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Distúrbios de saúde mental aumentam em todos os países do mundo,

alerta relatório

Documento escrito por grupo de especialistas ressalta ainda que transtornos


podem custar à economia global até US$ 16 trilhões

O Globo Saúde
Ana Paula Blower e Renato Grandelle
10/10/2018
Uma epidemia que se alastra por todo o planeta, provoca prejuízos
exorbitantes e que tão cedo não será remediada. Este é o diagnóstico realizado por uma
comissão de 28 cientistas sobre a crise de saúde mental. De acordo com um relatório
publicado pela revista “Lancet”, casos de doenças como ansiedade e depressão
aumentaram “dramaticamente” nos últimos 25 anos e nenhum país está investindo
suficientemente para combater esta tendência. A falta de políticas dedicadas à área pode
custar US$ 16 trilhões à economia global entre 2010 e 2030.
Embora alguns investimentos sejam destinados a assistência médica,
remédios e outras terapias, a maior parte da verba terá uma finalidade indireta, como
gastos em produtividade no trabalho, projetos de bem-estar social, educação e
legislação. O custo destacado pelos cientistas foi estimado a partir de dados do Banco
Mundial sobre as perdas econômicas provocadas por pessoas em idade ativa com
problemas de saúde mental. Se os problemas fossem adequadamente abordados, seria
possível evitar 13,5 milhões de mortes por ano.
Professor da Escola de Medicina da Universidade Harvard e coautor do
levantamento, Vikram Patel avalia que o fracasso coletivo em responder à crise global
de saúde resulta em uma “perda monumental das capacidades humanas”, com prejuízos
duradouros às comunidades e às economias.
— A situação é extremamente sombria — alerta. — Nenhuma condição de
saúde da Humanidade é tão negligenciada como a saúde mental.
A comissão acrescenta que “a qualidade dos serviços de saúde mental é
rotineiramente pior do que aqueles destinados à saúde física”, e muitos pacientes são
submetidos a graves violações dos direitos humanos, como algemamento, tortura e
prisão. Em uma cúpula realizada ontem em Londres, os especialistas apelaram para uma
abordagem baseada nos direitos humanos para garantir o respeito a direitos
fundamentais, como acesso ao emprego e à educação. Também são registrados abusos
em muitos países, “com um grande número de pessoas trancadas em instituições
psiquiátricas ou prisões, ou vivendo nas ruas, muitas vezes sem proteção legal”.

MILHÕES DE PACIENTES

De acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde, cerca de 300


milhões de pessoas em todo o planeta sofrem depressão e 50 milhões têm demência. A
esquizofrenia acomete 23 milhões, e o distúrbio bipolar atinge 60 milhões.
Alexandrina Meleiro, doutora do Departamento de Psiquiatria da USP,
ressalta que, das dez doenças que mais incapacitam o ser humano, cinco estão ligadas à
saúde mental. Ainda assim, prevalecem o “estigma e o preconceito”.
— Existe uma grande disparidade entre os problemas físicos, em que se
investe em tratamento, e as doenças mentais, que seguem desvalorizadas — compara
Alexandrina, que é membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). —
Precisamos de uma nova abordagem para questões como crise de pânico, fobias,
transtornos obsessivos-compulsivos. Muitas pessoas têm esses diagnósticos e procuram
um neurologista, porque acreditam que visitar um psiquiatra é um demérito. Tomam
remédios para uma série de enfermidades, mas não aceitam um antidepressivo.
A resistência em abordar as doenças mentais é histórica. Seus pacientes já
foram encarados como vítimas de possessões demoníacas que deveriam viver em locais
isolados pela vida inteira. Hoje, embora não sejam tratadas da mesma forma, o estigma
permaneceu, diante das mudanças no estilo de vida.
— Muitos fatores explicam a atual difusão das doenças mentais: o perfil da
sociedade, que se tornou mais exigente e perfeccionista e nos transformou em
trituradores de comunicação — assinala. — Também gastamos horas em redes sociais, e
estudos mostram como isso pode aumentar os casos de depressão. Além disso, os jovens
estão encontrando drogas com maior facilidade.
Professora do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da
Universidade Federal da Bahia, Miriam Gorender sublinha que cada euro investido em
doenças mentais resulta em uma economia global de quatro euros.
— É um ótimo investimento dos governos contra um preconceito pré-
histórico — pondera Miriam, que também é membro da ABP. — No entanto, ao longo
dos anos, assistimos ao fechamento de serviços psiquiátricos, e não à sua qualificação.
Os pacientes estão por aí sem tratamentos eficazes. Como resultado, vivemos em um
manicômio a céu aberto. O preconceito se disseminou.
Miriam lembra que uma em cada quatro pessoas terá algum tipo de doença
mental em algum momento da vida. Nas mulheres, há o dobro de chances, já que elas
acumulam uma jornada dupla — emprego e trabalho doméstico — e também são
afetadas pelo ciclo hormonal.

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