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DUQUES
Elisa Braden
Resgatada da Ruína
Livro 02
Copyright © 2015 por Elisa Braden
Tradução: Christine C.
Capa: MR
Com sua reputação pendendo por um fio, Jane aceita casar-se com o
arrogante Duque de Blackmore, embora esteja convencida de que será como
entrar em uma nova Era Glacial. Só depois que longos olhares resultam em
beijos devastadores começa a suspeitar da verdade: talvez, só talvez, seu duque
não seja tão frio como parece.
CAPÍTULO 01
5 de Maio, 1817
Londres
"Qualquer livro que retrate o "amor verdadeiro" como uma razão para o matrimônio tem
a mesma credibilidade que os desvarios de um demente. Chama-se "ficção" por essa razão." -
A Marquesa Viúva de Wallingham á Lady Jane Huxley depois de descobrir a quarta cópia
de Orgulho e Preconceito da dita dama escondida dentro de um vaso.
"Nunca aposte o que não pode se permitir perder. A menos que,é claro, seu oponente
esteja tão ébrio que não recorde o que está em jogo. Então, definitivamente, aposte a lua." - A
Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Reedham enquanto eram parceiras em um
entusiasmado jogo de whist.
Era muito tarde e Colin Lacey estava muito bêbado. Normalmente, estar em
tal estado era muito divertido. Mas não essa noite.
—Suponho que a aposta vai bem? - Perguntou uma voz seca do outro lado
da mesa.
Colin levantou a cabeça de onde estava, sobre seu antebraço. Quando
Chatham tinha entrado? E quando ele tinha começado essa estranha dança em
zigue-zague? Colin sacudiu a cabeça. O mundo se movia de maneira nauseante.
Ah, sim. Era o brandy que fazia com que seu amigo oscilasse e balançasse em
sua cadeira. Uma terrível quantidade de brandy.
Soprando, Colin respondeu: —Não. Não vai bem, absolutamente. Mas você
já sabe isso.
Com dedos elegantes e relaxados Chatham agarrou um copo de uísque e
tomou um gole. Colin se perguntou se Chatham estava bêbado também. Nunca
podia dizê-lo com certeza. Benedict Chatham, visconde Chatham, era um
homem diabolicamente controlado, mesmo tendo bebido como um cossaco.
Nunca se sabia se estava furioso ou feliz. Seu comportamento seguia sendo o
mesmo, independente das circunstâncias: um cinismo enfastiado e um engenho
mordaz acompanhados por uma inteligência temível e um curioso magnetismo
que as mulheres achavam irresistível, apesar de estar quase nos ossos, magro e
pálido como um papel. Colin tinha sido seu amigo durante mais de três anos, e
ainda assim, frequentemente parecia ser praticamente um desconhecido, embora
muito divertido.
Passando uma mão pelo rosto, Colin tratou de sentar-se em posição vertical.
—Nada disso seria nece… necesssa… não haveria nenhuma aposta, em
absoluto, se meu irmão não fosse um pedante moralizzzadorrr.
—Cuidado — respondeu Chatham, sua postura negligente, uma perna
magra pendurada sobre a outra, uma mão apoiada em seu joelho. Um só dedo
daquela mão se levantou para indicar a garrafa de brandy que algum empregado
do clube havia convenientemente deixado sobre a mesa. O cotovelo de Colin
quase a havia atirado ao chão. — Seria uma pena danificar objetos de valor.
—É brilhante, sabe,Chatham?
—Só o diz por que está bêbado.
Colin sacudiu a cabeça enfaticamente.
—Não! Não, não, não. O brandy é terrivelmente car…custa…caro. Por isso
jurei não o beber. Deixe-o assim. - Ele estalou os dedos, mas eles pareciam
perder-se entre si, já que o som não saía bem. — Não posso me permitir essa
coisa. Nem sequer posso me permitir botas decentes. O maldito Harrison
cortou meus recursos.
—Sim, seu irmão não é dos que suportam os parvos para sempre.
—Certo! É sua culpa que esteja neste perd… perd... nesta confusão. Agora a
aposta se faz mais malditamente impossível com cada novo tipo que acrescenta
seu nome ao livro. — Colin fez um gesto para o aparador, onde o livro de
apostas estava aberto à espera do próximo cavalheiro que subiria a aposta.
Felizmente aquele livro em particular se mantinha ali, no exclusivo salão de
jogos conhecido como Reaver’s, em uma sala privada acessível só para aqueles
que Chatham permitia entrar. Como o futuro Marquês de Rutherford, Chatham
podia se permitir o luxo de organizar este tipo de conveniências, felizmente para
Colin. E para Lady Jane Huxley, supunha.
Satisfeito como um gato que se estica depois de uma sesta, Chatham se
levantou e recolheu o livro, baixando o olhar à crescente lista de notas.
—Não posso ver por que se queixa. Quanto mais se unam à aposta, maior
será sua recompensa.
—Nunca quis arruinar ninguém.
Chatham voltou seu vívido olhar turquesa para Colin. Aquele olhar, em
particular, frio, calculista, de olhos entreabertos e sobrancelhas escuras, sempre
lhe dava calafrios. Era como ser examinado por um lobo que não estava
especialmente faminto neste momento, mas queria reservar o direito de avaliar
suas opções.
—Então talvez não devesse ter apostado em primeiro lugar. — A voz de
Chatham era suave, sem expressão.
Colin soprou e deu uma olhada à mesa de mármore.
—Soa como o duque.
—Sabe da aposta?
Riu sem alegria e sacudiu a cabeça.
—Se soubesse teria tirado muito mais que meus recursos.
De verdade, não culparia Harrison de exercer a violência sobre sua pessoa.
Quanto mais tempo Colin passava com Jane, pior se sentia a respeito do que
tinha que fazer. Esta mesma noite, por exemplo, antes de chegar ao Reaver’s e
conseguir embebedar-se, tinha ido a um evento da sociedade na casa de Lady
Reedham, um musical ou algo assim. Dada a natureza dos eventos da alta
sociedade, às vezes era difícil distinguir a diferença. Em qualquer caso, tinha
havido uma grande quantidade de música ruim, e embora seu cérebro estivesse
gratamente nebuloso neste momento, pensou que recordava de uma jovem
rechonchuda no piano, golpeando como se estivesse muito desgostosa com o
compositor.
Mas essa não era a parte importante. A parte crítica chegou uns minutos
mais tarde, quando viu Lady Jane Huxley sentada na terceira fila de cadeiras com
a cabeça inclinada como se estivesse orando. Levou um pouco de tempo
localizá-la, ela era bastante baixa de estatura, e duas filas adicionais de mulheres
altas e desajeitadas estavam sentadas entre ele e ela. Mas ele estava determinado,
e na primeira oportunidade, quando a garota no piano tomou um bendito
descanso e as damas junto a Jane correram para a mesa dos refrescos, Colin
levantou-se e se sentou ao lado de sua presa.
Ao olhar para baixo, ao seu colo, rapidamente se deu conta de que ela não
estava orando, absolutamente.
—Bom livro, Lady Jane?
Ela deu um recuo e de forma desajeitada conseguiu reter o livro nas mãos,
para logo fechá-lo com força e ajustar os óculos. Ela limpou a garganta e se
voltou para olhá-lo com seus grandes olhos castanhos escuros.
—Lorde Lacey, - disse com admirável serenidade - que inesperado vê-lo de
novo. Não me dava conta de que era um amante de Mozart.
—Oh, não sou.
Ela piscou lentamente, arqueando os lábios.
—Talvez seja melhor, dada a apresentação.
Gemendo sua concordância ele riu entre dentes e logo olhou ao seu redor.
—Está aqui com sua mãe?
Ela assentiu com a cabeça e passou as mãos sobre a capa do livro.
—Insistiu que deveríamos vir em apoio à senhorita Blythfield, que é uma
amiga da minha irmã. Esta noite é sua estreia musical.
—A que está tocando piano?
—Sim.
—Você está apoiando isso?
Um sorriso indefeso puxou sua boca, fazendo-se amplo enquanto negava
com a cabeça.
—Talvez 'apoio' seja um pouco forte, depois de pensar um pouco. —
Quando sorria pequenas covinhas apareciam em suas bochechas, uma doce
surpresa no que só poderia descrever-se como um rosto redondo e
insignificante.
Ele a recompensou com uma piscada.
—Por isso o livro, suponho.
—Você é muito perspicaz, milord.
—Chamaram-me de coisas piores.
Ela riu, um som agradável, ligeiramente rouco.
— Pode-se estremecer ao imaginar.
Deliberadamente, inclinou-se para ela, baixando a cabeça perto da dela.
—Vim para vê-la, Lady Jane.
Com os olhos abrindo-se desmesuradamente, um rubor inundando do seu
generoso peito ao seu rosto, Jane balbuciou: —A m… mim? Por quê?
A duas cadeiras de distância uma anciã de considerável tamanho limpou a
garganta deliberadamente, afastando sua atenção de Jane e fazendo com que se
erguesse sob o olhar severo da matrona.
—Talvez devêssemos falar disto em outro lugar — murmurou olhando ao
redor do salão. Os convidados deviam estar antecipando uma segunda rodada
da tortura musical, porque muitos se dirigiam de volta aos seus assentos.
Rapidamente, antes que a mãe de Jane pudesse voltar e confundi-lo com um
pretendente, discretamente cobriu a mão de Jane com a própria. — Espere até
que a música comece de novo, então nos encontraremos no vestíbulo de
entrada.
A julgar por seu cenho franzido parecia que Jane protestaria, assim lhe
apertou a mão. Ela baixou o olhar para onde estavam entrelaçadas e se deteve,
seus dentes mordendo seu lábio inferior.
Apresentando sua mais persuasiva expressão, a que sua irmã Vitória tinha
chamado de "cara doce como um cordeiro de primavera", sussurrou: —Por favor, Lady
Jane. Não me concederá este favor?
Seus olhos se encontraram, os dela cheios de dúvidas, mal-estar... e algo
mais. Ali nas profundidades de cor castanha escura, ampliada por seus óculos,
estava a faísca oculta de desejo que tinha notado durante sua conversação na
livraria. Lady Jane Huxley, igual a qualquer outra mulher de sua idade, queria ser
cortejada, ser admirada e trocar sussurros em um corredor escuro. Ser
perseguida.
A maioria dos homens a ignorava, a esta Jane baixa, de cabelo castanho,
gordinha e comum. E aqueles que não o faziam finalmente eram dissuadidos
por sua estudada absorção em qualquer livro que tivesse à mão. Mesmo quando
um cavalheiro se incomodava em começar uma conversação, ela raramente
oferecia mais que umas poucas palavras de cortesia. Considerando que os
homens pouca ou nenhuma vez lhe prestavam atenção, Colin não podia culpá-la
por estar cética com um pretendente repentinamente ardente. Mas se ia ter
êxito, tinha que ganhar sua confiança. E logo.
Quase podia ouvir o frio desprezo de seu irmão. Maldição, ele dizia a si
mesmo bastante frequentemente: Um homem nunca é tão repugnante como quando
engana um inocente em benefício próprio.
Mas não tinha opção.
A respiração de Colin se deteve enquanto esperava o assentimento de Jane.
Não podiam ter a conversação que precisava ter com ela ali, onde os membros
da alta sociedade podiam ouvi-los. Deviam estar a sós.
Ela olhou atrás dele e logo deu em sua mão um apertão antes de afastá-lo
dela. Lentamente ela assentiu com a cabeça, pretendendo retornar ao seu livro.
—Muito bem — sussurrou. — Minha mãe está se aproximando.
Provavelmente deva ir.
Uma onda de euforia o levou a ficar em pé e dirigir-se para o fundo da sala,
onde uma longa mesa atuava como depósito para os refrescos.
Estava perto. Podia sentir.
De repente, sua pele picava. Especialmente no pescoço, por baixo da
gravata. Passou um dedo entre o tecido e a garganta, sentindo ali a umidade
delatora. Rodando os ombros, encaminhou-se além de um par de matronas
vestidas de veludo e evitou o olhar coquete de uma de suas pupilas.
Após os meses atrozes da decisão de Harrison de cortar seus recursos, seu
corpo tinha se adaptado quase por completo à sobriedade forçada.
Sinceramente, quando a névoa da bebida se desvanecia, havia inclusive
começado a apreciar seus benefícios. Por um lado, era menos provável que se
encontrasse curvado sobre um urinol ao despertar. E a probabilidade de que sua
irmã desejasse reivindicá-lo como tio de seu primeiro filho melhoravam a cada
dia que não fazia algo para envergonhá-la. É óbvio, ela não sabia de seus planos
para sua melhor amiga. Ou porque tal coisa era necessária.
Uma pontada de dor lhe fechou a garganta. Tragou saliva para sufocá-la.
Comportar-se de maneira tão repugnante, embora fosse necessário, o fazia
desejar as comodidades do esquecimento. Neste momento, com muito prazer
renunciaria a certas partes do corpo, ao dedo mindinho da mão esquerda, por
exemplo, por uma bendita garrafa de brandy. Lady Reedham não oferecia sua
bebida escolhida, assim tomou um copo de ponche do tipo refresco e apoiou o
ombro na parede perto da entrada da sala. Logo esperou que sua tímida
passarinha tivesse coragem.
Como era de se esperar, ela não se levantou até bem começado o segundo
ato. Observou-a enquanto ela passava nas pontas dos pés além da fila de suas
irmãs e se transferia às portas duplas perto de onde ele se encontrava. Um lacaio
se inclinou quando ela passou pelo corredor, e se inclinou de novo quando
Colin a seguiu um minuto mais tarde.
Com o cenho franzido, procurou na sala escura, iluminada só por duas
luminárias. Onde tinha ido? Havia lhe dito que o encontrasse ali, não? Coçou a
cabeça. Sim, ele claramente recordava dizer…
—Psssst, Lorde Lacey. — O forte sussurro provinha de sua esquerda. Uma
luva branca apareceu de um espaço atrás da escada. Indicou-lhe que se
aproximasse.
Ele sorriu. Isto ia ser mais fácil do que pensava.
Aproximando-se dela lentamente, segurou-lhe a mão e lhe deu um terno
beijo, como um cavalheiro o faria com sua dama. Ou, ao menos, assim era como
uma típica mulher poderia imaginá-lo, supôs.
Mas Lady Jane não era da típica classe. Imediatamente afastou a mão,
deixando-o beijando o ar, e disse entre dentes: —Está bêbado de novo? Eu não
gosto de bêbados.
Talvez o cortejo não fosse ser tão fácil como tinha imaginado.
Deixou que seu braço caísse de novo ao seu lado e adotou uma expressão
tímida.
—Humildemente peço desculpas, milady. Não a culpo nem um pouco por
acreditar no pior de mim. Minha única intenção era demonstrar meu sincero
respeito.
Ela permaneceu em silêncio durante um longo minuto antes de suspirar. A
escuridão do lugar tornava difícil avaliar sua expressão. Não podia ver muito
mais que o reflexo da luz de vez em quando em seus óculos. Quando por fim
falou, sua voz era baixa e contida, como se só acreditasse na metade do que
dizia.
—Do que quer falar comigo?
De repente, a língua ficou presa. O suor brotou em suas palmas. Pressionou-
as contra o interior de suas luvas e limpou a garganta.
—Bem, bom. Sim. Quer dizer... você… você sabe que tenho muitos
remorsos.
Ela não respondeu.
—É que recentemente ambiciono reformar… hã… retificar a situação. Pôr
as coisas em ordem, por assim dizê-lo.
Entretanto, Jane não dizia nada. Bom, talvez um pouco de honestidade
mudaria suas fibras sensíveis. Ou ao menos, suas cordas vocais.
—A verdade é que, Lady Jane, minha irmã não fala comigo há muito tempo.
Ela estava muito consternada por meu comportamento anterior. Não posso
culpá-la.
Um suave bufo que soava como acordo veio dos arredores de Jane.
—Tinha perdido a esperança de recuperar seu afeto até a semana passada,
quando você e eu nos encontramos na livraria. - Um pouco às cegas, estendeu a
mão para o branco de suas luvas. — Você é sua melhor amiga,não é?
Uma aspiração, então uma das luvas se elevou para brincar com a borda de
seus óculos.
—Pode-se dizer isso, já que ela é a minha.
—Duvidei em pedi-lo, já que não é uma solicitação pequena, mas em prol da
restauração do vínculo familiar entre mim e Vitória, consideraria lhe falar em
meu nome?
—Eu? O que quer que eu diga?
—Simplesmente que estou tentando merecer seu respeito outra vez.
Possivelmente você viu meus esforços com seus próprios olhos.
Uns braços com luvas brancas se cruzaram sobre um corpete mais escuro.
Não podia recordar que cor de vestido usava, um castanho apagado, talvez, mas
sabia que era escuro, porque suas luvas pareciam flutuar nas sombras profundas.
—Você e eu nos falamos duas vezes, Lorde Lacey. E embora essas
conversações foram... agradáveis, não me atrevo a dar um respaldo com provas
tão insignificantes.
E assim, sua tímida passarinha pegou o anzol.
—É por isso que a procurei, milady. Pois eu acredito que se passasse mais
tempo em minha companhia estaria convencida da sinceridade dos meus
esforços.
Ela ficou um momento pensando. Praticamente podia ouvi-la pensando.
—Tudo de forma apropriada, entenda. Tenho o maior respeito…
—Por que eu? — Jane interrompeu.
—Vitória confia em você.
—Não, quero dizer, por que simplesmente não fala com ela você mesmo?
Ou para o caso, por que não tenta fazer as pazes com o duque? Ouvi dizer que
está na cidade.
Diabos. Esta aposta ia matá-lo antes que terminasse. Sua família não era um
tema do qual desfrutava falar, menos ainda do duque, em particular.
—Meu irmão não é da classe que perdoa — disse em voz baixa. E isso era a
maldita e condenada verdade.
—Sim, posso imaginar isso. — Sua instantânea e sentida concordância foi
surpreendente e alentadora. A maioria das mulheres desejavam Harrison, ou ao
menos a possibilidade de pôr os grilhões no poderoso duque. Ao que parecia,
Jane era exceção. De fato, ele estava achando que era exceção em muitos
aspectos. Era diferente das habituais solteironas. Uma vez que um homem via
além das paredes espinhosas de seu acanhamento, era bastante agradável... e não
era nada aborrecida. Justamente o contrário, na realidade. Gostava dela.
Ele baixou a cabeça e falou, imitando uma postura confiante.
—Tentei me aproximar, mas ele rejeitou tudo. Mesmo as ameaças de revelar
a queda bastante desgraciosa de Sua Graça no lago de peixes de Blackmore não
puderam convencê-lo.
Desta vez seu sopro claramente esteve amortecido pela risada, o que fez
tremer sua voz quando disse: —Teria dado tudo para presenciar esse
acontecimento. Similar a um eclipse do sol, estranho e impressionante.
—Oh, Sua Graça era a viva imagem da dignidade, o asseguro. Inclusive se
poderia dizer que estava encharcado dela.
Isso fez Jane rir tanto que ela se dobrou e apoiou uma mão em seu braço
para manter o equilíbrio.
—O duque... encharcado… com um nenúfar... com sua formosa cabeça
dourada.
Ele elevou as sobrancelhas. Ela tinha uma maldita boa imaginação.
—Não tinha pensado nisso. Poderia usá-lo como uma coroa. Lhe assentaria
perfeitamente. Harrison Lacey, o oitavo Duque de Blackmore. Rei do lago de
peixes.
Ela agitou a mão para ele, sem fôlego quando outra onda de risadas a
consumiu. Claramente, Jane achava a ideia de Harrison encontrando-se em um
infortúnio muito cômico. Agora que o pensava, ele também.
Tomando várias respirações profundas para recuperar o controle, bateu no
seu braço.
—Desfruto de sua companhia, Lorde Lacey. Não… não me oporia a
passarmos mais tempo juntos. Desde que nossos encontros sejam apropriados.
O coração de Colin bateu de um modo doentio contra a parede de seu peito.
Ela estava de acordo. Era o que tinha vindo ali conseguir. Agora, ganhar a
aposta era possível.
De repente, quis vomitar.
Em vez disso, ele assentiu e sorriu ao brilho de seus óculos.
—Não se arrependerá de sua decisão Lady Jane — mentiu. Depois de vê-la
desaparecer de novo na sala de música de Lady Reedham foi diretamente ao
Reaver´s e se embriagou.
Onde agora estava sentado. Bêbado. No Reaver’s. Vendo Benedict Chatham
beber seu segundo copo de uísque e folhear o condenado livro de apostas que
tinha cinco páginas a mais que há quinze dias.
Chatham arqueou uma sobrancelha e olhou Colin.
—Calças?
O estômago de Colin se contorceu de náuseas. Ele voltou a deixar cair a
cabeça em seu antebraço, onde se balançou para trás e para frente com
desespero. Chatham riu antes de falar a modo de consolo: —Bom, ao menos
não especificaram uma cor. Agora, isso seria um desafio.
CAPÍTULO 04
"O cortejo não tem espaço para a honestidade, moço. Por sua própria natureza, é um
truque ardiloso enraizado na ilusão e no autoengano." - A Marquesa Viúva de Wallingham
ao seu filho, Charles, depois da péssima tentativa do dito cavalheiro por cercar conversação com
a viúva de Lorde Willoughby.
Semanas depois de ter aceito passar mais tempo com Lorde Lacey, Jane
estava completamente confusa. Ele havia enviado uma nota na manhã depois do
musical de Lady Reedham solicitando que o acompanhasse a um passeio pelo
Hyde Park. Ela tinha concordado, levando sua criada Estelle como
acompanhante. Recordando quão emocionada tinha estado, o esmero com que
tinha escolhido seu vestido de montar. Algo muito pouco próprio dela,
reconhecia. Tinha sido bastante decepcionante que ele se comportasse de um
modo tão... bem, tão estranho. Em lugar de tentar cativá-la, como tinha parecido
fazer em seus encontros anteriores, tinha ficado calado, distraído. Logo lhe havia
perguntado se alguma vez tinha considerado viajar ao estrangeiro ou fazer algo
atrevido, algo que ninguém poderia esperar. Ela, é óbvio, havia lhe perguntado
se se sentia bem.
Dois dias depois de seu passeio encontrou-o no Museu Britânico, onde
viram os mármores do Elgin e riram juntos com mais histórias da infância do
Duque de Blackmore. Ela não deveria desfrutar tão efusivamente da descrição de
Colin das calças de seu irmão rasgando-se depois que seu cavalo o jogou em um
arbusto. Mas simplesmente não podia evitar.
À tarde Colin tinha começado a contar uma história peculiar de um colar
perdido pertencente a sua mãe, mas foram interrompidos por Genie, que ao ver
a coleção de estátuas gregas declarou que os atenienses não poderiam ter sido
muito civilizados já que tinham pouco em oferecer na forma de chapéus. Com
isso, Jane decidiu que era hora de ir, e Colin fez uma reverência, seu aspecto
bastante abatido.
Na última vez que o tinha visto, de pé, imóvel, nos subúrbios do Museu
Britânico, tinha ficado olhando Genie, Estelle e a ela enquanto subiam na sua
carruagem. Ela não sabia o que pensar de seu silêncio. Ou dele em todo caso.
—Crê que me encontrarei com ele esta noite Jane?
Piscando, Jane afastou o olhar da janela da carruagem Berne para pousá-lo
em sua irmã Maureen, sentada ao seu lado. Com suaves olhos castanhos, feições
arredondadas, embora simétricas, e o cabelo castanho claro que sempre parecia
estar iluminado pelo sol, Maureen era indiscutivelmente a mais bonita das cinco
filhas Huxley, por isso, Jane respondeu relaxadamente: —Se não for esta noite,
querida, será em outra. Não se preocupe.
Maureen assentiu e lhe sorriu melancólica. Jane lhe bateu no braço. Desde o
verão anterior, quando sua irmã mais velha, Annabelle, casou-se com Lorde
Robert Conrad, Maureen tinha tido fantasias em torno de encontrar seu próprio
amor verdadeiro. Dois anos mais jovem que Jane e em sua primeira temporada,
às vezes necessitava de tranquilidade.
Do lado oposto da carruagem veio uma ácida advertência de sua mãe.
—Não trouxe um livro longo, não é, Jane?
Jane sentiu que sua boca se esticava.
—Não, mamãe.
—Como espera conseguir um pretendente adequado nas páginas de uma
novela? Me atreveria a dizer que isso é impossível.
—Sim, mamãe.
—Não deveria precisar te recordar que esta é sua terceira temporada.
—Não, mamãe.
—Deve aproveitar cada oportunidade. Deus sabe quanto tempo se
apresentarão estas ocasiões.
—Sim, mamãe.
Seu pai, sendo o homem bondoso que era, pegou a mão de sua mãe na sua e
a apertou.
—Deixa-a, Meredith. Ela concordou em vir, não é assim? — Deu uma
piscada à Jane.
Realmente, Jane não havia precisamente concordado em ir ao baile de Lady
Gilforth. Em troca, lhe tinham informado que aconteceria e se esperava que
acompanhasse seus pais e Maureen, e que a proibiam de levar a novela que
estava lendo quando sua mãe entrara na biblioteca. Antes que um protesto
tivesse saído de seus lábios sua mãe havia elevado uma mão e dito: —Confio
que entende completamente. — Suas sobrancelhas arqueadas espectadoras
sobre seus olhos castanhos.
Que mais podia dizer Jane que não fosse: "Sim, mamãe"?
Durante as duas últimas temporadas tinha decepcionado a sua doce e bem-
intencionada mãe até a beira do desespero. O fantasma da solteirice de sua
segunda filha tinha acrescentado mais uns fios brancos ao cabelo castanho de
Meredith Huxley.
Por uns breves momentos Jane tinha contemplado contar à sua mãe sobre
Colin Lacey, embora só fosse para aliviar as preocupações de que ela era incapaz
de uma interação cordial com um cavalheiro. Tinha rejeitado a catastrófica ideia
um instante depois que lhe tinha ocorrido. O comportamento de Lorde Lacey,
embora encantador, não era o de um pretendente. Era amável e divertido, mas
frequentemente parecia distraído, como se sua mente estivesse preocupada com
outros assuntos.
Tendo sido testemunha de uma série de matrimônios por amor desenvolver-
se diante de seus olhos, incluindo os de sua melhor amiga e de sua irmã,
entendia a diferença. Ela se negava a despertar a esperança de sua mãe quando
era evidente que ele tinha em mente a amizade em lugar de um apego
romântico.
Felizmente Genie tinha demonstrado ser uma aliada bastante inteligente
para camuflar o propósito de suas saídas. Havia custado à Jane quase toda sua
mesada, é claro, mas estava aprendendo muito sobre o talento oculto de sua
irmã para o subterfúgio.
Ela suspirou e voltou a olhar pela janela da carruagem à movimentada rua.
Lady Gilforth vivia do outro lado de Mayfair. Como eles tinham sua residência
na rua Grosvenor de Londres, a viagem de carruagem era toleravelmente breve,
sendo assim não estava obrigada a escutar sua própria mãe expressando em voz
alta sua preocupação a respeito de muitas jovens demasiadamente sensatas que
escolhiam "livros de contos e poesia ao invés de assegurar um grande matrimônio".
Jane não a culpava por sua consternação. Na aparência, sua mãe e ela eram
muito parecidas: mais roliças do que era permissível; um breve e redondo nariz
que a maioria descreveria como chato; e acoloração que se mesclava muito bem
com os painéis de madeira. Mas em todo o resto, Jane e sua mãe eram um
estudo de contrastes: Lady Berne era efusiva, amável, cálida. Desde sua
juventude o humor e a amabilidade de sua mãe tinham brilhado, atraindo
numerosas amizades e a atenção do pai de Jane, o futuro conde de Berne, em
sua primeira temporada. Annabelle, a mais velha das cinco filhas, compartilhava
esta disposição, igualmente Maureen e Genie e inclusive a jovem Kate, embora
em menor grau.
Jane, para dizê-lo simplesmente, não a compartilhava.
Não achava estranho que sua mãe estivesse confusa pela incapacidade de
Jane em atrair algum pretendente. Ela nunca tinha sido designada a viver nas
margens dos salões de baile com as solteironas e as encostadas, ou, como Jane
as tinha apelidado de forma privada, as flores raras.
Ela inalou e se moveu sutilmente em seu assento, sentindo a carruagem
diminuir a velocidade à medida que se aproximavam da casa de Lady Gilforth.
Como ia suportar um baile inteiro sem um livro para lhe fazer companhia?
