado, a boca apertada. Mas cheirava igual, como o
ar fresco e a luz solar. Sua presença lhe debilitava os ossos. Quando ele passou
ao seu lado para afundar-se com cansaço em uma macia cadeira marfim, ela
respirou para clarear seus sentidos.
—E?
—Ficará aqui esta noite. Depois disso, pedi-lhe que se vá.
—Por que faria isso?
Suas sobrancelhas baixaram ainda mais.
—Quer que o expulse imediatamente? — Ele negou com a cabeça. — Temo
que não posso Jane, nem sequer por ti.
—Por mim? Não. Pergunto por que não pode ficar mais tempo.
Bruscamente e solidificando-se como o gelo formando-se em um lago, seus
olhos fixos nela, um silêncio espesso floresceu entre eles. Sua declaração o havia
transformado. Ela não o entendia. Mas o sentia, tão frio e furioso como um uivo
do Mar do Norte.
—Ele tratou de te arruinar — disse, sua voz baixa e sedosa.
Sua pele se arrepiou em um impulso primitivo de retroceder. Mas ela ficou
imóvel, dizendo a verdade: —Ele me enganou, mas igualmente eu me enganei
também. A escolha final foi minha, não dele.
Levantando-se da cadeira, fazendo a madeira ranger, Harrison se elevou em
toda sua estatura. Aproximou-se dela, uma presença volátil, seus olhos os de um
estranho.
—Por que o defende?
—Não é uma defesa. É o que aconteceu.
—Ele te atraiu à casa de Milton, onde ele e seus amigos canalhas estavam
esperando.
—Sim, o reco…
—Ele a submeteu às suas brincadeiras e aos seus insultos. Permitiu-lhes te
rodear como uma manada de cães selvagens. Não foi só sua reputação que
esteve em risco nessa noite, Jane.
Ela tragou, sentindo que o sangue abandonava seu rosto.
—Eu sei. Eu estava lá.
—Sabe o que ganharia com aquela pequena farsa?
Ela sacudiu a cabeça.
—Mil libras.
Era uma quantia obscena. A maioria não via tal soma em um ano inteiro.
—Para ele isso constituía uma troca justa, para colocar a ti e a tua reputação
em um perigo muito real. Esse é o homem que considera digno de sua lealdade.
—Não é necessário que me recorde o que ocorreu naquela noite. Recordo
muito bem. E tem razão, não lhe devo lealdade, nem estou desculpando suas
ações deploráveis.
A cada declaração, seu marido avançava para ela, passo a passo, lentamente.
Mas nesta deteve-se. Para sua tranquilidade, o gelo que o cobria pareceu
descongelar-se um pouco. Talvez devido a sua admissão de que ele tinha razão.
Essa tática sempre tinha desarmado Genie durante suas picuinhas.
Tomando cuidado em não deixar mostrar sua irritação, continuou com tom
neutro: —Harrison, gostemos ou não, é seu irmão. O fato de que veio aqui,
sabendo como ia ser recebido, indica que sua situação é bastante desesperadora.
Ele deixou cair o olhar à sua boca, as narinas dilatadas. De repente separou-
se dela, juntando as mãos atrás das costas, se encaminhou até o extremo oposto
da habitação e voltou outra vez.
—Necessita de recursos — disse categoricamente.
Ela franziu o cenho.
—Mais, depois de mil libras?
Sem olhá-la, respondeu: —A aposta não produziu a importância total.
—Não entendo.
—A razão não é importante…
—Então não deveria ser difícil de explicar.
Podia ver que não queria lhe dizer. Ele continuou passeando, quase
enjoando-a. Finalmente deteve-se em frente a ela e se ergueu.
—Os que participaram da aposta se viram obrigados a arrepender-se por
suas ações. Muitos negaram que os acontecimentos dessa noite haviam sequer
ocorrido.
Lentamente aproximou-se dele. Seus olhos a seguiram com cautela até que
ela se deteve a poucos centímetros, inclinando a cabeça para trás para ter uma
melhor visão. Enquanto examinava as feições endurecidas de seu marido, se deu
conta que o que acabava de lhe dizer era de fato uma confissão, uma que não
tinha querido fazer. A verdade do que tinha feito por ela fez com que seu
coração se comprimisse dolorosamente.
—É por isso que os rumores se desvaneceram tão rápido, não é? Os
ameaçou e se retrataram.
—Não podia permitir que aqueles insetos se deleitassem com sua destruição,
e muito menos se beneficiassem dela.
Ficou rígido, levantou o queixo como se esperasse que o recriminasse.
Mas ela não tinha essa intenção. Sem prévio aviso deslizou os braços por
baixo de seu casaco e rodeou com eles sua cintura. Apoiou a bochecha sobre o
tecido de seu lenço, fechou os olhos contra a repentina ameaça de lágrimas e o
abraçou tão forte como pôde.
À princípio ele não reagiu, imóvel como uma pedra. Logo sentiu seus braços
rodeando-a, embalando-a brandamente contra ele.
Vitória estava certa. Ele era sem dúvida o homem mais honorável que tinha
conhecido, sua bondade não era da classe fácil, mas sim da mais profunda.
Harrison (seu Harrison) tinha protegido uma mulher que mal conhecia,
amparando-a não só com seu nome, mas também com todas as armas a sua
disposição. Antes que tivesse algum motivo para sentir o mínimo afeto por ela,
colocou-se entre ela e as consequências de sua estupidez.
Agarrando-o com mais força, empunhando o tecido de seda do colete na
parte baixa de suas costas, ela lutou contra a dor surgindo dentro de seu peito e
subindo por sua garganta. Quando falou, sua voz foi de uma aspereza afogada.
—Obrigada. — Em sua mente terminou o pensamento, embora ela ainda
não podia dizê-lo em voz alta. Obrigada, meu amor.
Seus braços a apertaram, sua mão forte lhe acariciando as costas, em seguida
a deslizou para baixo, à curva de seu traseiro, seus longos dedos pressionando o
tecido de suas saias contra a união de suas coxas, onde ela já começava a chorar
por ele. Harrison elevou a outra mão para riscar pequenos círculos em sua nuca
com seus ágeis e hipnóticos dedos.
—Gratidão não é o que necessito de ti, esposa.
Deus, ele era potente. Jane sentiu a respiração acelerando, fechou as coxas.
—O que necessita? — Perguntou com voz rouca, elevando o olhar para ele.
Em resposta ele aproximou sua boca para que encontrasse a dele. Deslizou a
língua em seu interior imediatamente, deliberadamente pulsando contra a dela
em um ritmo familiar ainda mais agressivo que antes, como se necessitasse
estabelecer uma reivindicação. A mão em sua nuca se moveu entre eles para
abranger e apertar seu seio, ligeiramente beliscando o mamilo através das capas
de tecido, enviando ondas de prazer através dela. A intensa dor perto de seu
coração se transformou e se derreteu, suavizando-se para ele, esquentando-a de
dentro para fora.
— De ti — ele ofegou, afastando-se só o tempo suficiente para responder
antes de voltar a beijá-la, assaltando sua boca. Ainda segurando suas nádegas,
levantou-a até que um dos joelhos de Jane ficou à altura de seus quadris. Ele
dobrou os joelhos para poder esfregar seu pau duro como pedra contra ela.
Enquanto ela agarrava desesperadamente sua cabeça, rasgou seu lenço e
gemeu de desejo contra sua boca. Se ele a necessitava, não podia ser mais do que
ela o necessitava, sua pele nua contra a dela, seu membro enchendo seu vazio.
Queria derreter-se por completo e converter-se em parte dele. Queria absorvê-lo
em seu interior para nunca poderem ser separados.
No momento em que ambos estavam nus, a seda azul escura de seu vestido
estava irremediavelmente destroçada no chão. Mal chegaram à cama. Levou-a só
até o pé da cama, estendendo-a com os quadris pousados na borda. A colcha
estava fria contra suas costas, mas ela não sentia.
Não podia. Só existia ele.
Imediatamente, Harrison caiu de joelhos, suas esbeltas, deliciosas mãos
deslizando-se pela parte exterior de suas coxas, agarrando-as e pendurando suas
pernas sobre seus ombros. Então, começou a lhe dar um festim. Sua língua
afastou suas escorregadias e chorosas dobras com um só golpe, dando voltas ao
redor da protuberância pequena e sensível no centro de seu prazer. Ela retorceu-
se ante a crescente pressão de tantas sensações, unificando-se em um pequeno
lugar: aquela língua cálida e escorregadia dançando contra ela, agradando e
acariciando, e então inundando-se dentro de sua vagina necessitada antes de
retornar ao seu centro para provocar e atormentar.
Umas mãos duras agarraram seus quadris para mantê-la imóvel.
Agarrou-lhe a cabeça pedindo mais.
Em troca, ele se afastou.
Muito cedo. Era muito cedo.
—Harrison, por favor — gemeu.
Sua resposta foi levantar-se, deixando cair suas pernas para flanquear sua
cintura. Ele obrigou a abri-las, brilhando como o deus dourado que uma vez o
tinha chamado. Os olhos de seu marido caíram sobre seu centro úmido,
obscuramente velado, dilatando-se de desejo; logo se deslizou para cima, aos
seus seios inchados com seus mamilos dolorosamente eretos.
—Quero ver suas mãos, Jane. — Sua ordem crua, seus olhos ferozes à luz
do fogo. — Toca teus mamilos com essas formosas mãos enquanto tomo o que
é meu.
As palavras a fizeram gemer e arquear as costas, agarrando a manta debaixo
dela e esticando suas pernas.
Com suavidade, ele agarrou primeiro seu pulso e logo o outro, levantando
os braços e colocando as mãos dela sobre seus próprios seios.
—Vamos — disse... — mostre-me seu prazer.
Insegura à princípio, ela obedeceu, tocando seus seios e lentamente
passando os dedos sobre seus rígidos mamilos. As sensações não eram tão
agradáveis como quando ele os sugava, mas quando viu a satisfação feroz em
seus olhos, tornou-se mais audaz, apertando seus mamilos com os dedos,
surpreendendo-se quando as sensações se intensificaram de maneira
exponencial.
—Sim, — ele falou... — Assim.
Inclinou-se sobre ela, enganchando suas pernas aos seus quadris, as
envolvendo com força ao redor dele e deslizando seu membro duro, grosso
dentro dela. Ambos gemeram ante a sensação de perfeição, plenitude e
culminação. Então ele começou a mover-se, penetrando-a com impulsos
ferozes, quase violentos, que sacudiam e empurravam seu corpo.
Automaticamente, suas mãos apertaram seus seios, tratando de apaziguá-los, já
que lhe doíam e choravam pela boca de seu marido.
Mas não estava lhe dando sua boca. Estava lhe dando seu pênis,
profundamente e com força, elevando mais seus joelhos para que pudesse
golpear em seu centro livremente. O calor de sua união se tornou insuportável,
sua vagina esticando-se a cada investida, quase incapaz de seguir o ritmo
implacável.
Sem prévio aviso, a fera espiral se liberou. Ela se arqueou e soluçou o nome
de Harrison quando o êxtase desatado mostrou suas garras com uma força
selvagem, inesperada, e a jogou sobre a crista de uma onda sem fim. Ela se
agarrou a ele, seu corpo ordenhando e exigindo enquanto sofria um espasmo
atrás do outro. Na seguinte respiração ele se inundou três vezes mais e a seguiu
até as mesmas águas profundas, grunhindo seu nome, seu corpo tremendo
incontrolavelmente e parando sobre ela com seu precioso peso.
Jane se agarrou ao seu pescoço, sentindo o coração pulsar acelerado, a
garganta fechada pelo sentimento.
Ela o amava.
Isso era tudo o que sabia.
Ela o amava. E seu poder a deixava tremendo como a última folha do
outono.

~~*
Horas mais tarde Jane jazia na cama com seu marido ajustado ao seu corpo
como uma luva na mão. Um forte e musculoso braço passava por baixo da
cabeça de Jane e pela parte dianteira de seus ombros; o outro lhe rodeava a
cintura, puxando seus quadris contra os dele. Alojava uma coxa entre as dela,
seu pênis situado na dobra de suas nádegas, em repouso, por hora. Sentia-o
respirar contra sua bochecha, o movimento rítmico de seu peito subindo e
descendo em suas costas, era tão reconfortante como uma canção de ninar.
Adorava dormir nua com Harrison.
Mas esta noite não podia dormir. Pouco podia respirar.
O que tinha feito? A resposta não demorou a chegar: Apaixonou-se por teu
marido, boba.
Como pôde ser tão tola? Essa resposta não chegou.
Com cuidado, ela mesma se desenredou de suas mãos, movendo-se
lentamente para não o despertar. Saiu da cama, detendo o tempo suficiente para
colocar os óculos, em seguida a camisola, a bata e as sapatilhas. Ao chegar
silenciosamente à porta, voltou-se para olhar seu marido, seu corpo grande e
comprido, um contorno prateado à luz da lua. Seus olhos se detiveram em seu
rosto: a testa nobre que frequentemente se franzia em um gesto de
consternação; as belas maçãs do rosto e o nariz refinado; a mandíbula definida
que era o lar para um queixo orgulhoso e uma boca hábil. Suspirou, esmagada
por uma emoção que nunca tinha experimentado: uma mescla vertiginosa de
adoração pura e intenso desejo.
Antes que pudesse ceder a ela e voltar correndo para seus braços, girou a
maçaneta que estava agarrando e saiu ao corredor. Felizmente os serventes
tinham deixado uma ou duas velas acesas, assim foi fácil encontrar o caminho
das escadas. Talvez um bom livro a distraísse tempo suficiente para que sua
mente se acalmasse.
Ouviu ao longe três tristes e tênues notas de música enquanto descia. Se
deteve na metade do caminho, escutando. Ali estavam de novo. Dirigiu-se à sala
de música.
Foi onde o encontrou. Sentado ao piano, tocando as teclas. A luz de uma
lamparina se movia brincalhona sobre seus cachos dourados e a folgada camisa
de linho.
—Colin.
Ele congelou, o acorde menor pendurando no ar entre eles. Em seguida se
voltou para ela.
Jane ofegou, uma mão cobrindo sua boca.
—Está terrível.
Um sorriso que parecia mais uma careta torceu seus traços cansados.
—Nada de papas na língua, não é, Lady Jane? — Ele fechou os olhos por
um momento e logo piscou para abri-los de novo... — Sua Graça. É Sua Graça,
agora. Perdão.
— O que te aconteceu?
Tinha o rosto fundo e pálido; seus olhos, sem brilho e derrotados.
—Reservarei essa história dolorosa para alguém a quem não tenha
prejudicado tão gravemente. — Voltou-se de novo para as teclas e ficou
olhando como se de repente não recordasse como tocar.
—Colin — disse com suavidade. — Não mereço a verdade?
—É claro que sim. Merece muito mais que qualquer coisa que eu pudesse te
dar.
Era um eco do antigo Colin. Do amigo que recordava.
—Então me conte.
Ele elevou e baixou os ombros em uma respiração profunda, passando uma
mão pela testa.
—Tudo isto foi o que busquei. Um desastre. Sou um maldito desastre.
Ela se aproximou dele, abraçando-se a si mesma quando sentiu um súbito
calafrio.
—Basta. Só me explique o que aconteceu.
—Uma garota se apaixonou por mim. Mas eu não a amava. Como poderia?
Toda minha vida amei só a mim mesmo.
Ela esperou enquanto ele batalhava com a confissão, suas mãos agarrando a
borda do piano.
—Não dei atenção às suas súplicas. Queimei suas cartas. Ela era... frágil. —
Sua voz aprofundou-se, percebendo-se dor nas próximas palavras. — Tirou a
vida. E a da criança em seu ventre. Meu filho.
Jane se sentiu doente. Vitória tinha dado a entender que Colin fizera algo
imperdoável, mas não tinha entrado em detalhes.
—O irmão da garota acreditou que Harrison era seu amante. Acusou-o
disso, de abandoná-la. Harrison não tinha ideia do que o homem estava falando,
e o disse. Bateram-se num duelo. Harrison o matou.
Jane exalou lentamente com a revelação. Todo mundo sabia do duelo há
dois anos, embora poucos falassem disso, e ninguém sabia o que havia ocorrido.
—Atherbourne.
—Sim. Por minha culpa ela morreu, por minha culpa Atherbourne desafiou
o meu irmão. E eu me mantive em silêncio enquanto Harrison se viu obrigado a
defender sua honra.
Ela gemeu e passou uma mão sobre a boca.
—Oh, santo céu. Vitória.
Ele soltou uma risada amarga.
—Ela sofreu, também por minha culpa. Lucien Wyatt a usou para vingar-se
pela morte de seu irmão. Foi só por pura sorte que ela e o novo visconde
Atherbourne chegaram a amar-se. É óbvio que não fui convidado precisamente
para o pudim de Natal, mas Harrison me diz que são felizes em seu matrimônio.
Por isso, ao menos, estou agradecido.
Sacudindo a cabeça, ela falou: —Tudo isto ocorreu há mais de um ano.
Ele assentiu.
—Foi quando Harrison cortou meus recursos.
Ahh. Sim. Agora estavam chegando a algum lugar.
Sua voz se fez mais cansada, suas palavras saindo um pouco precipitadas.
—Já não podia me permitir o brandy, ou muitas outras coisas, no caso. Parei
de beber por necessidade. Mas não tinha como me manter. Sempre tinha sido
hábil nas mesas, e por um tempo o jogo me sustentou.
—Até que não o fez mais — ela disse.
—Precisamente.
—Então tem dívidas de jogo.
Ele riu em silêncio, sacudindo os ombros.
—Basta dizer que devo uma grande quantia a um homem muito perigoso. E
não aceita menos que o pagamento completo.
Olhando ao irmão de seu marido, ela notou que sua camisa estava manchada
e rasgada, seu corpo magro e debilitado. Via-o tenso até o ponto de ruptura.
—Quanto tempo esteve fugindo, Colin?
—Em que mês estamos?
—Julho.
—Dois meses. Deus, dois malditos meses.
Ela cruzou os braços por baixo de seu seio.
—Este homem a quem deve, por que te perseguir a tal ponto? Certamente,
ele não ganhará nada se estiver morto. Por que não aceitar um pagamento
parcial?
Ele estremeceu visivelmente, girando no banco e apoiando um cotovelo nas
teclas, causando um tom discordante. Uma vez mais esfregou a cabeça e
terminou por segurá-la em sua mão.
—Você não entende. Ele não vai me matar, ao menos não imediatamente.
Jane sentiu uma comichão no couro cabeludo como advertência.
—Então o que vai fazer?
—Me manterá prisioneiro durante um tempo, cortando partes aqui e lá para
enviá-los a Harrison, que se verá obrigado a pagar minha dívida junto com uma
cota substancial pelo problema em questão.
Ela sentiu que a bílis lhe subia pela garganta. De verdade, temia que fosse
vomitar nesse mesmo instante.
—Oh, demônios, Jane sinto muito. Não deveria te ter dito isso.
Elevando uma mão para deter sua rápida desculpa, tragou a náusea
respirando profunda e regularmente.
—Por isso… — tragou de novo... — por isso necessitava da aposta. Por
isso me enganou.
Um longo silêncio seguiu às suas palavras. Então ele disse: —O que te fiz...
lamentarei pelo resto da minha mal concebida existência. Te pediria perdão, mas
não o mereço.
Deixando cair o olhar ao chão, ela lutou com as lembranças de Colin antes
da traição. Sua cálida consideração, seu humor e relaxamento com ela. Ele tinha
sido seu amigo. Até àquela noite.
—Você...? — Ela respirou profundamente e começou de novo com um fio
de voz. — Algo foi real, Colin?
Ele soltou um fundo suspiro.
—Agradava-me muito. Muito. À princípio, quando me aproximei de ti na
livraria, a aposta era bastante inofensiva: um passeio pelo parque com Jane
Huxley. Singelo. Meu plano era completar os termos dentro de uma semana e
reunir o suficiente para me manter nas mesas. Uma vez que conversei contigo
comecei a lamentar te envolver em um caso tão tortuoso, e por isso o atrasei.
Quando me dei conta de quão terrível era a ameaça do homem que tinha minhas
notas promissórias, a aposta tinha crescido em tamanho e complexidade.
—E se converteu em sua saída.
Seu sorriso estava cheio de ódio por si mesmo.
—Para minha absoluta vergonha, sim. Justificava-me convencendo-me que
ninguém tinha que sabê-lo, que poderia sentir um pouco de vergonha pela
aventura, e certamente se sentiria traída, mas os homens envolvidos guardariam
segredo para não estarem associados com uma aposta tão reprovável.
Ela elevou uma sobrancelha.
—Pensava isso a respeito de Lorde Milton e Sir Christopher Flatmouth e…
—Sim, fui um parvo. Meus pensamentos estavam bastante confusos devido
ao pânico, temo. Além disso, isso foi antes que insistissem em estarem presentes
para presenciar o ato na casa do Milton. Para então, eu não tinha nada para lhes
pagar se falhasse em minha tarefa. E se eu não cumprisse todos se queixariam, o
que te exporia ao ridículo.
—Assim, em troca, expôs-me à ruína. Ou pior.
Ele afastou o olhar, olhando através das sombras do outro lado da
habitação.
—Além do meu papel na morte de Marissa Wyatt, essa noite é meu maior
pesar Jane. Juro-lhe isso.
Suspirando, ela se moveu até ficar junto a ele no piano, tocando ligeiramente
as teclas no extremo superior da escala.
— Conheceu meu irmão John, por acaso?
Ele se voltou para olhar suas mãos, mas não encontrou seus olhos.
—Fomos juntos à escola. Em Eton.
— Num verão, John pensou que seria muito divertido conduzir a charrete
do nosso vizinho. Levou a três de nós, suas irmãs, no veículo com ele, e fomos
gritando e rindo. O problema foi que John nunca tinha conduzido uma charrete.
Quando a charrete começou a ir cada vez mais rápido começamos a nos
preocupar. John entrou em pânico, perdeu o controle e virou em uma sebe.
Quando a charrete tombou, fomos jogadas. Felizmente ninguém resultou ferido.
— Ela fez uma pausa. — Bem, o punho de Maureen ficou dolorido, e o nariz
do John sangrou um pouco. Em todo caso, quando confessamos a papai, sabe o
que disse?
—Maldito seja?
Ela riu entre dentes.
—Não. Disse que a experiência tem uma maneira de nos dar uma lição que
nenhuma reprimenda pode dar.
—Mmm. Em que momento mostrou a vara?
Sacudindo a cabeça sorriu, seus dedos distraidamente tocando as teclas
enquanto ele começava a harmonizar no extremo oposto do teclado.
— Papai não acredita nesse tipo de castigo. E resulta que teve razão. John
esperou anos antes de voltar a conduzir uma charrete, decidido a estar em pleno
domínio de si mesmo antes de fazê-lo.
—Uma história deliciosa. Eu gosto de finais felizes.
Ela soprou e golpeou seu ombro.
—Ainda não cheguei ao ponto.
Assentindo com a cabeça, ele agitou uma mão.
—Prossiga.
—John tinha doze anos quando isto ocorreu. Era um menino brincando de
ser um homem. Pôs em perigo os que amava porque calculou mal os riscos de
suas próprias ações.
Os dedos de Colin congelaram.
Do mesmo modo, deixou que as notas titubeantes que estava tocando
dissipassem-se no silêncio.
—Mas aprendeu, Colin. Ele amadureceu. Tomou melhores decisões.
—Este não é um acidente de charrete, Jane. E tenho muito mais que doze
anos.
—John e você têm algo importante em comum: arrependeram-se de seus
atos, de machucar os entes queridos. Esse é o começo. Deve reconhecer seus
erros e trabalhar para repará-los.
—É muito tarde – disse, sua voz um sussurro na sala agora silenciosa.
—Mas pode tentar. Deve tentar. — Pelo bem de seu marido, Colin tinha
que mudar. Jane não podia suportar que Harrison sofresse por mais tempo as
consequências do egoísmo de seu irmão.
Atrás dela, ouviu o rangido do chão de madeira.
—Está perdendo tempo esposa — Harrison disse, sua voz uma chicotada
gelada.
CAPÍTULO 21
"Igual à pólvora, o ciúme é um elemento volátil que deve ser dirigido com cuidado e
aplicado com critério." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Atherbourne ao
inteirar-se da persistente hostilidade de Lorde Atherbourne para com Sir Bernabus Malby.

Ela se virou para vê-lo sair das sombras, sua alta figura vestida com as
mesmas roupas de antes: camisa branca de linho e calças combinando. Via-se
desalinhado, como se as tivesse posto em estado de pânico.
—Meu irmão é incapaz de mudar. É como uma praga. Tudo o que qualquer
um pode fazer é tratar de limitar o dano.
—Ele… ele cometeu erros...
Seus largos passos o levaram à luz da habitação, onde pôde ver seu rosto
pela primeira vez. Céu santo, estava furioso. Com ela.
—Não deveria estar aqui.
—Sei. Só estava…
— Pela manhã Colin irá daqui e nunca mais voltará.
—Harrison, não estou segura…
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, sua mandíbula como uma pedra.
—Não é sua decisão. É minha. — Sua voz era dura e cortante, quase
acusatória.
Não entendia sua desmesurada ira com ela, e isso desatou sua indignação.
—Ele é seu irmão. Sabe pelo que passou?
Os olhos cinza azulados de Harrison brilharam, suas narinas dilataram.
—Pelo que passou? — Embora as palavras fossem pronunciadas em voz
baixa, bem poderiam ter sido um rugido.
— É… Jane? — Colin murmurou. — Provavelmente seja melhor deixar
assim, por agora.
Harrison voltou seu duro olhar para Colin.
—Vá.
—Ele está em perigo, Harrison. Em um perigo terrível. Não pode
simplesmente jogá-lo aos lobos.
Com olhos brilhantes, ele se aproximou. Colin se levantou e se colocou
entre seu irmão e Jane. Elevou uma mão.
—Irei, como deseja. Não há necessidade de discutir. Foi um erro vir aqui,
em primeiro lugar.
—É curioso o quanto frequentemente se dá conta de teu erro só depois que
o dano aparece.
Colin deixou cair a mão, já exausto.
—Boa noite, irmão.
Depois que ele abandonou a habitação Jane ficou olhando seu marido,
perguntando-se o que dera nele. Sua amargura era compreensível, talvez, mas
suas reações foram muito além disso. A tensão era uma espécie de ira volátil, e
parecia estar dirigida ao menos em parte para ela.
—Não consigo entender por que está tão zangado.
Ele ficou olhando em silêncio, seus olhos cintilando na luz baixa. Um
músculo pulsava ao lado de um olho.
—Não pode? Acordo para ver que minha esposa não está. Busco-a, só para
encontrá-la a sós com um homem por quem ela uma vez arriscou sua reputação.
Quão parva foi, Jane? Deixou que te beijasse?
—Não seja insensato.
—É estranhamente hábil na sedução para ser uma inocente, esposa —
murmurou. — Praticou suas artimanhas com ele? Tocou-o com suas mãos?
—Artimanhas? Harrison, deixa de dizer asneiras. Não tenho nenhuma
artimanha que praticar.
—Isso é uma mentira — disse com suavidade.
Soltando um suspiro de frustração, tentou de novo.
—Em resposta às suas perguntas absurdas, não, ele nunca me beijou. Você
foi o primeiro. E nunca o toquei, nem tampouco ele me tocou de qualquer
maneira inapropriada. Todo o contato inapropriado que tive foi contigo.
Seu rosto seguia sendo sombrio.
—Ele afirma que eram amigos. Com frequência se veste como uma
delinquente e tenta roubar casas estranhas por simples amizade?
—Harrison…
—Responda-me.
Ela não queria. Era embaraçoso. Mas podia ver que ele tinha suspeitas a
respeito de sua relação com Colin, e não podia permitir que se agravassem suas
dúvidas sobre sua fidelidade.
—Eu… eu não...
Ele esperou, logo disse: —Sim?
—Não tenho muitos amigos. — Encolhendo-se ante sua própria confissão,
ela continuou, a contragosto. — Só um realmente, fora da minha família.
Vitória. Então para mim os amigos são preciosos. E sim, se Vitória tivesse me
pedido isso, com muito prazer teria me vestido como uma delinquente e tentado
roubar ao próprio Prinny, se pensasse que ela necessitasse que eu o fizesse.
O silêncio da habitação caiu entre eles. A luz do ambiente iluminava seus
traços. Era sua imaginação ou ele relaxou um pouco?
—Colin nunca foi seu amigo. Merece seu desprezo, não sua lealdade.
Sua imaginação, obviamente.
—Não o nego.
—Bem. Partirá amanhã, assim não deve ter maior necessidade de vê-lo.
—Harrison, deve permitir que fique ao menos um par de dias — disse em
voz baixa. — Estão perseguindo-o.
—Isso não te concerne.
Deu um passo para ele, elevando o queixo junto com seu temperamento.
— Tudo o que tiver a ver contigo me concerne, grande idiota. Como se
sentirá se ele for atacado daqui a uns dias?
Ele piscou, parecendo desorientado por seu desafio. Moveu um músculo da
mandíbula.
—Culpado, possivelmente? Responsável?
—Ele mesmo o procurou.
Aproximando-se, ela pousou com cuidado uma mão sobre seu coração, e o
sentiu estremecer.
—Tem razão. Mas você é um homem muito melhor que ele. Por favor, não
tome uma decisão apressada. Pode ser que a lamente para sempre.
Tragando visivelmente, lhe cobriu a mão com a sua.
—Jane — disse, sua voz baixa e rouca. — Voltemos para a cama.
—Harrison, acredito…
—Pensarei no que disse e decidirei o que for melhor, amanhã.
Parecia mais tranquilo quando ela o tocava. Talvez essa fosse a chave. Ela
assentiu concordando, e juntos retornaram à sua habitação em um abraço.

