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“Educação e ilustração: estudo moral”. Revista Popular. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, ano I, t.

I,
jan./mar. 1859, p. 330-333.

EDUCAÇÃO E ILUSTRAÇÃO

ESTUDO MORAL

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Quantas vezes vemos confundidas na prática estas duas palavras, que ninguém confundirá
em teoria? E quantos males não resultam à sociedade da falsa aplicação de princípios, aliás
verdadeiros? Ensaiemos estudar esta importante questão, que não pode deixar de interessar à
maioria dos leitores.
Ouvimos diariamente dizerem pais de famílias: queremos dar aos nossos filhos boa
educação, e para isso apressamo-nos em mandá-los ao colégio. E os que assim se exprimem, não
ignoram a rigorosa acepção dos dois vocábulos, e muitos deles seriam capazes de fazer preleções
filológicas, dignas de Fr. Francisco de S. Luiz e de Roquete. O uso, porém, prevalece, e a
juventude sofre as funestas conseqüências da falsa sinonímia.
A educação precede a ilustração, e é muito mais difícil de adquirir. Pretende Buffon, que a
criança começa a ser educada no útero, e, apenas cresce, compete à mãe dirigir com zelo e
carinho os seus primeiros e vacilantes passos. Assim, pois, as primeiras lições, e as que mais
arraigadas nos ficam, recebemo-las nós no regaço materno.
Principia felizmente a ser apreciado o importante papel, que assinou Deus à mulher, na
grande obra da civilização humana.
“Nas modernas sociedades, diz Lemernier, nos dão nossas mães os primeiros sentimentos
e as primeiras idéias; é a mãe quem reconhece o caráter e o gênio de seu filho, aplaude sua
vocação, sustenta-a contra o [331] descontentamento paterno, consola-o, fortifica-o, entrega-o
finalmente à sociedade.”1
Se é indubitável a influência, que a mãe exerce sobre o futuro de seu filho, porque não se
há de preparar convenientemente a mulher para a sublime missão, que deve um dia exercer?
Toma-a no berço a fatuidade; doutrinam-na na arte de agradar pelos dotes físicos; dão-lhe
mesquinha e escassa instrução; inspiram-lhe a perigosa paixão do luxo; tornam-na caprichosa, e
fazem-na mãe de família numa perpétua menoridade.
Pensamos com Ainé Martin, que é fictícia a civilização, cujas bases não foram assentadas
pelos inteligentes esforços da mulher. A ciência da educação, mais do que a nós lhes pertence; só
elas possuem o admirável segredo de formar os corações. Baldas (na maior parte) de instrução
sólida, vítimas de imensos preconceitos, prestam ainda assim relevantes serviços; moralizam a
infância com essas histórias, que lhes referem, e de que tão curiosas se mostram as crianças;
pagam uma boa ação com um beijo, ou com um abraço, e punem, mostrando-se enfadadas.
Quantas cenas afetuosas se não praticam diariamente no interior das famílias, e que sublimes
quadros não oferece o amor da mãe da esposa e da irmã! Treme o menino diante do pai, e
continua a ser travesso; nega-lhe um sorriso a mãe, e ele corrige-se. Volta o libertino da casa de
jogo, onde perdera o último real, encontra a jovem esposa curvada sobre o trabalho, para que à