Esperava-se que observasse a multidão, maravilhada pela capacidade de Sir
Barnabus Malby de recordar os passos de uma dança enquanto ficava
hipnotizado por um corpete que passava? Ou talvez deveria admirar a risada
semelhante a um relincho de Penelope Darling ante cada ocorrência tediosa de
Lorde Mochrie?
Para falar a verdade, era suficiente fazer o que qualquer garota
"demasiadamente sensata" faria, correr e se esconder no terraço mais próximo. É
óbvio, Vitória havia tentado isso, e tinha se arruinado completamente. Então
talvez não fosse a melhor ideia.
—Jane, vem?
Sua cabeça girou para a porta aberta da carruagem através da qual podia ver
seus pais e irmã olhando-a à espera.
—É claro — murmurou descendo rapidamente da carruagem. Ajustando o
xale de caxemira sobre seus ombros, não pôde reprimir um estremecimento de
terror.
Maureen enlaçou um braço através do dela.
—Imagina. Esta pode ser a noite que recordaremos pelo resto de nossas
vidas.
Dando à sua irmã um olhar de soslaio, Jane elevou uma sobrancelha cética.
— Eu vi isso. — Veio a reprimenda habitual de sua mãe seguida por uma
advertência. — Por favor, demonstre que é capaz de ser agradável e simpática,
Jane. Não permitirei que se diga que minha filha é grosseira. A influência de
Lady Gilforth está crescendo com rapidez, e Lorde Gilforth é muito admirado
dentro da Câmara dos Lordes. Os melhores cavalheiros devem estar presentes.
— O brilho de luta em seu olhar era alarmante, em geral sua mãe era alegre.
Logo, entretanto, a razão atrás de seu ardor foi revelada: — Sei de uma boa
fonte que se espera a Sua Graça.
O ofego de Maureen ecoou no coração de Jane, embora provavelmente por
razões diferentes.
—Wellington? Pensei que ainda estava em Paris — interveio seu pai.
O leque de sua mãe tocou o braço de seu marido enquanto ela estalava a
língua.
—Não Wellington. Blackmore.
A compreensão no rosto de Lorde Berne foi seguida rapidamente por um
brilho divertido.
—Nesse caso, vocês, meninas, devem comportar-se o melhor que puderem.
—Precisamente. — Mamãe dirigiu sua afirmação enfática à Jane, que
agarrou seu xale um pouco mais forte enquanto esperavam que os outros
convidados abarrotando a porta de Lady Gilforth avançassem. Isto mostrava
que ia ter uma multidão.
Suspirando com graça, Maureen comentou: —Ele é muito bonito. E
distinto.
E intolerável, acrescentou Jane em silêncio. Um crítico, pomposo rei do gelo que necessitava
mais que tudo de um forte golpe em seu... orgulho.
—A fortuna e o título acrescentam um certo atrativo também, atrevo-me a
dizer.
Jane olhou seu pai com o cenho franzido, que lhe sorriu como se
compartilhassem uma brincadeira privada, e logo estendeu o braço a mamãe
para que pudessem entrar no vestíbulo de Lady Gilforth. Às vezes ela não
entendia as brincadeiras de seu pai. Para ela o Duque de Blackmore era o tema
menos divertido imaginável, a menos que alguém o imaginasse recebendo um
castigo.
Na temporada passada Blackmore inclusive tinha se atrevido a repreendê-la
diretamente na própria casa de Jane, nada menos. Era só a segunda vez que
tinham tido ocasião de falar. É claro, ela e Genie tinham estado brigando, como
as irmãs tendiam a fazê-lo, mas como ia saber que o maldito oitavo Duque de
Blackmore estaria espreitando nas sombras da sala de sua família, esperando
para falar com Lorde e Lady Berne? Só depois que ela tinha ameaçado atirar
Genie à lareira ele tinha revelado sua presença, as mãos atrás de umas costas
rígidas, a mandíbula apertada, não deixando que um pingo de emoção escapasse,
depois de tudo. Se houvesse sido qualquer outra pessoa o haveria descrito como
irritado de desaprovação. Mas Blackmore não se irritava, não se enfurecia. Era
como o fio de uma espada: implacável e preciso. Tinha-lhe tomado uns poucos
segundos para reduzir Jane, fazendo-a sentir-se como se tivesse dez anos sendo
surpreendida experimentando o brandy de seu pai ou escondendo um sapo no
bule de prata de sua mãe.
Respirando fundo, Jane recordou que, inclusive se ele se dignasse a ir ao
baile de Lady Gilforth, estaria muito ocupado defendendo-se de senhoritas com
a mente no matrimônio e de suas mães vorazes para notá-la. Certamente por
cortesia saudaria seus pais, possivelmente faria uma reverência à Maureen e a ela,
mas provavelmente isso seria todo o grau de sua interação.
Ela bufou e ajustou os óculos, a seguir alisou brandamente a seda primaveril
amarela de seu vestido ao longo de seu quadril. Só necessitaria uma reverência e um
"Sua Graça", nada mais Jane. Sentindo afrouxar a opressão em seu ventre
enquanto esperava que o mordomo de Lady Gilforth os anunciasse, seus olhos
examinaram rapidamente as extremidades do longo e amplo salão. Ao longo de
uma parede azul pálida estava uma fila de sofás de cor creme e cadeiras de
veludo azul escuro já meio povoados por figuras conhecidas: a azeda e magra
senhorita Sutherland, agora em sua quinta (e possivelmente última) temporada.
A anciã Lady Darnham, cujo rosto parecia estar formado em sua totalidade por
dobras em forma de sorriso. A alarmantemente alta e ruiva senhorita Lancaster,
com sua desafortunada tendência a esmagar os pés dos cavalheiros enquanto
dançavam... e caminhavam... e, por estranho que parecesse, enquanto jantavam.
Ah, sim. Esboçou um sorriso irônico. As flores raras estavam bem representadas
naquela noite. Seus olhos se dirigiram a um par de portas abertas na parede do
fundo, as que davam ao salão onde Lady Gilforth tinha colocado os refrescos.
Mmm. Se ela fosse sentar-se no extremo próximo da parede das flores raras
poderia fazer uma viagem ocasional às mesas de refrescos. Apenas uma viagem
emocionante, mas uma forma aceitável de distrair-se e ajudar que o tempo
passasse mais rapidamente. Sim, com efeito. Um plano estupendo.
Uma brusca cotovelada em suas costelas fez com que os olhos de Jane
pousassem em Maureen.
—Mamãe tinha razão - sussurrou sua irmã teatralmente atrás de seu leque.
— Ele está aqui. Supõe que está procurando esposa?
Jane seguiu o olhar de Maureen. Não foi difícil localizá-lo, mais alto que
John, seu irmão, que media um metro e oitenta, Blackmore ultrapassava por
meia cabeça a maioria dos outros cavalheiros. Ela também tinha que admitir a
contragosto que Maureen não tinha exagerado quando o tinha achado bonito.
Era-o. Bastante.
A mandíbula que sempre parecia estar apertada era forte, quadrada e magra.
Um nariz reto, refinado, atuava como uma âncora simétrica entre maçãs do
rosto altas assentadas por baixo de um par de penetrantes olhos cinza azulados.
No geral, obrigada pela honestidade, sua loira beleza masculina era inegável,
quase da mesma maneira que os mármores do Elgin eram objetivamente
magistrais. Jane imaginava que se a nobreza inglesa tivesse um panteão de
deuses como o dos antigos gregos, ele poderia considerar-se seu Apolo, exceto
que Apolo nunca tinha sido tão influente como o Duque de Blackmore, nem tão
intimidante.
—Bom, se ele estiver aqui para encontrar uma duquesa ou não —
respondeu Jane finalmente— recomendo manter distância. Entendo que o
congelamento é bastante doloroso.
Uma hora mais tarde Jane estava agradecida por sua estratégia de fazer
viagens ocasionais às mesas de refrescos. Lady Gilforth superou a si mesma.
Para saciar o apetite dos farristas até o jantar havia dois compridos aparadores
com uma ampla variedade de guloseimas, desde pequenos bolos de queijo às
bolachas recheadas. Qualquer pessoa que tinha ido a um baile sabia o que era
sentir-se faminto até o momento em que se anunciava o jantar. Tais oferendas
no intervalo eram mais que bem-vindas. Além disso, no centro de cada aparador
havia uma fonte de prata com um delicioso ponche: doce, ácido e um pouco
picante.
Jane serviu sua quarta taça perguntando-se se desta vez poderia discernir
aquela indescritível especiaria. Canela? Ela sacudiu a cabeça. Não. Não canela.
Mas talvez fosse uma mescla de vinho quente com especiarias e laranja. Isso
tinha mais sentido. Cravo-da-índia, canela, noz moscada poderiam em conjunto
produzir um sabor embriagador. Talvez inclusive um pingo de pimenta.
Parada nas portas que davam ao salão, viu os bailarinos girarem ao redor do
centro da pista em um conjunto. Quantos conjuntos tinha observado em suas
últimas três temporadas? Muitos.Valsas? Muitas. Os movimentos de cada
temporada eram os mesmos, e Jane se fartou profundamente de todos e de cada
um deles.
Suspirando, deu outro gole e desejou uma agradável e amena novela.
Ser uma flor rara lhe dava uma perspectiva única no padrão dos eventos da
alta sociedade, já que era capaz de observar os movimentos e repetições sem
participação direta. Seu irmão, que estava em seu grande giro pelo continente,
tinha enviado recentemente uma caixa cheia de tesouros à Casa Berne, incluindo
um relógio fascinante que, ao atingir a hora, estendia um pequeno pássaro em
um ramo de uma fissura em cima da esfera do relógio. A ave, que não tinha
vontade própria, era controlada unicamente pelo movimento regular do
mecanismo de relojoaria.
Assim era como ela considerava os movimentos da temporada em Londres:
gestos de cor orquestrados por um aparelho imune aos seus objetos. Reverência,
giro, reverência, risada, leque, sorriso, inclinação, e outra vez. E outra vez. Os
mesmos movimentos. A mesma rotina. Supunha que havia uma razão para tudo.
As mulheres deviam encontrar maridos e os cavalheiros deviam encontrar
esposas. Mas, ao estar quase fora do processo, não podia deixar de observar sua
monotonia.
Dentro de sua mente ela começou uma carta à Annabelle, que agora estava
felizmente livre de tais obrigações, havendo se casado em agosto passado. Por
certo Annabelle tinha adorado a temporada com todos os seus atrativos,
insistindo em desfrutar duas antes de casar-se com Lorde Conrad, a quem havia
amado com devoção desde a infância.
Querida Annabelle, escreveria Jane. Os refrescos de Lady Gilforth são magníficos.
Durante quase dois minutos de cada vinte deixo de suspirar por uma novela que me permita
esquecer minha miséria, e simplesmente desfrutar de seu ponche com suas especiarias
engenhosas. Suspeito que contém mais que uma pequena quantidade de vinho.
Baixou o olhar vendo os restos de sua quarta taça. Sentindo um agradável
calor, colocou-a em uma bandeja e se preparou para a longa viagem de volta ao
seu assento junto à parede. Ao entrar no salão um grito masculino de dor surgiu
do centro dos bailarinos do conjunto, atraindo sua atenção.
—Céus, Sir Barnabus, isso foi seu nariz? — O cabelo vermelho fogo de
Charlotte Lancaster era visível por cima da maioria das cabeças das outras
mulheres, e inclusive das de muitos cavalheiros. — Perdão. Temo que meu
cotovelo tem uma mente própria. Está bem? - Jane a tinha ouvido desculpar-se
por sua estupidez habitual, mas a senhorita Lancaster ordinariamente soava mais
sincera. O nariz deslocado de Sir Barnabus Malby era provavelmente menos
culpado que seus olhos errantes. A senhorita Lancaster tinha noções mais
modernas sobre tais coisas. Assim como, Jane. Mas inclusive o corpulento e
fedorento Sir Barnabus não pedia uma dança à comum Jane Huxley. Bom,
decidiu ela, há benefícios em ser ignorada, depois de tudo.
Mordendo o lábio, elevou-se nas pontas dos pés para ver se podia obter uma
visão do rosto do homem. Talvez a senhorita Lancaster lhe tivesse feito sangrar
o nariz. Agora isso seria interessante. Uma lapela negra apareceu em frente a ela.
Ela se moveu à sua esquerda, mas também o fez a parede masculina que levava
casaco negro e gravata branca. E agora estava mais perto, obscurecendo ainda
mais sua linha de visão. Deslizou para sua direita. Uma vez mais o cavalheiro
deslizou na mesma direção. Soprando exasperada, elevou a vista para ver quem
estava tão incrivelmente decidido a interpor-se entre ela e a comoção.
—As pessoas poderiam esperar um melhor comportamento de uma dama
entrando em sua terceira temporada - modulou a inconfundível voz precisa e
cortante de seu rival desde sua elevada altura. — Talvez fosse esperar muito.
Com os olhos dilatados, o coração pulsando com força contra seu peito,
Jane sentiu o odiado calor da vergonha queimando-a em uma onda. Blackmore.
O grande deus dourado da alta sociedade a estava criticando por ter uma
simples e natural curiosidade. A última vez que tinha feito algo similar tinha sido
no salão de sua família. Ela e Genie tinham estado discutindo sobre um livro
que Genie tinha roubado. Jane fazia uma vã ameaça de jogar sua irmã na lareira.
“Que livro é tão precioso, pergunto-me, que a leva a ameaçar queimar a irmã?”
Lembrou-se de sua voz cortante e fria. “Nada a dizer, então?” E ela tinha ficado
muda, paralisada pela vergonha da acusação, sem importar o injusto que pudesse
ser.
Era o mesmo agora, como se todo um ano não tivesse passado, como se em
troca, sua única tarefa tivesse sido a de permanecer em pé diante dele à espera
de sua dura avaliação. Como se atrevia? Nem sequer seu pai ou seu irmão, e
qualquer um deles que teria o direito, a repreenderia assim. Quem era para ela o
maldito Duque de Blackmore? Ninguém. Era o irmão de Vitória, não dela.
Portanto é problema de Vitória. Não meu.
Retrocedendo um passo, ela limpou a garganta, preparando-se para oferecer
uma saudação igualmente gelada antes de escapar de novo ao assento das flores
raras. Mas "Sua Graça", que tinha a intenção de dizer algo, se negou a emergir.
Sua boca se moveu, mas sua voz não. Ela tragou sentindo o fogo carmesim
debaixo de sua pele penetrar como outra presença.
Jane sentiu os olhos cinza azulados viajar por seu vestido, fazendo uma
pausa no modesto decote e voltando para seu rosto. Frios e remotos, pareciam
estar catalogando suas feições como um dono de estábulos notaria a condição
de uma égua.
—Já dançou esta noite?
Piscando lentamente, maravilhou-se pela pergunta, que tinha falado à
contragosto, como se ele não desejasse estar ali absolutamente. Em nome dos
céus, o que ele estava fazendo? Por que continuava falando com ela? Este era o
tipo de coisa que um cavalheiro poderia dizer se estivesse tentando persuadir
uma dama a... não. Era impossível. Precisava lhe proporcionar uma
oportunidade aceitável para retirar-se. Isso era tudo.
Ela sacudiu a cabeça e tragou saliva, seus olhos movendo-se com rapidez
entre ele e a porta do salão.
—Temo que o calor me causou uma sede espantosa. Estava a ponto de ir
pegar outro copo de ponche quando o senhor chegou.
Uma única sobrancelha aristocrática se elevou.
—De novo? Não é este o quinto?
Pela segunda vez esta noite Jane ficou estática ante uma declaração do
Duque de Blackmore. Tinha-a estado observando? Um estranho calafrio queimou
sua pele, diferente do rubor que a tinha engolido antes, mas igualmente quente.
—Ninguém deveria requerer tanto refresco - afirmou com segurança. —
Talvez se dançasse não se sentiria inclinada a consumir tal quantidade.
E o Rei do Gelo retorna, pensou. Bem, ao menos é previsível.
Os ombros de Blackmore se endireitaram ainda mais, a mandíbula
inclinando-se em um ângulo arrogante.
—Uma valsa começará logo. Consentirá em dançar comigo?
Depois de um novo estudo, talvez não tão previsível.
Ela teria ofegado, mas não era capaz de encontrar seu fôlego. Ou a
capacidade de mover-se. Lhe tinha pedido para dançar. Ele, denominado por
unanimidade o Partido da Temporada, de cada temporada, tinha pedido a ela, a
quinta-essência das flores raras para dançar uma valsa.
Visivelmente contrariado por seu silêncio, o alto e loiro Apolo da
aristocracia disse entre dentes: —Quando se pede a uma dama para dançar
costuma-se responder.
Ele estava correto. Ela devia responder. E o faria. Apertando os dentes, Jane
reuniu cada ápice de coragem que encontrou dentro de seu redondo e comum
corpo de solteirona e lhe deu a resposta que merecia.
—Não. — Surgiu como um sussurro. Tragando além de todo temor, repetiu
a palavra com sua voz normal, por mais afogada que pudesse ser. — Não. Não
creio que dançarei com você, Sua Graça.
CAPÍTULO 05
"Ela é seu próprio pior inimigo, Meredith. Recorde minhas palavras, um dia não terá
mais remédio que estar de acordo comigo." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady
Berne enquanto discutiam as perspectivas da futura solteirice de Jane Huxley.
~~*
Quando se tinha o legado Blackmore a cargo, o escândalo era muito
parecido ao veneno. Entretanto, para Harrison Lacey, o oitavo Duque de
Blackmore, as três últimas temporadas de Londres tinham sido amaldiçoadas
com essa enfermidade vil.
Primeiro tinha chegado por sua própria mão: um duelo com o anterior
visconde Atherbourne, que tinha terminado desastrosamente na morte do
homem. No ano seguinte, em um intento de vingança, o irmão do dito visconde
tinha atraído a irmã de Harrison, Vitória, a um encontro escandaloso. E agora...
aquilo.
O custoso pergaminho estava enrugado na mão de Harrison, as palavras de
Lady Wallingham escritas com uma letra audaz, desvanecendo-se em uma
neblina avermelhada. Fechando os olhos, dispôs-se a submeter sua ira
ingovernável. Rapidamente soltou a carta, lhe permitindo desdobrar-se de novo
em sua mesa.
Deveria saber que chegaria a isto. Colin tinha dado um giro perigosamente
fora do controle há anos, voltando-se cada vez mais petulante, rebelde e
imprudente. Entretanto, destruir deliberadamente uma dama inocente (embora
irritante), em particular uma de uma família respeitável com estreitos vínculos
com a sua, era simplesmente incompreensível.
—Sua Graça, o senhor Drayton chegou — anunciou Digby brandamente da
porta da biblioteca. — Parece que localizou Lorde Lacey.
Harrison levantou o olhar e assentiu com a cabeça ao loiro mordomo.
—Diga-lhes que entrem.
Tinha a garganta incomodamente apertada. Levantou-se, juntou as mãos às
costas e caminhou para a janela, e logo às estantes no lado oposto da habitação,
e logo depois de novo à janela. Eles eram sua responsabilidade, Vitória e Colin.
Seu fracasso, ao menos no caso de Colin.
Escutou o ruído forte de botas chiando no piso do silencioso corredor.
— ... amor de Deus, Drayton. Solte-me antes que escureça seus dias.
O investigador da Bow Street respondeu dando em Colin Lacey outro
empurrão, enviando-o tropeçando para dentro da habitação. Uma vez que
recuperou o equilíbrio, Colin puxou seu casaco e olhou para Harrison.
—Controla seu cão de caça, irmão. Um convite teria servido igualmente.
—Duvido — respondeu em voz baixa.
Passando uma mão pelo cabelo, Colin olhou sobre seu ombro ao
desalinhado Drayton. Ele moveu a outra mão em sinal de admissão.
—Desaparece, então. Seja um bom cão.
Drayton, um homem alto, magro e abatido que tinha demonstrado ser
indispensável para Harrison durante o ano passado, ignorou a ordem. Ficou de
pé, em silêncio, em um canto da habitação. O investigador conhecia bem o seu
empregador.
—Sente-se Colin.
Girando de novo para Harrison, Colin soprou: —Bem. É hora de outro
sermão, sem dúvida. O que aconteceu agora? Já cortou os meus recursos. E
agora o que pode ser?
Harrison se moveu para diante passando pelo lado da mesa e parando
diretamente diante do pálido moço de olhos avermelhados (porque ele não
podia qualificar-se adequadamente como homem), que havia criado tanta
destruição.
—Já disse: sente-se.
Ele se sentou, embora a contragosto. Harrison rodeou a mesa e fez o
mesmo.
—Explica a aposta.
Colin ficou quieto, logo puxou o tecido do seu colete.
—Aposta?
Silencioso como uma pedra, Harrison simplesmente o fulminou com o olhar
e esperou. Seu irmão se moveu, evitou seus olhos, e tratou de manter seu
próprio silêncio. Mas Harrison era paciente. Colin nunca havia possuído
disciplina para superá-lo.
—Não foi nada, na realidade.
Harrison esperou enquanto a cor avermelhada se transferia até o pescoço de
seu irmão.
—Uma pequena diversão. Com alguns amigos. Não é teu assunto, sem
dúvida.
—Uma diversão — disse Harrison em voz baixa.
Colin levantou as mãos.
—Muito bem! Foi um lapso colossal de julgamento. É isso o que deseja
escutar?
—Eu gostaria de escutar a verdade. Conte-me o que aconteceu.
—Cortou meus recursos — ele respondeu cruzando os braços. —Que outra
coisa eu podia fazer?
Uma vez mais Harrison deixou que as palavras de Colin se pendurassem no
silêncio. Passou um minuto inteiro. Finalmente, Colin afastou o olhar.
—Eu não tinha a intenção de lhe fazer dano.
—Esse refrão é familiar e tediosa. Não importa qual era sua intenção, só o
que causou.
Tragando saliva, Colin baixou o olhar às suas mãos.
—É muito ruim, então? — Perguntou com um fio de voz. — Está...?
—Arruinada? Oh, sim — confirmou Harrison, segurando-se por pouco para
não gritar as palavras. — Totalmente.
Colin beliscou a testa com os dedos indicador e polegar.
—Não supunha que fosse... maldição, Harrison, realmente começou como
uma brincadeira. Milton brincou que tinha me convertido em um aborrecido
sem o brandy, e que não acreditava que pudesse atrair nem sequer a comum
Jane Huxley para um passeio ao Hyde Park. Ele ofereceu umas poucas libras, e
estabeleceu a aposta. Outros cavalheiros acrescentaram suas partes. Antes de
quinze dias a coisa havia se tornado uma loucura.
—Entretanto, em nenhum momento lhe pôs um basta.
—Necessitava dos recursos. Não tem ideia do urgen…
A mão de Harrison golpeou a mesa.
—Não estou interessado em suas desculpas. Conte-me o que ocorreu ontem
à noite.
Colin ficou olhando-o, seus olhos dilatados.
—Agora! — Sua ordem foi um disparo. Harrison não estava acostumado a
levantar a voz, mas as circunstâncias eram bastante extraordinárias.
Tentando parecer casual, seu irmão encolheu os ombros.
—Inventei uma história sobre o colar da nossa mãe. Inventei que Milton o
tinha roubado, pedi à Lady Jane que me ajudasse a recuperá-lo.
—Que colar?
—O destinado à próxima duquesa de Blackmore.
Harrison franziu o cenho.
—Não há tal colar.
—Como disse, inventei uma história.
—Por que ela concordou em te ajudar?
Colin moveu-se em sua cadeira esfregando as palmas das mãos sobre as
coxas.
—Brinquei com sua sensibilidade feminina. Não estou orgulhoso disso.
Um estranho raio de escuridão, frio e surpreendente, deslizou-se através do
corpo de Harrison. A luz na habitação se atenuou até que o único a brilhar era o
rosto de seu irmão.
—Seduziu-a?
A pergunta embora suave, deve ter revelado algo do estado atual de
Harrison, porque Colin congelou como se estivesse cercado por um predador.
—Não — protestou rápido, mais enfaticamente: — Não! Nada do tipo.
Somos amigos. — Seu olhar deslizou para longe de Harrison. — Ou melhor,
éramos amigos.
Segundo a experiência de Harrison, havia pouca probabilidade que as jovens
sem pretendentes e com escassas perspectivas interpretassem as atenções
repentinas de um homem como Colin como mera amizade. Mas sua paciência
estava se desgastando, por isso pressionou: —Pergunto de novo, o que
aconteceu ontem à noite?
Suspirando, Colin deixou cair a cabeça para trás, contra a cadeira, e se
recostou de um lado.
—Ela fez tudo o que pedi. Usava um casaco e calças. Uma máscara. — Riu,
o som carinhoso e triste. — Teve que usar os óculos por cima. Um pouco
incômodo, isso. Mas Jane é... – olhou Harrison e imediatamente se endireitou.
— Entrou pela janela da biblioteca. Estávamos esperando no interior do salão.
Deve ter ouvido algo atrás da porta, porque Milton teve que ir até ela e trazê-la
de volta. Eu queria terminar ali. Mas os cavalheiros tinham outras ideias.
Exigiram que fosse desmascarada, então Chatham…
—Benedict Chatham estava envolvido? — Perguntou Harrison.
—Tirou-lhe a máscara. — A garganta do Colin se moveu de forma visível.
— Ela… ela chorou, Harrison.
Um raio de sombra negra retorceu-o e deslizou novamente através dele.
Desta vez empurrou sua cadeira com tal força que se deslizou para trás, à parede
a mais de dois metros atrás dele. Suas mãos aterrissaram com um golpe brutal
sobre a mesa, e deixou cair a cabeça entre os ombros. Aquela espiral de raiva o
agarrou como a serpente que era, prendendo fogo às paredes que a continham,
tentando-o a espremer a garganta de seu irmão. Em troca, suas mãos formaram
punhos sobre a superfície polida da escrivaninha.
Com um fio de voz, Colin confessou: —Uma vez que vi isso, que a vi… ali
de pé, com o cabelo escorrido, sem seus óculos, soube que estava equivocado .
Nunca deveria ter permitido que os homens se reunissem como uma manada
de…
—Maldição! Nunca deveria ter feito nada disso! — A magnitude do rugido de
Harrison fez com que Colin levantasse com um salto e retrocedesse vários
passos. Drayton, que estava de pé em silêncio em um canto, deu um recuo de
surpresa e logo se mudou para ficar diante das portas, evitando uma possível
fuga de Colin. Depois de um longo e espesso silêncio, Harrison se separou de
sua mesa e caminhou para a janela. Não podia olhar para Colin. Tinha medo do
que poderia fazer. Quando por fim falou, as palavras eram como uma pedra
pesada, dura e fria. — Só posso estar agradecido que nossos pais não estejam
vivos para ver no que se converteu seu filho. De minha parte, nunca estive tão
envergonhado de te chamar de irmão.
Durante muito tempo simplesmente ficaram ali, respirando e absorvendo o
enorme e abrupto abismo que se formou entre eles. Em idade só os separavam
seis anos, mas a distância entre Harrison e seu irmão tinha crescido de maneira
constante enquanto ele tinha esperado que Colin mostrasse sinais de verdadeira
humanidade, só para ser decepcionado. Seu irmão tinha vinte e cinco anos, mas
se comportava como um jovem imprudente de quinze. No ano passado
Harrison tinha descoberto o insensível tratamento de Colin com uma jovem
inocente, que tinha levado ao suicídio da garota. Foi então que lhe tinha tirado
os recursos, com a esperança de que a medida pudesse obrigá-lo a ficar sóbrio.
Conforme os informes de Drayton, tinha funcionado. Mas não o
suficientemente bem para evitar outro escândalo, outra vítima do egoísmo de
Colin.
—Deveria estar envergonhado. — A tranquila declaração surpreendeu
Harrison o suficiente para voltar-se e olhar para seu irmão. Colin estava branco
como o leite, a mão apoiada no respaldo da cadeira como se estivesse muito
fraco para valer-se por si mesmo. — Eu me envergonho de mim mesmo. Traí
uma amiga. Estava desesperado, mas tem razão. Essa é uma desculpa
insignificante para minhas ações. Pedirei que se case comigo hoje mesmo.
Harrison piscou.
—Não, não o fará.
A cabeça do Colin se elevou.
—Disse que está arruinada.
—Está.
—E eu sou o culpado.