~~*

Na manhã seguinte, Blackmore Hall transbordava de atividade com as


preparações para a visita de Lorde Dunston prevista para chegar somente em
dois dias. Criadas poliam o corrimão da escada, os lacaios recolocavam móveis,
Beardsley e a senhora Draper dirigiam os trabalhos como condutores de uma
sinfonia principal.
Jane se sentia um pouco desconcertada, já que não tiveram o incômodo de
lhe consultar em nada, mas no momento tinha assuntos mais importantes que
considerar.
Ele tinha mudado de opinião. Por ela.
Ao despertar sozinha, tinha apressado Estelle com seus acertos, ansiosa para
encontrar Harrison, que estava em seu escritório reunido com o mordomo. Ele
levantou-se quando entrou, ficando rígido quando lhe havia perguntado por sua
decisão, e finalmente lhe tinha informado que permitiria que Colin ficasse
durante o resto da semana em uma cabana nas terras de Blackmore.
Ignorando o mordomo, ela tinha se apressado em chegar onde seu marido
estava, tomado seu rosto entre as mãos e beijando sua boca maravilhosa. O
beijo tinha sido um pouco longo, tendo em conta que praticamente um
desconhecido estava observando. No momento em que ela se afastou o rosto de
Harrison estava ruborizado, seus olhos brilhando de desejo. Sentindo-se um
pouco incômoda, tinha abandonado a sala rapidamente, ouvindo-o limpar a
garganta audivelmente e dizer: —Agora, bem, onde estávamos? — Enquanto ela
fechava a porta do escritório.
Por fim podia reatar o planejamento da visita do Dunston. Harrison havia
dito das intenções de seu amigo há semanas, e ainda a temia como as provas de
vestidos com a senhora Bowman. Entretanto, consolou-se que não seria pior
que a temporada de Londres com seus bailes, jantares, musicais e um sem fim de
entretenimentos.
Ao entrar na cozinha ela imediatamente viu o louco com inclinação pela
vulgaridade.
—Monsieur Renaud — chamou por cima do ruído das criadas cortando,
conduzindo e fofocando. Um cubo de nabos aterrissou aos seus pés. O
cozinheiro deu uma olhada por cima do ombro de sua posição no enorme
fogão.
—Duchesse — queixou-se com brutalidade.
Ela avançou rapidamente, rodeando uma cesta de cebolas para chegar a ele.
—Estou aqui para falar das comidas para a próxima visita de Lorde
Dunston.
Ele a olhou severamente.
—Falou com a senhora Draper?
—Não, temo que esteja ocupada.
Transferindo-se à mesa de trabalho, ele gritou a uma curvada criada: —
Finas! Corta-a em rodelas finas, garota estúpida. Esta é uma sopa, não lavagem
para porcos.
Ele suspirou apoiando uma mão sobre a mesa, tirando um pano do bolso de
seu avental e limpando a testa. Com desenvoltura, uma mecha de cabelo escuro
caiu sobre um olho. Ele sacudiu a cabeça e a olhou fixamente.
—O que gostaria de saber?
—Você não entende. Eu gostaria de planejar as refeições. Com seu sábio
conselho, é óbvio.
Seus olhos escuros se estreitaram, e esfregou com o tecido a parte posterior
do pescoço.
— Já está feito, madame.
— Como?
—Le Duc já fez uma lista de suas preferências. — Fez um gesto negligente
para um longo armário sob as janelas altas, onde estavam espalhadas várias
folhas de papel.
—Ele... fez? — Ela se voltou de novo para o cozinheiro, mas ele tinha
retornado a agitar no fogão.
Apertou os lábios. Isto era muito estranho. Em todas as casas que conhecia,
a de Vitória, a de Annabelle e a de sua mãe, a senhora da casa era a responsável
pelo planejamento das refeições. Em todas.
Quando chegou pela primeira vez em Blackmore, as refeições já estavam
programadas e eram bem administradas por monsieur Renaud e a senhora Draper,
ambos servos muito competentes. Não havia sentido e nenhuma necessidade de
intervir; ou mesmo com o funcionamento geral da casa. Sem dúvida, uma visita
era uma ocasião especial que requeria a mão da anfitriã.
A menos que o anfitrião tivesse determinado que era incapaz de ocupar-se
de um dever tão básico.
Voltando apressada ao escritório, bateu rapidamente, fazendo uma pausa
para ajustar os óculos e tomar uma respiração profunda.
—Entre — ouviu atrás da porta.
Ao abri-la observou que o mordomo seguia ali. O homem afável, de cabelo
escasso e óculos, parou ao vê-la, como o Harrison. Mas o escrutínio de seu
marido foi muito mais profundo. E mais acalorado. Embora sua expressão
permanecesse fechada, seus olhos seguiram um caminho de fogo desde a prega
de seda violeta de seu vestido até seu cabelo, voltando para deter-se em seu
busto e logo fixar-se em seu rosto.
—Sua Graça — disse o mordomo.
Ela o saudou com uma inclinação de cabeça, mas lhe resultava difícil afastar
o olhar de Harrison.
—Posso falar contigo? — Perguntou-lhe sem fôlego.
—É claro. Isso deve ser tudo por hoje, senhor Talbot.
Entendendo a indireta, o senhor Talbot fez uma reverência e se foi
fechando a porta atrás dele. No momento em que fechou, Harrison se moveu
de trás de sua mesa, partiu para ela, envolveu-a em seus braços e a beijou até lhe
roubar o fôlego.
Ela emitiu um débil protesto contra sua língua invasora, mas rapidamente
esqueceu do porquê estava protestando. Logo esqueceu-se porque havia vindo
àquela habitação. E para o caso, esqueceu-se de seu próprio nome.
—Jane, — sussurrou.
Oh, sim. Era esse.
Sua boca encontrou a união de seu pescoço e ombro, mordiscando
deliciosamente.
—Talvez devêssemos fechar a porta — ele ofegou contra sua pele.
Seus olhos se abriram de repente. Espera, não havia algo...?
Ele estava levantando sua saia quando recordou.
—Harrison.
Ele baixou os lábios à sua clavícula.
—Harrison, para. — Ela empurrou brandamente seus ombros. Ele se
endireitou e franziu o cenho, mas cedeu à seu pedido. — Preciso falar de algo
contigo.
Seu marido passou uma mão pelo cabelo e soltou um suspiro.
—Não pode esperar para depois?
Por um breve instante ela considerou. Ele estava tão tentador com seus
olhos azuis escuros e seus ombros fortes e musculosos, e seu…, mas não, devia
ser agora.
—Venho da cozinha.
—Por que foi à cozinha? Esse não é um lugar adequado para uma dama.
Ela fez um gesto desdenhando o comentário.
—Não seja tolo. Minha mãe visita a cozinha com regularidade para ajudar
com o planejamento das refeições. É uma prática menos formal, concedo-lhe
isso, mas bastante eficaz.
—Sua mãe — disse com secura.
Ela soprou.
—Sim. Em qualquer caso, consultei monsieur Renaud sobre…
—Não quero que fale com esse francês.
—Por que não?
—É um grosseiro.
— Nos damos muito bem, na realidade.
Ele estreitou os olhos apertando os lábios.
— Se dão bem?
—Informou-me que já planejou o menu para a visita de Lorde Dunston.
—Há algum problema?
Ela franziu o cenho.
—Bem, tinha assumido…
Um golpe na porta os interrompeu. Era Beardsley.
—Perdão, Sua Graça. Os lacaios transferiram as poltronas azuis ao
dormitório amarelo. A senhora Draper está perguntando se gostaria também de
recolocar o divã verde.
Jane abriu a boca para responder, mas Harrison respondeu por sobre sua
cabeça.
—Não. Mas lhe informe que falarei com ela em breve. É necessário trocar a
roupa de cama do quarto rosa.
O mordomo se inclinou e saiu. Ela se voltou para ver Harrison, uma vez
mais sentando-se atrás da mesa, abrindo uma gaveta e retirando uma folha de
papel.
—O que… o que está fazendo? — Perguntou.
Ele não deixou de escrever.
—Acredito que é útil fazer uma lista de tarefas para os criados. — Ela
apertou os lábios e ajustou os óculos.
—Não há algo que você gostaria que eu fizesse?
A pluma se deteve. Harrison elevou o olhar, sua expressão diabólica.
—Muitas, muitas coisas. — Voltou para sua escrita. — Mas temo que
devemos esperar. Esta noite, possivelmente.
Claramente, ele mesmo preferia administrar a casa. Ou não confiava nela
para fazê-lo. Mas talvez estivesse dando muita relevância. Tentou outra vez.
—Harrison, poderia ajudar...
—Não é necessário. — Molhou a pluma no tinteiro. — Está tudo sob
controle. Possivelmente poderia procurar um livro para ler.
Por uma coisa tão pequena, insignificante, sua distraída declaração a golpeou
com uma força inesperada, direto em seu estômago. A sensação foi similar ao
momento em que Genie lhe tinha dado uma cotovelada acidental no plexo solar
quando estava tratando de ajustar seu primeiro espartilho. Da mesma maneira, o
comentário casual lhe tirou o ar dos pulmões.
Essa era a única habilidade que ele pensava que tinha? Ler? Naturalmente, a
encantava ler, por isso, passava grande quantidade de seu tempo fazendo-o, mas
tinha sido treinada para administrar uma casa. Tinha esperado assumir essas
funções quando se casasse, como todas as esposas. Seu marido, entretanto, não
parecia convencido de sua competência.
Certamente, tinha poucas dúvidas de que a desejava. Mas em meio de sua
euforia sobre esse fato, tinha esquecido de considerar que a luxúria não equivalia
à estima. Sou uma parva, pensou. Uma mulher torpe, comum, que esqueceu como começou
este matrimônio.
Ela examinou sua bela cabeça loira inclinada sobre sua lista, a luz do dia
refletindo-se nas curtas mechas douradas, seus ombros retos e largos abaixo do
elegante tecido cinza. Sentiu uma dor repentina e tragou saliva.
Como pôde esquecer? Desde o começo tinham formado um casal
terrivelmente equivocado. Ela não estava destinada a ser uma duquesa. Não
estava destinada a levar um imóvel tão magnífico como Blackmore Hall.
Silenciosamente voltou-se e se dirigiu à antiga biblioteca, com sua madeira
escura e lembranças acaloradas. Ali ela se deixou cair em sua poltrona favorita,
descansou a cabeça no braço, e compôs uma carta a... oh, não sabia. A ela
mesma, supunha.
Queridíssima Jane, escreveria. Já sabia, não? Pergunto-me como fez para convencer a ti
mesma que é digna dele. A verdade estava ali no dia em que lhe pediu em matrimônio. Em
seu íntimo, embora se mantivesse ocupada tirando o melhor partido das coisas, soube o tempo
todo. Mas seus beijos a fizeram esquecer. Seus olhos a fizeram ver coisas que não estavam ali.
Agora lhe deu teu coração, enquanto a verdade se manteve vigilante como uma tormenta no
horizonte, constante e paciente. Pode ignorá-la durante um tempo, mas não para sempre.
Querida Jane, acorda. A tormenta está à espera.
Ela riu de si mesma enquanto uma lágrima corria fazendo cócegas na
bochecha. Limpando-a com impaciência, quase podia escutar a voz
ensurdecedora de Lady Wallingham repreendendo-a: Que moça mais tola.
CAPÍTULO 22
"Escolha sabiamente seus convidados, porque invariavelmente os que menos tolera são os
que ficam mais tempo." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Reedham ao inteirar-
se dos planos da dita dama para uma grande festa de caça.

Puxada por seis negros cavalos reluzentes, a carruagem do conde de


Dunston era um espetáculo para a vista, mas não menos os seus ocupantes.
—Cornelius! — Chegou um grito feminino quando a porta abriu
bruscamente. Um corpo pequeno e enrugado unido a grandes orelhas saltou
torpemente ao chão e imediatamente começou a sorver pelo focinho em uma
série de círculos.
—Céus, temo que nos matou.
—Senhoras, poderia sugerir que descemos antes que chegue esse momento
fatídico?
Da posição de Jane no terraço da frente de Blackmore Hall parecia que o
pequeno animal pardo estava tendo muitos problemas, já que repetidamente
pisoteava e tropeçava em suas próprias orelhas. O animal se sentou com firmeza
no caminho de entrada e vigorosamente arranhou com uma pata uma das
orelhas ofensivas. Uma saia florida verde de musselina apareceu junto ao que ela
supunha fosse um cão.
Lady Mary Thorpe, usando uma saia junto com um casaco rosa e um
formoso chapéu com adornos, cruzou as mãos na cintura e tomou uma
respiração profunda, embora discreta. A bonita jovem ruiva ignorou o cão aos
seus pés para olhar para Blackmore. Sua expressão melancólica, como se
imaginasse que a casa e o homem fossem dela, não foi uma surpresa para Jane.
—Disse-lhe uma infinidade de vezes. Deve deixar de alimentar esse cão com
porções de queijo. — Enquanto saltava da carruagem, o cabelo castanho de
Lorde Dunston brilhava à luz do meio-dia, mostrando pinceladas da cor
vermelha de sua irmã. Esbelto e atlético, Dunston não era particularmente alto,
mas o casaco verde escuro e as calças cinza se ajustavam perfeitamente ao
colete, uma elegante camada de cobre suave. Ele também parecia mais bonito
que qualquer um que tivesse percorrido o caminho do Leeds cheio de buracos.
—Henry, ajude-me a descer, moço imprudente.
Lorde Dunston se voltou para olhar à matrona atualmente encurvada na
abertura da porta da carruagem agitando uma mão enluvada por baixo de seu
nariz ligeiramente aquilino.
—É claro — murmurou, apressando-se para obedecer igual ao cocheiro do
lado oposto.
A pesada mulher vestida de rosa da cabeça aos pés tinha uma expressão
indulgente, mas se via um pouco pálida enquanto descia.
—Nunca mais traga essa criatura em uma viagem como esta, Mary. Temo
que meu breve tempo nesta Terra diminuiu substancialmente.
O cão esgotado por suas explorações em círculo deteve-se junto à roda da
carruagem, levantou uma pata, e calmamente urinou. Quando terminou, Lady
Mary se ajoelhou para elevar o cachorrinho em seus braços.
—Tolices, mamãe. Cornelius é um bom cachorrinho. Não é assim? Sim,
você é um cão muito bom.
Insegura de quanto tempo devia esperar para que se dessem conta que
estava parada no terraço dianteiro, Jane respirou profundamente, apertou os
músculos do estômago para reprimir os tiques nervosos, e começou a avançar,
antes de chegar aos degraus de pedra sentiu umas mãos rodeando seus ombros,
freando seu progresso. Virou a cabeça.
—Harrison — murmurou. — Pensei…
Por cima de sua cabeça, ele sorriu ao conde.
—Dunston, sempre te diverte acrescentar convidados inesperados à lista.
Lorde Dunston sorriu enquanto Harrison passava junto a Jane para saudá-lo
no caminho de entrada com um quente apertão de mãos.
—Perdão, Sua Graça. Mas desta vez não é minha culpa. Mary insistiu.
A jovem beijou a cabeça do cachorrinho que se retorcia em seus braços e
lentamente se dirigiu aos homens. Um gradual e cintilante sorriso e um coquete
bater de asas de pestanas precederam a um protesto meloso.
—Estava segura de que não se importaria, Harrison. Sempre foi tão
generoso com sua hospitalidade.
A mão de Jane pousou em seu estômago. Era possível vomitar por
presenciar uma doçura muito repugnante? Talvez se vomitasse diretamente
sobre a encantadora Mary aquela doçura se dissiparia. Era algo a considerar.
Harrison se inclinou e agarrou os dedos estendidos de Lady Mary.
—Lady Mary. Encantado de vê-la de novo. — Era sua imaginação ou a voz
de seu marido era significativamente mais melodiosa? Realmente, era uma
maravilha. Suas palavras pareciam quase uma carícia. — E Lady Dunston, um
prazer como sempre. Sinceramente espero que sua viagem não tenha sido muito
penosa.
—Nenhuma viagem é muito dura para estar com você outra vez, Harrison
— sorriu Mary, rainha das doçuras, com afetação e de um modo enjoativo.
—Venham, nos acompanhe para dentro. — Harrison fez a todos eles um
gesto para a entrada. Também para Jane.
À medida que se aproximavam todos eles diminuíram o passo. Dunston foi
o primeiro em chegar a ela.
—Sua Graça — disse com um sorriso suave, cálido. — Obrigado por nos
receber aqui.
—L…Lorde Dunston. Por nada.
Mary e sua mãe ofereceram suas saudações também, mas as suas foram sem
sorrir e com apenas duas palavras: —Sua Graça.

~~*

Uma hora mais tarde Jane se perguntou se alguém se daria conta se


escapasse à biblioteca. Não importava a qual. Qualquer lugar que não fosse ali
serviria.
Todos estavam sentados no salão dourado. Lady Mary e Lady Dunston
tinham se posicionado em um sofá marfim bebendo chá, o cão adormecido
deitado aos pés de Mary. Harrison e Lorde Dunston estavam sentados em
poltronas em frente à lareira. E Jane sentada só em um sofá azul claro em frente
às duas mulheres, que conversavam deliberadamente com todo mundo exceto
com ela. Lorde Dunston tinha tentado atrair à conversação um par de vezes,
mas cada vez Harrison tinha intervindo respondendo por ela e deixando-a além
da conversação outra vez.
Ela odiava chá, assim não tinha nada que fazer exceto cruzar as mãos em seu
colo e olhar sobre suas cabeças pela janela. Tudo isto lhe recordava um dos
almoços de Lady Wallingham, embora ligeiramente menos vicioso. E menos
estimulante.
—Ofereci-lhe o próximo potro do Ulisses. Isso o persuadiu de me vender
por fim um de seus campeões — Harrison disse à Lorde Dunston, descrevendo
suas negociações com Lorde Wallingham, o filho de Lady Wallingham, que era
dono de um dos melhores estábulos da Inglaterra.
—Ah, muito bem. Não acredito que consentirá em me deixar montar o
velho moço enquanto estou aqui.
—É claro. Se não estiver muito fatigado pela viagem talvez pudéssemos dar
um passeio agora mesmo.
Dunston tomou um gole de seu chá e assentiu.
—Magnífica ideia. Senhoras, gostariam de nos acompanhar?
Jane se endireitou pronta para subir as escadas para trocar-se e colocar o
traje de montar. Algo, meu Deus, que me tire desta habitação.
—Oh, céus, não. Vocês, cavalheiros, precisam ficar um tempo juntos sem
nós, mulheres, seguindo-os — respondeu Lady Dunston por todas elas. Ela fez
um gesto de despedida. — Vão-se, e nos deixem aqui com nossas próprias
diversões.
Jane observou que Harrison franzia severamente o cenho em sua direção,
mas Dunston ficou de pé e fez uma reverência, então Harrison fez o mesmo,
embora a contragosto. Ele se deteve nas portas de painéis brancos olhando para
trás à Jane com a mesma expressão desconcertante. Então Dunston o puxou e
ela ficou sozinha.
Com elas.
—Então — disse Lady Mary alegremente. — Duquesa. Como está se
adaptando ao seu novo papel aqui em Blackmore Hall? — Sua risada ressoou
pelo ar e pelas costas de Jane como as garras de um gato na rocha seca. —
Atrevo-me a dizer que é uma visão muito maior que sua pitoresca casa de…
onde era? Ah, sim, em Nottinghamshire. Converter-se na duquesa de Blackmore
deve ser toda uma ascensão para alguém como você.
Jane apertou mais os dedos cruzados sobre seu colo.
—Foi… eu... — deteve-se para limpar a garganta. — Tudo foi bem.
Obrigada por perguntar.
Lady Dunston tomou um gole pausado de sua xícara de porcelana e a pôs de
novo em seu pires com um tinido delicado.
—Sim, realmente ficamos atônitos quando ouvimos que Blackmore havia
pedido sua mão. Imagine. Vocês tinham dançado juntos só uma vez. Suas
famílias se conheciam, mas não havia nenhuma indicação de uma aliança deste
tipo. Tão repentina! — Tomou outro gole, seus olhos brilhantes e sagazes. —
Naturalmente, perguntamo-nos se os desafortunados rumores deram um papel
importante no compromisso. Umas acusações escandalosas, simplesmente
escandalosas!
Jane não respondeu. No momento, sua boca estava bloqueada, seu
estômago gelado e doente.
Mas Lady Dunston não sentia tais reservas.
—Tudo isto ficou enterrado, é óbvio. Ninguém se atreveria a acusar a
duquesa de Blackmore de ser uma delinquente! — Disse a última palavra em um
sussurro, sendo de muito mau gosto dizê-lo em voz alta.
Mary elevou uma sobrancelha imperiosamente, inclinou-se para frente para
colocar a xícara sobre a mesa de mármore e logo recolheu seu cão adormecido
em seus braços. Acariciou a parda e enrugada cabeça e sorriu à Jane.
—Que afortunado que seu compromisso foi anunciado no momento preciso
que você foi atacada por aqueles rumores difamatórios. — Todo indício de
sorriso se desvaneceu, e seus olhos endureceram. — Mas Harrison se rege pela
honra mais que a maioria das pessoas.
Havia tantas coisas que Jane queria dizer. Lhe queimava a garganta. Coisas
odiosas, venenosas, que deixariam Mary, a rainha das doçuras, tão amarga como
um barril de vinagre. Mas ela não podia. As palavras ficaram restritas pelo
conhecimento de que Mary estava incrivelmente muito perto da verdade.
Quando Jane não respondeu, Mary olhou à sua mãe.
—Estou cansada, mamãe. Acredito que vou me deitar um momento.
Lady Dunston assentiu e deixou a xícara sobre a mesa.
—Sim,querida. Acredito que vou fazer o mesmo.
Com isso, ambas se levantaram do sofá, Mary levando seu cão adormecido.
Então abandonaram o salão dourado sem sequer uma inclinação de cabeça para
Jane, em sinal de educação. Se não se sentisse terrivelmente aliviada de vê-las
partir até poderia tomá-lo como um insulto.

~~*

Aquilo era uma estupidez. Deveria deixar de preocupar-se com ela. Mas seu
rosto quando tinha deixado o salão lhe tinha feito desejar expulsar Dunston e
sua família com um chute em seus traseiros. O que era totalmente desatinado.

— ... decidido usar as ferraduras do cavalo eu mesmo.


Ela tinha estado retraída, sem sorrir, sua pele pálida em contraste com seu
cabelo escuro. A lembrança ainda fazia com que o ácido lhe revolvesse o
estômago. Não sabia o que estava mal, só podia supor que ter convidados
desconhecidos na casa era profundamente desconcertante para ela.
—Não de todo cômodas, devo dizer.
A mudança nela era pior do que tinha antecipado, seu comportamento
voltando-se mais precavido e reservado nos últimos dias, até que se encolhia
sobre si mesma cada vez que se aproximava. Tinha tentado beijá-la ontem à
noite, mas se afastou afirmando ter seu período mensal como desculpa para
dormir sozinha. Não acreditou, obviamente, mas não queria pressioná-la quando
claramente se sentia aflita pela iminente chegada de suas hóspedes.
—E então a sela… oh, como raspa.
Harrison afastou o olhar das árvores à distância e deu uma olhada em seu
tolo amigo, que montava Ulisses a um passo tranquilo.
—De que demônios está falando?
Dunston sorriu.
—Um pouco distraído, não?
Harrison grunhiu.
—Estaria desfrutando de um bom dia de verão se não fosse por sua tolice.
Rindo, o conde tirou o chapéu.
—Um prazer estar ao seu serviço.
Ao aproximar-se da costa por cima do rio, perto do lugar em que Jane e ele
tinham estado no piquenique, dia em que Colin tinha retornado, os
pensamentos do Harrison voaram de novo para sua esposa. Na realidade, nunca
se afastavam dela.
—Talvez devêssemos voltar — disse a Dunston, que arqueou uma
sobrancelha.
—Estivemos fora só por meia hora.
—Preferiria não deixar as damas sós por muito tempo.
Dunston cobriu uma tosse repentina.
—Preocupa-se que pereçam por falta de nossa companhia?
Harrison lhe dirigiu um olhar fulminante bem merecido.
— Calma, amigo. As damas são perfeitamente capazes de beber o chá e
trocar intrigas sem necessidade de nossa ajuda.
Mantendo o olhar à frente, Harrison não respondeu. O que podia dizer?
Que a contínua necessidade de ver Jane lhe estava afetando como se fosse um
caso grave de tísica? Depois de só meia hora?
—Ah — disse o irritante Dunston. — Sente saudades.
—Absurdo.
—Mmm. Sim, um pouco. Mas também certo.
Harrison fez seu cavalo parar no meio de uma pradaria em cima da costa do
rio. O campo estava cheio de margaridas.
—Não sou um pretendente apaixonado. Jane é... ela é...
Tendo tomado a dianteira, Dunston fez Ulisses girar para enfrentar
Harrison.
—Sua esposa — disse brandamente.
Suspirando de alívio porque Dunston entendia, Harrison assentiu. Sim. Era
sua esposa. O que sentia era perfeitamente normal. Parte do dever de um
marido era proteger e mantê-la cômoda. Não era que sentia saudades.
Simplesmente precisava vê-la. Assegurar-se de que estava à salvo. E segura.
Dunston juntou as mãos e as pousou na sela.
—Como estão?
Ele piscou.
—Muito bem, na realidade. — Recordando o dia em que o tinha provocado
e seduzido, derretendo sua reticência no castelo de Blackmore, não pôde evitar
curvar sua boca em um sorriso.
—Frequentemente me surpreende.
—Seriamente?
—Encontrou um livro que li quando era um menino. Lemos de novo
juntos. — Ele indicou com a cabeça o rio. — Justo aí. Cada vez que acredito
que a entendo, ela faz algo que me confunde.
—E desfruta passar o tempo com ela.
Seus olhos estavam fixos naquele lugar, onde ela tinha colocado a cabeça
sobre sua coxa, tinha-lhe acariciado a bochecha com sua mão suave e branca.
—Sim. Ela é tão formosa, Henry — disse distraidamente. — Em seu ponto
mais alto sua risada tem um pequeno tremor, é encantador. Alegra-me estar o
bastante perto para escutá-la. E quando sorri, suas bochechas formam pequenas
covinhas. Umas coisinhas lúdicas.
—Vi-as.
—Sua voz... — fez uma pausa para tomar uma pausa, seu desejo
intensificando-se a cada palavra. — Muda como o padrão de luz na água.
Quando está feliz, a aspereza é leve. Quando está irritada comigo, se aprofunda
como um cachorrinho queixando-se por ter sido despertado de uma sesta. —
Quando estava excitada, acariciava-o como seda rugosa, acalmando-o e
inflamando-o ao mesmo tempo, mas não podia dizer isso a Dunston. Além de
ser inapropriado, o homem o acreditaria irremediavelmente apaixonado.
—Temo que não tive muitas oportunidades de apreciar sua voz. Ela sempre
foi um pouco calada — Dunston disse, sua expressão estranhamente neutra.
—Isso é só porque não te conhece bem. Ela pode ser tímida à princípio,
mas uma vez que é sua amiga, rapidamente ficará encantado com sua adorável
natureza. Seu engenho é diferente do de qualquer outra mulher. Mencionei sua
risada?
Seu amigo sorriu, seus olhos enrugando-se.
—Sim, o fez. Não se preocupe, Harrison. Estou seguro de que quando nos
conheçamos melhor vou descobrir todas as facetas de sua beleza, igual a você.
Centrando-se no rosto de Dunston, Harrison perguntou bruscamente: —O
que está insinuando?
Seu amigo aumentou os olhos.
—Nada!
—Soou como uma insinuação, claramente.
—A acho bastante bonita, Harrison. Outros a pontuavam como pouco
agraciada, mas eu nunca. Você sabe. Além do que seus novos vestidos fizeram
maravilhas.
Um punho lento, que retorceu seu estômago.
—Esteve olhando seus vestidos?
— É… espera. Está zangado porque a acho comum ou porque não o faço?
—Ela não é comum.
Dunston limpou a garganta várias vezes, obrigando-o a abaixar a cabeça para
que a aba do chapéu lhe ocultasse o rosto e o punho cobrisse sua boca.
—Comum implica que é ordinária. Comum. Essas palavras são o contrário
de Jane.
—Oh, meu Deus — Dunston murmurou. — Harrison…
—Quando a olhar, mantêm os olhos em seu rosto. Não em suas saias. E
certamente não em seu corpete. Nem em suas mãos.
—Em suas mãos?
Harrison colocou a mão no bolso do colete para tirar seu relógio. Haviam se
passado quarenta minutos.
—Devemos voltar para casa.
Dunston começou a protestar, mas Harrison já tinha virado seu cavalo e se
dirigia para casa. Precisava vê-la. Era uma dor dentro dele que não acabava. Fez
o cavalo ir à galope. Logo, a grama debaixo dele passava voando, as árvores
bordeando as colinas eram um borrão, mesmo assim não era suficientemente
rápido.
Entraram no pátio do estábulo a uma velocidade tal que o cavalo deslizou e
chutou forte o chão ao deter-se com brutalidade, elevando a cabeça em protesto.
As respirações agitadas do animal igualavam as do Harrison enquanto
desmontava de um salto e entregava as rédeas a um sardento criado dos
estábulos.
Precisava vê-la. Assegurar-se que estava bem e que seu tempo a sós com
Lady Dunston e Lady Mary não tivesse parecido ser muito incômodo. A
abraçaria se assim tivesse sido, e talvez lhe ofereceria um beijo como distração.
Sentiria suas mãos acariciando seu rosto.
Nem sequer se deteve para limpar as botas, avançando a grandes passos pelo
terraço sul e indo diretamente ao salão dourado. Mas era muito tarde. Ela não
estava ali.
Ela não estava em nenhuma parte. Jane. Sua Jane. Havia ido.
CAPÍTULO 23
"Recentemente me veio à memória que conceder favores raramente beneficia tão plenamente
quem os concede como a quem os recebe." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu filho,
Charles, em referência a contínua má conduta de seu sobrinho em Oxford.