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Fhilosophie du Droit, tom. 1o.
mingua não pareçam os filhos; envergonha-se, e corrige-se. Ameaçado de ser expulso do lar
paterno, pelos seus desmandos, volve o mancebo em seu cérebro mil idéias de suicídio; eis que
uma mão levemente lhe toca no ombro, volta-se, e reconhece sua irmã. Juntos choram; vem após
as lágrimas o arrependimento, segue-se o perdão, e o mancebo também se corrige. Em todos
estes, e infinitos outros exemplos, vemos a salutar influência de mulher.
Até agora, só a natureza tem dirigido a mulher na educação do homem, seu coração foi o
único guia: cumpre que a arte venha também em seu auxílio; importa que a mestra aprenda a
ensinar.
Não somos utopista; não sonhamos a emancipação da mulher no sentido, que desejam
alguns escritores modernos. O teatro do sexo feminino é a família, é o lar doméstico o campo de
suas operações. Sempre nos pareceram aberrações a mulher guerreira, política, agiota, &c.; mas
quiséramos que se ampliasse a esfera dos seus conhecimentos, para que ela pudesse bem
desempenhar a tarefa de educadora da mocidade.
Porque não seria confiada à mulher a instrução da infância? Que inconveniente haveria
em termos mestras de primeiras letras, em vez de mestres? O contato dos meninos com as
meninas, na idade em que ainda são neutros, em nada prejudicaria aos bons costumes; e não
poucas seriam as vantagens, que resultariam de semelhante sistema, já adotado na França,
Inglaterra, Alemanha, e em alguns outros países da Europa.
Por mais desvelado, que seja um pai, impossível lhe seria incumbir-se da educação de
seus filhos. Forçam-no os deveres sociais a longas ausências, e a educação é um trabalho
contínuo; exige reiterados esforços. Releva que o elogio acompanhe a boa ação, e a censura o
delito. Condenamos [332] o método, adotado por algumas mais, de ameaçarem os meninos com a
cólera paterna, deixando impunes suas travessuras, ou pequenas maldades. Formam a mãe e o pai
um só tribunal: não deve ser lícita a apelação dum para outro.
Lançado o alicerce da educação, e havendo recebido o menino, ou menina, os primeiros
elementos da ilustração, poderá então ser mandado para o colégio. Reconhecemos a
superioridade do ensino simultâneo ao indivíduo colégio. Poucos são os meninos, que aproveitam
com o ensino dado em casa, onde falta de regularidade nas horas de explicação e de recreio, os
estorvos das visitas, e também os incômodos de família, são poderosos obstáculos ao bom
aproveitamento do mais favorecido talento. Opinamos em prol dos colégios bem dirigidos, onde a
moral seja escrupulosamente guardada, e onde os pais não tenham de ver destruída, em poucos
dias, a obra, em que despenderam anos. Lembramos, porém, que os colégios não podem
desempenhar as funções de educadores, que muita gente deles exige. Impossível é aos diretores
velar de perto sobre os mais insignificantes atos dos alunos, para fazer-lhes constantes preleções
morais, e assim reservam-se unicamente para o conhecimento dos que apresentam maior
gravidade. E nesses atos que, à primeira vista, parecem insignificantes, estão os germens de
muitos vícios, ou virtudes.
Tem-nos mostrado a experiência, que os alunos mais bem morigerados, são os que têm a
fortuna de possuir pais cuidadosos; e aqueles, cujas maneiras mais nos encantam, trazem gravado
o selo da educação feminina.
Não pode o colégio dar essa nova natureza, que constitui a educação: ilustra o espírito,
comunica-lhe o brilhante colorido das ciências e das letras, e considera finda a sua missão.
Contemplai esse mancebo, que acaba de sair das aulas, galardoado com os primeiros
prêmios, mas cuja educação foi abandonada. Se fala, é um pedante, erige-se em supremo juiz, e
decide ex-cátedra as mais espinhosas questões; se está sentado, reclina-se na cadeira, e para mais
comodidade, põe os pés na que lhe fica em frente, e enche a sala com a fumaça do charuto, parte
integrante do seu organismo. Entrou para a sociedade, sem estar preparado para ela; seus hábitos
são os dum colegial em férias.
Para a boa educação contribui também poderosamente o ensino religioso, não como se
entende entre nós, consistindo em decorar algumas lições do catecismo e recitar maquinalmente
as preces da igreja; mas na apreciação dos belíssimos exemplos, que nos oferecem os livros
santos; no estudo e na meditação das verdades reveladas. Que excelente tratado de educação não
nos apresenta o Evangelho! Lido por uma mãe piedosa, e por ela comentado, e aplicado à
situação do menino, grava-se no seu terno coração, e dá-lhe uma norma de viver, tão singela, que
apagando as ligeiras imperfeições de sua alma, torna como que inata a virtude. Parando
respeitosa no peristilo do dogma, deixa a mulher ao padre a sublime tarefa de completar a
educação religiosa de seu filho: conduze-o ao templo, fá-lo assistir à celebração dos mistérios, à
explicação da doutrina, e constitui-se ainda sua amável repetidora.
[333] Havemos assinado à mulher a mais importante parte na educação, resta prevenir a
objeção, que nos poderão fazer, de que nem todas as mais serão instruídas, nem todas as meninas
serão mães.
Não exigimos, para todas as mulheres, a ilustração das Vacier e das Stäel, porque nem
todos os homens são Sócrates e Platões: desejaríamos sim, que recebessem todas maior cópia de
conhecimentos, mesmo para as modestas funções, que aqui lhes marcamos. Não é um sonho
semelhante projeto, nossas patrícias são infinitamente mais ilustradas, do que foram suas avós:
falta dar mais solidez aos seus estudos, imprimir nova direção a suas idéias, chamando-as à
realidade da vida, e sobretudo deixar de lisonjeá-las com as hiperbólicas homenagens à frágil
beleza corpórea.
Os vícios e defeitos das mulheres, disse com muito acerto o Sr. Alexandre Herculano, são
obra dos homens; é tempo, pois, de emendar o erro, de restituir a metade da espécie humana a sua
mais nobre e elevada missão, a de educar a mocidade.
A sublime dedicação da mulher, ergue-se para amparar o órfão: privado dos maternais
carinhos, nem por isso deixará o menino de ser bem educado. Cuide o Estado em ter boas
mestras, criando asilos da infância desvalida, e o nosso programa será ainda exeqüível.
Concluamos. Entendemos, que a educação é mais necessária, do que a ilustração: nem
todos podem ser literatos, mas cumpre que ninguém ignore as regras necessárias, para ser
estimado na sociedade. Sem excluir totalmente os homens, damos principal encargo, em tão
nobre tarefa, às mulheres: se o leitor conheceu sua mãe, se ouviu suas lições, concordará conosco.
Dirige-se a ilustração ao espírito; é obra dos colégios: pode fazer exímios sábios, não fará, porém,
bons cidadãos. Faz-nos a ciência respeitados, e a educação queridos.

J. C. Fernandes Pinheiro.

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