—Apesar da sua participação neste negócio imoral. Contra toda sensatez e
grave risco de sua reputação, por certo passar sua vida ligada a um canalha sem
dinheiro é um castigo muito severo.
Com sua mão fechando-se e afrouxando-se no respaldo da cadeira, Colin
parecia disposto a discutir o assunto. Abriu a boca só para fechá-la um segundo
mais tarde. Então, cedendo à maior sabedoria de Harrison, meio que sorriu e
assentiu com a cabeça torcida em irônico e seco acordo.
—Sei que não acredita em mim, mas estive tentando me reformar. Tenho
me abstido do excesso nas mesas e do brandy. — Ante o olhar duvidoso de
Harrison, Colin retificou: — Em sua maior parte. — Esfregou o queixo e
suspirou. — Sua santidade sempre faz reluzir minhas piores tendências, mas
nisto está correto. A aposta foi um erro imperdoável. Necessitava dos recursos
para sair da Inglaterra. — Ante esta notícia Harrison lançou um olhar
interrogante a Drayton, que franziu o cenho e sacudiu a cabeça, ao que parecia
ser a primeira vez que ouvia algo a respeito. — Mas nunca deveria ter aceito
envolver Jane. Ela merece algo muito melhor que isso. Melhor que eu.
Em raras ocasiões Harrison tinha visto seu irmão daquela maneira: sério e
raciocinando o suficiente para analisar suas próprias ações. Era desconcertante.
—Aonde vai?
Colin encolheu os ombros com cansaço.
— A Inglaterra tem muitos problemas. Talvez a América tenha um melhor
efeito. — Seu sorriso era débil e se desvaneceu rapidamente. — Vai cuidar dela,
então? De Jane?
Harrison só assentiu com a cabeça.
—Bom. Trate-a bem, Harrison. Ela é muito mais notável do que qualquer
um suporia.
Uma vez mais o afeto na voz de Colin fez Harrison perguntar-se pela
natureza de sua suposta amizade.
—Não se preocupe com seu bem-estar. Acostumei-me a limpar seus
destroços. Pode ajudar melhor mantendo distância.
Apertando os lábios, Colin atuou como se quisesse dizer algo mais, mas logo
se voltou para olhar para Drayton.
—Se quiser que eu vá, terá que pôr uma correia em seu cão.
Harrison fez a Drayton um gesto com a cabeça, e o homem retornou ao seu
canto. Colin foi às portas e se deteve. Sem voltar-se, disse em voz baixa: —
Lamento o que fiz. É possível que não acredite em mim, mas é verdade. O
lamentava mesmo antes de fazê-lo. — Aguardou, possivelmente esperando que
Harrison se alegrasse e lhe desse palmadas no ombro, felicitando-o por obter
finalmente alguma medida de maturidade. Em vez disso, Harrison ficou em
silêncio deixando Colin pronunciar: —Desejo-te o melhor irmão — e se foi.
Momentos depois Drayton lhe dirigiu um olhar inquisitivo, e Harrison
assentiu.
—Vigie-o. —O investigador desapareceu imediatamente para seguir o rastro
de Colin.
Com o cenho franzido Harrison voltou para sua mesa dando-se conta que
sua cadeira estava a uns metros de distância, contra a parede. Aproximou-a e se
sentou, pegando uma pluma e papel. Depois de vários minutos ficou satisfeito
com suas duas mensagens e chamou Digby, que apareceu imediatamente.
—Sim, Sua Graça?
Harrison escreveu o endereço, selou as duas cartas e as estendeu ao
mordomo.
—Encarregue-se que sejam entregues sem demora.
Digby deu uma olhada nos envelopes.
—Lorde... Lorde Chatham e Berne, Sua Graça?
—Exatamente — respondeu distraidamente, sua pluma já trabalhava de
novo em uma nota para seu advogado. Depois disso enviaria uma carta à
Vitória, e possivelmente outra à tia Muriel. — Sempre acreditei que é melhor
pagar as dívidas imediatamente.
CAPÍTULO 07
"Posso sugerir que abandone esta inclinação pela imbecilidade imprudente antes que suas
opções se reduzam de limitadas a inexistentes?" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu
sobrinho com respeito à sua reincorporação em Oxford depois da intervenção heroica da dita
dama em seu nome.
A deusa da fortuna não tinha sorrido a Colin em meses, mas hoje estava
particularmente má. Levantou seu olhar irado à figura, uma escultura da Fortuna
vertendo ouro de uma cornucópia da abundância. Elevada no interior do
vestíbulo do Reaver’s, um feminino e zombador aviso da atração e da falsa
esperança, ou isso sempre tinha pensado.
—Milord, se não lhe importa esperar no salão, Lorde Chatham disse que vai
se reunir com você em um momento.
Colin contemplou o esbelto mordomo de pele escura.
—Obrigado Shaw.
Quando entrou no salão encontrou-o quase vazio, só alguns senhores
bebendo tranquilamente seu café da manhã. À diferença do Whites e Brooks,
Reaver não via necessidade de discrição em seu clube. Cada superfície brilhava
com flagrante luxo, das paredes de seda dourada às cortinas, os brilhantes lustres
de cristal, aos espelhos dourados. Era decadente. E enganoso, ninguém se fazia
rico ali, exceto Reaver. Colin escolheu sentar-se de costas à parede, em uma
mesa no canto dos fundos, onde teriam maior privacidade.
Por dentro sentiu começar o tremor, aquela rasteira sensação retorcendo-se,
que o fazia querer levantar-se e fugir. Respirando profundamente obrigou-se a
acalmar-se. Ainda não. Tinha que ver Chatham primeiro.
Com sua habitual graça espectral, o visconde de cabelo escuro chegou
brandindo sua arma com uma despreocupação que um observador casual
erroneamente subestimaria. Colin tinha visto o que o homem podia fazer com a
arma cuidadosamente dissimulada, então não fazia esse tipo de hipótese.
— Parece um pouco cansado, velho amigo. — Frio e inexpressivo, Chatham
se sentou apoiando a arma contra sua cadeira.
—Tem-no?
—É óbvio.
Colin desabou quando o alívio inundou seu corpo. Pela primeira vez em
várias semanas podia respirar sem perguntar-se se seria a última vez.
—Graças a Deus — sussurrou.
Chatham colocou a mão dentro de seu casaco e tirou uma bolsa. Deslizou-a
sobre a mesa com uma mão esbelta de dedos longos.
—A soma final? — Se Colin fosse afortunado, que nos últimos tempos
havia demonstrado uma qualidade difícil de alcançar, teria mais de mil libras,
mais que suficiente.
—Não tanto como você gostaria, temo. Flatmouth nega tudo. Afirma que
Phillips pôs seu nome sem seu consentimento. — Chatham encolheu os ombros
e suspirou. O que se podia fazer?
Com o cenho franzido, Colin assentiu passando uma mão pelo cabelo.
Abriu a bolsa com um puxão e contou as notas. Piscando, contou de novo.
Freneticamente procurou na bolsa de couro para ver se tinha perdido algo. Não.
Não, não, não.
—Onde está o resto? — Chatham levantou uma sobrancelha.
—Esse é o resto. O que está aí é tudo o que tem.
—São só quatrocentos. Não é o suficiente.
—Sim. Por desgraça, Flatmouth não foi o único em retratar-se depois do
acontecido. Sabe, acredito que seus amigos podem ser menos que honoráveis.
Colin se inclinou sobre a mesa, sua voz baixa e mortal.
—Onde diabos está meu dinheiro, Chatham?
Os olhos do outro homem não mostraram emoções.
—Como já disse, tem o que consegui reunir. O resto, bem, depois dos
esforços de seu irmão em nome da dama, acredito que nunca o verá.
A cabeça de Colin se voltou para trás ante a menção de Harrison.
—O que fez?
—Deixou muito claro que vai destruir qualquer homem associado com a
aposta. Naturalmente, muitos cujos nomes estavam no livro escolheram invocar
uma falha de memória, e agora recordam as circunstâncias daquela noite de um
modo um pouco diferente que você ou eu. A breve incursão de Lady Jane na
delinquência não foi mais que uma história de Banbury dito na brincadeira. Ou
isso parece agora.
—Como sabe o conteúdo do livro?
Uma das comissuras dos lábios de Chatham se elevou sutilmente.
—Eu dei a ele.
Recostando-se em sua cadeira com um golpe seco e duro, Colin ficou
olhando o visconde, perguntando-se se o homem se tornara louco.
—Ou, para ser mais preciso, o vendi.
Por um breve instante Colin tinha se atrevido a imaginar que finalmente
poderia estar a salvo. Todo o ar que tinha respirado durante aquele bendito idílio
saiu em um suspiro. Harrison quebraria todos e cada um dos homens que
aparecia no livro. Lentamente e com precisão devastadora. Colin havia visto nos
olhos de seu irmão quando lhe tinha contado a respeito das lágrimas de
humilhação de Jane. Não se deteria porque um homem negasse sua participação
na aposta, isso não significaria nada. Os que haviam se retratado não o
entendiam. Mas logo o fariam. Negar-se a pagar a dívida não os salvaria do
Duque de Blackmore.
Entretanto mandaria Colin a um destino pior. Com as palmas cobrindo seus
olhos, enterrou os dedos em seu cabelo.
—Estou morto. — Queixou-se. —Morto.
—Sim, imagino. Por certo, ainda tem aquele livro de mapas que te
emprestei?
Deixando cair as mãos, disparou ao seu antigo amigo um olhar hostil.
Chatham sorriu. Como de costume, não chegou aos seus olhos.
—É melhor recuperá-lo antes que desapareça, não acha?
Minutos depois Colin deixou o Reaver´s com menos da metade do que a
aposta deveria ter pago. Quatrocentas e dezoito libras. Talvez suficiente para ir
embora. Estava longe de ser o suficiente para ficar.
Colocando a bolsa no interior do casaco, deixou a praça tranquila para
dirigir-se à movimentada rua St. James. Em frente a ele uma charrete passou
movendo-se pesada, seguida de uma carreta de carvão. O ruído das rodas e dos
cavalos e todos os diversos gritos daqueles que seguiam com sua rotina diária era
ao mesmo tempo reconfortante e desconcertante. Precisava chegar às docas.
Precisava desaparecer. Formigava-lhe o pescoço.
Sem perder tempo, virou para o norte, para Piccadilly, caminhando mais
rápido, com o coração palpitante. Pouco podia acreditar no que havia
acontecido. Quatrocentas e dezoito libras não era uma pequena soma, mas para
ele era uma sentença de morte. Syder nunca aceitaria a metade do que lhe devia.
E para Colin tinha acabado o tempo.
Um moço e seu acompanhante idoso passaram ao seu lado, a bengala do
ancião fazendo um ruído surdo no chão. Um cavalo soprou e agitou os cascos
atrás dele. Cada som, cada movimento era mais agudo, mais surpreendente. Seus
sentidos lhe diziam que corresse, mas sabia que isso só atrairia uma atenção não
desejada.
Chegou à rua Jermyn, fazendo uma pausa para esperar uma abertura para
cruzar. Se pudesse chegar à carruagem na Piccadilly e Bond, poderia tomar uma
carruagem de aluguel para as docas. A partir daí... não sabia. Possivelmente um
daqueles novos navios a vapor. Teria que sair de Londres; isso era certo. Mas até
aonde devia fugir? Ali Syder parecia onipotente, um monstro de coração negro
com tentáculos que se estendiam das casas de jogo de PallMall aos matadouros
de Whitechapel.
Quatrocentas e dezoito libras não sustentariam Colin por muito tempo sem
conexões. Não conhecia ninguém na América ou no Canadá. Tinha uma tia em
Edimburgo, um antigo companheiro de colégio em Dublin, uma antiga amante
em Paris. Quantos quilômetros poderia dar Syder para considerar a satisfação de
matar o homem que lhe tinha feito uma armadilha?
Ele não sabia. Não sabia nenhuma maldita coisa.
Dando uma olhada atrás dele perdeu o fôlego, o coração lhe golpeou no
peito como um falcão apanhado dentro de uma gaiola de madeira. Drayton.
Acreditou que tinha se desfeito do abatido investigador. Maldito inferno.
Virando à direita na Jermyn, apressou o passo. Adiante havia um pequeno
beco entre duas lojas. Drayton estava muito atrás, o bastante para que se Colin
se metesse nele no momento oportuno teria uma oportunidade de perdê-lo.
Dando uma cotovelada num homem ao passar e deixá-lo para trás, Colin
observou uma cadeira antes de entrar correndo no beco. Estava mais escuro ali,
as paredes de tijolo iminentemente perto de um e outro lado. O caminho
comprido se esticava como um corredor, mas podia ver luz ao final. Com
grandes passos, Colin se infiltrou mais profundamente no estreito espaço em
direção à mais brilhante e aberta rua, esperando que o levasse a uma rua
adjacente. Olhou por cima do ombro para ver se Drayton o seguia.
E sentiu que sua cabeça explodia na escuridão.
~~*
Jane ia vomitar, muito possivelmente sobre toda a seda colorida que estava
estendida frente a ela. Rodeada de suas irmãs, de sua mãe e de Lady Wallingham,
estava sentada em uma pequena mesa na loja da Bond Street da costureira de
origem italiana Renata Bowman. Não podia imaginar uma miséria maior.
—A cor está muito melhor, não é? Não mais amarelo para ela. — A elegante
costureira de cabelo escuro não se incomodou em olhá-la quando fez sua
declaração. Em troca, ela moveu seus dedos em direção a Jane como se fizesse
referência a um sofá com necessidade de uma nova tapeçaria.
—Oooh, nunca considerei o vermelho para ela. É muito dramático. Não
acredita que é muito audaz? — Annabelle perguntou à senhora Bowman, que
limpou a garganta com desdém.
Maureen ofereceu sua própria opinião.
—Ela vai ser uma duquesa. As cores mais fortes serão mais adequadas,
sobretudo uma vez que comece a atuar como anfitriã de Blackmore.
O estômago de Jane se retorceu, seu café da manhã de ovos e bolachas
ameaçando reaparecer com uma pressa indecorosa.
—Jane! — Disse Lady Wallingham. — Não vomitará em um damasco tão
precioso. Se precisa fazê-lo, faça em outro lugar.
Todos os olhos se voltaram para ela enquanto tampava a boca com a mão.
—Sente-se mal, querida? — Sua mãe perguntou.
Tragando com força para conter a náusea que lhe subia pela garganta, Jane
tomou duas respirações profundas e murmurou: —Estou bem.
—Não parece muito bem — Genie disse, brevemente afastando-se da
exibição de um vestido cor de rosa rodeado de cinco chapéus. Jane deixou cair
sua mão e olhou furiosa à Genie, que lhe lançou um olhar vesgo com a intenção
de tirá-la de seu abatimento. Jane suspirou. Provavelmente, nada obteria essa
façanha.
Enquanto isso, as demais continuavam discutindo sobre o enxoval
extravagante de Jane, o qual era um esforço conjunto dos desejos mais
apreciados de sua mãe e os recursos de Blackmore. Annabelle cedeu terreno nas
cores mais escuras e mais intensas, suspirando por um casaco de veludo azul
escuro, enquanto Maureen murmurava sua aprovação por um vestido de dia, de
seda cor avermelhada. Sua mãe expressou sua consternação pela escassez de
adornos nos desenhos que a senhora Bowman estava recomendando. A senhora
Bowman lançou uma série de frases italianas, logo assinalou à cintura em uma
das ilustrações.
—Vê isto Lady Berne? Sua filha é... como dizê-lo... redonda. — O comprido
e elegante dedo indicador da costureira percorreu o longo vestido e logo tocou a
prega. — E pequena.
Jane piscou. A senhora Bowman se acreditava valente?
—Ela é baixa — exclamou a mulher, acrescentando: — Devemos esticar. —
Ela demonstrou beliscando os dedos juntos e separando as mãos verticalmente.
— Devemos criar cintura. E devemos simplificar.
—Oh, mas eu gosto muito dos adornos — disse a pequena Kate atrás do
ombro da mãe. — Rosas, também. Jane não pode ter algumas rosas, mamãe?
Se não fosse atrair muita atenção, Jane poderia ter gemido. Ela odiava
comprar vestidos, indevidamente conduzia à mortificação e ao desconforto para
alguém de sua figura, mas fazê-lo nas atuais circunstâncias era quase
insuportável. Isto ia custar ao duque uma fortuna.
Enquanto seu pai estava longe de ser pobre, seus ganhos eram talvez uma
décima parte dos de Blackmore. E com cinco filhas para vestir para as múltiplas
temporadas de Londres, um enxoval desta magnitude teria arruinado sua família.
Felizmente para a mãe e irmãs de Jane, que desfrutavam da ideia de comprar um
número excessivo de vestidos, roupa interior de seda, chapéus, luvas, sapatos e
outros artigos diversos aptos para uma duquesa, Blackmore tinha insistido em
pagar por tudo. Não havia, sem dúvida, consultado Jane.
Nem com o enxoval. Nem com a cerimônia. Nem com o matrimônio.
Ela não tinha visto nem falado com o homem desde a semana que lhe havia
arrebatado os sapatos da mão e saído apressada da biblioteca da Casa Berne. De
fato, no momento em que sua mãe lhe tinha informado do propósito de
Blackmore, ele já tinha concluído o assunto e ido.
Tinha saído precipitadamente da cozinha em direção à biblioteca,
surpreendendo seu pai ao irromper através das portas, resfolegando e gritando:
—Papai, não devia estar de acordo!
Mas seu pai simplesmente tinha sacudido a cabeça e cruzado a habitação
para envolvê-la firmemente em seus braços como tinha feito quando era uma
menina.
—Já está feito, anjo — lhe tinha sussurrado contra a parte superior de sua
cabeça. Afastando-se, ele tinha apoiado as mãos sobre seus ombros e falado
com carinho, mas severamente. — Deve aceitar este matrimônio. E estar
agradecida.
—Agradecida! — Tinha grasnado.
Com suas mãos firmes, sua voz mais firme, tinha lhe dado uma pequena
sacudida e respondido: —Blackmore está tratando de corrigir um erro no qual
não tomou parte. O descarado de seu irmão manchou a honra de sua família, e
ele deseja retificar a situação ao te dar o amparo de seu nome e de seu título. —
Ela tinha começado a protestar, mas ele tinha continuado com firmeza: — É um
nobre sacrifício, anjo, e sim, devia estar agradecida. Blackmore não acaba de
salvar só a ti, mas também as suas irmãs de uma grande desgraça.
Angustiada, Jane havia se sentido separada de seu corpo, sua necessidade de
negar a verdade vociferando dentro dela. Mas não podia negar. Seu pai tinha
razão. Blackmore estava se sacrificando, lançando o considerável poder que
exercia na sociedade (um grande e imponente poder), sobre ela e sua família
como um escudo protetor.
Era o único evento suficientemente significativo para que seu incidente de
torpe delinquência ficasse ofuscado entre os círculos de fofoqueiras: o Duque de
Blackmore finalmente tinha escolhido uma esposa. Fazendo de Jane sua
prometida estabelecia em termos muito claros que não acreditava nos rumores e
não toleraria que ninguém a associasse com o escândalo.
Simplesmente não podia compreender por que ele fazia uma coisa assim.
Vitória tinha falado do superdesenvolvido sentido de honra e orgulho de
Blackmore, mas o Apolo da aristocracia nem sequer deveria estar dançando com a
comum Jane Huxley, muito menos casar-se com ela. Nobre sacrifício, por certo.
Eram um casal terrível. Além do que, ela não desejava ser uma duquesa. Mais
especificamente, não desejava ser sua duquesa.
—Minha opinião não conta?
A expressão de seu pai se tornou grave, embora sua voz havia se mantido
suave.
—Temo que teve sua oportunidade, Jane. Quando subiu pela janela de
Lorde Milton, se arriscando e arriscando suas irmãs, você tomou a decisão.
Agora, deve fazer as coisas certas. Deve fazer isto por elas.
As lágrimas inundaram seus olhos, sulcando suas bochechas como duas
gotas gêmeas. Pôde ver o resplendor da luz do dia cintilando sobre os atalhos
úmidos. Seu peito parecia vazio, raspado e deixado escancarado.
Seu pai a tinha estreitado em seus braços de novo, sua mão segurando a
parte posterior de sua cabeça.
—Ele é um bom homem, querida. Nunca teria aceito o matrimônio se não
fosse.
Talvez fosse. O Duque de Blackmore poderia ter se casado com qualquer
uma. Poderia nomear pelo menos sete belezas da nobreza, todas diamante de
primeira, que seriam uma melhor opção para ele. Conformar-se com alguém
como Jane era um ato de inexplicável altruísmo.
Blackmore estava tão acima dela que bem poderia estar na lua.
Entretanto, tinha aceito casar-se com ele. Porque seu pai tinha razão, não
podia jogar o futuro de suas irmãs ao lixo simplesmente para escapar de um
matrimônio que temia. Maureen e Genie mereciam a oportunidade de dançar a
valsa, comprar chapéus e mover seus leques para paquerar em suas próprias
temporadas. Mereciam fazê-lo sem o espectro do terrível erro de Jane
agarrando-se a elas como uma pegajosa teia de aranha.
Agora, pelas mesmas razões, tinha estado de acordo com aquela excursão às
lojas para comprar um enxoval que não queria, para um matrimônio que não
queria, com um homem que… bom, um homem para quem era tragicamente
inadequada. No presente, ouviu sua mãe exclamar por uma ilustração de um
conjunto de montar verde esmeralda e sentiu que seu estômago se retorcia de
forma ameaçadora. A senhora Bowman explicou que baixaria a cintura em todos
os vestidos um pouco mais do que estava na moda, já que ajudaria Jane parecer
"menos bolinho, mais duquesa".
Foi então que Lady Wallingham escolheu inserir-se na discussão, declarando:
—Sim, sim. Tudo isto está muito bom. Mas o que fazer com seu vestido de
noiva, senhora Bowman? A princesa Charlotte usou uma magnífica confecção
de tule prateado. Insisto que Jane use nada menos que ouro.
A senhora Bowman sacudiu a cabeça enfaticamente e levantou um dedo.
—O ouro é muito amarelo. Não, não, não. Para Lady Jane tem que ser algo
mais intenso. — Ela tirou um lápis do bolso e estalou os dedos à sua ajudante,
que flutuava no fundo. Um pequeno caderno de desenho apareceu no mesmo
instante. A senhora Bowman o abriu e começou a desenhar com traços rápidos
e decisivos. — Bronze. Seda. Um pouco de fita para passar o corpete.
Os olhos verdes de Lady Wallingham se centraram na costureira, que parecia
perdida em seus próprios pensamentos, murmurando de vez em quando em
italiano.
—Ela terá tule de ouro. Ponha-o como quiser. Mas Lady Jane Huxley deverá
usar ouro no dia de suas bodas.
A senhora Bowman ficou imóvel, olhando à marquesa viúva de Wallingham.
Um resistente brilho de respeito apareceu em seus olhos escuros antes que
elevasse as sobrancelhas e encolhesse os ombros. Voltando para seu esboço,
murmurou: —Uma faixa larga para colocar na cintura. E tule de ouro sobre a
seda de bronze.
Jane olhou Lady Wallingham, que assentiu imperiosamente. Aquilo era
muito grandioso. Era muito custoso. Era... não era ela.
Ela sabia que, em certo sentido, todos tinham razão. Deveria estar
agradecida ao duque. Deveria aspirar converter-se em uma duquesa. Até a
senhora Bowman provavelmente tinha razão: deveria usar cores mais vivas,
cinturas baixas e formas mais simples. Mas Jane não queria usar bronze ou verde
esmeralda. Não queria ser uma duquesa.
Acima de tudo não queria que Blackmore a olhasse com a resignada
amargura que sabia que ia ver em seu rosto pelo resto de suas vidas.
Queria fugir.
Ocultar-se em algum lugar longínquo.
Perder-se em uma história, qualquer história, contanto que pertencesse a
outra pessoa.
A senhora Bowman elevou o esboço para que todo mundo o visse. Todas
suspiraram e aclamaram enquanto Jane o olhava de esguelha sentindo-se
miserável. Sem dúvida, um vestido tão requintado ficaria ridículo nela, como
colocar uma coruja com um dos chapéus mais elaborados de Genie. Seu único
consolo residia na ideia de que talvez o vestido de noiva fosse o ponto
culminante da senhora Bowman, o destaque que marcou o final daquele
pesadelo da Bond Street. Mas como logo descobriu, tal ilusão era um caminho à
decepção.
—E agora, — anunciou a costureira voltando uma página em branco —
algumas coisas para a noite de bodas, não?
CAPÍTULO 10
"Os homens são impulsionados por duas forças: luxúria e poder. O matrimônio é a única
instituição reconhecida que serve para ambos os fins. Do contrário, me atreveria a dizer,
teríamos muito trabalho para arrastá-los até o altar." - A Marquesa Viúva de Wallingham
à Lady Berne enquanto discutiam a intratável falta de interesse de seu filho Charles para
voltar a casar-se.
~~*
~~*
~~*
Jane tentou com todas as suas forças desaparecer em seu livro, mas foi inútil.
Tinha lido a mesma frase cinco vezes e nem uma palavra daquilo se parecia com
o inglês.
Diabos. Era aquele homem. Seu marido.
Dirigiu-lhe um olhar com os olhos entreabertos. Estava inclinado longe dela,
fingindo dormir. Seu cabelo brilhava sob a luz tênue, cor café claro nas raízes,
dourado brilhoso nas pontas. Era um pouco mais escuro e cinzento que o de
Vitória, mas isso talvez fosse porque estava muito curto. Se o deixasse crescer
provavelmente o dourado teria preferência. Deixou que seus olhos se
deslizassem para baixo, à sua mandíbula. Era como uma faca, tão cortante e
dura. Ele era de fato, duro em todas as partes. Em seus ombros. Em seu peito.
Em suas coxas. Naquelas, especialmente. Quando o via à distância parecia
esbelto e elegante. Mas quando se aproximava, era muito maior e mais
imponente, mais largo nos ombros, mais grosso nos braços.
Como podia um homem tão belo ocultar uma alma tão fria e rígida?
Tinha sido completamente desnecessário reagir com tanta dureza à sua
abertura e posterior queda. Estava tentando lhe fazer um favor, pois ele tinha
estado alternadamente olhando pela janela e de volta a ela durante quase três
horas. Claramente ele estava adoecendo de aborrecimento se estava tentando ler
seu livro por sobre seu ombro. Isso devia ter sido o que tinha estado tentando
fazer, porque ela não podia imaginar outra motivação para seu evidente olhar
fixo. Finalmente os acalorados calafrios de seu olhar se fizeram insuportáveis,
por isso, lhe tinha oferecido um livro.
Simples cortesia. Qualquer pessoa educada teria feito o mesmo. Mas ele viu
assim? Certamente não! O rei do gelo não podia manchar sua antiga memória
com o romantismo das novelas. Deus nos livre! Além de seu esnobismo
literário, fazia uma montanha de um grão de areia por sua pequena queda. Como
ia fazer já que o caminho estava cheio de ocos e buracos?
Passou outra página, só para que não suspeitasse que estava fazendo hora.
Necessitando de uma saída para sua indignação, começou a planejar uma carta
para Vitória, que estava tristemente equivocada quando se tratava do caráter do
duque: Querida Vitória, escreveria. Temo que esteja tristemente equivocada a respeito do
caráter de seu irmão. Permita-me que te ilumine: longe de ser amável, é impaciente e grosseiro.
Lady Wallingham é mais amável. O proprietário da livraria da Norton é mais amável.
Suspeito que inclusive Monsieur Bonaparte é mais amável. Quando lhe ofereci um livro para
passar o tempo nesta viagem interminável, sua resposta foi gritar que me calasse.
Deteve-se, reconsiderando sua descrição.
Bom, para ser justa, possivelmente "gritar" seja exagerar um pouco. Blackmore não grita,
não é? Isso também é um incômodo. Ele é sempre frio, tranquilo e cortante.
Sacudindo a cabeça, tratou de voltar para seu ponto original.
Essa é uma queixa para outro dia. Neste dia, terei que demonstrar sua inclinação pela
rigidez. Quando caí em seus braços…
Oh, céus. Aquilo não soava bem.
… por acidente, lembre-se .
Sim, aquilo era melhor.
Sabe o que fez? Depois de me sustentar firmemente um bom momento, pôs-me de novo em
meu assento tão facilmente como moveria uma cesta de nabos! Pode imaginar? Levantada e
deixada cair como se fosse um bebê, não uma mulher adulta.