Uma vez mais tinha escolhido um dia de verão terrivelmente quente para
caminhar através dos campos e bosques com uma cesta pesada e volumosa.
—Sou uma maldita parva — murmurou, empurrando para cima seus óculos
quando uma folha lhe pegou no peito. Ela a afastou com impaciência e
continuou em direção à cabana.
A pequena casa de pedra estava assentada felizmente em uma clareira,
rodeada de freixos e carvalhos, suas janelas quadradas lhe dando um ar
acolhedor. Uma vez tinha sido a casa do jardineiro, antes que o pai do Harrison
ordenasse que se construísse uma nova perto do jardim murado no lado oposto
do lago de peixes. Ao que parece, o jardineiro tinha passado muito tempo
atravessando estes bosques espessos e não o suficiente atendendo suas funções.
Secou a testa com o dorso da mão antes de bater na porta de carvalho. No
interior pôde ouvir um choque amortecido, como panelas golpeando o chão, e
logo uma baixa maldição.
—Um momento, Boswell — gritou a voz masculina, em referência ao lacaio
atribuído para entregar os mantimentos e fornecimentos de cada dia.
Dando golpes com o pé, ela esperou.
A porta abriu.
—Não supunha que retornasse até amanhã… Jane!
Ela sorriu a um Colin com olhos muito abertos.
—Estou segura de que verá Boswell em seu tempo adequado. Mas hoje tem
a mim. — Ela levantou a cesta uns centímetros, seus braços ardendo pelo
esforço. — E esta cesta monstruosamente pesada.
Sacudindo a cabeça, ele imediatamente a tirou e lhe fez um gesto para que
entrasse. Felizmente o interior estava muito mais fresco, a sombra das árvores e
a grossura das paredes de pedra uma bênção em pleno verão. Não era nem
grande nem luxuosa, só um chão de tábuas e alguns adornos. Mas os simples
bancos de madeira eram mais cômodos com almofadinhas no respaldo; a mesa
redonda em frente a uma pequena lareira de pedra estava coberta com um
tecido combinando e um vaso com margaridas.
—Temo que não esperava ninguém — ele disse com acanhamento,
colocando a cesta sobre a mesa e passando uma mão pelo cabelo.
Ela contemplou seu escasso traje. Uma singela camisa de linho metida em
umas calças escuras, e encolheu os ombros.
—Não está sem roupa.
Ele riu, o som um pouco oxidado.
—É bom ver-te, Jane.
Sorrindo, ela abriu a cesta para começar a colocar os objetos sobre a mesa.
—E você, Colin. Como se sente?
—Melhor. Uns poucos dias de descanso e minha cabeça já não sente como
se estivesse a ponto de cair dos meus ombros.
—E isto — levantou um pedaço de pão recém-assado — deve acelerar isso.
Monsieur Renaud é um mestre em todas as coisas, mas qualquer coisa assada é
surpreendentemente deliciosa.
Sentaram-se e começaram a comer. Relaxada na companhia de Colin,
acalmou Jane de uma maneira que não podia explicar. O frio que tinha crescido
e esticado contra suas costelas durante os últimos dois dias diminuiu e se
descongelou lhe permitindo respirar novamente.
—Não acreditava, até que encontrou pela quarta vez uma aranha morta em
seu travesseiro, que Vitória suspeitara que era eu quem cometia esses atos vis.
Antes disso, acreditava de pés juntos a terrível história da aranha fantasma que
rondava os cantos mais escuros de Blackmore Hall alimentando-se das crianças
pequenas que acidentalmente pisavam em uma de suas crias.
Segurando os flancos, Jane riu mais forte que em muito tempo, lutando para
recuperar o fôlego.
—Alguma vez te perdoou?
—Oh, eventualmente. Vitória tem gênio, mas há poucas pessoas mais
amorosas nesta Terra.
Deixando de rir e agora sorrindo, Jane assentiu.
—Ela é extraordinária.
Ele baixou os olhos à mesa, seus dedos riscando uma falha debaixo do
tecido.
—Escrevi-lhe uma carta. Não a enviei, por razões óbvias. Mas quero que
saiba quanto lamento o dano que causei a ela e ao seu marido.
A mão de Jane cobriu a dele, a qual se sentia alarmantemente magra e
ossuda.
—O que vai fazer, Colin? Aonde vai daqui?
Apertou-lhe a mão.
—Em uns dias mais vou voltar para Liverpool, e dali zarpo à América.
Enquanto o fitava nos olhos, podia vê-lo duvidar de sua própria
sobrevivência, o azul mais brilhante do que tinha sido, mas ainda escurecido
pelo conhecimento de que o perseguiam.
—E se tivesse os recursos para pagar a dívida?
—Harrison me ofereceu este lugar por um curto tempo. Não posso pedir
mais que isso.
Ela sacudiu a cabeça.
—Tenho uma atribuição. Não são mil libras, mas com o dinheiro da aposta
e meus recursos, possivelmente…
—Não.
—Colin…
—Tomei o suficiente de ti. Maldição, Jane, é muito boa para seu próprio
bem.
Sorrindo, deu em sua mão uma última palmada e em seguida foi procurar na
cesta.
—Talvez tenha razão. Mas não ficarei sem fazer nada e ver-te depois
torturado ou assassinado quando posso fazer algo para evitar. É o irmão da
minha melhor amiga e do meu marido. Isso te converte em meu irmão também.
Ele ficou em silêncio enquanto ela tirava uma bolsinha que Genie lhe havia
dado. Feita de um grupo de cordas e pequenos penachos de plumas, tudo em
rosa, a coisa era horrível, um experimento que Genie se arrependeu pouco
depois de terminá-lo. Mas em seu interior tinha a atribuição de dois meses,
possivelmente o suficiente para salvar a vida de um homem.
Ela o ofereceu.
—Toma. É teu.
—Não quero.
—Não seja tolo. O ridículo é só o pacote.
Colin cruzou os braços sobre o peito.
—Sei, Jane. Não vou pegar seu dinheiro. Isso é definitivo.
Com um ruído surdo ela deixou cair a monstruosidade rosa sobre a mesa.
—Pegará. E ainda mais, me devolverá em uma data futura.
—Oh, seriamente?
—O dobro da soma.
—O dobro?
Ela fez uma careta.
—Muito bem. A soma total, junto com… cinquenta por cento.
—Isso é um roubo.
Jane cruzou os braços imitando sua postura.
—Então, o que é uma devolução justa, Colin Lacey, se sabe tanto?
—Nada. Não vou pegar seu dinheiro.
Empurrando para trás sua cadeira, ela ficou de pé. Ele fez o mesmo.
—Peça a Boswell que traga a cesta quando tiver terminado — ela disse
colocando o chapéu e caminhando para a porta.
Ele agarrou a bolsinha e saiu atrás dela, segurando-a em frente ao seu nariz.
—Leve isso. Não o quero Jane.
Ela se deteve no interior da porta aberta, apoiou uma mão em seu ombro,
elevou-se na ponta dos pés e o beijou na bochecha. Logo lhe bateu no braço.
—Cinquenta por cento. Acredito que é bastante razoável. — E ela o deixou
ali parado, com a bolsinha rosada e uma expressão de consternação enrugando
sua testa.
Sorrindo enquanto empreendia o caminho através dos espessos bosques,
Jane sentiu um resplendor no peito que não se devia ao clima. Suspirou e olhou
para o toldo de folhas, cheirou a terra rica, limosa e amadurecida ao calor do
verão.
Poderia não ser uma grande duquesa, mas era uma boa irmã. Uma boa
amiga. Perto de seis metros antes da beira do bosque ouviu um rangido, como
um pé deslizando-se na capa úmida de folhas sobre o chão ligeiramente
íngreme. Voltou-se esperando ver Colin seguindo-a. Mas não havia ninguém. Só
as árvores e a grama espessa.
Franziu o cenho ajustando os óculos em seu nariz. Entrecerrando os olhos,
procurou um animal. Talvez um pássaro. Sacudiu a cabeça ante sua própria
imaginação.
Jane boba, pensou enquanto reatava o caminho até a beira do bosque. Logo
também acreditará nos contos terríveis da Aranha Fantasma.

~~*

— Onde está, Colin? Se não me disser a verdade, que Deus ajude-me, juro
que se arrependerá.
Colin bateu a mão na mesa.
—Já lhe disse, não sei onde está. Foi-se daqui faz um tempo. Supus que
voltaria para Blackmore Hall.
O coração de Harrison estava se afogando, retorcendo suas vísceras e
pressionando para fora. Ela tinha ido. Desaparecido durante horas.
Quando tinha descoberto o salão vazio tinha procurado em seus refúgios
habituais: as bibliotecas, a sala de música, seu dormitório. Em cada habitação
sucessiva sua urgência foi se incrementando. Beardsley e a senhora Draper
foram de pouca ajuda, mas finalmente tinha pensado em perguntar ao maldito
francês com o qual sua esposa se dava "bastante bem". Ressentidamente, o
cozinheiro tinha lhe informado de seu destino.
Seus olhos se fixaram na cesta no chão, em um canto da pequena cabana.
Ela tinha preparado um piquenique para seu irmão, tinha trazido a miserável
cesta até aqui para compartilhá-la com Colin. Sozinhos. O conhecimento era um
nó ardendo dentro dele, retorcendo seus pensamentos racionais dentro de uma
prensa, apoderando-se deles. Sabia que devia contê-lo. Ela estava desaparecida.
E tinha que encontrá-la. Isso era tudo o que importava.
—Para aonde se dirigia quando saiu daqui?
Colin soltou um suspiro e passou uma mão pelo cabelo.
—Ao caminho principal do bosque.
—E não a acompanhou?
—Pediu-me que não abandonasse a cabana. Não lhe pedi que me visitasse,
Harrison. Ela simplesmente... chegou.
O conhecimento não fez nada para aliviá-lo. Em todo caso, fez com que a
dor em seu estômago piorasse. Baixou o olhar à mesa, onde os punhos de Colin
rodeavam um estranho monte de fitas e plumas rosas.
—O que é isso?
Colin ficou rígido. Elevou o queixo.
—Não o quero. Disse o mesmo a ela.
Harrison o recolheu. Era alguma classe de bolsa, um saco. No interior
encontrou a resposta porque ela tinha ido ali em primeiro lugar. Sua voz fez-se
mais fria, mais deliberada.
—São quase seiscentas libras.
—Sim. Sou consciente disso. Ela quer a devolução com cinquenta por
cento. Me faria um favor ao devolver-lhe. Como afirmei, não vou pegar seu
dinheiro, nem vou aceitar seus termos extravagantes. Cinquenta por cento.
Absurdo!
O sangue gelou em suas veias, engrossando-as, o coração acelerando seus
batimentos do coração. Harrison sacudiu a cabeça e deixou cair a bolsinha.
—A pistola que te dei. Traga-me agora.
—Crê que sou estúpido?
—Colin — disse com os dentes apertados dirigindo ao seu irmão um olhar
assassino. — Temos que encontrá-la. Agora.
Colin tragou saliva, seu rosto tomando um tom cinzento.
—Crê que está em perigo.
—Ela não teria desaparecido por tanto tempo. Se alguém descobriu que
estava aqui, e estava alerta aos visitantes...
Seu irmão levou só um momento para pegar a pistola e entregar-lhe.
—Tenha cuidado. Está carregada — Colin advertiu dando uma escopeta de
caça a Harrison.
Harrison assentiu, sentindo um pouco de náuseas quando pegou a pistola.
Não tinha apertado um gatilho desde o dia em que tinha disparado em Gregory
Wyatt no coração. A lembrança era menos que agradável. Mas se alguém havia
levado Jane tinha-lhe feito mal de algum jeito, com muito prazer o atravessaria
com uma bala.
Primeiro procuraram pelo perímetro da cabana, tratando de encontrar sinais
de que homens poderiam ter estado à espreita. Não encontraram nada, nem
rastros, nem alguma alteração na folhagem. Continuando, dirigiram-se ao
caminho do bosque, voltando sobre os passos de Jane. Podia ver claramente as
pequenas fendas de seus pés no chão úmido. Atrás, Colin sussurrou: —Ela veio
até aqui.
Harrison assentiu e lhe fez um gesto de que seguissem adiante, dando uma
olhada no bosque circundante em busca de movimento. Avançando lenta e
deliberadamente, passou por cima de uma raiz proeminente, seu olhar indo
constantemente do caminho à espessa folhagem em ambos os lados. Seu
coração palpitante exigia que apressasse o passo; queria que corresse, que
lutasse, que exercesse violência. Sua cabeça sabia que seria o pior tipo de
imprudência. Sua cabeça ganhou a batalha por uma mínima margem, mas a cada
segundo que passava essa margem se estreitava.
Indicou a Colin que parassem. A menos de seis metros antes que o caminho
aparecesse à beira do bosque, seus rastros terminavam. Seu estômago revolveu-
se ameaçadoramente, sua pele congelou até arrepiar-se. Outro conjunto de
rastros, mais profundos, maiores, introduzia-se no caminho, e logo desaparecia
entre a relva coberta de folhas.
Alguém a tinha levado. A sua esposa. A sua Jane.
Não era um homem violento por natureza. Matar Gregory Wyatt havia sido
um acidente e um dos momentos mais terríveis de sua vida. Sem dúvida, a parte
dele que Jane tocou sem sequer tentar, a parte que ocultava de todos, salvo a ela,
aquela parte queria sangue. O sangue do pérfido filho de uma cadela cujos
rastros o destinavam a morrer.

~~*
A luz do crepúsculo se filtrava pelas janelas da casa fazendo com que o
empoeirado interior resplandecesse com um vívido dourado. Em todas as partes
onde Jane olhava havia tecidos de uma cor brilhante: uma cortina amarela
emoldurando as janelas, flores verde-maçã no velho sofá, sarja de pontos
vermelhos e renda branca na toalha de mesa. Deu um olhar esquivo à suja
doninha que tinha pressionado uma pistola em seu pescoço e a obrigado a vir
ali. Era magro e feio, seu rosto curiosamente chato, seus olhos furtivos e
pálidos. Estava parado junto à janela empurrando de um lado a cortina com o
extremo de sua pistola. A luz dourada se refletia em seus olhos tornando-os de
um misterioso verde pálido.
—Sua esposa sabe o que está fazendo?
Sem voltar-se, ele respondeu: —Não tenho esposa. Agora digo-lhe: feche a
boca.
—Oh, só estava admirando as muitas cores bonitas deste lugar.
Olhou-a por cima do ombro, onde estava sentada, as mãos cruzadas sobre o
colo. Não tinha se movido da cadeira desde que ele a tinha empurrado ao entrar
na casa.
—A casa pertenceu a minha mãe — disse.
—Onde está ela, sua mãe?
Virando de novo para a janela, murmurou: —Morta.
—Ah! Portanto esta é sua casa. Você se criou aqui.
Ele grunhiu. Ela tomou como um sim.
—Então conhece o duque de Blackmore.
—Um maldito nobre. Conheço-o.
—Você pode estar interessado em saber que ele é meu marido.
Lhe lançou um olhar duvidoso.
—Claro.
—De verdade. Eu sou a duquesa de Blackmore.
Soprando com desdém, trocou sua arma de uma mão à outra, usando a
direita para limpar a boca. Jane tinha se dado conta que tinha uma tendência a
cuspir quando falava.
—Você não parece com nenhuma duquesa.
Era estranho escutar seus próprios pensamentos repetindo-se na boca
daquela horrível criatura. Estranho e irritante.
—De qualquer maneira sou uma duquesa. E como tal, possivelmente posso
lhe fazer uma oferta melhor do que a que previamente aceitou.
—Oferta?
—Sim. O que lhe pagaram por seus… serviços, pago-lhe o dobro.
—Não me pagaram por isso. Só as primeiras cinco libras para vigiar o irmão
do nobre. O londrino já sabe. Os homens chegarão em três dias. Quando virem
o que tenho vão me pagar mais.
Tragando saliva ante o conhecimento de que os caçadores de Colin
chegariam em poucos dias, continuou com seu intento de distrair o seu captor.
—E o que é que supõe que tem?
—A amante do Lacey. Vi-os quando deixaram a cabana. Se o londrino
quiser Lacey sem problemas vai necessitar de alguém como você. Pagará um
montão por isso também.
Ela franziu o cenho.
—Não sou a amante de ninguém.
—Sei o que vi. Lacey gosta de roliças, acredito. Eu não gosto muito das
carnudas.
—Você é um homem grosseiro. O que diria sua pobre mãe a respeito de seu
atroz comportamento?
O homem deu vários passos em sua direção, sua postura ameaçadora. Ela se
jogou para trás em sua cadeira.
—Você tem uma boca que deve fechar. Melhor se calar antes que eu me
encarregue de fazê-lo por você. — Foi de novo para a janela, suas botas
ressoando no silêncio. — Minha mãe está morta. Antes disso, não podia sequer
levantar-se da cama sem mim, gemendo e gritando todo maldito dia e maldita
noite. Suficiente para deixar louco um homem. O disse. Sim, o disse mil vezes.
— Seu punho golpeou o batente da janela com uma força surpreendente,
fazendo Jane recuar em seu assento. —Tinha que morrer — murmurou. — Tive
que fazê-lo.
Ao o ouvir dizer essas palavras, Jane sentiu como se tivesse estado parada na
superfície da água congelada, polida e sólida sob seus pés só para romper-se o
gelo debaixo dela, afundando seu corpo na escuridão fria e profunda. Seus
dedos se intumesceram; seu coração se desacelerou e bateu a um ritmo
incômodo; a luz ao seu redor passou de dourado a cinza.
Mas não podia permitir que seu horror se mostrasse. Não podia permitir que
a impedisse de pensar, de encontrar uma saída. Harrison viria por ela. Ela tinha
poucas dúvidas disso. Podia não ser a duquesa que queria, mas era sua esposa.
Ele não acharia seu desaparecimento habitual. Mas a encontraria? E teria que
fazê-lo antes que...
Ela estremeceu. Melhor pensar num plano de escape caso não a encontrasse.
Soltando um suspiro trêmulo, olhou ao redor da habitação. Era uma
pequena casa de campo situada longe do povoado, de qualquer outra casa. De
qualquer um que pudesse escutar seus gritos, ou inclusive o disparo de uma
arma de fogo. Tinham demorado mais de uma hora para chegar até ali, com a
Doninha puxando seu braço, de vez em quando cravando a pistola em sua caixa
torácica.
Por fora era uma casa normal, com estrutura de madeira, mas em seu
interior era surpreendentemente acolhedora, alegre. Sua mãe deve ter amado os
tecidos, já que estavam por toda parte. Talvez tivesse sido costureira. Em um
canto Jane viu uma pequena estante. Lhe ocorreu uma ideia.
—Moço… poderia tirar um livro dali?
Lhe dirigiu um olhar cruel por cima do ombro.
—A manterá calada?
Ela assentiu. Ele indicou com a pistola.
—Faça-o rápido.
Com pernas trêmulas, levantou-se; fez uma pausa para permitir o retorno do
sangue aos seus pés antes de dirigir-se cuidadosamente ao canto dos fundos da
habitação. Ali selecionou o mais pesado do pequeno sortimento, uma grossa
Bíblia encadernada em couro. Deve ter sido preciosa para sua mãe, já que se via
bastante usada, mas também bem cuidada e bastante cara.
—Volte a sentar-se — ele disse cortante.
Girou para vê-lo apontando a arma para ela. Tragando saliva, Jane obedeceu,
afundando-se de novo na cadeira, abrindo o livro e fingindo ler. Lentamente, a
luz começou a desvanecer-se ao cair da noite. A Doninha acendeu uma luz,
assim ela foi capaz de continuar com sua pretendida leitura, mas a escuridão de
fora parecia pô-lo mais nervoso. Agora passeava entre as duas janelas dianteiras.
Daqui para lá. De lá para cá.
À medida que a lua se elevava mais alto os ecos de suas botas sobre as
tábuas do chão rivalizavam com o canto das rãs e dos grilos, com o vento
suspirando através de ramos frondosos. Por sobre os batimentos do seu coração
ela tratou de consolar-se com aqueles sons familiares. Tratou de idealizar um
plano que a ajudasse a escapar daquele horrível homem que tinha apressado
claramente a morte de sua mãe ou a tinha assassinado diretamente. Era só de
estatura mediana e fibroso em lugar de grande, mas sabia que não podia igualar
sua força, portanto devia atacá-lo de surpresa. Talvez com o tempo ele se
cansasse e baixasse a guarda. Mas seu ritmo ansioso não havia diminuído com o
pôr do sol.
De repente ficou rígido, girando de lado ao longo da parede que flanqueava
a janela. Agora seu corpo se esticara como um gato de celeiro sujo e asqueroso a
ponto de saltar sobre um roedor desafortunado. Voltou-se para olhar Jane com
olhos entrecerrados e brilhantes.
—É o maldito duque — chiou.
Oh, Deus. Harrison está aqui.
Ao mesmo tempo, uma cálida onda de alívio inundou seu corpo, enquanto
uma pedra se endurecia em seu peito. Observou com crescente horror como a
Doninha se aproximava da porta, abria-a lentamente até deixar uma fresta, e
apontava com sua pistola. Os sons da noite silenciaram e diminuíram, a pedra
em seu peito aumentando até que seus pulmões se esticaram pela intrusão, seus
membros pesados como chumbo.
O estalo da pistola ao ser engatilhada foi como um fogo de canhão em seus
ouvidos. Foi o sinal para que seu corpo se movesse e saltasse.
Agarrou a Bíblia com ambas as mãos, o peso levantado por sua fúria.
Aproximou-se dele.
Elevou o livro por cima de sua própria cabeça.
E esmagou a dele com um golpe poderoso.
Ele não caiu. Em troca cobriu a cabeça, amaldiçoando-a sonoramente. Mas
ela pouco podia ouvi-lo por cima dos gritos. Quem estava gritando?
—Maldito filho de uma cadela! Atreveu-se a apontar uma pistola ao meu
marido, horrível montão de esterco?! Te matarei!
Golpeou-o com o livro uma e outra vez, esmurrando sua cabeça, braços e
ombros. Finalmente o golpeou no punho e a pistola caiu no chão. Um forte
rangido ressoou no ar. Logo o infame soltou um grito dilacerador quando
flexionou sua perna lesada. Com um grunhido inesperadamente ele impactou
seu ventre com o punho.
O fôlego lhe escapou em um assobio, a dor fazendo-a cair para trás,
chocando-se com a borda da mesa. Nesse momento, a porta se abriu com um
estrépito.
E ali, com a luz prateada da lua por trás dele, enchendo o marco da porta
como um deus vingador, estava Harrison. Seu Harrison. Esta noite ele não era
Apolo. Era Hades. Sombrio, sinistro e possessivo do que considerava dele.
Aproximou-se da Doninha. Com toda calma pressionou o canhão da pistola
na testa do homem e engatilhou a arma com um estalo. Foi então que ela soube.
Realmente ia fazê-lo. Ia matá-lo. Seus formosos olhos eram puro fogo azul.
—Harrison — disse com suavidade, ainda recuperando o fôlego. Com passo
vacilante, estendendo uma mão, tratou de chegar a ele. — Harrison não o faça,
por favor.
Não podia suportar que ele vivesse com a culpa de ter matado alguém a
sangue frio. Embora a Doninha bem que merecia. Embora ela gostaria de
apertar o gatilho. Aproximou-se de seu marido lentamente, sua mão acariciando
brandamente a parte superior do seu braço. Os finos tremores dos músculos
falavam de seu controle.
—Ele deve morrer, Jane.
A declaração dita com tanta calma provocou-lhe calafrios.
—Não.
—Deve morrer por te tocar. Por te raptar.
Ela sacudiu a cabeça, embora Harrison não a olhasse. Ele só olhava
fixamente, sem pestanejar, aos olhos do homem ofegante, suarento, ajoelhado
no chão em frente a ele.
—Não por sua mão, meu amor. Não por sua mão. — Ela pôs um beijo em
seu braço, apegando-se a ele, compartilhando seu calor. — Ele não vale o preço.
Ao longe ouviu o estrondo de cascos contra o chão, homens gritando um ao
outro. A arma do Harrison não se moveu, pressionada contra a pele da Doninha
com força dolorosa, obrigando a cabeça do outro homem incliná-la para trás.
Sabiamente a Doninha se manteve em silêncio.
Colin apareceu na porta aberta. Imediatamente percebeu a cena.
—Já chegamos, irmão — disse com suavidade. — Tudo está bem.
Mesmo assim Harrison não a retirou. Nem um centímetro.
Colin a olhou.
—Jane, está bem?
Jane assentiu e envolveu seus braços com mais força ao redor do braço de
Harrison, esfregando a bochecha contra a malha fina do casaco.
Dunston entrou, um comprido fuzil de caça em suas mãos.
—Trouxemos o magistrado, Harrison. Por que não deixa que nos
encarreguemos deste desventurado rufião enquanto você consola sua
encantadora esposa?
Por fim a razão pareceu penetrar na cabeça do Harrison. Tomou uma
respiração profunda, tremente, afrouxando a pressão do canhão contra o crânio
da Doninha. Lentamente, a contragosto, soltou o percussor e deixou cair o
braço ao flanco. Colin e Dunston se moveram para arrastar a Doninha pelos
braços e o fizeram sentar-se, açoitando-o contra a cadeira que Jane tinha
deixado livre. Vários corpulentos lacaios entraram junto com um cavalheiro com
grandes costeletas que era só um pouco mais alto que Jane e o dobro de sua
largura.
Inclinou-se para Jane quando entrou na casa (agora muito concorrida).
—Sua Graça. Sou Francis White, o magistrado.
Ela inclinou a cabeça.
—Senhor White.
—Uma aberração o que aconteceu. Farei o que puder para arrumar as
coisas.
O senhor White tinha olhos amáveis e um ar suave. E embora a cabeça
desse voltas, Jane conseguiu dizer: —Ob… obrigada, senhor White. Estou
segura de que o fará.
Ele se voltou para a Doninha com um olhar ardiloso.
—O que temos aqui, senhores? Ora! Oswald Hodges. — Ele estalou a
língua, aproximou-se do homem, e se inclinou para frente com as mãos apoiadas
nos joelhos. — Estive esperando sua volta. Pensou que nunca suspeitaríamos o
que aconteceu com sua pobre mãe, não é? Bem, melhor pensar outra vez. Seu
amigo Barker nos disse onde a enterrou. E lhe pendurarão por isso.
Agarrando-se mais ao braço de Harrison, Jane fechou os olhos e tragou
saliva ao sentir uma onda de vertigem. Entregando sua arma a um lacaio, seu
marido se voltou para parar diante dela e dos outros, elevando os braços e
estreitando-a contra ele. Derretendo-se com sua proximidade, ela suspirou e
apoiou a bochecha contra seu peito. Não usava lenço. Nem colete. Só uma
camisa debaixo do casaco de montar. Não havia nenhum pingo de goma. Nada
que lhe impedisse escutar o batimento de seu coração, constante e forte. Ela
enterrou o nariz contra ele sentindo suas mãos lhe explorando as costas, o
pescoço e os lados de seu rosto.
— Acabou — ele sussurrou, seu fôlego quente agitando as finas mechas de
cabelo em sua têmpora.
—Sabia que viria.
Sua boca encontrou a dela em um beijo leve como uma pluma.
—Nunca volte a me deixar. — A ordem foi sem ar, como se ele não
quisesse dizê-lo em voz alta.
Ela acariciou seu amado rosto com a mão, sentindo a barba incipiente de sua
mandíbula. Respondeu beijando sua boca que descia.
Uma garganta que se limpava os interrompeu.
—Desculpe, Harrison— disse Dunston. — O magistrado gostaria de sua
permissão para empregar alguns de seus lacaios para levar Hodges ao cárcere.
Harrison assentiu.
—Leve a quem necessitar, senhor White.
Dois dos lacaios maiores recolheram o sangrento e pálido Hodges, que
agora estava preso nos pés e mãos, e o arrastaram para o jardim dianteiro. O juiz
tirou o chapéu, lhes assegurando que informaria todo o progresso diretamente
ao duque, e logo seguiu seu prisioneiro.
Jane, notando Colin apoiando-se na mesa com a qual tinha se chocado
antes, sentiu uma súbita urgência de novo.
—Colin — disse. Ele elevou a cabeça. — Virão por ti.
Ele piscou, dando sem querer dois passos para ela.
—Quando?
—Em três dias. Ele disse que chegariam em três dias.
—Então vamos estar esperando. — As palavras sedosas, geladas, não
vieram de Colin, mas sim do homem parado firmemente às suas costas.
Harrison.
—Não — Colin disse movendo a cabeça.
—Devemos enviar uma mensagem — Harrison insistiu. — Se ele ameaçar a
minha família pagará um preço muito alto.
—Esses homens não são nada para ele — Colin respondeu. — Substituíveis.
Não. Irei embora e farei com que me sigam. Enquanto estiverem me
perseguindo não haverá nenhum perigo para vocês.
Jane sentiu a rejeição de Harrison ante as palavras do Colin. Seus músculos
endureceram-se como aço.
—Ao diabo — grunhiu.
—Escute-me. Ele nunca se deterá. Agora sei. Não posso correr o risco de
que outra pessoa saia ferida. Você. Ou Jane.
—Não se oferecerá de isca desta maneira.
Colin dirigiu ao seu irmão um sorriso que partiu o coração.
—É o que você faria.
—Oh!, Colin — ela sussurrou.
— Te darei os recursos — Harrison disse. — O dobro da dívida, assim não
poderá resistir.
O moço de rosto doce que se converteu em um homem cansado, açoitado,
começou a protestar, mas Harrison não quis saber de nada.
—Isto é definitivo, Colin. Nos ocuparemos dos homens que virão aqui. E
você levará o reembolso ao homem que os enviou.
Depois de trocar duros olhares, que foi como uma eternidade para Jane, o
irmão de seu marido, agora também irmão dela, assim como seu amigo, cedeu à
oferta de Harrison.
—Muito bem — disse estendendo a mão.
Harrison olhou o oferecimento. Então fez algo que ela não esperava. Saindo
de trás dela, atraiu Colin em um forte abraço.
—Cuide-se — disse com voz quebrada, sua mão golpeando as costas de
Colin. — E volte para nós.
Colin fechou os olhos e também abraçou o seu irmão.
—Voltarei.
CAPÍTULO 24
"Todo homem tem seus momentos de loucura. Só uma parva acreditaria o contrário." - A
Marquesa Viúva de Wallingham ao seu filho Charles ao ouvir a rejeição de uma viúva às
suas desculpas por acreditar em escandalosos e inexatos rumores.