Ela fez uma pausa recordando a sensação de seus musculosos braços ao seu
redor, seu duro peito atrás dela, e suas coxas realmente duras debaixo dela. Ele a
tinha envolto, aconchegado contra ele, seu quente fôlego em seu pescoço. Mal
tinha se atrevido a respirar, de fato não tinha respirado durante vários segundos,
quando a tinham inundado as sensações mais peculiares.
A sensação de seus braços ao meu redor foi extraordinária, devo dizer, continuou. Mais
como estar parada sob o sol forte do final do verão vendo uma centena de cisnes repentinamente
levantar voo em um campo dourado. Se precipita sobre sua pele como uma faísca e um
comichão ao mesmo tempo. Uma faíscamichão, se quiser.
Ela riu um pouco ante sua palavra recém-inventada, então observou
Blackmore com cautela. Seguia sem inteirar-se de nada, muito melhor.
Muito diferente de qualquer coisa que tenha conhecido. E logo, transferir minha não-
insubstancial pessoa sem sequer um sopro de esforço! Seu irmão é monstruosamente forte.
Resulta-me ao mesmo inquietante e intrigante. O que há de errado comigo, Vitória?
Movendo-se em seu assento, tragou saliva sentindo-se de repente um pouco
sedenta. Um pouco acalorada. Um pouco nostálgica por uma carruagem aberta,
onde uma brisa fresca poderia aliviar seu repentino rubor. Talvez revisasse a
carta antes de enviá-la. Sim, uma análise objetiva e completa do caráter de
Blackmore requeria um exame muito mais exaustivo. Pelo bem da precisão, é
óbvio.
CAPÍTULO12
"Um viajante se parece muito a um homem ébrio. Em geral, veria uma estalagem mais
como uma fonte de enfermidade e infecções, que como um lugar de descanso e sustento, mas
depois de dias e dias viajando pelos terríveis caminhos da Inglaterra, o mundo inteiro fora da
carruagem se assemelha a um palácio." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao proprietário
de uma estalagem em Wiltshire logo que apresentaram o recibo.
Três dias mais tarde, mergulhada em uma banheira de cobre com o vaivém
da água quente chegando justo sob seu queixo, Jane considerou que talvez
aquele matrimônio não era, depois de tudo, um mau negócio. A banheira, por
exemplo, era absolutamente esplêndida. Profunda e larga, colocou-se frente à
esculpida lareira de mármore do quarto de vestir adjacente à antecâmara da
duquesa de Blackmore. Sua antecâmara. Inalando o vapor perfumado com flor
de macieira, permitiu que o calor da água aliviasse seus membros rígidos e
suspirou de felicidade.
Antes de chegar à Blackmore Hall, na noite anterior, Jane teria insistido em
que havia poucas, se é que existiam, vantagens do título. Estava claro que havia
calculado mal. Embora o luxo de seu novo lar não devesse ter sido uma surpresa
- Blackmore era um dos nobres mais ricos da Inglaterra, depois de tudo -, vê-lo
pela primeira vez tinha superado seus sentidos.
À medida que a carruagem tinha avançado pelo caminho da entrada, o pôr
do sol tinha pintado a alada expansão palaciana de pedra calcária com um
dourado brilhante. Centrada por uma arcada e colunas, a casa descansava em
uma ascensão por cima de um pitoresco lago de peixes de grande tamanho.
Rodeava-os uma embriagadora abundância de jardins e uma paisagem verde de
suaves colinas e campos extensos.
Uma vez dentro do vestíbulo de entrada, apesar de seu esgotamento, havia
girado em seu lugar maravilhando-se ante a grandeza de paredes de seda azul
pavão, as colunas brancas que flanqueavam um nicho em forma de concha e um
teto com afrescos opostos aos chãos de mármore polido. Fazia Clumberwood
Manor, a casa de campo de sua família em Nottinghamshire, parecer a moradia
de um andrajoso camponês. E o vestíbulo de entrada era a primeira de mais de
cento e vinte habitações, algumas das quais passou a manhã e a tarde explorando
com a amável governanta, a senhora Draper.
Jane desfrutava da comodidade. Desfrutava de um banho quente, uma cama
de plumas suaves, e a chama do fogo em uma noite fria. Mas nunca havia se
atrevido a prever que tal luxo lhe pertenceria algum dia. Converter-se na
Duquesa de Blackmore poderia resultar ser um ajuste incômodo em todos os
outros aspectos, mas neste ela desfrutaria até que seus dedos ficassem enrugados
como uma maçã ao sol.
—Está pronta para o enxágue, Sua Graça? — A voz de Estelle veio de trás
de sua cabeça.
Jane suspirou com tristeza.
—Não posso ficar aqui pelo resto do dia?
O estalo de uma toalha ao ser sacudida rapidamente foi seguido pela risada
de Estelle.
—Tem que ter um pouco de fome, suspeito. Não quererá chegar tarde ao
jantar, não é? Dizem que o cozinheiro aqui é um francês louco, mas que suas
comidas vêm diretamente da porta do céu.
Ela gemeu ante a menção dos alimentos.
—Isso é um sonho encantador. Me dê só uns poucos minutos mais, Estelle.
Acredito que minha parte traseira ainda tem que se recuperar da viagem.
De fato, apesar do luxo da carruagem de Blackmore, viajar pelo caminho
cheio de buracos de Londres a Leeds não tinha sido agradável. Depois da
contrariedade do primeiro dia, o duque tinha escolhido montar a cavalo em
lugar de sentar-se no interior da carruagem com ela. Em cada parada, apesar de
ser educado e sempre se preocupar com a sua comodidade, tornou-se mais
distante e taciturno, mal trocava uma palavra com ela, além de lhe ordenar entrar
para as refeições e coisas do tipo. Depois da primeira noite, ele quis que
dormissem em habitações separadas, mantendo-se fiel à sua promessa de atrasar
a consumação do matrimônio.
Entretanto, inclusive depois de chegar à Blackmore Hall na noite anterior,
tinham dormido separados, ele citando o evidente esgotamento de Jane. Tinha
se perguntado se estava chateado com ela, mas não parecia que fosse assim. O
que deixava uma só conclusão: lamentava sua união e temia a intimidade do leito
matrimonial.
Ela baixou o olhar para seu corpo impulsionado pela água. Era todo
brancura, suavidade, arredondamento. Como podia culpá-lo, honestamente? A
maioria dos homens preferiam uma forma mais refinada. Todo mundo sabia.
Ele teria que cumprir com suas obrigações masculinas com o tempo, igual
ela faria com seu dever de esposa. Mas talvez ele tivesse decidido que um atraso
mais prolongado, talvez de duração indefinida, lhes daria mais tempo para
reconciliar-se com a tarefa onerosa. Sim, isso era provável. E provavelmente
sensato.
Um peso se instalou dentro de seu peito fazendo com que lhe doesse e
apertasse até a garganta. Tragando saliva, repreendeu-se por sua tola emoção.
Não tinha sentido tornar-se chorosa. Sorveu pelo nariz e deu um meio sorriso. Deveria
estar aliviada. Sim, aliviada. Ele não te incomodará; você não o incomodará. É o acerto
perfeito. Muito sensato, realmente.
Com esse pensamento reconfortante, terminou seu banho e se vestiu para o
jantar. Como de costume, seu cabelo murcho como uma flecha se negou a
formar um cacho, assim Estelle simplesmente o separou no centro e o ancorou
na parte posterior de sua cabeça.
—Bem — a criada disse trespassando com firmeza um último grampo ao
longo do couro cabeludo de Jane. — Tudo terminado.
Jane se levantou e se olhou no espelho da penteadeira . Seu vestido era
requintado, o suave verde de um prado à saída do sol. As mangas até os
cotovelos, o decote quadrado adornado com uma fita de um verde mais escuro
combinando com a faixa na cintura. Realmente só com o vestido, não seu rosto
visível no pequeno espelho, pouco reconheceria sua própria forma. A senhora
Bowman, apesar de sua fanfarronice, tinha um talento magistral.
—Aqui está, Sua Graça — Estelle disse colocando um xale de cor marfim
suave sobre os braços de Jane. — Está radiante. Melhor que não se atrase.
Escutei que Sua Graça está esperando no salão.
Jane assentiu, diminutas vibrações em seu ventre sendo um preâmbulo ao
aumento de seu pulso. Como o tinha visto muito pouco ontem, e nada hoje,
talvez um ataque de nervos era de se esperar. Bem, era um milagre que pudesse
recordar seus traços, já que tão cuidadosamente a tinha evitado.
Ao entrar no salão, recebeu um lembrete devastador. Ele estava vestido de
um azul profundo como a meia-noite. E estava desgraçadamente bonito, parado
tão alto e reto junto à sua cadeira, os ombros largos, o cabelo brilhando em
glória magnífica à luz das velas, as sobrancelhas franzidas em um olhar de aço
dirigido… para ela.
—Você está atrasada — grunhiu.
Piscando para limpar a névoa repentina que tinha descido sobre ela, replicou
com todo o engenho que possuía nesse momento: —Seriamente?
—Cinco minutos. Em Blackmore Hall se janta às sete. A senhora Draper
não lhe informou?
Ela ficou olhando-o de sua posição dentro da porta, porque justo nesse
momento não podia fazer nada mais. Na realidade, não era como se ela nunca o
tivesse visto antes. Por que parecia muito mais atraente do que o habitual?
Estranho, por certo. Possivelmente simplesmente tivesse renovado suas energias
depois de recuperar-se da viagem.
—Às sete? — Repetiu. — Oh, sim, é claro. A senhora Draper me disse.
—Se sabia, então por que chegou tarde?
Ela olhou ao redor do salão notando que eram as únicas almas presentes,
além dos lacaios assistindo-os. Arqueou uma única sobrancelha.
—Minhas desculpas, Sua Graça. Espero que nossos hóspedes não se sintam
ofendidos por minhas más maneiras.
Ou ele não entendeu seu sarcasmo ou preferiu ignorá-lo, porque sua única
resposta foi tirar a cadeira à sua direita e dizer friamente: —Confio em que não
volte a acontecer.
Fazendo uma careta, sacudiu a cabeça e se dirigiu ao seu assento. Tinham
passado dois dias desde que esteve assim, perto o bastante para cheirá-lo.
Tomou uma respiração profunda, levando sol e goma ao fundo de seus
pulmões. Piscou. Quando a goma havia se tornado tão deliciosa?
—Dormiu bem?
A pergunta começou sobre sua cabeça e logo se transferiu à cadeira ao seu
lado. Ela assentiu.
—Bastante. E você?
—Mmm. Melhor esta noite, espero. — Seu rosto era inexpressivo, seus
olhos cinza azulados explorando sem descanso seu cabelo e vestido. — Você
parece... bem.
Ali estavam as vibrações outra vez. Em seu ventre. Em suas pálpebras. Era
tola, como quando bebia muitas xícaras de café.
—Você também, Sua Graça.
Com um gesto a convidou a comer a sopa de aspargos que se colocou diante
dela. Piscou, dando-se conta de que talvez pela primeira vez em sua vida tinha
ignorado por completo a comida. E que deliciosa comida era: tenro bife de
vitela com uma nova camada de erva, com um rico e cremoso molho bechamel;
suculento salmão com um molho azedo ricamente balanceado; um bolo de
groselha que era doce e picante e a fez pôr os olhos para cima e franzir os lábios.
Antes que a comida houvesse terminado, nove pratos tinham sido oferecidos,
todos tão celestiais como Estelle lhe tinha informado.
Enquanto deslizava um último bocado do suculento bolo de groselhas em
sua boca, o duque, que tinha permanecido em silêncio durante toda a refeição ,
perguntou-lhe: —Toca piano?
Mordendo e deixando que o doce sabor forte explodisse em sua língua, Jane
elevou um dedo, fechou os olhos e saboreou por um momento. Finalmente
tragou, e se voltou para Blackmore. Seus olhos estavam um pouco frágeis; suas
maçãs do rosto um pouco avermelhadas; e sua respiração, um pouco rápida. Só
pôde concluir que, também, estava reagindo à comida. Realmente era
excepcional.
Amanhã teria que visitar aquele louco francês que dirigia as cozinhas. Era
um artista.
—Sim. Na realidade eu gosto, sempre e quando não tiver que tocar em
frente a muitas pessoas.
Ele pousou os olhos em suas mãos, o peito agitado de repente em uma
respiração profunda.
—Já terminou?
Perplexa, inclinou a cabeça.
—Suponho que sim.
— Lhe mostrarei a sala de música.
Com o cenho franzido, ela procurou seu rosto. Ele parecia dolorido. Estava
ainda muito cansado da viagem? Certamente parecia ser da classe robusta, não
um que requeresse longos períodos de descanso. Muito desconcertante.
—E a biblioteca.
—Oh! — Ela sorriu, recordando a habitação de dois pisos com painéis de
mogno, com curvados cantos de estantes e um teto pintado para parecer-se a
uma catedral, o céu cheio de anjos. Ela tinha pensado que o desenho era
bastante apropriado.
—Foi o primeiro lugar que vi com a senhora Draper esta manhã. Magnífica,
Sua Graça.
—Lhe mostrou a antiga biblioteca ou a nova?
Com os olhos muito abertos, inclinou-se para ele.
—Há duas? Qual é a diferença?
Seu sorriso foi lento e inesperado. Jane sentiu de repente a boca seca.
—Se você tem que me perguntar, então deve vê-la por si mesma. — Se pôs
de pé e tirou sua cadeira. — Venha, lhe mostrarei.
E o fez, levando-a em um percurso assombroso da velha e nova biblioteca.
Ao que parecia, a que ela tinha visto antes era a nova. A antiga biblioteca estava
afastada em um canto no fundo da planta baixa, justo ao final de um estreito
corredor do escritório do duque. Enquanto ele segurava a porta aberta para que
entrasse, ela não podia dizer o que tinha estado esperando. O que poderia ser
mais magnífico que a nova biblioteca?
Conteve o fôlego sentindo-o mover-se perto, atrás dela. Tão perto que o
calor dele se sentia como o sol em sua pele.
—Gosta? — A suave e murmurada pergunta junto ao seu ouvido enviou um
calafrio pelo caminho de seu pescoço, sobre as colinas de seus seios e para trás,
à curva de sua coluna.
—É incrível — sussurrou sem fôlego, que mal pôde formar as palavras. Ela
não estava falando da habitação, embora poderia ter sido. Era metade do
tamanho da nova biblioteca, escura e íntima, onde a outra era palaciana e
grandiosa. Os painéis de nogueira de cor quase negra estavam compensados
com três janelas grandes que davam aos jardins dos fundos. Uma lareira
ancorada em uma parede junto com duas poltronas de couro e um sofá de
veludo verde. Uma mesa se localizava debaixo da janela central. A habitação era
perfeita. Quase sagrada.
—Venha — ele disse com voz rouca. — Deve ver a sala de música.
Ela se voltou e se chocou contra seu peito, seu nariz aterrissando em seu
lenço. Suas mãos chegaram de forma automática para estabilizá-la.
—Oh, per... perdão…
Jane olhou para cima, muito para cima… aos seus olhos. Antes que se
formasse uma tormenta, a água azul se transformaria, se voltaria dificultosa e
assumiria uma luz aguçada. Essa era a cor de seus olhos: água azul antes de
aproximar uma tormenta. Ele sustentava seus antebraços com força, suas mãos
envolvendo-os por completo e aproximando-a de maneira que as pontas de seus
seios roçavam seu casaco.
Soaram passos no corredor. Um lacaio ocupando-se das velas. Blackmore
afastou-a vários centímetros e tragou antes de deixar cair as mãos ao lado.
Continuando, inclinou-se e lhe indicou que se adiantasse.
Enquanto percorriam a longitude da casa para encontrar a sala de música,
ele limpou a garganta e começou a descrever a história de Blackmore Hall.
—Houve uma estrutura de um ou outro tipo nesta terra da época de
Guillermo, o Conquistador. O Castelo Blackmore segue em pé, embora seja
uma espécie de ruína.
—De verdade? Um castelo? Eu adoraria vê-lo.
Ele baixou seu olhar, a comissura de sua boca elevando-se ligeiramente.
—Amanhã, possivelmente. Eu a levarei.
Ela sorriu.
—Eu gostaria muito.
Assentindo com a cabeça, continuou sua história.
—Esta casa foi construída e reconstruída quatro vezes.
—Céus! Quatro?
—Mmm. A renovação mais recente expandiu Blackmore Hall ao seu
tamanho atual. Meu avô contratou os melhores artesãos da época. Robert
Adam[1]. — Ele agitou uma mão para a grande escada enquanto se
aproximavam da parte dianteira da casa. — Thomas Chippendale[2]. Para isto
— indicou uma mesa de mogno que tinha um vaso de rosas. — Capability
Brown[3].
—Foi um desenhista de jardins, não? — Maureen tinha falado dele
frequentemente, já que adora jardins.
—Bastante experiente, sim.
Chegaram à sala de música. Como todas as demais habitações, era
impressionante: paredes de seda cor creme com um desenho de folhas.
Elegantes cadeiras de respaldo arredondado, estofados em brocado dourado
intenso com borda de madeira escura. O mesmo gênero se utilizou para as
cortinas. O enorme tapete quadrado tinha um desenho circular em azul escuro,
vermelho e dourado.
E logo estava o piano. Ocupava um canto da sala, sua madeira castanho
dourada brilhante e reluzente. Ela lançou um olhar interrogativo para o duque.
Ele apontou com a cabeça o instrumento.
—Por favor.
Ela sorriu, tirando o xale e entregando-lhe com ar ausente. Sentou-se no
banco do piano, passou os dedos brandamente pelas teclas. Em seguida,
fazendo uma pausa para dar um suspiro, tocou uma singela melodia campestre
que tinha aprendido de cor. Na metade sentiu-o mover-se perto dela, sua
sombra brincando sobre suas mãos. Mas era uma raridade que ela pudesse tocar
um instrumento bem afinado e tão maravilhosamente feito à mão, e por isso,
não levantou os dedos das teclas até interpretar a última nota.
Ela suspirou.
—Esta é a surpresa mais formosa que recebi em muito tempo. Obrigada,
Sua Graça.
Sorrindo, levantou a vista ao seu rosto e se surpreendeu pelo perto que se
parecia com uma pedra. Seu punho estrangulava seu xale. Seus olhos
queimavam suas mãos brancas. Nervosa, ajustou os óculos com uma dessas
mãos brancas. Ele seguiu o movimento, então se centrou em sua boca.
—É hora de retirar-se. — Sua voz era pouco mais que um grunhido baixo,
quase ameaçador em sua intensidade.
Ansiosa, ela pousou uma de suas mãos em sua cintura.
—Oh, mas não me sinto particularmente sonolenta. Talvez pudesse tocar
algo m…
—Agora. — O grunhido foi mais profundo.
Oh, céus. Não sabia o que o tinha incomodado, mas estava claro que algo o
fizera. O brilho selvagem em seus olhos falava de emoção mal contida. Ela o
tinha visto duas vezes esta noite: no jantar e agora ali. Qualquer que fosse a
causa, não estava interessada em provar seu estado de ânimo. Assentindo com a
cabeça, ela aceitou o xale que lhe entregou e o permitiu escoltá-la ao piso de
cima, à habitação da duquesa. Sentindo-se incômoda, ela abriu a porta e se
voltou para enfrentá-lo, só para encontrá-lo lançando um olhar fulminante por
cima de seu ombro.
—Oh Sua Graça! e Sua Graça — Estelle disse atrás dela. — Estava
preparando a bata da duquesa.
Voltando-se de novo para a criada, Jane respondeu: —Muito bem, Estelle.
Obrigada.
— Os deixarei a sós... me retirarei... está bem?
Antes que Jane pudesse responder, Blackmore disse rigidamente: —Não.
Fique e ajude a duquesa a preparar-se para a cama. — Com isso, inclinou a
cabeça para Jane e retrocedeu. — Por agora, lhe direi boa noite.
Vendo as largas costas de seu marido desaparecerem pelo corredor, logo na
antecâmara do Duque que ficava junto à sua, Jane sacudiu a cabeça confusa.
—É o homem mais confuso que conheço, Estelle. Não sei se algum dia o
compreenderei.
A criada esboçou um sorriso secreto.
—O que? — Jane perguntou.
—Nada. Diria só isto, Sua Graça. Os homens são criaturas mais simples do
que você crê. É provável que em quinze dias tudo esteja claro.
—Bom, espero que tenha razão.
O sorriso de Estelle cresceu.
—Tenho, não se preocupe. Agora vamos prepará-la para dormir.
CAPÍTULO 14
"Pode demorar, se quiser. Mas com o tempo, querido moço, deverá me dar o que quero, ou
se resignar a uma vida de miséria." - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu filho,
Charles, ante sua contínua resistência em lhe proporcionar um neto.
~~*
Jane não estava muito segura do que havia acontecido. Ainda tremendo da
sequela do êxtase furioso, só podia aferrar-se a ele, sentindo tremores similares
ondulando debaixo de sua pele. Ele permanecia totalmente dentro dela, seus
quadris inseridos com força entre suas coxas, seus braços rodeados ao redor de
suas costas, apertando-a quase dolorosamente contra seu peito, seu fôlego
quente umedecendo sua pele entre seu pescoço e o ombro. Era como se ela
estivesse tentando ir, e ele a mantivesse prisioneira.
Exceto por ela não querer escapar. Pela primeira vez desde seu matrimônio,
queria ficar. Exatamente assim. Seu corpo escorregadio e pulsando com o
rememorado prazer. Com ele em estado puro, nu e despojado de seu título, de
suas maneiras e de sua maldita goma.
Cada um de seus duros músculos se sacudia, seu peito agitado enquanto
lutava para recuperar o fôlego. Ela o entendia porque sentia o mesmo. Tinha
sido como uma tempestade furiosa, tão repentina que mal havia se arrumado
para agarrar-se a ele. Num segundo, tinha estado indignada por suas ridículas
acusações sobre o chocolate, e no seguinte os olhos dele haviam brilhado com
um calor temível, sua boca e corpo virtualmente consumindo-a.
Depois de sua terceira visita à sua cama. Foi só ontem à noite? Havia se
resignado às não desagradáveis, mas no final repetitivas e insatisfatórias relações
maritais. Cada vez que ele havia chegado, beijado e acariciado seu corpo,
surgiam esperanças só para serem destruídas ao cabo de seu dever marital. Não
queria queixar-se. Depois de tudo, ele era a viva imagem da cortesia. Da fria,
controlada e incrivelmente frustrante cortesia.
Mas isso foi antes de hoje, antes que ela soubesse o que estava perdendo.
Antes que tivesse lhe revelado o que tinha estado escondendo: uma paixão feroz
enterrada sob camadas de gelo. Inclusive agora podia senti-lo retirando-se, seus
braços suavizando sua constrição e separando seu corpo do dela. Enquanto se
afastava, subiu com gentileza seu corpete, baixou a saia para cobrir onde tinham
estado unidos, logo com a máxima discrição abotoou a braguilha das calças. Sua
cabeça, embora já não enterrada em seu pescoço, permanecia inclinada. Não
queria olhá-la nos olhos.
—Jane — ele disse com voz rouca quase inaudível, suas mãos descansando
ligeiramente nos joelhos dela cobertos de seda. — ... sinto muito. Lhe...? Está...?
— Seu dedo foi lhe acariciar a pele ao lado de seu pescoço, onde a barba
incipiente de sua mandíbula a tinha irritado um pouco.
Ela nunca o tinha visto tão inseguro, tão vulnerável.
—Sinto-me absolutamente esplêndida — ela respondeu com suavidade.
Aflito, seus olhos inquisitivos voaram para procurar os dela. O remorso e a
surpresa se mesclavam ali. Sua garganta se moveu ao tragar saliva.
—Perdi o controle. Tratar a ti, minha esposa, de tal forma, é um erro
imperdoável. Não voltará a ocorrer.
Ela começou a protestar que deveria e aconteceria outra vez, se tinha algo
que dizer a respeito, mas não lhe deu oportunidade. Apoiou as mãos em sua
cintura, desceu-a da mesa do escritório como se não pesasse mais que um
travesseiro. Ela chiou, surpreendida pelo movimento, sua saia voltando a cair ao
seu lugar. Antes que pudesse pronunciar uma palavra, ele endireitou a coluna,
retificou os ombros, girou sobre seus calcanhares e a deixou balançando-se
sobre as pernas que sentia como gelatina, na antiga biblioteca, segura agora de
uma só coisa: o oitavo Duque de Blackmore era uma fraude.
CAPÍTULO 16
"A Inglaterra simplesmente está infestada de canalhas e rufiões. Só na semana passada
fui insultada duas vezes, uma por um hospedeiro excepcionalmente grosseiro e outra por meu
próprio sobrinho!" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao Ministro do Interior, Lorde
Sidmouth, em uma discussão estratégica sobre como assegurar a ordem doméstica e a
tranquilidade.
~~*
Jane olhava pela janela da biblioteca, vendo Blackmore montar seu cavalo
para outro passeio. A verdade era inegável: seu marido a estava evitando. Quatro
dias depois de seu encontro explosivo, simplesmente entrar na antiga biblioteca
a fazia ruborizar-se de tal maneira que sua cor demorava para voltar ao normal.
Já ler (e sentar-se e dormir e respirar) era incrivelmente difícil.
Mas Blackmore não parecia sofrer da mesma enfermidade. Ele de fato, tinha
falado só uma vez nesses quatro dias, e isso devido a que quase haviam se
chocado na parte superior da escada. Uma palavra: "desculpe", murmurada
solenemente antes que ele se afastasse e lhe fizesse um gesto para que seguisse
seu caminho; essa foi a única vez que tinha ouvido sua voz. Em quatro malditos
dias.
Jane estava farta. Ele levava comida à sua habitação, seus passeios o
ocupavam quase a metade do dia fora de casa, e mantinha sua bela e confusa
pessoa longe de sua presença como se ela estivesse coberta de mel e ele parado
em um formigueiro.
Ao baixar o olhar à carta de Annabelle, que tinha recebido esta manhã,
voltou a ler o firme conselho de sua irmã. "Deve perseverar para conseguir o que deseja,
querida. O matrimônio dura toda uma vida. Isso é muito tempo para aceitar menos que a
felicidade que merece".
É claro, Jane lhe tinha escrito há duas semanas, por isso, Annabelle não
sabia nada do ocorrido na antiga biblioteca. Ela não sabia o que Blackmore tinha
feito a Jane, como ele mesmo se revelou e, por sua vez, tinha-a mudado de um
modo fundamental.
Ele não era frio. Longe disso. Ele a desejava. A ela. Uma solteirona. Mesmo
sendo arredondada, necessitando de óculos, sendo baixa, aficionada aos livros e
tímida, desejava-a. Incrível, admitiu, mas também certo. Porque em nome dos
céus ele simplesmente não permitia dar rédea solta ao seu desejo, Jane só podia
conjecturar. Algum equivocado sentido de decoro, o mais provável. Bem, essa tolice devia
acabar.
Ela apertou as coxas para afogar ali a dor do vazio, enquanto o via afastar-se
em sua montaria.
E tem que acabar hoje.
O que precisava era um plano de sedução, uma maneira de romper seu
eterno controle. O problema era que não tinha ideia de como obter tal objetivo.
A última vez tinha acontecido por acaso.
À medida que percorria a carta de Annabelle em busca de pistas, seus olhos
se focaram no terceiro parágrafo. "Considere suas preferências. Ofereça-lhe mais do que
parece gostar". É óbvio, Annabelle estava falando do planejamento das refeições,
não das relações maritais, mas talvez este conselho poderia aplicar-se aos
assuntos mais íntimos.
Jane soprou e dobrou a carta cuidadosamente. Primeiro, teria que
determinar o que poderia tentar seu apetite. Deu-se suaves golpes com a borda
do papel dobrado contra o queixo, tratando de recordar com precisão o que o
tinha provocado há quatro dias. Ela estava lendo uma passagem da canção de
Salomão. Ele tinha entrado na sala, brilhando, severo, autoritário, alto e largo...
oh, céus. Ela apertou as coxas de novo. De novo vinha aquele rubor.
Tentando concentrar-se, fechou os olhos. Estava irritado com ela pelo
chocolate. Não. Antes disso, tinha estado fascinado. Com a Bíblia que segurava.
Não, não com isso exatamente. Ele tinha se centrado em suas mãos.
Seus olhos se abriram de repente. Ele fazia muito isso. Mais que muito.
Quase constantemente. Ela estendeu as mãos para as examinar à luz na janela.
Eram perfeitamente normais. Pálidas, pequenas. A pele era muito suave, e seus
dedos eram bem formados, mas não podia ver nada que pudesse causar em Sua
Graça ataques de paixão.
Mmm. Muito desconcertante. Mas sem dúvida, se o duque gostava da vista de
suas mãos, ela estaria feliz de empregar o conhecimento para benefício mútuo.
Que outra coisa poderia atraí-lo? Imediatamente, pensou em seus seios. Sem
lugar a dúvidas, ele os apreciava. Olhou para baixo. Sempre lhe tinham parecido
bastante chatos, como grandes globos carnudos que faziam a prova de vestidos
uma tortura. Entretanto, o duque parecia gostar bastante, se suas olhadas
persistentes ao seu corpete eram algum sinal.
Agora que pensava, ele a olhava muito: na carruagem a caminho de
Blackmore Hall, em suas excursões pelo imóvel, inclusive no jantar. Especialmente
no jantar. Ou em qualquer refeição, na verdade. Muitas vezes tinha levantado a
vista depois de saborear um delicioso bocado para encontrar seus olhos fixos
nela. Sempre tinha chegado à conclusão de que aquele olhar fixo era uma forma
de julgamento, que ele a estava examinando em busca de falhas que logo poderia
exigir que corrigisse.
Mas se essa não tivesse sido a razão? E se a estava observando porque...?
Tragou saliva.
Oh, Deus. O rubor estava piorando. Agora uma debilidade invadia suas
extremidades. Chegou cambaleando em uma das cadeiras e se deixou cair no
assento, abanando-se com a carta de sua irmã. De repente, ela sabia como
seduzir seu marido. Seria necessário planejamento e uma boa quantidade de
ousadia. Seus dentes brincaram com seu lábio inferior. Poderia fazê-lo? Se ela
tivesse razão e ele pudesse ser tentado, então devia fazê-lo, pois não podia
suportar a ideia de continuar como estranhos educados, como tinham sido nos
últimos dias. Portanto, isso significava sair da biblioteca e implementar um plano
de ação inspirado e audaz. E o primeiro passo envolvia um louco francês.
CAPÍTULO 17
"Os talentos de um francês devem ser o dobro dos de um inglês para compensar o aumento
significativo de arrogância e situações desagradáveis." - A Marquesa Viúva de Wallingham à
Lady Reedham após as queixas da dita dama de seu cozinheiro francês.
~~*
~~*
Horas mais tarde Jane jazia na cama com seu marido ajustado ao seu corpo
como uma luva na mão. Um forte e musculoso braço passava por baixo da
cabeça de Jane e pela parte dianteira de seus ombros; o outro lhe rodeava a
cintura, puxando seus quadris contra os dele. Alojava uma coxa entre as dela,
seu pênis situado na dobra de suas nádegas, em repouso, por hora. Sentia-o
respirar contra sua bochecha, o movimento rítmico de seu peito subindo e
descendo em suas costas, era tão reconfortante como uma canção de ninar.
Adorava dormir nua com Harrison.
Mas esta noite não podia dormir. Pouco podia respirar.
O que tinha feito? A resposta não demorou a chegar: Apaixonou-se por teu
marido, boba.
Como pôde ser tão tola? Essa resposta não chegou.
Com cuidado, ela mesma se desenredou de suas mãos, movendo-se
lentamente para não o despertar. Saiu da cama, detendo o tempo suficiente para
colocar os óculos, em seguida a camisola, a bata e as sapatilhas. Ao chegar
silenciosamente à porta, voltou-se para olhar seu marido, seu corpo grande e
comprido, um contorno prateado à luz da lua. Seus olhos se detiveram em seu
rosto: a testa nobre que frequentemente se franzia em um gesto de
consternação; as belas maçãs do rosto e o nariz refinado; a mandíbula definida
que era o lar para um queixo orgulhoso e uma boca hábil. Suspirou, esmagada
por uma emoção que nunca tinha experimentado: uma mescla vertiginosa de
adoração pura e intenso desejo.
Antes que pudesse ceder a ela e voltar correndo para seus braços, girou a
maçaneta que estava agarrando e saiu ao corredor. Felizmente os serventes
tinham deixado uma ou duas velas acesas, assim foi fácil encontrar o caminho
das escadas. Talvez um bom livro a distraísse tempo suficiente para que sua
mente se acalmasse.
Ouviu ao longe três tristes e tênues notas de música enquanto descia. Se
deteve na metade do caminho, escutando. Ali estavam de novo. Dirigiu-se à sala
de música.
Foi onde o encontrou. Sentado ao piano, tocando as teclas. A luz de uma
lamparina se movia brincalhona sobre seus cachos dourados e a folgada camisa
de linho.
—Colin.
Ele congelou, o acorde menor pendurando no ar entre eles. Em seguida se
voltou para ela.
Jane ofegou, uma mão cobrindo sua boca.
—Está terrível.
Um sorriso que parecia mais uma careta torceu seus traços cansados.
—Nada de papas na língua, não é, Lady Jane? — Ele fechou os olhos por
um momento e logo piscou para abri-los de novo... — Sua Graça. É Sua Graça,
agora. Perdão.
— O que te aconteceu?
Tinha o rosto fundo e pálido; seus olhos, sem brilho e derrotados.
—Reservarei essa história dolorosa para alguém a quem não tenha
prejudicado tão gravemente. — Voltou-se de novo para as teclas e ficou
olhando como se de repente não recordasse como tocar.
—Colin — disse com suavidade. — Não mereço a verdade?
—É claro que sim. Merece muito mais que qualquer coisa que eu pudesse te
dar.
Era um eco do antigo Colin. Do amigo que recordava.
—Então me conte.
Ele elevou e baixou os ombros em uma respiração profunda, passando uma
mão pela testa.
—Tudo isto foi o que busquei. Um desastre. Sou um maldito desastre.
Ela se aproximou dele, abraçando-se a si mesma quando sentiu um súbito
calafrio.
—Basta. Só me explique o que aconteceu.
—Uma garota se apaixonou por mim. Mas eu não a amava. Como poderia?
Toda minha vida amei só a mim mesmo.
Ela esperou enquanto ele batalhava com a confissão, suas mãos agarrando a
borda do piano.
—Não dei atenção às suas súplicas. Queimei suas cartas. Ela era... frágil. —
Sua voz aprofundou-se, percebendo-se dor nas próximas palavras. — Tirou a
vida. E a da criança em seu ventre. Meu filho.
Jane se sentiu doente. Vitória tinha dado a entender que Colin fizera algo
imperdoável, mas não tinha entrado em detalhes.
—O irmão da garota acreditou que Harrison era seu amante. Acusou-o
disso, de abandoná-la. Harrison não tinha ideia do que o homem estava falando,
e o disse. Bateram-se num duelo. Harrison o matou.
Jane exalou lentamente com a revelação. Todo mundo sabia do duelo há
dois anos, embora poucos falassem disso, e ninguém sabia o que havia ocorrido.
—Atherbourne.
—Sim. Por minha culpa ela morreu, por minha culpa Atherbourne desafiou
o meu irmão. E eu me mantive em silêncio enquanto Harrison se viu obrigado a
defender sua honra.
Ela gemeu e passou uma mão sobre a boca.
—Oh, santo céu. Vitória.
Ele soltou uma risada amarga.
—Ela sofreu, também por minha culpa. Lucien Wyatt a usou para vingar-se
pela morte de seu irmão. Foi só por pura sorte que ela e o novo visconde
Atherbourne chegaram a amar-se. É óbvio que não fui convidado precisamente
para o pudim de Natal, mas Harrison me diz que são felizes em seu matrimônio.
Por isso, ao menos, estou agradecido.
Sacudindo a cabeça, ela falou: —Tudo isto ocorreu há mais de um ano.
Ele assentiu.
—Foi quando Harrison cortou meus recursos.
Ahh. Sim. Agora estavam chegando a algum lugar.
Sua voz se fez mais cansada, suas palavras saindo um pouco precipitadas.
—Já não podia me permitir o brandy, ou muitas outras coisas, no caso. Parei
de beber por necessidade. Mas não tinha como me manter. Sempre tinha sido
hábil nas mesas, e por um tempo o jogo me sustentou.
—Até que não o fez mais — ela disse.
—Precisamente.
—Então tem dívidas de jogo.
Ele riu em silêncio, sacudindo os ombros.
—Basta dizer que devo uma grande quantia a um homem muito perigoso. E
não aceita menos que o pagamento completo.
Olhando ao irmão de seu marido, ela notou que sua camisa estava manchada
e rasgada, seu corpo magro e debilitado. Via-o tenso até o ponto de ruptura.
—Quanto tempo esteve fugindo, Colin?
—Em que mês estamos?
—Julho.
—Dois meses. Deus, dois malditos meses.
Ela cruzou os braços por baixo de seu seio.
—Este homem a quem deve, por que te perseguir a tal ponto? Certamente,
ele não ganhará nada se estiver morto. Por que não aceitar um pagamento
parcial?
Ele estremeceu visivelmente, girando no banco e apoiando um cotovelo nas
teclas, causando um tom discordante. Uma vez mais esfregou a cabeça e
terminou por segurá-la em sua mão.
—Você não entende. Ele não vai me matar, ao menos não imediatamente.
Jane sentiu uma comichão no couro cabeludo como advertência.
—Então o que vai fazer?
—Me manterá prisioneiro durante um tempo, cortando partes aqui e lá para
enviá-los a Harrison, que se verá obrigado a pagar minha dívida junto com uma
cota substancial pelo problema em questão.
Ela sentiu que a bílis lhe subia pela garganta. De verdade, temia que fosse
vomitar nesse mesmo instante.
—Oh, demônios, Jane sinto muito. Não deveria te ter dito isso.
Elevando uma mão para deter sua rápida desculpa, tragou a náusea
respirando profunda e regularmente.
—Por isso… — tragou de novo... — por isso necessitava da aposta. Por
isso me enganou.
Um longo silêncio seguiu às suas palavras. Então ele disse: —O que te fiz...
lamentarei pelo resto da minha mal concebida existência. Te pediria perdão, mas
não o mereço.
Deixando cair o olhar ao chão, ela lutou com as lembranças de Colin antes
da traição. Sua cálida consideração, seu humor e relaxamento com ela. Ele tinha
sido seu amigo. Até àquela noite.
—Você...? — Ela respirou profundamente e começou de novo com um fio
de voz. — Algo foi real, Colin?
Ele soltou um fundo suspiro.
—Agradava-me muito. Muito. À princípio, quando me aproximei de ti na
livraria, a aposta era bastante inofensiva: um passeio pelo parque com Jane
Huxley. Singelo. Meu plano era completar os termos dentro de uma semana e
reunir o suficiente para me manter nas mesas. Uma vez que conversei contigo
comecei a lamentar te envolver em um caso tão tortuoso, e por isso o atrasei.
Quando me dei conta de quão terrível era a ameaça do homem que tinha minhas
notas promissórias, a aposta tinha crescido em tamanho e complexidade.
—E se converteu em sua saída.
Seu sorriso estava cheio de ódio por si mesmo.
—Para minha absoluta vergonha, sim. Justificava-me convencendo-me que
ninguém tinha que sabê-lo, que poderia sentir um pouco de vergonha pela
aventura, e certamente se sentiria traída, mas os homens envolvidos guardariam
segredo para não estarem associados com uma aposta tão reprovável.
Ela elevou uma sobrancelha.
—Pensava isso a respeito de Lorde Milton e Sir Christopher Flatmouth e…
—Sim, fui um parvo. Meus pensamentos estavam bastante confusos devido
ao pânico, temo. Além disso, isso foi antes que insistissem em estarem presentes
para presenciar o ato na casa do Milton. Para então, eu não tinha nada para lhes
pagar se falhasse em minha tarefa. E se eu não cumprisse todos se queixariam, o
que te exporia ao ridículo.
—Assim, em troca, expôs-me à ruína. Ou pior.
Ele afastou o olhar, olhando através das sombras do outro lado da
habitação.
—Além do meu papel na morte de Marissa Wyatt, essa noite é meu maior
pesar Jane. Juro-lhe isso.
Suspirando, ela se moveu até ficar junto a ele no piano, tocando ligeiramente
as teclas no extremo superior da escala.
— Conheceu meu irmão John, por acaso?
Ele se voltou para olhar suas mãos, mas não encontrou seus olhos.
—Fomos juntos à escola. Em Eton.
— Num verão, John pensou que seria muito divertido conduzir a charrete
do nosso vizinho. Levou a três de nós, suas irmãs, no veículo com ele, e fomos
gritando e rindo. O problema foi que John nunca tinha conduzido uma charrete.
Quando a charrete começou a ir cada vez mais rápido começamos a nos
preocupar. John entrou em pânico, perdeu o controle e virou em uma sebe.
Quando a charrete tombou, fomos jogadas. Felizmente ninguém resultou ferido.
— Ela fez uma pausa. — Bem, o punho de Maureen ficou dolorido, e o nariz
do John sangrou um pouco. Em todo caso, quando confessamos a papai, sabe o
que disse?
—Maldito seja?
Ela riu entre dentes.
—Não. Disse que a experiência tem uma maneira de nos dar uma lição que
nenhuma reprimenda pode dar.
—Mmm. Em que momento mostrou a vara?
Sacudindo a cabeça sorriu, seus dedos distraidamente tocando as teclas
enquanto ele começava a harmonizar no extremo oposto do teclado.
— Papai não acredita nesse tipo de castigo. E resulta que teve razão. John
esperou anos antes de voltar a conduzir uma charrete, decidido a estar em pleno
domínio de si mesmo antes de fazê-lo.
—Uma história deliciosa. Eu gosto de finais felizes.
Ela soprou e golpeou seu ombro.
—Ainda não cheguei ao ponto.
Assentindo com a cabeça, ele agitou uma mão.
—Prossiga.
—John tinha doze anos quando isto ocorreu. Era um menino brincando de
ser um homem. Pôs em perigo os que amava porque calculou mal os riscos de
suas próprias ações.
Os dedos de Colin congelaram.
Do mesmo modo, deixou que as notas titubeantes que estava tocando
dissipassem-se no silêncio.
—Mas aprendeu, Colin. Ele amadureceu. Tomou melhores decisões.
—Este não é um acidente de charrete, Jane. E tenho muito mais que doze
anos.
—John e você têm algo importante em comum: arrependeram-se de seus
atos, de machucar os entes queridos. Esse é o começo. Deve reconhecer seus
erros e trabalhar para repará-los.
—É muito tarde – disse, sua voz um sussurro na sala agora silenciosa.
—Mas pode tentar. Deve tentar. — Pelo bem de seu marido, Colin tinha
que mudar. Jane não podia suportar que Harrison sofresse por mais tempo as
consequências do egoísmo de seu irmão.
Atrás dela, ouviu o rangido do chão de madeira.
—Está perdendo tempo esposa — Harrison disse, sua voz uma chicotada
gelada.
CAPÍTULO 21
"Igual à pólvora, o ciúme é um elemento volátil que deve ser dirigido com cuidado e
aplicado com critério." - A Marquesa Viúva de Wallingham à Lady Atherbourne ao
inteirar-se da persistente hostilidade de Lorde Atherbourne para com Sir Bernabus Malby.
Ela se virou para vê-lo sair das sombras, sua alta figura vestida com as
mesmas roupas de antes: camisa branca de linho e calças combinando. Via-se
desalinhado, como se as tivesse posto em estado de pânico.
—Meu irmão é incapaz de mudar. É como uma praga. Tudo o que qualquer
um pode fazer é tratar de limitar o dano.
—Ele… ele cometeu erros...
Seus largos passos o levaram à luz da habitação, onde pôde ver seu rosto
pela primeira vez. Céu santo, estava furioso. Com ela.
—Não deveria estar aqui.
—Sei. Só estava…
— Pela manhã Colin irá daqui e nunca mais voltará.
—Harrison, não estou segura…
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, sua mandíbula como uma pedra.
—Não é sua decisão. É minha. — Sua voz era dura e cortante, quase
acusatória.
Não entendia sua desmesurada ira com ela, e isso desatou sua indignação.
—Ele é seu irmão. Sabe pelo que passou?
Os olhos cinza azulados de Harrison brilharam, suas narinas dilataram.
—Pelo que passou? — Embora as palavras fossem pronunciadas em voz
baixa, bem poderiam ter sido um rugido.
— É… Jane? — Colin murmurou. — Provavelmente seja melhor deixar
assim, por agora.
Harrison voltou seu duro olhar para Colin.
—Vá.
—Ele está em perigo, Harrison. Em um perigo terrível. Não pode
simplesmente jogá-lo aos lobos.
Com olhos brilhantes, ele se aproximou. Colin se levantou e se colocou
entre seu irmão e Jane. Elevou uma mão.
—Irei, como deseja. Não há necessidade de discutir. Foi um erro vir aqui,
em primeiro lugar.
—É curioso o quanto frequentemente se dá conta de teu erro só depois que
o dano aparece.
Colin deixou cair a mão, já exausto.
—Boa noite, irmão.
Depois que ele abandonou a habitação Jane ficou olhando seu marido,
perguntando-se o que dera nele. Sua amargura era compreensível, talvez, mas
suas reações foram muito além disso. A tensão era uma espécie de ira volátil, e
parecia estar dirigida ao menos em parte para ela.
—Não consigo entender por que está tão zangado.
Ele ficou olhando em silêncio, seus olhos cintilando na luz baixa. Um
músculo pulsava ao lado de um olho.
—Não pode? Acordo para ver que minha esposa não está. Busco-a, só para
encontrá-la a sós com um homem por quem ela uma vez arriscou sua reputação.
Quão parva foi, Jane? Deixou que te beijasse?
—Não seja insensato.
—É estranhamente hábil na sedução para ser uma inocente, esposa —
murmurou. — Praticou suas artimanhas com ele? Tocou-o com suas mãos?
—Artimanhas? Harrison, deixa de dizer asneiras. Não tenho nenhuma
artimanha que praticar.
—Isso é uma mentira — disse com suavidade.
Soltando um suspiro de frustração, tentou de novo.
—Em resposta às suas perguntas absurdas, não, ele nunca me beijou. Você
foi o primeiro. E nunca o toquei, nem tampouco ele me tocou de qualquer
maneira inapropriada. Todo o contato inapropriado que tive foi contigo.
Seu rosto seguia sendo sombrio.
—Ele afirma que eram amigos. Com frequência se veste como uma
delinquente e tenta roubar casas estranhas por simples amizade?
—Harrison…
—Responda-me.
Ela não queria. Era embaraçoso. Mas podia ver que ele tinha suspeitas a
respeito de sua relação com Colin, e não podia permitir que se agravassem suas
dúvidas sobre sua fidelidade.
—Eu… eu não...
Ele esperou, logo disse: —Sim?
—Não tenho muitos amigos. — Encolhendo-se ante sua própria confissão,
ela continuou, a contragosto. — Só um realmente, fora da minha família.
Vitória. Então para mim os amigos são preciosos. E sim, se Vitória tivesse me
pedido isso, com muito prazer teria me vestido como uma delinquente e tentado
roubar ao próprio Prinny, se pensasse que ela necessitasse que eu o fizesse.
O silêncio da habitação caiu entre eles. A luz do ambiente iluminava seus
traços. Era sua imaginação ou ele relaxou um pouco?
—Colin nunca foi seu amigo. Merece seu desprezo, não sua lealdade.
Sua imaginação, obviamente.
—Não o nego.
—Bem. Partirá amanhã, assim não deve ter maior necessidade de vê-lo.
—Harrison, deve permitir que fique ao menos um par de dias — disse em
voz baixa. — Estão perseguindo-o.
—Isso não te concerne.
Deu um passo para ele, elevando o queixo junto com seu temperamento.
— Tudo o que tiver a ver contigo me concerne, grande idiota. Como se
sentirá se ele for atacado daqui a uns dias?
Ele piscou, parecendo desorientado por seu desafio. Moveu um músculo da
mandíbula.
—Culpado, possivelmente? Responsável?
—Ele mesmo o procurou.
Aproximando-se, ela pousou com cuidado uma mão sobre seu coração, e o
sentiu estremecer.
—Tem razão. Mas você é um homem muito melhor que ele. Por favor, não
tome uma decisão apressada. Pode ser que a lamente para sempre.
Tragando visivelmente, lhe cobriu a mão com a sua.
—Jane — disse, sua voz baixa e rouca. — Voltemos para a cama.
—Harrison, acredito…
—Pensarei no que disse e decidirei o que for melhor, amanhã.
Parecia mais tranquilo quando ela o tocava. Talvez essa fosse a chave. Ela
assentiu concordando, e juntos retornaram à sua habitação em um abraço.
~~*
~~*
~~*
Aquilo era uma estupidez. Deveria deixar de preocupar-se com ela. Mas seu
rosto quando tinha deixado o salão lhe tinha feito desejar expulsar Dunston e
sua família com um chute em seus traseiros. O que era totalmente desatinado.
Uma vez mais tinha escolhido um dia de verão terrivelmente quente para
caminhar através dos campos e bosques com uma cesta pesada e volumosa.
—Sou uma maldita parva — murmurou, empurrando para cima seus óculos
quando uma folha lhe pegou no peito. Ela a afastou com impaciência e
continuou em direção à cabana.
A pequena casa de pedra estava assentada felizmente em uma clareira,
rodeada de freixos e carvalhos, suas janelas quadradas lhe dando um ar
acolhedor. Uma vez tinha sido a casa do jardineiro, antes que o pai do Harrison
ordenasse que se construísse uma nova perto do jardim murado no lado oposto
do lago de peixes. Ao que parece, o jardineiro tinha passado muito tempo
atravessando estes bosques espessos e não o suficiente atendendo suas funções.
Secou a testa com o dorso da mão antes de bater na porta de carvalho. No
interior pôde ouvir um choque amortecido, como panelas golpeando o chão, e
logo uma baixa maldição.
—Um momento, Boswell — gritou a voz masculina, em referência ao lacaio
atribuído para entregar os mantimentos e fornecimentos de cada dia.
Dando golpes com o pé, ela esperou.
A porta abriu.
—Não supunha que retornasse até amanhã… Jane!
Ela sorriu a um Colin com olhos muito abertos.
—Estou segura de que verá Boswell em seu tempo adequado. Mas hoje tem
a mim. — Ela levantou a cesta uns centímetros, seus braços ardendo pelo
esforço. — E esta cesta monstruosamente pesada.
Sacudindo a cabeça, ele imediatamente a tirou e lhe fez um gesto para que
entrasse. Felizmente o interior estava muito mais fresco, a sombra das árvores e
a grossura das paredes de pedra uma bênção em pleno verão. Não era nem
grande nem luxuosa, só um chão de tábuas e alguns adornos. Mas os simples
bancos de madeira eram mais cômodos com almofadinhas no respaldo; a mesa
redonda em frente a uma pequena lareira de pedra estava coberta com um
tecido combinando e um vaso com margaridas.
—Temo que não esperava ninguém — ele disse com acanhamento,
colocando a cesta sobre a mesa e passando uma mão pelo cabelo.
Ela contemplou seu escasso traje. Uma singela camisa de linho metida em
umas calças escuras, e encolheu os ombros.
—Não está sem roupa.
Ele riu, o som um pouco oxidado.
—É bom ver-te, Jane.
Sorrindo, ela abriu a cesta para começar a colocar os objetos sobre a mesa.
—E você, Colin. Como se sente?
—Melhor. Uns poucos dias de descanso e minha cabeça já não sente como
se estivesse a ponto de cair dos meus ombros.
—E isto — levantou um pedaço de pão recém-assado — deve acelerar isso.
Monsieur Renaud é um mestre em todas as coisas, mas qualquer coisa assada é
surpreendentemente deliciosa.
Sentaram-se e começaram a comer. Relaxada na companhia de Colin,
acalmou Jane de uma maneira que não podia explicar. O frio que tinha crescido
e esticado contra suas costelas durante os últimos dois dias diminuiu e se
descongelou lhe permitindo respirar novamente.
—Não acreditava, até que encontrou pela quarta vez uma aranha morta em
seu travesseiro, que Vitória suspeitara que era eu quem cometia esses atos vis.
Antes disso, acreditava de pés juntos a terrível história da aranha fantasma que
rondava os cantos mais escuros de Blackmore Hall alimentando-se das crianças
pequenas que acidentalmente pisavam em uma de suas crias.
Segurando os flancos, Jane riu mais forte que em muito tempo, lutando para
recuperar o fôlego.
—Alguma vez te perdoou?
—Oh, eventualmente. Vitória tem gênio, mas há poucas pessoas mais
amorosas nesta Terra.
Deixando de rir e agora sorrindo, Jane assentiu.
—Ela é extraordinária.
Ele baixou os olhos à mesa, seus dedos riscando uma falha debaixo do
tecido.
—Escrevi-lhe uma carta. Não a enviei, por razões óbvias. Mas quero que
saiba quanto lamento o dano que causei a ela e ao seu marido.
A mão de Jane cobriu a dele, a qual se sentia alarmantemente magra e
ossuda.
—O que vai fazer, Colin? Aonde vai daqui?
Apertou-lhe a mão.
—Em uns dias mais vou voltar para Liverpool, e dali zarpo à América.
Enquanto o fitava nos olhos, podia vê-lo duvidar de sua própria
sobrevivência, o azul mais brilhante do que tinha sido, mas ainda escurecido
pelo conhecimento de que o perseguiam.
—E se tivesse os recursos para pagar a dívida?
—Harrison me ofereceu este lugar por um curto tempo. Não posso pedir
mais que isso.
Ela sacudiu a cabeça.
—Tenho uma atribuição. Não são mil libras, mas com o dinheiro da aposta
e meus recursos, possivelmente…
—Não.
—Colin…
—Tomei o suficiente de ti. Maldição, Jane, é muito boa para seu próprio
bem.
Sorrindo, deu em sua mão uma última palmada e em seguida foi procurar na
cesta.
—Talvez tenha razão. Mas não ficarei sem fazer nada e ver-te depois
torturado ou assassinado quando posso fazer algo para evitar. É o irmão da
minha melhor amiga e do meu marido. Isso te converte em meu irmão também.
Ele ficou em silêncio enquanto ela tirava uma bolsinha que Genie lhe havia
dado. Feita de um grupo de cordas e pequenos penachos de plumas, tudo em
rosa, a coisa era horrível, um experimento que Genie se arrependeu pouco
depois de terminá-lo. Mas em seu interior tinha a atribuição de dois meses,
possivelmente o suficiente para salvar a vida de um homem.
Ela o ofereceu.
—Toma. É teu.
—Não quero.
—Não seja tolo. O ridículo é só o pacote.
Colin cruzou os braços sobre o peito.
—Sei, Jane. Não vou pegar seu dinheiro. Isso é definitivo.
Com um ruído surdo ela deixou cair a monstruosidade rosa sobre a mesa.
—Pegará. E ainda mais, me devolverá em uma data futura.
—Oh, seriamente?
—O dobro da soma.
—O dobro?
Ela fez uma careta.
—Muito bem. A soma total, junto com… cinquenta por cento.
—Isso é um roubo.
Jane cruzou os braços imitando sua postura.
—Então, o que é uma devolução justa, Colin Lacey, se sabe tanto?
—Nada. Não vou pegar seu dinheiro.
Empurrando para trás sua cadeira, ela ficou de pé. Ele fez o mesmo.
—Peça a Boswell que traga a cesta quando tiver terminado — ela disse
colocando o chapéu e caminhando para a porta.
Ele agarrou a bolsinha e saiu atrás dela, segurando-a em frente ao seu nariz.
—Leve isso. Não o quero Jane.
Ela se deteve no interior da porta aberta, apoiou uma mão em seu ombro,
elevou-se na ponta dos pés e o beijou na bochecha. Logo lhe bateu no braço.
—Cinquenta por cento. Acredito que é bastante razoável. — E ela o deixou
ali parado, com a bolsinha rosada e uma expressão de consternação enrugando
sua testa.
Sorrindo enquanto empreendia o caminho através dos espessos bosques,
Jane sentiu um resplendor no peito que não se devia ao clima. Suspirou e olhou
para o toldo de folhas, cheirou a terra rica, limosa e amadurecida ao calor do
verão.
Poderia não ser uma grande duquesa, mas era uma boa irmã. Uma boa
amiga. Perto de seis metros antes da beira do bosque ouviu um rangido, como
um pé deslizando-se na capa úmida de folhas sobre o chão ligeiramente
íngreme. Voltou-se esperando ver Colin seguindo-a. Mas não havia ninguém. Só
as árvores e a grama espessa.