Duas semanas depois que Colin deixou Blackmore Hall em direção à


Londres, a família de Jane chegou com não pouca agitação. Lorde e Lady Berne,
Maureen, Genie e Kate, todos invadiram sua casa com suas brincadeiras, suas
brigas e seus muitos abraços. E por vinculação também Lady Wallingham.
Para falar a verdade, Jane nunca os havia necessitado mais.
—Jane, o que te acontece? Esta é a quarta vez que se crava o dedo com a
agulha. Neste ritmo o bordado ficará totalmente vermelho.
Jane olhou Maureen, levando o dedo livre à boca.
—Não é nada, na realidade.
—Oh, vamos — sua mãe disse. — Todos o vimos, querida.
—Sério?
Todas as mulheres reunidas no salão rosa a olharam com simpatia. Inclusive
Genie assentiu.
—Eu também estaria de mau humor se fosse a anfitriã dessas mulheres.
—Lady Dunston é desagradável e eu não gosto da forma como Lady Mary
fala com você, mas acredito que Cornelius é encantador. Realmente é muito
inteligente, uma vez que passa um pouco de tempo com ele — disse Kate,
elevando seu pequeno e redondo queixo.
Genie elevou os olhos.
—É um cão, boba.
—É uma ameaça — Lady Wallingham interveio. — Uma criatura torpe e
pulguenta com uma escassa utilidade fora defecar em um chão em perfeito
estado.
Kate adquiriu uma expressão rebelde.
—Acredito que é adorável.
—Kate — disse sua mãe. — Vem, sente-se aqui e me diga qual cor usar.
Jane deixou que o bate-papo reconfortante flutuasse e fluísse ao seu redor,
aliviando a melancolia que a tinha apanhado em um punho de ferro. Esta
dolorosa sensação de perda não era causada por fazer-se de anfitriã de Lady
Mary ou da sua desagradável mãe. Nem sequer era devido a partida de Colin em
uma missão perigosa de verdade.
Era ele. Harrison. Ele estava diferente. O Rei do Gelo tinha ressurgido
substituindo o homem que amava, como se nunca tivesse existido.
Na noite de seu sequestro tinham retornado à Blackmore Hall, lenta e
deliberadamente Harrison a tinha despojado de cada peça de roupa. Havia
examinado cada centímetro de sua pele, beijado, acariciado e examinado cada
machucado, cada parte dela, como se quisesse gravá-la em sua memória. Em
seguida tinham feito amor até que ela sentiu que sua alma se fundia e se elevava
com a dele.
À manhã seguinte tudo tinha mudado. Despertou sozinha. Depois de
banhar-se e vestir-se tinha entrado no salão do café da manhã vendo-o sentado
no extremo da mesa tão bonito que lhe doía. Tinha estado conversando com
Lady Mary, que estava sentada à sua direita. Apesar da saudação à Jane bastante
educada, sua expressão estava fechada, sua maneira formal. Ela tinha assumido
que era devido aos convidados. Certamente mais tarde, quando estivessem
sozinhos, seria diferente. Ele viria ao seu dormitório, o sentiria dentro dela outra
vez, lhe permitiria amá-lo outra vez. Seria o homem que tinha sido na noite
anterior.
Mas não. Ficou adormecida esperando-o. Na noite seguinte, decidida a
restabelecer a proximidade, querendo sentir seus braços rodeando-a de novo,
tinha entrado em sua antecâmara, um reflexo da sua, porém mais masculina, pela
porta contigua. Ele tinha se virado surpreso. Seu valete se detendo a meio
caminho de ajudá-lo a tirar o casaco.
—Dê-nos um momento, Fillmore — ele tinha dito.
Um momento? Tinha pensado. Não é tempo suficiente.
Mas o valete se foi, e ela se aproximou de seu marido, que tinha se esticado
como se houvesse suspenso uma espada e apontado ao seu ventre. Jane tinha
parado a um braço de distância.
—Harrison, pensei... pensei que talvez quisesse se unir a mim. Sinto
saudades…
Ele havia se voltado para o espelho, manobrando seu lenço.
—Vou dormir aqui, estou um pouco cansado.
—Poderíamos dormir juntos, como fizemos antes.
—Não — lhe disse de forma cortante. — Não essa noite.
Retrocedendo ante a crua rejeição, ante a frieza de sua voz, ela havia tragado
saliva.
—O que aconteceu? Está zangado comigo?
Com as sobrancelhas arqueadas havia se voltado para ela brevemente antes
de retirar cuidadosamente o lenço com movimentos suaves.
—De forma alguma.
—Então, não… não entendo.
—Estamos casados, Jane, não atados. Há pouca necessidade de agarrar-se
um ao outro.
Doída, ela tinha estremecido.
—Não me dei conta que me percebia como te agarrando…
—Temos convidados agora. Deveria demandar suas energias em fazer sua
estadia prazerosa. Como anfitriã, necessitará de descanso.
Sem saber o que fazer, retirou-se à sua habitação. Sozinha.
Ele ainda não tinha retornado à sua cama. Em quinze dias não a tinha
beijado nem falado com ela mais que os cumprimentos ocasionais. De fato, a
tratava como uma hóspede. Suas interações eram cordiais, mas formais e isso era
quando sequer se incomodava em interagir com ela. Durante os dias ele passava
longas horas montando com Dunston ou reunindo-se com o magistrado para
receber notícias do Hodges e dos outros homens, os quais tinham sido
capturados e devolvidos a Londres.
De sua parte, ela passava os dias organizando entretenimentos para a hostil e
ingrata Lady Mary e para sua mãe igualmente desagradável. Cartas, jogos,
música, piqueniques, passeios e caminhadas pela linda paisagem, nada disso
parecia satisfazer as damas, que em troca encontravam frequentemente suas
próprias diversões longe dela. Agradecia essa pausa, mas igualmente sentia
intensamente seu fracasso como anfitriã. Uma melhor duquesa saberia como
suavizar as rugas deste particular cilindro de tecido social.
Perguntou-se se este não era o motivo da retirada do Harrison. Já havia
descartado as outras possíveis causas em sua mente: sua preocupação pelo
Colin, ou por assuntos do imóvel ou pelas responsabilidades de ser anfitrião ou
pelas reuniões com o magistrado. Nada daquilo tinha sentido. Mas se ele estava
começando a dar-se conta plenamente de suas deficiências, e como poderiam
afetar sua posição com seus amigos e com o restante do beau monde, poderia
explicar a repentina aparição da frieza em seu matrimônio.
—Querida, talvez devesse esperar para fazer a costura até que esteja em
melhores condições para se concentrar em sua tarefa.
Jane levantou a vista para o rosto preocupado de sua mãe e logo baixou o
olhar às gotas de sangue que salpicavam seus botões de rosa. Suspirando,
colocou a agulha no lenço de linho e o dobrou cuidadosamente.
—Sim. Mais tarde, possivelmente — disse com indiferença.
Passos no corredor atraíram sua atenção para as portas abertas. Lorde
Dunston e seu pai entraram ruborizados e excitados depois da cavalgada.
—Encantado de vê-las, senhoras — Dunston disse com seu encantador
sorriso dirigido à Maureen, que gaguejou e ruborizou.
—Que me crucifiquem se este não é o melhor verão que vimos em muito
tempo — seu pai disse avançando para sentar-se ao lado de sua mãe. Inclinou-se
para beijá-la na bochecha, que prontamente apresentou para ele . — Muito
melhor que no ano passado. As colheitas ainda não se recuperaram.
—Precisamente, por isso, terá que planejar tais eventualidades com
antecipação. — O som da voz de seu marido a fez virar rápido a cabeça,
extraindo ar de seus pulmões. Estava magnífico no dia de hoje, seu casaco de
montar azul escuro, seu cabelo uma coroa de ouro, sua mandíbula uma linha
limpa e nítida como o de uma espada. Quanto o desejava, quanto desejava a
força de seus braços ao redor dela, o rompimento de sua voz quando
pronunciava seu nome. Sentia sua falta tanto como sentiria falta de seu próprio
coração se o tirassem do seu corpo.
Agora seus olhos vazios e frios encontraram os dela brevemente antes de
seguir seu caminho deliberadamente. Entrou na habitação com as mãos
entrelaçadas na parte baixa das costas.
—Diminui-se mais um desastre com preparação e disciplina — continuou
soando como o duque que recordava de antes das bodas.
As vozes ao seu redor se fizeram mais fracas enquanto os cavalheiros
postulavam teorias sobre a adequada gestão agrícola. Ela baixou o olhar ao seu
colo, onde o vermelho se filtrava de seu dedo absorvendo-se no tecido branco.
—As terras Blackmore são sem dúvida uma prova de sua direção magistral,
Sua Graça — ouviu a voz não desejada da recém-chegada Lady Mary seguida
pela agitada presença do torpe e castanho Cornelius. O cachorrinho entrou na
habitação com as orelhas e língua penduradas, os olhos cansados, mas brilhantes
de emoção. Dirigiu-se diretamente para Lady Wallingham, para grande pesar da
viúva. Jane observou a cena, já que era preferível do que ver Mary, rainha das
doçuras, adular e paquerar seu marido.
A estratégia inicial do dragão foi ignorar o cachorrinho, soprando com
desdém ante suas palhaçadas enquanto ele rodava sobre as costas apresentando
seu ventre redondo para sua inspeção e possível afeto. Mas Cornelius não se
dissuadia facilmente, e começou farejar o chão ao redor da saia ametista de Lady
Wallingham, uma de suas orelhas comicamente dobrada de dentro para fora por
cima de sua cabeça.
—É uma criatura ridícula — declarou. O cachorrinho se sentou e a olhou
com nostalgia. Os agudos olhos verdes da viúva se encontraram com os do cão,
franzindo o cenho com desaprovação.
—Suas orelhas são muito grandes. Suas pernas são muito curtas. Não é mais
que rugas soltas e pulgas.
Não parecia que os insultos perturbavam o cão, que levantou seu focinho e
uivou com tristeza.
—Oh, cale-se desgraçada criatura — Lady Wallingham ordenou. O cão
soltou outro uivo e a viúva, muito no limite de sua paciência, soltou um chiado
de irritação, levantou-se da cadeira e saiu da habitação indignada. Inicialmente
confuso, Cornelius logo a seguiu, seu nariz trabalhando duro seguindo a pista do
dragão.
—Vá peste castanha enrugada. Minhas saias não são nem um osso nem uma
privada. Se os tratá-los como tal não serei responsável por... — a voz
resmungona da anciã se desvaneceu enquanto abria caminho pelo corredor com
Cornelius na retaguarda.
Quase contra sua vontade Jane foi atraída de novo para Harrison. Ele estava
escutando, sorrindo fracamente do que Mary estava dizendo. De repente seu
olhar se chocou com o dela, detendo sua respiração. Seu coração se retorceu de
um modo lacerante, uma dor assentando-se em seu ventre. Ele apertou os
lábios, suas narinas se dilataram ligeiramente. Logo, com a precisão de um corte
de alicate, afastou os olhos de Jane para pousá-los de novo na mulher ao seu
lado.
A mulher com quem deveria ter casado.
De repente Jane sentiu o peso de sua dor como uma ferida aberta no peito.
Não podia ser a esposa que ele necessitava. A esposa que merecia. E agora deu-
se conta disso,obviamente.
Piscando rapidamente, tratou de deter os soluços que ameaçavam emergir.
Mas vinham. E ela devia partir.

~~*

— …e disse à senhorita Spencer que seu vestido era lindo, mas ela não
acreditou! Talvez da próxima vez que me pedir que visite as lojas com ela,
simplesmente me negarei.
A voz de Lady Mary parecia com o zumbido irritante de um mosquito no
ouvido. Importava-lhe um nada o que dizia. Jane tinha ido embora. Sua esposa
havia ficado branca, seus lábios perdendo toda a cor, logo havia tremido a boca
e saído da habitação depressa. Queria gritar e segui-la como aquele cachorrinho
tolo.
—Harrison.
Não sabia quanto tempo mais poderia suportar ficar longe dela.
—Está me escutando?
Sentia-se doente de desejo. Tinha um nó no estômago, o peito esmigalhado
por uma dor implacável, cansativa. Realmente, era como uma enfermidade
exótica. Uma das que tinha que recuperar-se, ou do contrário a padeceria para
sempre.
—Harrison…
—Perdoe-me, Lady Mary. Devo falar com Dunston.
Ignorando seu ofego ofendido, levantou-se e se uniu a Dunston e Lorde
Berne, que conversavam perto da entrada. Respondeu às suas saudações com
uma inclinação de cabeça, mas seus olhos eram atraídos ao corredor, esticando o
pescoço para vislumbrar aonde ela tinha ido.
—Filho, tem um grande cavalo em seu estábulo. Não é de estranhar que
Wallingham fosse tentado a desprender-se de um dos potros do Remington. —
Lorde Berne lhe bateu no ombro atraindo sua atenção. Quando encontrou com
aqueles olhos cor de avelã viu algo que não gostou. Conhecimento. E
compaixão.
— Com certeza Ulisses é tão rápido como qualquer campeão de Ascot —
Dunston acrescentou. — Incompreensível porque nunca o pôs na prova. —
Lorde Berne seguiu sustentando seu olhar com a mão firmemente plantada em
seu ombro.
— Prefere manter alguns cavalos à mão, não é, filho? Tudo teu. De ninguém
mais.
Harrison se esforçou para controlar a respiração. Não era possível que Berne
entendesse. Ninguém podia entender. Queria livrar-se daquela mão paternal e
empurrá-lo. Queria encontrar Jane, tomá-la e fazê-la sua de novo.
—Isso é irracional – disse, contente que sua voz soara firme. — O
sentimentalismo não deveria ter nenhum papel neste tipo de decisões.
Lorde Berne sorriu, seus olhos assumindo um brilho familiar. Jane tinha,
amiúde, essa mesma expressão quando estava zombando-o por ser muito duro.
—Tolices. O sentimento é simplesmente um reflexo de nossa devoção mais
autêntica. Podemos tentar controlá-lo, civilizá-lo. Talvez dissimulá-lo, inclusive
para nós mesmos. Mas não é uma criatura muito mansa.
— É… ainda estão falando do Ulisses? — Dunston perguntou. — Temo
que me perdi em alguma parte.
Lorde Berne deu uma piscada a Harrison e afastou a mão de seu ombro.
—Agora vamos. Devo me recostar um momento. Tudo nesta cavalgada me
esgotou. Verei se talvez Lady Berne necessite de um descanso também.
Enquanto seu sogro se encaminhava para onde estava sentada Lady Berne
fazendo seu bordado e conversando com suas filhas, Dunston olhou Harrison
com receio.
—O que foi tudo isso?
—Nada.
—Parecia algo.
Apertou tanto os dentes que lhe doeu a mandíbula.
—Não é importante.
—Mmm. A duquesa está um pouco pálida ultimamente.
Não respondeu. Ela estava pálida, sabia. Seu rosto tinha emagrecido
também. Não gostava.
—Talvez devesse procurá-la e lhe perguntar se precisa recostar-se também.
— Dunston — grunhiu.
—Uma mera sugestão.
Lorde e Lady Berne fizeram uma pausa quando se dirigiam à porta. Lady
Berne tomou as mãos de Harrison, as agarrando com firmeza.
—Querido moço — ela disse com carinho.
Harrison não sabia como responder. Ela tinha estado fazendo estas coisas
desde sua chegada ontem, abraçando-o, beijando sua bochecha, lhe dizendo o
quão orgulhosa teria estado sua mãe. Supunha-se que devia lhe agradecer? Os
gestos eram estranhos e desconcertantes para ele. Nem sequer sua própria mãe
havia se comportado tão... maternalmente.
Finalmente se decidiu por: —É bom tê-la aqui, Lady Berne.
Lhe sorriu, seus olhos muito parecidos com os de Jane, escuros, intensos e
vivos.
—Estou de acordo. — Com essa resposta crítica deu-lhe um último apertão
e acompanhou seu marido ao corredor.
Não voltou a ver Jane até horas depois, no jantar. Entrou no salão (atrasada,
é óbvio) usando um vestido delicioso de seda verde esmeralda. O corpete
abraçava amorosamente seus seios, abrangendo-os desde baixo para revelar sua
pele leitosa. As mangas chegavam até os cotovelos, e usava um xale de tecido
solto sobre os braços.
Seu vestido era perfeito. Mas era evidente que Jane se sentia miserável. Seus
olhos, avermelhados e sem brilho, negaram-se a encontrar os seus. Ela se sentou
na cabeceira da mesa passando perto dele, de modo que pôde detectar um
ligeiro aroma de maçãs.
Enquanto jantavam ele iniciou uma conversação cortês com Lady
Wallingham, que opinou que os damascos eram o "pêssego dos pobres". Mas ele
escutava só pela metade. Seus olhos estavam cravados em sua esposa.
Jane não estava comendo. Empurrava a comida pelo prato, assentindo com
a cabeça de vez em quando a algo que Dunston dizia, mas principalmente
mantinha os olhos baixos e fingia comer. Tinha pensado que ao convidar sua
família ia melhorar. Mas em todo caso, via-se pior que antes.
—Os cães são animais inúteis — Lady Wallingham disse, continuando com
sua lista de opiniões não solicitadas. — Qualquer um que tivesse o mínimo grau
de bom senso devia dar-se conta de que consomem muito mais do que
oferecem em recompensa. Entretanto, de algum jeito estas ardilosas criaturas
nos convenceram, bom, não a todos nós, só aos que têm menos intelecto e
muito sentimentalismo, que são benéficas. Uma absoluta estupidez.
Lady Mary, sentada a vários assentos de distância, mas que tinha ouvido o
monólogo canino de Lady Wallingham, ofendeu-se.
—Perdoe-me Lady Wallingham, mas estou em desacordo.
A viúva levantou o queixo e lentamente girou a cabeça até que seu olhar
imperioso aterrissasse em seu branco semblante.
—Fala sério?
Harrison franziu o cenho. Essas duas palavras não eram um bom augúrio
para Lady Mary.
—Sim… sim. Cornelius descende de uma excelente linhagem de cães de
caça. Quando crescer será capaz de rastrear um cervo a mais de centenas de
quilômetros.
—E quantos cervos deve rastrear para que valha a pena o dano que tem
incorrido em suas saias, seus sapatos, seu mobiliário e seus pisos?
Lady Mary se voltou para trás em sua cadeira.
—Bom — ela disse. — Ele é um pouco mais que isso. Também é um
esplêndido acompanhante.
Lady Wallingham soprou.
—Qualquer real acompanhante que de maneira similar sujasse meus sapatos
como seu vil animal fez esta tarde se encontraria prontamente transportado a
Newgate.
Nesse preciso momento o "vil animal" apareceu, suas patas tocando e
deslizando-se pelo chão de madeira, logo golpeando o tapete.
—Oh, céus — Lady Mary disse, dando-se conta que seu cão fazia uma linha
reta em direção à Lady Wallingham. — Cornelius, vem aqui, querido. Vem,
Cornelius!
Dunston, notando a comoção, repreendeu: —Mary, dissete que se te desse
de presente o cachorrinho devia mantê-lo trancado.
Levantando-se da cadeira para precipitar-se atrás do cão que agora corria,
Mary disse: —Deixei-o trancado. Estava em meu dormitório. Um dos serventes
deve ter aberto a porta. Cornelius, não!
O cão farejou alegremente seu caminho aos pés de Lady Wallingham,
sentando-se e apoiando-se com veneração contra a perna da viúva. Então soltou
um uivo de triunfo, havendo aparentemente obtido um objetivo valioso.
—Vê? — Lady Wallingham soprou. — Um inútil. Nem sequer sabe seu
nome.
Lady Mary o levantou.
—Isso é porque ainda é um cachorrinho. Sim, é só um bebê, não é assim
Cornelius?
A viúva agitou a mão com desdém.
—Leve—o, não tenho nenhum desejo de ter pulgas na sopa.
A garota pareceu querer dizer mais, mas pensou melhor e levou seu cão para
fora da habitação.
—Agora, bem — Lady Wallingham disse. — Onde eu estava? Oh, sim.
Lady Berne simplesmente adora gatos. Mas Lorde Berne espirra cada vez que se
aproximam. Graças a Deus por esses pequenos favores. Se alguma criatura pode
ser de menor valor que um cão, é um gato.
Harrison deixou de prestar atenção à implacável falação da mulher,
preferindo ver Jane de frente a ele, separados por toda a longitude da mesa.
Dunston, inclinado para ela, fez-lhe um comentário sorrindo. Devolveu o
sorriso com um próprio sorriso tímido , seu rosto ganhando alguma cor de que
tanto necessitava.
Ele devia estar feliz. Devia querer que ela sorrisse e risse por algo que seu
amigo dissesse, alguma piada ou comentário gracioso.
Mas não estava. Seu estômago corroia, queimava como carvões, lento e
profundo. Ele queria ser o que fizesse aparecer aquelas covinhas, que a fizesse
ruborizar-se, que escutasse aquela risada e sentisse o puxão na virilha como
resposta.
Que Deus ajudasse Dunston se tão somente a olhasse para baixo do queixo.
—Se deseja assassinar o seu amigo, há métodos mais eficazes. — Foi o
ácido comentário de Lady Wallingham. — Ouvi dizer que é hábil com uma
pistola de duelo, por exemplo. — A viúva deslizou com calma um bocado de
carne de vitela em sua boca.
Harrison baixou as sobrancelhas.
—Não sou um homem violento.
Ela engoliu e logo tomou um gole de vinho.
—Mmm. Isso é precisamente o que seu pai estava acostumado a dizer. E
não foi mais certo para ele do que é para você.
—Perdão?
—Perdoado. Não tolero a mentira.
—O que sabe do meu pai?
—Sei que esteve a ponto de matar a golpes um homem por sua mãe. O que
é que você sabe do seu pai?
Harrison pousou cuidadosamente a taça de vinho sobre a mesa. Tinha
estado a meio caminho de sua boca quando ela tinha começado a falar sobre o
sétimo Duque de Blackmore. Seu pai. O homem mais frio que jamais havia
conhecido.
—Não acredito.
—Entretanto, é verdade. Richard Lacey, Lorde Branstoke nesse tempo, é
óbvio, estava louco por Lady Judith. Todo mundo sabia. Ela era a terceira filha
de um Whig arrivista com mais riqueza que sentido. Pessoalmente, nunca
entendi a atração. Mas isso não vem ao caso. Ele pensava que o sol saía por seus
olhos ou alguma tolice parecida.
Nunca tinha ouvido falar disto. Nada disto. Pelo que sabia, seu pai tinha
escolhido a sua mãe da mesma maneira que fazia todo o resto: com frio cálculo.
Judith Clyde tinha sido passavelmente bonita, elegante e sobretudo adequada.
Tinha sido o par mais apropriado para seu pai, escolhida devido à riqueza de sua
família e a sua conduta cuidadosamente serena. A ideia de que seu pai a tivesse
escolhido apoiado em amor, e muito menos do tipo de loucura da qual falava
Lady Wallingham, era simplesmente ridícula.
—Talvez o confundiu com outra pessoa. Os detalhes podem ser difíceis de
recordar depois de tantos anos.
—Não sou tola, nem estou senil, moço. O ano em que você entrou neste
mal concebido mundo já estava enviando meu filho a Eton. Vi mais do que
pode imaginar.
Harrison assentiu em reconhecimento à sua aguda recriminação.
—Minhas desculpas.
Ela soprou de desdém e logo continuou.
—Ele era controlado, inclusive igual a você. Mas havia histórias. Eu tinha
minhas fontes. Não tão excelentes como hoje, mas igualmente sólidas. Diziam
que seu pai queria o matrimônio, mas ela resistia. Estava apaixonada pelo
segundo filho sem dinheiro de algum barão. Terrivelmente míope de sua parte,
mas a juventude o é frequentemente com estas coisas. O pai dela a obrigou a
aceitar o matrimônio. Richard acreditou que estava de acordo até o dia em que a
viu e ao segundo filho juntos, reunidos em segredo no caminho entre a casa de
seu pai e a do Barão. Tiveram uma briga terrível, ou isso ouvi. Ele ameaçou
cancelar o compromisso e ela lhe rogou que o fizesse, já que a liberaria para
casar-se com seu pretendente inútil.
Harrison sacudiu a cabeça com incredulidade, baixando o olhar ao seu prato.
Não podia ser. Essas pessoas que ela descrevia eram estranhos. Não seus pais.
Seus olhos voltaram para Jane, que seguia falando com um Dunston atento.
Algo se retorceu em seu ventre.
—Quando descobriu que ela desejava sua liberdade mais que sua riqueza e o
título, seu pai fez o que qualquer parvo apaixonado faria: esteve de acordo.
Entretanto, impôs uma condição. Para um homem, cancelar um compromisso
matrimonial, faria um grande dano à sua honra. Ele exigiu que ela permitisse um
intervalo adequado para ganhar seu afeto. O pretendente protestou, mas não se
importou. Ela acreditou em sua sinceridade. É óbvio, ele não tinha intenção de
permitir que o objeto de sua obsessão escapasse. Mas ela não suspeitou de nada,
a pobre e débil jovem. E assim, com o tempo, seus cuidados e presentes
esplêndidos persuadiram-na a permitir que a união procedesse. Por desgraça, o
pretendente não se rendeu tão facilmente, aproximou-se dela no baile de
compromisso, rogou-lhe que fugisse à Gretna com ele. — Lady Wallingham
soprou. — Absurdo. Ela tinha um futuro duque lhe rendendo adoração como a
uma deusa pagã. Inclusive a chama mais tênue no candelabro podia ver onde
jazia seu futuro.
Pouco podia acreditar. Seu pai, tão profundamente apaixonado que havia
manipulado uma noiva não disposta para deixar que a cortejasse. Sua mãe,
apaixonada por outro homem, então seduzida por seu pai para manter o
compromisso.
—O que aconteceu?
Lady Wallingham arqueou uma sobrancelha branca.
—Não pode adivinhar? Seu pai apareceu justo quando o pretendente tentou
beijá-la. Perdeu a cabeça, pensando que ela tinha a intenção de deixá-lo.
Golpeou aquele pobre moço com os punhos até que pouco ficou salvo depois.
Necessitaram-se três homens para afastá-lo.
Harrison afastou o prato sentindo uma onda de náuseas.
—Casaram-se, naturalmente. E seu avô se encarregou de enterrar a briga.
Mas eu recordo tudo. Sua mãe se voltou cada vez mais plácida ao longo dos
anos, provavelmente por temor de provocar um novo conflito. E seu pai se
voltou cada vez mais frio. Mas você já conhece bem essa parte, não é?
A anciã tomou um gole de vinho despreocupadamente, ao que parece sem
dar-se conta do canhão que tinha disparado no centro de seu peito.
Durante o tempo que tinha conhecido seu pai, o homem tinha sido tão
insensível como um bloco de pedra. O sétimo duque se comportava com gelada
cortesia com todos, incluindo sua esposa. Com seus filhos tinha sido rígido e
proibitivo, insistindo em um nível de disciplina que não deixava espaço para a
risada, a alegria ou o afeto.
Durante toda sua vida Harrison tinha se consolado com uma coisa: no
fundo, não se parecia em nada ao seu pai. Ao seu pai, tinha pensado,
impregnava-lhe o gelo até os ossos.
Harrison, por outra parte, sentia muito. Sempre tinha sido assim.
O som de sua irmãzinha chorando por sua mãe tinha esmigalhado seu
coração, enquanto seu pai parava junto à sua cama com olhos cortantes e vazios,
e tinha se negado a permitir que a consolassem, até que tinha deixado de chorar.
A visão de Colin, paralisado e tremente ante o rosto sombrio de seu pai, as
lágrimas correndo por suas bochechas infantis, desculpando uma e outra vez
por levar um pescado à casa. Seu primeiro pescado, que havia capturado quando
ia atrás do Harrison, como costumava fazer. Harrison tinha desejado machucar
seu pai nesse dia, tinha fechado seus jovens punhos, preparado para ensinar ao
duque o que significava ser humilhado e desprezado.
Mas não o tinha feito. Em troca, fez o que seu pai lhe havia ensinado tão
bem: controlou a si mesmo e às suas emoções ingovernáveis. Tinha atrasado
tomar medidas até mais tarde, quando em segredo tinha deslizado ao quarto de
Vitória muito depois de que todos foram dormir e a tinha embalado em seus
braços, murmurando seu amor por ela em sua pequena orelha. Quando não
estava no colégio, cada dia havia despertado antes do amanhecer, feito sair
bruscamente um sonolento Colin, e o tinha levado ao rio, longe da vista de casa,
onde tinha lhe ensinado pacientemente tudo o que sabia de pesca com vara.
Todo o tempo havia se dito que nunca poderia ser como seu pai. Porque,
mesmo quando trabalhava para controlar suas emoções para conduzir-se de uma
maneira que honraria o legado da família, sua verdadeira natureza tinha vivido
dentro dele, a tempestade desenfreada de amor e ódio, necessidade e ferocidade
golpeando sua vontade para mantê-la contida.
Esse era o que tinha procurado Jane um dia na antiga biblioteca. Esse era o
que tinha pressionado o canhão de uma arma no crânio de outro ser humano.
Esse era o que tinha estado a um fio de colocar um buraco no homem que levou
o que lhe pertencia.
Isso era o que tanto o tinha aterrorizado, pois sabia que tinha que distanciar-
se dela antes que sua verdadeira natureza o levasse a fazer algo que nunca
poderia retificar.
Isso era o que tinha herdado, como se viu depois, de um pai que era muito
mais parecido com ele do que jamais tinha suspeitado.
CAPÍTULO 25
"Nega-se a me dar o que quero, o que mereço. Bom, isso está por ver-se." - A Marquesa
Viúva de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, sobre o tema de seu filho,
Charles, e seu enguiço de nem sequer lhe proporcionar um só neto.