Franziu o cenho ajustando os óculos em seu nariz. Entrecerrando os olhos,
procurou um animal. Talvez um pássaro. Sacudiu a cabeça ante sua própria
imaginação.
Jane boba, pensou enquanto reatava o caminho até a beira do bosque. Logo
também acreditará nos contos terríveis da Aranha Fantasma.
~~*
— Onde está, Colin? Se não me disser a verdade, que Deus ajude-me, juro
que se arrependerá.
Colin bateu a mão na mesa.
—Já lhe disse, não sei onde está. Foi-se daqui faz um tempo. Supus que
voltaria para Blackmore Hall.
O coração de Harrison estava se afogando, retorcendo suas vísceras e
pressionando para fora. Ela tinha ido. Desaparecido durante horas.
Quando tinha descoberto o salão vazio tinha procurado em seus refúgios
habituais: as bibliotecas, a sala de música, seu dormitório. Em cada habitação
sucessiva sua urgência foi se incrementando. Beardsley e a senhora Draper
foram de pouca ajuda, mas finalmente tinha pensado em perguntar ao maldito
francês com o qual sua esposa se dava "bastante bem". Ressentidamente, o
cozinheiro tinha lhe informado de seu destino.
Seus olhos se fixaram na cesta no chão, em um canto da pequena cabana.
Ela tinha preparado um piquenique para seu irmão, tinha trazido a miserável
cesta até aqui para compartilhá-la com Colin. Sozinhos. O conhecimento era um
nó ardendo dentro dele, retorcendo seus pensamentos racionais dentro de uma
prensa, apoderando-se deles. Sabia que devia contê-lo. Ela estava desaparecida.
E tinha que encontrá-la. Isso era tudo o que importava.
—Para aonde se dirigia quando saiu daqui?
Colin soltou um suspiro e passou uma mão pelo cabelo.
—Ao caminho principal do bosque.
—E não a acompanhou?
—Pediu-me que não abandonasse a cabana. Não lhe pedi que me visitasse,
Harrison. Ela simplesmente... chegou.
O conhecimento não fez nada para aliviá-lo. Em todo caso, fez com que a
dor em seu estômago piorasse. Baixou o olhar à mesa, onde os punhos de Colin
rodeavam um estranho monte de fitas e plumas rosas.
—O que é isso?
Colin ficou rígido. Elevou o queixo.
—Não o quero. Disse o mesmo a ela.
Harrison o recolheu. Era alguma classe de bolsa, um saco. No interior
encontrou a resposta porque ela tinha ido ali em primeiro lugar. Sua voz fez-se
mais fria, mais deliberada.
—São quase seiscentas libras.
—Sim. Sou consciente disso. Ela quer a devolução com cinquenta por
cento. Me faria um favor ao devolver-lhe. Como afirmei, não vou pegar seu
dinheiro, nem vou aceitar seus termos extravagantes. Cinquenta por cento.
Absurdo!
O sangue gelou em suas veias, engrossando-as, o coração acelerando seus
batimentos do coração. Harrison sacudiu a cabeça e deixou cair a bolsinha.
—A pistola que te dei. Traga-me agora.
—Crê que sou estúpido?
—Colin — disse com os dentes apertados dirigindo ao seu irmão um olhar
assassino. — Temos que encontrá-la. Agora.
Colin tragou saliva, seu rosto tomando um tom cinzento.
—Crê que está em perigo.
—Ela não teria desaparecido por tanto tempo. Se alguém descobriu que
estava aqui, e estava alerta aos visitantes...
Seu irmão levou só um momento para pegar a pistola e entregar-lhe.
—Tenha cuidado. Está carregada — Colin advertiu dando uma escopeta de
caça a Harrison.
Harrison assentiu, sentindo um pouco de náuseas quando pegou a pistola.
Não tinha apertado um gatilho desde o dia em que tinha disparado em Gregory
Wyatt no coração. A lembrança era menos que agradável. Mas se alguém havia
levado Jane tinha-lhe feito mal de algum jeito, com muito prazer o atravessaria
com uma bala.
Primeiro procuraram pelo perímetro da cabana, tratando de encontrar sinais
de que homens poderiam ter estado à espreita. Não encontraram nada, nem
rastros, nem alguma alteração na folhagem. Continuando, dirigiram-se ao
caminho do bosque, voltando sobre os passos de Jane. Podia ver claramente as
pequenas fendas de seus pés no chão úmido. Atrás, Colin sussurrou: —Ela veio
até aqui.
Harrison assentiu e lhe fez um gesto de que seguissem adiante, dando uma
olhada no bosque circundante em busca de movimento. Avançando lenta e
deliberadamente, passou por cima de uma raiz proeminente, seu olhar indo
constantemente do caminho à espessa folhagem em ambos os lados. Seu
coração palpitante exigia que apressasse o passo; queria que corresse, que
lutasse, que exercesse violência. Sua cabeça sabia que seria o pior tipo de
imprudência. Sua cabeça ganhou a batalha por uma mínima margem, mas a cada
segundo que passava essa margem se estreitava.
Indicou a Colin que parassem. A menos de seis metros antes que o caminho
aparecesse à beira do bosque, seus rastros terminavam. Seu estômago revolveu-
se ameaçadoramente, sua pele congelou até arrepiar-se. Outro conjunto de
rastros, mais profundos, maiores, introduzia-se no caminho, e logo desaparecia
entre a relva coberta de folhas.
Alguém a tinha levado. A sua esposa. A sua Jane.
Não era um homem violento por natureza. Matar Gregory Wyatt havia sido
um acidente e um dos momentos mais terríveis de sua vida. Sem dúvida, a parte
dele que Jane tocou sem sequer tentar, a parte que ocultava de todos, salvo a ela,
aquela parte queria sangue. O sangue do pérfido filho de uma cadela cujos
rastros o destinavam a morrer.
~~*
A luz do crepúsculo se filtrava pelas janelas da casa fazendo com que o
empoeirado interior resplandecesse com um vívido dourado. Em todas as partes
onde Jane olhava havia tecidos de uma cor brilhante: uma cortina amarela
emoldurando as janelas, flores verde-maçã no velho sofá, sarja de pontos
vermelhos e renda branca na toalha de mesa. Deu um olhar esquivo à suja
doninha que tinha pressionado uma pistola em seu pescoço e a obrigado a vir
ali. Era magro e feio, seu rosto curiosamente chato, seus olhos furtivos e
pálidos. Estava parado junto à janela empurrando de um lado a cortina com o
extremo de sua pistola. A luz dourada se refletia em seus olhos tornando-os de
um misterioso verde pálido.
—Sua esposa sabe o que está fazendo?
Sem voltar-se, ele respondeu: —Não tenho esposa. Agora digo-lhe: feche a
boca.
—Oh, só estava admirando as muitas cores bonitas deste lugar.
Olhou-a por cima do ombro, onde estava sentada, as mãos cruzadas sobre o
colo. Não tinha se movido da cadeira desde que ele a tinha empurrado ao entrar
na casa.
—A casa pertenceu a minha mãe — disse.
—Onde está ela, sua mãe?
Virando de novo para a janela, murmurou: —Morta.
—Ah! Portanto esta é sua casa. Você se criou aqui.
Ele grunhiu. Ela tomou como um sim.
—Então conhece o duque de Blackmore.
—Um maldito nobre. Conheço-o.
—Você pode estar interessado em saber que ele é meu marido.
Lhe lançou um olhar duvidoso.
—Claro.
—De verdade. Eu sou a duquesa de Blackmore.
Soprando com desdém, trocou sua arma de uma mão à outra, usando a
direita para limpar a boca. Jane tinha se dado conta que tinha uma tendência a
cuspir quando falava.
—Você não parece com nenhuma duquesa.
Era estranho escutar seus próprios pensamentos repetindo-se na boca
daquela horrível criatura. Estranho e irritante.
—De qualquer maneira sou uma duquesa. E como tal, possivelmente posso
lhe fazer uma oferta melhor do que a que previamente aceitou.
—Oferta?
—Sim. O que lhe pagaram por seus… serviços, pago-lhe o dobro.
—Não me pagaram por isso. Só as primeiras cinco libras para vigiar o irmão
do nobre. O londrino já sabe. Os homens chegarão em três dias. Quando virem
o que tenho vão me pagar mais.
Tragando saliva ante o conhecimento de que os caçadores de Colin
chegariam em poucos dias, continuou com seu intento de distrair o seu captor.
—E o que é que supõe que tem?
—A amante do Lacey. Vi-os quando deixaram a cabana. Se o londrino
quiser Lacey sem problemas vai necessitar de alguém como você. Pagará um
montão por isso também.
Ela franziu o cenho.
—Não sou a amante de ninguém.
—Sei o que vi. Lacey gosta de roliças, acredito. Eu não gosto muito das
carnudas.
—Você é um homem grosseiro. O que diria sua pobre mãe a respeito de seu
atroz comportamento?
O homem deu vários passos em sua direção, sua postura ameaçadora. Ela se
jogou para trás em sua cadeira.
—Você tem uma boca que deve fechar. Melhor se calar antes que eu me
encarregue de fazê-lo por você. — Foi de novo para a janela, suas botas
ressoando no silêncio. — Minha mãe está morta. Antes disso, não podia sequer
levantar-se da cama sem mim, gemendo e gritando todo maldito dia e maldita
noite. Suficiente para deixar louco um homem. O disse. Sim, o disse mil vezes.
— Seu punho golpeou o batente da janela com uma força surpreendente,
fazendo Jane recuar em seu assento. —Tinha que morrer — murmurou. — Tive
que fazê-lo.
Ao o ouvir dizer essas palavras, Jane sentiu como se tivesse estado parada na
superfície da água congelada, polida e sólida sob seus pés só para romper-se o
gelo debaixo dela, afundando seu corpo na escuridão fria e profunda. Seus
dedos se intumesceram; seu coração se desacelerou e bateu a um ritmo
incômodo; a luz ao seu redor passou de dourado a cinza.
Mas não podia permitir que seu horror se mostrasse. Não podia permitir que
a impedisse de pensar, de encontrar uma saída. Harrison viria por ela. Ela tinha
poucas dúvidas disso. Podia não ser a duquesa que queria, mas era sua esposa.
Ele não acharia seu desaparecimento habitual. Mas a encontraria? E teria que
fazê-lo antes que...
Ela estremeceu. Melhor pensar num plano de escape caso não a encontrasse.
Soltando um suspiro trêmulo, olhou ao redor da habitação. Era uma
pequena casa de campo situada longe do povoado, de qualquer outra casa. De
qualquer um que pudesse escutar seus gritos, ou inclusive o disparo de uma
arma de fogo. Tinham demorado mais de uma hora para chegar até ali, com a
Doninha puxando seu braço, de vez em quando cravando a pistola em sua caixa
torácica.
Por fora era uma casa normal, com estrutura de madeira, mas em seu
interior era surpreendentemente acolhedora, alegre. Sua mãe deve ter amado os
tecidos, já que estavam por toda parte. Talvez tivesse sido costureira. Em um
canto Jane viu uma pequena estante. Lhe ocorreu uma ideia.
—Moço… poderia tirar um livro dali?
Lhe dirigiu um olhar cruel por cima do ombro.
—A manterá calada?
Ela assentiu. Ele indicou com a pistola.
—Faça-o rápido.
Com pernas trêmulas, levantou-se; fez uma pausa para permitir o retorno do
sangue aos seus pés antes de dirigir-se cuidadosamente ao canto dos fundos da
habitação. Ali selecionou o mais pesado do pequeno sortimento, uma grossa
Bíblia encadernada em couro. Deve ter sido preciosa para sua mãe, já que se via
bastante usada, mas também bem cuidada e bastante cara.
—Volte a sentar-se — ele disse cortante.
Girou para vê-lo apontando a arma para ela. Tragando saliva, Jane obedeceu,
afundando-se de novo na cadeira, abrindo o livro e fingindo ler. Lentamente, a
luz começou a desvanecer-se ao cair da noite. A Doninha acendeu uma luz,
assim ela foi capaz de continuar com sua pretendida leitura, mas a escuridão de
fora parecia pô-lo mais nervoso. Agora passeava entre as duas janelas dianteiras.
Daqui para lá. De lá para cá.
À medida que a lua se elevava mais alto os ecos de suas botas sobre as
tábuas do chão rivalizavam com o canto das rãs e dos grilos, com o vento
suspirando através de ramos frondosos. Por sobre os batimentos do seu coração
ela tratou de consolar-se com aqueles sons familiares. Tratou de idealizar um
plano que a ajudasse a escapar daquele horrível homem que tinha apressado
claramente a morte de sua mãe ou a tinha assassinado diretamente. Era só de
estatura mediana e fibroso em lugar de grande, mas sabia que não podia igualar
sua força, portanto devia atacá-lo de surpresa. Talvez com o tempo ele se
cansasse e baixasse a guarda. Mas seu ritmo ansioso não havia diminuído com o
pôr do sol.
De repente ficou rígido, girando de lado ao longo da parede que flanqueava
a janela. Agora seu corpo se esticara como um gato de celeiro sujo e asqueroso a
ponto de saltar sobre um roedor desafortunado. Voltou-se para olhar Jane com
olhos entrecerrados e brilhantes.
—É o maldito duque — chiou.
Oh, Deus. Harrison está aqui.
Ao mesmo tempo, uma cálida onda de alívio inundou seu corpo, enquanto
uma pedra se endurecia em seu peito. Observou com crescente horror como a
Doninha se aproximava da porta, abria-a lentamente até deixar uma fresta, e
apontava com sua pistola. Os sons da noite silenciaram e diminuíram, a pedra
em seu peito aumentando até que seus pulmões se esticaram pela intrusão, seus
membros pesados como chumbo.
O estalo da pistola ao ser engatilhada foi como um fogo de canhão em seus
ouvidos. Foi o sinal para que seu corpo se movesse e saltasse.
Agarrou a Bíblia com ambas as mãos, o peso levantado por sua fúria.
Aproximou-se dele.
Elevou o livro por cima de sua própria cabeça.
E esmagou a dele com um golpe poderoso.
Ele não caiu. Em troca cobriu a cabeça, amaldiçoando-a sonoramente. Mas
ela pouco podia ouvi-lo por cima dos gritos. Quem estava gritando?
—Maldito filho de uma cadela! Atreveu-se a apontar uma pistola ao meu
marido, horrível montão de esterco?! Te matarei!
Golpeou-o com o livro uma e outra vez, esmurrando sua cabeça, braços e
ombros. Finalmente o golpeou no punho e a pistola caiu no chão. Um forte
rangido ressoou no ar. Logo o infame soltou um grito dilacerador quando
flexionou sua perna lesada. Com um grunhido inesperadamente ele impactou
seu ventre com o punho.
O fôlego lhe escapou em um assobio, a dor fazendo-a cair para trás,
chocando-se com a borda da mesa. Nesse momento, a porta se abriu com um
estrépito.
E ali, com a luz prateada da lua por trás dele, enchendo o marco da porta
como um deus vingador, estava Harrison. Seu Harrison. Esta noite ele não era
Apolo. Era Hades. Sombrio, sinistro e possessivo do que considerava dele.
Aproximou-se da Doninha. Com toda calma pressionou o canhão da pistola
na testa do homem e engatilhou a arma com um estalo. Foi então que ela soube.
Realmente ia fazê-lo. Ia matá-lo. Seus formosos olhos eram puro fogo azul.
—Harrison — disse com suavidade, ainda recuperando o fôlego. Com passo
vacilante, estendendo uma mão, tratou de chegar a ele. — Harrison não o faça,
por favor.
Não podia suportar que ele vivesse com a culpa de ter matado alguém a
sangue frio. Embora a Doninha bem que merecia. Embora ela gostaria de
apertar o gatilho. Aproximou-se de seu marido lentamente, sua mão acariciando
brandamente a parte superior do seu braço. Os finos tremores dos músculos
falavam de seu controle.
—Ele deve morrer, Jane.
A declaração dita com tanta calma provocou-lhe calafrios.
—Não.
—Deve morrer por te tocar. Por te raptar.
Ela sacudiu a cabeça, embora Harrison não a olhasse. Ele só olhava
fixamente, sem pestanejar, aos olhos do homem ofegante, suarento, ajoelhado
no chão em frente a ele.
—Não por sua mão, meu amor. Não por sua mão. — Ela pôs um beijo em
seu braço, apegando-se a ele, compartilhando seu calor. — Ele não vale o preço.
Ao longe ouviu o estrondo de cascos contra o chão, homens gritando um ao
outro. A arma do Harrison não se moveu, pressionada contra a pele da Doninha
com força dolorosa, obrigando a cabeça do outro homem incliná-la para trás.
Sabiamente a Doninha se manteve em silêncio.
Colin apareceu na porta aberta. Imediatamente percebeu a cena.
—Já chegamos, irmão — disse com suavidade. — Tudo está bem.
Mesmo assim Harrison não a retirou. Nem um centímetro.
Colin a olhou.
—Jane, está bem?
Jane assentiu e envolveu seus braços com mais força ao redor do braço de
Harrison, esfregando a bochecha contra a malha fina do casaco.
Dunston entrou, um comprido fuzil de caça em suas mãos.
—Trouxemos o magistrado, Harrison. Por que não deixa que nos
encarreguemos deste desventurado rufião enquanto você consola sua
encantadora esposa?
Por fim a razão pareceu penetrar na cabeça do Harrison. Tomou uma
respiração profunda, tremente, afrouxando a pressão do canhão contra o crânio
da Doninha. Lentamente, a contragosto, soltou o percussor e deixou cair o
braço ao flanco. Colin e Dunston se moveram para arrastar a Doninha pelos
braços e o fizeram sentar-se, açoitando-o contra a cadeira que Jane tinha
deixado livre. Vários corpulentos lacaios entraram junto com um cavalheiro com
grandes costeletas que era só um pouco mais alto que Jane e o dobro de sua
largura.
Inclinou-se para Jane quando entrou na casa (agora muito concorrida).
—Sua Graça. Sou Francis White, o magistrado.
Ela inclinou a cabeça.
—Senhor White.
—Uma aberração o que aconteceu. Farei o que puder para arrumar as
coisas.
O senhor White tinha olhos amáveis e um ar suave. E embora a cabeça
desse voltas, Jane conseguiu dizer: —Ob… obrigada, senhor White. Estou
segura de que o fará.
Ele se voltou para a Doninha com um olhar ardiloso.
—O que temos aqui, senhores? Ora! Oswald Hodges. — Ele estalou a
língua, aproximou-se do homem, e se inclinou para frente com as mãos apoiadas
nos joelhos. — Estive esperando sua volta. Pensou que nunca suspeitaríamos o
que aconteceu com sua pobre mãe, não é? Bem, melhor pensar outra vez. Seu
amigo Barker nos disse onde a enterrou. E lhe pendurarão por isso.
Agarrando-se mais ao braço de Harrison, Jane fechou os olhos e tragou
saliva ao sentir uma onda de vertigem. Entregando sua arma a um lacaio, seu
marido se voltou para parar diante dela e dos outros, elevando os braços e
estreitando-a contra ele. Derretendo-se com sua proximidade, ela suspirou e
apoiou a bochecha contra seu peito. Não usava lenço. Nem colete. Só uma
camisa debaixo do casaco de montar. Não havia nenhum pingo de goma. Nada
que lhe impedisse escutar o batimento de seu coração, constante e forte. Ela
enterrou o nariz contra ele sentindo suas mãos lhe explorando as costas, o
pescoço e os lados de seu rosto.
— Acabou — ele sussurrou, seu fôlego quente agitando as finas mechas de
cabelo em sua têmpora.
—Sabia que viria.
Sua boca encontrou a dela em um beijo leve como uma pluma.
—Nunca volte a me deixar. — A ordem foi sem ar, como se ele não
quisesse dizê-lo em voz alta.
Ela acariciou seu amado rosto com a mão, sentindo a barba incipiente de sua
mandíbula. Respondeu beijando sua boca que descia.
Uma garganta que se limpava os interrompeu.
—Desculpe, Harrison— disse Dunston. — O magistrado gostaria de sua
permissão para empregar alguns de seus lacaios para levar Hodges ao cárcere.
Harrison assentiu.
—Leve a quem necessitar, senhor White.
Dois dos lacaios maiores recolheram o sangrento e pálido Hodges, que
agora estava preso nos pés e mãos, e o arrastaram para o jardim dianteiro. O juiz
tirou o chapéu, lhes assegurando que informaria todo o progresso diretamente
ao duque, e logo seguiu seu prisioneiro.
Jane, notando Colin apoiando-se na mesa com a qual tinha se chocado
antes, sentiu uma súbita urgência de novo.
—Colin — disse. Ele elevou a cabeça. — Virão por ti.
Ele piscou, dando sem querer dois passos para ela.
—Quando?
—Em três dias. Ele disse que chegariam em três dias.
—Então vamos estar esperando. — As palavras sedosas, geladas, não
vieram de Colin, mas sim do homem parado firmemente às suas costas.
Harrison.
—Não — Colin disse movendo a cabeça.
—Devemos enviar uma mensagem — Harrison insistiu. — Se ele ameaçar a
minha família pagará um preço muito alto.
—Esses homens não são nada para ele — Colin respondeu. — Substituíveis.
Não. Irei embora e farei com que me sigam. Enquanto estiverem me
perseguindo não haverá nenhum perigo para vocês.
Jane sentiu a rejeição de Harrison ante as palavras do Colin. Seus músculos
endureceram-se como aço.
—Ao diabo — grunhiu.
—Escute-me. Ele nunca se deterá. Agora sei. Não posso correr o risco de
que outra pessoa saia ferida. Você. Ou Jane.
—Não se oferecerá de isca desta maneira.
Colin dirigiu ao seu irmão um sorriso que partiu o coração.
—É o que você faria.
—Oh!, Colin — ela sussurrou.
— Te darei os recursos — Harrison disse. — O dobro da dívida, assim não
poderá resistir.
O moço de rosto doce que se converteu em um homem cansado, açoitado,
começou a protestar, mas Harrison não quis saber de nada.
—Isto é definitivo, Colin. Nos ocuparemos dos homens que virão aqui. E
você levará o reembolso ao homem que os enviou.
Depois de trocar duros olhares, que foi como uma eternidade para Jane, o
irmão de seu marido, agora também irmão dela, assim como seu amigo, cedeu à
oferta de Harrison.
—Muito bem — disse estendendo a mão.
Harrison olhou o oferecimento. Então fez algo que ela não esperava. Saindo
de trás dela, atraiu Colin em um forte abraço.
—Cuide-se — disse com voz quebrada, sua mão golpeando as costas de
Colin. — E volte para nós.
Colin fechou os olhos e também abraçou o seu irmão.
—Voltarei.
CAPÍTULO 24
"Todo homem tem seus momentos de loucura. Só uma parva acreditaria o contrário." - A
Marquesa Viúva de Wallingham ao seu filho Charles ao ouvir a rejeição de uma viúva às
suas desculpas por acreditar em escandalosos e inexatos rumores.
~~*
— …e disse à senhorita Spencer que seu vestido era lindo, mas ela não
acreditou! Talvez da próxima vez que me pedir que visite as lojas com ela,
simplesmente me negarei.
A voz de Lady Mary parecia com o zumbido irritante de um mosquito no
ouvido. Importava-lhe um nada o que dizia. Jane tinha ido embora. Sua esposa
havia ficado branca, seus lábios perdendo toda a cor, logo havia tremido a boca
e saído da habitação depressa. Queria gritar e segui-la como aquele cachorrinho
tolo.
—Harrison.
Não sabia quanto tempo mais poderia suportar ficar longe dela.
—Está me escutando?
Sentia-se doente de desejo. Tinha um nó no estômago, o peito esmigalhado
por uma dor implacável, cansativa. Realmente, era como uma enfermidade
exótica. Uma das que tinha que recuperar-se, ou do contrário a padeceria para
sempre.
—Harrison…
—Perdoe-me, Lady Mary. Devo falar com Dunston.
Ignorando seu ofego ofendido, levantou-se e se uniu a Dunston e Lorde
Berne, que conversavam perto da entrada. Respondeu às suas saudações com
uma inclinação de cabeça, mas seus olhos eram atraídos ao corredor, esticando o
pescoço para vislumbrar aonde ela tinha ido.
—Filho, tem um grande cavalo em seu estábulo. Não é de estranhar que
Wallingham fosse tentado a desprender-se de um dos potros do Remington. —
Lorde Berne lhe bateu no ombro atraindo sua atenção. Quando encontrou com
aqueles olhos cor de avelã viu algo que não gostou. Conhecimento. E
compaixão.
— Com certeza Ulisses é tão rápido como qualquer campeão de Ascot —
Dunston acrescentou. — Incompreensível porque nunca o pôs na prova. —
Lorde Berne seguiu sustentando seu olhar com a mão firmemente plantada em
seu ombro.
— Prefere manter alguns cavalos à mão, não é, filho? Tudo teu. De ninguém
mais.
Harrison se esforçou para controlar a respiração. Não era possível que Berne
entendesse. Ninguém podia entender. Queria livrar-se daquela mão paternal e
empurrá-lo. Queria encontrar Jane, tomá-la e fazê-la sua de novo.
—Isso é irracional – disse, contente que sua voz soara firme. — O
sentimentalismo não deveria ter nenhum papel neste tipo de decisões.
Lorde Berne sorriu, seus olhos assumindo um brilho familiar. Jane tinha,
amiúde, essa mesma expressão quando estava zombando-o por ser muito duro.
—Tolices. O sentimento é simplesmente um reflexo de nossa devoção mais
autêntica. Podemos tentar controlá-lo, civilizá-lo. Talvez dissimulá-lo, inclusive
para nós mesmos. Mas não é uma criatura muito mansa.
— É… ainda estão falando do Ulisses? — Dunston perguntou. — Temo
que me perdi em alguma parte.
Lorde Berne deu uma piscada a Harrison e afastou a mão de seu ombro.
—Agora vamos. Devo me recostar um momento. Tudo nesta cavalgada me
esgotou. Verei se talvez Lady Berne necessite de um descanso também.
Enquanto seu sogro se encaminhava para onde estava sentada Lady Berne
fazendo seu bordado e conversando com suas filhas, Dunston olhou Harrison
com receio.
—O que foi tudo isso?
—Nada.
—Parecia algo.
Apertou tanto os dentes que lhe doeu a mandíbula.
—Não é importante.
—Mmm. A duquesa está um pouco pálida ultimamente.
Não respondeu. Ela estava pálida, sabia. Seu rosto tinha emagrecido
também. Não gostava.
—Talvez devesse procurá-la e lhe perguntar se precisa recostar-se também.
— Dunston — grunhiu.
—Uma mera sugestão.
Lorde e Lady Berne fizeram uma pausa quando se dirigiam à porta. Lady
Berne tomou as mãos de Harrison, as agarrando com firmeza.
—Querido moço — ela disse com carinho.
Harrison não sabia como responder. Ela tinha estado fazendo estas coisas
desde sua chegada ontem, abraçando-o, beijando sua bochecha, lhe dizendo o
quão orgulhosa teria estado sua mãe. Supunha-se que devia lhe agradecer? Os
gestos eram estranhos e desconcertantes para ele. Nem sequer sua própria mãe
havia se comportado tão... maternalmente.
Finalmente se decidiu por: —É bom tê-la aqui, Lady Berne.
Lhe sorriu, seus olhos muito parecidos com os de Jane, escuros, intensos e
vivos.
—Estou de acordo. — Com essa resposta crítica deu-lhe um último apertão
e acompanhou seu marido ao corredor.
Não voltou a ver Jane até horas depois, no jantar. Entrou no salão (atrasada,
é óbvio) usando um vestido delicioso de seda verde esmeralda. O corpete
abraçava amorosamente seus seios, abrangendo-os desde baixo para revelar sua
pele leitosa. As mangas chegavam até os cotovelos, e usava um xale de tecido
solto sobre os braços.
Seu vestido era perfeito. Mas era evidente que Jane se sentia miserável. Seus
olhos, avermelhados e sem brilho, negaram-se a encontrar os seus. Ela se sentou
na cabeceira da mesa passando perto dele, de modo que pôde detectar um
ligeiro aroma de maçãs.
Enquanto jantavam ele iniciou uma conversação cortês com Lady
Wallingham, que opinou que os damascos eram o "pêssego dos pobres". Mas ele
escutava só pela metade. Seus olhos estavam cravados em sua esposa.
Jane não estava comendo. Empurrava a comida pelo prato, assentindo com
a cabeça de vez em quando a algo que Dunston dizia, mas principalmente
mantinha os olhos baixos e fingia comer. Tinha pensado que ao convidar sua
família ia melhorar. Mas em todo caso, via-se pior que antes.
—Os cães são animais inúteis — Lady Wallingham disse, continuando com
sua lista de opiniões não solicitadas. — Qualquer um que tivesse o mínimo grau
de bom senso devia dar-se conta de que consomem muito mais do que
oferecem em recompensa. Entretanto, de algum jeito estas ardilosas criaturas
nos convenceram, bom, não a todos nós, só aos que têm menos intelecto e
muito sentimentalismo, que são benéficas. Uma absoluta estupidez.
Lady Mary, sentada a vários assentos de distância, mas que tinha ouvido o
monólogo canino de Lady Wallingham, ofendeu-se.
—Perdoe-me Lady Wallingham, mas estou em desacordo.
A viúva levantou o queixo e lentamente girou a cabeça até que seu olhar
imperioso aterrissasse em seu branco semblante.
—Fala sério?
Harrison franziu o cenho. Essas duas palavras não eram um bom augúrio
para Lady Mary.
—Sim… sim. Cornelius descende de uma excelente linhagem de cães de
caça. Quando crescer será capaz de rastrear um cervo a mais de centenas de
quilômetros.
—E quantos cervos deve rastrear para que valha a pena o dano que tem
incorrido em suas saias, seus sapatos, seu mobiliário e seus pisos?
Lady Mary se voltou para trás em sua cadeira.
—Bom — ela disse. — Ele é um pouco mais que isso. Também é um
esplêndido acompanhante.
Lady Wallingham soprou.
—Qualquer real acompanhante que de maneira similar sujasse meus sapatos
como seu vil animal fez esta tarde se encontraria prontamente transportado a
Newgate.
Nesse preciso momento o "vil animal" apareceu, suas patas tocando e
deslizando-se pelo chão de madeira, logo golpeando o tapete.
—Oh, céus — Lady Mary disse, dando-se conta que seu cão fazia uma linha
reta em direção à Lady Wallingham. — Cornelius, vem aqui, querido. Vem,
Cornelius!
Dunston, notando a comoção, repreendeu: —Mary, dissete que se te desse
de presente o cachorrinho devia mantê-lo trancado.
Levantando-se da cadeira para precipitar-se atrás do cão que agora corria,
Mary disse: —Deixei-o trancado. Estava em meu dormitório. Um dos serventes
deve ter aberto a porta. Cornelius, não!
O cão farejou alegremente seu caminho aos pés de Lady Wallingham,
sentando-se e apoiando-se com veneração contra a perna da viúva. Então soltou
um uivo de triunfo, havendo aparentemente obtido um objetivo valioso.
—Vê? — Lady Wallingham soprou. — Um inútil. Nem sequer sabe seu
nome.
Lady Mary o levantou.
—Isso é porque ainda é um cachorrinho. Sim, é só um bebê, não é assim
Cornelius?
A viúva agitou a mão com desdém.
—Leve—o, não tenho nenhum desejo de ter pulgas na sopa.
A garota pareceu querer dizer mais, mas pensou melhor e levou seu cão para
fora da habitação.
—Agora, bem — Lady Wallingham disse. — Onde eu estava? Oh, sim.
Lady Berne simplesmente adora gatos. Mas Lorde Berne espirra cada vez que se
aproximam. Graças a Deus por esses pequenos favores. Se alguma criatura pode
ser de menor valor que um cão, é um gato.
Harrison deixou de prestar atenção à implacável falação da mulher,
preferindo ver Jane de frente a ele, separados por toda a longitude da mesa.
Dunston, inclinado para ela, fez-lhe um comentário sorrindo. Devolveu o
sorriso com um próprio sorriso tímido , seu rosto ganhando alguma cor de que
tanto necessitava.
Ele devia estar feliz. Devia querer que ela sorrisse e risse por algo que seu
amigo dissesse, alguma piada ou comentário gracioso.
Mas não estava. Seu estômago corroia, queimava como carvões, lento e
profundo. Ele queria ser o que fizesse aparecer aquelas covinhas, que a fizesse
ruborizar-se, que escutasse aquela risada e sentisse o puxão na virilha como
resposta.
Que Deus ajudasse Dunston se tão somente a olhasse para baixo do queixo.
—Se deseja assassinar o seu amigo, há métodos mais eficazes. — Foi o
ácido comentário de Lady Wallingham. — Ouvi dizer que é hábil com uma
pistola de duelo, por exemplo. — A viúva deslizou com calma um bocado de
carne de vitela em sua boca.
Harrison baixou as sobrancelhas.
—Não sou um homem violento.
Ela engoliu e logo tomou um gole de vinho.
—Mmm. Isso é precisamente o que seu pai estava acostumado a dizer. E
não foi mais certo para ele do que é para você.
—Perdão?
—Perdoado. Não tolero a mentira.
—O que sabe do meu pai?
—Sei que esteve a ponto de matar a golpes um homem por sua mãe. O que
é que você sabe do seu pai?
Harrison pousou cuidadosamente a taça de vinho sobre a mesa. Tinha
estado a meio caminho de sua boca quando ela tinha começado a falar sobre o
sétimo Duque de Blackmore. Seu pai. O homem mais frio que jamais havia
conhecido.
—Não acredito.
—Entretanto, é verdade. Richard Lacey, Lorde Branstoke nesse tempo, é
óbvio, estava louco por Lady Judith. Todo mundo sabia. Ela era a terceira filha
de um Whig arrivista com mais riqueza que sentido. Pessoalmente, nunca
entendi a atração. Mas isso não vem ao caso. Ele pensava que o sol saía por seus
olhos ou alguma tolice parecida.
Nunca tinha ouvido falar disto. Nada disto. Pelo que sabia, seu pai tinha
escolhido a sua mãe da mesma maneira que fazia todo o resto: com frio cálculo.
Judith Clyde tinha sido passavelmente bonita, elegante e sobretudo adequada.
Tinha sido o par mais apropriado para seu pai, escolhida devido à riqueza de sua
família e a sua conduta cuidadosamente serena. A ideia de que seu pai a tivesse
escolhido apoiado em amor, e muito menos do tipo de loucura da qual falava
Lady Wallingham, era simplesmente ridícula.
—Talvez o confundiu com outra pessoa. Os detalhes podem ser difíceis de
recordar depois de tantos anos.
—Não sou tola, nem estou senil, moço. O ano em que você entrou neste
mal concebido mundo já estava enviando meu filho a Eton. Vi mais do que
pode imaginar.
Harrison assentiu em reconhecimento à sua aguda recriminação.
—Minhas desculpas.
Ela soprou de desdém e logo continuou.
—Ele era controlado, inclusive igual a você. Mas havia histórias. Eu tinha
minhas fontes. Não tão excelentes como hoje, mas igualmente sólidas. Diziam
que seu pai queria o matrimônio, mas ela resistia. Estava apaixonada pelo
segundo filho sem dinheiro de algum barão. Terrivelmente míope de sua parte,
mas a juventude o é frequentemente com estas coisas. O pai dela a obrigou a
aceitar o matrimônio. Richard acreditou que estava de acordo até o dia em que a
viu e ao segundo filho juntos, reunidos em segredo no caminho entre a casa de
seu pai e a do Barão. Tiveram uma briga terrível, ou isso ouvi. Ele ameaçou
cancelar o compromisso e ela lhe rogou que o fizesse, já que a liberaria para
casar-se com seu pretendente inútil.
Harrison sacudiu a cabeça com incredulidade, baixando o olhar ao seu prato.
Não podia ser. Essas pessoas que ela descrevia eram estranhos. Não seus pais.
Seus olhos voltaram para Jane, que seguia falando com um Dunston atento.
Algo se retorceu em seu ventre.
—Quando descobriu que ela desejava sua liberdade mais que sua riqueza e o
título, seu pai fez o que qualquer parvo apaixonado faria: esteve de acordo.
Entretanto, impôs uma condição. Para um homem, cancelar um compromisso
matrimonial, faria um grande dano à sua honra. Ele exigiu que ela permitisse um
intervalo adequado para ganhar seu afeto. O pretendente protestou, mas não se
importou. Ela acreditou em sua sinceridade. É óbvio, ele não tinha intenção de
permitir que o objeto de sua obsessão escapasse. Mas ela não suspeitou de nada,
a pobre e débil jovem. E assim, com o tempo, seus cuidados e presentes
esplêndidos persuadiram-na a permitir que a união procedesse. Por desgraça, o
pretendente não se rendeu tão facilmente, aproximou-se dela no baile de
compromisso, rogou-lhe que fugisse à Gretna com ele. — Lady Wallingham
soprou. — Absurdo. Ela tinha um futuro duque lhe rendendo adoração como a
uma deusa pagã. Inclusive a chama mais tênue no candelabro podia ver onde
jazia seu futuro.
Pouco podia acreditar. Seu pai, tão profundamente apaixonado que havia
manipulado uma noiva não disposta para deixar que a cortejasse. Sua mãe,
apaixonada por outro homem, então seduzida por seu pai para manter o
compromisso.
—O que aconteceu?
Lady Wallingham arqueou uma sobrancelha branca.
—Não pode adivinhar? Seu pai apareceu justo quando o pretendente tentou
beijá-la. Perdeu a cabeça, pensando que ela tinha a intenção de deixá-lo.
Golpeou aquele pobre moço com os punhos até que pouco ficou salvo depois.
Necessitaram-se três homens para afastá-lo.
Harrison afastou o prato sentindo uma onda de náuseas.
—Casaram-se, naturalmente. E seu avô se encarregou de enterrar a briga.
Mas eu recordo tudo. Sua mãe se voltou cada vez mais plácida ao longo dos
anos, provavelmente por temor de provocar um novo conflito. E seu pai se
voltou cada vez mais frio. Mas você já conhece bem essa parte, não é?
A anciã tomou um gole de vinho despreocupadamente, ao que parece sem
dar-se conta do canhão que tinha disparado no centro de seu peito.
Durante o tempo que tinha conhecido seu pai, o homem tinha sido tão
insensível como um bloco de pedra. O sétimo duque se comportava com gelada
cortesia com todos, incluindo sua esposa. Com seus filhos tinha sido rígido e
proibitivo, insistindo em um nível de disciplina que não deixava espaço para a
risada, a alegria ou o afeto.
Durante toda sua vida Harrison tinha se consolado com uma coisa: no
fundo, não se parecia em nada ao seu pai. Ao seu pai, tinha pensado,
impregnava-lhe o gelo até os ossos.
Harrison, por outra parte, sentia muito. Sempre tinha sido assim.
O som de sua irmãzinha chorando por sua mãe tinha esmigalhado seu
coração, enquanto seu pai parava junto à sua cama com olhos cortantes e vazios,
e tinha se negado a permitir que a consolassem, até que tinha deixado de chorar.
A visão de Colin, paralisado e tremente ante o rosto sombrio de seu pai, as
lágrimas correndo por suas bochechas infantis, desculpando uma e outra vez
por levar um pescado à casa. Seu primeiro pescado, que havia capturado quando
ia atrás do Harrison, como costumava fazer. Harrison tinha desejado machucar
seu pai nesse dia, tinha fechado seus jovens punhos, preparado para ensinar ao
duque o que significava ser humilhado e desprezado.
Mas não o tinha feito. Em troca, fez o que seu pai lhe havia ensinado tão
bem: controlou a si mesmo e às suas emoções ingovernáveis. Tinha atrasado
tomar medidas até mais tarde, quando em segredo tinha deslizado ao quarto de
Vitória muito depois de que todos foram dormir e a tinha embalado em seus
braços, murmurando seu amor por ela em sua pequena orelha. Quando não
estava no colégio, cada dia havia despertado antes do amanhecer, feito sair
bruscamente um sonolento Colin, e o tinha levado ao rio, longe da vista de casa,
onde tinha lhe ensinado pacientemente tudo o que sabia de pesca com vara.
Todo o tempo havia se dito que nunca poderia ser como seu pai. Porque,
mesmo quando trabalhava para controlar suas emoções para conduzir-se de uma
maneira que honraria o legado da família, sua verdadeira natureza tinha vivido
dentro dele, a tempestade desenfreada de amor e ódio, necessidade e ferocidade
golpeando sua vontade para mantê-la contida.
Esse era o que tinha procurado Jane um dia na antiga biblioteca. Esse era o
que tinha pressionado o canhão de uma arma no crânio de outro ser humano.
Esse era o que tinha estado a um fio de colocar um buraco no homem que levou
o que lhe pertencia.
Isso era o que tanto o tinha aterrorizado, pois sabia que tinha que distanciar-
se dela antes que sua verdadeira natureza o levasse a fazer algo que nunca
poderia retificar.
Isso era o que tinha herdado, como se viu depois, de um pai que era muito
mais parecido com ele do que jamais tinha suspeitado.
CAPÍTULO 25
"Nega-se a me dar o que quero, o que mereço. Bom, isso está por ver-se." - A Marquesa
Viúva de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, sobre o tema de seu filho,
Charles, e seu enguiço de nem sequer lhe proporcionar um só neto.
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De alguma maneira convenceu-se que não poderia ser pior, já que tinha
experimentado em toda plenitude a dor aguda de sua rejeição, e que ouvir a
verdade só confirmaria suas piores suspeitas, lhe permitindo finalmente desligar-
se dele.
Mas era pior. Muito pior.
Ela retrocedeu cambaleando, sua mão formando uma garra no centro de seu
peito, precisando arrancar seu próprio coração. Necessitando que a angústia se
detivesse. Girando às cegas em direção à porta, seus passos eram torpes e
dessincronizados, o mundo ao seu redor se movia fora de seu eixo.
Alguém estava dizendo seu nome. Alguém a estava abraçando por trás.
—Tenho que ir embora — sussurrou.
—Não, Jane. Não.
—Tenho que ir embora. Não posso ficar aqui.
—Não te deixarei ir. Nunca te deixarei ir. — O clamor era um eco do dela, a
mesma tortura. A mesma necessidade.
Fechou os olhos com força, sentindo o corpo dele curvado ao redor do seu
por trás. Seus braços a seguravam com tanta força que quase lhe faltava a
respiração.
—Jane — ele grunhiu, sua voz áspera, seu rosto pressionado contra seu
pescoço. — Minha Jane. — Suas mãos encontraram as dela, que pressionavam
seu abdômen. Ele apanhou uma e a levou até sua bochecha, mantendo-a presa
ali. — Toque-me. Por favor, Jane. Não vá.
Ele a segurava em seus braços, naqueles braços fortes, seu calor rodeando-a.
Mas Jane estava intumescida, sem entender por que se agarrava a ela daquela
maneira.
—Não me deseja, Harrison.
Ele voltou o rosto, pressionando os lábios contra sua mão, tocando seus
dedos curvados ao longo de sua mandíbula.
—Anseio-te.
Ela sacudiu a cabeça.
—Anseia a alguém. Não a mim.
— Só a ti.
—Não — ela sussurrou, sua negação de autopreservação. — Estou cansada,
Harrison. Vitória me convidou para ficar em Thornbridge. Irei com ela amanhã.
—Não pode ir.
—Não posso ficar.
—Por quê? — Sua voz torturada.
Por longos momentos debateu consigo mesma lhe dizer a verdade. Tudo
dentro dela gritava que não revelasse. Mas no final seu coração fez ouvir sua
voz. Virou-se em seus braços, enfrentando um homem que não tinha visto
desde a noite de seu sequestro.
—Machuca-me com muita facilidade.
A dor e a confusão escureceram seus olhos azuis à cor de um mar
enfurecido.
—Nunca te faria mal.
—Sei que não seria sua intenção. Mas tampouco nunca vai me amar. Não
como eu te amo.
Ele jogou bruscamente a cabeça para trás, seus olhos aumentados.
—Sim, Harrison. Eu te amo.
—Não diga isso.
—Por que não? É a verdade. — E era um alívio surpreendente dizê-lo em
voz alta.
Separou-se dela sacudindo a cabeça.
—Não pode me amar.
—Tantas repreensões — disse, seu tom de suave recriminação. — Não
posso te amar. Não posso ir embora. Bem, aqui não manda querido marido: não
pode evitar. Não pode controlar. Não pode me controlar.
—Esse precisamente é o problema.
—Só para ti. — Ela se moveu, mas ele manteve a distância entre eles,
retrocedendo passo a passo. A fez mais decidida. Logo, sentiu-se como um gato
espreitando um lobo. Muito estranho, realmente. — O que teme Harrison? —
Finalmente ela o abordou perto do sofá. —Aproxima-me e logo me afasta. Não
quer que te ame, entretanto não me permite ir embora.
—Você é minha esposa. Seu lugar é aqui.
Seu corpo ficou a um sopro do dele. Esticou o pescoço para olhar aqueles
olhos atormentados.
—Sério? Inclusive você admite que Mary Thorpe teria sido uma melhor
duquesa de Blackmore.
Uma furiosa indignação fez saltar faíscas de seus olhos, o primeiro raio de
luz entre nuvens cinzentas.
—Ao diabo que o fiz. Nunca disse tal coisa.
A boca de Jane se moveu, lutando para articular palavras ante sua peculiar
negação.
—Você… você acabou de fazê-lo, há só uns minutos.
—Não. Afirmei que não teria tratado Lady Mary como tratei a ti. Como é o
certo.
Jane tentou falar duas vezes, tendo êxito no terceiro intento.
—Qual é a diferença?
Ficou rígido, apertou a mandíbula e endireitou o pescoço.
—Não importa.
—Importa-me muito.
—É uma grande duquesa. A única que desejo.
—Por que a teria tratado diferente?
Parecia atormentado, seus olhos movendo-se rapidamente do ombro de
Jane, logo descendo a seu seio, em seguida voltando para seu rosto. Parecendo
como se tivesse decidido algo importante, seu queixo se elevou uma fração, seu
olhar firme.
—Ela não é você. E você é minha debilidade.
Sua debilidade? Ela sacudiu a cabeça, agora sem fôlego.
—Isso... isso é só...
Seu marido torceu os lábios.
—Luxúria? Não. — Lhe acariciou a bochecha com ternura dilaceradora. —
Mataria por ti. Quase o fiz.
Em parte, foram suas palavras pronunciadas como uma confissão. Mas,
sobretudo, foi a forma como a olhava, como se ela fosse imensamente preciosa,
como se houvesse mapeado seu coração e reproduzido o padrão com precisão.
O corpo de Jane se encheu de calor. Faíscas saltitantes se derramaram por seu
couro cabeludo e costas, percorrendo de seus braços até os dedos e das pernas
aos pés. Ficaram em seus seios e entre suas coxas, disparando seu sangue.
Tocando a mão de Harrison em seu rosto, ela inclinou a cabeça e lhe deu um
beijo em seu dedo polegar. Ele tomou seu gesto como um estímulo.
—O que sinto é perigoso Jane. É um fogo. E tem que ser controlado.
Ela se moveu para ele, pressionando seu corpo contra o seu, pousando a
cabeça contra seu peito duro. Finalmente estava começando a entender. Não
havia se tornado frio porque a achasse deficiente. Retirou-se porque temia amá-
la.
—Esse fogo arde dentro de mim também — confessou.
Seus lábios descansaram contra seu cabelo.
—Não é o mesmo — sussurrou. — Vejo-te com outros homens e quero
fazê-los em pedaços.
—Antes desejei que Lady Mary experimentasse uma indignidade calamitosa
que implicasse Cornelius e seus sapatos. Isso é impróprio, talvez, mas não
perigoso.
—Não entende, Jane. O ciúme fez com que meu pai golpeasse um homem
até quase matá-lo. Uma vez acreditei que não parecia em nada com ele, mas
agora sei a verdade. Era frio porque permitir-se dar rédea solta à sua verdadeira
natureza era impensável.
Ela se afastou o suficiente para ver o rosto de Harrison. Ele parecia bastante
sério.
—Era algo que acontecia frequentemente com seu pai? Era um homem
violento?
Harrison franziu o cenho.
—Não, ao menos que eu soubesse. Só recentemente me inteirei do
incidente. Antes de casar-se estava profundamente apaixonado por minha mãe.
Isso foi uma surpresa para mim.
—Não eram carinhosos um com o outro?
—Meu pai não era carinhoso com ninguém.
Incluindo seu filho. Harrison não o disse, mas não teve que fazê-lo. Por
tudo o que ele e Vitória tinham contado, tinha uma imagem clara e pouco
favorecedora do homem que tinha gerado o homem que amava.
—E você crê que a forma que seu pai lutou com sua "verdadeira natureza",
como a chama, é digna de ser imitada?
Erguendo-se de novo ele se afastou e se encaminhou à sua mesa.
—Pode sugerir uma alternativa? Porque tentei, Jane. Deus sabe que tentei.
Avançando para ele, começou a puxar as forquilhas de seu cabelo, deixando
que as mechas se soltassem e caíssem por suas costas. Ser audaz nunca havia
sido fácil para Jane, mas se alguma vez necessitasse dessa qualidade, esta era a
noite. Com Harrison, ali naquele momento, seria mais audaz que a Jane que
tinha deslizado através da janela de Lorde Milton. Ela seria mais audaz que a
solteirona que tinha ousado casar-se com o partido da temporada. Ela seria mais
audaz que a duquesa que tinha pedido a duas mal-educadas hóspedes de alto
berço que abandonassem sua casa.
—De fato sim, tenho uma ideia — ela disse, sua voz sombria e baixa.
Aproximando-se de seu marido alto e dolorosamente bonito, roçou-lhe
deliberadamente o braço com a ponta de seus seios.
Ele conteve o fôlego e se moveu até que suas coxas tocaram a borda da
mesa.
Ela não retrocedeu, mas sim se moveu em torno das costas de Harrison,
passando as mãos lentamente ao longo de seus largos e musculosos ombros e
arqueando-se até que seus seios ficassem esmagados contra ele.
—E se em lugar de sufocar o fogo...? — Ela enganchou os dedos na gola de
seu fraque e o puxou até que este começou a cair de seus ombros. — O
deixamos rugir? — Deixando cair o casaco preto no chão, lhe rodeou a cintura
com os braços. Com os dedos procurou debaixo de seu colete para agarrar a
prega de sua camisa de linho e tirá-la de suas calças. — E me ama plenamente.
Com toda sua alma. Como eu. — Ela desabotoou os primeiros botões de sua
braguilha, o suficiente para deslizar-se no interior, onde seu membro a recebeu
com calor e dureza. — E queimaremos juntos.
Ele ofegou, grunhiu asperamente, caiu para diante e apoiou as mãos sobre a
madeira escura.
—Jane — ofegou enquanto ela apertava e acariciava. — Não… não posso
te amar.
Ela rodou o polegar ao redor da ponta, provocando e agradando, antes de
rodear a cabeça com os dedos e apertar como gostava. Outro gemido retumbou
através de seu peito e na orelha de Jane, a que tinha pressionada contra suas
costas.
—Aí está o detalhe, meu amor — ela disse, sua própria voz ofegante de
excitação. — Já me ama.
No instante seguinte lhe agarrou o pulso, retirou a mão e puxou a dela
fazendo-a girar até que a borda da mesa se cravou em seu traseiro. O rosto de
Harrison estava ruborizado e feroz, despindo sua necessidade.
—Não — grunhiu. — Não te amarei.
—Fará. E muito profundamente, arrisco-me a dizer.
Seu marido respirava pesadamente, seu membro furiosamente avultado e
erguido colando-se ao seu ventre. Ela podia ver que estava perto. Mas talvez
necessitasse de outro empurrão.
—Mais até, — ela disse puxando para baixo seu corpete e as taças do
espartilho até que a borda da roupa raspou seus mamilos — Vai me dizer isso.
— Seus dedos brincaram delicadamente com as pontas duras, deixando que as
pregas do tecido elevassem seus seios de um modo impossível, parecendo
derramar-se como fruta amadurecida, exuberantes e inchados com o calor do
verão. — Antes que acabe esta noite, o dirá.
Seu controle estava perto de romper-se. Podia vê-lo em seus olhos, fixos em
seus mamilos avermelhados, nus e eretos.
—Isto é uma loucura — disse com voz áspera. Não sabe o que está
pedindo.
—Mmm — ronronou. — Por que não me mostra?
Ela esperava que a beijasse. Harrison sempre a beijava. Mas não o fez. Com
o rosto quase irreconhecível de luxúria, moveu-se com tanta rapidez que nem
sequer pôde tomar uma respiração. Segurou-a pela cintura fazendo-a girar em
círculo de modo que ficou de costas para ele. A habitação se inclinou quando ele
a posicionou para diante sobre a mesa, pressionando uma mão contra seu
pescoço, pressionando seus mamilos doloridos contra a madeira dura. O ar frio
roçou suas pernas quando ele levantou suas saias, jogando-as sobre suas costas.
Logo veio o quente deslizamento de seus dedos, movendo-se através das dobras
escorregadias entre suas pernas. Dois afundaram profundamente em seu centro
enquanto seu quente fôlego acariciava seu ouvido.
—Queria fogo — ele grunhiu. — Isto é como sente meu fogo, esposa.
Ela gemeu de prazer, apertando aqueles dedos hábeis e retorcendo os
quadris. Ele tirou os dedos e os substituiu por seu membro. A investida foi
feroz: profunda e bastante dura para elevá-la na ponta dos pés. Seus quadris
martelavam os dela sem piedade, e ela estava indefesa em seu abraço, seu centro
esticado agradado e em chamas pela fricção. Ela o sentia enorme daquele
ângulo, uma força da natureza exigindo sua obediência. Mas isto não era tudo.
Ele tinha que lhe dar tudo.
—Harrison — ela ofegou, grunhindo quando suas investidas se aceleraram.
— Toque-me, meu amor.
Imediatamente uma das mãos agarrando seus quadris se afrouxou e deslizou
por suas costas, a seda de seu vestido rangendo ao passar, um contraponto ao
calado som produzido pelo choque de seus corpos, ao pesado fôlego da
respiração que Jane sentia atrás dela. Aquela mão seguiu seu percurso, fez
cócegas por sua nuca, curvou-se em sua mandíbula. O dedo indicador se moveu
entre seus lábios, exigindo entrar. Ela abriu a boca deixando que deslizasse no
interior, sentindo o sabor de si mesma. Ele retirou o dedo e logo lhe deu um
segundo. Ela o rodeou com a língua, sugando brevemente. Sua mão saiu de sua
boca e viajou de retorno ao seu quadril, onde se curvou ao redor de sua coxa,
filtrando-se entre suas saias, e usando seus dedos úmidos para depositar um
beijo surpreendente contra seu botão intensamente inflamado.
As sensações foram simplesmente demais. Demasiado agudas, demasiado
potentes. Ela gritou seu nome, seu centro estreitando-o com fúria, seus punhos
apertados sobre a mesa, o corpo exigindo mais. E lhe deu mais. Mas, mesmo
assim, não era suficiente.
Arqueando as costas, estendeu um braço para trás para agarrar a mão que se
cravava em seu quadril.
—Aproximase — grasnou, sua voz quase afogada, tão perto do clímax que o
sentia acumulando-se nos dedos de seus pés.
Ele diminuiu o ritmo e, na seguinte estocada se manteve profundamente
enterrado em seu interior. Era quase demais.
—Isto não é o suficientemente perto para ti?
Ela se negou a liberar sua mão, puxando-o até que ele ficou inclinado sobre
ela, seu rosto quase perto ao dele. Jane se elevou até que suas costas receberam
o calor de seu torso, logo levou essa mão capturada pelo centro de seu peito.
—Diga que me ama — sussurrou. — Porque isto, — tocou o dorso da mão
que descansava sobre seu coração — é teu. E eu quero ter um para mim.
—Ah, Deus, Jane. — Seus lábios encontraram seu pescoço, seus quadris
empurrando agora com movimentos pequenos e involuntários. — Não posso.
—Diga, Harrison. Diga meu amor.
—Nãããão — grunhiu, sua voz crua e gutural.
—Está bem. Só diga. Amo-te.
Suas investidas se incrementaram em força e ritmo uma vez mais, os sons
saindo de sua garganta como mudas súplicas.
Mas ela não mostraria piedade. Ele diria. Ele diria, maldição.
E então, como algo se quebrando dentro dele, estreitou-a com força, com
braços duros e implacáveis rodeando sua cintura e seus seios. Ele arrastou os
lábios desde seu ombro à sua bochecha.