Os enormes olhos cinza azulados, de pestanas escuras, piscaram ao olhar


Jane com assombro. Um pequeno braço se estendeu para seus óculos; os
movimentos giratórios mal controlados ameaçando golpear e deixá-los torcidos
enquanto ela depositava um beijo na preciosa testa de Gregory Wyatt. Seu
aroma era angélico (suave e doce), diferente de tudo o que tinha cheirado desde
que Kate era um bebê.
Jane suspirou, aconchegando o suave pequeno que se retorcia em seus
braços.
—Ele é tão bonito, Vitória.
Passando gentilmente uma mão pelo abundante cabelo negro de seu filho,
Vitória esboçou um sorriso e assentiu.
—Não acreditei que fosse possível que alguém fosse mais formoso que
Lucien, mas Gregory me convenceu do contrário.
—Ah, mas sua mãe ultrapassa a ambos — disse o homem alto,
impossivelmente bonito que entrou no salão rosa. Com o cabelo negro azeviche,
olhos escuros e brilhantes, e a cara de um anjo caído, Lucien Wyatt, visconde
Atherbourne, era o espécime masculino mais impressionante que Jane já havia
visto. Inclusive Lady Wallingham se declarou uma vez afortunada de ser de uma
geração anterior ao bonito lorde, ou ela quase seguramente teria terminado em
um escândalo como Vitória.
Movendo-se com graça atlética, primeiro Lucien disparou à sua esposa um
devastador meio sorriso, em seguida se inclinou para lhe dar um beijo, que se
prolongou tempo suficiente para fazer Jane ruborizar. Um pouco envergonhada
por sua intimidade, Jane se concentrou no bebê que segurava, roçando seus
dedos diminutos e perfeitos até que eles agarraram e apertaram seu polegar.
—Por favor, nos perdoe Jane — disse Lucien, seu braço rodeando os
ombros de sua esposa enquanto se sentava ao seu lado. — Passou quase uma
hora desde que a vi pela última vez. — Jane sorriu, como sempre fazia ao ver
seus dois amigos desfrutando de sua própria sorte. Embora uma parte dela
chorasse por seu próprio vazio, não permitiria que sua melancolia estragasse a
visita de seus amigos.
—Totalmente compreensível — murmurou.
—Onde está todo mundo? — Vitória perguntou.
—Os cavalheiros e a maioria das damas foram montar. Lady Wallingham e
Lady Dunston tiveram um desacordo sobre os compositores, e agora ambas
estão tomando uma sesta. Ao que parece, debater os méritos de Bach e Mozart é
bastante fatigante.
Lucien arqueou uma sobrancelha.
—Por certo, quem ganhou a discussão?
—Lady Wallingham, acredito. Não ganha sempre?
Vitória riu ante sua resposta irônica.
—Oh, Jane. Como senti tua falta.
De repente Jane sentiu tremer seu lábio inferior ameaçadoramente. Não
podia olhar à sua amiga. Suas lágrimas estavam afogando-a.
—E eu a ti — ela disse com voz áspera, centrando-se com todas as suas
forças nas pálpebras fechadas do Gregory.
O silêncio se instalou, prolongando-se aos ouvidos de Jane. Finalmente,
Vitória disse: —Parece que seu filho está preparado para sua própria sesta,
Lucien. Se importaria de levá-lo ao quarto das crianças? Roseanna está lá agora
preparando seu berço. Acredito que Jane e eu vamos dar um passeio.
—É claro, amor. — Ficou de pé e recolheu seu filho dos braços de Jane. O
menino se agitou um pouco à princípio, mas se acalmou quase imediatamente
depois de reconhecer seu pai. Lucien se inclinou e beijou o menino com ternura
reverente. Justo antes de sair da sala, disse por cima do ombro: —Não vão
muito longe, senhoras. Parece que se aproxima uma tormenta.
Vitória se voltou para Jane quando a porta se fechou.
—Vem, querida. Caminhemos um pouco antes que a chuva chegue.
Depois de recolher seus chapéus, Jane e Vitória atravessaram o jardim sul,
desceram o longo caminho para o lago de peixes, que era um lago de
considerável tamanho. A brisa, provocando ondas na superfície da água, estava
carregada com o aroma úmido de erva cortada e terra cálida, o ar pesado quase
não circulava no calor do pleno verão. Mas Jane podia ver as ameaçadoras
nuvens cinza do outro lado do vale, justo mais à frente do bosque distante.
Elevavam-se como um grande punho no céu por cima das árvores.
—Quando Harrison me escreveu nos convidando meu coração se alegrou
— Vitória começou enlaçando um braço com o de Jane. — Desde suas bodas,
temo ter tornado Lucien louco com minhas preocupações. Agora, posso ver por
mim mesma como estão passando, mais que esgotar a Lucien falando a respeito.
Se sentirá muito aliviado.
O sorriso de Jane foi débil, seu olhar girando para frente ao caminho em
frente a elas.
—Estou bem.
Podia sentir os olhos de Vitória na bochecha.
—Não, querida. Não está.
Diminuindo o passo até deter-se, Jane de repente ofegou uma vez, duas
vezes, tentando conter a onda de lágrimas que podia sentir que apareciam. As
humilhantes, malditas lágrimas. Seu terceiro ofego saiu como um soluço. E caiu
em pedaços. De pé, ali mesmo, ao lado do lago de peixes, os braços de sua
melhor amiga chegando a rodear seus ombros, seu corpo se dobrou em si
mesmo, torturado de dor.
Vitória a balançou brandamente para trás e para frente, sussurrando
incoerências, lhe acariciando as costas.
—Por favor — disse brandamente. — Diga-me o que aconteceu. Deixe-me
te ajudar.
Jane necessitou de vários minutos para acalmar o suficiente para falar.
Lentamente levantou a cabeça do ombro de Vitória e se afastou uns poucos
metros, para a borda da água. Tirou os óculos e os secou com sua saia. Tirou um
lenço da manga para limpar os olhos antes de voltar para colocar as hastes de
metal em seu nariz.
—Eu tinha razão — Jane disse, sua voz rouca e entrecortada, seu rosto
quente.
—A respeito de que?
—Ele necessitava de um tipo diferente de duquesa. Alguém mais como
você. Ou como Lady Mary.
Quando por fim falou, a voz de Vitória foi vacilante.
—Ele disse isso?
—Diz a cada vez que me olha. Ou melhor, que não me olha.
—Não entendo.
Jane se voltou para Vitória cruzando os braços sobre sua cintura, de repente
sentindo-se fria e vazia.
—É muito educado para dizê-lo em voz alta. Mas é a única coisa que explica
como se comporta comigo.
—Como é isso?
—Como um estranho. Um estranho muito cortês.
A suave boca de Vitória se apertou. Entreabriu os olhos.
—Onde ele está?
—Não se zangue com ele, Vitória.
—Só quero falar com meu irmão. E talvez lhe jogar algo um pouco pesado
na cabeça.
Jane tragou saliva.
—Não está equivocado. Sou irremediavelmente inepta.
Vitória fez um gracejo.
— Tolices. Você é mais inteligente que dez Ladys Marys.
—Ela seria uma anfitriã muito superior.
—O que te faz dizer isso?
—Tratei de planejar as refeições para a visita de Lorde Dunston. Harrison já
o tinha feito sem me consultar. Isso não se faz a menos que tenha pouca fé na
capacidade de alguém.
Os olhos verdes azulados de Vitória cintilaram, mas voltou a cabeça para um
lado antes que Jane pudesse ler sua expressão.
—Segundo, — continuou Jane — tinha planejado muitas diversões para
Lady Mary e Lady Dunston, mas elas rejeitaram a maioria. Fracassei
estrepitosamente.
—Que classe de diversões?
—Oh, piqueniques junto ao lago, passeios ao povoado para visitar as lojas,
esse tipo de coisas. Inclusive contratei uma mulher que canta bastante bem na
igreja para vir e apresentar uma noite de música, mas não quiseram saber nada
do assunto. — Jane nunca tinha visto Vitória apertar a mandíbula daquele
modo. Recordava Harrison.
—E o que esteve fazendo meu irmão todo este tempo?
Jane piscou.
—Ele passa fora de casa a maior parte do dia. Sai para montar com Lorde
Dunston e com papai. Caça um pouco. Mostra-lhe sua nova raça de ovelhas.
Acredito que a adquiriu de…
—Jane.
—Sim?
—Meu irmão é um maldito parvo.
Jane não tinha nada que dizer sobre isso. Harrison não era um parvo. Mas
não seria bom contradizer Vitória em seu estado atual.
—E você não é uma má anfitriã. Entretanto, Lady Mary e sua mãe são
hóspedes extremamente más. Em quantas de suas diversões planejadas participou
sua família até agora?
—Em quatro.
—E pareceram desfrutar?
Isso fez com que Jane sorrisse.
—Oh, sim. Maureen adorou a loja com todos aqueles pequenos relógios. E
Genie ficou louca por um chapéu que encontrou com rosetas de fita vermelho
brilhante. Kate tocou muito bem o piano durante o recital. E, naturalmente,
mamãe e papai adoraram o piquenique no almoço. Deveria havê-los visto,
dando-se pedaços do bolo de damasco de monsieur Renaud. Normalmente, esse
tipo de gesto entre meus pais me põe um pouco doente, mas foi bastante doce.
Vitória cruzou os braços e dirigiu à Jane um olhar de triunfo.
—Viu?
Jane sacudiu a cabeça.
—Vi o que?
—É uma esplêndida anfitriã. Esplêndida! Antecipou as necessidades e
desejos de seus convidados e lhes ofereceu amplas opções para entreter-se e
divertir-se sem nenhuma pressão para participar.
Com o cenho franzido, Jane respondeu: —Bom, tive três temporadas como
convidada. Simplesmente fiz o que pensei que qualquer um apreciaria.
—Precisamente.
—Mas sou terrível quando se trata de conversar.
Vitória fez uma careta de desagrado.
—Jane, Lady Wallingham te declarou um desastre?
Demorou meio minuto para responder, já que teve que discernir entre as
muitas arrogantes opiniões do dragão e as pouco sutis críticas dos últimos dias.
Seus olhos abriram de par em par.
—Não.
—E o teria feito se fosse?
—Sem lugar a dúvidas.
—Aí está .
Foi uma revelação. Uma que Jane não tinha considerado.
—Mas se não sou um fracasso, então por que ele se tornou tão distante? —
Era desconcertante. Tinham estado tão perto. Tão perto.
—Não sei, querida. Harrison é... é complicado. Recorda nosso pai?
Ela assentiu e logo se corrigiu.
—Bem, na realidade, não. Só recordo que me intimidava bastante.
O sorriso de Vitória foi irônico e triste.
—Sim. Era intimidante. E muito, muito frio. Harrison levou a pior parte.
Ele nos protegeu, ao Colin e a mim. Amou-nos de uma maneira que nosso pai
nunca o fez. De verdade, Harrison foi mais um pai para nós que um irmão. Ele
leva suas responsabilidades muito a sério. Poderia inclusive dizer com gravidade.
Jane recordou o rosto do Harrison quando ele havia descrito a forma que se
viu obrigado a queimar todos seus livros favoritos simplesmente porque havia
permitido a sua imaginação vagar livremente, o que era inaceitável no futuro
Duque de Blackmore. Mas ele tinha conservado um, enterrado como um
tesouro.
E o tinha desenterrado só depois que seu pai tinha sido enterrado em seu
lugar.
Ela inalou estremecendo quando uma pesada gota de chuva salpicou seu
braço. Suas narinas dilataram quando cheirou a chuva.
O braço de Vitória rodeou os ombros de Jane.
—Quem me dera pudesse te dizer por que está te tratando desta maneira.
Por suas cartas pensei que talvez estivessem desenvolvendo um certo afeto um
pelo outro.
Jane sorriu e cobriu a mão de sua amiga que repousava em seu ombro.
—Afeto? Não. Nada tão fácil como isso. — Ela riu ouvindo o trovão
rugindo na distância. A tormenta estava mais perto agora, as gotas de água mais
regulares. — Estou apaixonada por ele, Vitória. Amo-o tanto que poderia
morrer de desejo. — Ela fechou os olhos e sentiu a cabeça de Vitória apoiar-se
contra a sua.
—Oh, Jane — sussurrou.
As nuvens começaram a abrir-se e a verter um verdadeiro dilúvio. Em
questão de segundos, grossas e cálidas gotas gotejavam da aba de seu chapéu e
começavam a empapar suas mangas e corpete. Mas continuaram ali paradas,
juntas, Jane e Vitória, o olhar fixo na água.
—Ele não me ama — Jane murmurou. Era a primeira vez que o dizia em
voz alta, uma agonia tão profunda que não se podia aliviar com lágrimas. —
Tenho que viver com isso.
—Não pode saber ao certo. Te disse isso?
—Não. Mas desde que Lorde Dunston e sua família chegaram, Harrison me
tem tratado de maneira diferente. Primeiro foram suas dúvidas a respeito da
minha competência. Depois, nas últimas semanas, foi muito frio.
Vitória se moveu para ficar em frente a Jane, agarrando suas mãos e as
sacudindo.
—Então vamos nos encarregar de cada um desses problemas, um de cada
vez. Primeiro, demonstrará além de toda dúvida, que é mais do que capaz de ser
sua anfitriã. Logo, nos desfaremos do Dunston, da Mary, de sua mãe e de
qualquer outra pessoa que estorve esta casa e lhe dê uma desculpa para te evitar.
Continuando, deverá trabalhar para descobrir seus verdadeiros sentimentos por
ti.
A grande visão de Vitória começava a pô-la nervosa.
—E se resultar que não tem sentimentos por mim? Ou que o que mais sente
é pesar por nosso matrimônio, mas é muito honrado para me jogar a um lado?
O queixo de sua melhor amiga se elevou, uma gota de chuva caindo da aba
de seu chapéu no seu nariz pequeno e requintado.
—Se isso for certo, e não acredito que seja assim, mas se o é, vai vir e ficar
comigo em Thornbridge por um tempo. Até que seu coração tenha curado o
suficiente para voltar.
Isso, Jane sabia, poderia levar uma eternidade. Mas não o disse. Era uma
oferta muito generosa. Assentiu com a cabeça.
Vitória elevou a vista ao céu quando soou outro trovão, desta vez mais forte.
—Talvez devêssemos voltar antes que fiquemos encharcadas. — Enlaçou
um braço ao redor do de Jane, compartilharam pequenos sorrisos quando
começaram a voltar pelo atalho. — Temos que fazer planos… planos para fazer
Blackmore teu outra vez.

~~*

O som do pranto de um bebê pelo corredor do piso superior captou a


atenção de Harrison quando se dirigia à sua habitação para trocar a roupa
molhada. Que diabos?
Sua pergunta foi respondida pelo homem saindo de uma das antecâmaras
dos convidados a cinco portas de distância.
—Atherbourne — disse. — Quando chegou?
Lucien Wyatt se dirigiu para ele segurando um vulto que se retorcia e chiava.
Tinha uma expressão de esgotamento.
—Faz aproximadamente duas horas. Vitória foi dar um passeio com Jane, e
temo que Gregory fica um pouco inquieto quando falta seu almoço.
Os olhos de Harrison baixaram ao rosto vermelho e zangado do bebê.
Mesmo furioso seu sobrinho estava mais bonito que há dois meses, as
bochechas mais cheias, o cabelo mais grosso.
Atherbourne estendeu seu filho ligeiramente para Harrison.
—Quer tentar? — Disse com sarcasmo.
Ele soprou.
—Não. Deixo isso para ti.
—Bem, suponho que terá um próprio muito em breve.
Ele sentiu que o estômago revirava e lhe afrouxava a mandíbula. Seu
coração se deteve, e logo se retorceu dolorosamente, logo se pôs em marcha de
novo com um golpe duro, implacável.
—Jane está…?
O visconde com seu perverso e maldito senso de humor pôs-se a rir ao ver a
expressão de Harrison.
—Não. Ao menos, não que eu saiba. Mas se eu fosse você, Blackmore,
praticaria minha resposta no espelho um pouco antes que chegue esse
momento. As mulheres nessa condição delicada não gostam de sentir-se
decepcionadas.
Os olhos escuros do homem se moveram por sobre o ombro do Harrison
iluminando-se com um brilho febril. Ele se voltou para ver sua irmã que vinha
para eles. Estava encharcada dos pés à cabeça.
Vitória se deteve só o tempo suficiente para saudar Harrison e beijar sua
bochecha, logo se precipitou para a frente para tomar Gregory dos braços de
seu marido.
—O que aconteceu, pequeno? Tem fome? Mamãe está aqui. Não tem que
preocupar-se.
Fixou-se que os olhos de Atherbourne se agarravam em Vitória da mesma
maneira que seu vestido se agarrava à sua figura, sua mão caindo
possessivamente em sua cintura. Sem dizer uma palavra a Harrison, o casal
desapareceu em sua antecâmara.
Girando de novo em direção ao seu destino original, Harrison, uma vez
mais, deteve-se em seco. Jane estava ali vindo para ele.
Ela era exuberante. Uma Vênus arredondada. E estava quase nua.
Seu vestido, de musselina com camadas de tons lilás com um pouco de
bordado branco no corpete estava encharcado tornando-se transparente,
abraçando cada curva e cada montículo e reentrância. Seus mamilos eram uns
sobressalentes pontos duros empurrando contra o tecido de seu corpete. Como
se quisessem que sua boca os esquentasse.
Ela tinha a cabeça encurvada, sua atenção em um pequeno caderno que
estava escrevendo com um lápis com toda intensidade. Se não tomasse cuidado
poderia colidir com ele. Seus seios plenos e generosos pressionariam contra ele.
Aqueles mamilos duros e amadurecidos lhe roçariam o peito. Teria que envolver
seus braços ao redor dela, talvez agarrar seus quadris para sustentá-la. Então,
quando por fim levantasse a vista e visse quem a segurava, sua boca se abriria,
suavizariam seus lábios, tremendo pelos seus.
Mas nada disso aconteceu. Em troca, seus olhos pareceram vislumbrá-lo, e
vacilante, se deteve ainda a vários metros de distância.
—Har…Harrison.
Oh, Deus, como tinha sentido saudade de sua voz, com aquele pequeno
puxão quando dizia seu nome.
—Também ficou apanhado na chuva, vejo. — Ela fez um gesto indicando a
porta de sua antecâmara, justo além de seu ombro. — Ia trocar o vestido. — Ele
curvou os lábios e ela olhou seu vestido. Seus olhos a seguiram sem poder
conter-se. — A este não fez bem, absolutamente, quando a tormenta se desatou
sobre nós.
Harrison viu como seus seios começaram a mover-se de cima a baixo em
um maior ritmo. Uma incitante gotinha de água rodou sobre sua pele, do
pequeno entalhe na base de seu pescoço até o vale entre seus seios formosos e
suculentos. Imaginou seus dedos seguindo o mesmo caminho. Logo, a língua.
Querido Deus, estava em chamas por ela, suas bolas doloridas, seu membro
cheio a arrebentar depois de só uns segundos.
Isto era um erro. Uma obsessão. Devia parar. Era muito perigoso.
Esticando os músculos, afastou o olhar, deu um passo para trás lhe dando
um amplo espaço para passar e entrar em suas acomodações. Mas em lugar de
utilizar a distância que lhe tinha dado, ela se aproximou mais, sua mão por
diante e estendendo-se para ele como uma folha em busca do sol. Não podia
permitir que o tocasse. Se o fizesse, se romperia.
Afastou-se, seus movimentos rígidos, apertando a mandíbula. Não sabendo
que mais fazer, inclinou-se formalmente, dizendo: — Te verei no jantar.
Sua cabeça deu um pequeno puxão; seus olhos, tão suaves e escuros,
brilharam de lágrimas; as comissuras de seus lábios se curvaram para baixo e
tremeram. Sua resposta a tinha ferido. Podia vê-lo acontecendo, mas não podia
reverter o dano. Incapaz de suportar, aproximou-se dela, mas ela não o viu.
Deu-lhe as costas e fugiu à sua habitação fechando a porta com um suave estalo.
A força que o atava o levou para diante, sua mão pousando-se na madeira de
painéis brancos. Conteve-se para não a seguir, mas não pôde afastar-se de sua
porta. Apoiou a testa contra a superfície fria, a tortura do desejo, dor e pesar
devorando-o até que quis fazer pedaços de toda sua casa.
—Jane – sussurrou, a palavra quase uma oração.
Minha Jane. Meu amor.
CAPÍTULO 26
"Tudo isto de trocar olhares de desejo através dos salões de bailes... ora! Digo-te,
Humphrey, o único menos agradável que ser testemunha de tolos embevecidos um pelo outro é
compartilhar esses intoleráveis refrescos." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu novo
acompanhante, Humphrey, após receber um convite para o baile de Lady Reedham.

—Mmm. Mais laranja, acredito.