A primeira vez que disse as palavras não as escutou tanto como as sentiu,
uma carícia quente contra sua pele.
— Amo-te. — Logo uma vez mais, em um sussurro mais forte. — Amo-te.
— Logo ele grunhia as palavras, grunhia-as ao ritmo de suas investidas. —
Amo-te, Amo-te. Amo-te. — Uma e outra vez. O clímax que tinha estado
esperando precipitou-se sobre Jane como a força da maré. Ela gritou de prazer e
arranhou seus braços. Retorceu os quadris e os esfregou para trás contra os dele,
e em questão de segundos Harrison a seguiu ao abismo, enchendo-a com sua
semente, tomando seu coração e lhe dando o seu.
CAPÍTULO 29
"Se me preocupasse com as convenções nunca conseguiria nada que valesse a pena. Isso,
querido Humphrey, deixo às mulheres de categoria inferior." - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, cuja única resposta foi um sopro
desdenhoso.
~~*
Deixá-la ir foi o mais difícil que já tinha feito. Mais duro que disparar em um
homem que não merecia morrer. Mais duro que permitir que Colin enfrentasse
as consequências de suas ações. Mais duro que dizer que a amava. Sentou-se em
seu escritório com a vista fixa na mesa onde havia tirado cada peça de roupa de
sua magnífica Jane e lhe tinha dado cada peça de si mesmo em troca. Pela
primeira vez em sua vida havia se sentido completo.
Agora só sentia que arrancaram a alma de seu corpo, deixando um buraco
sangrando. Era um nada, rodeado pela pior classe de angústia.
—Ah, aqui está. Melancólico, já vejo. — A voz ressonante de Lady
Wallingham se introduziu na habitação. — Talvez não saiba, mas ainda ficou
uma convidada.
Não podia concentrar-se em suas palavras, pouco era capaz de respirar pela
dor. Em lugar de enfrentá-la, levantou-se e se voltou para a janela, suas mãos de
forma automática unindo-se na parte baixa de suas costas.
—Mmm. Boas maneiras, por certo. O que diria sua mãe?
—Minha mãe está morta.
—Suas normas de conduta, não.
Necessitando que fosse embora, perguntou-lhe: —Há algo que deseje, Lady
Wallingham?
Ela soprou.
—Contratei uma carruagem que me levará ao norte, ao Castelo Grimsgate.
Queria usar um de seus cavalos e um cocheiro para a viagem. O estábulo do
povoado tem só três cavalos brancos. Devo ter quatro. Como se veria, três
brancos e um baio? Uma vergonha.
— Pegue o que necessitar.
Um comprido silêncio se instalou entre eles. Não estava seguro de porque
ela ficara. Atrás dele ouviu o roce do vestido da viúva, o rangido das tábuas de
madeira quando ela deu vários passos pela habitação.
—Fez o correto sabe — disse.
Não queria escutar mais nada, então não perguntou a que se referia. Mas
quando uma falta de resposta tinha detido Lady Wallingham de expressar sua
opinião?
—Durante anos disse a Jane que essas histórias de amor verdadeiro são, no
melhor dos casos, mentiras que provocam falsas ilusões. A garota é comum e
dolorosamente torpe. Ela teve sorte que você tinha um sentido de honra
excessivamente desenvolvido, ou sem dúvida seria uma solteirona.
Ele se virou, irritado de repente. A anciã tinha sua habitual expressão altiva.
Quis gritar, mas em troca disse brandamente: —Ela não é comum.
—É óbvio que é. Está cego? — Disse com ironia. — Pode cortar o cabelo.
Pode usar os melhores vestidos que seus recursos possam comprar, mas será
sempre comum.
—Ela não é comum.
A nota de advertência em sua voz deve ter penetrado na névoa de altivez de
Lady Wallingham, porque não pressionou mais.
—De todo modo, meu ponto é válido. Ao enviá-la para longe fez-lhe um
favor. Nenhuma mulher deseja permanecer onde é inadequada e não é desejada.
Com o estômago revolto, sentiu que lhe esgotava a paciência com a viúva.
—Não a enviei para longe — espetou. — Além disso, ela não é nem
inadequada nem indesejada. Justamente o contrário. O lugar dela é aqui. Sou eu
quem deveria ter ido.
—Se a acha aceitável por que deveria ir um dos dois? Se requer proximidade
para a produção de herdeiros, se a memória não me falha.
Ante a menção de herdeiros sua mente recordou a última noite. Ela poderia
estar grávida dele. Um bebê. Parte dele e parte dela. Seu coração, que tinha
morrido quando ela se foi, começou a pulsar de novo, dolorosamente duro
dentro de seu peito.
—Seus pais não eram particularmente felizes em seu matrimônio, mas
fizeram o que era necessário para o cumprimento da linhagem familiar, como
fazem todos de sangue azul.
Ele torceu a boca.
—Se você sabe algo de seu matrimônio então também deve saber que é um
pobre padrão a ser seguido.
Uma das sobrancelhas da anciã se arqueou.
— Eu disse o contrário? Sua mãe não tinha têmpera, absolutamente, e seu
pai era um asno.
Ele piscou ante a contundente avaliação.
—Não foi a senhora quem sugeriu que a conduta do meu pai foi um
baluarte necessário para controlar sua natureza violenta?
Ela soprou.
—Nunca disse tal coisa. Sinceramente, depois de tantos anos comprovei que
tenho razão, algumas vezes nota-se, as pessoas deveriam pensar que minhas
palavras seriam recebidas com maior cuidado. É minha culpa, suponho. Espero
muito daqueles menos capazes. — Ela suspirou com um toque dramático. — O
que afirmei foi que ele negou sua verdadeira natureza convertendo-se em um
asno em lugar de admitir que a formosa, mas sem têmpera, Judith podia puxar
seus fios com o giro de sua delicada mão. — Seu olhar verde e direto tornou-se
penetrante. — A covardia, não a nobreza impulsionou seu pai para a frieza,
querido moço. Seu orgulho não podia suportar ser controlado de tal maneira.
Seja valente, meu amor. Foi a última coisa que Jane havia dito, sentindo o medo
que vivia dentro dele, aquele que o procurava cada vez que ela estava perto.
—Sua mãe não foi melhor. Não diga à Lady Berne que eu disse isso, já que
ela é irremediavelmente sentimental para com a duquesa, mas se Judith Clyde-
Lacey tivesse reagido com mais força de caráter o duque teria se obrigado a
recuperar sua virilidade. Creia-me quando lhe digo que a perda da própria
virilidade é uma qualidade muito pouco atrativa.
Ele fez uma careta ante o duplo sentido.
—Felizmente Jane não é sua mãe. Minha influência sem dúvida se
encarregou disso. E você não é seu pai.
Inclinando-se para diante contra a mesa, Harrison deixou cair brevemente a
cabeça para a frente antes de levantá-la de novo.
—Você crê... que meu pai e eu não somos iguais?
Sua gargalhada foi resposta suficiente, mas ela continuou: —Talvez
superficialmente se pareçam. Seus olhos, por exemplo. Algo de suas maneiras
pode ter te transferido, mas os filhos tendem a imitar as posturas e hábitos de
seus pais. Meu Charles sem dúvida o tem feito, para meu pesar. Debaixo da
superfície, entretanto, Richard Lacey e você são tão diferentes como a neve e o
repolho. O tipo de crueldade negligente que ele exibia seria detestável para
alguém de seu caráter.
Ele franziu o cenho e assentiu reconhecendo a verdade de sua declaração.
—Imagina seu pai resgatando uma solteirona roliça, comum e torpe de sua
própria estupidez?
Não, não podia fazê-lo. Entretanto, foi ao ponto: —Ela não é comum. Ela é
extraordinária.
A viúva rejeitou sua declaração com um gesto de sua mão enrugada.
—Você está sofrendo claramente um transtorno visual de algum tipo.
Talvez você e Jane devam usar óculos iguais.
Ele não respondeu. Tinha um redemoinho na cabeça com o que lhe havia
dito. Lady Wallingham era muitas coisas, mas obtusa não era uma delas. Se ela
acreditava que ele e seu pai eram diferentes debaixo da pele, Harrison podia
confiar em sua avaliação. Ela tinha conhecido bem seus pais, e parecia conhecê-
lo melhor do que gostaria.
Sendo esse o caso, ele devia agora reavaliar a conclusão a que havia chegado
antes de saber a história do cortejo de seus pais, concretamente, que não possuía
a disciplina necessária para dirigir as intensas emoções que sentia por Jane,
apesar dos esforços de seu pai por inculcar-lhe. Em consequência não podia
controlar nem predizer seu comportamento futuro com respeito a ela.
Ou talvez poderia predizê-lo muito bem: se fosse machucada não se deteria
ante nada para destruir a fonte. Se ela caísse presa aos cuidados de outro
homem, destroçaria esse homem. Se Deus a quisesse morta por alguma
enfermidade ou pelos estragos do parto ou por qualquer dos outros mil perigos
que tinha imaginado, perderia a si mesmo, nunca recuperaria a saúde mental.
Esse era o risco de amar Jane. E o aterrorizava.
—Está pensando muito moço — Lady Wallingham queixou-se. —O que
está passando por essa cabeça tola que tem o aspecto de um francês olhando
uma guilhotina?
—Talvez seja um covarde também — murmurou mais para si mesmo que
para a viúva.
— Tolices — disse. — Quer que seus filhos conheçam seu pai?
Centrando-se nela uma vez mais, respondeu: —Sim.
—Então recuperará sua esposa e a devolverá ao lugar que a corresponde.
—Não é tão simples.
—É óbvio que sim. Jane é uma boa garota. Forte. Ela se assegurará de que
você não falhe.
Seu pulso se acelerou quando a observação de Lady Wallingham foi na
mosca. Engoliu tratando de absorver. Em toda sua preocupação sobre se podia
conter seu próprio coração selvagem tinha deixado de considerar o único
elemento que poderia fazer a maior diferença: a própria Jane. Durante as últimas
semanas a verdadeira substância de sua esposa se revelou ante seus olhos. Ela
era uma mulher tímida, entretanto tinha trabalhado para organizar um baile para
mais de duzentos estranhos. Antes que houvesse dito a profundidade de seu
amor ela tinha se declarado primeiro, sabendo que poderia ser rejeitada. Era
valente. Era forte. Era decidida. E Lady Wallingham tinha razão, ela era mais
que capaz de manter suas mãos estáveis, de fazê-lo voltar a ser ele mesmo. Com
Jane ao seu lado não podia falhar. Era só quando ela não estava que caía aos
pedaços.
—Bem, informarei o seu mordomo que disponha para mim um cavalo e um
cocheiro — disse a viúva, sua expressão agora curiosamente serena, inclusive
um pouco presunçosa. — Quer que selem seu cavalo também? — Ela sorriu e
arqueou uma sobrancelha.— Terá que atuar com rapidez para recuperar o que
perdeu pela própria estupidez. Não acha?
CAPÍTULO 30
"Não é incrível o quanto melhor é tudo quando os outros simplesmente seguem meu
conselho?" - A Marquesa Viúva de Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey, em
uma caminhada pelo campo durante uma fresca manhã.
—Crê que dez mil ao ano é suficiente, Gregory? Alguém sempre poderia
pedir um pouco mais dada a natureza arisca do senhor Darcy.
Sentados sob uma grande árvore em meio de um campo verde salpicado de
ovelhas brancas, Jane abraçou seu sobrinho e lhe leu histórias de mulheres tolas
obcecadas com a renda anual de homens elegíveis.
Acabavam de passar o povoado de Wakefield, fazendo bom tempo graças às
rotas propícias. Vitória e Lucien tinham entrado na pequena estalagem para
adquirir comida e bebida enquanto trocavam os cavalos. Entretanto, Jane,
Estelle e a babá de Gregory, Roseanna, tinham estendido uma manta debaixo de
um toldo coberto de folhas optando por uma pausa ao ar fresco da instável
carruagem.
Os senhores declaravam que era um homem que tinha muito estudo; as senhoras diziam
que era muito mais bonito que Bingley, sendo admirado durante quase a metade da festa até
que suas maneiras causaram tal desgosto que fizeram mudar o curso de sua boa fama.
Estimado Gregory, interveio Jane, deixando que seus olhos encontrassem os
seus, verdes azulados, de pestanas escuras e cheios de maravilha, temo que os
recursos generosos não compensam qualquer enguiço. Sigamos lendo e vejamos
que mais aborrecimentos podemos encontrar: se descobriu que era um homem
orgulhoso, que pretendia estar acima de todos os demais e demonstrava sua insatisfação ao
ambiente que lhe rodeava.
—Sua Graça — Estelle disse com suavidade.
—Nem sequer suas extensas posses em Derbyshire podiam lhe salvar, já que parece
odioso e desagradável e se considerava que não valia nada comparado ao seu amigo.
—Sua Graça – a criada disse, desta vez com mais insistência.
Jane levantou a vista do livro.
—Sim, Estelle?
Mas a moça não a estava olhando. Estava olhando através do campo, além
das ovelhas, ao pátio da estalagem. Onde o marido alto e bonito de Jane, que
tinha muitos recursos, entregava as rédeas a um cavalariço e se dirigia para ela
com largas e decididas passadas.
Ela perdeu o fôlego e a compostura, cheia de um repentino rubor que não
era devido ao calor de agosto.
—Oh — ela pronunciou deixando cair o livro sobre a manta. — Oh, céus.
—Sua Graça, talvez devesse pegar o amo Gregory. — Escutando as palavras
de Roseanna à distância, permitiu-lhe levantar o feliz bebê de seus braços. Então
a garota murmurou algo à Estelle e as duas partiram dirigindo-se à estalagem.
Ela apoiou a mão contra a árvore atrás dela e se levantou.
Harrison se deteve quando ainda estava a vários metros de distância.
—Jane — sussurrou. Isso foi tudo. Só seu nome, como se fosse a única
palavra que soubesse.
—De… deve ter deixado Blackmore pouco depois que…
Ele ficou olhando com olhos ardentes, alimentando sua alma faminta com
seu fogo.
—Duas horas. Longo maldito tempo, Jane. Pressionei muito Ulisses, temo.
Mas sabia que devia te alcançar. Para te dizer...
Com o coração agora palpitando e derretendo-se ao mesmo tempo, lhe
perguntou: —Dizer o que?
—Quero que volte.
—À Blackmore?
Parecendo curiosamente sem rumo, ele se aproximou um passo mais com as
mãos soltas nos flancos. Engoliu visivelmente.
—Para mim.
Ela não podia falar, perguntando-se se talvez tivesse adormecido e estava
sonhando com ele de novo. Sua cabeça começou a girar lentamente para diante
e para trás maravilhando-se. Não. Ele estava ali. Estava realmente ali.
—Antes que se negue, só escuta. Rogo-lhe isso. — Avançou um passo mais
estendendo uma mão suplicante, logo fechando-a em punho e deixando-a cair
de novo a um flanco. — Quando foi... falei com Lady Wallingham.
Isso foi possivelmente a última coisa que tinha esperado que dissesse. Lady
Wallingham?
—Ela me ajudou a ver, a entender. A respeito do meu pai. Que era um asno.
Jane não pôde reprimir um sorriso, assim apertou os lábios e os dedos sobre
sua boca. Havia dito essa palavra com total seriedade: asno.
—Acreditei que fosse como ele. Não à princípio, acreditava que fôssemos
diferentes, mas... então ela me contou que estava apaixonado por minha mãe.
Obcecado por ela. E soube que ao menos em um aspecto éramos iguais.
Ela inclinou a cabeça, seu sorriso cada vez menos tratando de diversão e
mais a respeito de amá-lo tanto que pouco podia contê-lo.
—Porque você é isso para mim, Jane. Minha obsessão. Meu coração. —
Deu um passo para mais perto. Agora estava na beira da manta. — À princípio
temi que não fosse o bastante como ele, que não pudesse me controlar contigo.
Que faria algo imprudente. Quando pus a arma na cabeça de seu captor… estive
muito perto. Muito perto.
O ar lento e pesado devido ao excesso de calor e umidade movia-se através
das folhas por cima deles fazendo com que a luz solar oscilasse ao longo do
rosto de Harrison.
—Então, depois que Lady Wallingham me contou o que meu pai tinha feito
devido aos seus ciúmes desenfreados, temi que parecesse muito com ele e que a
violência ou a crueldade seria a consequência se fizesse o que desejava fazer.
—E o que desejava fazer? — Ela perguntou com suavidade.
—Te fazer minha. Completamente. Me permitir te amar. — Parou sobre a
manta. — Então te afastei. Não porque não te desejasse. Deus, Jane, nunca isso.
Porque te desejo muito. Necessito-te muito. — Deixou cair a cabeça, olhando
seus pés, parecendo surpreendentemente jovem para ela nesse momento.
Quando levantou a cabeça de novo apertou os punhos nos flancos,
aparentemente reunindo coragem para falar. — Temo o que tem dentro de
mim. Mas temo mais te perder.
Ela se aproximou dele incapaz de suportar um momento mais.
—Por favor, di…
Suas palavras restantes foram interrompidas por seu beijo, suas mãos
pendurando-se em seu pescoço e puxando-o para baixo para encontrar seus
lábios em um feroz ardor. A boca de seu marido explorou a dela, seus braços
apertando-a até deixá-la sem respiração. Ela encontrou sua língua e acariciou seu
rosto com mãos desesperadas. Oh, como amava este homem. Queria subir à
parte superior dele e reivindicar seu direito. Queria levá-lo dentro de seu corpo
até que ela e ele desaparecessem e um novo ser nascesse de suas cinzas.
Juntos, balançaram-se e tropeçaram caindo de joelhos. Estava agradecida, já
que assim podia alcançá-lo mais facilmente. Ela afastou a boca para explorar seu
rosto, depositando beijos de adoração ao longo de suas bochechas e através de
seus olhos. Saboreou sal e umidade. Lágrimas. Suas ou dele, não sabia. Eram
parte de cada um agora.
Ele pressionou beijos ternos, desesperados ao longo de sua mandíbula e em
seguida por seu pescoço. Jane entrelaçou as mãos em seu cabelo e o embalou
contra ela.
—Harrison — ela sussurrou, a garganta apertada pela emoção. — Tudo o
que sempre quis foi seu amor. Sem restrições. Sem desculpas. Enquanto me
amar, querido marido, nunca me perderá.
Ele gemeu e a agarrou com mais força, a cabeça subindo lentamente, assim
ela poderia ver seus olhos. Ali no azul o amor brilhava sem sombras nem véus.
Pela primeira vez ela podia ver claramente seu coração.
—Então estaremos juntos para sempre, minha Jane. — Ele roçou o dorso
dos dedos contra sua bochecha enviando tremores pela sua espinha dorsal. —
Porque esse é o tempo que te amarei.
~~*
Necessitou de uma hora para explicar tudo à Vitória e a Lucien antes que
eles decidissem seguir seu caminho. Vitória, em particular, desejava saber mais
detalhes.
—Oh, Harrison, — disse secando a umidade sob os olhos — deve ter
exaurido o Ulisses. É tão romântico.
—Não para o cavalo, atrevo-me a dizer — Lucien disse ironicamente.
—E Jane! — Ela gemeu atraindo Jane em um terceiro abraço. —
Simplesmente estou transbordando de alegria, querida. Muito contente por ti.
Embora sentirei falta de te ter em Thornbridge.
Jane sorriu e deu à sua melhor amiga um carinhoso apertão.
—Sou mais feliz do que nunca acreditei ser possível, Vitória. Obrigada por...
bem, por tudo. — Sua garganta começou a voltar a esticar-se e a doer pelas
malditas lágrimas. — Olhe-me — disse aceitando o lenço que Harrison
silenciosamente entregou-lhe. Secou os olhos, seus dedos empurrando os
óculos. — Estou me tornando um regador igual a você.
Vitória sorveu pelo nariz.
—Tenho muita vantagem nesse sentido. Só espera até que chegue seu
primeiro filho. Não se reconhecerá.
Pouco tempo depois estavam se despedindo entre lágrimas e vendo Vitória e
Lucien irem com a promessa de uma visita no Natal. Devido que Ulisses
requeria um descanso antes de ser montado de novo, e porque nenhum deles
podia esperar várias horas para viajar à Blackmore, Harrison assegurou um
quarto na estalagem. Não era tão grande como seu dormitório em seda verde,
mas quando Jane entrou no pequeno quarto lembrou-se de sua noite de bodas
no Porco e o Arado e da manhã seguinte, quando havia despertado para encontrar
Harrison enredado com ela numa forma que se tornou extraordinariamente
familiar. Virou-se e deslizou em seus braços quando ele fechou a porta.
Envolveram-se em um abraço apertado, forte e seguro. Deixou que seu ouvido
descansasse sobre seu coração, cheirando a leve goma e o sol de seu lenço,
ouviu o ruído surdo e o pulso de seu sangue bombeando por suas veias.
—Amo-te tanto — sussurrou no silêncio da habitação.
—E eu a ti, minha Jane. Mais do que sonhei ser possível.
Jane estendeu os dedos ao passar as mãos ao longo dos músculos de seu
peito. Lenta e prazerosamente procurou e encontrou os extremos de seu lenço.
Puxou e desenrolou a franja de tecido, finalmente soltando-a. Envolvendo-a ao
redor de seu próprio pescoço, manipulou os botões de seu colete e a braguilha
de suas calças de montar. Quando seus dedos roçaram sua dureza pôde sentir
sua crescente impaciência.
Afastou-lhe as mãos, rapidamente tirando o casaco de montar,
desprendendo-se de seu colete e camisa, logo depois suas botas e calças. À luz
do dia filtrando-se da janela ficou nu, seu corpo um festim para seus olhos. Ela
adorava seu peito, músculos e o ligeiro pontilhado de pelos. Amava seu ventre,
com sua marcada força ondulante. Desejava seu membro, tão alto, orgulhoso e
preparado para ela.
Girando-a de um lado a outro, ele fez um trabalho rápido com seu vestido,
espartilho, anágua e regata. Então também ficou nua. Seu corpo roçou o dela
quando a atraiu para lhe tirar as forquilhas do cabelo, as compridas mechas
caindo ao redor de seu rosto e ombros.
—É tão formosa, meu amor — ele disse com voz áspera. De qualquer outro
homem, dito de qualquer outra maneira, ela poderia não ter acreditado. Suas
curvas brancas, abundantes e seus traços comuns eram pouco prováveis que
fizessem milhares de navios levantarem âncoras. Mas aos olhos de Harrison era
formosa. Sabia disso tão claramente como sabia que aqueles olhos se
escureceriam como o faziam agora. Que faiscariam e cintilariam de desejo.
Por ela. Só por ela.
Ela foi para ele.
Ele se aproximou dela.
Caiu de joelhos diante dela.
Apertou os lábios com reverência contra seu ventre, logo os deslizou para
cima, aos seus seios. Ele empurrou um com sua bochecha e logo levou seu
mamilo ao calor de sua boca. Ela gemeu e lhe acariciou o rosto, arqueando-se
para ele com insistência. Harrison soprou contra sua pele, sugou e lambeu seu
mamilo até que ela não pôde evitar rodar os quadris.
Sentia os joelhos como manteiga quando ele liberou seu mamilo para adorar
ao outro, deixando o primeiro exposto, logo seu adorado polegar o agradou
também.
—Harrison — rogou. — Preciso de ti.
Foi acariciando de suas coxas até suas nádegas, provocando, incitando. Com
suas mãos fortes rodeando sua cintura, ele a ajudou a sentar-se na cama,
depositou-a brandamente e logo lhe empurrou todo o corpo até que pôde
esticar-se sobre ela, alinhando seus corpos.
Oh, a sensação de sua pele, de seu peso, de seu calor. Olhando-o nos olhos,
respirou seu fôlego entesourado.
—Amo-te — ela sussurrou, suas mãos acariciando sua mandíbula, sua pele
raspando suas palmas e passou o polegar por seus lábios.
Ele deslizou entre suas coxas e pressionou-se em seu interior. O azul de seus
olhos brilhou e se consumiu quando ele uniu sua carne à sua.
—Minha Jane. — Estabelecendo um ritmo lento e pausado, arrastou seu
peito sobre seus mamilos, conduzindo-a mais alto, esquentando-a mais.
Apoiando-se nos cotovelos para não a esmagar, suas mãos brincaram com
seu cabelo, provocando pequenos calafrios ao longo de seu couro cabeludo. Ele
acariciou seus lábios e bochechas e brincou com suas covinhas quando ela sorriu
de felicidade.
Entre suas coxas, seu membro lentamente se esticava e se retirava, enchia e
retrocedia, queimava e a completava até que cada centímetro de seu centro
ondulou e chorou de alegria. Com deliberação, estava inclinado de modo que
seu membro venoso e pesado se deslizava contra os lábios inchados de seu sexo,
esfregando o centro de seu prazer com cada lento e enlevado impulso.
E todo o tempo ele nunca afastava os olhos dos seus. Mantinham-se ligados,
a beleza de sua união quase ofuscante, sua única realidade aquele precioso laço
que unia suas almas.
Ele baixou sua testa, agora úmida de suor, à dela, mas não rompeu o
vínculo, olhando-a fixamente nos olhos, respirando em sua boca. Jane podia ver
a mudança, a urgência crescente, o fogo mudando de uma queimadura a um
incêndio. Ele acelerou o ritmo de seus quadris. Ela elevou as pernas para o
envolver ao redor de seus quadris. As faíscas que consumiam todo seu corpo a
obrigaram a ir mais alto, contraíram seus pulmões e curvaram os dedos de seus
pés e se derramaram ao seu redor. Explodiram em uma chuva, inundaram em
uma explosão tão vermelho vivo, que caiu aos pedaços, soluçando seu nome.
Ele respondeu à chamada com as investidas que necessitava, a pressão profunda
uma vez. Duas. Três vezes. Logo ele a seguiu ao topo, lhe permitindo jogá-lo no
precipício em uma luz branca brilhante, puxado pelo único laço que se negava a
romper. Cinza azulado e castanho escuro. Harrison e Jane. Unidos para sempre.
Muito tempo depois Jane o sentia tremer em seus braços, seus corpos
saciados jazendo um junto ao outro, ainda ligados em um abraço.
—Diga que é minha — ele murmurou em seu ouvido.
—Sou toda sua.
—Nunca me deixe de novo.
—Nunca.
Enquanto ela acariciava seus braços e peito, regando beijos fugazes ao longo
de sua mandíbula, ele se manteve em silêncio, deixando-a explorá-lo e
tranquilizá-lo. Finalmente pressionou seus lábios contra os dela.
—Não será fácil para mim, Jane — ele sussurrou. — Aterroriza-me.
Ela sorriu.
—Eu?
—Pela forma que me faz sentir.
—E como é isso?
Ele suspirou.
—É muito para descrever. Estou decidido a te dar tudo. Tudo o que tenho
dentro. Essa é minha promessa, e não a quebrarei. Mas por favor, não peça que
o explique, porque não tenho palavras.
Jane afundou o nariz em seu pescoço e respirou profundamente, deixando
que o suave suspiro da brisa exterior enchesse a habitação por um tempo. Logo,
com um toque de malícia em sua voz, disse: —Tenho uma proposta.
Ele ficou quieto.
—Sim?
—Cada ano, neste dia, escreveremos uma carta. Não uma carta ordinária
com notas sobre as crianças ou as contas da casa. E sim uma carta descrevendo
um aspecto, tão somente um do que sentimos um pelo outro.
—Ah, Jane — disse, sua voz cheia de afeto. — Você é muito melhor do que
eu nesse tipo de coisa. Minha predição é que ficará terrivelmente decepcionada
com meus esforços.
Ela se apoiou em um cotovelo e logo movendo-se entre seus braços para
poder rodar por cima dele e ficar escarranchada sobre seus quadris e com seus
rostos de frente e separados por centímetros. Seu cabelo escuro caiu como uma
cortina ao redor deles, sombreando alegremente a óbvia faísca de alegria
naqueles olhos cinza azulados. Sorrindo ao seu formoso marido, pôs um
pequeno beijo em seu nariz e lhe deu uma piscada.
—Quer apostar, meu amor?
EPÍLOGO
"Devo dizer, a necessidade desta geração mais jovem é toda uma provocação. Onde
estariam sem meu juízo e sabedoria superior para guiá-los?" - A Marquesa Viúva de
Wallingham ao seu novo acompanhante, Humphrey.
5 de dezembro, 1817