Monsieur Renaud arqueou uma sobrancelha ante a conclusão de Jane e gritou
a uma criada tímida: —Mais laranjas! — A garota correu à estufa de laranjeiras
para ir em busca da fruta extra.
Jane tomou outro gole do ponche e assentiu.
—Sim. As especiarias são adequadas. Um pouco mais cítrico e será perfeito.
O cozinheiro grunhiu e voltou a trabalhar em sua massa. Deixou de lado sua
taça quando uma criada do piso de cima se aproximou com as toalhas para as
mesas, fazendo uma reverência e mantendo-as em alto para sua inspeção. Eram
de um linho tingido de dourado com lantejoulas brancas e feixes de trigo
bordadas, o que fazia com que cintilassem e brilhassem à luz das tochas.
—Encantador, Martha. Por favor, informe a Beardsley e à senhora Draper
que as mesas devem localizar-se no terraço sul dentro de uma hora.
—Sim, Sua Graça.
Abrindo seu caderno, Jane escolheu o jogo de mesa e a receita de ponche
observando os elementos restantes da lista. Quando levantou a vista viu sua mãe
entrar apressadamente na cozinha.
—Deve ir para cima e trocar seu vestido, querida. Por que não deixa que eu
me encarregue?
Jane sorriu e sacudiu a cabeça.
—Tenho tudo perfeitamente controlado, mamãe. Não tem que preocupar-
se.
Sua mãe estalou a língua com desdém.
—Jane, os detalhes envolvidos na organização de um baile de verão deste
tamanho podem ser entristecedores inclusive para uma perita…
—Mamãe — Jane disse com incomum firmeza. Olhou diretamente nos
olhos surpreendidos de sua mãe. — Obrigada por sua oferta. Mas tenho tudo
sob controle. Esta noite você é uma convidada. — Ela pôs muita ênfase na
última palavra antes de suavizar o tom. — Só relaxe e desfrute.
As sobrancelhas de sua mãe se arquearam, seus olhos abertos de par em par.
Então, para grande consternação de Jane, ficaram frágeis pela umidade e o
queixo de sua mãe começou a tremer.
—Oh, mamãe, não era minha intenção...
Os braços de sua mãe voaram largamente, e a seguir Jane soube que estava
sendo apertada em um abraço maternal torcendo seus óculos.
—Esperei por este dia. — Sua mãe chorava no ombro de Jane. — Durante
muito tempo, querida.
—Este dia?
Ela se voltou para trás e sorveu pelo nariz, secando as lágrimas debaixo dos
olhos.
— O dia em que se converteria na mulher que sempre soube que poderia
ser. — Jane endireitou seus óculos e deu um meio sorriso, ainda um pouco
aturdida.
Sua mãe lhe dedicou um sorriso choroso e carinhoso, e lhe deu outro rápido
abraço.
—Lady Wallingham duvidava de mim, mas eu lhe disse que com o tempo
poderia aprender a tomar o comando do papel que te corresponde e de você na
cozinha, é óbvio. Ocorreu antes do que inclusive eu tinha antecipado.
—Estou feliz que esteja feliz, mamãe.
—Estou mais que feliz, querida. Estou orgulhosa. — Ela sorriu à Jane,
acariciando seus ombros antes de virar sobre seus calcanhares e ir apressada para
a entrada. Depois de só dois passos, entretanto, deu a volta para dizer
atentamente: — Ainda assim, não deve demorar muito mais tempo antes de ir.
Vamos. Não quer chegar tarde ao seu próprio baile.
Jane só suspirou.
—Sim, mamãe.
No caminho seguiu o conselho de sua mãe, deteve-se na sala de música para
consultar os músicos, continuando ao salão da ala sul. Mais um salão de baile
realmente, que dava ao amplo terraço sul, para assegurar-se que a senhora
Draper não requeresse ajuda na montagem das flores.
—São lindas, senhora Draper — ela disse examinando a profusão de
peônias rosa carmesim, rosas creme, girassóis amarelos, delfinos azuis, e muito
mais. As flores vivas e frondosas estavam dispostas com tão bom gosto que
quase ficou sem fala.
—Oh, muito obrigada, Sua Graça, embora não posso levar todo o crédito.
Lady Atherbourne armou o primeiro lote, e eu só segui seu padrão. Ela tem um
bom olho para estas coisas.
Jane sorriu expressando seu acordo.
Satisfeita de que tudo estava desenvolvendo-se esplendidamente, dirigiu-se
ao seu dormitório. O banho já tinha sido preparado, fumegante e odorizado
com seu perfume favorito.
—É um tesouro, Estelle — suspirou. A criada riu e a ajudou a despir-se. Ela
afundou nas águas profundas deixando que lhe fizesse cócegas no queixo e a
encharcasse. Passeou o olhar pela habitação, por suas ricas sedas verdes e o
magnífico mobiliário.
Há só três dias, tinha sido ali, naquele dormitório, que tinha tomado uma
decisão. Mas não antes que ela tivesse estado no corredor bobamente
estendendo uma mão para ele, tentando alcançá-lo, quase incapaz de conter-se.
E ele a tinha rejeitado. De novo. Tão completa foi sua rejeição que bem poderia
lhe haver dado um corte direto. Depois de chorar e ficar olhando pela janela
sem ver nada, na realidade, durante muito tempo, fartou-se de seu próprio
duelo.
Patético, realmente.
Assim, em lugar de chorar mais, tinha escrito uma carta à Annabelle para
expressar sua dor. E sua frustração com ela mesma por ser um regador tão
miserável. Annabelle, querida, tinha escrito. Quando me converti em um regador tão
miserável? Na realidade, foi meu coração quebrado que começou este lamentável hábito, e por
isso, posso culpar o duque. Entretanto, chega um ponto em que chorar por tanto tempo causa
rechaço pela gente mesmo. E eu, querida irmã, cheguei a esse lamentável estado. Nego-me a me
sentir miserável um segundo mais. Não derramarei outra lágrima pelo que perdi. Em troca,
vou me liberar do que me faz miserável, seja o que for, ou seja quem for.
Pouco depois de terminar a carta fazia uma lista dos artigos e das pessoas
que compreendiam sua tapeçaria de tristezas . Para resolver o problema de suas
convidadas mal-educadas tinha decidido levar sua visita a uma conclusão natural
ao organizar um baile de verão. E para assegurar-se que entendessem que devia
ser considerado como um ponto final depois do qual se esperava que partissem,
tinha pedido à Vitória que acompanhasse (para dar coragem) e tinham ido em
busca dos artigos um e dois de sua lista de miséria: Lady Mary e Lady Dunston.
Tinha-as encontrado no salão dourado tomando o chá e tendo uma
discussão que se deteve rapidamente ante a aparição de Jane. Seus olhares altivos
e sopros desdenhosos a tinham sacudido, necessitando de algumas respirações
profundas. Vitória lhe tinha apertado o braço a modo de ânimo.
—Senhoras, — havia dito Jane, feliz pela firmeza de sua voz — desejo lhes
informar que organizarei um baile de verão.
—Bom, — Lady Dunston zombou — isto deveria resultar interessante.
Diga-me, permite-se à anfitriã ser uma insípida em sua própria festa?
Lady Mary riu da zombaria de sua mãe, e adicionou: —Suponho que a
biblioteca está a poucos passos se ela requerer material de leitura.
—Isto é mais do que suficiente – Vitória disse, soando claramente como seu
irmão. — Preciso lhes recordar que estão se dirigindo à duquesa de Blackmore,
e que atualmente se encontram em sua casa desfrutando de sua hospitalidade?
Jane admirava sua amiga, perguntando-se como conseguia ser tão doce e tão
imperiosa em sua ira. As duas mulheres se ruborizaram de um modo pouco
favorecedor, alegrando o coração de Jane.
Limpando a garganta, Jane continuou a tarefa que havia proposto para si
mesma.
—O baile acontecerá em três dias. Haverá música e dança. — Aqui vacilou
um pouco, mas seguiu adiante sabendo que deveria fazê-lo. — Acredito que este
é o término ideal para sua visita aqui em Blackmore Hall e espero que partam no
dia seguinte. Uma linda e última celebração pela generosidade do verão.
A boca fina de Lady Dunston se apertou, seu rubor aumentando. Lady Mary
moveu seus olhos incrédulos entre sua mãe, Vitória e Jane. Finalmente, soltou
um grito: —Vitória!
Vitória tinha levantado o queixo e se envolvido em um gelo aristocrático tão
desumano como nada do que Harrison tivesse feito.
—Sou Lady Atherbourne. E ela é Sua Graça, a duquesa de
Blackmore.Talvez agora encontre sua memória e suas maneiras menos
propensas a falhas vergonhosas.
Inclusive agora, enquanto Estelle lhe rodeava o espartilho, Jane não pôde
evitar um sorriso ao recordar a reprimenda de Vitória, que tinha terminado com
a conversação. Tinha sido um triunfo, e estava agradecida de ter sido
testemunha daquilo.
—A que se deve esse sorriso? Se não se importar que pergunte, Sua Graça
— disse Estelle recolhendo as forquilhas e uma escova enquanto Jane se sentava
em frente ao espelho da penteadeira.
—Oh, por nada em particular. — Ela ficou em silêncio enquanto a criada
escovava seu cabelo longo e úmido. — Estelle?
—Sim, Sua Graça?
—Eu não gosto do meu cabelo.
A escova se deteve.
— Como?
Ela franziu o cenho olhando-se no espelho.
—Sempre é o mesmo. Repartido no centro e levado para trás em um coque
e fixado com forquilhas.
—Poderíamos tentar frisá-lo de novo.
Jane apoiou o queixo na mão.
—Não, meu cabelo simplesmente não vai frisar. Cada vez que tentamos
terminei parecendo como se tivesse me submerso na água e depois secado no
varal. Mas eu gostaria de uma mudança.
Estelle se inclinou para a frente para encontrar os olhos de Jane no espelho.
—Mmm. Estive falando dessas coisas com a Collette. Recorda a criada mais
recente de Lady Wallingham?
Jane sacudiu a cabeça.
—É a quarta este ano?
—Quinta. É da França. É muito arrogante. Mas sabe algumas coisas sobre o
cuidado do cabelo, tenho que dizer.
—E ela te deu algumas ideias?
Estelle assentiu pegando punhados de cabelo de Jane ao longo de sua testa e
as dobrando para lhe mostrar.
—Vê? Cortamos só um pouco da franja ao redor de seu rosto. A maioria
das mulheres que fazem isso têm cachos, mas suspeito que será bastante
favorecedor em você.
Jane piscou vendo a diferença. Não tinha pensado em cortar o cabelo. Se
deu conta que durante muito tempo tinha sido bastante tímida com as mudanças
de qualquer tipo, em especial com sua aparência. Mas esta não era uma noite
para ser tímida. Esta era uma noite para ser audaz.
Voltou a encontrar os olhos de Estelle.
—Procure as tesouras.

~~*

—Pelo amor de Deus, Harrison, guarda isso — Dunston chiou com


desgosto.
Fechando seu relógio, Harrison franziu o cenho.
—Está atrasada.
Dunston suspirou.
—É seu baile. Vai chegar.
Ele esfregou distraidamente o peito, o qual lhe tinha doído durante dias.
Semanas, inclusive. Dando uma olhada no salão da ala sul, não podia deixar de
estar impressionado. Em só três dias ela tinha feito aquilo, transformado a sala
com seus painéis de marfim, teto arqueado e lustres iguais em uma cena de um
dos contos de fadas mais fantasiosos de Shakespeare. A hera foi colhida para
cobrir artisticamente e emoldurar os três conjuntos de portas de vidro que
davam ao amplo terraço. Vasos de barro de mirtilos e arbustos ornamentais
tinham sido colocados na beira da habitação dando a impressão de uma
ramagem frondosa. As lamparinas pintadas por dentro e as velas piscando
contra as suaves paredes verdes projetavam sombras que dançavam e revoavam
como duendes brincalhões.
No exterior, longas mesas estavam cobertas de dourado, repletas de frutas e
flores e, ao que parecia, por pratos intermináveis vindos da cozinha. Estavam
iluminadas por tochas colocadas em intervalos regulares ao passar-se do
perímetro do terraço, e os músicos já enchiam o ar com uma animada melodia
campestre. Ela tinha criado um festim de delícias de verão.
E agora estava atrasada.
—Aí está.
A cabeça de Harrison deu a volta para seguir o olhar de Dunston. Logo se
deu conta que seu amigo não se referia à Jane, mas à sua irmã Maureen.
—Ela está bela com esse vestido, não acha?
Ele franziu o cenho na direção de Dunston, que não estava olhando-o.
—Crê que consentirá em dançar comigo?
—Dunston — grunhiu.
—Mmm?
—Ela é a irmã da minha esposa.
—Sim. Estas garotas Huxley tecem um feitiço de rara fascinação.
Sentindo um golpe no ombro, Harrison se voltou. E perdeu o fôlego, junto
com toda a sensibilidade de seus pés.
Ela vestia vermelho. Uma seda de carmesim profundo que elevava a
temperatura, dava forma e se moldava aos seus seios como a carícia de um
amante. Como suas mãos sobre sua pele. Seu vestido não tinha nenhum adorno;
era simples e maravilhosamente ajustado, com um decote baixo revelando uma
generosa porção de seu busto. Luvas bordadas de um dourado pálido cobriam
suas mãos, chegando além dos cotovelos. Um colar com filigrana de ouro cobria
seu pescoço, salpicado de pequenas gotas de rubi. Queria tirar o casaco e tragá-
la em seu interior. Queria levá-la à antiga biblioteca para escondê-la dos olhos de
todos, exceto dos seus.
—Duquesa, você é uma visão — ouviu Dunston dizer. — Por favor, diga
que vai me conceder uma dança mais tarde, esta noite. — O homem irritante
tomou sua mão entre as suas e se inclinou sobre ela, seus olhos brilhando de
apreciação. Harrison queria quebrar algo. Preferivelmente o Dunston.
Jane assentiu com ar régio. Havia algo diferente nela, mas não podia
discernir o que.
—Você é muito atencioso, milord. Estaria encantada.
Sorrindo, Dunston virou para saudar Maureen. O imbecil. Se pensava que
Harrison lhe permitiria tocar Jane, mesmo para uma dança, ou estava ébrio ou
era suicida. Harrison inspecionou a sua esposa de novo.
—É seu cabelo.
Ela aumentou os olhos, brilhando escuros à luz das velas.
— Mudou-o.
Ela subiu os dedos para roçar as curtas mechas que agora emolduravam sua
testa e os lados de seu rosto.
—Sim. Estelle sugeriu…
—Eu gostava como era.
Jane elevou o queixo uma fração, o vermelho subindo para dar cor à sua
pele.
—Bom, eu o prefiro assim.
—Não importa. Voltará a crescer.
—Não quero que volte a crescer. Vou mantê-lo assim.
—Discutiremos isto mais adiante.
—Não há nada que discutir — ela disse com os dentes apertados. Fechando
os olhos brevemente para lançar um suspiro de exasperação, envolveu o braço
ao redor do dele e o puxou para seus pais, que acabavam de chegar. Atrasados,
como de costume. Só podia chegar à conclusão que era um traço de família. —
Só sobrevivamos a esta noite — ela disse em voz baixa.
Teria lhe perguntado a que se referia, mas estavam muito perto do Lorde e
Lady Berne. Depois de saudar Jane com abraços e exclamações por seu vestido
e cabelo, dirigiram-se a ele.
Fez uma reverência ao sorridente casal mais velho. Lady Berne agitou uma
mão como se espantasse uma abelha e elevou-se na ponta dos pés para lhe beijar
a bochecha.
—Que bonito está, Harrison. Uma impressionante figura. Vocês dois me
fazem a mãe mais orgulhosa de Yorkshire.
Uma vez mais a mulher o confundia com suas efusões maternais. Mas agora
tinha aprendido a simplesmente expressar uma resposta lógica, ignorando seu
próprio desconforto.
— Está linda esta noite, Lady Berne.
—Um dia me chamará de mamãe. Quanto antes o faça sentirá menos
vergonha depois por sua reticência, asseguro-lhe isso.
—Deixa em paz o menino, Meredith. Permita-lhe que tome a iniciativa em
seu próprio tempo - disse Lorde Berne.
Logo Jane e ele passaram a saudar mais pessoas. Ela tinha convidado a
maioria dos aristocratas e a nobreza latifundiária da região, o que equivalia a
muita gente. Tinha previsto ter que levar o peso da conversação, mas ficou
surpreso por sua comodidade com os estranhos. Ela saudou cada um deles, lhes
agradecendo por vir, os convidando a participar da refeição abundante, dos
jogos de whist e piquet no salão dourado, e do baile no terraço.
Depois de um tempo observou um padrão em suas conversações. Todas
elas eram iguais, talvez com uma variação de um tema aqui e lá, como se tivesse
memorizado um livreto. No momento que terminaram de dar as boas-vindas ao
vigário e sua esposa, esteve seguro. Ninguém dizia a palavra "degustação" vinte
vezes em separado.
Enquanto as habitações se enchiam de mais e mais convidados, deu-se conta
que o pescoço suave e branco de Jane começava a ficar rígido, seu sorriso
vacilando sob a tensão.
—Talvez devêssemos dançar — disse.
Ela o olhou com seus infinitos e profundos olhos castanhos. Por um
momento tudo se acalmou: os sons das vozes, a lembrança da música, o arrastar
de pés e o tinido da porcelana. Desaparecidos. Só existia ela. Jane. Sua sedutora
com aroma de maçãs usando um vestido carmesim. Sua Jane obcecada pelos
livros, com óculos e nada comum. A que fazia com que o mundo inteiro
desaparecesse, que o fazia esquecer porque não podia tê-la precisamente como
ele queria, sem nada entre eles. Completa e totalmente dele.
Aqueles lindos lábios se franziram para formar uma resposta. Ele ficou em
suspenso esperando ver e ouvir seu próximo fôlego.
—Não — ela disse por fim, sua voz rouca. — Não posso dançar com você,
Sua Graça. Minha resposta é não.
CAPÍTULO 27
"O encanto do baile campestre me escapa. Você não fala com seu par, nem descobre nada
mais interessante que sua capacidade para evitar se chocar com outros bailarinos." - A
Marquesa Viúva de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, que sacudiu a
cabeça concordando.

Dançou com o Dunston. E depois com o vigário. E em seguida com dois


homens mais. Sim, eram danças campestres, onde quase não se tocavam. Mas
ela se negou a dançar com ele. Com seu próprio marido.
Com as costas apoiadas contra a parede de pedra calcária de Blackmore,
Harrison tomou um gole de ponche e a observou por cima da borda do copo.
Estava ruborizada pelo esforço, os óculos deslizando-se para baixo por seu nariz
pequeno e arredondado com muita frequência, a coroa de flores e folhas
correndo um pouco para um lado de sua cabeça. À meia noite ela havia
anunciado com voz ofegante que a cada mulher daria uma. Com as tochas
iluminando o terraço com uma aura dourada, as mulheres com suas coroas de
flores girando e rindo com seus cavalheiros vestidos de escuro, e a música
festiva elevando a todos em ondas animadas, a cena brilhava realmente com um
encanto élfico.
Parte dele observava o triunfo de sua valente Jane, e a aplaudia com orgulho.
Mas a sua parte mais sombria sentia ferver o sangue nas veias, sua necessidade
dela e o ódio por qualquer homem que a olhasse fazia girar vertiginosamente sua
cabeça tanto como o ponche enganosamente inocente. Isto era o que devia
resistir. Depois de tudo o que sabia de seu pai, depois de tudo o que sabia de
quem era ele e o alto preço que teria que pagar se seu controle escapasse, devia
encontrar uma maneira de moderar seus sentimentos por ela. Tinha pensado
que afastar-se de sua companhia ajudaria. Não o tinha feito.
—Harrison? — Vitória lhe tocou o braço, surpreendendo-o. — Não está
desfrutando da festa?
Ela também parecia radiante e feliz depois de logo ter terminado de dançar
com seu marido, que estava parado atrás dela como um guarda alto e sombrio.
Atherbourne olhou brevemente para ele e Jane. Ela ainda estava conversando
com o senhor Hargrove, um rico e loiro comerciante de Leeds. A comissura da
boca de seu cunhado se elevou em um sorriso de cumplicidade.
Harrison fulminou a ambos com o olhar.
—Não têm nada melhor que fazer que fiscalizar minha diversão?
—Não é necessário que se zangue — Vitória replicou. — Só ia te perguntar
se irá dançar.
—Não quero dançar.
O queixo de sua irmã se elevou em um familiar sinal de advertência.
—Bom, alegro-me de ouvi-lo, porque quem quereria dançar com alguém tão
amargurado?
Harrison não respondeu, tomando outro gole pausado de seu ponche e
fazendo um grande esforço para ignorá-los. Aquele maldito comerciante estava
mais perto de Jane?
—A sua esposa, ao contrário, — Atherbourne disse com secura — parece
que gosta bastante de dançar.
Teria disparado ao seu cunhado um olhar feroz, mas estava ocupado com
assuntos mais importantes. O maldito comerciante de Leeds estava roçando o
braço de sua esposa, girando para poder mostrar algo a ela. Estavam de costas
para ele, por isso não podia ver o que era. Mas não importava. O maldito senhor
Hargrove devia preocupar-se com sua proximidade ou não demoraria para
descobrir como estavam as pedras do terraço sul.
—Simplesmente estou muito contente por Jane — Vitória resmungou. — É
muito difícil planejar um baile desta escala em um tempo tão curto. Mas sempre
suspeitei que seria uma esplêndida anfitriã, se tivesse a oportunidade. Ela é
muito hábil e…
—Ele não está te escutando, amor — Atherbourne interrompeu.
—Não?
—Não.
—Então, o que está fazendo?
—Obcecando-se.
Ela estalou a língua.
—Harrison não se obceca. É muito lógico. É muito mais provável que esteja
um pouco ébrio. Esse ponche é quase puro vinho.
Atherbourne limpou a garganta e tossiu.
—Possivelmente tenha razão, anjo. Devo estar equivocado.
Vitória murmurou um pouco mais antes que sua voz se desvanecesse.
Harrison não deu muita atenção. Jane estava sorrindo à Hargrove. Sorrindo.
Suas covinhas virtualmente davam uma piscada ao homem.
—Não vai ajudar, sabe? — A voz sardônica de Atherbourne disse outra vez.
—O que? — Harrison grunhiu.
—Manter distância. Piora o efeito.
Finalmente tirou o olhar de Jane para encontrar os olhos escuros de
Atherbourne, que estavam surpreendentemente sérios.
—O que seja que crê que sabe – Harrison disse com suavidade, sua voz uma
advertência. — Não sabe.
Um lento sorriso curvou a boca do homem.
—Começa com pequenas coisas. A forma que cheira. Uma pequena ruga na
extremidade de seus olhos quando ri. Então, perguntase se tem algum tipo de
enfermidade. Uma febre, talvez. Sem dúvida essa é a única explicação para se
sentir como uma besta selvagem cada vez que diz seu nome.
Harrison ficou olhando o outro homem. Foi tudo o que pôde fazer.
Ninguém sabia. Como ele podia saber? Harrison nem sequer havia dito à Jane.
—O pior não é o desejo, embora seja bastante aterrador em sua intensidade.
Não, o pior é quando está separado dela. A única maior agonia está em saber
que você é a causa disso. E que ela sofre por sua necessidade.
Não queria escutar mais.
—Não pode entender — disse com voz rouca, seus olhos voltando
irremediavelmente para ela. À Jane.
—Possivelmente não. Mas no caso improvável de que sim, dou-te um
conselho. — Atherbourne bateu no seu antebraço com certa força. — Trata de
evitar de fazer um dano permanente.
Vitória fez um gesto ao seu marido para outra dança, deixando Harrison a
sós com seus pensamentos. Do outro lado do terraço Jane falava com Maureen,
felizmente já não via o senhor Hargrove. O conselho final de Atherbourne
ressoou em sua cabeça. Era o mesmo que Harrison tinha estado tratando de
fazer: evitar o desastre. Mas seus sentimentos por ela só ficavam mais fortes.
Agora não podia estar seguro de nada exceto disto: ele devia protegê-la, sem
importar o custo.

~~*

Muito antes que a carruagem dos últimos convidados abandonasse


Blackmore Hall, Jane já estava esgotada até a alma. Mas tinha perseverado.
Estava bastante orgulhosa disso. Agora, parada na beira do terraço sul olhando a
noite aveludada, tirou brandamente a coroa da cabeça e a pôs sobre a mesa ao
lado de suas luvas. As margaridas murcharam um pouco, igual a ela.
—Sua Graça, retiraram-se as comidas das mesas. Gostaria de algo mais antes
de retirar-se? — Perguntou a senhora Draper atrás dela.
Sem dar a volta, Jane sacudiu a cabeça.
—Obrigada, mas não, senhora Draper. Por que você e os outros não vão às
suas camas? O restante deixaremos para amanhã.
— A senhora é muito amável, Sua Graça. E posso dizê-lo, foi um baile
magnífico.
Jane assentiu como agradecimento, ouvindo a governanta afastar-se, o tinido
e o sussurro de lacaios e criadas limpando os restos, desvanecendo-se
lentamente ao terminarem suas tarefas e retirarem-se agradecidos.
Abraçando a cintura e suspirando, notou que as tochas haviam se extinguido
deixando só as estrelas e a lua iluminando as mesas e os arranjos de flores,
tornando a cena nublada em lugar de dourada.
Tinha-o feito bem, decidiu. Com a ajuda de Vitória elaborando a lista de
convidados, o conselho do vigário para encontrar bons músicos, a disposição de
suas irmãs para recolher flores silvestres, e os esforços incansáveis do excelente
pessoal de Blackmore Hall, Jane tinha atuado como a anfitriã de um grande baile
de verão sem humilhar a si mesma. De fato, gostava de pensar que mesmo uma
solteirona poderia ter desfrutado em ir como convidada. A parte mais difícil da
noite tinha sido saudar e conversar com todo mundo, mas a ideia de escrever
um livreto havia chegado depois da queixa de Lady Wallingham de que a maioria
das matronas careciam de originalidade em sua forma de falar, e que
frequentemente pareciam estar "recitando linhas memorizadas na sala-de-aula".
E, é claro, Harrison tinha estado ali. Com cada novo rosto, cada vez que
tinha tropeçado nas palavras, tinha estado ao seu lado, percebendo com precisão
quando intervir e quando deixá-la ser ela. Ele só se foi depois que tinha rejeitado
sua sugestão de uma dança. Não podia explicar porque o tinha feito. Excesso de
magia no ar, talvez. Tinha necessitado manter a mente fria.
Dando um último suspiro na cálida noite de agosto, voltou para o salão. E
ali estava ele. Ela se deteve, seu coração pulsando contra seu peito como tinha
feito antes, quando o tinha visto com seu casaco e calças negras, colete dourado
e lenço branco. Esses objetos singelos o emolduravam como o retrato de um
deus. Para ela, mesmo agora, enquanto examinava seu relógio com o
esgotamento evidente em seu perfil, era o mais formoso dos homens.
Atraída para ele quase compulsivamente, deteve-se de novo quando viu
quem se aproximava do corredor. Lady Mary, vestida sedutoramente de verde e
branco, pôs sua mão sobre o braço de Harrison e lhe sorriu com adoração. O
ácido revolveu o estômago de Jane ao vê-los rir juntos, ao ver a forma que ele
inclinava a cabeça para falar com ela. O cão da jovem a seguiu até o salão,
cheirando os sapatos de sua ama. Jane esperava que Cornelius fizesse algo vil
com aqueles sapatos, e que Mary, a Rainha das Doçuras, não descobrisse até que
fosse tarde demais.
Entretanto, em vez de sua fantasia se tornar realidade, Mary se inclinou para
recolher o cachorrinho em seus braços e o levou ao vestíbulo da entrada norte,
presumivelmente para que pudesse defecar em um lugar mais apropriado.
Jane observou que os ombros de Harrison se desabavam, inclinava a cabeça
passando uma mão pelo cabelo em um gesto mais característico de Colin que de
seu marido. Via-o tão cansado, tão esgotado. Antes que pudesse pensar melhor,
ela entrou no salão e disse seu nome.
Ele elevou a cabeça num instante.
—Jane. Onde esteve?
—No terraço. É tarde. Surpreende-me que Lady Mary e você não tenham se
retirado antes. — Essa era sua voz, soando tão mordaz?
Ele franziu o cenho.
—Lady Mary? Ela estava levando seu cão lá fora. Deteve-se para me dar boa
noite.
—Sim, e ela só casualmente te encontrou aqui esperando-a. Que coincidência.
Sacudindo a cabeça, seu marido respondeu: —Sua implicação é absurda.
—Sério?
—Sim. Como pode ver, ela já não está no salão. Se tivéssemos acertado um
encontro asseguro-te que teria sido em um lugar mais privado e durado muito
mais tempo.
Pensar nele em uma habitação passando "muito mais tempo" com Mary,
Rainha das Doçuras, produziu uma estranha neblina vermelha sobre sua visão.
Agora sentia que estava fora de si, observando uma Jane diferente dizendo
palavras que nunca tinha sonhado dizer.
—É ali onde vai a cada dia, Harrison? Escapa de sua patética esposa para
desfrutar de um encontro com essa cadela com sabor de canela?
Vagamente viu suas sobrancelhas arquearem-se de surpresa e logo baixarem
sobre seus olhos brilhantes.
—Ela é mais de seu gosto? Mais elegante quando fica de joelhos para ti? Ou
isso é algo que só se faz conosco, esposas impróprias? — Quem era a maldita
harpia dizendo aquelas coisas horríveis? Ao que parecia, não era capaz de deter
as palavras. — Se a desejava devia ter casado com ela, marido.
Era evidente que o esgotamento tinha desgastado qualquer armadura que
tivesse levado nestes últimos dias. Não ficava nada de sua fanfarronice, de sua
determinação de deixar para trás a dor. Aquilo era ira. Pura ira expelindo-se da
maneira mais indigna, revelando tudo.
—Terminou? – Ele perguntou com suavidade.
Tendo em conta que queria vomitar, sim, provavelmente tinha terminado.
—É óbvio que está estressada e cansada depois de uma noite difícil.
Esquecerei que falamos. Talvez recupere a razão pela manhã. — Virou-se sobre
seus calcanhares, suas botas ressoando com força na madeira. Ela seguiu-o até
seu escritório. Encontrou-o parado junto à janela da habitação, na penumbra.
—Prossiga então — ela zombou, batendo a porta ao fechá-la. — Afaste-se.
Está se tornando muito bom nisso, não é?
Harrison virou-se e se dirigiu para ela em grandes passadas.
—Não me pressione, Jane. Tive mais do que o suficiente.
—E o que acontece quando passa de "mais do que suficiente", marido?
Converto-me então em uma substituta aceitável outra vez?
—Nunca foi substituta de ninguém. Agora ponha fim a essa tolice. Está
muito cansada e delirando como uma louca.
—Não fale comigo como se fosse uma menina.
—Uma menina teria mais bom senso. Não entendo por que está se
comportando desta maneira.
Ela abriu os braços amplamente.
—Por causa desta maldita noite! Fiz tudo isto por ti! Assim veria que sou
capaz. E não disse nem uma palavra. Nenhuma. — Ela pensou que talvez
lágrimas se derramavam por suas bochechas, mas ela mal podia sentir sua pele.
— Ainda fala comigo como se não tivesse deixado a sala de aula. Vê-me como
uma boba incompetente que não pode dirigir as funções mais simples que
realiza toda esposa da Inglaterra.
—Isso é ridículo. Se soubesse que desejava organizar um evento deste tipo,
com muito gosto teria lhe permitido.
—Não quero que me permita. Quero que tenha fé em mim, que me anime e
que fique orgulhoso quando consigo.
—Seu acanhamento não é nenhum segredo. A organização de um baile
deste tamanho é naturalmente difícil para ti. Nunca duvidei de que pudesse, Jane,
só que quisesse fazê-lo.
Ela elevou o queixo.
—E qual é a sua resposta agora? Agora que o fiz.
Os olhos de Harrison estavam cheios de cautela, como se vissem uma chuva
de faíscas cair sobre um montão de pólvora.
—Minha resposta?
Secou as bochechas com impaciência.
—Para sua frieza. Explique-a então, se não foi porque se arrependeu do
nosso matrimônio.
—Não me arrependo do nosso matrimônio. — Sua resposta foi fantasmal,
quase um sussurro.
Ela se aproximou um passo.
—Não acredito em você.
Ele estava respirando mais rápido agora, seus olhos dilatados, seu rosto
tenso. Não respondeu.
Então ela o atacou de novo.
—Se Lady Mary fosse sua esposa não a teria tratado como tratou a mim.
Admita.
Seguiu negando-se a responder.
—Admita! — Gritou.
—É verdade — disse com voz rouca, partindo-a pela metade. — Não o
teria feito.
CAPÍTULO 28
"Nunca faça uma pergunta que não queira que lhe respondam." - A Marquesa Viúva
de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, enquanto debatiam as sinistras
intenções de sua criada recentemente despedida.

De alguma maneira convenceu-se que não poderia ser pior, já que tinha
experimentado em toda plenitude a dor aguda de sua rejeição, e que ouvir a
verdade só confirmaria suas piores suspeitas, lhe permitindo finalmente desligar-
se dele.
Mas era pior. Muito pior.
Ela retrocedeu cambaleando, sua mão formando uma garra no centro de seu
peito, precisando arrancar seu próprio coração. Necessitando que a angústia se
detivesse. Girando às cegas em direção à porta, seus passos eram torpes e
dessincronizados, o mundo ao seu redor se movia fora de seu eixo.
Alguém estava dizendo seu nome. Alguém a estava abraçando por trás.
—Tenho que ir embora — sussurrou.
—Não, Jane. Não.
—Tenho que ir embora. Não posso ficar aqui.
—Não te deixarei ir. Nunca te deixarei ir. — O clamor era um eco do dela, a
mesma tortura. A mesma necessidade.
Fechou os olhos com força, sentindo o corpo dele curvado ao redor do seu
por trás. Seus braços a seguravam com tanta força que quase lhe faltava a
respiração.
—Jane — ele grunhiu, sua voz áspera, seu rosto pressionado contra seu
pescoço. — Minha Jane. — Suas mãos encontraram as dela, que pressionavam
seu abdômen. Ele apanhou uma e a levou até sua bochecha, mantendo-a presa
ali. — Toque-me. Por favor, Jane. Não vá.
Ele a segurava em seus braços, naqueles braços fortes, seu calor rodeando-a.
Mas Jane estava intumescida, sem entender por que se agarrava a ela daquela
maneira.
—Não me deseja, Harrison.
Ele voltou o rosto, pressionando os lábios contra sua mão, tocando seus
dedos curvados ao longo de sua mandíbula.
—Anseio-te.
Ela sacudiu a cabeça.
—Anseia a alguém. Não a mim.
— Só a ti.
—Não — ela sussurrou, sua negação de autopreservação. — Estou cansada,
Harrison. Vitória me convidou para ficar em Thornbridge. Irei com ela amanhã.
—Não pode ir.
—Não posso ficar.
—Por quê? — Sua voz torturada.
Por longos momentos debateu consigo mesma lhe dizer a verdade. Tudo
dentro dela gritava que não revelasse. Mas no final seu coração fez ouvir sua
voz. Virou-se em seus braços, enfrentando um homem que não tinha visto
desde a noite de seu sequestro.
—Machuca-me com muita facilidade.
A dor e a confusão escureceram seus olhos azuis à cor de um mar
enfurecido.
—Nunca te faria mal.
—Sei que não seria sua intenção. Mas tampouco nunca vai me amar. Não
como eu te amo.
Ele jogou bruscamente a cabeça para trás, seus olhos aumentados.
—Sim, Harrison. Eu te amo.
—Não diga isso.
—Por que não? É a verdade. — E era um alívio surpreendente dizê-lo em
voz alta.
Separou-se dela sacudindo a cabeça.
—Não pode me amar.
—Tantas repreensões — disse, seu tom de suave recriminação. — Não
posso te amar. Não posso ir embora. Bem, aqui não manda querido marido: não
pode evitar. Não pode controlar. Não pode me controlar.
—Esse precisamente é o problema.
—Só para ti. — Ela se moveu, mas ele manteve a distância entre eles,
retrocedendo passo a passo. A fez mais decidida. Logo, sentiu-se como um gato
espreitando um lobo. Muito estranho, realmente. — O que teme Harrison? —
Finalmente ela o abordou perto do sofá. —Aproxima-me e logo me afasta. Não
quer que te ame, entretanto não me permite ir embora.
—Você é minha esposa. Seu lugar é aqui.
Seu corpo ficou a um sopro do dele. Esticou o pescoço para olhar aqueles
olhos atormentados.
—Sério? Inclusive você admite que Mary Thorpe teria sido uma melhor
duquesa de Blackmore.
Uma furiosa indignação fez saltar faíscas de seus olhos, o primeiro raio de
luz entre nuvens cinzentas.
—Ao diabo que o fiz. Nunca disse tal coisa.
A boca de Jane se moveu, lutando para articular palavras ante sua peculiar
negação.
—Você… você acabou de fazê-lo, há só uns minutos.
—Não. Afirmei que não teria tratado Lady Mary como tratei a ti. Como é o
certo.
Jane tentou falar duas vezes, tendo êxito no terceiro intento.
—Qual é a diferença?
Ficou rígido, apertou a mandíbula e endireitou o pescoço.
—Não importa.
—Importa-me muito.
—É uma grande duquesa. A única que desejo.
—Por que a teria tratado diferente?
Parecia atormentado, seus olhos movendo-se rapidamente do ombro de
Jane, logo descendo a seu seio, em seguida voltando para seu rosto. Parecendo
como se tivesse decidido algo importante, seu queixo se elevou uma fração, seu
olhar firme.
—Ela não é você. E você é minha debilidade.
Sua debilidade? Ela sacudiu a cabeça, agora sem fôlego.
—Isso... isso é só...
Seu marido torceu os lábios.
—Luxúria? Não. — Lhe acariciou a bochecha com ternura dilaceradora. —
Mataria por ti. Quase o fiz.
Em parte, foram suas palavras pronunciadas como uma confissão. Mas,
sobretudo, foi a forma como a olhava, como se ela fosse imensamente preciosa,
como se houvesse mapeado seu coração e reproduzido o padrão com precisão.
O corpo de Jane se encheu de calor. Faíscas saltitantes se derramaram por seu
couro cabeludo e costas, percorrendo de seus braços até os dedos e das pernas
aos pés. Ficaram em seus seios e entre suas coxas, disparando seu sangue.
Tocando a mão de Harrison em seu rosto, ela inclinou a cabeça e lhe deu um
beijo em seu dedo polegar. Ele tomou seu gesto como um estímulo.
—O que sinto é perigoso Jane. É um fogo. E tem que ser controlado.
Ela se moveu para ele, pressionando seu corpo contra o seu, pousando a
cabeça contra seu peito duro. Finalmente estava começando a entender. Não
havia se tornado frio porque a achasse deficiente. Retirou-se porque temia amá-
la.
—Esse fogo arde dentro de mim também — confessou.
Seus lábios descansaram contra seu cabelo.
—Não é o mesmo — sussurrou. — Vejo-te com outros homens e quero
fazê-los em pedaços.
—Antes desejei que Lady Mary experimentasse uma indignidade calamitosa
que implicasse Cornelius e seus sapatos. Isso é impróprio, talvez, mas não
perigoso.
—Não entende, Jane. O ciúme fez com que meu pai golpeasse um homem
até quase matá-lo. Uma vez acreditei que não parecia em nada com ele, mas
agora sei a verdade. Era frio porque permitir-se dar rédea solta à sua verdadeira
natureza era impensável.
Ela se afastou o suficiente para ver o rosto de Harrison. Ele parecia bastante
sério.
—Era algo que acontecia frequentemente com seu pai? Era um homem
violento?
Harrison franziu o cenho.
—Não, ao menos que eu soubesse. Só recentemente me inteirei do
incidente. Antes de casar-se estava profundamente apaixonado por minha mãe.
Isso foi uma surpresa para mim.
—Não eram carinhosos um com o outro?
—Meu pai não era carinhoso com ninguém.
Incluindo seu filho. Harrison não o disse, mas não teve que fazê-lo. Por
tudo o que ele e Vitória tinham contado, tinha uma imagem clara e pouco
favorecedora do homem que tinha gerado o homem que amava.
—E você crê que a forma que seu pai lutou com sua "verdadeira natureza",
como a chama, é digna de ser imitada?
Erguendo-se de novo ele se afastou e se encaminhou à sua mesa.
—Pode sugerir uma alternativa? Porque tentei, Jane. Deus sabe que tentei.
Avançando para ele, começou a puxar as forquilhas de seu cabelo, deixando
que as mechas se soltassem e caíssem por suas costas. Ser audaz nunca havia
sido fácil para Jane, mas se alguma vez necessitasse dessa qualidade, esta era a
noite. Com Harrison, ali naquele momento, seria mais audaz que a Jane que
tinha deslizado através da janela de Lorde Milton. Ela seria mais audaz que a
solteirona que tinha ousado casar-se com o partido da temporada. Ela seria mais
audaz que a duquesa que tinha pedido a duas mal-educadas hóspedes de alto
berço que abandonassem sua casa.
—De fato sim, tenho uma ideia — ela disse, sua voz sombria e baixa.
Aproximando-se de seu marido alto e dolorosamente bonito, roçou-lhe
deliberadamente o braço com a ponta de seus seios.
Ele conteve o fôlego e se moveu até que suas coxas tocaram a borda da
mesa.
Ela não retrocedeu, mas sim se moveu em torno das costas de Harrison,
passando as mãos lentamente ao longo de seus largos e musculosos ombros e
arqueando-se até que seus seios ficassem esmagados contra ele.
—E se em lugar de sufocar o fogo...? — Ela enganchou os dedos na gola de
seu fraque e o puxou até que este começou a cair de seus ombros. — O
deixamos rugir? — Deixando cair o casaco preto no chão, lhe rodeou a cintura
com os braços. Com os dedos procurou debaixo de seu colete para agarrar a
prega de sua camisa de linho e tirá-la de suas calças. — E me ama plenamente.
Com toda sua alma. Como eu. — Ela desabotoou os primeiros botões de sua
braguilha, o suficiente para deslizar-se no interior, onde seu membro a recebeu
com calor e dureza. — E queimaremos juntos.
Ele ofegou, grunhiu asperamente, caiu para diante e apoiou as mãos sobre a
madeira escura.
—Jane — ofegou enquanto ela apertava e acariciava. — Não… não posso
te amar.
Ela rodou o polegar ao redor da ponta, provocando e agradando, antes de
rodear a cabeça com os dedos e apertar como gostava. Outro gemido retumbou
através de seu peito e na orelha de Jane, a que tinha pressionada contra suas
costas.
—Aí está o detalhe, meu amor — ela disse, sua própria voz ofegante de
excitação. — Já me ama.
No instante seguinte lhe agarrou o pulso, retirou a mão e puxou a dela
fazendo-a girar até que a borda da mesa se cravou em seu traseiro. O rosto de
Harrison estava ruborizado e feroz, despindo sua necessidade.
—Não — grunhiu. — Não te amarei.
—Fará. E muito profundamente, arrisco-me a dizer.
Seu marido respirava pesadamente, seu membro furiosamente avultado e
erguido colando-se ao seu ventre. Ela podia ver que estava perto. Mas talvez
necessitasse de outro empurrão.
—Mais até, — ela disse puxando para baixo seu corpete e as taças do
espartilho até que a borda da roupa raspou seus mamilos — Vai me dizer isso.
— Seus dedos brincaram delicadamente com as pontas duras, deixando que as
pregas do tecido elevassem seus seios de um modo impossível, parecendo
derramar-se como fruta amadurecida, exuberantes e inchados com o calor do
verão. — Antes que acabe esta noite, o dirá.
Seu controle estava perto de romper-se. Podia vê-lo em seus olhos, fixos em
seus mamilos avermelhados, nus e eretos.
—Isto é uma loucura — disse com voz áspera. Não sabe o que está
pedindo.
—Mmm — ronronou. — Por que não me mostra?
Ela esperava que a beijasse. Harrison sempre a beijava. Mas não o fez. Com
o rosto quase irreconhecível de luxúria, moveu-se com tanta rapidez que nem
sequer pôde tomar uma respiração. Segurou-a pela cintura fazendo-a girar em
círculo de modo que ficou de costas para ele. A habitação se inclinou quando ele
a posicionou para diante sobre a mesa, pressionando uma mão contra seu
pescoço, pressionando seus mamilos doloridos contra a madeira dura. O ar frio
roçou suas pernas quando ele levantou suas saias, jogando-as sobre suas costas.
Logo veio o quente deslizamento de seus dedos, movendo-se através das dobras
escorregadias entre suas pernas. Dois afundaram profundamente em seu centro
enquanto seu quente fôlego acariciava seu ouvido.
—Queria fogo — ele grunhiu. — Isto é como sente meu fogo, esposa.
Ela gemeu de prazer, apertando aqueles dedos hábeis e retorcendo os
quadris. Ele tirou os dedos e os substituiu por seu membro. A investida foi
feroz: profunda e bastante dura para elevá-la na ponta dos pés. Seus quadris
martelavam os dela sem piedade, e ela estava indefesa em seu abraço, seu centro
esticado agradado e em chamas pela fricção. Ela o sentia enorme daquele
ângulo, uma força da natureza exigindo sua obediência. Mas isto não era tudo.
Ele tinha que lhe dar tudo.
—Harrison — ela ofegou, grunhindo quando suas investidas se aceleraram.
— Toque-me, meu amor.
Imediatamente uma das mãos agarrando seus quadris se afrouxou e deslizou
por suas costas, a seda de seu vestido rangendo ao passar, um contraponto ao
calado som produzido pelo choque de seus corpos, ao pesado fôlego da
respiração que Jane sentia atrás dela. Aquela mão seguiu seu percurso, fez
cócegas por sua nuca, curvou-se em sua mandíbula. O dedo indicador se moveu
entre seus lábios, exigindo entrar. Ela abriu a boca deixando que deslizasse no
interior, sentindo o sabor de si mesma. Ele retirou o dedo e logo lhe deu um
segundo. Ela o rodeou com a língua, sugando brevemente. Sua mão saiu de sua
boca e viajou de retorno ao seu quadril, onde se curvou ao redor de sua coxa,
filtrando-se entre suas saias, e usando seus dedos úmidos para depositar um
beijo surpreendente contra seu botão intensamente inflamado.
As sensações foram simplesmente demais. Demasiado agudas, demasiado
potentes. Ela gritou seu nome, seu centro estreitando-o com fúria, seus punhos
apertados sobre a mesa, o corpo exigindo mais. E lhe deu mais. Mas, mesmo
assim, não era suficiente.
Arqueando as costas, estendeu um braço para trás para agarrar a mão que se
cravava em seu quadril.
—Aproximase — grasnou, sua voz quase afogada, tão perto do clímax que o
sentia acumulando-se nos dedos de seus pés.
Ele diminuiu o ritmo e, na seguinte estocada se manteve profundamente
enterrado em seu interior. Era quase demais.
—Isto não é o suficientemente perto para ti?
Ela se negou a liberar sua mão, puxando-o até que ele ficou inclinado sobre
ela, seu rosto quase perto ao dele. Jane se elevou até que suas costas receberam
o calor de seu torso, logo levou essa mão capturada pelo centro de seu peito.
—Diga que me ama — sussurrou. — Porque isto, — tocou o dorso da mão
que descansava sobre seu coração — é teu. E eu quero ter um para mim.
—Ah, Deus, Jane. — Seus lábios encontraram seu pescoço, seus quadris
empurrando agora com movimentos pequenos e involuntários. — Não posso.
—Diga, Harrison. Diga meu amor.
—Nãããão — grunhiu, sua voz crua e gutural.
—Está bem. Só diga. Amo-te.
Suas investidas se incrementaram em força e ritmo uma vez mais, os sons
saindo de sua garganta como mudas súplicas.
Mas ela não mostraria piedade. Ele diria. Ele diria, maldição.
E então, como algo se quebrando dentro dele, estreitou-a com força, com
braços duros e implacáveis rodeando sua cintura e seus seios. Ele arrastou os
lábios desde seu ombro à sua bochecha.
A primeira vez que disse as palavras não as escutou tanto como as sentiu,
uma carícia quente contra sua pele.
— Amo-te. — Logo uma vez mais, em um sussurro mais forte. — Amo-te.
— Logo ele grunhia as palavras, grunhia-as ao ritmo de suas investidas. —
Amo-te, Amo-te. Amo-te. — Uma e outra vez. O clímax que tinha estado
esperando precipitou-se sobre Jane como a força da maré. Ela gritou de prazer e
arranhou seus braços. Retorceu os quadris e os esfregou para trás contra os dele,
e em questão de segundos Harrison a seguiu ao abismo, enchendo-a com sua
semente, tomando seu coração e lhe dando o seu.
CAPÍTULO 29
"Se me preocupasse com as convenções nunca conseguiria nada que valesse a pena. Isso,
querido Humphrey, deixo às mulheres de categoria inferior." - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, cuja única resposta foi um sopro
desdenhoso.

A luz do sol era quase ofuscante na manhã depois do baile de verão. Os


pássaros cantavam nos carvalhos perto do caminho de entrada enquanto os
cavalos da elegante carruagem de Lorde Dunston relinchavam e sacudiam a
cabeça sem descanso.
—Não irei sem ele — declarou Lady Mary, secando uma lágrima da
bochecha. — Ele é meu, não dela.
Lorde Dunston suspirou.
—Muito bem, tratarei de encontrá-lo. Espera aqui. — Ele desceu da
carruagem e com grandes passadas passou ao lado de Jane, lhe dirigindo um
sorriso e levantando os olhos antes de desaparecer dentro da casa.
Lady Berne se inclinou para murmurar no ouvido de Jane: —É bastante
arrojado. Realmente espero que Maureen não esteja se afeiçoando muito.
Jane olhou sua mãe em dúvida.
—É perigoso — sussurrou. — Não terei uma filha afeiçoada a um dos
homens do Sidmouth.
Perguntando-se se sua mãe se excedeu um pouco na bebida na noite
anterior, Jane lhe bateu no braço.
—Mamãe, Lorde Dunston não trabalha para o Ministério do Interior. É um
cavalheiro encantador, não um espião. E a guerra faz muito tempo que
terminou.
O queixo de sua mãe se elevou.
—Creia no que quiser. Mas minha informação é sólida.
O homem em questão surgiu minutos mais tarde no vestíbulo de entrada
carregando um Cornelius que se retorcia e gemia. Entregou o cachorrinho à sua
irmã, que estendeu os braços da porta da carruagem.
—Onde o encontrou? — Perguntou gemendo, sorvendo pelo nariz e
tratando de conter as lágrimas.
—Estava debaixo das saias de Lady Wallingham, deitado em cima de seus
sapatos.
—Sabia que ela tinha me roubado! — Mary se voltou para sua mãe, que
estava sentada na sombra ao lado dela. — Não lhe disse, mamãe?
—Cesse seus histerismos, moça. — A ordem veio de Lady Wallingham, que
apareceu no terraço dianteiro como uma imperatriz vestida de púrpura. — Eu
não roubaria essa criatura desprezível. Tem sorte de estar vivo depois de tudo o
que suportei.
Os olhos avermelhados de Mary se estreitaram com desconfiança.
—Então como chegou a dormir em seus sapatos sem que a senhora o
notasse?
O nariz do dragão se elevou e enrugou com desdém.
—É ardiloso. Além disso, tem uma afeição anormal por meu calçado. Posto
que você falhou em sua obrigação de detê-lo, acostumei-me ao seu peso odioso.
Para a preservação da minha prudência, não me dou conta do que seja que tenha
a ver com ele.
— A senhora está mentindo. Ela está mentindo, mamãe!
Dunston limpou a garganta deliberadamente. Fez uma rápida reverência à
Jane e aos outros antes de empurrar Mary ao assento da carruagem e subir nela.
A porta se fechou bruscamente com um estalo. Momentos mais tarde Lorde
Dunston, sua irmã e sua mãe abandonavam Blackmore Hall. Jane suspirou de
alívio.
—Imagine! Me acusar de roubar aquela praga repugnante. Depois vai sugerir
que levei seu urinol. Absurdo.
Sentindo-se quase enjoada pela falta de sono, Jane apertou o braço de sua
mãe e sorriu antes de voltar para o interior. Através da porta aberta podia ouvir
os contínuos grunhidos indignados de Lady Wallingham e as respostas evasivas
de sua mãe.
Quanto mais avançava mais se apagavam as vozes, sendo substituídas pelo
clamor dos lacaios que transportavam os baús de sua família pela escada para
empilhá-los no vestíbulo da entrada. Genie vinha descendo as escadas com
passos ligeiros e atando a fita de seu chapéu vermelho debaixo do queixo.
—Jane, viu a mamãe? Papai diz que se não formos logo teremos que ficar
em uma dessas terríveis estalagens. — Ela estremeceu ao chegar ao último
degrau.
—Não sei por que as acha tão indesejáveis. E sim, mamãe está no terraço
norte.
—As camas são pequenas e sujas. E sempre sou obrigada a dormir entre
Maureen e Kate. Maureen ronca, e Kate chuta dormindo. Acredito que ela
sonha correndo, mas diz que não recorda. Talvez realmente esteja acordada e só
finge para que possa me machucar impunemente.
Jane sacudiu a cabeça.
—Kate faz o mesmo desde que era um bebê.
Genie soprou.
—Mesmo assim, de propósito ou não, eu não gosto das contusões.
Portanto, devo me apressar e procurar mamãe. — Dirigiu-se ao vestíbulo de
entrada, seu vestido branco um lindo contraste com o chapéu vermelho.
Cobrindo um bocejo Jane continuou pelo corredor, onde a senhora Draper
deteve-a.
—Sua Graça, o terceiro baú está preparado junto com a cesta de livros.
Estelle preparou tudo tal e qual você pediu, e deve estar preparada em breve.
Jane tragou saliva e sorriu fracamente à governanta.
—Obrigada, senhora Draper. Por favor, avise à Lady Atherbourne que me
reunirei com ela lá fora em uma hora.
A mulher fez uma reverência e se foi. Jane perambulou pelos corredores até
que entrou na antiga biblioteca. Ali na quietude ela fechou os olhos e abraçou a
si mesma, apoiando um ombro no marco escuro da janela. Com ar ausente deu
uma olhada na sua habitação favorita. Estava cheia de lembranças dele. Foi ali
onde a tinha amado pela primeira vez. Ele. Não o duque.
E agora, depois da noite anterior, quando ele por fim se revelou plenamente,
sabia que essas lembranças não eram suficientes. Que nunca seriam suficientes.
Ela queria tudo dele. Algo menos só a machucaria mais.
—Não tem que ir. — Sua voz chegou atrás dela. Estava parado na porta,
toda a longitude da habitação separando-os.
Sem dar a volta, ela baixou a cabeça, sua boca curvando-se em um sorriso
triste.
—Isso poderia ser certo se não te amasse tanto.
Seu longo silêncio tinha o peso de tudo o que havia dito na noite anterior.
Quando ele se retirou de seu corpo depois de confessar seu amor. Quando a
tinha cuidado com um medo dilacerador e lhe havia dito que nunca poderia
voltar a ocorrer. Quando tinha desaparecido no interior da pele de um duque e
declarado que por causa dela iria viver em Londres.
Jane tinha sabido então que as feridas que seu pai tinha deixado em seu
interior não podiam se reparar por vontade dela. Se desejava tudo dele devia
deixar que ele decidisse se seu amor valia o risco que claramente o atribuía.
—Nunca quis te machucar, Jane.
Tomou um momento para enfrentá-lo. Brilhava como o duque com seu
casaco cor carvão impecável, o lenço engomado e dobrado à perfeição, as mãos
entrelaçadas às suas costas. Mas seus olhos… ah, seus olhos eram de agonia.
Talvez houvesse esperança, apesar de tudo.
Deu um par de passos para ele, mas ele ficou rígido como um animal
açoitado, então se deteve.
—Sei — disse brandamente. E eu também não tenho nenhum desejo de te
machucar.
—Esta é sua casa.
—Sim, é.
—Seu lugar é aqui.
—Sim.
Ele ficou em silêncio, apertando a mandíbula.
—Quando vais voltar? — Embora falasse em voz baixa, a pergunta parecia
arrancada de seu corpo.
Seu sorriso tremeu. Ela fechou a distância entre eles, movendo-se
lentamente e se deteve na porta quando se colocou a um lado, evitando qualquer
contato. Olhando-o com o coração nos olhos, fez-lhe ver o muito que o amava.
O suficiente para ir embora mesmo quando a partia em duas.
—Quando for me buscar.
Uma pequena dobra de confusão apareceu entre suas sobrancelhas.
As lágrimas encheram seus olhos e seu sorriso se ampliou.
—Você é acima de tudo um homem sensato. Esperarei que se dê conta. –
Então, incapaz de deter-se, pôs uma mão sobre seu coração. — Seja valente,
meu amor — sussurrou antes de se virar e sair da biblioteca.
Uma hora mais tarde, depois de ver ir-se sua família, subiu na carruagem de
Lucien e Vitória e olhou pela janela, que se sacudia com o movimento. Os
campos verdes que rodeavam Blackmore Hall tinham chegado a ser tão
queridos para ela. Viu-os aparecer enquanto a carruagem rodava pelo lago de
peixes, logo mais à frente os carvalhos imponentes e o muro coberto de pedra
com sua hera e musgo. Logo fechou os olhos, sem querer ver que sua casa
desaparecia de vista. Em troca, começou uma carta em sua mente, uma que não
estava segura de que algum dia enviaria. Meu querido amor, escreveria. Hoje o deixei.
E foi a coisa mais difícil que já fiz.

~~*

Deixá-la ir foi o mais difícil que já tinha feito. Mais duro que disparar em um
homem que não merecia morrer. Mais duro que permitir que Colin enfrentasse
as consequências de suas ações. Mais duro que dizer que a amava. Sentou-se em
seu escritório com a vista fixa na mesa onde havia tirado cada peça de roupa de
sua magnífica Jane e lhe tinha dado cada peça de si mesmo em troca. Pela
primeira vez em sua vida havia se sentido completo.
Agora só sentia que arrancaram a alma de seu corpo, deixando um buraco
sangrando. Era um nada, rodeado pela pior classe de angústia.
—Ah, aqui está. Melancólico, já vejo. — A voz ressonante de Lady
Wallingham se introduziu na habitação. — Talvez não saiba, mas ainda ficou
uma convidada.
Não podia concentrar-se em suas palavras, pouco era capaz de respirar pela
dor. Em lugar de enfrentá-la, levantou-se e se voltou para a janela, suas mãos de
forma automática unindo-se na parte baixa de suas costas.
—Mmm. Boas maneiras, por certo. O que diria sua mãe?
—Minha mãe está morta.
—Suas normas de conduta, não.
Necessitando que fosse embora, perguntou-lhe: —Há algo que deseje, Lady
Wallingham?
Ela soprou.
—Contratei uma carruagem que me levará ao norte, ao Castelo Grimsgate.
Queria usar um de seus cavalos e um cocheiro para a viagem. O estábulo do
povoado tem só três cavalos brancos. Devo ter quatro. Como se veria, três
brancos e um baio? Uma vergonha.
— Pegue o que necessitar.
Um comprido silêncio se instalou entre eles. Não estava seguro de porque
ela ficara. Atrás dele ouviu o roce do vestido da viúva, o rangido das tábuas de
madeira quando ela deu vários passos pela habitação.
—Fez o correto sabe — disse.
Não queria escutar mais nada, então não perguntou a que se referia. Mas
quando uma falta de resposta tinha detido Lady Wallingham de expressar sua
opinião?
—Durante anos disse a Jane que essas histórias de amor verdadeiro são, no
melhor dos casos, mentiras que provocam falsas ilusões. A garota é comum e
dolorosamente torpe. Ela teve sorte que você tinha um sentido de honra
excessivamente desenvolvido, ou sem dúvida seria uma solteirona.
Ele se virou, irritado de repente. A anciã tinha sua habitual expressão altiva.
Quis gritar, mas em troca disse brandamente: —Ela não é comum.
—É óbvio que é. Está cego? — Disse com ironia. — Pode cortar o cabelo.
Pode usar os melhores vestidos que seus recursos possam comprar, mas será
sempre comum.
—Ela não é comum.
A nota de advertência em sua voz deve ter penetrado na névoa de altivez de
Lady Wallingham, porque não pressionou mais.
—De todo modo, meu ponto é válido. Ao enviá-la para longe fez-lhe um
favor. Nenhuma mulher deseja permanecer onde é inadequada e não é desejada.
Com o estômago revolto, sentiu que lhe esgotava a paciência com a viúva.
—Não a enviei para longe — espetou. — Além disso, ela não é nem
inadequada nem indesejada. Justamente o contrário. O lugar dela é aqui. Sou eu
quem deveria ter ido.
—Se a acha aceitável por que deveria ir um dos dois? Se requer proximidade
para a produção de herdeiros, se a memória não me falha.
Ante a menção de herdeiros sua mente recordou a última noite. Ela poderia
estar grávida dele. Um bebê. Parte dele e parte dela. Seu coração, que tinha
morrido quando ela se foi, começou a pulsar de novo, dolorosamente duro
dentro de seu peito.
—Seus pais não eram particularmente felizes em seu matrimônio, mas
fizeram o que era necessário para o cumprimento da linhagem familiar, como
fazem todos de sangue azul.
Ele torceu a boca.
—Se você sabe algo de seu matrimônio então também deve saber que é um
pobre padrão a ser seguido.
Uma das sobrancelhas da anciã se arqueou.
— Eu disse o contrário? Sua mãe não tinha têmpera, absolutamente, e seu
pai era um asno.
Ele piscou ante a contundente avaliação.
—Não foi a senhora quem sugeriu que a conduta do meu pai foi um
baluarte necessário para controlar sua natureza violenta?
Ela soprou.
—Nunca disse tal coisa. Sinceramente, depois de tantos anos comprovei que
tenho razão, algumas vezes nota-se, as pessoas deveriam pensar que minhas
palavras seriam recebidas com maior cuidado. É minha culpa, suponho. Espero
muito daqueles menos capazes. — Ela suspirou com um toque dramático. — O
que afirmei foi que ele negou sua verdadeira natureza convertendo-se em um
asno em lugar de admitir que a formosa, mas sem têmpera, Judith podia puxar
seus fios com o giro de sua delicada mão. — Seu olhar verde e direto tornou-se
penetrante. — A covardia, não a nobreza impulsionou seu pai para a frieza,
querido moço. Seu orgulho não podia suportar ser controlado de tal maneira.
Seja valente, meu amor. Foi a última coisa que Jane havia dito, sentindo o medo
que vivia dentro dele, aquele que o procurava cada vez que ela estava perto.
—Sua mãe não foi melhor. Não diga à Lady Berne que eu disse isso, já que
ela é irremediavelmente sentimental para com a duquesa, mas se Judith Clyde-
Lacey tivesse reagido com mais força de caráter o duque teria se obrigado a
recuperar sua virilidade. Creia-me quando lhe digo que a perda da própria
virilidade é uma qualidade muito pouco atrativa.
Ele fez uma careta ante o duplo sentido.
—Felizmente Jane não é sua mãe. Minha influência sem dúvida se
encarregou disso. E você não é seu pai.
Inclinando-se para diante contra a mesa, Harrison deixou cair brevemente a
cabeça para a frente antes de levantá-la de novo.
—Você crê... que meu pai e eu não somos iguais?
Sua gargalhada foi resposta suficiente, mas ela continuou: —Talvez
superficialmente se pareçam. Seus olhos, por exemplo. Algo de suas maneiras
pode ter te transferido, mas os filhos tendem a imitar as posturas e hábitos de
seus pais. Meu Charles sem dúvida o tem feito, para meu pesar. Debaixo da
superfície, entretanto, Richard Lacey e você são tão diferentes como a neve e o
repolho. O tipo de crueldade negligente que ele exibia seria detestável para
alguém de seu caráter.
Ele franziu o cenho e assentiu reconhecendo a verdade de sua declaração.
—Imagina seu pai resgatando uma solteirona roliça, comum e torpe de sua
própria estupidez?
Não, não podia fazê-lo. Entretanto, foi ao ponto: —Ela não é comum. Ela é
extraordinária.
A viúva rejeitou sua declaração com um gesto de sua mão enrugada.
—Você está sofrendo claramente um transtorno visual de algum tipo.
Talvez você e Jane devam usar óculos iguais.
Ele não respondeu. Tinha um redemoinho na cabeça com o que lhe havia
dito. Lady Wallingham era muitas coisas, mas obtusa não era uma delas. Se ela
acreditava que ele e seu pai eram diferentes debaixo da pele, Harrison podia
confiar em sua avaliação. Ela tinha conhecido bem seus pais, e parecia conhecê-
lo melhor do que gostaria.
Sendo esse o caso, ele devia agora reavaliar a conclusão a que havia chegado
antes de saber a história do cortejo de seus pais, concretamente, que não possuía
a disciplina necessária para dirigir as intensas emoções que sentia por Jane,
apesar dos esforços de seu pai por inculcar-lhe. Em consequência não podia
controlar nem predizer seu comportamento futuro com respeito a ela.
Ou talvez poderia predizê-lo muito bem: se fosse machucada não se deteria
ante nada para destruir a fonte. Se ela caísse presa aos cuidados de outro
homem, destroçaria esse homem. Se Deus a quisesse morta por alguma
enfermidade ou pelos estragos do parto ou por qualquer dos outros mil perigos
que tinha imaginado, perderia a si mesmo, nunca recuperaria a saúde mental.
Esse era o risco de amar Jane. E o aterrorizava.
—Está pensando muito moço — Lady Wallingham queixou-se. —O que
está passando por essa cabeça tola que tem o aspecto de um francês olhando
uma guilhotina?
—Talvez seja um covarde também — murmurou mais para si mesmo que
para a viúva.
— Tolices — disse. — Quer que seus filhos conheçam seu pai?
Centrando-se nela uma vez mais, respondeu: —Sim.
—Então recuperará sua esposa e a devolverá ao lugar que a corresponde.
—Não é tão simples.
—É óbvio que sim. Jane é uma boa garota. Forte. Ela se assegurará de que
você não falhe.
Seu pulso se acelerou quando a observação de Lady Wallingham foi na
mosca. Engoliu tratando de absorver. Em toda sua preocupação sobre se podia
conter seu próprio coração selvagem tinha deixado de considerar o único
elemento que poderia fazer a maior diferença: a própria Jane. Durante as últimas
semanas a verdadeira substância de sua esposa se revelou ante seus olhos. Ela
era uma mulher tímida, entretanto tinha trabalhado para organizar um baile para
mais de duzentos estranhos. Antes que houvesse dito a profundidade de seu
amor ela tinha se declarado primeiro, sabendo que poderia ser rejeitada. Era
valente. Era forte. Era decidida. E Lady Wallingham tinha razão, ela era mais
que capaz de manter suas mãos estáveis, de fazê-lo voltar a ser ele mesmo. Com
Jane ao seu lado não podia falhar. Era só quando ela não estava que caía aos
pedaços.
—Bem, informarei o seu mordomo que disponha para mim um cavalo e um
cocheiro — disse a viúva, sua expressão agora curiosamente serena, inclusive
um pouco presunçosa. — Quer que selem seu cavalo também? — Ela sorriu e
arqueou uma sobrancelha.— Terá que atuar com rapidez para recuperar o que
perdeu pela própria estupidez. Não acha?
CAPÍTULO 30
"Não é incrível o quanto melhor é tudo quando os outros simplesmente seguem meu
conselho?" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, em
uma caminhada pelo campo durante uma fresca manhã.

—Crê que dez mil ao ano é suficiente, Gregory? Alguém sempre poderia
pedir um pouco mais dada a natureza arisca do senhor Darcy.
Sentados sob uma grande árvore em meio de um campo verde salpicado de
ovelhas brancas, Jane abraçou seu sobrinho e lhe leu histórias de mulheres tolas
obcecadas com a renda anual de homens elegíveis.
Acabavam de passar o povoado de Wakefield, fazendo bom tempo graças às
rotas propícias. Vitória e Lucien tinham entrado na pequena estalagem para
adquirir comida e bebida enquanto trocavam os cavalos. Entretanto, Jane,
Estelle e a babá de Gregory, Roseanna, tinham estendido uma manta debaixo de
um toldo coberto de folhas optando por uma pausa ao ar fresco da instável
carruagem.
Os senhores declaravam que era um homem que tinha muito estudo; as senhoras diziam
que era muito mais bonito que Bingley, sendo admirado durante quase a metade da festa até
que suas maneiras causaram tal desgosto que fizeram mudar o curso de sua boa fama.
Estimado Gregory, interveio Jane, deixando que seus olhos encontrassem os
seus, verdes azulados, de pestanas escuras e cheios de maravilha, temo que os
recursos generosos não compensam qualquer enguiço. Sigamos lendo e vejamos
que mais aborrecimentos podemos encontrar: se descobriu que era um homem
orgulhoso, que pretendia estar acima de todos os demais e demonstrava sua insatisfação ao
ambiente que lhe rodeava.
—Sua Graça — Estelle disse com suavidade.
—Nem sequer suas extensas posses em Derbyshire podiam lhe salvar, já que parece
odioso e desagradável e se considerava que não valia nada comparado ao seu amigo.
—Sua Graça – a criada disse, desta vez com mais insistência.
Jane levantou a vista do livro.
—Sim, Estelle?
Mas a moça não a estava olhando. Estava olhando através do campo, além
das ovelhas, ao pátio da estalagem. Onde o marido alto e bonito de Jane, que
tinha muitos recursos, entregava as rédeas a um cavalariço e se dirigia para ela
com largas e decididas passadas.
Ela perdeu o fôlego e a compostura, cheia de um repentino rubor que não
era devido ao calor de agosto.
—Oh — ela pronunciou deixando cair o livro sobre a manta. — Oh, céus.
—Sua Graça, talvez devesse pegar o amo Gregory. — Escutando as palavras
de Roseanna à distância, permitiu-lhe levantar o feliz bebê de seus braços. Então
a garota murmurou algo à Estelle e as duas partiram dirigindo-se à estalagem.
Ela apoiou a mão contra a árvore atrás dela e se levantou.
Harrison se deteve quando ainda estava a vários metros de distância.
—Jane — sussurrou. Isso foi tudo. Só seu nome, como se fosse a única
palavra que soubesse.
—De… deve ter deixado Blackmore pouco depois que…
Ele ficou olhando com olhos ardentes, alimentando sua alma faminta com
seu fogo.
—Duas horas. Longo maldito tempo, Jane. Pressionei muito Ulisses, temo.
Mas sabia que devia te alcançar. Para te dizer...
Com o coração agora palpitando e derretendo-se ao mesmo tempo, lhe
perguntou: —Dizer o que?
—Quero que volte.
—À Blackmore?
Parecendo curiosamente sem rumo, ele se aproximou um passo mais com as
mãos soltas nos flancos. Engoliu visivelmente.
—Para mim.
Ela não podia falar, perguntando-se se talvez tivesse adormecido e estava
sonhando com ele de novo. Sua cabeça começou a girar lentamente para diante
e para trás maravilhando-se. Não. Ele estava ali. Estava realmente ali.
—Antes que se negue, só escuta. Rogo-lhe isso. — Avançou um passo mais
estendendo uma mão suplicante, logo fechando-a em punho e deixando-a cair
de novo a um flanco. — Quando foi... falei com Lady Wallingham.
Isso foi possivelmente a última coisa que tinha esperado que dissesse. Lady
Wallingham?
—Ela me ajudou a ver, a entender. A respeito do meu pai. Que era um asno.
Jane não pôde reprimir um sorriso, assim apertou os lábios e os dedos sobre
sua boca. Havia dito essa palavra com total seriedade: asno.
—Acreditei que fosse como ele. Não à princípio, acreditava que fôssemos
diferentes, mas... então ela me contou que estava apaixonado por minha mãe.
Obcecado por ela. E soube que ao menos em um aspecto éramos iguais.
Ela inclinou a cabeça, seu sorriso cada vez menos tratando de diversão e
mais a respeito de amá-lo tanto que pouco podia contê-lo.
—Porque você é isso para mim, Jane. Minha obsessão. Meu coração. —
Deu um passo para mais perto. Agora estava na beira da manta. — À princípio
temi que não fosse o bastante como ele, que não pudesse me controlar contigo.
Que faria algo imprudente. Quando pus a arma na cabeça de seu captor… estive
muito perto. Muito perto.
O ar lento e pesado devido ao excesso de calor e umidade movia-se através
das folhas por cima deles fazendo com que a luz solar oscilasse ao longo do
rosto de Harrison.
—Então, depois que Lady Wallingham me contou o que meu pai tinha feito
devido aos seus ciúmes desenfreados, temi que parecesse muito com ele e que a
violência ou a crueldade seria a consequência se fizesse o que desejava fazer.
—E o que desejava fazer? — Ela perguntou com suavidade.
—Te fazer minha. Completamente. Me permitir te amar. — Parou sobre a
manta. — Então te afastei. Não porque não te desejasse. Deus, Jane, nunca isso.
Porque te desejo muito. Necessito-te muito. — Deixou cair a cabeça, olhando
seus pés, parecendo surpreendentemente jovem para ela nesse momento.
Quando levantou a cabeça de novo apertou os punhos nos flancos,
aparentemente reunindo coragem para falar. — Temo o que tem dentro de
mim. Mas temo mais te perder.
Ela se aproximou dele incapaz de suportar um momento mais.
—Por favor, di…
Suas palavras restantes foram interrompidas por seu beijo, suas mãos
pendurando-se em seu pescoço e puxando-o para baixo para encontrar seus
lábios em um feroz ardor. A boca de seu marido explorou a dela, seus braços
apertando-a até deixá-la sem respiração. Ela encontrou sua língua e acariciou seu
rosto com mãos desesperadas. Oh, como amava este homem. Queria subir à
parte superior dele e reivindicar seu direito. Queria levá-lo dentro de seu corpo
até que ela e ele desaparecessem e um novo ser nascesse de suas cinzas.
Juntos, balançaram-se e tropeçaram caindo de joelhos. Estava agradecida, já
que assim podia alcançá-lo mais facilmente. Ela afastou a boca para explorar seu
rosto, depositando beijos de adoração ao longo de suas bochechas e através de
seus olhos. Saboreou sal e umidade. Lágrimas. Suas ou dele, não sabia. Eram
parte de cada um agora.
Ele pressionou beijos ternos, desesperados ao longo de sua mandíbula e em
seguida por seu pescoço. Jane entrelaçou as mãos em seu cabelo e o embalou
contra ela.
—Harrison — ela sussurrou, a garganta apertada pela emoção. — Tudo o
que sempre quis foi seu amor. Sem restrições. Sem desculpas. Enquanto me
amar, querido marido, nunca me perderá.
Ele gemeu e a agarrou com mais força, a cabeça subindo lentamente, assim
ela poderia ver seus olhos. Ali no azul o amor brilhava sem sombras nem véus.
Pela primeira vez ela podia ver claramente seu coração.
—Então estaremos juntos para sempre, minha Jane. — Ele roçou o dorso
dos dedos contra sua bochecha enviando tremores pela sua espinha dorsal. —
Porque esse é o tempo que te amarei.

~~*

Necessitou de uma hora para explicar tudo à Vitória e a Lucien antes que
eles decidissem seguir seu caminho. Vitória, em particular, desejava saber mais
detalhes.
—Oh, Harrison, — disse secando a umidade sob os olhos — deve ter
exaurido o Ulisses. É tão romântico.
—Não para o cavalo, atrevo-me a dizer — Lucien disse ironicamente.
—E Jane! — Ela gemeu atraindo Jane em um terceiro abraço. —
Simplesmente estou transbordando de alegria, querida. Muito contente por ti.
Embora sentirei falta de te ter em Thornbridge.
Jane sorriu e deu à sua melhor amiga um carinhoso apertão.
—Sou mais feliz do que nunca acreditei ser possível, Vitória. Obrigada por...
bem, por tudo. — Sua garganta começou a voltar a esticar-se e a doer pelas
malditas lágrimas. — Olhe-me — disse aceitando o lenço que Harrison
silenciosamente entregou-lhe. Secou os olhos, seus dedos empurrando os
óculos. — Estou me tornando um regador igual a você.
Vitória sorveu pelo nariz.
—Tenho muita vantagem nesse sentido. Só espera até que chegue seu
primeiro filho. Não se reconhecerá.
Pouco tempo depois estavam se despedindo entre lágrimas e vendo Vitória e
Lucien irem com a promessa de uma visita no Natal. Devido que Ulisses
requeria um descanso antes de ser montado de novo, e porque nenhum deles
podia esperar várias horas para viajar à Blackmore, Harrison assegurou um
quarto na estalagem. Não era tão grande como seu dormitório em seda verde,
mas quando Jane entrou no pequeno quarto lembrou-se de sua noite de bodas
no Porco e o Arado e da manhã seguinte, quando havia despertado para encontrar
Harrison enredado com ela numa forma que se tornou extraordinariamente
familiar. Virou-se e deslizou em seus braços quando ele fechou a porta.
Envolveram-se em um abraço apertado, forte e seguro. Deixou que seu ouvido
descansasse sobre seu coração, cheirando a leve goma e o sol de seu lenço,
ouviu o ruído surdo e o pulso de seu sangue bombeando por suas veias.
—Amo-te tanto — sussurrou no silêncio da habitação.
—E eu a ti, minha Jane. Mais do que sonhei ser possível.
Jane estendeu os dedos ao passar as mãos ao longo dos músculos de seu
peito. Lenta e prazerosamente procurou e encontrou os extremos de seu lenço.
Puxou e desenrolou a franja de tecido, finalmente soltando-a. Envolvendo-a ao
redor de seu próprio pescoço, manipulou os botões de seu colete e a braguilha
de suas calças de montar. Quando seus dedos roçaram sua dureza pôde sentir
sua crescente impaciência.
Afastou-lhe as mãos, rapidamente tirando o casaco de montar,
desprendendo-se de seu colete e camisa, logo depois suas botas e calças. À luz
do dia filtrando-se da janela ficou nu, seu corpo um festim para seus olhos. Ela
adorava seu peito, músculos e o ligeiro pontilhado de pelos. Amava seu ventre,
com sua marcada força ondulante. Desejava seu membro, tão alto, orgulhoso e
preparado para ela.
Girando-a de um lado a outro, ele fez um trabalho rápido com seu vestido,
espartilho, anágua e regata. Então também ficou nua. Seu corpo roçou o dela
quando a atraiu para lhe tirar as forquilhas do cabelo, as compridas mechas
caindo ao redor de seu rosto e ombros.
—É tão formosa, meu amor — ele disse com voz áspera. De qualquer outro
homem, dito de qualquer outra maneira, ela poderia não ter acreditado. Suas
curvas brancas, abundantes e seus traços comuns eram pouco prováveis que
fizessem milhares de navios levantarem âncoras. Mas aos olhos de Harrison era
formosa. Sabia disso tão claramente como sabia que aqueles olhos se
escureceriam como o faziam agora. Que faiscariam e cintilariam de desejo.
Por ela. Só por ela.
Ela foi para ele.
Ele se aproximou dela.
Caiu de joelhos diante dela.
Apertou os lábios com reverência contra seu ventre, logo os deslizou para
cima, aos seus seios. Ele empurrou um com sua bochecha e logo levou seu
mamilo ao calor de sua boca. Ela gemeu e lhe acariciou o rosto, arqueando-se
para ele com insistência. Harrison soprou contra sua pele, sugou e lambeu seu
mamilo até que ela não pôde evitar rodar os quadris.
Sentia os joelhos como manteiga quando ele liberou seu mamilo para adorar
ao outro, deixando o primeiro exposto, logo seu adorado polegar o agradou
também.
—Harrison — rogou. — Preciso de ti.
Foi acariciando de suas coxas até suas nádegas, provocando, incitando. Com
suas mãos fortes rodeando sua cintura, ele a ajudou a sentar-se na cama,
depositou-a brandamente e logo lhe empurrou todo o corpo até que pôde
esticar-se sobre ela, alinhando seus corpos.
Oh, a sensação de sua pele, de seu peso, de seu calor. Olhando-o nos olhos,
respirou seu fôlego entesourado.
—Amo-te — ela sussurrou, suas mãos acariciando sua mandíbula, sua pele
raspando suas palmas e passou o polegar por seus lábios.
Ele deslizou entre suas coxas e pressionou-se em seu interior. O azul de seus
olhos brilhou e se consumiu quando ele uniu sua carne à sua.
—Minha Jane. — Estabelecendo um ritmo lento e pausado, arrastou seu
peito sobre seus mamilos, conduzindo-a mais alto, esquentando-a mais.
Apoiando-se nos cotovelos para não a esmagar, suas mãos brincaram com
seu cabelo, provocando pequenos calafrios ao longo de seu couro cabeludo. Ele
acariciou seus lábios e bochechas e brincou com suas covinhas quando ela sorriu
de felicidade.
Entre suas coxas, seu membro lentamente se esticava e se retirava, enchia e
retrocedia, queimava e a completava até que cada centímetro de seu centro
ondulou e chorou de alegria. Com deliberação, estava inclinado de modo que
seu membro venoso e pesado se deslizava contra os lábios inchados de seu sexo,
esfregando o centro de seu prazer com cada lento e enlevado impulso.
E todo o tempo ele nunca afastava os olhos dos seus. Mantinham-se ligados,
a beleza de sua união quase ofuscante, sua única realidade aquele precioso laço
que unia suas almas.
Ele baixou sua testa, agora úmida de suor, à dela, mas não rompeu o
vínculo, olhando-a fixamente nos olhos, respirando em sua boca. Jane podia ver
a mudança, a urgência crescente, o fogo mudando de uma queimadura a um
incêndio. Ele acelerou o ritmo de seus quadris. Ela elevou as pernas para o
envolver ao redor de seus quadris. As faíscas que consumiam todo seu corpo a
obrigaram a ir mais alto, contraíram seus pulmões e curvaram os dedos de seus
pés e se derramaram ao seu redor. Explodiram em uma chuva, inundaram em
uma explosão tão vermelho vivo, que caiu aos pedaços, soluçando seu nome.
Ele respondeu à chamada com as investidas que necessitava, a pressão profunda
uma vez. Duas. Três vezes. Logo ele a seguiu ao topo, lhe permitindo jogá-lo no
precipício em uma luz branca brilhante, puxado pelo único laço que se negava a
romper. Cinza azulado e castanho escuro. Harrison e Jane. Unidos para sempre.
Muito tempo depois Jane o sentia tremer em seus braços, seus corpos
saciados jazendo um junto ao outro, ainda ligados em um abraço.
—Diga que é minha — ele murmurou em seu ouvido.
—Sou toda sua.
—Nunca me deixe de novo.
—Nunca.
Enquanto ela acariciava seus braços e peito, regando beijos fugazes ao longo
de sua mandíbula, ele se manteve em silêncio, deixando-a explorá-lo e
tranquilizá-lo. Finalmente pressionou seus lábios contra os dela.
—Não será fácil para mim, Jane — ele sussurrou. — Aterroriza-me.
Ela sorriu.
—Eu?
—Pela forma que me faz sentir.
—E como é isso?
Ele suspirou.
—É muito para descrever. Estou decidido a te dar tudo. Tudo o que tenho
dentro. Essa é minha promessa, e não a quebrarei. Mas por favor, não peça que
o explique, porque não tenho palavras.
Jane afundou o nariz em seu pescoço e respirou profundamente, deixando
que o suave suspiro da brisa exterior enchesse a habitação por um tempo. Logo,
com um toque de malícia em sua voz, disse: —Tenho uma proposta.
Ele ficou quieto.
—Sim?
—Cada ano, neste dia, escreveremos uma carta. Não uma carta ordinária
com notas sobre as crianças ou as contas da casa. E sim uma carta descrevendo
um aspecto, tão somente um do que sentimos um pelo outro.
—Ah, Jane — disse, sua voz cheia de afeto. — Você é muito melhor do que
eu nesse tipo de coisa. Minha predição é que ficará terrivelmente decepcionada
com meus esforços.
Ela se apoiou em um cotovelo e logo movendo-se entre seus braços para
poder rodar por cima dele e ficar escarranchada sobre seus quadris e com seus
rostos de frente e separados por centímetros. Seu cabelo escuro caiu como uma
cortina ao redor deles, sombreando alegremente a óbvia faísca de alegria
naqueles olhos cinza azulados. Sorrindo ao seu formoso marido, pôs um
pequeno beijo em seu nariz e lhe deu uma piscada.
—Quer apostar, meu amor?
EPÍLOGO
"Devo dizer, a necessidade desta geração mais jovem é toda uma provocação. Onde
estariam sem meu juízo e sabedoria superior para guiá-los?" - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey.

5 de dezembro, 1817

Castelo Grimsgate, Northumberland

A xícara de chá tremeu em seu pires quando a nova criada de Lady


Wallingham a depositou na mesinha junto à sua cadeira no salão amarelo. Lady
Wallingham olhou a garota intensamente. Christina era seu nome. Uma garota
local. Collette tinha sido muito altiva, igual a muitos franceses. Lady Wallingham
a tinha despedido no mês passado depois de um incidente abominável com os
ferros de cabelo. Ela ainda não tinha decidido se a queimadura tinha sido
intencional.
—Pelo amor de Deus, garota, vá antes que derrame o chá e queime a ambas
— chiou. Christina se encolheu e fez uma reverência, saindo apressada da
habitação. — Mmm. Não durará muito tempo, me atreveria a dizer.
Recolhendo seus óculos e a primeira página da pilha de cartas em seu colo,
procedeu a ler os últimos informes de seus contatos, através de dez dos
condados da Inglaterra. Várias páginas mais adiante se encontrou estalando a
língua enquanto compartilhava as partes mais significativas das notícias com seu
acompanhante, que ocupava a cadeira contigua a dela.
—Parece que o Marquês de Rutherford morreu, Humphrey. O que significa
que o indesejável de seu filho, Lorde Chatham, herdará o título. Muito
lamentável. Que baixo tem ido essa dinastia para ter o canalha de maior má
reputação da Inglaterra como seu estandarte. Vergonhoso, não acha?
Humphrey, que tinha estado roncando audivelmente, não despertou para
comentar.
Ela tomou um gole de chá e continuou lendo.
—O duque e a duquesa de Blackmore são enjoativamente felizes, ou isso
reporta Lady Atherbourne. Espero uma numerosa prole dessa união. A mãe da
duquesa foi bastante produtiva, e a maçã não cai longe da árvore. Além disso, o
duque nunca conheceu uma atividade que não pudesse dominar em pouco
tempo. Recorda minhas palavras, Humphrey. Já vejo Lady Berne se exibindo.
Devo me preparar para o ataque.
Humphrey simplesmente se moveu e grunhiu em resposta.
Ela sacudiu a seguinte carta para endireitá-la e sustentar os óculos mais perto
de seus olhos.
—Lady Mary Thorpe se comprometeu, ao que parece. Com... Lorde
Stickley? Ora! Uma combinação perfeita. Podem cantarolar um ao outro seu
amor mútuo pelos cães de caça e deixar o resto de nós em paz.
Grunhindo um pouco, Humphrey lhe dedicou um sombrio olhar de
condenação.
—Sim, bem. Eles são tediosos e ridículos a respeito de seu afeto,
Humphrey. Outros optam pela dignidade em lugar de tão aberto
desdobramento de sentimentalismo.
Sua resposta foi farejar, piscar duas vezes lentamente e então fechar os olhos
no intento de reatar sua sesta.
—Agora aqui há um relatório divertido. Aquela herdeira ruiva, meio
americana, senhorita Charlotte Lancaster, ficou muito envergonhada quando
caiu no gelo do lago Serpentine e perdeu o controle de suas saias. Voaram, ao
que parece, sem deixar nada à imaginação. — Ela riu e sacudiu a cabeça.
Ao ouvir sua risada, Humphrey despertou, bocejando amplamente e
gemendo.
Ela levantou uma sobrancelha.
—Suponho que deseja dar um passeio agora.
Com os olhos brilhando, retorceu-se para parar na almofada da cadeira, seu
enrugado corpo castanho tremendo de antecipado prazer.
Ela deixou seus óculos e cartas de um lado, recolheu seu novo cachorrinho
da cadeira, e o aproximou para beijar uma de suas orelhas largas e caídas. Não
eram tão grandes como as de Cornelius, mas ele era um espécime de bom
aspecto.
—Muito bem. Um breve. Faz muito frio para um de nossos longos passeios.
Não queremos escorregar em uma placa de gelo como a lamentável senhorita
Lancaster. — Ela o baixou ao chão e lhe permitiu perseguir seus sapatos através
do salão. — Devo dizer, a necessidade desta geração mais jovem é toda uma
provocação. Onde estariam sem meu juízo e sabedoria superior para guiá-los?
Em lugar de responder, Humphrey farejou o chão atrás dela até que
chegaram ao vestíbulo da entrada, onde ela colocou o casaco forrado de pele,
botas, e suas luvas antes de abrir a porta. O cão saltou à neve com alegre
abandono, logo se deteve para olhar para trás como esperando.
—É muito perceptivo, Humphrey — ela disse seguindo-o para o ar fresco
de dezembro, a neve rangendo sob seus pés. — Estariam perdidos sem mim.
Não poderia estar mais de acordo.

[1]Arquiteto, decorador e projetista de mobiliário do Reino Unido. É


considerado por muitos como o maior arquiteto da segunda metade do século
XVIII, o líder da retomada do estilo neoclássico por volta de 1760.
[2]Marceneiro britânico.
[3]Paisagista e arquiteto britânico considerado como pai da jardinagem
paisagista inglesa.
[4]Talvez você prefira deixar a Inglaterra e retornar ao seu país de origem.
Eu certamente posso ajudá-lo com isso.

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